As teorias da grande unificação não incluem a força da gravidade. Isto não tem muita importância, porque a gravidade é uma força tão fraca que os seus efeitos podem geralmente ser desprezados quando lidamos com partículas elementares ou átomos. Contudo, o facto de ser de longo alcance e sempre atractiva significa que todos os seus efeitos se juntam. Portanto, pata um número suficientemente grande de partículas de matéria, as forças gravitacionais podem dominar todas as outras forças. É por isso que a gravidade determina a evolução do Universo. Mesmo para objectos do tamanho de estrelas, a força atractiva da gravidade pode vencer todas as outras forças e fazer com que a estrela sofra um colapso. O meu trabalho nos anos 70 incidiu nos buracos negros que podem resultar desses :, colapsos estelares e dos campos gravitacionais que os rodeiam. Foi isso que levou aos primeiros indícios de como as teorias da mecânica quântica e da relatividade geral podiam influenciar-se uma à outra um vislumbre de uma teoria quântica da gravidade ainda por encontrar.


VI. Buracos Negros


A expressão *buraco negro* tem uma origem muito recente. Foi forjada em 1969 pelo cientista americano John Wheeler, como descrição gráfica de uma ideia que data pelo menos de há duzentos anos, do tempo em que havia duas teorias sobre a luz: uma, que Newton preferia, era ser composta por partículas; a outra era ser de natureza ondulatória. Sabemos agora que, na realidade, ambas as teorias estão correctas. Pela dualidade onda/partícula da mecânica quântica, a luz pode ser considerada como uma onda ou como uma partícula. Segundo a teoria ondulatória não era claro como a luz reagia à gravidade. Mas, se for composta por partículas, pode esperar-se que sejam afectadas pela gravidade do mesmo modo que as balas de canhão, os foguetões e os planetas. Ao princípio, as pessoas pensavam que as partículas de luz se deslocavam com uma velocidade infinita, de maneira que a gravidade não seria capaz de as retardar, mas a descoberta de Roemer de que a luz se propaga com velocidade finita significava que a gravidade podia ter um efeito importante.


Partindo desta suposição, um catedrático de Cambridge, John Michell, escreveu em 1783 um artigo que foi publicado nos *Philosophical Transactions of the Royal Society of London*, em que chamava a atenção para o facto de :, uma estrela, que fosse suficientemente maciça e compacta, poder ter um campo gravitacional tão forte que a sua luz não poderia escapar: qualquer luz emitida da superfície seria puxada para trás pela atracção gravitacional da estrela, antes de poder afastar-se. Michell sugeriu que poderia haver um grande número de estrelas como essa. Embora não pudéssemos vê-las, porque a sua luz não nos alcançaria, não deixaríamos de sentir a sua atracção gravitacional. Esses objectos são aquilo a que agora chamamos buracos negros, porque é isso mesmo que são: vazios negros no espaço. Alguns anos mais tarde, o cientista francês Marquês de Laplace apresentava uma sugestão semelhante, segundo tudo indica independentemente de Michell. É interessante o facto de Laplace a ter incluído apenas nas duas primeiras edições do seu livro *Sistema do Mundo (1) nada referindo nas edições seguintes, talvez por ter decidido que era uma ideia disparatada. (Também a teoria da partícula de luz caíu em desagrado durante o século XIX. Parecia que tudo podia ser explicado com a teoria ondulatória e, segundo esta, não era claro se a luz seria ou não afectada pela gravidade).


(1) Houve pelo menos dez edições diferentes do *Exposition du Système du Monde*, publicadas entre 1796 e 1835. Nas primeiras edições, Laplace apresentou o seu argumento sem demonstração, algumas páginas antes do fim do Livro V, Capítulo 6 (*N. do R.*).


De facto, não é realmente consistente tratar a luz como balas de canhão na teoria da gravitação de Newton, porque a velocidade da luz é constante. (Uma bala de canhão disparada da Terra verticalmente para cima, será desacelerada pela gravidade até que acaba por parar e cair. Um fotão, porém, continua para cima, a uma velocidade constante. Como é então que a gravidade pode afectar a luz?) Uma teoria consistente sobre a maneira como a gravidade afecta a luz só surgiu quando Einstein propôs a relatividade :, geral, em 1915. E mesmo então ainda foi preciso mais tempo até que fossem compreendidas as implicações da teoria para as estrelas maciças.


Para se compreender como pode formar-se um buraco negro, precisamos primeiro de compreender o ciclo de vida de uma estrela. Uma estrela forma-se quando uma grande porção de gás (sobretudo hidrogénio) se contrai por causa da atracção gravitacional das suas partes. À medida que a estrela se contrai, os átomos do gás colidem uns com os outros, cada vez com mais frequência e a velocidades cada vez maiores, e o gás aquece. A certa altura, o gás estará tão quente que, quando os átomos de hidrogénio (2) colidem já não ressaltam, mas juntam-se para formar hélio. O calor libertado nesta reacção, que é como a explosão controlada de uma bomba de hidrogénio, faz a estrela brilhar.


(2) Em rigor os protões. Às temperaturas que reinam nos interiores das estrelas, os núcleos dissociam-se dos respectivos electrões e as estruturas atómicas dissolvem-se no *plasma* (*N. do R.).


O calor adicional aumenta também a pressão do gás até esta ser suficiente para equilibrar a atracção gravitacional e o gás deixa de se contrair. É parecido com um balão: há um equilíbrio entre a pressão do ar dentro dele, que tenta dilatar o balão e a tensão da borracha, que tenta tornar o balão mais pequeno. As estrelas permanecem estáveis durante muito tempo, com o calor das reacções nucleares equilibrando a atracção gravitacional. A certa altura, porém, a estrela esgotará o seu hidrogénio e outros combustíveis nucleares. Paradoxalmente, quanto maior for a porção de combustível com que a estrela começa, mais depressa este se esgota. Isto sucede porque, quanto mais maciça for a estrela, mais quente precisa de estar para equilibrar a sua atracção gravitacional. E, quanto mais quente estiver, mais depressa gastará o seu combustível. O nosso Sol tem provavelmente combustível suficiente para mais cinco mil milhões de anos, mas estrelas mais maciças :, podem esgotar o seu combustível em tão pouco tempo como cem milhões de anos, muito menos do que a idade do Universo. Quando uma estrela esgota o combustível, começa a arrefecer e portanto a contrair-se. O que pode acontecer-lhe só foi compreendido pela primeira vez no fim dos anos 20.


Em 1928, um estudante finalista indiano, Subrahmanyan Chandrasekhar, foi para Inglaterra para estudar em Cambridge com o astrónomo britânico Sir Arthur Eddington, especialista em relatividade geral. (Segundo alguns relatos, um jornalista disse a Eddington, no princípio dos anos 20, que tinha ouvido dizer que só havia três pessoas no mundo que compreendiam a relatividade geral. Eddington fez uma pausa e depois respondeu: "Estou a tentar ver se me lembro quem é a terceira pessoa"). Durante a viagem desde a Índia, Chandrasekhar descobriu qual poderia ser o tamanho máximo de uma estrela para que se sustivesse contra a sua própria gravidade, depois de ter esgotado todo o combustível. A ideia foi esta: quando a estrela se contrai, as partículas de matéria aproximam-se muito umas das outras e, portanto, segundo o princípio da exclusão de Pauli, têm de ter velocidades muito diferentes. Isto leva-as a afastarem-se umas das outras fazendo com que a estrela se expanda. Uma estrela pode então manter-se com raio constante por um equilíbrio entre a atracção da gravidade e a repulsão que resulta do princípio da exclusão (3), tal como anteriormente a gravidade era equilibrada pelo calor.


(3) Princípio da exclusão de Pauli aplicado ao "gás" de electrões no plasma (*N. do R.*).


Chandrasekhar compreendeu, contudo, que há um limite para a repulsão que pode resultar do princípio de exclusão. A teoria da relatividade limita a diferença máxima nas velocidades das partículas de matéria na estrela :, à velocidade da luz. Isto quer dizer que, quando a estrela fica suficientemente densa, a repulsão causada pelo princípio de exclusão é menor do que a atracção gravitacional. Chandrasekhar calculou que uma estrela fria, de mais do que uma vez e meia a massa do Sol, não poderia manter-se contra a sua própria gravidade. (Esta massa é agora conhecida como limite de Chandrasekhar). Mais ou menos na mesma altura o cientista russo Lev Davidovich Landau realizou uma descoberta semelhante.


Isto teve sérias implicações no destino final de estrelas maciças. Se a massa de uma estrela for inferior ao limite de Chandrasekhar, pode eventualmente deixar de contrair-se e manter-se num possível estado final de *anã branca*, com um raio de alguns milhares de quilómetros e uma densidade de centenas de toneladas por centímetro cúbico. Uma anã branca é sustida pela repulsão induzida pelo princípio de exclusão entre os electrões da matéria de que é formada. Podemos observar um grande número destas estrelas anãs brancas. Uma das primeiras a ser descoberta foi uma estrela satélite de Sírio, a estrela mais brilhante no céu nocturno.


Landau fez notar que havia outro estado final possível para uma estrela, também com uma massa limite de cerca de uma ou duas vezes a massa do Sol, mas muito mais pequena ainda do que uma anã branca. Estrelas como esta seriam mantidas pela repulsão também induzida pelo princípio de exclusão entre neutrões e protões e não entre electrões (4). Chamou-se-lhes então estrelas de neutrões. :,


(4) Electrões, protões e neutrões são partículas que respeitam 0 princípio da exclusão. No interior de uma estrela podemos pensar nestas partículas como se de gases se tratassem. Uma estrela que culmina num estado de equilíbrio entre a gravidade e a pressão do gás de electrões é uma anã branca. Uma estrela que culmina num estado em que o seu colapso é detido pela pressão das partículas nucleares é uma estrela de neutrões (*N. do R.*).


Teriam um raio de apenas vinte quilómetros, mais ou menos, e uma densidade de centenas de milhões de toneladas por centímetro cúbico. Quando foram preditas pela primeira vez, não era possível observar estrelas de neutrões que só foram realmente detectadas muito mais tarde.


Por outro lado, estrelas com massas acima do limite de Chandrasekhar têm um grande problema quando se lhes acaba o combustível. Em alguns casos podem explodir ou conseguir disparar para o espaço matéria suficiente para reduzir a massa abaixo do limite e assim evitar o colapso gravitacional catastrófico; mas era difícil acreditar que isto acontecia sempre, fosse qual fosse o tamanho da estrela. Como saberia que tinha de perder massa? E, mesmo que todas as estrelas conseguissem perder massa suficiente para evitar o colapso, que aconteceria se se acrescentasse massa a uma anã branca ou a uma estrela de neutrões para a fazer ultrapassar o limite? Contrair-se-ia até uma densidade infinita? Eddington ficou chocado com a ideia e recusou-se a acreditar nos resultados obtidos por Chandrasekhar. Eddington pensava que era pura e simplesmente impossível uma estrela contrair-se até acabar num pontinho e esta era a opinião da maior parte dos cientistas: o próprio Einstein escreveu um artigo em que afirmava que as estrelas não podiam contrair-se até zero. A hostilidade dos outros cientistas, particularmente de Eddington, seu antigo professor e a maior autoridade na estrutura das estrelas, persuadiu Chandrasekhar a abandonar aquele caminho e a voltar-se para outros problemas de astronomia, tais como o movimento de aglomerados de estrelas. Contudo, quando recebeu o prémio Nobel em 1983 foi, pelo menos em parte, pelo seu trabalho anterior sobre a limitação de massa das estrelas frias.


Chandrasekhar tinha mostrado que o princípio da exclusão não podia travar o colapso de uma estrela com massa superior ao limite de Chandrasekhar, mas o problema de :, compreender o que poderia acontecer a uma dessas estrelas, de acordo com a relatividade geral, foi resolvido por um jovem americano, Robert Oppenheimer, em 1939. No entanto, o resultado que obteve sugeria que não haveria consequências que pudessem ser observadas com os telescópios da época. Depois, veio a II Guerra Mundial, e o próprio Oppenheimer foi envolvido no projecto da bomba atómica. Depois da guerra, o problema do colapso gravitacional foi praticamente esquecido, porque a maioria dos cientistas estava preocupada com o que acontecia à escala do átomo e do seu núcleo. Nos anos 60, porém, o interesse pelos problemas da astronomia e da cosmologia em macro-escala foi reavivado por um aumento considerável do número e da variedade das observações astronómicas que surgiram com a tecnologia moderna. O trabalho de Oppenheimer foi então redescoberto e ampliado por várias pessoas.


A imagem que agora temos do trabalho de Oppenheimer é a seguinte: o campo gravitacional da estrela altera as trajectórias dos raios luminosos no espaço-tempo em relação ao que deviam ser se a estrela não estivesse presente. Os cones de luz, que indicam as trajectórias seguidas no espaço e no tempo por clarões luminosos emitidos das suas extremidades, são ligeiramente curvados para dentro perto da superfície da estrela. Isto pode verificar-se na curvatura da luz de estrelas distantes, observadas durante um eclipse do Sol. À medida que a estrela se contrai, o campo gravitacional na sua superfície torna-se mais forte e os cones de luz encurvam-se mais para dentro. Isto torna mais difícil que a luz da estrela se escape e a luz parece mais fraca e mais vermelha a um observador à distância. Quando a estrela se contraiu até certo raio crítico, o campo gravitacional na superfície acabou por se tornar tão forte que os cones de luz se encurvam para dentro de modo que a luz já não pode escapar-se (Fig. 6.1). Segundo a teoria :, da relatividade, nada pode deslocar-se mais depressa do que a luz. Portanto, se a luz não consegue escapar-se, mais nada o consegue; tudo é arrastado para trás pelo campo gravitacional. Por conseguinte, há um conjunto de acontecimentos, uma região do espaço-tempo, de onde não é possível escapar-se para alcançar um observador distante. Esta região é aquilo a que chamamos buraco negro. A sua fronteira é o horizonte de acontecimentos e coincide com as trajectórias dos raios de luz que não conseguem escapar-se do buraco negro.


fig. 6.1


Para se compreender o que se veria se estivéssemos a observar o colapso de uma estrela e a consequente formação de um buraco negro, é necessário lembrar que na teoria da relatividade não há tempo absoluto. Cada observador tem a sua própria medida do tempo. O tempo para alguém numa estrela será diferente do tempo para alguém à distância, devido ao campo gravitacional da estrela. Suponhamos que um astronauta intrépido, na superfície de uma estrela em colapso, é arrastado para dentro com ela e envia um sinal de segundo a segundo, conforme o seu relógio, para a nave espacial em órbita em redor da estrela. Em certo momento no seu relógio, às 11 h 00 m, por exemplo, a estrela contrair-se-ia abaixo do raio crítico em que o campo gravitacional se torna tão forte que nada consegue escapar-se e os sinais já não chegariam à nave espacial. À medida que as 11 h 00 m se aproximavam, os companheiros que o observavam da nave achariam que os sinais estavam a ser enviados com intervalos cada vez maiores, mas esse efeito seria muito pequeno antes das 10h 59m 59s. Teriam de esperar apenas um nadinha mais do que um segundo entre o sinal do astronauta às 10 h 59 m 58 s e o que enviasse quando o seu relógio marcasse 10h 59m 59 s, mas teriam de esperar para sempre pelo sinal das 11 h 00 m. As ondas de luz emitidas da superfície da estrela entre as 10 h 59 m 59 s e as 11 h 00 m, :, segundo o relógio do astronauta, distribuir-se-iam num período de tempo infinito, no caso da observação feita a partir da nave espacial. O intervalo de tempo entre a chegada de ondas sucessivas à nave seria cada vez mais longo, de modo que a luz da estrela pareceria cada vez mais vermelha e mais fraca. A certa altura, a estrela estaria tão apagada que já não poderia ser vista da nave: a única coisa que restaria seria um buraco negro no espaço. A estrela, contudo, continuaria a exercer a mesma força gravitacional sobre a nave, que continuaria, por sua vez, a orbitar em torno do buraco negro.


Este cenário não é inteiramente realista, por causa do seguinte problema: a gravidade torna-se tanto mais fraca quanto mais longe se está da estrela, de modo que a força gravitacional exercida sobre os pés do intrépido astronauta seria sempre maior do que a exercida sobre a sua cabeça. Esta diferença de forças esticaria o nosso astronauta como se fosse esparguete ou destroçá-lo-ia antes de a estrela se ter contraído até ao raio crítico em que se formaria o horizonte de acontecimentos! Contudo, acreditamos que existem no Universo objectos muito maiores, como as regiões centrais das galáxias, que também podem sofrer colapso gravitacional para produzir buracos negros; mas aqui um astronauta não seria desfeito antes da formação do buraco negro (5). Não sentiria mesmo nada de especial quando alcançasse o raio crítico e podia passar o ponto sem regresso sem dar por ele.


(5) Se acontece ficar o leitor intrigado com o facto de uma estrela se comprimir até dimensões absurdamente pequenas para formar um buraco negro, tem aqui um exemplo de como se pode formar um buraco negro em condições bem mais "aceitáveis". Um núcleo galáctico em colapso origina um horizonte ainda a densidade da sua matéria é inferior à densidade da água.


Porém, dentro de muito poucas horas, enquanto a região continuasse em colapso, a diferença :, das forças gravitacionais na cabeça e nos pés do astronauta seria tão grande que ele seria desfeito.


O trabalho que Roger Penrose e eu realizámos entre 1965 e 1970 mostrou que, segundo a relatividade geral, deve haver uma singularidade de densidade e curvatura do espaço-tempo infinitas no interior de um buraco negro. É muito parecido com o *big bang* no começo dos tempos, só que seria o fim do tempo para o corpo em colapso e para o astronauta. Com esta singularidade, as leis da física e a nossa capacidade de predizer o futuro seriam anuladas. Todavia, qualquer observador que ficasse fora do buraco negro não seria afectado por essa falha de prognóstico, porque nem a luz nem qualquer outro sinal proveniente da singularidade poderia chegar até ele. Este facto notável levou Penrose a propor a hipótese da censura cósmica, que podia ser parafraseada como "Deus detesta uma singularidade nua". Por outras palavras, as singularidades produzidas por colapso gravitacional ocorrem apenas em locais como os buracos negros, onde ficam convenientemente escondidas de vistas exteriores por um horizonte de acontecimentos. Isto é estritamente aquilo que é conhecido como censura cósmica fraca: protege os observadores que ficam fora do buraco negro das consequências da falha de prognóstico que ocorre na singularidade, mas nada faz pelo pobre infeliz astronauta que cai no buraco.


Existem algumas soluções das equações da relatividade geral em que o nosso astronauta pode ver uma singularidade nua: pode evitar atingi-la se cair através de um "buraco lagarta" e sair noutra região do Universo. Isto ofereceria grandes possibilidades para viajar no espaço e no tempo, mas infelizmente parece que estas soluções podem ser todas altamente instáveis; a menor perturbação, tal como a presença de um astronauta, pode causar tais modificações que o astronauta não poderia ver a singularidade até atingi-la e chegaria ao fim dos seus dias. Por outras :, palavras, a singularidade estaria sempre no seu futuro e nunca no passado. A versão forte da hipótese da censura cósmica afirma que, numa solução realista, as singularidades estarão sempre completamente no futuro (como as singularidades de colapso gravitacional) ou inteiramente no passado (como o *big bang*). É de esperar sinceramente que alguma versão da hipótese da censura tenha consistência, porque perto de singularidades nuas talvez se possa viajar para o passado. Mas, ao mesmo tempo que isto seria óptimo para os escritores de ficção científica, significaria que a vida das pessoas nunca estaria segura: alguém podia ir até ao passado e matar o pai ou a mãe de alguém antes de essa pessoa ser concebida!


O horizonte de acontecimentos, a fronteira da região do espaço-tempo da qual não é possível escapar, actua como uma membrana num sentido único em redor do buraco negro: os objectos, tais como astronautas desprevenidos, podem cair através do horizonte de acontecimentos para dentro do buraco negro, mas nada pode sair dele através do horizonte de acontecimentos (convém lembrar que o horizonte de acontecimentos é o caminho que a luz segue no espaço-tempo ao tentar escapar do buraco negro, e que nada se propaga mais depressa que a luz). Podia perfeitamente dizer-se do horizonte de acontecimentos o mesmo que o poeta Dante disse da porta do Inferno: "Deixai toda a esperança, vós que entrais". Qualquer coisa ou pessoa que caia através do horizonte de acontecimentos depressa alcançará a região de densidade infinita e o fim do tempo.


A relatividade geral prediz que objectos pesados, em movimento, causarão a emissão de ondas gravitacionais; são ondas na curvatura do espaço que se propagam à velocidade da luz. São semelhantes às ondas luminosas que são uma ondulação do campo electromagnético, mas são muito mais difíceis de detectar. Tal como a luz, estas ondas transportam :, energia proveniente dos objectos que as emitem. Esperar-se-ia, portanto, que um sistema de objectos maciços se instale eventualmente num estado estacionário, porque a energia do movimento seria consumida na emissão de ondas gravitacionais. (Parecido com isto é o que acontece quando se deixa cair uma rolha de cortiça na água: primeiro anda para baixo e para cima, mas à medida que a ondulação lhe retira energia, acaba por se reestabelecer o equilíbrio). Por exemplo, o movimento da Terra na sua órbita em redor do Sol produz ondas gravitacionais. O efeito da perda de energia será o de mudar a órbita da Terra, de modo a que esta se aproxime gradualmente do Sol, colidindo eventualmente com ele até acabar por ficar num estado estacionário. A taxa de energia perdida no caso da Terra e do Sol é muito pequena: cerca do suficiente para fazer funcionar um pequeno aquecedor eléctrico. Isto significa que serão precisos mil milhões de milhões de milhões de anos para a Terra colidir com o Sol, pelo que não há motivo imediato para preocupação! A perturbação da órbita da Terra é demasiado lenta para poder ser observada, mas este mesmo efeito tem sido observado durante os últimos anos no sistema chamado PSR 1913 + 16 (*PSR* é a sigla de "pulsar", um tipo especial de estrela de neutrões que emite pulsações regulares de ondas de rádio). Este sistema contém duas estrelas de neutrões que orbitam em torno uma da outra, e a energia que estão a perder pela emissão de ondas gravitacionais faz com que tenham um movimento espiralado na direcção uma da outra.


