Jube: Quatro



No terceiro andar do Crystal Palace havia câmaras privadas que Crisálida reservava para si. Ela esperava por ele numa sala de estar, sentada numa poltrona estofada de veludo vermelho atrás de uma mesa de carvalho. Crisálida fez um gesto na direção de um assento. Ela não perdia tempo.

— Você provocou minha curiosidade, Jubal.

— Não sei do que está falando — disse Jube, relaxando na ponta de uma cadeira com encosto de couro.

Crisálida abriu um antigo moedeiro de seda e tirou um punhado de pedras preciosas. Ela as alinhou sobre a toalha de mesa branca.

— Duas safiras estreladas, dois rubis e um diamante azul e branco perfeito — disse ela com voz seca e fria. — Todos não lapidados, da mais alta qualidade, nenhum pesando menos de quatro quilates. Todas apareceram nas ruas do Bairro dos Curingas dentro das últimas seis semanas. Curioso, não é mesmo? O que você conclui disso?

— Não sei — Jube respondeu. — Vou prestar atenção. Ouviu falar do curinga com poder de espremer um diamante até transformá-lo num torrão de carvão?

Ele estava blefando e ambos sabiam disso. Ela empurrou uma safira pela toalha de mesa com o dedinho da mão esquerda, sua carne tão clara quanto vidro.

— Você deu esta aqui a um agente sanitário por uma bola de boliche que ele encontrou numa caçamba?

— Sim — disse Jube. Era magenta e branca, furada sob medida para algum curinga, seus seis buracos arranjados num círculo. Não é surpresa que tenha sido jogada no lixo.

Crisálida empurrou o rubi com o dedo mínimo, e ele se moveu pouco mais de um centímetro.

— Esta foi para um escrivão de polícia. Você quis ver registros com relação a um corpo liberado do necrotério, e qualquer coisa que eles tivessem sobre essa bola de boliche perdida. Nunca soube que você tinha uma paixão assim por boliche, Jubal.

Jube deu um tapa na barriga.

— Não pareço um jogador de boliche? Não há nada de que eu goste mais do que fazer alguns strikes e beber umas cervejas.

— Você nunca pisou numa pista de boliche na sua vida, e não saberia diferenciar um strike de um touchdown. — Os ossos de seu dedo nunca pareceram tão assustadores como quando eles ergueram o diamante. — Este item foi oferecido a Devil John Darlingfoot no meu próprio salão vermelho. — Ela o rolou entre os dedos transparentes, e os músculos de sua face retorceram-se naquilo que deve ter sido um sorriso irônico.

— Era da minha mãe — Jube revelou.

Crisálida deu uma risadinha.

— E ela nunca se importou de tê-lo cortado ou encravado? Que estranho. — Ela baixou o diamante, pegou a segunda safira. — E esta aqui… sinceramente, Jubal! Acha mesmo que Elmo não me diria? — Ela juntou cuidadosamente a pedra com as outras. — Você precisa contratar alguém para realizar algumas tarefas e investigações não específicas. Muito bem. Por que não veio até mim, simplesmente?

Jube coçou uma de suas presas.

— Você faz perguntas demais.

— Muito justo. — Ela passou a mão sobre as joias. — Temos quatro aqui. Existem outras?

Jube concordou com a cabeça.

— Uma ou duas. Estão faltando as esmeraldas.

— Que pena. Adoro verde. A cor de competição britânica. — Ela suspirou. — Por que pedras preciosas?

— As pessoas relutaram em pegar meus cheques — Jube disse para ela —, e era mais fácil que carregar grandes quantias em dinheiro.

— Se existem mais de onde essas vieram — Crisálida disse —, cuide para que fiquem onde estão. Deixe que o boato se espalhe no Bairro dos Curingas de que o Morsa tem uma caixinha secreta de pedras preciosas, e não darei um mero centavo por suas chances. Você já pode ter remexido as águas, mas esperamos que os tubarões não tenham percebido. Elmo falou apenas comigo, claro, e Devil John tem seu senso de honra peculiar, acho que podemos confiar nele para manter o bico calado. Quanto ao lixeiro e ao escrivão, quando adquiri as pedras preciosas, comprei também o silêncio deles.

— Você não precisava fazer isso!

— Eu sei — ela comentou. — Da próxima vez que quiser informação, sabe onde está o Crystal Palace. Não sabe?

— Quanto você já sabe? — Jube perguntou.

— O bastante para dizer quando você está mentindo — Crisálida respondeu. — Sei que você está procurando uma bola de boliche por razões incompreensíveis para homens, mulheres ou curingas. Sei que Darlingfoot roubou aquele cadáver curinga do necrotério, o corpo era pequeno e peludo, com pernas de gafanhoto, e bem chamuscado. Nenhum curinga correspondente a essa descrição é conhecido por qualquer das minhas fontes, uma circunstância curiosa. Sei que Croyd fez um depósito em dinheiro bem grande no dia em que o corpo foi roubado, e um ainda maior no dia seguinte, e entre os depósitos teve um confronto público com Darlingfoot. E sei que você pagou um bom dinheiro para Devil John revelar quem ele representava neste pequeno melodrama, e tentou, sem sucesso, contratar seus serviços. — Ela se inclinou para a frente. — O que não sei é o que tudo isso significa, e você sabe quanto eu abomino um mistério.

