29 Volta para casa

A viagem até a Floresta do Oeste — que no sonho de lobo fora feita em no máximo meia dúzia de passos — saindo das montanhas e cruzando as Colinas de Areia, levou três longos dias a cavalo. Os Aiel não tinham problemas em acompanhá-los a pé, mas, na verdade, os animais não conseguiam avançar muito depressa com tantas ondulações no terreno. As feridas de Perrin coçavam demais enquanto cicatrizavam. O unguento de Faile parecia estar funcionando.

No geral, foi uma viagem silenciosa, interrompida mais pelos rosnados das raposas à caça ou pelos gritos dos gaviões do que pela voz humana. Pelo menos não viram mais corvos. Mais de uma vez, Perrin pensou que Faile parecia prestes a se aproximar em sua égua e dizer alguma coisa, mas acabava se contendo. Ficou feliz por isso. Queria falar com ela mais do que tudo, mas e se acabassem em sua água fazendo as pazes? Censurou-se por querer fazer as pazes. Faile o enganara e fizera o mesmo com Loial. A mulher tornaria tudo pior, muito mais difícil. Perrin queria poder beijá-la outra vez. Queria que Faile se cansasse dele e fosse embora. Por que ela tinha que ser tão teimosa?

Faile e as duas Aiel avançavam em silêncio. Bain e Chiad caminhavam uma de cada lado de Andorinha, e volta e meia uma das duas seguia na frente. As três às vezes cochichavam entre si, depois faziam tanta questão de não olhar para Perrin que seria mais óbvio se atirassem pedras. A pedido dele, Loial ainda seguia com as mulheres, embora estivesse claro que a situação o incomodava demais. As orelhas do Ogier se contorciam como se ele desejasse nunca ter ouvido falar nos humanos. Gaul parecia achar a coisa toda muito engraçada. Sempre que Perrin olhava para o Aiel, notava que o homem parecia estar se divertindo.

Perrin viajava imerso em preocupações, mantendo o arco encordoado passado no cepilho alto da sela. Será que o tal de Matador vagava por Dois Rios apenas no sonho de lobo, ou também estava lá no mundo real? Suspeitava da última alternativa, achava que fora o tal de Matador que acertara o gavião sem motivo aparente. Era mais uma complicação que preferia não ter, ainda mais com os Filhos da Luz já envolvidos na história.

Sua família morava em uma grande fazenda a mais de um dia de viagem de Campo de Emond, quase na Floresta das Águas. Lá viviam o pai, a mãe, as irmãs e o irmãozinho caçula. Paetram estava com nove anos, sem dúvida protestando com mais vigor do que nunca ao ser chamado de “irmãozinho”. Deselle fizera doze anos e já devia estar uma mocinha, e Adora, com dezesseis, com certeza estava pronta para trançar os cabelos. Lá também viviam, junto com os filhos, o tio Eward, irmão de seu pai, e a tia Magde, ambos corpulentos e muito parecidos. A tia Neain, que visitava o túmulo de tio Carlin todas as manhãs, morava lá com os filhos. Também tinha a tia-avó Ealsin, que nunca se casara, de faro aguçado e olhar mais ainda, sempre descobrindo o que todos estavam aprontando em um raio de milhas. Quando era aprendiz de Mestre Luhhan, Perrin os via apenas nos dias de festa, já que a distância era grande demais para visitá-los com frequência, e sempre havia trabalho a fazer. Se os Mantos-brancos estivessem à caça dos Aybaras, seria fácil encontrá-los. Tinha que se preocupar com a família, não com esse Matador. Era o máximo que podia fazer. Proteger sua família e Faile. Isso vinha em primeiro lugar. Depois vinham a aldeia e os lobos, e, por último, o tal de Matador. Não tinha como um único homem dar conta de tudo.

A Floresta do Oeste crescia sobre um solo pedregoso entremeado por afloramentos cobertos de amoreiras silvestres, uma terra dura, de árvores robustas, com poucas fazendas ou trilhas. Quando menino, Perrin percorrera aquelas matas densas. Às vezes ia sozinho, outras, com Mat e Rand. Os três caçavam com arco ou funda, montavam armadilhas para coelhos ou apenas vagavam por simples prazer. Esquilos com rabos peludos guinchavam nas árvores, tordos-pintados chilreavam nos galhos, tordos-negros e codornas-de-costas-azuis cantavam de detrás dos arbustos à frente dos viajantes — tudo o fazia lembrar-se de casa. Até mesmo o cheiro da terra levantada pelos cascos dos cavalos era familiar.

Perrin poderia ter seguido direto até Campo de Emond, mas desviou um pouco mais para o norte, pela floresta, cruzando a faixa de terra larga e acidentada chamada Estrada da Pedreira só quando o sol descia em direção aos topos das árvores. Porque da “pedreira” ninguém em Dois Rios sabia. Na verdade nem parecia uma estrada, era só um trechinho mirrado que a pessoa nem notava que não tinha árvores, até avistar os sulcos formados pelos inúmeros carros e carroções. Às vezes surgiam resquícios de um antigo pavimento no chão. Talvez aquela estrada já tivesse conduzido a uma pedreira de Manetheren.