Durante o colapso gravitacional de uma estrela para formar um buraco negro, os movimentos seriam muito mais rápidos, pelo que a taxa de perda de energia seria muito mais elevada. Por conseguinte, não seria preciso muito tempo para atingir um estado de equilíbrio. Qual seria o aspecto desse estado final? Poderíamos supor que dependeria de todas as características complexas a partir das :, quais a estrela se formou: não só a sua massa e velocidade de rotação, mas também as diferentes densidades de várias partes da estrela e os complicados movimentos dos gases no seu interior. E, se os buracos negros fossem tão variados quanto os objectos que entraram em colapso para lhes dar origem, poderia ser muito difícil elaborar quaisquer prognósticos sobre buracos negros em geral.


Em 1967, contudo, o estudo dos buracos negros foi revolucionado por Werner Israel, cientista canadiano (nascido em Berlim, criado na África do Sul e doutorado na Irlanda). Israel mostrou que, de acordo com a relatividade geral, buracos negros sem rotação deviam ser muito simples: perfeitamente esféricos, o tamanho dependeria apenas das suas massas, e quaisquer dois buracos negros com a mesma massa seriam idênticos. Podiam, de facto, ser descritos por uma solução particular das equações de Einstein conhecida desde 1917 e descoberta por Karl Schwarzschild logo após a descoberta da relatividade geral. Ao princípio, muitos, incluindo o próprio Israel, argumentaram que, uma vez que os buracos negros tinham de ser perfeitamente esféricos, um buraco negro apenas poderia formar-se a partir do colapso de um objecto perfeitamente esférico. Qualquer estrela real, que nunca seria *perfeitamente* esférica, só podia, portanto, entrar em colapso para formar uma singularidade nua.


Havia, no entanto, uma interpretação diferente do resultado de Israel, que foi advogada por Penrose e John Wheeler, em particular. Argumentavam que os movimentos rápidos inerentes ao colapso de uma estrela significariam que as ondas gravitacionais que emitiria a tornariam cada vez mais esférica e, quando acabasse por atingir um estado estacionário, seria precisamente esférica. Segundo esta opinião, qualquer estrela não rotativa, por mais complicadas que fossem a sua forma e a sua estrutura interna, acabaria, depois do colapso gravitacional, num buraco :, negro perfeitamente esférico, cujo tamanho dependeria apenas da sua massa. Cálculos posteriores confirmaram esta opinião que depressa foi adoptada.


O resultado de Israel arrumava o caso de buracos negros formados apenas a partir de corpos não rotativos. Em 1963, o neozelandês Roy Kerr descobriu um conjunto de soluções das equações da relatividade geral que descreviam buracos negros com rotação. Estes buracos negros de Kerr rodam a uma velocidade constante, dependendo o seu tamanho e a sua forma apenas da sua massa e da velocidade de rotação. Se esta for nula, o buraco negro é perfeitamente redondo e a solução é idêntica à de Schwarzschild. Se for diferente de zero, o buraco negro é bojudo perto do seu equador (tal como a Terra ou o Sol, devido às suas rotações) e, quanto mais depressa rodar, mais bojudo se torna. Portanto, para alargar o resultado de Israel de modo a incluir corpos com rotação, conjecturou-se que qualquer corpo rotativo que entrasse em colapso para formar um buraco negro acabaria eventualmente por atingir um estado estacionário descrito pela solução de Kerr.


Em 1970, um colega e meu aluno de investigação em Cambridge, Brandon Carter, deu o primeiro passo para provar esta conjectura. Mostrou que, desde que um buraco negro com rotação estacionária tivesse um eixo de simetria, como o de um pião a girar, o seu tamanho e forma dependeriam apenas da sua massa e da velocidade de rotação. Depois, em 1971, eu provei que qualquer buraco negro estacionário com rotação teria realmente esse eixo de simetria. Finalmente, em 1973, David Robinson, do Kings College, em Londres, usou os resultados de Carter e os meus para mostrar que a conjectura estava correcta: um buraco negro com essas características tinha mesmo de ser a solução de Kerr. Portanto, depois do colapso gravitacional, um buraco negro devia fixar-se num estado em que podia :, rodar, mas não pulsar. Além disso, o seu tamanho e forma dependeriam apenas da sua massa e velocidade de rotação e não da natureza do corpo que entrou em colapso para lhe dar origem. O resultado tornou-se conhecido pela máxima: "Um buraco negro não tem cabeleira". O teorema "sem cabelo" é de grande importância prática, por restringir muito os tipos possíveis de buracos negros. Podemos, pois, elaborar modelos pormenorizados de objectos que podem conter buracos negros e comparar os prognósticos dos modelos com as observações. Significa também que uma grande quantidade de informação sobre o corpo que entrou em colapso deve ter-se perdido quando se formou um buraco negro, porque depois tudo 0 que pode medir-se é a massa do corpo e a velocidade de rotação. O significado disto será explicado no próximo capítulo.


Os buracos negros são apenas um de um pequeno número de casos na história da ciência em que uma teoria foi desenvolvida com todo o pormenor com um modelo matemático (6), antes de haver qualquer evidência a partir de observações, de que estava certa.


(6) A teoria dos buracos negros desenvolveu-se tanto e está de tal forma enraizada na relatividade geral que levou um certo cientista a concluir que "ou há buracos negros no espaço ou buracos na teoria da relatividade" (*N. do R.*).


Na realidade, este costumava ser o argumento principal dos que se opunham aos buracos negros: como é que podia acreditar-se em objectos de cuja existência a única prova eram cálculos baseados na duvidosa teoria da relatividade geral? Em 1963, porém, Maarten Schmidt, um astrónomo do Observatório de Palomar, na Califórnia, mediu o desvio para o vermelho de um ténue objecto parecido com uma estrela na direcção da fonte de ondas de rádio chamada 3C273 (ou seja, a fonte número 273 do terceiro catálogo de fontes de rádio de Cambridge). Descobriu que era demasiado :, grande para ser causado por um campo gravitacional: se se tratasse de um desvio gravitacional para o vermelho, o objecto teria de ser tão maciço e de estar tão próximo de nós que perturbaria as órbitas dos planetas do sistema solar. Isto sugeria que o desvio para o vermelho era então causado pela expansão do Universo, o que, por sua vez, significava que o objecto estava a uma distância muito grande. E, para ser visível a uma distância tão grande, o objecto tinha de ser muito brilhante, ou, por outras palavras, tinha de emitir uma enorme quantidade de energia. O único mecanismo em que se conseguiu pensar capaz de produzir tão grandes quantidades de energia parecia ser o colapso gravitacional não apenas de uma estrela mas de toda a região central de uma galáxia. Foram descobertos vários outros objectos "quase estelares" ou *quasares* todos com grandes desvios para o vermelho. Mas estão todos demasiado afastados e, portanto, são demasiado difíceis de observar, de modo a fornecerem provas conclusivas de buracos negros.


Em 1967 houve novo encorajamento para a existência de buracos negros: uma estudante de investigação de Cambridge, Jocelyn Bell, descobriu no céu objectos que emitiam pulsações regulares de ondas de rádio. Ao princípio, Bell e o seu orientador, Anthony Hewish, pensaram ter estabelecido contacto com uma civilização estranha na Galáxia! Na realidade, no seminário em que anunciaram a sua descoberta, lembro-me de que chamaram às primeiras quatro fontes a ser encontradas LGM 1-4, sendo *LGM* as iniciais de "Little Green Men" (7). Contudo, no fim, eles e todos os outros chegaram à conclusão menos romântica de que esses objectos, a que se deu o nome de *pulsares*, eram na realidade estrelas de neutrões que emitiam pulsos de ondas de rádio, devido a uma complicada interacção :, entre os seus campos magnéticos e a matéria circundante. Foram notícias más para os escritores de aventuras espaciais, mas davam uma grande esperança ao pequeno número de quantos naquela época acreditavam nos buracos negros: era a primeira prova positiva da existência de estrelas de neutrões. Uma estrela de neutrões tem um raio de cerca de vinte quilómetros, apenas algumas vezes o raio crítico com que uma estrela se torna um buraco negro. Se uma estrela podia entrar em colapso até dimensões tão pequenas, não é disparate esperar que outras estrelas possam entrar em colapso até um tamanho ainda mais pequeno e originar buracos negros.


(7) "Homenzinhos Verdes" (*N. do T.*).


Como podíamos esperar detectar um buraco negro, se pela própria definição não emite luz? Era um bocado como andar à procura de um gato preto num depósito de carvão. Felizmente, há uma maneira. Como John Michell fez notar no seu trabalho pioneiro de 1783, um buraco negro continua a exercer força gravitacional sobre os objectos próximos. Os astrónomos têm observado muitos sistemas em que duas estrelas orbitam à volta uma da outra, atraídas pela gravidade. Também observam sistemas em que há só uma estrela visível em órbita em redor de uma companheira que não se vê. Como é evidente, não se pode concluir imediatamente que a companheira seja um buraco negro: pode ser apenas uma estrela demasiado fraca para ser vista. Contudo, alguns destes sistemas, como o chamado Cygnus X-1 (Fig. 6.2), são também fontes intensas de raios X. A melhor explicação para este fenómeno é que a matéria foi aspirada da superfície da estrela visível. Ao mesmo tempo que cai em direcção à companheira invisível, desenvolve um movimento espiral (como a água a sair pelo ralo da banheira) e torna-se muito quente, emitindo raios X (Fig. 6.3). Para este mecanismo funcionar, o objecto invisível tem de ser muito pequeno, como uma anã branca, uma estrela de neutrões ou um buraco negro. :, A partir da órbita observada da estrela visível, podemos determinar a menor massa possível do objecto invisível. No caso de Cygnus X-1, esta é de cerca de seis vezes a massa do Sol, o que, segundo o resultado de Chandrasekhar, é demasiado grande para que o objecto invisível seja uma anã branca. É também uma massa demasiado grande para ser uma estrela de neutrões. Parece, portanto, que deve ser um buraco negro.


Fig. 6.2. A mais brilhante das duas estrelas perto do centro da fotografia é a Cygnus X-l que se pensa consistir num buraco negro e numa estrela normal que orbitam em torno um do outro.


fig. 6.3


Há outros modelos para explicar Cygnus X-1 que não incluem um buraco negro, mas são todos bastante rebuscados. Um buraco negro parece ser a única explicação realmente natural das observações. Apesar disso, fiz uma aposta com Kip Thorne, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, de que, na realidade, Cygnus X-1 não contém um buraco negro! Foi uma espécie de apólice de seguro que arranjei! Tenho trabalhado muito em buracos negros, e :, todo o trabalho estaria perdido se acabássemos por verificar que não existem. Mas, nesse caso, teria a consolação de ganhar a minha aposta, o que me daria a assinatura da revista *Private Eye* durante quatro anos. Se os buracos negros existirem, Kip ganha um ano de assinatura da revista *Penthouse*. Quando fizemos a aposta em 1975, tínhamos 80% de certeza de que Cygnus X-1 era um buraco negro. Agora, diria que temos cerca de 95% de certeza, mas a aposta ainda está por decidir.


Temos também agora provas quanto a vários outros buracos negros em sistemas como Cygnus X-1 na Galáxia e em duas galáxias vizinhas chamadas Nuvens de Magalhães. O número de buracos negros, contudo, é quase de certeza muito mais elevado; na longa história do Universo, muitas estrelas devem ter gasto todo o seu combustível nuclear e entraram em colapso. O número de buracos :, negros pode muito bem ser ainda maior que o número de estrelas visíveis, que totalizam cerca de cem mil milhões só na nossa galáxia. A atracção gravitacional extra de um número tão grande de buracos negros podia explicar por que motivo a nossa galáxia roda à velocidade a que roda: a massa das estrelas visíveis é insuficiente para o justificar. Também temos algumas provas de que existe um buraco negro muito maior, com uma massa de cerca de cem mil vezes a do Sol, no centro da nossa galáxia. As estrelas da Galáxia que se aproximem demais desse buraco negro serão desfeitas pela diferença existente entre as forças gravitacionais nos seus lados próximo e afastado. Os seus resíduos, e o gás que é expelido de outras estrelas, cairão em direcção ao buraco negro. Como no caso de Cygnus X-1, o gás terá um movimento em espiral para o interior e aquecerá, embora não tanto como naquele caso. Não ficará suficientemente quente para emitir raios X, mas poderá justificar a fonte muito compacta de ondas de rádio e de raios infravermelhos que se observa no centro galáctico.


Pensa-se que buracos negros semelhantes, mas ainda maiores, com massa de cerca de cem milhões de vezes a massa do Sol, surjam no centro dos quasares. A matéria que caísse num buraco negro superdenso como esse seria a única fonte de energia suficientemente grande para explicar as quantidades enormes de energia que esses objectos emitem. À medida que a matéria entra em espiral no buraco negro, fará com que este rode no mesmo sentido, desenvolvendo um campo magnético muito parecido com o da Terra. Partículas de energia muito elevada seriam geradas perto do buraco negro pela matéria que cai dentro dele. O campo magnético seria tão forte que poderia forçar essas partículas a confluir em jactos dirigidos para fora, ao longo do eixo de rotação do buraco negro, ou seja, na direcção dos seus pólos norte e sul. Esses jactos :, são, na realidade, observados em várias galáxias e quasares.


Podemos ainda considerar a possibilidade da existência de buracos negros com massas muito menores do que a do Sol. Tais buracos negros não podiam ser formados por colapsos gravitacionais porque as suas massas estão abaixo do limite de Chandrasekhar: estrelas com massa assim baixa podem aguentar-se contra a força da gravidade mesmo quando já esgotaram o seu combustível nuclear. Buracos negros de massa reduzida só poderiam formar-se se a matéria fosse comprimida até densidades enormes, forçada por pressões exteriores muito fortes. Tais condições podiam ocorrer numa bomba de hidrogénio muito grande: o físico John Wheeler calculou que, se alguém juntasse toda a água pesada (8) de todos os oceanos do mundo, podia construir uma bomba de hidrogénio capaz de comprimir a matéria de tal modo que seria criado um buraco negro. (Claro que não ficaria ninguém para observar o fenómeno!)


(8) Água pesada é a designação da água em cujas moléculas o hidrogénio surge na sua variedade isotópica designada por deutério, mais pesada que o isótopo comum -- o prótio -- e muito mais rara.


Uma possibilidade mais viável é que esses buracos negros de massa reduzida possam ter sido formados nas altas temperaturas e pressões dos princípios do Universo. Os buracos negros teriam sido formados só se o Universo, no princípio, não tivesse sido perfeitamente liso e uniforme, porque apenas uma pequena região mais densa do que a média podia ser comprimida desta maneira para formar um buraco negro. Mas sabemos que devia haver algumas irregularidades, porque, de outro modo, a matéria do Universo continuaria a estar perfeitamente distribuída na época actual, em vez de amontoada em estrelas e galáxias. :,


Que as irregularidades necessárias para justificar estrelas e galáxias tenham levado à formação de um número significativo de buracos negros primevos, depende dos pormenores das condições do Universo nos seus princípios. Portanto, se pudéssemos determinar quantos buracos negros primevos existem actualmente, aprenderíamos muito sobre o início do Universo. Buracos negros primevos com massas de mais de mil milhões de toneladas (a massa de uma grande montanha) só podiam ser detectados pela sua influência gravitacional sobre outra matéria visível ou sobre a expansão do Universo. No entanto, como veremos no próximo capítulo, os buracos negros afinal não são realmente negros: brilham como um corpo quente e, quanto mais pequenos são, mais brilham. Portanto, paradoxalmente, os buracos negros mais pequenos acabam por ser realmente mais fáceis de detectar do que os maiores!


VII. Os Buracos Negros

Não São Tão Negros


Antes de 1970, as minhas investigações sobre a relatividade geral tinham-se concentrado sobretudo na questão de ter existido ou não uma singularidade inicial -- o *big bang*. Todavia, numa noite de Novembro desse ano, logo a seguir ao nascimento da minha filha Lucy, comecei a pensar em buracos negros quando estava a meter-me na cama. O meu problema físico torna este processo bastante demorado, pelo que tive bastante tempo. Nessa altura, não existia qualquer delimitação precisa dos pontos do espaço-tempo que ficavam dentro ou fora do buraco negro (1).


(1) O problema era mais intrincado com os buracos negros com rotação. Podemos imaginar que, neste caso, o espaço roda à medida que flui para o interior do buraco negro. Há uma região em que o espaço flui com velocidade superior à velocidade da luz, embora a componente centrípeta desta velocidade geométrica seja inferior à velocidade da luz (*N. do R.*).


Já tinha discutido com Roger Penrose a ideia de definir um buraco negro como o conjunto de acontecimentos dos quais não era possível escapar para o infinito, que é a definição agora geralmente aceite. Isto significa que a fronteira do buraco negro, o horizonte de acontecimentos, é formada pelas trajectórias no espaço-tempo de raios de luz que não escapam ao buraco negro, ficando para sempre na fronteira (Fig. 7.1) (2). É um pouco parecido com fugir da polícia e conseguir ir sempre um passo à frente sem nunca fugir completamente!


(2) Este efeito de dragagem da luz pode ser entendido como se o espaço fluísse para o interior do buraco negro arrastando consigo a luz. No horizonte, a luz está a ser arrastada precisamente à velocidade da luz (*N. do R.*).


fig. 7.1


De repente, compreendi que as trajectórias desses raios de luz (3) nunca podiam aproximar-se umas das outras.


(3) Estas trajectórias a que Hawking se refere amiúde dizem respeito ao espaço-tempo, não devem ser entendidas como trajectórias no espaço (*N. do R.*).


Se isso acontecesse, encontrar-se-iam eventualmente, o que :, seria como encontrar alguém a correr, fugindo da policia no sentido contrário. Seriam ambos apanhados! (Ou, neste caso, cairiam num buraco negro). Mas se os raios de luz fossem engolidos pelo buraco negro, então não podiam ter estado na sua fronteira. Assim, as trajectórias dos raios luminosos no horizonte de acontecimentos tinham de ser paralelas ou divergentes. Outra maneira de ver a questão é imaginar o horizonte de acontecimentos, a fronteira do buraco negro, como o limiar de uma sombra: a sombra da desgraça iminente. Quando olhamos para a sombra projectada por um corpo, iluminado por uma fonte situada a grande distância, como o Sol, vemos que os raios de luz da orla não se aproximam uns dos outros.


Se os raios de luz que formam o horizonte de acontecimentos, a fronteira do buraco negro, nunca convergem, a área do horizonte de acontecimentos pode manter-se a mesma ou aumentar com o tempo, mas nunca diminuir -- porque isso significaria que pelo menos alguns dos raios de luz do limiar teriam de estar a aproximar-se uns dos outros. De facto, a área aumentaria sempre que matéria ou radiação fossem absorvidas pelo buraco negro (Fig. 7.2).


Ou, se dois buracos negros colidissem e se unissem para formar um só, a área do horizonte de acontecimentos do buraco negro final seria maior ou igual à soma das áreas dos horizontes de acontecimentos dos buracos negros iniciais (Fig. 7.3). Esta propriedade da área não se reduzir impôs uma restrição importante ao comportamento possível dos buracos negros. Fiquei tão excitado com a minha descoberta que quase não dormi nessa noite. No dia seguinte, telefonei a Roger Penrose e ele concordou comigo. Acho que, na realidade, ele já tinha a noção desta propriedade da área. No entanto, tinha estado a utilizar uma definição ligeiramente diferente de buraco negro. Não tinha compreendido que a fronteira do buraco negro, segundo as duas definições, seria a mesma e, portanto, :, também as suas áreas, desde que o buraco negro estivesse num estado estacionário.


figs. 7.2 e 7.3


Este comportamento de um buraco negro era muito reminiscente do comportamento da quantidade física chamada entropia, que mede o grau de desordem de um sistema. É um dado da experiência comum que a desordem tem tendência a aumentar, se as coisas forem deixadas entregues a si próprias. (Basta deixarmos de arranjar o que se estraga nas nossas casas para vermos que isto é verdade!) Podemos criar ordem a partir da desordem (por exemplo, podemos pintar a casa), mas isso requer dispêndio de esforço e, portanto, diminui a quantidade de energia ordenada disponível. :,


Uma asserção precisa desta ideia é conhecida por segunda lei da termodinâmica. Afirma que a entropia de um sistema isolado aumenta sempre e que, quando dois sistemas se unem, a entropia do sistema resultante é maior do que a soma das entropias dos sistemas individuais. Por exemplo, consideremos um sistema de moléculas de gás dentro de uma caixa. Podemos pensar nas moléculas como se fossem pequenas bolas de bilhar colidindo continuamente umas com as outras e ricocheteando nas paredes da caixa. Quanto mais alta for a temperatura do gás, mais depressa as moléculas se movem e, portanto, mais frequentemente e com mais força colidem com as paredes da caixa e maior é a pressão que exercem nestas. Suponhamos que inicialmente as moléculas estão todas confinadas no lado esquerdo da caixa por uma divisória. Se a divisória for retirada, as moléculas terão tendência para se espalharem e ocuparem ambas as metades da caixa. Em qualquer momento posterior, podiam estar, por acaso, todas na metade direita ou de novo na metade esquerda, mas é muitíssimo mais provável haver mais ou menos o mesmo número em ambas as metades. Tal estado é menos ordenado, ou mais desordenado, do que o estado original em que todas as moléculas estavam numa das metades. Diz-se, portanto, que a entropia do gás aumentou. Do mesmo modo, suponhamos que se começa com duas caixas, uma contendo moléculas de oxigénio e a outra contendo moléculas de azoto. Se se unirem as duas caixas, removendo a parede do meio, as moléculas de oxigénio e de azoto começarão a misturar-se. Mais tarde, o estado mais provável será o de uma mistura razoavelmente uniforme de moléculas de oxigénio e de azoto pelas duas caixas. Este estado será menos ordenado e terá maior entropia do que o estado inicial das duas caixas separadas.