— Dizem que toda vez que um curinga peida em qualquer lugar de Manhattan, a Crisálida tampa o nariz — Jube diz. Ele a encarava intensamente, mas a transparência de sua carne tornava sua expressão impossível de decifrar. O rosto de caveira atrás de sua pele cristalina encarava-o implacável pelos olhos azul-claros.

— Qual seu interesse nisso? — perguntou a ela.

— Incerto, até eu saber o que é “isso”. No entanto, você tem sido tão útil para mim por tanto tempo, e eu odiaria perder seus serviços. Sabe que sou discreta.

— Até ser paga para ser indiscreta — Jube enfatizou.

Crisálida riu e tocou no diamante.

— Segundo suas fontes, o silêncio pode ser mais lucrativo que a fala.

— É verdade — disse Jube. Decidiu que não tinha nada a perder. — Na verdade, sou um alienígena espião de um planeta distante — ele começou.

— Jubal — Crisálida interrompeu —, você está me fazendo perder a paciência. Nunca apreciei esse seu humor. Vá direto ao ponto. O que aconteceu com Darlingfoot?

— Nada de mais — Jube admitiu. — Sei por que quero o corpo. Não sei por que outra pessoa o quer. Devil John não me disse. Acho que eles estão com a bola de boliche. Tentei contratá-lo para tê-la de volta, mas ele não quis mais negócio comigo. Acho que está com medo deles, sejam lá quem forem.

— Acho que está certo. Croyd?

— Dormiu de novo. Quem sabe que utilidade ele terá quando acordar? Posso ficar esperando seis meses e ele acordar como um hamster.

— Por uma comissão — Crisálida disse com uma certeza gélida —, posso contratar os serviços de alguém que lhe trará respostas.

Jube decidiu ser direto, pois a evasão não estava levando a lugar algum.

— Não sei se eu confiaria em qualquer um que você contratasse.

Ela riu.

— Meu garoto, é a coisa mais inteligente que você disse em meses. E está certo. Você é um alvo fácil, e alguns dos meus contatos são menos do que respeitáveis, admito. Comigo intermediando, no entanto, a equação muda. Tenho certa reputação. — Ao lado do cotovelo dela havia um pequeno sino de prata. Ela o tocou levemente. — De qualquer forma, o melhor homem para este caso é uma exceção à regra geral. De fato ele tem ética.

Jube ficou tentado.

— Quem é?

— Seu nome é Jay Ackroyd. Um ás que é investigador particular. Nos dois sentidos da palavra. Às vezes, ele é chamado de Popinjay, pois aparece quando quer, mas não na cara dele. Jay e eu trocamos favores de vez em quando. Afinal, lidamos com o mesmo produto.

Jube tocou uma presa, pensativo.

— Tudo bem. O que me impede de contratá-lo diretamente?

— Nada — Crisálida disse. Um garçom alto com impressionantes chifres de marfim entrou, carregando um amaretto e um Singapore sling numa bandeja de prata antiga. Quando saiu, ela continuou. — Quer dizer, se preferir que a curiosidade dele recaia sobre você em vez de mim.

Ele fez uma pausa.

— Talvez fosse melhor eu ficar nos bastidores.

— Exatamente o que pensei — Crisálida disse, bebericando o amaretto. — Jay nem saberá que você é o cliente.

Jube olhou para a janela. Estava uma noite escura e sem nuvens. Conseguia ver as estrelas e sabia que, em algum lugar lá em cima, a Mãe ainda aguardava. Precisava de ajuda e tinha de deixar de lado o medo.

— Você conhece um bom ladrão? — perguntou a ela, sem rodeios.

Aquilo a surpreendeu.

— Talvez — disse ela.

— Eu preciso — começou, sem jeito —, hum, de peças. Instrumentos científicos e, hum, componentes eletrônicos, microchips, coisas assim. Posso fazer uma lista para você. Envolve invadir alguns laboratórios corporativos, talvez algumas instalações federais.

— Estou fora de qualquer coisa que seja assim tão ilegal — Crisálida disse. — Por que precisa de eletrônicos?

— Para montar um radioamador pra mim — disse Jube. — Você faria isso pra salvar o mundo?

Ela não respondeu.

— Faria isso por seis esmeraldas perfeitamente iguais do tamanho de ovos de pombo?

Crisálida sorriu lentamente, e propôs um brinde.

— A uma relação longa e lucrativa.

Ela quase poderia ser um Mestre Comerciante, Jube pensou com certa admiração. Sorrindo com as presas à mostra, levantou o Singapore sling e levou o canudinho até a boca.

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