A fazenda que Perrin buscava não ficava longe da estrada, por detrás das fileiras de macieiras e pereiras já cheias de frutas. Sentiu o cheiro da fazenda antes de vê-la. Cheiro de carvão. Não era recente, mas um ano inteiro não seria o bastante para suavizar aquele odor.

Freou o cavalo na beirada das árvores e ficou ali parado, examinando a situação antes de se forçar a seguir até o que fora a fazenda al’Thor, puxando o cavalo de carga atrás do seu. Apenas o redil das ovelhas, com paredes de pedra, continuava de pé. O portão gradeado estava aberto e preso apenas a uma dobradiça. A chaminé, negra de fuligem, formava uma sombra torta nas vigas chamuscadas e caídas da casa. O celeiro e a estufa de cura de tabaco estavam reduzidos a cinzas. As ervas daninhas haviam tomado o campo de tabaco e a horta, que parecia ter sido pisoteada. Tudo o que não era chicória ou rabo-de-gato estava destruído e amarronzado.

Ele nem sequer pensou em encaixar uma flecha no arco. O incêndio ocorrera semanas antes, e a madeira queimada estava oleosa e fosca por conta das chuvas. A trepadeira-sufocante levava quase um mês para crescer até aquela altura e já tinha até envolvido o ancinho e o arado que jaziam ao lado do campo, tão enferrujados que dava para ver os pontos vermelhos por sob as folhas brancas estreitas.

Mas os Aiel vasculharam o lugar com cautela, de lanças prontas e olhos atentos, percorrendo o chão e cutucando as cinzas. Quando Bain emergiu das ruínas da casa, olhou para Perrin e balançou a cabeça. Pelo menos Tam al’Thor não morrera ali dentro.

Eles sabem. Eles sabem, Rand. Você devia ter vindo. Era quase impossível não fazer Galope sair correndo e seguir direto até a fazenda de sua família. Ou pelo menos tentar: até mesmo Galope cairia morto antes de conseguir cavalgar por tanto tempo. Talvez aquilo fosse obra de Trollocs. Se fosse, talvez sua família ainda estivesse na fazenda, trabalhando, em segurança. Respirou fundo, mas o cheiro de queimado obliterava qualquer outro odor.

Gaul parou ao lado dele.

— Seja lá quem tenha feito isso, já está bem longe. Mataram algumas ovelhas e afugentaram o resto. Alguém veio depois para reunir o bando e levá-lo para o norte. Dois homens, acho, mas as pegadas estão muito velhas para ter certeza.

— Temos alguma pista de quem foi?

Gaul balançou a cabeça. Poderiam ter sido Trollocs. Era estranho desejar uma coisa dessas. E tolo. Os Mantos-brancos sabiam o nome dele e parecia que também sabiam o de Rand. Eles sabem o meu nome. Perrin olhou para as cinzas da fazenda dos al’Thor e guiou Galope com as mãos tremendo nas rédeas.

Loial descera do cavalo ao chegar no limite do pomar, mas sua cabeça permanecia escondida entre galhos. Faile avançou em direção a Perrin, analisando o rosto do rapaz. Sua égua pisava com delicadeza.

— Isso aqui é…? Você conhece as pessoas que moravam aqui?

— Rand e o pai dele.

— Ah. Pensei que pudesse ser… — O alívio e a compaixão na voz dela eram suficientes para concluir a frase. — Sua família mora aqui por perto?

— Não — respondeu Perrin, com certa rudeza, e Faile se retraiu como se tivesse levado um tapa.

Mas a jovem continuou a observá-lo, à espera. O que ele precisava fazer para afastá-la? Se não conseguira até então, devia estar além do seu poder.

As sombras já se alongavam, o sol deitava nos topos das árvores. Ele deu meia-volta com Galope, dando as costas para ela com grosseria.

— Gaul, teremos que acampar aqui por perto, essa noite. Quero partir cedo, amanhã. — Ele olhou sorrateiro por cima do ombro. Faile ia de volta até Loial, sentada rígida na sela. — Em Campo de Emond, devem saber… — Onde estavam os Mantos-brancos, para que ele pudesse se entregar antes que machucassem sua família. Isso se estivesse tudo bem com sua família. Se a fazenda onde ele nascera já não estivesse igual à da família de Rand. Não. Tinha que ter chegado a tempo de impedir aquilo. — Devem saber como estão as coisas.

— Então sairemos cedo. — Gaul hesitou. — Você não vai conseguir afastá-la. Aquela ali é quase Far Dareis Mai, e, por mais que corra, é impossível fugir de uma Donzela que ama você.

— Pode deixar que eu cuido de Faile. — Ele suavizou a voz. Não era de Gaul que queria se livrar. — Partiremos bem cedo. Enquanto Faile ainda estiver dormindo.