A segunda lei da termodinâmica tem um estatuto bastante diferente do das outras leis físicas, tais como a lei :, da gravitação de newton, por exemplo, porque nem sempre se verifica, mas sim na grande maioria dos casos (4).


(4) Na interpretação estatística da segunda lei, embora nenhuma observação feita até hoje evidenciasse esse caracter de excepção (*N. do R.*).


A probabilidade de todas as moléculas de gás na nossa primeira caixa serem encontradas mais tarde em metade da caixa é de um para muitos milhões de milhões, mas pode acontecer. Contudo, se tivermos um buraco negro "à mão", parece haver uma maneira bastante mais fácil de infringir a segunda lei: basta lançar alguma matéria com grande quantidade de entropia, tal como uma grande caixa de gás, para dentro dele. A entropia total da matéria no exterior do buraco negro decresceria. Podíamos dizer, é claro, que a entropia total, incluindo a do interior do buraco negro, não tinha diminuído, mas, como não há possibilidade de olhar para dentro dele, não podemos saber a quantidade de entropia que existe na matéria que está lá dentro. Seria bom que houvesse alguma característica do buraco negro pela qual observadores fora dele pudessem conhecer a sua entropia, e quanto aumentaria sempre que matéria com entropia fosse absorvida. Seguindo a descoberta atrás descrita de que a área do horizonte de acontecimentos aumentava sempre que era absorvida matéria, um estudante de investigação em Princeton, James Bekenstein, sugeriu que a área do horizonte de acontecimentos era uma medida da entropia do buraco negro: à medida que matéria com certo conteúdo entrópico era absorvida pelo buraco negro, a área do horizonte aumentaria de modo que a soma da entropia da matéria no exterior de um buraco negro e a área do seu horizonte nunca decresceriam.


Esta sugestão parecia evitar que a segunda lei da termodinâmica fosse transgredida na maioria das situações. :, Havia, no entanto, uma falha fatal. Se um buraco negro tivesse entropia, então também devia ter temperatura. Mas um corpo com temperatura determinada tem de emitir radiação a um certo ritmo. É um dado da experiência vulgar que, se aquecermos um atiçador numa lareira, ele fica ao rubro e emite radiação, mas corpos a temperaturas mais baixas também emitem radiações; o que acontece é que normalmente não damos por isso, devido à quantidade ser bastante pequena. Esta radiação é necessária para evitar a transgressão da segunda lei. Portanto, os buracos negros deviam emitir radiação. Mas, pela sua própria definição, os buracos negros são objectos que se supõe não emitir seja o que for. Parecia, pois, que a área do horizonte de um buraco negro não poderia ser considerada uma medida da sua entropia. Em 1972, apresentei um trabalho, em conjunto com Brandon Carter e um colega americano, Jim Bardeen, em que chamávamos a atenção para o facto de que, apesar de haver muitas semelhanças entre a entropia e a área do horizonte, existia esta dificuldade aparentemente irresolúvel. Devo admitir que, ao escrever aquele artigo, fui motivado, em parte, por irritação com Bekenstein, que, achava eu, tinha utilizado mal a minha descoberta do aumento da área do horizonte. No entanto, acabou por se verificar que ele estava fundamentalmente certo, embora de uma maneira que por certo ele não esperava.


Em Setembro de 1973, durante uma visita a Moscovo, discuti buracos negros com dois especialistas soviéticos importantes, Yakov Zeldovich e Alexander Starobinsky. Convenceram-me de que, segundo o princípio da incerteza da mecânica quântica, buracos negros em rotação deviam criar e emitir partículas. Aceitei os seus argumentos no campo físico, mas não gostei da forma matemática como eles calculavam a emissão. Assim, dediquei-me a elaborar um tratamento matemático melhor, que descrevi num seminário informal em Oxford, no fim de Novembro de :, 1973. Nessa altura, não tinha feito os cálculos para encontrar a taxa de emissão. Estava à espera de descobrir apenas a radiação que Zeldovich e Starobinsky tinham predito para buracos negros em rotação. Contudo, quando elaborei o cálculo, descobri, para minha surpresa e aborrecimento, que mesmo buracos negros sem rotação deviam aparentemente criar e emitir partículas a razão constante. Primeiro, pensei que essa emissão indicasse que um dos métodos que eu tinha utilizado não fosse válido. Tinha medo de que, se Bekenstein encontrasse esse resultado, o usasse como mais um argumento para apoiar as suas teorias da entropia dos buracos negros, das quais eu continuava a não gostar. Contudo, quanto mais pensava no assunto, mais parecia que realmente estava certo. Mas, o que finalmente me convenceu de que a emissão era real foi o facto de o espectro das partículas emitidas ser exactamente o que seria emitido por um corpo quente, e de o buraco negro estar a emitir partículas exactamente à razão correcta para evitar infracções à segunda lei. Desde então os cálculos foram repetidos de diversas formas por outras pessoas. Todos confirmam que um buraco negro deve emitir partículas e radiação como se fosse um corpo quente com uma temperatura que depende apenas da sua massa: quanto maior for a massa, mais baixa será a temperatura.


Como é possível que um buraco negro pareça emitir partículas quando sabemos que nada consegue escapar de dentro do seu horizonte? A resposta, segundo nos diz a teoria quântica, é que as partículas não vêm de dentro do buraco negro, mas sim do espaço "vazio" contíguo ao horizonte de acontecimentos! Podemos compreender isto da seguinte maneira: aquilo em que pensamos como espaço "vazio" não pode ser completamente vazio, porque isso significaria que todos os campos, por exemplo o gravitacional e o electromagnético, tinham de ser exactamente zero. Contudo, o valor de um campo e a sua variação com :, o tempo assemelham-se à posição e velocidade de uma partícula: o princípio da incerteza implica que quanto maior for a precisão com que se conhece uma destas quantidades, menor é aquela com que se pode conhecer a outra. Portanto, no espaço vazio, o campo não pode ser fixado exactamente em zero, porque então teria um valor preciso (zero) e uma variação precisa (também zero). Tem de existir uma quantidade mínima de incerteza, ou flutuações quânticas, no valor do campo. Podemos pensar nessas flutuações como em pares de partículas de luz ou de gravitação que aparecem juntas em certo momento, se afastam, e depois voltam a juntar-se e aniquilam-se uma à outra. Essas partículas são partículas virtuais, tais como as que transmitem a força gravitacional do Sol: ao contrário das partículas reais, não podem ser observadas directamente com um detector de partículas. No entanto, os seus efeitos indirectos, tais como variações na energia das órbitas dos electrões nos átomos, podem ser medidos e concordam com as previsões teóricas num grau de precisão notável. O princípio da incerteza também prediz que haverá pares virtuais semelhantes de partículas de matéria, tais como electrões ou quarks. Neste caso, contudo, um dos membros do par será uma partícula e o outro uma antipartícula (as antipartículas da luz e da gravidade identificam-se com as respectivas partículas).


Como a energia não pode ser criada a partir do nada, uma das companheiras num par partícula/antipartícula terá energia positiva e a outra energia negativa. A que tem energia negativa está condenada a ser uma partícula virtual de curta duração, porque as partículas reais têm sempre energia positiva em situações normais. Deve, pois, procurar a sua companheira e aniquilarem-se as duas. Contudo, uma partícula real que esteja perto de um corpo maciço tem menos energia do que se estivesse longe, porque é preciso energia para a afastar para longe, contra a :, atracção gravitacional do corpo. Normalmente, a energia da partícula continua a ser positiva, mas o campo gravitacional dentro de um buraco negro é tão forte que mesmo aí uma partícula real pode ter energia negativa. É portanto possível, se estiver presente um buraco negro, que a partícula virtual com energia negativa caia dentro dele e se torne uma partícula ou antipartícula real. Neste caso, já não tem de aniquilar-se juntamente com a sua parceira. Esta, abandonada, pode cair também dentro do buraco negro. Ou, se tiver energia positiva, pode também fugir da vizinhança do buraco negro como uma partícula ou antipartícula real (Fig. 7.4). Para um observador à distância, parecerá ter sido emitida do buraco negro. Quanto mais pequeno este for, menor será a distância que a partícula com energia negativa terá de percorrer antes de se tornar uma partícula real, e assim maior será a taxa de emissão e a temperatura aparente do buraco negro.


fig. 7.4


A energia positiva da radiação que sai seria equilibrada por um fluxo de partículas de energia negativa para dentro do buraco negro. Pela equação de Einstein *E = mcâ2* (em que *E* é a energia, *m* a massa e *c* a velocidade da luz), a energia é proporcional à massa. Um fluxo de energia negativa dentro do buraco negro reduz, portanto, a sua massa. À medida que o buraco negro perde massa, a área do seu horizonte de acontecimentos torna-se mais pequena, mas esta diminuição na entropia do buraco negro é mais do que compensada pela entropia da radiação emitida, de maneira que a segunda lei nunca é violada.


Além disso, quanto menor for a massa do buraco negro, mais alta será a sua temperatura. Portanto, à medida que o buraco negro perde massa, a sua temperatura e a taxa de emissão aumentam, de modo que perde massa mais depressa. Quando a massa do buraco negro eventualmente se torna extremamente pequena, o que acontece não é bem claro, mas a hipótese mais razoável é que desaparecerá :, completamente numa tremenda explosão final de emissão, equivalente à explosão de milhões de bombas H.


Um buraco negro com uma massa de algumas vezes a massa do Sol teria uma temperatura de apenas dez milionésimos de um grau acima do zero absoluto. Esta temperatura é muito mais baixa do que a da radiasão de micro-ondas que enche o Universo (cerca de 2.7 acima do zero absoluto), de modo que estes buracos emitiriam ainda menos do que absorvem. Se o Universo estiver destinado a expandir-se para sempre, a temperatura da radiação de micro-ondas diminuirá eventualmente até menos do que a de um destes buracos negros, que começará então a perder :, massa. Mas, mesmo então, a sua temperatura seria tão baixa que seriam precisos cerca de um milhão de milhões de milhões de milhões de milhões de milhões de milhões de milhões de milhões de milhões de milhões de anos (1 seguido de sessenta e seis zeros) para se evaporar completamente. Isto é muito mais tempo do que a idade do Universo, que é apenas de cerca de dez ou vinte mil milhões de anos (1 ou 2 seguido de dez zeros). Por outro lado, conforme mencionei no capítulo sexto, pode haver buracos negros primevos com uma massa muito mais pequena, formados pelo colapso de irregularidades nos primórdios do Universo. Esses buracos negros teriam uma temperatura muito mais alta e estariam a emitir radiação a uma taxa muito maior. Um buraco negro primevo com uma massa inicial de mil milhões de toneladas teria um tempo de vida mais ou menos igual à idade do Universo. Buracos negros primevos com massas iniciais menores do que este número já se teriam evaporado completamente, mas os que tivessem massas ligeiramente superiores continuariam ainda a emitir radiação na forma de raios X e raios gama. Os raios X e raios gama são semelhantes a ondas de luz, mas com comprimentos de onda muito mais curtos. Esses buracos não chegam a merecer o epíteto de *negros*: na realidade, são *rubro-brancos* e emitem energia à razão de dez mil megawatts.


Um buraco negro destes podia fazer funcionar dez grandes centrais geradoras se conseguíssemos domesticar a sua energia. Contudo, isto seria muito difícil: o buraco negro teria a massa de uma montanha comprimida num espaço de dimensão inferior a três milionésimos de milionésimo de centímetro, o tamanho do núcleo de um átomo! Se houvesse um buraco negro destes na superfície da Terra, não haveria maneira de o impedir de cair até ao centro da Terra. Oscilaria através da Terra até eventualmente se instalar no centro. Portanto, o único sítio para se colocar um :, buraco negro desta natureza, em que se poderia utilizar a energia por ele emitida, seria em órbita ao redor da Terra, e a única maneira de se conseguir que orbitasse à volta da Terra seria atraindo-o para aí, arrastando uma enorme massa à sua frente, como uma cenoura à frente de um burro. Não parece uma coisa muito prática, pelo menos no futuro imediato.


Mas mesmo que não se possa aprisionar a emissão destes buracos negros primevos, quais são as nossas hipóteses de os observar? Podíamos procurar os raios gama que emitem durante a maior parte da sua vida. Embora a radiação da maior parte deles fosse muito fraca, por estarem longe, o total de todos eles podia ser detectável. Conseguimos observar essa radiação de fundo de raios gama: a Fig. 7.5 mostra como a intensidade observada difere da intensidade teórica para frequências diferentes (número de ondas por segundo). Porém, essa radiação de fundo podia ter sido, e provavelmente foi, gerada por outros processos diversos. A linha tracejada na Fig. 7.5 mostra como a intensidade deve variar com a frequência dos raios gama emitidos pelos buracos negros primevos, se eles fossem em média trezentos por ano-luz cúbico. Podemos, portanto, dizer que as observações do ruído de fundo de raios gama não fornecem qualquer prova *positiva* da existência de buracos negros primevos, mas dizem-nos, isso sim, que em média não pode haver mais do que trezentos em cada ano-luz cúbico no Universo. Este limite significa que os buracos negros primevos podem constituir no máximo um milionésimo da matéria do Universo.


fig. 7.5


Com esta escassez de buracos negros primevos, podia parecer inverosímil que existisse um suficientemente perto para podermos observá-lo como fonte individual de raios gama. Mas, uma vez que a gravidade atrairia os buracos negros primevos em direcção a qualquer matéria, deviam ser muito mais frequentes dentro e em volta das galáxias. :, Portanto, embora o ruído de fundo de raios gama nos diga que não podem existir mais do que trezentos buracos negros primevos em média por ano-luz cúbico, nada nos diz sobre até que ponto podem ser vulgares na nossa galáxia. Se fossem, digamos, um milhão de vezes mais frequentes, então o buraco negro mais próximo de nós estaria provavelmente a uma distância de cerca de mil milhões de quilómetros, ou seja, mais ou menos tão longe quanto Plutão, o planeta conhecido mais afastado. A essa distância seria ainda muito difícil detectar a emissão constante de um buraco negro mesmo que fosse de dez mil megawatts. Para se poder observar um buraco negro primevo, seria preciso detectar vários quanta de raios gama vindos da mesma direcção num intervalo de tempo razoável, como uma semana. De outra maneira, podiam simplesmente ser :, parte da radiação de fundo. Mas o principio quântico de Planck diz-nos que cada quantum de raios gama tem energia muito elevada, porque os raios gama têm uma frequência muito alta, de tal modo que não seriam precisos muitos quanta para radiar mesmo dez mil megawatts. E, para os observarmos vindos da distância de Plutão, seria preciso um detector de raios gama maior do que qualquer construído até agora. Além disso, o detector teria de estar no espaço porque os raios gama não conseguem penetrar a atmosfera.


É evidente que, se um buraco negro tão perto como Plutão chegasse ao fim da sua vida e explodisse, seria fácil detectar o rebentamento final de emissão. Mas, se o buraco negro esteve a emitir durante os últimos dez ou vinte mil milhões de anos, a hipótese de chegar ao fim da sua vida dentro dos próximos anos, e não vários milhões de anos no passado ou no futuro, era realmente bastante remota! Portanto, para se ter uma hipótese razoável de ver uma explosão antes de se acabar o dinheiro da bolsa de estudos, seria preciso descobrir uma maneira de detectar quaisquer explosões a uma distância de cerca de um ano-luz. Restaria ainda o problema de ser preciso um grande detector de raios gama para observar os quanta provenientes da explosão. Contudo, nesse caso, não seria necessário determinar que todos os quanta vinham da mesma direcção: seria suficiente observar que todos chegavam com intervalos de tempo de diferença para se ter uma confiança razoável de que provinham da mesma explosão.


Um detector de raios gama capaz de localizar buracos negros primevos é toda a atmosfera da Terra. (De qualquer maneira, é muito pouco provável que sejamos capazes de construir um detector maior!) Quando um quantum de raios gama de energia elevada atinge os átomos da nossa atmosfera, cria pares de electrões e positrões. Quando estes atingem outros átomos, estes, por sua vez, :, criam mais pares de electrões e positrões, de modo que se obtém aquilo a que se chama uma chuva de electrões. O resultado é uma forma de luz chamada radiação de Cerenkov. Podemos, portanto, detectar explosões de raios gama procurando explosões de luz no céu nocturno. É evidente que há muitos outros fenómenos, tais como os relâmpagos e reflexos da luz do Sol em satélites e detritos em órbita, que também podem provocar explosões de luz no céu. Podemos distinguir as explosões de raios gama dos outros efeitos observando simultaneamente explosões de luz em dois ou mais lugares bastante separados. Uma pesquisa deste género foi já realizada por dois cientistas de Dublin, Neil Porter e Trevor Weekes, utilizando telescópios no Arizona. Descobriram várias explosões de luz, mas nenhuma que pudesse ser definitivamente atribuída a explosões de raios gama de buracos negros primevos.


Mesmo que a pesquisa de buracos negros primevos venha a ser negativa, como parece provável, dar-nos-á importantes informações sobre as fases do princípio do Universo. Se este tivesse sido caótico ou irregular, ou se a pressão de matéria tivesse sido baixa, esperar-se-ia que se tivessem produzido muito mais buracos negros primevos do que o limite já determinado pelas nossas observações da radiação de fundo de raios gama. Só se o Universo primordial tivesse sido muito regular e uniforme, com alta pressão, é que podíamos explicar a ausência de buracos negros primevos observáveis.


A ideia da radiação proveniente de buracos negros foi o primeiro exemplo de um prognóstico que dependia de um modo essencial de ambas as grandes teorias deste século: a relatividade geral e a mecânica quântica. Ao princípio suscitou muita oposição, porque vinha perturbar os pontos de vista existentes: "Como é que um buraco negro pode emitir qualquer coisa?" Quando anunciei os resultados dos meus cálculos numa conferência no Laboratório :, Rutherford-Appleton, perto de Oxford, fui recebido com incredulidade geral. No fim da minha conferência, o presidente da sessão, John G. Taylor, do Kings College de Londres, afirmou que era tudo um chorrilho de disparates. Até escreveu umas considerações nesse sentido. No entanto, no fim, a maior parte das pessoas, incluindo John Taylor, acabaram por chegar à conclusão de que os buracos negros deviam radiar, tal como os corpos quentes, se as nossas ideias presentes sobre a relatividade geral e a mecânica quântica estivessem certas. Assim, mesmo sem termos ainda conseguido encontrar um buraco negro primevo, há um consenso razoável de que, se o encontrarmos, terá de estar a emitir uma grande porção de raios X e gama.


A existência de radiação proveniente de buracos negros parece implicar que o colapso gravitacional não é tão final e irreversível como chegámos a pensar. Se um astronauta cair num buraco negro, a massa deste aumentará, mas eventualmente a energia equivalente a essa massa extra será devolvida ao Universo sob a forma de radiação. Assim, num certo sentido, o astronauta será "reciclado". Seria, contudo, uma pobre espécie de imortalidade, porque qualquer conceito pessoal de tempo para o astronauta chegaria quase de certeza ao fim, quando ele fosse feito em pedaços dentro do buraco negro! Mesmo o tipo de partículas eventualmente emitidas pelo buraco negro seria em geral diferente das que constituíam o astronauta: a única característica do astronauta que sobreviveria seria a sua massa ou energia.


As aproximações que usei para obter a emissão dos buracos negros funcionam bem quando o buraco negro tem uma massa maior do que uma fracção de grama. Contudo, falham no fim da vida do buraco negro, quando a sua massa se torna muito pequena. O resultado mais prováve1 parece ser que o buraco negro acabe por desaparecer, :, pelo menos da nossa região do Universo, levando consigo o astronauta e qualquer singularidade que possa estar lá dentro, se realmente existir alguma. Esta foi a primeira indicação de que a mecânica quântica podia retirar as singularidades previstas pela relatividade geral. Todavia, os métodos que eu e outros usámos em 1974 não eram para dar resposta a questões tais como se haveria singularidades em gravidade quântica. A partir de 1975, comecei então a desenvolver uma nova aproximação à gravidade quântica, baseando-me na ideia de Richard Feynman da soma de histórias. As respostas que esta aproximação sugere para a origem e destino último do Universo e do seu conteúdo, tal como são os astronautas, serão descritas nos dois capítulos seguintes. Veremos que, embora o princípio da incerteza limite a precisão de todos os nossos prognósticos, pode, ao mesmo tempo, remover a imprevisibilidade fundamental que ocorre numa singularidade do espaço-tempo.


VIII. A Origem

e o Destino do Universo


A teoria da relatividade geral de Einstein previa que o espaço-tempo começara com a singularidade do *big bang* e terminaria com a singularidade do grande esmagamento (1) (se o Universo viesse a entrar em colapso) ou numa singularidade no interior de um buraco negro (se uma região local, tal como uma estrela, entrasse em colapso). Qualquer matéria que caísse no buraco seria destruída na singularidade e só o efeito gravitacional da sua massa continuaria a ser sentido fora dele. Por outro lado, quando os efeitos quânticos foram tidos em conta, parecia que a massa, ou a energia da matéria, acabaria por ser eventualmente devolvida ao resto do Universo e que o buraco negro, juntamente com qualquer singularidade no seu interior, se evaporaria e, finalmente, desapareceria. Poderia a mecânica quântica ter um efeito igualmente dramático sobre as singularidades do *big bang* e do grande esmagamento? Que acontece realmente durante os primeiros ou os últimos estádios do Universo, quando os campos gravitacionais são tão intensos que os efeitos quânticos não podem ser ignorados? O Universo tem, de facto, um princípio ou um fim? E, se assim é, como são? :,


(1) *Big Crunch* no original (*N. do R.*).