Ambos os acampamentos sob as macieiras se aquietaram durante a noite. Várias vezes uma ou outra das Aiel se levantava e observava a pequena fogueira onde ele e Gaul estavam sentados, mas o piar de uma coruja e as pisadas dos cavalos eram os únicos sons nos arredores. Perrin não conseguiu dormir. Ainda faltava uma hora para clarear e a lua cheia ainda estava chegando ao horizonte quando ele e Gaul partiram. O Aiel avançava silencioso com as botas macias, e os cascos dos cavalos também faziam pouco barulho. Bain, ou talvez Chiad, os viu partir. Perrin não soube dizer quem era, mas a Aiel não acordou Faile, e ele ficou grato.

O sol já estava bastante alto quando saíram da Floresta do Oeste, ainda um pouco abaixo da aldeia, despontando por entre caminhos e trilhas de carroças, a maioria ladeada por cercas-vivas ou muros baixos de pedra bruta. A fumaça formava colunas suaves sobre as chaminés das casas de fazenda. Pelo cheiro, as donas de casa estavam preparando o café. Homens ponteavam os campos de tabaco e cevada, e meninos vigiavam os rebanhos de ovelhas de cara negra dispersos pelos pastos. Alguns notavam a passagem deles, mas Perrin manteve o passo de Galope ligeiro, na esperança de que ninguém se aproximasse o bastante para reconhecê-lo ou perceber a estranheza das roupas e das lanças de Gaul.

As ruas em Campo de Emond deviam estar movimentadas àquela hora, então Perrin deu a volta a leste, passando longe da vila, das ruas de terra batida e dos telhados de palha aglomerados ao redor do Campo, onde a própria Fonte de Vinho manava do afloramento de uma pedra com força suficiente para derrubar um homem, dando origem ao rio de mesmo nome. A destruição que ele se lembrava de ter visto na Noite Invernal, no ano anterior, com casas incendiadas e telhados chamuscados, desaparecera: tudo fora reformado e reconstruído. Parecia até que os Trollocs nunca tinham passado por ali. Ele rezou para que ninguém tivesse que passar por aquilo outra vez. A Estalagem Fonte de Vinho ficava praticamente no ponto mais a leste de Campo de Emond, entre a Ponte das Carroças de madeira robusta, que cruzava o rio, e uma antiga fundação de pedra, um lugar gigantesco com um enorme carvalho crescendo no meio. Havia mesas dispostas sob os grandes galhos da árvore, onde o povo se sentava nas tardes amenas e assistia a partidas de boleada. Àquela hora da manhã, as mesas estavam vazias, naturalmente. Havia apenas algumas casas mais a leste. O primeiro andar da estalagem era todo de pedra, e o segundo andar era de paredes caiadas, dando para um telhado vermelho de onde despontavam várias chaminés. Era o único telhado de telhas em um raio de milhas.

Amarrando Galope e o cavalo de carga a um poste próximo à porta da cozinha, Perrin observou o estábulo de telhado de palha. Dava para ouvir homens trabalhando lá. Deviam ser Hu e Tad, limpando esterco das baias onde Mestre al’Vere guardava o grande grupo de Dhurran que alugava para puxar cargas pesadas. Também ouvia sons vindos do outro lado da estalagem, o burburinho de vozes no Campo, o grasnido dos gansos, o ranger de um carroção. Deixou a carga nos cavalos, seria uma parada ligeira. Acenou para que Gaul o seguisse e correu para dentro, carregando o arco, antes que os dois cavalariços aparecessem.

A cozinha estava vazia, com os dois fogões de ferro e todas as lareiras, exceto uma, apagados, embora o aroma de pão assado ainda pairasse no ar. Pão e torta de mel. A estalagem quase não recebia hóspedes, a não ser pelos mercadores que vinham de Baerlon para comprar lã e tabaco ou algum mascate que vinha a cada mês se a neve não impedisse o acesso à estrada. Também tinha o povo da aldeia, que chegava no fim do dia para tomar um trago e comer alguma coisa, mas eles decerto estavam trabalhando duro àquela hora. Porém, devia haver alguém lá, então Perrin avançou nas pontas dos pés pelo pequenino corredor que levava da cozinha até o salão e abriu uma fresta da porta para espiar lá dentro.

Já vira aquele salão quadrado mil vezes, com a lareira feita de seixos de rio ocupando metade da extensão, o lintel da altura do ombro de um homem, a caixa polida de tabaco e o estimado relógio de Mestre al’Vere apoiados na cornija. Mas, de alguma forma, tudo parecia menor. As cadeiras de espaldar alto diante da lareira abrigavam as reuniões do Conselho da Aldeia. Os livros de Brandelwyn al’Vere jaziam em uma prateleira oposta à lareira — Perrin já fora incapaz de imaginar que houvesse mais livros em um lugar só do que aquelas poucas dezenas de exemplares surrados — e os barris de cerveja e vinho estavam empilhados na outra parede. Coceira, o gato amarelo da estalagem, dormia esparramado sobre um deles, como de costume.