Durante os anos 70 dediquei-me particularmente ao estudo dos buracos negros, mas em 1981 o meu interesse pelas questões da origem e destino do Universo reacendeu-se quando assisti a uma conferência organizada pelos jesuítas no Vaticano. A Igreja Católica tinha cometido um grave erro com Galileu, quando tentou impor a lei numa questão científica, declarando que o Sol girava à volta da Terra. Agora, séculos volvidos, decidira convidar alguns especialistas para a aconselharem sobre cosmologia. No fim da conferência, os participantes foram recebidos em audiência pelo papa que nos disse que estava certo estudar a evolução do Universo desde o *big bang* (2), mas que não devíamos inquirir acerca do *big bang* em si, porque esse tinha sido o momento da Criação e, portanto, trabalho de Deus. Nessa altura fiquei satisfeito por ele ignorar qual havia sido a minha contribuição para a conferência: a possibilidade de o espaço-tempo ser finito mas sem fronteiras (3), o que significaria que não tinha tido um princípio e que não havia nenhum momento de Criação. Não tinha qualquer desejo de partilhar a sorte de Galileu, com quem me sinto fortemente identificado, em parte devido à coincidência de ter nascido exactamente trezentos anos depois da sua morte!


(2) Georges Lemaitre foi o primeiro cosmólogo a advogar a tese do estado inicial de alta densidade, a que chamou átomo primevo. Lemaitre nasceu em 1894 e foi ordenado sacerdote em 1927, no mesmo ano em que obteve o grau de doutor (PhD) no MIT e publicou o seu trabalho sobre a origem do Universo. Parecia a Lemaitre, bem como à Igreja Católica, que este modelo se adaptava particularmente bem ao momento da Criação (*N. do R.*).


(3) Sem fronteira no espaço-tempo não é o mesmo que sem fronteira no espaço e no tempo (*N. do R.*).


Para explicar as ideias que eu e outros temos sobre a maneira como a mecânica quântica pode afectar a origem e o destino do Universo, é necessário compreender primeiro :, a história do Universo geralmente aceite, segundo o que é conhecido por "modelo quente" do *big bang*. Este presume que o Universo é descrito por um modelo de Friedmann, mesmo até ao *big bang*. Em modelos deste género, descobre-se que, à medida que o Universo se expande, qualquer matéria ou radiação arrefece. (Quando 0 Universo duplica de tamanho, a temperatura baixa para metade) (4). Uma vez que a temperatura é simplesmente uma medida da energia média, ou velocidade, das partículas, este arrefecimento do Universo teria um efeito importante sobre a matéria nele existente.


(4) De facto, a radiação arrefece mais devagar do que a matéria com a expansão. Houve uma era em que a matéria e a radiação se achavam em equilíbrio térmico. A partir do fim desse tempo, a radiação e a matéria passaram a evoluir separadamente, não mais interagindo uma com a outra (*n. do r.*).


A temperaturas muito elevadas, as partículas mover-se-iam tão depressa que anulavam o efeito da atracção mútua devida a forças nucleares ou electromagnéticas, mas quando arrefecessem (5) esperar-se-ia que partículas que se atraem começassem a juntar-se em amontoados. Além disso, mesmo os tipos de partículas que podem existir no Universo dependem da temperatura.


(5) Temperatura é sinónimo de energia cinética média das partículas (*n. do r.*)


A temperaturas suficientemente elevadas, as partículas têm tanta energia que, sempre que colidam, originam muitos pares diferentes de partícula/antipartícula e, embora alguns desses pares se aniquilem, a produção será mais rápida que a aniquilação. Contudo, a temperaturas mais baixas, quando as partículas colidem com menor energia, os pares de partícula/antipartícula seriam produzidos a uma taxa menor e a aniquilação tornar-se-ia mais efectiva que a produção.


Pensa-se que no momento do *big bang* o tamanho do universo fosse zero e, portanto, estivesse infinitamente :, quente. Mas, à medida que se expandiu, a temperatura da radiação baixou. Um segundo após o *big bang* teria baixado para cerca de dez mil milhões de graus, o que é cerca de mil vezes a temperatura no centro do Sol; temperaturas tão elevadas como estas são alcançadas em explosões de bombas H. Nesse tempo, o Universo teria contido sobretudo fotões, electrões e neutrinos (partículas extremamente leves que só são afectadas pela força fraca e pela gravidade) e as suas antipartículas, juntamente com alguns protões e neutrões. À medida que o Universo continuou a expandir-se e a temperatura a baixar, a razão à qual os pares de electrões/positrões foram sendo produzidos em colisões deve ter descido abaixo daquela a que eram destruídos pela aniquilação. Portanto, a maior parte dos electrões e positrões ter-se-iam destruído uns aos outros produzindo mais fotões e deixando apenas um remanescente de electrões. No entanto, os neutrinos e os antineutrinos não se teriam aniquilado uns aos outros porque estas partículas só muito fracamente interagem entre si e com outras partículas. Por conseguinte, ainda devem andar por aí. Se pudéssemos observá-las, teríamos uma boa experiência da imagem de um estado muito quente do princípio do Universo. Infelizmente, as suas energias estariam agora demasiado baixas para as podermos observar directamente. Contudo, se os neutrinos tiverem massa, nem que seja uma pequena massa própria, como foi sugerido por uma experiência russa, não confirmada, efectuada em 1981, talvez possamos detectá-los indirectamente: podem ser uma forma de "matéria escura" como a que atrás mencionei, com atracção gravitacional suficiente para suspender a expansão do Universo e obrigá-lo a entrar em colapso.


Cerca de cem segundos após o *big bang*, a temperatura deve ter baixado para mil milhões de graus que é a temperatura no interior das estrelas mais quentes. A esta temperatura, os protões e os neutrões já não teriam energia :, suficiente para escapar à acção da força nuclear forte e teriam começado a combinar-se uns com os outros para produzir os núcleos de átomos de deutério (hidrogénio pesado), que contêm um protão e um neutrão. Os núcleos do deutério ter-se-iam combinado com mais protões e neutrões para formar núcleos de hélio, que contêm dois protões e dois neutrões, além de pequenas quantidades de dois elementos mais pesados, o lítio e o berílio. Pode imaginar-se que no modelo quente do *big bang* cerca de um quarto dos protões e dos neutrões se teria convertido em núcleos de hélio, juntamente com uma pequena quantidade de hidrogénio pesado e outros elementos. Os neutrões que restaram decairiam em protões, que são os núcleos dos átomos de hidrogénio vulgares (6).


(6) Ver nota página 138 (*n. do r.*).


Esta imagem de um estado quente do Universo primitivo foi sugerida pela primeira vez pelo cientista George Gamow num famoso trabalho apresentado em 1948, juntamente com um aluno seu, Ralph Alpher. Gamow tinha bastante sentido de humor e persuadiu o cientista nuclear Hans Bethe a acrescentar o seu nome ao trabalho, para que a lista dos autores fosse "Alpher, Bethe e Gamow", como as três primeiras letras do alfabeto grego, alfa, beta e gama, particularmente apropriadas para um trabalho sobre o começo do Universo! Neste trabalho apresentaram a notável predição de que a radiação (sob a forma de fotões) proveniente dos primeiros tempos do Universo devia andar por aí, mas com a temperatura reduzida a apenas uns graus acima do zero absoluto (-273°C). Foi esta radiação que Penzias e Wilson descobriram em 1965. Na altura em que Alpher, Bethe e Gamow escreveram o seu artigo, pouco se sabia sobre reacções nucleares dos protões e dos neutrões. Prognósticos elaborados para as proporções dos vários elementos no Universo primevo eram, :, portanto, bastante imprecisos, mas os cálculos têm sido repetidos já com conhecimentos actualizados e agora concordam perfeitamente com a observação. Além do mais, é muito difícil explicar de outra maneira por que há tanto hélio no Universo. Estamos, portanto, razoavelmente confiantes de ter encontrado a imagem certa, pelo menos até cerca de um segundo depois do *big bang*.


Poucas horas depois do *big bang*, a produção de hélio e dos outros elementos deve ter parado. E, depois disso, durante o milhão de anos seguinte, mais ou menos, o Universo deve ter continuado a expandir-se, sem acontecer nada de especial. Eventualmente, quando a temperatura desceu a alguns milhares de graus e os electrões e os núcleos já não tinham energia suficiente para dominar a atracção electromagnética entre si, devem ter começado a combinar-se para formar átomos (7). O Universo, no seu conjunto, deve ter continuado a expandir-se e a arrefecer mas, em regiões ligeiramente mais densas que a média, a expansão deve ter sido mais lenta, por causa da atracção gravitacional extra.


(7) Esta época e conhecida por época da recombinação (*n. do r.*).


Este facto deve ter suspendido a expansão em algumas regiões e tê-las feito entrar em colapso. Enquanto sofriam colapso, a atracção gravitacional da matéria fora destas regiões talvez as tivesse feito entrar em rotação ligeira. À medida que a região em colapso ficava mais pequena, rodava mais depressa, tal como patinadores que rodopiam no gelo com maior velocidade quando encolhem os braços. Eventualmente, quando a região ficou suficientemente pequena, deve ter girado suficientemente depressa para contrabalançar a atracção da gravidade e, desse modo, nasceram galáxias em rotação com a forma de disco. Outras regiões, que não começaram a rodar, originaram objectos de forma oval, chamados galáxias :, elípticas (8). Nestas, o colapso deve ter sido sustido, porque partes individuais da galáxia estariam em órbita estável em redor do seu centro, mas a galáxia como um todo não teria rotação.


(8) Em rigor deveria chamar-se-lhes elipsoidais, pois não são aplanadas (*n. do r.*).


À medida que o tempo foi passando, o hidrogénio e o hélio existentes nas galáxias ter-se-iam dividido em nuvens mais pequenas que entraram em colapso sob o efeito da sua própria gravidade. Enquanto estas se contraiam, e os átomos colidiam uns com os outros no seu interior, a temperatura do gás aumentava, até acabar por se tornar suficientemente elevada para se iniciarem reacções de fusão nuclear. Estas convertiam o hidrogénio em mais hélio e o calor emitido aumentava a pressão e evitava assim que as nuvens se contraíssem mais. Terão ficado estáveis durante muito tempo, como estrelas iguais ao nosso Sol, transformando hidrogénio em hélio e radiando a energia resultante como calor e luz. Estrelas mais maciças precisavam de ser mais quentes para poderem equilibrar a sua atracção gravitacional mais forte, fazendo com que as reacções de fusão nuclear se sucedessem de tal maneira mais depressa que gastavam o seu hidrogénio em apenas cem milhões de anos. Então contraíam-se ligeiramente e, quando aqueciam mais, começavam a transformar hélio em elementos mais pesados como o carbono ou o oxigénio. Isto, contudo, não libertava muito mais energia, de maneira que surgia uma crise, como foi descrito no capítulo referente aos buracos negros. O que acontece depois não é perfeitamente claro, mas parece provável que as regiões centrais da estrela entrem em colapso até um estado muito denso, como uma estrela de neutrões ou um buraco negro. As regiões exteriores da estrela podem por vezes ser destruídas numa tremenda explosão chamada supernova, :, que brilha mais do que qualquer outra estrela na sua galáxia. Alguns dos elementos mais pesados produzidos perto do fim da vida da estrela seriam ejectados de novo para o gás da galáxia (9), fornecendo alguma da matéria-prima para a nova geração de estrelas. O nosso próprio Sol contém cerca de 2% destes elementos mais pesados, porque é uma estrela de segunda ou terceira geração, formada há cerca de cinco mil milhões de anos, a partir de uma nuvem de gás em rotação contendo os detritos de supernovas mais antigas. A maior parte do gás dessa nuvem formou o Sol ou foi "soprado" [para o espaço exterior], mas uma pequena quantidade de elementos mais pesados juntou-se para formar os corpos que agora orbitam em torno do Sol, os planetas, entre os quais a Terra.


(9) Este fenómeno cíclico, que possibilita a reciclagem da matéria no espaço interestelar é designado por *astração* (*n. do r.*).


A Terra, ao princípio, estava muito quente e sem atmosfera. Com o tempo, arrefeceu e adquiriu uma atmosfera a partir de gases emitidos pelas rochas. A atmosfera primeva não nos teria permitido sobreviver. Não continha oxigénio, mas uma quantidade de outros gases venenosos para nós, como o ácido sulfídrico (o gás que cheira a ovos podres). Há, no entanto, outras formas primitivas de vida que podem desenvolver-se perfeitamente em tais condições. Pensa-se que se desenvolveram nos oceanos, possivelmente como resultado de combinações casuais de átomos em grandes estruturas, chamadas macromoléculas, que eram capazes de produzir estruturas semelhantes a partir de outros átomos no oceano. Ter-se-iam então reproduzido e multiplicado. Em alguns casos teria havido erros na reprodução. Na sua maior parte esses erros teriam sido tais que a nova macromolécula não podia reproduzir-se e eventualmente terá acabado por ser destruída. Contudo, alguns dos erros teriam produzido novas macromoléculas que se :, reproduziam ainda melhor. Apresentavam, portanto, vantagens e tinham tendência para substituir as macromoléculas originais. Deste modo se iniciou um processo de evolução que levou ao desenvolvimento de organismos auto-reprodutores cada vez mais complicados. As primitivas formas de vida consumiam diversos materiais, incluindo o ácido sulfídrico, e libertavam oxigénio. Isto modificou gradualmente a atmosfera até à composição que tem hoje e permitiu o desenvolvimento de formas de vida mais perfeitas como os peixes, os répteis, os mamíferos e, por fim, a raça humana.


Esta imagem de um universo que começou muito quente e arrefeceu enquanto se expandia está de acordo com todas as provas observacionais que hoje possuímos. No entanto, deixa um importante número de perguntas sem resposta:


1) Por que motivo era o Universo tão quente no princípio?


2) Por que razão é o Universo tão uniforme em macro-escala? Por que é que parece o mesmo em todos os pontos do espaço e em todas as direcções? Em particular, por que é que a temperatura da radiação do fundo de micro-ondas é tão semelhante quando olhamos em direcções diferentes? Parecem perguntas de exame a um grupo de estudantes. Se todos dão a mesma resposta, podemos ter quase a certeza de que copiaram. No entanto, no modelo que acabamos de descrever não teria havido tempo para a luz ir de uma região distante até outra, depois do *big bang*, embora as regiões estivessem perto umas das outras no princípio do Universo. Segundo a teoria da relatividade, se a luz não consegue ir de uma região para outra, nenhuma outra informação consegue. Assim, não havia hipótese de regiões diferentes no começo do Universo terem a mesma temperatura, a não ser que, por qualquer razão inexplicável, tivessem tido a mesma temperatura inicial. :,


3) Por que é que o Universo começou com uma taxa de expansão tão próxima da crítica, que separa universos que voltam a entrar em colapso daqueles que se expandem para sempre, de tal maneira que mesmo hoje, dez milhões de anos mais tarde continua a expandir-se aproximadamente à mesma razão crítica? Se a taxa de expansão um segundo depois do *big bang* tivesse sido menor, nem que fosse uma parte em cem mil milhões de milhões, o Universo teria voltado a entrar em colapso antes de ter alcançado o seu tamanho actual.


4) Apesar de o Universo ser tão uniforme e homogéneo em macro-escala, contém irregularidades locais, como as estrelas e as galáxias. Pensa-se que estas se desenvolveram a partir de pequenas diferenças na densidade do Universo inicial, de região para região. Qual a origem destas flutuações de densidade?


A teoria da relatividade geral por si própria não pode explicar estas características ou responder a estas perguntas, por causa do seu prognóstico de que o Universo começou com densidade infinita na singularidade do *big bang*. Na singularidade, a relatividade geral e todas as outras leis físicas perdem a validade: não é possível prever o que vai sair da singularidade. Como já foi explicado, isto significa que pode perfeitamente excluir-se da teoria o *big bang* e quaisquer acontecimentos anteriores, porque não podem ter qualquer efeito naquilo que observamos. O espaço-tempo *teria* um limite: um começo no *big bang*.


A física parece ter descoberto um conjunto de leis que, dentro dos limites impostos pelo princípio da incerteza, nos dizem como o Universo vai evolver, se soubermos em que estado está em determinado momento. Estas leis podem ter sido decretadas por Deus, mas parece que Ele deixou depois o Universo evoluir segundo elas, sem intervir mais. Mas como é que Ele escolheu o estado ou configuração :, inicial do Universo? Quais foram as "condições-fronteira" no começo do tempo?


Uma resposta possível é dizer que Deus escolheu a configuração inicial do Universo por razões que nunca compreenderemos. Isso estaria certamente dentro dos poderes de um ser omnipotente, mas se Ele o criou de uma maneira tão incompreensível, por que é que o deixou depois evoluir segundo leis que conseguimos compreender? Toda a história da ciência tem sido a compreensão gradual de que os acontecimentos não ocorrem de maneira arbitrária, mas que reflectem certa ordem subjacente, que pode ou não ser de inspiração divina. Nada mais natural do que supor que essa ordem se aplica não apenas às leis, mas também às condições que, na fronteira do espaço-tempo, especificam o estado inicial do Universo. Pode haver grande número de modelos do Universo com diferentes condições iniciais que obedecem todos às leis. Devia haver algum princípio que determinasse um estado inicial e daí um modelo para representar o nosso Universo.


Uma possibilidade é aquilo a que se chama condições-fronteira caóticas. Estas presumem implicitamente que o Universo é espacialmente infinito ou que há infinitamente muitos universos. Sob condições-fronteira caóticas, a probabilidade de descobrir uma região particular do espaço numa dada configuração logo após o *big bang* é a mesma, em certo sentido, que a probabilidade de a descobrir em qualquer outra configuração: o estado inicial do Universo é escolhido puramente ao acaso. Isto significa que o Universo, no princípio, era provavelmente muito irregular e caótico, por haver muito mais configurações caóticas e irregulares para o Universo do que regulares e ordenadas. (Se cada configuração é igualmente provável, é admissível que o Universo tenha tido início num estado desordenado e caótico, simplesmente por haver mais soluções destas). E difícil ver como é que tais condições iniciais caóticas :, podem ter dado origem a um Universo tão regular e sem acidentes, em macro-esca a, como é o nosso actualmente. Também se esperaria que as flutuações de densidade em tal modelo tivessem levado à formação de mais buracos negros primevos do que o limite máximo imposto por observações da radiação gama de fundo.


Se o Universo é realmente espacialmente infinito, ou se há infinitamente muitos universos, haveria provavelmente muitas extensas regiões em algum local surgidas de uma maneira regular e uniforme. É um pouco como o bem conhecido bando de macacos a escrever à máquina; a maior parte do que escrevem não presta, mas ocasionalmente, por puro acaso, poderão escrever um soneto de Shakespeare. Igualmente, no caso do Universo, será que estamos a viver numa região que, por mero acaso, é regular e uniforme? À primeira vista, isto pode parecer muito pouco provável, porque regiões assim regulares seriam largamente ultrapassadas em número por regiões irregulares e caóticas. Porém, vamos supor que só nas regiões regulares é que se formaram galáxias e estrelas e que as condições eram adequadas ao desenvolvimento de complicados organismos auto-replicativos, como nós, que fossem capazes de fazer a pergunta: por que motivo o Universo é tão regular? Este é um exemplo da aplicação do chamado princípio antrópico, que pode ser parafraseado do seguinte modo: "Nós vemos o Universo da maneira que é porque existimos".


Há duas versões do princípio antrópico, a fraca e a forte. O princípio antrópico fraco afirma que, num universo que é grande ou infinito no espaço e/ou no tempo, as condições necessárias para o desenvolvimento de vida inteligente só se encontram em certas regiões limitadas no espaço e no tempo. Os seres inteligentes dessas regiões não devem, portanto, admirar-se por observarem que a sua localização no Universo satisfaz as condições necessárias à sua existência. :, é um pouco como uma pessoa muito rica que vive numa área de pessoas ricas e nunca vê a pobreza.


Um exemplo da utilização do princípio antrópico fraco é explicar por que motivo o *big bang* ocorreu há cerca de dez mil milhões de anos: porque é esse o tempo necessário para a evolução de seres inteligentes. Como já expliquei, começou por se formar uma primeira geração de estrelas. Essas estrelas converteram algum do hidrogénio e do hélio originais em elementos como o carbono e o oxigénio, dos quais somos formados. As estrelas então explodiram como supernovas e os seus detritos formaram outras estrelas e os planetas, entre eles os do nossos sistema solar, que tem cerca de cinco mil milhões de anos de idade. Os primeiros mil ou dois mil milhões de anos da existência da Terra foram demasiado quentes para que qualquer coisa complicada se pudesse desenvolver. Os restantes três mil milhões de anos, ou coisa parecida, foram ocupados pelo processo lento da evolução biológica, que foi desde os organismos mais simples até seres capazes de medir o tempo para trás, até ao *big bang*.


Poucas pessoas argumentariam contra a validade ou utilidade do princípio antrópico fraco. Algumas, no entanto, vão muito mais além e propõem uma versão forte do princípio. De acordo com esta teoria, ou existem muitos universos diferentes ou muitas regiões diferentes num único universo, cada uma com a sua configuração inicial e, talvez, com o seu conjunto próprio de leis físicas. Na maior parte destes universos, as condições não seriam adequadas ao desenvolvimento de organismos complicados; só nos poucos universos semelhantes ao nosso é que se desenvolveriam seres inteligentes que fariam a pergunta: "Por que é que o Universo é como o vemos?" A resposta então é simples: se fosse diferente, não estaríamos aqui!


As leis da ciência, tal como as conhecemos actualmente, contêm muitos números fundamentais, como a magnitude :, da carga eléctrica do electrão e a proporção das massas do protão e do electrão. Pelo menos de momento, não podemos prever os valores destes números a partir da teoria; temos de os medir por observação. Pode ser que um dia descubramos uma teoria unificada completa que preveja tudo isso, mas também é possível que alguns, ou todos eles, variem de universo para universo, ou dentro do mesmo universo. O que é notável é que os valores destes números parecem ter sido muito bem ajustados, para tornar possível o desenvolvimento da vida. Por exemplo, se a carga eléctrica do electrão fosse apenas ligeiramente diferente, as estrelas ou seriam incapazes de queimar hidrogénio e hélio, ou então não teriam explodido. Claro que pode haver outras formas de vida inteligente, nem sequer sonhadas pelos escritores de ficção científica, que não precisem da luz de uma estrela como o Sol ou dos elementos químicos mais pesados que são sintetizados nas estrelas e devolvidos ao espaço quando as estrelas explodem. Todavia, parece claro que há relativamente poucas escalas de valores para os números que permitissem o desenvolvimento de qualquer forma de vida inteligente. A maioria dos conjuntos de valores daria origem a universos que, embora pudessem ser muito bonitos, não conteriam ninguém que se maravilhasse com essa beleza. Podemos tomar isto como prova de um propósito divino na Criação e na escolha das leis da natureza ou como suporte do princípio antrópico forte.


Várias objecções se podem levantar contra o princípio antrópico forte como explicação do estado observável do Universo. Primeiro, em que sentido é que pode dizer-se que existem todos esses universos? Se estão realmente separados uns dos outros, o que acontece em outro universo não pode ter consequências observáveis no nosso Universo. Devemos, portanto, utilizar o princípio da economia e eliminá-los da teoria. Se, por outro lado, não são mais do :, que regiões diferentes de um único universo, as leis físicas seriam as mesmas em todas as regiões, porque, se assim não fosse, não se podia andar continuamente de uma região para outra. Neste caso, a única diferença entre as regiões seria a sua configuração inicial e, portanto, o princípio antrópico forte reduzir-se-ia ao fraco.


Uma segunda objecção ao princípio antrópico forte é o facto de correr contra a maré da história da ciência. Desenvolvemo-lo a partir das cosmologias geocêntricas de Ptolomeu e dos seus antepassados, através da cosmologia heliocêntrica de Copérnico e de Galileu, até ao quadro moderno em que a Terra é um planeta de tamanho médio orbitando em redor de uma estrela média nos subúrbios de uma galáxia espiralada comum, que é apenas uma de cerca de um milhão de milhões de galáxias no Universo observável. Contudo, o princípio antrópico forte afirmaria que toda esta vasta construção existe simplesmente por nossa causa. O que é muito difícil de acreditar. O nosso sistema solar é certamente um pré-requisito para a nossa existência, e podemos abranger com isto toda a nossa Galáxia para justificar uma geração anterior de estrelas que criaram os elementos mais pesados. Mas não parece haver qualquer necessidade para todas as outras galáxias nem para o Universo ser tão uniforme e semelhante em todas as direcções em macro-escala.


Podíamos sentir-nos mais felizes quanto ao princípio antrópico, pelo menos na sua versão fraca, se pudéssemos mostrar que um vasto número de diferentes configurações iniciais para o Universo podiam ter evoluído para produzir um universo como o que observamos. Se for esse o caso, um universo que se desenvolveu ao acaso a partir de quaisquer condições iniciais devia conter um número de regiões regulares, uniformes e adequadas à evolução da vida inteligente. Por outro lado, se o estado inicial do Universo teve de ser escolhido com todo o cuidado para conduzir a qualquer :, coisa como o que vemos à nossa volta, seria improvável que o Universo contivesse *qualquer* região onde tivesse aparecido vida. No modelo quente (10) do *big bang* já descrito, não houve tempo suficiente no estado inicial do Universo para o calor ir de uma região para outra.


(10) Também designado por modelo padrão (*n. do r.*).


Isto significa que o estado inicial do Universo devia ter tido exactamente a mesma temperatura por toda a parte, para explicar o facto de a radiação de micro-ondas de fundo ter a mesma temperatura, para onde quer que olhemos. A taxa inicial de expansão também devia ter sido escolhida com grande precisão para que se mantivesse tão próxima da razão crítica necessária para evitar o colapso. Isto significa que, se o modelo quente do *big bang* está certo até ao começo do tempo, o estado inicial do Universo deve ter sido realmente escolhido com grande cuidado. Seria muito difícil explicar o motivo pelo qual o Universo deve ter começado exactamente assim, excepto como acto de um deus que tencionava criar seres como nós.


Numa tentativa de descobrir um modelo do Universo em que muitas configurações iniciais diferentes podiam ter evoluído até qualquer coisa como o Universo actual, um cientista do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, Alan Guth, sugeriu que o Universo, ao princípio, podia ter passado por um período de expansão muito rápida. Esta expansão diz-se "inflacionária", significando que o Universo, a certa altura, se expandiu com velocidade crescente e não com velocidade decrescente, como acontece hoje. Segundo Guth, o raio do Universo aumentou um milhão de milhões de milhões de milhões de milhões de vezes (1 seguido de trinta zeros) em apenas uma minúscula fracção de segundo.


Guth sugeriu que o Universo começou com o *big bang* num estado muito quente mas bastante caótico. Essas temperaturas :, elevadas teriam significado que as partículas do Universo se moviam muito depressa e tinham energias elevadas. Como já discutimos, esperar-se-ia que a temperaturas tão elevadas as forças nucleares fraca e forte e a força electromagnética estariam unificadas numa força única. O Universo em expansão arrefeceria e as energias das partículas baixariam. Eventualmente, chegar-se-ia ao que se chama uma transição de fase e a simetria entre as forças seria quebrada: as forças forte, fraca e electromagnética tornar-se-iam distintas. Um exemplo vulgar de uma transição de fase é o congelamento da água, quando arrefece. A água líquida é simétrica, igual em todos os pontos e todas as direcções. Contudo, quando se formam cristais de gelo, estes têm posições definidas e ficam alinhados numa direcção, o que quebra a simetria da água.


No caso da água, se tivermos cuidado, podemos "sobre-arrefecê-la", ou seja, podemos reduzir a temperatura abaixo do ponto de congelamento (0° C) sem se formar gelo. Guth sugeriu que o Universo podia comportar-se de modo semelhante: a temperatura podia descer abaixo do valor crítico sem que a simetria entre forças fosse quebrada. Se isto acontecesse, o Universo estaria num estado instável, com mais energia do que se a simetria tivesse sido destruída. Esta energia extra especial tem um efeito antigravitacional: teria agido tal como a constante cosmológica que Einstein introduziu na relatividade geral quando tentava construir um modelo estático do Universo. Uma vez que o Universo já estaria a expandir-se como no modelo quente do *big bang*, o efeito repulsivo desta constante cosmológica teria provocado a expansão do Universo a uma razão sempre crescente. Mesmo as regiões onde havia mais partículas de matéria do que na média, a atracção gravitacional da matéria teria sido anulada pelo efeito repulsivo da constante cosmológica. Assim, estas regiões expandir-se-iam também de uma maneira inflacionária acelerada. :, Quando se expandissem e as partículas de matéria se afastassem, teríamos um universo em expansão que conteria apenas algumas partículas e que estaria ainda no estado super-arrefecido. Quaisquer irregularidades no Universo teriam simplesmente sido suavizadas pela expansão, como as pregas num balão são alisadas quando o enchemos. Assim, o actual estado regular e uniforme do Universo pode ter evoluído de muitos estados iniciais não uniformes e diferentes.


Num universo assim, em que a expansão foi acelerada por uma constante cosmológica em vez de ser retardada pela atracção gravitacional, haveria tempo suficiente para a luz viajar de uma região para outra no universo inicial. Isto poderia fornecer a solução do problema já levantado, do porquê de as diferentes regiões no princípio do Universo terem as mesmas propriedades. Além disso, a taxa de expansão do Universo tornar-se-ia automaticamente muito próxima da taxa crítica determinada pela densidade de energia do Universo. Isto podia explicar por que a taxa de expansão é ainda tão próxima da taxa crítica, sem ser necessário admitir que a taxa inicial tenha sido cuidadosamente escolhida.


A ideia de inflação podia também explicar por que motivo existe tanta matéria no Universo. Há cerca de cem milhões de milhões de milhões de milhões de milhões de milhões de milhões de milhões de milhões de milhões de milhões de milhões de milhões (1 seguido de oitenta zeros) de partículas na região do Universo que podemos observar. De onde vieram? A resposta é que, na teoria quântica, as partículas podem ser criadas a partir da energia em forma de pares de partícula/antipartícula. Mas isto suscitou a questão de se saber de onde vem a energia. A resposta é que a energia total do Universo é exactamente zero. A matéria do Universo é constituída por energia positiva. Contudo, a matéria atrai-se a si própria devido à gravidade. :, Dois pedaços de matéria que estejam perto um do outro têm menos energia do que se estiverem muito afastados, porque é preciso gastar energia para os separar contra a força da gravidade que os atrai um para o outro. Portanto, em certo sentido, o campo gravitacional tem energia negativa. No caso de um universo que é aproximadamente uniforme no espaço, pode mostrar-se que esta energia gravitacional negativa anula exactamente a energia positiva representada pela matéria. Portanto, a energia total do Universo é zero.


Ora, duas vezes zero é zero. Assim, o Universo pode duplicar a quantidade de energia positiva da matéria e também duplicar a energia gravitacional negativa sem violar a conservação da energia. Isto não acontece na expansão normal do Universo, em que a densidade de energia da matéria diminui à medida que 0 Universo se torna maior. Acontece sim na expansão inflacionária, porque a densidade de energia do estado super-arrefecido permanece constante enquanto o Universo se expande: quando o Universo duplica o tamanho, a energia positiva da matéria e a energia gravitacional negativa também duplicam, de modo que a energia total continua a ser zero. Durante a fase inflacionária, o Universo aumenta muito o seu tamanho, o que faz com que a quantidade total de energia disponível para produzir partículas se torne muito grande. Como Guth afirmou, "Diz-se que não há nada como um almoço de graça. Mas o Universo é o derradeiro almoço de graça".


Actualmente, o Universo não está a expandir-se de uma maneira inflacionária. Portanto, tem de haver um mecanismo qualquer que elimine o enorme efeito da constante cosmológica e assim modifique a taxa de expansão acelerada para uma taxa desacelerada pela gravidade, como a que temos agora. Na expansão inflacionária, pode esperar-se que eventualmente a simetria entre as forças seja quebrada :, tal como a água sobre-arrefecida acaba sempre por gelar. A energia extra do estado de simetria não quebrada seria então libertada e voltaria a aquecer o Universo até uma temperatura imediatamente abaixo da temperatura crítica para a simetria entre as forças. O Universo continuaria então a expandir-se e a arrefecer tal como o universo padrão do *big bang*, mas haveria agora uma explicação para o facto de o Universo estar a expandir-se exactamente à taxa crítica e de diferentes regiões terem a mesma temperatura.


Na proposta original de Guth, supunha-se que a transição de fase ocorria repentinamente um pouco como o aparecimento de cristais de gelo em água muito fria. A ideia era que "bolhas" da nova fase de simetria quebrada se tinham formado na fase antiga, como bolhas de vapor em água a ferver. As bolhas expandir-se-iam e juntar-se-iam umas às outras até todo o Universo se encontrar na nova fase. O contratempo era, como eu e outros sublinhámos, que o Universo estava a expandir-se tão depressa que, mesmo que as bolhas crescessem à velocidade da luz, afastar-se-iam umas das outras e assim nunca se poderiam juntar. O Universo ficaria num estado não uniforme, onde algumas regiões conservariam ainda simetria entre as diferentes forças. Tal modelo de universo não corresponderia ao que vemos.


Em Outubro de 1981, fui a Moscovo, para uma conferência sobre a gravidade quântica. Depois da conferência dirigi um seminário sobre o modelo inflacionário e os seus problemas, no Instituto Astronómico Sternberg. No público estava um jovem russo, Andrei Linde, do Instituto Lebedev de Moscovo, que disse que a dificuldade de as bolhas não se juntarem podia ser evitada se as bolhas fossem tão grandes que a nossa região do Universo estivesse toda contida numa só. Para isto resultar, a quebra de simetria devia ter ocorrido muito lentamente dentro da :, bolha, o que é absolutamente possível segundo as teorias da grande unificação. A ideia de Linde de uma quebra lenta de simetria era muito boa, mas mais tarde cheguei à conclusão de que as bolhas precisavam de ter sido maiores do que o Universo! Mostrei que afinal a simetria teria sido quebrada por toda a parte ao mesmo tempo, em vez de apenas dentro das bolhas. Isto conduzia a um universo uniforme, tal como o observamos. Fiquei muito excitado com a ideia e discuti-a com um dos meus alunos, Ian Moss. Como amigo de Linde, fiquei bastante embaraçado quando mais tarde me enviaram o seu trabalho através de uma revista cientifica, perguntando-me se tinha qualidade para ser publicado. Respondi que havia essa falha acerca de as bolhas serem maiores que o Universo, mas que a ideia fundamental de uma quebra lenta de simetria era muito boa. Recomendei [no entanto] que o artigo fosse publicado tal como estava porque Linde levaria alguns meses a corrigi-lo, visto que tudo o que ele mandasse para o Ocidente teria de passar pela censura soviética que não era muito hábil nem muito rápida com os artigos científicos. Entretanto, escrevi um curto artigo, juntamente com Ian Moss, que foi publicado na mesma revista, em que chamávamos a atenção para o problema da bolha e mostrávamos como podia ser resolvido.


Logo no dia seguinte ao do meu regresso de Moscovo, parti para Filadélfia, onde ia receber uma medalha no Instituto Franklin. A minha secretária, Judy Fella, tinha usado o seu considerável encanto para persuadir a British Airways a oferecer-nos, a mim e a ela, duas passagens de graça num *Concorde*, a título publicitário. Contudo, atrasei-me no caminho para o aeroporto por causa da chuva e perdi o avião. Mas acabei por chegar a Filadélfia e receber a minha medalha. Pediram-me depois que dirigisse um seminário sobre o universo inflacionário. Passei a maior parte do seminário a falar sobre os problemas do modelo inflacionário, :, tal como em Moscovo, mas no fim mencionei a ideia de Linde de uma quebra lenta de simetria e as minhas correcções. Na assistência estava um jovem assistente da Universidade da Pensilvânia, Paul Steinhardt, que no fim conversou comigo sobre a inflação. Em Fevereiro seguinte enviou-me um artigo escrito por ele e por um aluno, Andreas Albrecht, em que propunham qualquer coisa muito semelhante à ideia de Linde da quebra lenta de simetria. Disse-me mais tarde que não se lembrava de me ter ouvido descrever as ideias de Linde e que tinha visto o trabalho dele somente quando estava quase a chegar ao fim do seu.


No Ocidente, ele e Albrecht, juntamente com Linde, são considerados autores conjuntos do que se chama "o novo modelo inflacionário", baseado na ideia da quebra lenta de simetria. (O antigo modelo inflacionário era a sugestão original de Guth de uma súbita quebra de simetria com a formação de bolhas).


O novo modelo inflacionário foi uma boa tentativa para explicar o motivo pelo qual o Universo é como é. No entanto, eu e outros demonstrámos que, pelo menos na sua forma original, previa muito maiores variações na temperatura da radiação de fundo de micro-ondas do que as que são observadas. Trabalhos posteriores também lançaram dúvidas sobre se podia haver uma transição de fase no começo do Universo do tipo necessário. Na minha opinião pessoal, o novo modelo inflacionário está morto como teoria científica, embora muita gente pareça não ter ouvido falar da sua morte e continue a escrever trabalhos como se ele fosse viável. Um modelo melhor, chamado modelo inflacionário caótico, foi proposto por Linde em 1983. Neste não existe qualquer transição de fase ou sobre-arrefecimento. Em vez disso, há um campo de spin 0, que, devido a flutuações quânticas, teria tido valores elevados em algumas regiões do Universo inicial. A energia do :, campo nessas regiões comportar-se-ia como uma constante cosmológica. Teria um efeito gravitacional repulsivo e levaria, portanto, essas regiões a expandirem-se de uma maneira inflacionária. À medida que se expandiam, a energia do campo diminuiria lentamente até que a expansão inflacionária se transformava numa expansão como a do modelo quente do *big bang*. Uma dessas regiões viria a ser aquilo que agora designamos por Universo observável. Este modelo tem as vantagens dos primeiros modelos inflacionários, mas não depende de uma fase de transição duvidosa e pode, além disso, fornecer dimensões razoáveis para as flutuações da temperatura do fundo de micro-ondas concordantes com a observação.

Este trabalho sobre modelos inflacionários mostrou que o estado actual do Universo podia ter surgido de um número bastante elevado de configurações iniciais diferentes. Isto é importante, porque mostra que o estado inicial da parte do Universo que habitamos não teve de ser escolhido com grande cuidado. Portanto, podemos, se quisermos, utilizar o princípio antrópico fraco para explicar o motivo por que o Universo tem o aspecto que hoje tem. O que não pode ser, no entanto, é que cada configuração inicial tenha conduzido a um Universo como o que observamos. Podemos mostrá-lo considerando um estado muito diferente para o Universo na actualidade, digamos um estado muito irregular. Podemos utilizar as leis da física para imaginar o Universo no passado a fim de determinar a sua configuração inicial. Segundo os teoremas de singularidade da relatividade geral, continuaria a ter havido a singularidade do *big bang*. Se imaginarmos a evolução desse universo segundo as leis da física, acabamos com o estado irregular e heterogéneo com que cor 1eçamos. Portanto, deve ter havido configurações iniciais que não dariam origem a um Universo como o que vemos hoje. Até o modelo inflacionário não nos diz por que motivo :, a configuração inicial não era de molde a produzir qualquer coisa muito diferente do que a que observamos. Teremos de nos voltar para o princípio antrópico para obter uma explicação? Terá sido apenas uma questão de sorte? Pareceria uma causa perdida, uma negação de todas as nossas esperanças de compreendermos a ordem subjacente do Universo.


Para se poder reconstituir o estado inicial do Universo são precisas leis que prevaleçam até ao começo do tempo. Se a teoria clássica da relatividade geral estiver correcta, os teoremas de singularidades que Roger Penrose e eu provámos mostram que o começo do tempo devia ter sido um ponto de densidade infinita e curvatura infinita do espaço-tempo. Todas as leis conhecidas perderiam a validade num tal ponto. Podemos supor que existem novas leis que se mantenham válidas nas singularidades, mas é muito difícil formulá-las em pontos de comportamento tão mau, e não temos qualquer indicador, a partir das observações, que nos diga como devem ser essas leis. Todavia, o que os teoremas de singularidade indicam realmente é que o campo gravitacional se torna tão forte que os efeitos da gravitação quântica se tornam importantes: a teoria clássica deixa de ser uma boa descrição do Universo. Assim, é preciso utilizar uma teoria quântica da gravidade para discutir o estado primitivo do Universo. Como veremos, é possível na teoria quântica, que as leis vulgares da ciência se mantenham válidas por toda a parte, inclusive no princípio do tempo: não é necessário postular novas leis para as singularidades, porque as singularidades na teoria quântica não são necessárias [ou inevitáveis].


Ainda não temos uma teoria completa e coerente que combine a mecânica quântica com a gravidade. No entanto, temos praticamente a certeza de algumas características necessárias a uma teoria unificada como essa. Uma é a que deve incorporar a proposta de Feynman de :, formular a teoria quântica em termos de uma soma de histórias. Neste caso, uma partícula não tem apenas uma história, como teria numa teoria clássica. Em vez disso, supõe-se que siga todas as trajectórias possíveis no espaço-tempo e que a cada uma dessas histórias está associado um par de números, um representando o comprimento da onda e o outro representando a sua posição no ciclo (a sua fase). A probabilidade de a partícula, digamos, passar por algum ponto especial é encontrada somando as ondas associadas com cada história possível que passe por esse ponto. Quando tentamos realmente efectuar estas somas aparecem, contudo, graves problemas técnicos. A única maneira de os evitar é a seguinte receita estranha: é preciso somar as ondas para as histórias de partículas que não estão no tempo "real" em que nós nos encontramos, mas que ocorrem no que se chama tempo imaginário. Tempo imaginário é qualquer coisa que pode cheirar a ficção científica, mas é na realidade um conceito matemático bem definido. Se tomarmos um número ordinário ou "real" e o multiplicarmos por si próprio, o resultado é um número positivo. (Por exemplo, 2 vezes 2 é 4, mas também o é -2 vezes -2). Existem, contudo, números especiais, chamados imaginários, que dão números negativos quando multiplicados por si próprios. (O chamado *i*, quando multiplicado por si próprio dá -1; 2*i* multiplicado por si próprio dá -4, etc.) Para evitar as dificuldades técnicas com a soma de histórias de Feynman, é preciso utilizar o tempo imaginário, quer dizer, para efeitos de cálculo, deve medir-se o tempo utilizando números imaginários em vez de reais. Isto tem um efeito interessante sobre o espaço-tempo: a distinção entre espaço e tempo desaparece completamente. Um espaço-tempo no qual os acontecimentos têm valores imaginários da coordenada tempo diz-se euclidiano, do nome do grego Euclides, que fundou 0 estudo da geometria de superfícies bidimensionais. Aquilo a que agora :, chamamos espaço-tempo euclidiano é muito semelhante, excepto o facto de ter quatro dimensões em vez de duas. No espaço-tempo euclidiano não existe diferença entre a direcção do tempo e as direcções do espaço. Por outro lado, no espaço real, em que os acontecimentos são identificados, por valores ordinários e reais da coordenada tempo, é fácil distinguir a diferença: a direcção do tempo em todos os pontos fica dentro do cone de luz e as direcções do espaço ficam fora. Em qualquer caso, no que diz respeito à mecânica quântica podemos considerar a nossa utilização do tempo imaginário e do espaço-tempo euclidiano como uma mera artimanha ou truque matemático para calcular respostas acerca do espaço-tempo real.