Exceto pelo próprio Bran al’Vere e sua esposa, Marin, que poliam a prata e o peltre da estalagem em uma das mesas, vestidos em aventais brancos e compridos, o salão estava vazio. Mestre al’Vere era um homem robusto e gorducho, com esparsos cabelos grisalhos cobrindo o topo da cabeça. A senhora al’Vere era magra e tinha porte de mãe; sua trança grossa e grisalha estava jogada por cima de um dos ombros. Ela exalava cheiro de assado e um aroma mais discreto de rosas. Perrin lembrava-se deles como pessoas sorridentes, mas os dois pareciam concentrados, e o Prefeito estava com a testa franzida de um jeito que com certeza nada tinha a ver com a taça de prata em suas mãos.

— Mestre al’Vere? — Ele empurrou a porta e entrou. — Senhora al’Vere. Sou eu, Perrin.

Eles se levantaram de um salto, derrubando as cadeiras e fazendo Coceira dar um pulo. A Senhora al’Vere cobriu a boca com a mão. Ela e o marido ficaram tão boquiabertos ao vê-lo quanto ao notar Gaul. Foi o bastante para Perrin trocar o arco de mão, constrangido. Ainda mais quando Bran correu até uma das janelas da frente — o homem se movia com uma leveza surpreendente para alguém de seu tamanho — e afastou as cortinas de verão para espiar, como se esperasse ver mais Aiel do lado de fora.

— Perrin — murmurou a Senhora al’Vere, incrédula. — É você mesmo. Quase não o reconheci, com essa barba, e esses… Seu rosto! Você se mach…? Egwene está com você?

Perrin tocou o corte meio cicatrizado na bochecha, constrangido, desejando ter se lavado ou pelo menos deixado o arco e o machado na cozinha. Não tinha pensado que eles poderiam ficara assustados com sua aparência.

— Não. Isso não tem nada a ver com ela. Egwene está em segurança. — Estaria mais se tivesse voltado para Tar Valon do que se tivesse permanecido em Tear com Rand, mas, de todo modo, estava em segurança. Imaginou que devia à mãe de Egwene algo mais do que aquela declaração seca. — Senhora al’Vere, Egwene está estudando para ser Aes Sedai. Nynaeve também.

— Eu sei — respondeu ela, baixinho, tocando o bolso do avental. — Ela me mandou três cartas de Tar Valon. Pelo que escreveu, enviou outras. E Nynaeve mandou pelo menos uma, mas só chegaram essas três de Egwene. Ela contou um pouco sobre o treinamento, que parece muito rígido, devo dizer.

— É o que ela quer fazer.

Três cartas? A culpa o fez encolher os ombros, constrangido. Não escrevera nenhuma carta desde os bilhetes que deixara para sua família e Mestre Luhhan na noite em que Moiraine o levou embora de Campo de Emond. Nenhuma.

— Parece que sim, mesmo não sendo o que imaginei para o futuro dela. Não é algo que eu possa contar para muita gente, não é? De todo modo, Egwene disse que fez amigas. Parecem ser boas meninas. Elayne e Min. Você as conhece?

— Sim, conheço. Acho que dá para dizer que são boas meninas.

Quanto Egwene dissera naquelas cartas? Não muito, evidentemente. A Senhora al’Vere que pensasse o que quisesse, ele não tinha a menor intenção de preocupá-la com coisas a respeito das quais ela nada poderia fazer. O passado ficara no passado. Egwene estava segura o bastante.

Percebendo de repente que Gaul estava parado ali, Perrin mais do que depressa fez as apresentações. Bran piscou quando ele disse que Gaul era Aiel e franziu o cenho para as lanças e o véu negro preso à shoufa, caído sobre o peito, mas sua esposa disse apenas:

— Mestre Gaul, seja bem-vindo a Campo de Emond e à Estalagem Fonte de Vinho.

— Que a senhora sempre encontre água e sombra, senhora do teto — respondeu Gaul educadamente. — Peço permissão para defender seu teto e seu forte.

A mulher hesitou por apenas um instante, antes de responder, como se estivesse muito acostumada àquele linguajar.

— É uma oferta muito cortês. Mas devo ser eu a decidir quando essa proteção é ou não necessária.

— Como quiser, senhora do teto. Sua honra é minha. — De dentro do casaco, Gaul tirou um saleiro de ouro, uma pequena tigela equilibrada nas costas de um leão esculpido com muita elegância, e o estendeu a ela. — Ofereço este pequeno presente para seu teto.

Marin al’Vere aceitou o objeto como faria com qualquer presente, quase sem demonstrar o choque. Perrin duvidou de que houvesse alguma peça similar àquela em toda Dois Rios, e decerto não em ouro. Havia pouquíssimas moedas de ouro em Dois Rios, quanto mais ornamentos. Torceu para que a mulher jamais descobrisse que aquilo tinha sido saqueado da Pedra de Tear. Ele podia apostar que o objeto vinha de lá.

— Meu rapaz — disse Bran — talvez eu devesse dizer “seja bem-vindo de volta”, mas por que foi que você voltou?

— Fiquei sabendo dos Mantos-brancos, senhor — respondeu Perrin, simplesmente.

O Prefeito e a esposa trocaram olhares soturnos, e Bran continuou:

— Mais uma vez, por que foi que você voltou? Você não pode impedir nada, meu rapaz, nem mudar o que já aconteceu. É melhor ir embora. Se não tiver um cavalo, eu lhe dou um. Se tiver, monte nele e siga para o norte. Achei que os Mantos-brancos estivessem vigiando a Barca do Taren… foram eles que enfeitaram seu rosto?

— Não. Foi…

— Então não importa. Se passou por eles quando chegou, pode passar por eles de volta, na saída. O acampamento principal está lá para cima, em Colina da Vigília, mas as patrulhas podem aparecer em qualquer lugar. Vá logo, meu rapaz.

— Não se demore, Perrin — acrescentou a Senhora al’Vere, em um tom baixo, porém firme, naquela voz que em geral conseguia fazer com que os outros a obedecessem. — Nem mesmo uma hora. Vou preparar um embrulho para você levar. Pão fresco e queijo, um pouco de presunto e rosbife, uns picles. Você precisa ir, Perrin.

— Eu não posso. Vocês sabem que eles estão atrás de mim, ou não me mandariam embora. — Os dois não tinham tecido comentários a respeito de seus olhos, nem para perguntar se ele estava doente. A Senhora al’Vere quase não parecera surpresa. Eles sabiam. — Se eu me entregar, posso impedir algumas coisas. Posso ajudar minha família…

Ele deu um salto quando a porta se abriu com um baque e Faile adentrou, seguida de Bain e Chiad.

Mestre al’Vere passou a mão pela cabeça careca. Mesmo assimilando as roupas femininas das Aiel e obviamente julgando que as jovens eram como Gaul, não pareceu muito perplexo por serem mulheres. Sobretudo, parecia irritado com a invasão. Coceira se sentou para observar os estranhos, desconfiado. Perrin se perguntou se o gato também o considerava um estranho. E também como as três o haviam encontrado e onde estava Loial. Qualquer coisa para evitar a questão de como lidaria com Faile naquele momento.

A mulher lhe deu pouco tempo para ponderar, plantando-se diante de Perrin com as mãos na cintura. Estava fazendo aquele truque feminino de parecer mais alta só porque estava furiosa.

— Se entregar? Se entregar! Você estava planejando isso desde o início? Estava, não estava? Seu idiota! Seu cérebro congelou, Perrin Aybara. Já era mesmo só músculo e cabelo, mas agora não é nem isso. Se os Mantos-brancos estão mesmo atrás de você, vão enforcá-lo quando você se render. Mas por que estariam atrás de você?

— Porque eu matei Mantos-brancos. — Olhando para baixo, ele ignorou o arquejo da Senhora al’Vere. — Aquela noite em que eu conheci você, e duas vezes antes. Eles sabem disso, Faile, e acham que sou um Amigo das Trevas. — A mulher acabaria sabendo, mais cedo ou mais tarde. Depois de ter revelado isso, Perrin poderia ter explicado por que assassinara aqueles homens, se os dois estivessem sozinhos. Pelo menos dois Mantos-brancos, Geofram Bornhald e Jaret Byar, suspeitavam de sua ligação com os lobos. Nem de longe suspeitavam de tudo, mas aquele pouco já bastava para eles. Um homem que corria com os lobos só podia ser Amigo das Trevas. Talvez um, ou ambos, estivesse com os Mantos-brancos de Campo de Emond. — É isso o que acham.

— Você é tão Amigo das Trevas quanto eu — sussurrou Faile, com rispidez. — O sol é mais Amigo das Trevas do que nós.

— Não faz diferença, Faile. Eu tenho que fazer o que é preciso.

— Seu idiota cabeça-oca! Você não tem que fazer nada! Seu cérebro de ganso! Se tentar, eu mesma enforco você!

— Perrin — interveio a Senhora al’Vere, baixinho — será que pode nos apresentar a essa jovem que tem você em tão boa conta?

O rosto de Faile ficou completamente vermelho quando ela percebeu que estava ignorando o Senhor e a Senhora al’Vere, e a jovem começou uma série de mesuras elaboradas e pedidos desculpas com floreios. Bain e Chiad repetiram o gesto de Gaul, pedindo permissão para defender o teto da Senhora al’Vere e dando a ela uma pequena tigela de ouro com desenhos de folhagens e um pimenteiro de prata maior que os dois punhos de Perrin, com uma criatura exótica no topo, metade cavalo, metade peixe.

Bran al’Vere encarou, franziu o rosto, esfregou a cabeça e resmungou sozinho. Perrin captou a palavra “Aiel” mais de uma vez, em um tom incrédulo. O Prefeito continuava espiando pelas janelas. Não devia estar pensando em encontrar mais Aiel, pois ficara surpreso em saber que Gaul era um. Talvez estivesse preocupado com os Mantos-brancos.