A segunda característica que julgamos pertencer a qualquer teoria acabada é a ideia de Einstein de que o campo gravitacional é representado por um espaço-tempo curvo: as partículas tentam seguir uma coisa parecida com uma trajectória rectilínea num espaço curvo mas, como o espaço-tempo não é plano, as suas trajectórias parecem encurvadas como que por acção do campo gravitacional. Quando aplicamos a soma das histórias de Feynman à imagem de Einstein da gravidade, o que é análogo à história de uma partícula é agora um espaço-tempo completamente curvo, que representa a história do Universo no seu conjunto. Para fugir às dificuldades técnicas ao efectuar realmente a soma das histórias, estes espaços-tempos curvos devem ser tomados como euclidianos (11). Ou seja, o tempo é imaginário e não se consegue distinguir das direcções no espaço. Para calcular a probabilidade de encontrar um espaço-tempo real com determinada propriedade, tal como ter o mesmo aspecto em qualquer ponto e em qualquer :, direcção, somam-se as ondas associadas a todas as histórias que tenham essa propriedade.


(11) Euclideano no sentido de que o tempo e o espaço se encontram unificados, não no sentido geométrico rigoroso da palavra (*n. do r.*).


Na teoria clássica da relatividade geral, existem muitos espaços-tempo possíveis diferentes, cada um correspondendo a um diferente estado inicial do Universo. Se conhecêssemos o estado inicial do Universo, conheceríamos toda a sua história. De modo semelhante, na teoria quântica da gravidade há muitos estados quânticos possíveis para o Universo. Mais uma vez, se soubéssemos como se comportaram os espaços-tempo euclidianos curvos na soma das histórias nos tempos primitivos conheceríamos o estado quântico do Universo.


Na teoria clássica da gravidade, que é baseada num espaço-tempo real, só há dois comportamentos possíveis para o Universo: ou existe há um tempo infinito, ou então teve um princípio numa singularidade há um tempo finito no passado. Na teoria quântica da gravidade, por seu lado, surge uma terceira possibilidade. Como se utilizam espaços-tempo euclidianos, nos quais a direcção do tempo está em pé de igualdade com as direcções do espaço, é possível o espaço-tempo ser finito na sua extensão e, contudo, não ter quaisquer singularidades a formarem uma fronteira ou um limite. O espaço-tempo seria como a superfície da Terra, mas com mais duas dimensões. A superfície da Terra é finita na sua extensão, mas não tem uma fronteira ou limite. Se navegarmos em direcção ao pôr do Sol não caímos de nenhuma fronteira nem se nos depara uma singularidade. (Eu sei porque já dei a volta ao mundo).


Se o espaço-tempo euclidiano se estende para trás até um tempo infinito imaginário, depara-se-nos o mesmo problema da teoria clássica de especificar o estado inicial do Universo: Deus pode saber como o Universo princípiou, mas nós não somos capazes de encontrar uma razão especial para pensarmos que começou de uma maneira e não de outra. Por outro lado, a teoria quântica da gravidade :, abriu uma nova possibilidade, em que não existiria qualquer fronteira para o espaço-tempo e portanto não haveria necessidade de especificar o comportamento na fronteira. Não haveria quaisquer singularidades em que as leis da ciência perdessem a sua validade nem qualquer fronteira do espaço-tempo em que seria preciso pedir a Deus ou a alguma nova lei que estabelecesse as condições-fronteira para o espaço-tempo. Podíamos dizer: "A condição-fronteira do Universo é que não tem fronteira". O Universo seria completamente independente e nunca afectado por qualquer coisa exterior a ele. Não seria criado nem destruído. SERIA apenas.


Foi na conferência no Vaticano, que já mencionei, que apresentei pela primeira vez a sugestão de que talvez o tempo e o espaço juntos formassem uma superfície finita em tamanho, mas sem qualquer fronteira ou limite. O meu trabalho era bastante matemático, pelo que as suas implicações quanto ao papel de Deus na Criação do Universo não foram geralmente reconhecidas na altura (felizmente para mim). Nessa altura ainda não sabia como utilizar a ideia "sem fronteira" para elaborar prognósticos sobre o Universo. No entanto, passei o Verão seguinte na Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara. Aí, um colega e amigo, Jim Hartle, trabalhou comigo, tentando descobrir que condições o Universo devia satisfazer se o espaço-tempo não tivesse fronteira. Quando regressei a Cambridge, continuei o trabalho com dois dos meus alunos de investigação, Julian Luttrel e Jonathan Halliwell.


Gostaria de frisar que esta ideia de que o tempo e o espaço devem ser finitos sem qualquer fronteira não passa de uma proposta: não pode ser deduzida de qualquer outro princípio. Tal como qualquer outra teoria científica, pode ser inicialmente proposta por razões estéticas ou metafísicas, mas a prova real reside em saber se faz previsões que concordem com a observação. Isto, porém, é difícil de :, determinar no caso da gravidade quântica por duas razões: primeiro, como será explicado no próximo capítulo, ainda não temos a certeza exacta de qual é a teoria que combina com êxito a relatividade geral e a mecânica quântica, embora saibamos bastante sobre a forma que tal teoria deve ter; segundo, qualquer modelo que descreva o Universo no seu todo, em pormenor, seria demasiado complicado matematicamente para sermos capazes de calcular previsões exactas. Portanto, temos de fazer suposições e aproximações simplificativas e, mesmo assim, o problema de extrair previsões mantém-se.


Cada história na soma das histórias descreverá não apenas o espaço-tempo mas tudo o que existe nele também, incluindo quaisquer organismos complicados como os seres humanos que são capazes de observar a história do Universo. Isto pode fornecer outra justificação para o princípio antrópico, porque, se todas as histórias são possíveis, então desde que existamos numa delas, podemos utilizar o princípio antrópico para explicar o motivo pelo qual o Universo parece ser tal como é. Que significado exacto pode ser dado às outras histórias em que não existimos, não sabemos. Esta ideia de uma teoria quântica da gravidade seria muito mais satisfatória, no entanto, se pudéssemos mostrar que, usando a soma das histórias, o nosso Universo não é apenas uma das histórias possíveis mas sim uma das mais prováveis. Para conseguir isto, temos de operar a soma das histórias para todos os espaços-tempo euclidianos possíveis que não têm fronteira.


Sob proposta de não haver fronteira, ficamos a saber que a hipótese de o Universo estar a seguir a maior parte das histórias possíveis é insignificante, mas existe um grupo especial de histórias que são muito mais prováveis do que as outras. Estas histórias podem ser imaginadas como a Superfície da Terra, em que a distância ao Pólo Norte representa o tempo imaginário e o perímetro de um círculo :, a essa distância constante do Pólo Norte representa o tamanho espacial do Universo. O Universo começa no Pólo Norte com um simples ponto. À medida que nos dirigimos para sul, os círculos de latitude a uma distância constante do Pólo Norte tornam-se maiores, correspondendo à expansão do Universo no tempo imaginário (Fig. 8.1). O Universo chegaria ao seu tamanho máximo no equador e contrair-se-ia no decurso do tempo imaginário num ponto único, no Pólo Sul. Embora o Universo tivesse o tamanho zero nos Pólos Norte e Sul, estes pontos não seriam singularidades, tal como os Pólos Norte e Sul na Terra não são singularidades. As leis da ciência manter-se-iam [válidas], tal como acontece nos Pólos Norte e Sul da Terra.


fig. 8.1


A história do Universo no tempo real, contudo, teria um aspecto muito diferente. Há cerca de dez ou vinte mil milhões de anos, teria um tamanho mínimo, que era igual ao raio máximo da história no tempo imaginário. Mais tarde, em tempos reais, o Universo expandir-se-ia como o modelo inflacionário caótico proposto por Linde (mas agora já não teríamos de admitir que o Universo tinha sido criado de qualquer maneira no estado certo). O Universo expandir-se-ia até um tamanho muito grande e eventualmente :, entraria de novo em colapso para aquilo que parece uma singularidade no tempo real. Assim, em certo sentido, continuamos a estar condenados, mesmo que nos mantenhamos afastados de buracos negros. Só se conseguíssemos conceber o Universo em termos de tempo imaginário e que não haveria singularidades.


Se o Universo está realmente em tal estado quântico, não haveria singularidades na história do Universo no tempo imaginário. Podia parecer, pois, que o meu trabalho mais recente tinha desfeito os resultados do meu trabalho anterior sobre as singularidades. Mas, conforme acabei de indicar, a verdadeira importância dos teoremas de singularidade era mostrar que o campo gravitacional tem de tornar-se tão forte que os efeitos gravitacionais quânticos não podem ser ignorados. Isto, por sua vez, levou à ideia de que o Universo podia ser finito no tempo imaginário, mas sem limites ou singularidades. Contudo, quando se volta ao tempo real em que vivemos, continua a parecer que existem singularidades. O pobre astronauta que cai num buraco negro continua a ter um fim infeliz; só se vivesse em tempo imaginário é que não encontrava singularidades.


Isto podia sugerir que o chamado tempo imaginário é realmente o tempo verdadeiro e que aquilo a que chamamos tempo real é produto da nossa imaginação. No tempo real, o Universo tem um princípio e um fim, em singularidades que formam uma fronteira para o espaço-tempo e perante as quais as leis da ciência deixam de ser válidas. Mas, no tempo imaginário, não há singularidades nem fronteiras. Assim, pode ser que aquilo que chamamos tempo imaginário seja realmente mais básico e o que chamamos tempo real seja apenas uma ideia que inventamos para nos ajudar a descrever como pensamos que o Universo é. Mas, de acordo com a aproximação que descrevi no capítulo primeiro, uma teoria científica não passa de :, um modelo matemático que elaboramos para descrever as nossas observações: só existe nas nossas mentes. Portanto, não tem significado perguntar: que é real, o tempo "real" ou o "imaginário"? Trata-se apenas de saber qual é a descrição mais útil.


Podemos também utilizar a soma das histórias, juntamente com a proposta de não haver fronteira, para descobrir quais as propriedades do Universo mais prováveis de ocorrer em conjunto. Por exemplo, podemos calcular a probabilidade de o Universo estar a expandir-se quase à mesma razão em diferentes direcções numa altura em que a densidade do Universo tem o seu valor actual. Nos modelos simplificados que têm sido examinados até agora, esta probabilidade parece ser grande, ou seja, a condição de não haver fronteira leva ao prognóstico de ser extremamente provável que a actual taxa de expansão do Universo seja quase a mesma em todas as direcções. Isto é coerente com as observações da radiação do fundo de micro-ondas, que mostra que ela tem quase exactamente a mesma intensidade em qualquer direcção. Se o Universo estivesse a expandir-se mais depressa numa direcção do que noutras, a intensidade da radiação nessas direcções seria reduzida por um desvio adicional para o vermelho.


Estão a ser trabalhadas mais previsões da condição de

não haver fronteira. Um problema particularmente interessante é a amplitude de pequenos desvios da densidade uniforme no Universo primordial, que causaram a formação primeiro de galáxias, depois de estrelas e finalmente de seres humanos. O princípio da incerteza implica que o Universo ao princípio não pode ter sido completamente uniforme, porque deve ter havido algumas incertezas ou flutuações nas posições e velocidades das partículas. Usando a condição de não haver fronteira, descobrimos que o Universo deve, de facto, ter começado com o mínimo possível de heterogeneidades permitido pelo princípio da :, incerteza. O Universo teria então passado por um período de expansão rápida, como nos modelos inflacionários. Durante esse período, as heterogeneidades iniciais teriam sido ampliadas até serem suficientemente grandes para explicar a origem das estruturas que observamos à nossa volta. Num Universo em expansão em que a densidade da matéria variou ligeiramente de local para local, a gravidade deve ter obrigado as regiões mais densas a afrouxar a sua expansão e a começarem a contrair-se. Isto terá levado à formação de galáxias, estrelas e, eventualmente, até de criaturas insignificantes como nós. Assim, todas as estruturas complicadas que vemos no Universo podiam ser explicadas pela condição de não haver fronteira para o Universo juntamente com o princípio da incerteza da mecânica quântica.


A ideia de que o espaço e o tempo podem formar uma superfície fechada sem fronteira tem também profundas implicações no papel de Deus na criação do Universo. Com o êxito das teorias científicas na descrição de acontecimentos, a maioria das pessoas acabou por acreditar que Deus permite que o Universo evolua segundo um conjunto de leis e não intervém nele para quebrar essas leis. Contudo, as leis não nos dizem qual era o aspecto do Universo primitivo. O acto de dar corda ao relógio e escolher como pô-lo a trabalhar continuaria a ser com Deus. Desde que o Universo tenha tido um princípio, podemos supor que teve um Criador. Mas, se o Universo for na realidade completamente independente, sem qualquer fronteira ou limite, não terá princípio nem fim: existirá apenas. Qual seria então o papel do Criador?


IX. A Seta do Tempo


Em capítulos anteriores, vimos como as nossas ideias sobre a natureza do tempo se modificaram com o passar dos anos. Até ao começo deste século, as pessoas acreditavam num tempo absoluto. Ou seja, cada acontecimento podia ser rotulado por um número chamado "tempo" de uma maneira única e todos os relógios marcariam o mesmo lapso de tempo entre dois acontecimentos. Contudo, a descoberta de que a velocidade da luz parecia ser a mesma para todos os observadores, independentemente do modo como se movessem, conduziu à teoria da relatividade, segundo a qual tínhamos de abandonar a ideia de que havia um tempo absoluto único. Em vez disso, cada observador teria a sua própria medida de tempo registada pelo seu relógio. os relógios de pessoas diferentes não condiriam necessariamente uns com os outros. Deste modo, o tempo tornou-se um conceito mais pessoal, relativo ao observador que o media.


Quando se tentou unificar a gravidade com a mecânica quântica, foi preciso introduzir a noção de tempo "imaginário". O tempo imaginário não se distingue das direcções no espaço. Se se pode ir para o norte pode-se voltar para trás e ir para o sul; do mesmo modo, se se pode avançar no tempo imaginário também se deve poder voltar para :, trás. Isto quer dizer que não pode haver uma diferença importante entre os sentidos para diante e para trás no tempo imaginário. Por outro lado, quando se olha para o tempo "real", há uma diferença enorme entre os sentidos para diante e para trás, como todos sabemos. De onde vem esta diferença entre o passado e o futuro? Por que nos lembramos do passado mas não do futuro?


As leis da ciência não estabelecem uma diferença entre o passado e o futuro. Mais precisamente, como já foi explicado, as leis da ciência são invariantes sob a combinação de operações (ou simetrias) conhecidas por C, P e T. (C significa troca de partículas por antipartículas; P significa tomar a imagem ao espelho, de modo que a esquerda e a direita fiquem trocadas; e T significa trocar o sentido do movimento de todas as partículas, isto é, inverter o sentido do movimento). As leis da ciência que governam o comportamento da matéria em todas as circunstancias normais não se modificam sob a composição das duas operações C e P. Por outras palavras, a vida seria igual para habitantes de outro planeta que fossem ao mesmo tempo imagens nossas no espelho e constituídos de antimatéria em vez de matéria.


Se as leis da ciência não se alteram com a composição das operações C e P, nem pela combinação de C, P e T, também não deviam alterar-se com a operação T isolada. Contudo, há uma diferença grande entre os sentidos para a frente e para trás, no tempo real, na vida de todos os dias. Imaginemos uma chávena com água que cai de uma mesa e se quebra em mil bocadinhos no chão. Se tomarmos um filme desta cena, podemos facilmente dizer quando é que o filme está a correr para diante ou para trás. Se o fizermos correr para trás, veremos, de repente, os bocadinhos juntarem-se a partir do chão e saltarem de novo para cima da mesa para formarem uma chávena inteira. Podemos dizer que o filme é passado ao contrário, :, porque esta espécie de comportamento nunca se observa na vida mundana. Se assim fosse, os fabricantes de loiça iam à falência.


A explicação geralmente dada para o motivo de não vermos chávenas partidas a juntarem-se de novo vindas do chão e a saltarem inteiras para cima de uma mesa provem da segunda lei da termodinâmica. Esta diz que, em qualquer sistema fechado, a desordem ou entropia aumenta sempre com o tempo. Por outras palavras, é uma forma da lei de Murphy: As coisas têm sempre tendência para correr mal! Uma chávena intacta em cima de uma mesa é um estado de ordem, mas uma chávena partida no chão é um estado desordenado. Podemos passar prontamente da chávena em cima da mesa no passado para a chávena partida no chão, mas não o contrário.


O aumento de desordem ou entropia com o tempo é um exemplo do que se chama uma seta do tempo, qualquer coisa que distingue o passado do futuro, dando um sentido ao tempo. Há pelo menos três setas diferentes do tempo. Primeiro há a seta termodinâmica, o sentido do tempo em que a desordem ou entropia aumenta. Depois há a seta psicológica, ou seja, o sentido em que sentimos que o tempo passa, em que nos lembramos do passado mas não do futuro. Finalmente, há a seta cosmológica, que é o sentido do tempo em que o Universo está a expandir-se em vez de contrair-se.


Neste capítulo argumentarei que a condição de não haver fronteira para o Universo juntamente com o princípio antrópico fraco, podem explicar por que motivo as três setas apontam no mesmo sentido e, além disso, por que deve mesmo existir uma seta do tempo bem definida. Argumentarei que a seta psicológica é determinada pela seta termodinâmica e que estas duas setas apontam necessariamente no mesmo sentido. Se admitirmos que não há qualquer condição de fronteira para o Universo, veremos :, que deve haver uma seta termodinamica bem definida e uma seta cosmológica igualmente bem definida, mas que nem sempre apontarão no mesmo sentido durante a história do universo. Contudo, argumentarei que só quando apontam no mesmo sentido é que as condições são propícias ao desenvolvimento de seres inteligentes que podem perguntar: por que é que a desordem aumenta no mesmo sentido do tempo em que o Universo se expande?


Discutirei primeiro a seta termodinâmica do tempo. A segunda lei da termodinâmica resulta de haver sempre mais estados desordenados que ordenados. Por exemplo, consideremos as peças de um quebra-cabeças dentro de uma caixa; há um e um só arranjo em que as peças formam uma imagem completa. Por outro lado, há um grande número de arranjos em que as peças estão desordenadas e não formam uma imagem coerente.


Suponhamos que um sistema começa a partir de um pequeno número de estados ordenados. À medida que o tempo passa, o sistema evoluirá de acordo com as leis da física e o seu estado mudará. Mais tarde, é mais provável que o sistema esteja num estado desordenado, porque existem mais estados desordenados. Portanto, a desordem tenderá a aumentar com o tempo, se o sistema obedecer a uma condição inicial de ordem elevada.


Suponhamos que as peças do quebra-cabeças partem de um arranjo ordenado na caixa, formando uma imagem: se sacudirmos a caixa, as peças tomarão outro arranjo, que será provavelmente desordenado, sem formar uma imagem, simplesmente por haver muito mais arranjos desordenados. Alguns grupos de peças podem formar partes da imagem, mas, quanto mais se sacode a caixa, mais provável é que esses grupos se desfaçam e as peças fiquem num estado de completa desordem em que não formam qualquer espécie de imagem. Portanto, a desordem das peças :, provavelmente aumentará com o tempo, se as peças obedecerem à condição inicial de ordem elevada.


Suponhamos, no entanto, que Deus decidiu que o Universo devia acabar num estado muito ordenado, sem importar o seu estado inicial. Nos primeiros tempos o Universo estaria possivelmente num estado desordenado, o que significaria que a desordem diminuiria com o tempo. Veríamos chávenas partidas a juntarem-se de novo a partir dos pedaços e a saltarem inteiras para cima das mesas. Todavia, quaisquer seres humanos que estivessem a observar as chávenas estariam a viver num universo em que a desordem diminuía com o tempo. Argumentarei que esses seres teriam uma seta psicológica do tempo voltada ao contrário. Ou seja, lembrar-se-iam de acontecimentos do futuro e não se lembrariam de acontecimentos do seu passado. Quando a chávena se partiu, lembrar-se-iam dela ter estado em cima da mesa, mas quando estava realmente lá, não se lembrariam de ter estado no chão.


É bastante difícil falar da memória humana, porque não conhecemos o funcionamento pormenorizado do cérebro. Sabemos, porém, tudo sobre o funcionamento das memórias dos computadores. Assim, discutirei a seta psicológica do tempo dos computadores. Penso que é razoável admitir que a seta para os computadores é a mesma que para os homens. Se não fosse, podíamos ganhar uma fortuna na Bolsa, com um computador que se lembrasse dos preços de amanhã!


A memória de um computador é fundamentalmente um dispositivo que contém elementos que podem existir num de dois estados. Um exemplo simples é o ábaco. Na sua forma mais simples, consiste em alguns fios e em cada um há contas que podem ser colocadas numa de duas posições. Antes de uma informação ser registada, a memória de um computador está num estado desordenado, com probabilidades iguais para os dois estados possíveis. (As contas :, do ábaco estão colocadas ao acaso nos seus fios). Depois da memória interagir com o sistema a ser lembrado, ficará claramente num estado ou no outro de acordo com o estado do sistema. (Cada conta do ábaco estará ou à esquerda ou à direita do fio). Portanto, a memória passou de um estado desordenado para um estado ordenado. Contudo, para se ter a certeza de que a memória está no estado devido, é necessário utilizar certa quantidade de energia (para mover a conta ou para pôr a funcionar o computador, por exemplo). Esta energia é dissipada como calor e aumenta a quantidade de desordem no Universo. Pode mostrar-se que este aumento da desordem é sempre maior do que o aumento da ordem da própria memória. Assim, o calor expelido pela ventoinha de arrefecimento do computador significa que, quando um computador regista uma informação na sua memória, a quantidade total de desordem no Universo continua a aumentar. O sentido do tempo em que um computador se lembra do passado é o mesmo em que a desordem aumenta.