Marin al’Vere, por outro lado, aceitou tudo sem problemas, tratando Faile, Bain e Chiad como quaisquer jovens viajantes que aparecessem na estalagem, comiserando-se delas pelo cansaço da viagem, elogiando Faile pelo vestido de montaria — que naquele dia era de seda azul-escuro — e dizendo às Aiel o quanto admirava a cor e o brilho de seus cabelos. Perrin suspeitou que Bain e Chiad não soubessem muito bem o que pensar da mulher, mas, em pouco tempo, com uma espécie de firmeza tranquila e maternal, a senhora al’Vere acomodou as três a uma mesa e trouxe toalhas molhadas para limparem a poeira da viagem das mãos e dos rostos enquanto bebericavam o chá servido em um grande bule rajado de vermelho de que ele se lembrava muito bem.

Poderia ter sido divertido ver aquelas mulheres ferozes — inclusive Faile — ávidas por assegurar à Senhora al’Vere que estavam mais do que confortáveis, perguntando se não havia nada que pudessem fazer para ajudar, dizendo que ela estava tendo trabalho demais. Todas mantinham os olhos arregalados, feito crianças, e, como crianças, eram incapazes de resistir à mulher mais velha. Teria sido divertido se a senhora al’Vere não tivesse incluído ele e Gaul na recepção, arrastando-os com a mesma firmeza até a mesa, insistindo para que limpassem as mãos e o rosto antes de tomar uma xícara de chá. Gaul exibia um sorriso malicioso. Os Aiel tinham um senso de humor estranho.

Por mais surpreendente que parecesse, a mulher não chegou a olhar o arco e o machado de Perrin e nem as armas dos Aiel. Era raro ver alguém com sequer um arco em Dois Rios, e ela sempre insistia para que esses objetos fossem postos de lado antes de qualquer um se sentar a uma de suas mesas. Sempre. Daquela vez, porém, simplesmente ignorara as armas.

Outra surpresa veio quando Bran empurrou uma caneca de prata com conhaque de maçã para perto de Perrin, não com o traguinho que os homens costumavam beber na estalagem, que mal chegava à junta do polegar, mas cheia até a metade. Antes de ele ir embora, o máximo que lhe ofereciam era cidra de maçã, quando não leite ou às vezes um vinho bem aguado. E apenas metade da caneca, junto com as refeições, ou uma inteira em dias de festa. Era gratificante ser reconhecido como adulto, mas ele apenas segurou a caneca. Já estava acostumado com vinho, mas era raro beber qualquer coisa mais forte.

— Perrin — disse o Prefeito, sentando-se em uma cadeira ao lado da esposa — ninguém acredita que você seja um Amigo das Trevas. Ninguém com juízo. Não há motivo para você se deixar ser enforcado.

Faile assentiu com vigor em concordância, mas Perrin a ignorou.

— Eu não vou mudar de ideia, Mestre al’Vere. Os Mantos-brancos estão atrás de mim e, se não conseguirem me pegar, podem acabar atacando o próximo Aybara que virem pela frente. Eles não precisam de muito para decidir que alguém é culpado. Não são pessoas agradáveis.

— Sabemos disso — retrucou a Senhora al’Vere, baixinho.

O marido encarou as mãos pousadas em cima da mesa.

— Perrin, sua família se foi.

— Se foi? Quer dizer que a fazenda já foi incendiada? — Perrin cerrou o punho na caneca de prata. — Eu esperava chegar a tempo. Acho que devia ter imaginado. Muito tempo se passou antes de eu ouvir as notícias. Talvez eu consiga ajudar meu pai e o tio Eward a reconstruírem o lugar. Com quem eles estão? Quero vê-los primeiro, ao menos.

Bran fez uma careta, e a esposa afagou seu ombro, confortando-o. Porém, estranhamente, ela manteve os olhos em Perrin, cheios de tristeza e consolo.

— Eles morreram, meu rapaz — disse Bran, sem rodeios.

— Morreram? Não. Não pode ser. — Perrin franziu a testa quando o líquido espirrou de repente, e encarou a caneca amassada como se não soubesse de onde ela viera. — Me desculpem. Eu não queria… — Ele forçou a prata achatada, tentando puxá-la de volta para a forma original. O que não daria certo. Claro que não. Com muito cuidado, depositou o objeto no centro da mesa. — Vou repor isso aqui. Posso… — Ele limpou a mão no casaco e de repente percebeu que alisava o machado que pendia do cinto. Por que todos o estavam encarando daquele jeito estranho? — Tem certeza? — Sua voz soava distante. — Adora e Deselle? Paet? Minha mãe?

— Todo mundo — respondeu Bran. — Seus tios e tias também, e seus primos. Todos da fazenda. Eu ajudei a enterrá-los, meu rapaz. Na colina baixa, aquela com as macieiras.

Perrin enfiou o polegar na boca. Que coisa idiota se cortar com o próprio machado.

— Minha mãe gosta de flor de macieira. Os Mantos-brancos. Por que eles…? Que me queime, Paet tinha só nove anos. As meninas…

Sua voz estava inexpressiva. Perrin achou que deveria haver alguma emoção naquelas palavras. Qualquer emoção.

— Foram Trollocs — disse a Senhora al’Vere, mais do que depressa. — Eles voltaram, Perrin. Não como fizeram quando você foi embora, não atacaram a aldeia. Foram para o campo. A maioria das fazendas sem vizinhos próximos foi abandonada. Ninguém sai de casa à noite, nem se for para algum lugar perto da aldeia. E é a mesma coisa descendo, para Trilha de Deven, e subindo, para Colina da Vigília, talvez até Barca do Taren. Os Mantos-brancos, por piores que sejam, são nossa única proteção de verdade. Fiquei sabendo que salvaram duas famílias que tiveram as fazendas atacadas pelos Trollocs.

— Eu queria… eu esperava… — Ele não conseguia se lembrar muito bem do que queria. Tinha algo a ver com Trollocs. Ele não queria se lembrar. Os Mantos-brancos estavam protegendo Dois Rios? Era quase suficiente para fazê-lo rir. — O pai de Rand. A fazenda de Tam. Aquilo também foi obra dos Trollocs?

A Senhora al’Vere abriu a boca, mas Bran a interrompeu.

— Ele merece saber a verdade, Marin. Foram os Mantos-brancos, Perrin. Na casa dos Cauthon também.

— A família de Mat. A família de Rand, de Mat e a minha. — Que estranho. Ele soava como se estivesse refletindo sobre se ia ou não chover. — Eles também estão mortos?

— Não, meu rapaz. Não. Abell e Tam estão escondidos em algum lugar da Floresta do Oeste. E a mãe e as irmãs de Mat… elas também estão vivas.

— Estão escondidas?

— Não há necessidade de entrarmos nesse assunto — interveio a Senhora al’Vere, de repente. — Bran, sirva outra dose de conhaque para ele. E trate de beber dessa vez, Perrin. — O homem ficou sentado onde estava, mas a mulher olhou feio para o marido e prosseguiu. — Eu ofereceria uma cama, mas não é seguro. Tem gente que vai sair correndo à procura de Lorde Bornhald se souber que você está aqui. Eward Congar e Hari Coplin bajulam os Mantos-brancos feito cachorrinhos, ávidos por agradar e apontar nomes. E Cenn Buie não é muito melhor. Wit Congar também faz fofoca, se Daise não puser um freio nele. Ela é a Sabedoria, agora. Perrin, é melhor você ir embora. Acredite em mim.

Perrin balançou a cabeça devagar: era demais para absorver. Daise Congar, a nova Sabedoria? A mulher parecia um touro. Mantos-brancos protegendo Campo de Emond. Hari, Eward e Wit cooperando. Não dava para esperar muita coisa dos Congar e Coplin, mas Cenn Buie era do Conselho da Aldeia. Lorde Bornhald. Então Geofram Bornhald estava lá. Faile o observava com olhos grandes e chorosos. Por que a mulher estava à beira das lágrimas?

— Tem mais, Brandelwyn al’Vere — disse Gaul. — Seu rosto está dizendo que tem.

— Tem, sim — concordou Bran. — Não, Marin — acrescentou com firmeza, quando a mulher balançou a cabeça de leve. — Ele merece saber a verdade. Toda a verdade.

A senhora al’Vere cruzou os braços e suspirou. Ela quase sempre conseguia o que queria, exceto quando Bran assumia uma expressão firme, como agora, com as sobrancelhas contraídas para baixo, duras feito arado.

— Que verdade? — indagou Perrin.

Sua mãe gostava de flores de macieira.

— Antes de tudo, preciso dizer que Padan Fain está com os Mantos-brancos — disse Bran. — Ele agora se chama Ordeith e não responde mais pelo próprio nome, mas é ele. Continua olhando de cima para os outros.

— Ele é Amigo das Trevas — comentou Perrin, distraído. Na primavera, Adora e Deselle sempre punham flores de macieira nos cabelos. — Foi ele mesmo quem disse. Ele é que trouxe os Trollocs aqui, na Noite Invernal.

Paet gostava de escalar as macieiras. Ele atirava maçãs lá de cima nos passantes distraídos.