A nossa noção subjectiva do sentido do tempo, a seta psicológica do tempo, é portanto determinada dentro do nosso cérebro pela seta termodinâmica. Tal como um computador, devemos lembrar-nos das coisas pela ordem em que a entropia aumenta. Isto torna a segunda lei da termodinâmica quase trivial. A desordem aumenta com o tempo, porque medimos o tempo no sentido em que a desordem aumenta. Não pode haver uma aposta mais segura!


Mas por que há-de a seta do tempo termodinâmico existir? Ou, por outras palavras, por que há-de o Universo estar num estado de grande ordem numa extremidade do tempo, aquela a que chamamos passado? Por que não está num estado de desordem total em todos os momentos? Afinal, isto poderia ser mais provável. E por que motivo é o sentido do tempo em que a desordem aumenta o mesmo em que o Universo se expande? :,


Na teoria clássica da relatividade geral, não podemos predizer como o Universo teria começado, porque todas as leis conhecidas da física perdem a sua validade na singularidade do *big bang*. O Universo podia ter surgido num estado muito regular e ordenado. Isto teria levado a setas termodinâmica e psicológica bem definidas, como observamos. Mas podia igualmente ter surgido num estado muito irregular e desordenado. Neste caso, o Universo estaria já num estado de desordem completa pelo que esta não poderia aumentar com o tempo. Ou se manteria constante, e nesse caso não haveria qualquer seta termodinâmica do tempo bem definida, ou diminuiria e, nesse caso, a seta termodinâmica do tempo apontaria no sentido oposto ao da seta cosmológica. Nenhuma destas possibilidades concorda com o que observamos. Porém, como vimos, a relatividade geral clássica prevê os seus próprios limites. Quando a curvatura do espaço-tempo se torna grande, os efeitos quânticos de gravitação tornar-se-ão importantes e a teoria clássica deixará de ser uma boa descrição do Universo. É preciso utilizar uma teoria quântica da gravidade para se compreender como surgiu o Universo.


Numa teoria quântica da gravidade, como vimos no capítulo anterior, para especificar o estado do Universo, continuaria a ser preciso dizer como é que as histórias possíveis do Universo se comportaram nos limites do espaço-tempo no passado. Poder-se-ia evitar esta dificuldade de ter de descrever o que não se sabe e não pode saber-se, apenas se as histórias satisfizessem a condição de não haver fronteira; são finitas em extensão, mas não têm fronteiras, limites ou singularidades. Nesse caso, o começo do tempo teria sido um ponto regular do espaço-tempo e o Universo teria começado a sua expansão num estado muito regular e ordenado. Podia não ter sido completamente uniforme, porque isso violaria o princípio da incerteza da teoria quântica, mas ter havido pequenas flutuações na densidade :, e nas velocidades das partículas. A condição de não haver fronteira implicava, todavia, que essas flutuações eram o mais pequenas possível, de acordo com o princípio da incerteza.


O Universo teria começado com um período de expansão exponencial ou inflacionário, em que o seu tamanho teria tido um grande aumento. Durante essa expansão, as flutuações de densidade teriam sido pequenas no princípio, mas mais tarde começariam a aumentar. Regiões em que a densidade fosse ligeiramente superior à média teriam tido a sua expansão retardada pela atracção gravitacional da massa extra. Eventualmente, essas regiões teriam deixado de se expandir e entrariam em colapso para formar galáxias, estrelas e seres como nós. O Universo teria partido de um estado regular e ordenado e ter-se-ia tornado irregular e desordenado à medida que o tempo ia passando. Isto explicaria a existência da seta termodinâmica do tempo.


Mas que aconteceria se e quando o Universo parasse de se expandir e começasse a contrair-se? A seta termodinaâmica inverter-se-ia e a desordem começaria a diminuir com o tempo? Isto levaria a toda a espécie de possibilidades do género da ficção científica para pessoas que sobrevivessem à passagem da fase de expansão para a de contracção. Veríamos chávenas partidas juntarem os seus bocadinhos do chão e saltarem de novo para cima das mesas? Seriam capazes de se lembrar dos preços do dia seguinte e de ganhar uma fortuna na Bolsa? Pode parecer um pouco académico preocupar-nos com o que acontecerá quando o Universo entrar em colapso, já que não começará a contrair-se antes de mais dez mil milhões de anos. Mas há uma maneira mais rápida de descobrir o que vai acontecer: saltar para dentro de um buraco negro. O colapso de uma estrela para formar um buraco negro é bastante parecido com os últimos estados do colapso de todo o Universo. Portanto, se a desordem diminuísse na fase de contracção do Universo, também podia esperar-se que diminuísse dentro de um buraco negro. Assim, talvez um astronauta que caísse num buraco negro fosse capaz de ganhar dinheiro à roleta por se lembrar onde a bola ia parar antes de fazer a jogada. (Infelizmente, não teria muito tempo para jogar antes de ser transformado em esparguete. Nem seria capaz de nos contar da inversão de sentido da seta termodinâmica, nem de receber os ganhos, porque ficaria aprisionado por trás do horizonte de acontecimentos do buraco negro).


Ao princípio eu acreditava que a desordem diminuiria quando o Universo voltasse a entrar em colapso, porque pensava que o Universo tinha de voltar a um estado regular e ordenado quando se tornasse de novo pequeno. Isto significaria que a fase de contracção seria como o inverso do tempo da fase de expansão. Na fase de contracção as pessoas viveriam uma vida às avessas: morreriam antes de terem nascido e ficariam mais novas à medida que o Universo se contraísse.


Esta ideia é atraente porque significaria uma boa simetria entre as fases de expansão e de contracção. Todavia, não podemos adoptá-la sozinha independentemente de outras ideias sobre o Universo. A questão é: é implícita devido à condição de não haver fronteira ou é incompatível com essa condição? Como já disse, pensei no começo que a condição de não haver fronteira implicava realmente que a desordem diminuiria na fase de contracção. Fui induzido em erro em parte pela analogia com a superfície da Terra. Se pensássemos no princípio do Universo como correspondente ao Pólo Norte, então o fim do Universo seria semelhante ao princípio, tal como o Pólo Sul é semelhante ao Pólo Norte. Porém, os Pólos Norte e Sul correspondem ao princípio e ao fim do Universo no tempo imaginário. O princípio e o fim no tempo real podem ser muito diferentes um do outro. Também fui enganado pelo trabalho :, que tinha elaborado num modelo simples do Universo em que a fase de colapso seria simétrica da fase de expansão. No entanto, um colega meu, Don Page, da Universidade do Estado da Pensilvânia, fez notar que a condição de não haver fronteira não obrigava necessariamente a que a fase de contracção fosse simétrica da fase de expansão. Além disso, um dos meus alunos, Raymond Laflamme, concluiu que num modelo ligeiramente mais complicado o colapso do Universo era muito diferente da expansão. Compreendi que tinha cometido um erro: a condição de não haver fronteira implicava que a desordem continuaria de facto a aumentar durante a contracção. As setas termodinâmica e psicológica do tempo não se inverteriam quando o Universo começasse a contrair-se de novo nem dentro dos buracos negros.


Que devemos fazer ao descobrir que cometemos um erro deste género? Algumas pessoas nunca admitem que se enganaram e continuam a descobrir argumentos novos e muitas vezes inconsistentes, para fazerem valer as suas opiniões: como Eddington fez ao opor-se à teoria dos buracos negros. Outros afirmam que nunca apoiaram realmente a teoria incorrecta ou que, se o fizeram, foi apenas para mostrar que era inconsistente. A mim parece-me muito melhor e menos confuso admitir por escrito que nos enganámos. Um bom exemplo disto deixou-nos Einstein que chamou à constante cosmológica, que apresentou quando tentava elaborar um modelo estático do Universo, o maior erro da sua vida.


Voltando à seta do tempo, permanece a pergunta: porque é que observamos as setas termodinâmica e cosmológica apontarem no mesmo sentido? Ou, por outras palavras, por que é que a desordem aumenta no mesmo sentido do tempo em que o Universo se expande? Se acreditarmos que o Universo se expandirá e depois voltará a contrair-se, como a condição de não haver fronteira :, parece implicar, isto torna-se uma questão do motivo pelo qual devemos estar na fase de expansão e não na de contracção.


Podemos encontrar uma resposta baseada no princípio antrópico fraco. As condições na fase de contracção não seriam adequadas à existência de seres inteligentes que pudessem perguntar: por que é que a desordem está sempre a aumentar no mesmo sentido do tempo em que o Universo se expande? A inflação no princípio do Universo, que é prevista pela proposta de não haver fronteira significa que o Universo deve estar a expandir-se a uma taxa muito próxima da taxa critica à qual conseguirá evitar o colapso e, portanto, não entrará em colapso durante muito tempo. Por essa altura, as estrelas ter-se-ão apagado e os seus protões e neutrões ter-se-ão transformado provavelmente em partículas de luz e radiação. O Universo estaria num estado de quase completa desordem. Não haveria uma seta termodinâmica forte do tempo. A desordem não poderia aumentar muito porque o Universo já estaria num estado de desordem quase total. Contudo, uma seta termodinâmica forte é necessária à vida inteligente. Para sobreviverem, os seres humanos têm de consumir alimentos, que constituem uma forma ordenada de energia, e convertê-los em calor, que é uma forma desordenada de energia. Desta maneira, a vida inteligente não poderia existir na fase de contracção do Universo. Assim se explica observarmos que as setas termodinâmica e cosmológica do tempo apontam no mesmo sentido. Não é a expansão do Universo que provoca o aumento da desordem, mas sim a condição de não haver fronteira que também cria condições apropriadas à vida inteligente apenas na fase de expansão.


Resumindo, as leis da física não distinguem entre tempo para trás e para diante. Contudo, há pelo menos três setas do tempo que distinguem realmente o passado do futuro: :, a seta termodinâmica, o sentido do tempo em que a desordem aumenta; a seta psicológica, o sentido do tempo em que nos lembramos do passado e não do futuro; e a seta cosmológica, o sentido do tempo em que o Universo se expande em vez de se contrair. Já demonstrei que a seta psicológica é essencialmente a mesma que a seta termodinâmica, de modo que ambas apontam sempre no mesmo sentido. A hipótese de não haver fronteira para o Universo prevê a existência de uma seta termodinâmica bem definida porque o Universo tem de principiar num estado regular e ordenado. E o motivo pelo qual observamos que a seta termodinâmica coincide com a cosmológica é que os seres inteligentes só podem existir na fase de expansão. A fase de contracção não seria apropriada porque não se caracteriza por uma seta termodinâmica forte do tempo.


O progresso do homem na compreensão do Universo estabeleceu um pequeno cantinho de ordem num Universo cada vez mais desordenado. Se vos lembrardes de todas as palavras deste livro, a vossa memória terá registado cerca de dois milhões de informações: a ordem no vosso cérebro terá aumentado em cerca de dois milhões de unidades. No entanto, enquanto o leitor leu este livro, terá convertido pelo menos mil calorias de energia ordenada, sob a forma de alimentos, em energia desordenada, sob forma de calor que se perde para o ar circundante por convecção e transpiração. Isto aumentará a desordem do Universo em cerca de vinte milhões de milhões de milhões de milhões de unidades, ou cerca de dez milhões de milhões de milhões de vezes o aumento da ordem do cérebro do leitor, se se lembrar *de tudo* o que está no livro. No próximo capítulo tentarei aumentar um pouco mais a ordem do nosso recanto explicando como as pessoas estão a tentar conjugar as teorias que descrevi para formar uma teoria unificada completa que explique o Universo e todo o seu conteúdo.


X. A Unificação da Física


Como foi explicado no capítulo primeiro, seria muito difícil construir de uma só vez uma teoria unificada do Universo. Por isso, temos progredido descobrindo teorias parciais que descrevem uma classe limitada de fenómenos e deixam de parte outros efeitos ou deles se aproximam com alguns resultados numéricos. A química, por exemplo, permite-nos calcular as interacções dos átomos, sem que se conheça a estrutura interna do núcleo de um átomo. No fim, contudo, tem-se a esperança de descobrir uma teoria unificada, coerente e completa, que inclua todas essas teorias parciais como aproximações e que não precise de ser ajustada para condizer com os factos escolhendo os valores de certos parâmetros arbitrários na teoria. A procura de tal teoria é conhecida por "unificação da física". Einstein passou a maior parte dos seus últimos anos numa busca sem êxito de uma teoria unificada, mas a altura ainda não tinha chegado: havia teorias parciais para a gravidade e para a força electromagnética, mas sabia-se muito pouco sobre as forças nucleares. Além disso, Einstein recusava-se a acreditar na realidade da mecânica quântica, apesar do papel importante que: ele próprio tivera no seu desenvolvimento. Além disso, parece que o princípio da incerteza é uma característica fundamental do Universo em que :, vivemos. Uma teoria unificada bem sucedida deve, portanto, incorporar este princípio.


Como descreverei, as perspectivas de descobrir tal teoria parecem ser muito melhores agora, porque sabemos muito mais sobre o Universo. Mas devemos ter cuidado com excessos de confiança: já tivemos outros alvoreceres falsos! No começo deste século, por exemplo, pensava-se que tudo podia ser explicado através das propriedades da matéria contínua, como a elasticidade e a condução do calor. A descoberta da estrutura atómica e do princípio da incerteza puseram fim a tudo isso. Ainda mais, em 1928 o físico e detentor do prémio Nobel, Max Born, afirmou a um grupo de visitantes da Universidade de Gotinga: "A física, tal como a conhecemos, estará acabada em seis meses". A sua confiança tinha como base a recente descoberta de Dirae da equação que comandava o electrão. Pensava-se que uma equação semelhante governaria o protão, que era a única outra partícula conhecida na altura, e que isso seria o fim da física teórica. Contudo, a descoberta do neutrão e das forças nucleares também deram cabo dessa ideia. Tendo dito isto, continuo a acreditar que há motivos para um optimismo cauteloso quanto a podermos estar agora perto do fim da busca das leis definitivas da natureza.


Em capítulos anteriores, descrevi a relatividade geral como teoria parcial da gravidade e as teorias parciais que governam as forças fraca, forte e electromagnética. As últimas três podem ser combinadas nas chamadas teorias da grande unificação, ou GUTs, que não são muito satisfatórias porque não incluem a gravidade e porque contêm um conjunto de quantidades, como as massas relativas das diferentes partículas, que não podem ser previstas a partir da teoria mas têm de ser escolhidas para condizer com as observações. A dificuldade principal para descobrir uma teoria que unifique a gravidade com as outras forças é a :, relatividade geral ser uma teoria "clássica", ou seja, não inclui o princípio da incerteza da mecânica quântica. Por outro lado, as outras teorias parciais dependem da mecânica quântica de uma forma essencial. O primeiro passo a dar é combinar a relatividade geral com o princípio da incerteza. Como vimos, isto pode trazer algumas consequências notáveis, tais como os buracos negros que não são negros e o Universo que não tem singularidades mas que se contém a si mesmo e não tem fronteira. O problema está em que, como expliquei no capítulo sétimo, o princípio da incerteza significa que mesmo o espaço "vazio" está cheio de pares de partículas virtuais e [suas respectivas] antipartículas. Estes pares teriam uma quantidade infinita de energia e, portanto, segundo a famosa equação de Einstein *E= mcâ2*, teriam uma quantidade de massa infinita. A sua atracção gravitacional encurvaria assim o Universo até um tamanho infinitamente pequeno.


De um modo muito semelhante surgem, nas outras teorias parciais, infinidades aparentemente absurdas, mas em todos esses casos as infinidades podem ser removidas por um processo chamado renormalização. Isto implica a remoção de infinidades por introdução de outras infinidades. Embora esta técnica seja matematicamente bastante duvidosa, parece funcionar na prática e já foi usada nestas teorias para elaborar predições que concordam com as observações com extraordinária precisão. A renormalização, contudo, tem um inconveniente sério no que diz respeito a encontrar uma teoria universal, porque significa que os valores reais das massas e das intensidades das forças não podem ser previstos a partir da teoria, mas têm de ser escolhidos para condizerem com as observações.


Ao tentar incorporar o princípio da incerteza na relatividade geral, só temos duas quantidades que podem ser ajustadas: a força da gravidade e o valor da constante cosmológica. Mas não basta ajustá-las para remover todas as :, infinidades. Temos portanto uma teoria que parece prever que certas quantidades, como a curvatura do espaço-tempo, são realmente infinitas, e contudo essas quantidades podem ser observadas e medidas como perfeitamente finitas! Esta dificuldade em combinar a relatividade geral com o princípio da incerteza já se adivinhava há algum tempo, mas foi finalmente confirmada por cálculos pormenorizados em 1972. Quatro anos depois foi sugerida uma solução possível chamada "supergravidade". A ideia foi combinar a partícula de spin 2, chamada gravitão, que transmite a força gravitacional, a algumas outras partículas novas de spin 3/2, 1, 1/2 e 2. Num certo sentido todas essas partículas podiam então ser encaradas como aspectos diferentes da mesma "superpartícula", que unificava assim as partículas de matéria, de spin 1/2 e 3/2, e as partículas portadoras de força, de spin 0, 1 e 2. Os pares virtuais de partícula/antipartícula de spin 1/2 e 3/2 teriam energia negativa e, deste modo, tenderiam a anular a energia positiva dos pares virtuais de spin 2, 1 ou 0. Isto provocaria a remoção de muitas das possíveis infinidades, mas suspeitou-se que podiam permanecer algumas. Todavia, os cálculos necessários para verificar se algumas infinidades tinham ficado ou não por remover eram tão longos e difíceis que ninguém estava preparado para o empreendimento. Mesmo com um computador, concluiu-se que seriam necessários pelo menos quatro anos e as probabilidades de se cometer pelo menos um erro, ou mesmo mais, eram muito grandes. Nestas circunstâncias, só se saberia se a resposta estava certa se alguém mais repetisse o cálculo e chegasse ao mesmo resultado, o que parecia pouco provável!


Apesar destes problemas, e do facto de as partículas, nas teorias da supergravidade, não parecerem condizer com as partículas observadas, muitos cientistas acreditaram que a supergravidade era provavelmente a resposta correcta :, para o problema da unificação da física. Parecia o melhor caminho para a unificação da gravidade com as outras forças. Porém, em 1984, houve uma mudança notável de opinião a favor das chamadas teorias das cordas. Nestas teorias os objectos fundamentais não são partículas, que ocupam um simples ponto no espaço, mas entidades que só têm comprimento e nenhuma outra dimensão, como um segmento de fio infinitamente fino. Estas cordas podem ter extremidades (as chamadas cordas abertas) ou estar unidas sobre si próprias em anéis fechados (cordas fechadas) (Figs. 10.1 e 10.2). Uma partícula ocupa um ponto do espaço em cada instante. Deste modo, a sua história pode ser representada por uma linha no espaço-tempo (a *linha de universo*). Uma corda, por outro lado, ocupa uma linha no espaço em cada momento. Assim, a sua história no espaço-tempo é uma superfície bidimensional chamada *folha de universo*. (Qualquer ponto de uma folha de universo :, pode ser descrito por dois números: um que especifica o tempo e outro que especifica a posição do ponto na corda). A folha de universo de uma corda aberta é uma fita; os seus limites representam os trajectos, no espaço-tempo, dos extremos da corda (Fig. 10.1). A folha de universo de uma corda fechada é um cilindro ou tubo (Fig. 10.2); um corte do tubo é uma curva fechada que representa a posição da corda num momento particular.


figs. 10.1 e 10.2


Dois pedaços de uma corda podem ser unidos para formar uma corda simples; as cordas abertas juntam-se simplesmente nas extremidades (Fig. 10.3), ao passo que a junção de cordas fechadas se assemelha à união das duas pernas de um par de calças (Fig. 10.4). De modo semelhante, :, um único pedaço de corda pode ser dividido em dois. Aquilo que se pensava previamente como partículas é agora representado nas teorias das cordas como ondas que progridem na corda como as ondas no fio vibrante de um papagaio de papel. A emissão ou absorção de uma partícula por outra corresponde à divisão ou união de cordas. Por exemplo, a atracção gravitacional do Sol sobre a Terra nas teorias de partículas era considerada como resultante da emissão de gravitões pelas partículas do Sol e a respectiva absorção de gravitões pelas partículas da Terra [e vice-versa] (Fig. 10.5). Na teoria das cordas este processo corresponde a um tubo ou cano em forma de H (Fig. 10.6) (a teoria das cordas apresenta uma certa analogia :, com a canalização). As duas hastes do H correspondem às partículas do Sol e da Terra e a barra horizontal corresponde ao gravitão que se desloca entre elas.


fig. 10.3


fig. 10.4


figs. 10.5 e 10.6


A teoria das cordas tem uma história curiosa. Foi inventada no fim dos anos 60, numa tentativa de descobrir uma teoria que descrevesse a força forte. A ideia era que as partículas como o protão e o neutrão podiam ser encaradas como ondas numa corda. A força forte entre partículas corresponderia a pedaços de corda que iam de uns pedaços de corda para outros, como numa teia de aranha. Para esta teoria dar o valor observado da força forte entre as partículas, as cordas tinham de ser como elásticos que suportassem tensões de cerca de dez toneladas.


Em 1974, Joël Scherk, de Paris, e John Schwarz, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, publicaram um artigo em que mostraram que a teoria das cordas podia descrever a força gravitacional, mas só se a tensão na corda fosse muito mais elevada, da ordem de mil milhões de milhões de milhões de milhões de milhões de milhões de toneladas (1 seguido de trinta e nove zeros). As previsões da teoria :, das cordas seriam exactamente as mesmas que as da relatividade geral a distâncias normais, mas seriam diferentes a distâncias muito pequenas, menores que um milésimo de milionésimo de milionésimo de milionésimo de milionésimo de milionésimo de centímetro (um centímetro dividido por 1 seguido de trinta e três zeros) Contudo, o seu trabalho não mereceu grande atenção porque mais ou menos nessa altura muita gente abandonou a teoria das cordas da força forte a favor da teoria baseada em quarks e gluões, que parecia concordar muito melhor com as observações. Scherk morreu em circunstancias trágicas (sofria de diabetes e entrou em coma quando não tinha perto dele ninguém que lhe desse uma injecção de insulina). Deste modo, Schwarz ficou só, praticamente como único defensor da teoria das cordas, que advogava agora um valor muito mais elevado para a tensão.