— Ah, é mesmo? — perguntou o Prefeito, com uma carranca. — Que coisa interessante. Ele tem alguma autoridade com os Mantos-brancos. A primeira vez que ouvimos dizer que estavam aqui foi depois que incendiaram a fazenda de Tam. Aquilo foi obra de Fain, foi ele quem liderou os Mantos-brancos que botaram fogo. Tam flechou quatro ou cinco antes de conseguir entrar na floresta, e chegou à fazenda dos Cauthon bem a tempo de impedir que pegassem Abell. Mas prenderam Natti e as meninas. Junto com Haral Luhhan e Alsbet. Acho que Fain teria enforcado todos, mas Lorde Bornhald não permitiu. Só que também não os liberta. Eles não estão feridos, pelo que pude descobrir, mas estão sendo mantidos no acampamento dos Mantos-brancos, bem no alto de Colina da Vigília. Por alguma razão, Fain odeia você, Rand e Mat. Ofereceu cem moedas de ouro por qualquer um que tivesse relação com os três, e duzentas por Tam ou Abell. Lorde Bornhald parece especialmente interessado em você. Quando uma patrulha dos Mantos-brancos vem até aqui, ele geralmente vem junto e faz perguntas a seu respeito.

— Sim — disse Perrin. — É claro que ele faz isso. — Perrin, de Dois Rios, que corria com os lobos. Amigo das Trevas. Fain devia ter contado o restante. Fain está com os Filhos da Luz? Era um pensamento distante. Mas era melhor que pensar em Trollocs. Encarou as mãos e franziu a testa, forçando-se a mantê-las firmes no tampo da mesa. — Eles protegem vocês dos Trollocs.

Marin al’Vere inclinou-se para perto dele, franzindo o cenho.

— Perrin, nós precisamos dos Mantos-brancos. Sim, eles incendiaram a fazenda de Tam e a de Abell, prenderam gente e marcham por aí como se fossem donos de tudo, mas Alsbet, Natti e os outros não estão feridos, apenas presos, e isso a gente pode dar um jeito de consertar. A Presa do Dragão foi rabiscada em algumas portas, mas ninguém além dos Congar e dos Coplin dá atenção, e é provável que eles é que tenham feito os rabiscos. Tam e Abell podem ficar escondidos até os Mantos-brancos irem embora. Mais cedo ou mais tarde, eles vão ter que ir. Mas, enquanto houver Trollocs por aqui, precisaremos deles. Por favor, entenda isso. Não é que a gente não prefira ter você aqui, em vez deles, mas precisamos deles. E não queremos que você seja enforcado.

— A senhora chama isso de proteção, senhora do teto? — perguntou Bain. — Se a senhora pedir a um leão que a proteja dos lobos, estará escolhendo apenas terminar em uma barriga, em vez de outra.

— Vocês não são capazes de se proteger sozinhos? — acrescentou Chiad. — Já vi Perrin lutar, assim como Mat Cauthon e Rand al’Thor. Eles têm o mesmo sangue que vocês.

Bran deu um suspiro profundo.

— Somos fazendeiros, gente simples. Lorde Luc fala de organizar homens para lutar contra os Trollocs, mas isso significa que deixaríamos nossas famílias desprotegidas enquanto partimos com ele, e ninguém gosta muito da ideia.

Perrin estava confuso. Quem era Lorde Luc? Ele perguntou, e a Senhora al’Vere respondeu:

— Ele chegou na mesma época que os Mantos-brancos. É um Caçador da Trombeta. Sabe a história da Grande Caçada? Lorde Luc acha que a Trombeta de Valere está em algum lugar das Montanhas da Névoa, acima de Dois Rios. Mas abandonou a caçada por conta dos nossos problemas. Lorde Luc é um grande cavalheiro, um homem muito refinado.

Alisando os cabelos, ela abriu um sorriso de aprovação. Bran a olhou de esguelha e soltou um grunhido azedo.

Caçadores da Trombeta. Trollocs. Mantos-brancos. Dois Rios nem parecia o mesmo lugar que ele deixara.

— Faile também é uma Caçadora da Trombeta. Você conhece esse Lorde Luc, Faile?

— Para mim, já chega — anunciou a jovem. Perrin franziu o cenho enquanto ela se levantava, dava a volta na mesa e se colocava ao lado dele. Faile agarrou sua cabeça e puxou o rosto dele contra sua barriga. — Sua mãe morreu — disse, baixinho. — Seu pai morreu. Suas irmãs morreram, e seu irmão também. Sua família está morta, e você não pode mudar isso. E vai poder fazer menos ainda se morrer também. Permita-se chorar a perda deles. Não guarde tudo aí dentro, só vai apodrecer.

Perrin a segurou pelos braços com a intenção de afastá-la, mas por alguma razão suas mãos se apertaram até que aqueles punhos agarrados a ela fossem as únicas coisas a sustentá-lo. Foi só naquele momento que percebeu que estava chorando, soluçando no vestido de Faile feito um bebê. O que ela pensaria dele? Abriu a boca para dizer que estava tudo bem, para se desculpar por ter sucumbido à tristeza, mas o que saiu foi:

— Não consegui chegar mais depressa. Não consegui… Eu… — Ele trincou os dentes para se calar.

— Eu sei — murmurou ela, afagando seus cabelos como se ele fosse uma criança. — Eu sei.

Perrin queria parar, mas quanto mais Faile sussurrava em compreensão, mais ele soluçava, como se aquelas mãos macias em seus cabelos estivessem arrancando as lágrimas de seus olhos.

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