Em 1984 o interesse pela teoria reacendeu-se subitamente, por duas razões, parece. Uma foi porque as pessoas não estavam realmente a progredir na demonstração de que a supergravidade era finita ou que podia explicar as variedades de partículas que observamos. A outra foi a publicação de um artigo de John Schwarz e Mike Green, do Queen Mary College, de Londres, que mostrava que a teoria das cordas podia explicar a existência de partículas de tendência sinistrógira, como algumas das partículas que observamos. Quaisquer que sejam as razões, um número apreciável de pessoas começou a trabalhar na teoria das cordas e foi desenvolvida uma nova versão chamada corda heterótica, que parecia poder explicar os tipos de partículas que observamos.


As teorias das cordas conduzira. n também a infinidades, mas pensa-se que serão todas removidas nas versões como a corda heterótica (embora isto não seja ainda tido como certo). As teorias das cordas, porém, têm um senão maior: parece que são coerentes apenas quando o espaço-tempo :, tem dez ou vinte e seis dimensões, em vez das quatro habituais! É certo que as dimensões extra do espaço-tempo são lugar comum da ficção científica; na verdade, são quase uma necessidade, uma vez que o facto de a relatividade implicar que não se pode viajar mais depressa que a luz significa que levaria muito tempo para viajar entre estrelas e galáxias. A ideia da ficção científica é que, através de uma dimensão mais elevada, é possível encurtar caminho. Podemos representar isto do seguinte modo: imaginemos que o espaço em que vivemos tem apenas duas dimensões e que é curvo como a superfície de um toro (Fig. 10.7). Se estivermos num ponto da parte interior do toro e quisermos atingir um ponto do outro lado, teremos de ir ao longo da parte interior do toro. Porém, se fôssemos capazes de viajar na terceira dimensão, poderíamos atravessar a direito.


Fig. 10.7 :,


Por que é que não notamos todas estas dimensões extra se elas existem realmente? Por que é que vemos somente três dimensões do espaço e uma do tempo? A sugestão é que as outras dimensões estão encurvadas num espaço muito pequeno, qualquer coisa como um milionésimo de milionésimo de milionésimo de milionésimo de milionésimo de centímetro. É tão pequeno que realmente não notamos; vemos somente uma dimensão temporal e três dimensões espaciais, em que o espaço-tempo é razoavelmente plano. É como a superfície de uma laranja: se a observamos de muito perto, é curva e rugosa, mas se a olhamos a certa distância, não notamos as saliências e parece-nos lisa. É isso que sucede com o espaço-tempo: numa escala muito pequena é decadimensional e fortemente encurvado, mas em escalas maiores não vemos a curvatura nem as dimensões extra. Se esta imagem é correcta significa notícias desagradáveis para pretensos viajantes do espaço: as dimensões extra seriam pequeníssimas para conterem uma nave espacial. Todavia, surge ainda um problema maior: por que estão algumas dimensões, mas não todas, encaracoladas como num nó? Presumivelmente, no início do Universo todas as dimensões eram muito encurvadas. Por que é que uma dimensão temporal e três espaciais aplanaram, ao passo que as outras dimensões permaneceram fortemente encurvadas?


Uma resposta possível é o princípio antrópico. Duas dimensões espaciais não parecem ser suficientes para permitir o desenvolvimento de seres complicados como nós. Por exemplo, animais bidimensionais que vivessem numa Terra com uma dimensão teriam de trepar uns para cima dos outros para se ultrapassarem. Se uma criatura bidimensional comesse qualquer coisa que não conseguisse digerir completamente, teria de vomitar os restos da mesma maneira que os engolira, porque, se houvesse uma passagem através do seu corpo, esta dividiria a criatura em :, duas (1); o ser bidimensional desfazer-se-ia (Fig. 10.8). Da mesma maneira, é difícil ver como poderia haver circulação sanguínea numa criatura bidimensional.


fig. 10.8


(1) Há muitos factos notáveis a respeito desta argumentação! Aconselho vivamente o leitor interessado a ler (e verificará que o faz num ápice!) o ensaio de Rudy Rucker, *The Fourth Dimension*, Penguin Books, 1985, que, infelizmente, não foi ainda publicado em português (*N. do R.*).


Haveria também problemas com mais de três dimensões espaciais (2). A força gravitacional entre dois corpos diminuiria mais rapidamente com a distância do que diminui em três dimensões. (Em três dimensões, a força gravitacional diminui para 1/4 se se duplicar a distância.


(2) Uma discussão deliciosa acerca da dimensionalidade do espaço encontra-se em *The Creation*, de P. W. Atkins, já publicado na língua portuguesa numa edição da Editorial Presença (*N. do R.*).


Em quatro :, dimensões diminuiria para 1/8, em cinco para 1/16, etc.). Isto significa que as órbitas dos planetas, como a da Terra, em torno do Sol, seriam instáveis: a mais pequena perturbação numa órbita circular (como a que seria causada pela atracção gravitacional dos outros planetas) resultaria em a Terra começar a mover-se em espiral afastando-se ou dirigindo-se para o Sol. Ou gelaríamos ou arderíamos. Na realidade, o mesmo comportamento da gravidade com a distância em mais do que três dimensões espaciais significa que o Sol não poderia existir num estado estável com a pressão a equilibrar a gravidade. Desfazer-se-ia ou entraria em colapso originando um buraco negro. Em qualquer dos casos, não seria de grande utilidade como fonte de calor e luz para a vida na Terra. Numa escala mais pequena, as forças eléctricas que forçam os electrões a orbitar à volta do núcleo de um átomo, comportar-se-iam como forças gravitacionais. Assim, os electrões ou se escapavam completamente do átomo ou começavam a mover-se em espiral para dentro do núcleo. Em ambos os casos os átomos não seriam como os conhecemos.


Parece claro que a vida, pelo menos como a conhecemos, só pode existir em regiões do espaço-tempo em que três dimensões espaciais e uma temporal não estão todas encurvadas. Isto significa que podemos apelar para o princípio antrópico fraco, desde que possamos demonstrar que a teoria das cordas permite que existam regiões assim no Universo -- e parece que a teoria das cordas o permite de facto. Pode perfeitamente haver outras regiões do Universo, ou outros universos (seja o que for que *isso* signifique), em que todas as dimensões estão enroscadinhas ou em que mais de quatro dimensões são quase planas, mas onde não haveria seres inteligentes para observarem o número diferente de dimensões efectivas.


Além da questão do número de dimensões que o espaço-tempo parece ter, a teoria das cordas tem ainda vários :, outros problemas a resolver antes de ser proclamada a teoria unificada da física. Ainda não sabemos se todas as infinidades se anulam umas às outras, nem como relacionar exactamente as ondas na corda com os tipos específicos de partículas que observamos. Apesar disso, é provável que sejam encontradas respostas para estes problemas durante os próximos anos e que, lá para o fim do século, saibamos se a teoria das cordas é realmente a muito procurada teoria unificada da física.


Mas pode realmente haver uma teoria unificada? Ou será que andamos a correr atrás de uma miragem? Parece haver três possibilidades:


1) Há realmente uma teoria unificada completa, que um dia descobriremos, se formos suficientemente espertos.


2) Não há nenhuma teoria fundamental do Universo, mas apenas uma sucessão infinita de teorias que descrevem o Universo com precisão cada vez maior.


3) Não há qualquer teoria do Universo; os acontecimentos só podem ser previstos em certa medida, além da qual ocorrem aleatória e arbitrariamente.


Algumas pessoas seriam a favor da terceira possibilidade argumentando que, se houvesse um conjunto completo de leis, isso infringiria a liberdade de Deus mudar de opinião e intervir no mundo. É um pouco como o velho paradoxo: Deus poderá tornar uma pedra tão pesada que não seja capaz de a levantar? Mas a ideia de que Deus pode querer mudar de opinião é um exemplo da falácia, apontada por Santo Agostinho, de imaginarmos Deus como um ser que existe no tempo: o tempo é apenas uma propriedade do Universo que Deus criou. Presume-se que Ele sabia o que tencionava fazer quando o criou!


Com o advento da mecânica quântica, acabámos por reconhecer que os acontecimentos não podem ser previstos :, com precisão perfeita e que haverá sempre um grau de incerteza. Se quisermos, podemos atribuir essa incerteza à intervenção de Deus, mas seria uma intervenção muito estranha: não existe qualquer prova de que seja dirigida para algum objectivo. Na realidade, se fosse, seria por definição não aleatória. Nos tempos modernos, libertámo-nos definitivamente da terceira hipótese, redefinindo os objectivos da ciência: o que se pretende é formular um conjunto de leis que permitam prever acontecimentos até ao limite imposto pelo princípio da incerteza.


A segunda hipótese, de haver uma sequência infinita de teorias cada vez mais aperfeiçoadas, está de acordo com toda a nossa experiência até agora. Em muitas ocasiões aumentamos a sensibilidade das nossas medições ou elaborámos um novo tipo de observações, apenas para descobrir fenómenos novos que não tinham sido previstos pela teoria existente e, para os explicar, tivemos de desenvolver uma teoria mais avançada. Não seria portanto muito surpreendente se a actual geração de teorias da grande unificação estivesse errada ao afirmar que nada essencialmente novo acontecerá entre a energia da unificação electrofraca de cerca de 100 GeV e a energia da grande unificação de cerca de mil milhões de milhões de GeV. Poderíamos realmente esperar encontrar várias camadas novas de estrutura mais fundamental do que quarks e electrões, que agora consideramos partículas "elementares".


No entanto, parece que a gravidade pode fornecer um limite para esta sequência de "caixas dentro de caixas". Se tivermos uma partícula com uma energia acima daquilo a que se chama a energia de Planck, ou seja, dez milhões de milhões de milhões de GeV (1 seguido de dezanove zeros), a sua massa estaria tão concentrada que se separaria do resto do Universo e formaria um pequeno buraco negro. Portanto, parece realmente que a sucessão de teorias cada vez mais aperfeiçoadas deve ter um limite qualquer, :, quando caminhamos para energias cada vez mais elevadas, pelo que deve existir alguma teoria definitiva do Universo. É evidente que a energia de Planck está muito longe das energias de 100 GeV, que são o máximo que actualmente podemos atingir no laboratório. Não seremos capazes de ultrapassar esse obstáculo com aceleradores de partículas no futuro próximo. Contudo, o Universo primitivo é esse laboratório onde tais energias devem ter ocorrido. Penso que existe uma boa probabilidade de o estudo do Universo primitivo e os requisitos da coerência matemática levarem a uma teoria unificada completa ainda durante o tempo de algumas das pessoas que andam por aí hoje, sempre presumindo que não nos destruiremos antes.


Que significado teria descobrirmos realmente a teoria definitiva do Universo? Como explicámos no capítulo primeiro, nunca podemos ter a certeza absoluta de termos descoberto realmente a teoria correcta, uma vez que as teorias não podem ser provadas. Mas se a teoria fosse matematicamente coerente e conduzisse sempre a previsões concordantes com a observação, podíamos confiar razoavelmente que seria a teoria certa. Chegaria assim o fim de um longo e glorioso capítulo na história da luta intelectual da humanidade para compreender o Universo. Mas também revolucionaria a compreensão que as pessoas vulgares têm das leis que governam o Universo. No tempo de Newton era possível a uma pessoa instruída abranger todo o conhecimento humano, pelo menos na generalidade. Mas, desde então, o desenvolvimento da ciência tornou isso impossível. Como as teorias estão sempre a ser modificadas para darem conta de novas observações, nunca chegam a ser devidamente digeridas ou simplificadas de modo a que as pessoas vulgares as possam compreender. É preciso ser-se especialista e, mesmo assim, só se pode esperar ter uma compreensão completa de uma pequena proporção :, das teorias científicas. Além disso, o curso do progresso é tão rápido que aquilo que se aprende no colégio ou na universidade está sempre um pouco fora de moda. Apenas algumas pessoas conseguem manter-se a par da fronteira do conhecimento, que avança rapidamente, e têm de dedicar todo o seu tempo a isso e especializar-se numa pequena área. O resto da população tem uma ideia precária dos avanços conseguidos ou da excitação que geram. Há setenta anos, a acreditar em Eddington, só duas pessoas compreendiam a teoria da relatividade geral. Hoje em dia, dezenas de milhar de licenciados compreendem-na e muitos milhões de pessoas estão pelo menos familiarizadas com a ideia. Se fosse descoberta uma teoria unificada completa, em muito pouco tempo seria digerida e simplificada da mesma maneira e ensinada nos colégios, pelo menos na generalidade. Seríamos então capazes de ter alguma compreensão das leis que regem o Universo e são responsáveis pela nossa existência.


Mesmo que descubramos uma teoria unificada completa, tal não significaria que fôssemos capazes de prever acontecimentos em geral, por duas razões. A primeira é a limitação que o princípio da incerteza da mecânica quântica traz aos nossos poderes de previsão. E não há nada que possamos fazer para nos livrarmos dela. Na prática, no entanto, esta primeira limitação é menos restritiva que a segunda, que advém do facto de não podermos resolver exactamente as equações da teoria excepto em situações muito simples. (Nem sequer conseguimos resolver exactamente o movimento de três corpos na teoria da gravitação de Newton, e a dificuldade aumenta com 0 número de corpos e a complexidade da teoria). Já conhecemos todas as leis que governam o comportamento da matéria sob todas as condições, mesmo as mais extremas. Em particular, conhecemos as leis que estão na base de toda a química e de toda a biologia. E, no entanto, ainda não fomos :, capazes de reduzir esses temas à condição de problemas resolvidos; por enquanto, tivemos pouco êxito com a previsão do comportamento humano a partir de equações matemáticas! Portanto, mesmo que encontremos realmente um conjunto de leis básicas, continuará a existir nos anos seguintes a tarefa intelectualmente desafiadora de desenvolver métodos de aproximação melhores para que possamos elaborar com êxito previsões das consequências prováveis em situações complicadas e realistas. Uma teoria unificada coerente e completa é apenas o primeiro passo: o nosso objectivo é a *compreensão* completa dos acontecimentos à nossa volta e da nossa própria existência.


XI. Conclusão


Encontramo-nos num mundo desconcertante. Queremos que o que nos rodeia faça sentido e perguntar: Qual é a natureza do Universo? Qual é o nosso lugar nele e de onde é que ele e nós viemos? Por que é como é?


Para tentar responder a estas perguntas adoptamos uma "imagem do mundo". Nela, a teoria das supercordas é semelhante à torre infinita de tartarugas a suportar a Terra plana. Ambas são teorias do Universo, embora a primeira seja muito mais matemática e precisa do que a segunda. A ambas faltam provas observacionais: nunca ninguém viu uma tartaruga gigante com a Terra às costas, mas também nunca ninguém viu uma supercorda. Contudo, a teoria da tartaruga não consegue ser uma boa teoria científica porque prevê que as pessoas deviam cair da fronteira do mundo. Tal não concorda com a experiência, a não ser que venha a ser a explicação para os que se supõe terem desaparecido no Triângulo das Bermudas!


As primeiras tentativas teóricas para descrever e explicar o Universo envolviam a ideia de que os acontecimentos e os fenómenos naturais eram controlados por espíritos com emoções humanas, que agiam de uma maneira muito humana e imprevisível. Estes espíritos habitavam objectos naturais, como rios e montanhas, incluindo corpos :, celestes, como o Sol e a Lua. Tinham de ser apaziguados e os seus favores tinham de ser procurados, para se garantir a fertilidade do solo e o ciclo das estações do ano. Gradualmente, contudo, deve ter-se começado a reparar que havia certas regularidades: o Sol erguia-se sempre a leste e punha-se a oeste, quer se tivesse ou não oferecido um sacrifício ao deus Sol. Além disso, o Sol, a Lua e os planetas seguiam trajectórias precisas no céu, que podiam ser antecipadas com considerável precisão. O Sol e a Lua podiam ser deuses, mas eram deuses que obedeciam a leis estritas, aparentemente sem excepções, se ignorarmos histórias como a do Sol ter parado para Josué.


Inicialmente, estas regularidades e leis surgiam apenas na astronomia e em algumas outras situações. Contudo, à medida que a civilização se desenvolveu, particularmente nos últimos trezentos anos, foram descobertas cada vez mais regularidades e leis. O êxito dessas leis levou Laplace, no princípio do século XIX, a postular o determinismo científico, ou seja, sugeriu que devia haver um conjunto de leis que determinariam com precisão a evolução do Universo, dada a sua configuração em determinado momento.


O determinismo de Laplace estava duplamente incompleto. Não dizia como deviam ser escolhidas as leis e não especificava qual teria sido a configuração inicial do Universo. Tudo isso era deixado a Deus. Deus teria escolhido como o Universo começou e a que leis obedeceria, mas não interveio mais (1). Com efeito, Deus foi confinado às áreas que a ciência do século XIX não compreendia. :,


(1) A ideia de um Deus relojoeiro: deu corda ao mundo por ele recém-criado e afastou-se para não mais intervir! No princípio do século XIX o universo newtoniano está um pouco às avessas: o espaço substancial cartesiano, substituído depois pelo espaço newtoniano através do qual Deus *sentia* o mundo e actuava nele continuamente, foi cedendo lugar ao espaço dos atomistas, vazio de substancia e da presença de Deus (*N. do R.*).


Sabemos agora que as esperanças do determinismo de Laplace não podem realizar-se, pelo menos nos termos que ele tinha em mente. O princípio da incerteza da mecânica quântica implica que certos pares de quantidades, como a posição e a velocidade de uma partícula, não podem ambos ser preditos com toda a precisão.


A mecânica quântica trata esta situação por intermédio de uma classe de teorias quânticas em que as partículas não têm posições e velocidades bem definidas, mas são representadas por uma onda. Estas teorias quânticas são deterministas no sentido em que proporcionam leis para a evolução da onda com o tempo. Assim, se conhecermos a onda num dado momento, podemos calculá-la em qualquer outro. O elemento imprevisível e de acaso só entra quando tentamos interpretar a onda em termos de posições e velocidades das partículas. Mas talvez seja esse o nosso erro: talvez não haja posições e velocidades de partículas, mas apenas ondas. Nós é que tentamos encaixar as ondas nas nossas ideias preconcebidas de posições e velocidades. A má combinação resultante é a causa da aparente imprevisibilidade.


Com efeito, redefinimos a tarefa da ciência como sendo

a descoberta de leis que nos permitam prever acontecimentos até aos limites impostos pelo princípio da incerteza. Mantém-se, no entanto, a pergunta: como e por que foram escolhidas as leis e o estado inicial do Universo?


Neste livro dei lugar de destaque às leis que regem a gravidade, porque é a gravidade que dá forma à estrutura do Universo em macro-escala, embora seja a mais fraca das quatro categorias de forças. As leis da gravidade eram incompatveis com a opinião mantida até há pouco de que o Universo era imutável no tempo: o facto de a gravidade ser sempre atractiva implica que o Universo deve estar a expandir-se ou a contrair-se. Segundo a teoria da relatividade geral, deve ter havido um estado de densidade infinita :, no passado, o *big bang*, que teria sido um começo efectivo do tempo. Do mesmo modo, se todo o Universo voltasse a entrar em colapso, devia haver outro estado de densidade infinita no futuro, o *grande esmagamento*, que seria um fim do tempo. Mesmo que todo o Universo não entrasse de novo em colapso, haveria singularidades em todas as regiões localizadas que entrassem em colapso para formar buracos negros. Estas singularidades seriam um fim do tempo para quem caísse no buraco negro. No *big bang* e nas outras singularidades, todas as leis perdiam a validade, de maneira que Deus teria tido liberdade completa para decidir o que acontece e como o Universo começou.


Quando combinamos a mecânica quântica com a relatividade geral, parece haver uma nova possibilidade: que o espaço e o tempo juntos podiam formar um espaço quadridimensional finito sem singularidades nem fronteiras, como a superfície da Terra, mas com mais dimensões. Parece que esta ideia podia explicar muitas das características observadas no Universo, tais como a sua uniformidade em macro-escala e também os desvios da homogeneidade, em menor escala, como as galáxias, as estrelas e até os seres humanos. Podia até justificar a seta do tempo que observamos. Mas se o Universo é completamente independente, sem singularidades nem fronteiras, e completamente descrito por uma teoria unificada, isso tem implicações profundas quanto ao papel de Deus como Criador.


Einstein perguntou uma vez: "Que capacidade de escolha tinha Deus ao construir o Universo?" Se a hipótese de não haver fronteiras está correcta, não teve realmente liberdade de escolha quanto às condições iniciais. Teria, é claro, tido liberdade para escolher as leis a que o Universo obedecia. Isto, no entanto, pode não ter sido uma escolha; pode ser que haja só uma ou um pequeno número de teorias unificadas completas, tal como a teoria heterótica das :, cordas, que sejam autoconsistentes e permitam a existência de estruturas tão complicadas como a dos seres humanos, que podem investigar as leis do Universo e inquirir sobre a natureza de Deus.


Mesmo que haja só uma teoria unificada possível, não passa de um conjunto de normas e equações. Que é que dá vida às equações e forma ao Universo por elas descrito? A aproximação normal da ciência, ao construir um modelo matemático, não consegue dar resposta às perguntas sobre a existência de um Universo para o modelo descrever. Por que é que o Universo se dá ao trabalho de existir? A teoria unificada é tão imperativa que dá origem à sua própria existência? Ou precisa de um Criador e, nesse caso, terá Ele outro efeito sobre o Universo? E quem o criou a Ele?


Até agora, a maior parte dos cientistas tem estado demasiado ocupada com o desenvolvimento de novas teorias que descrevem *o que* é o Universo para fazer a pergunta porquê? Por outro lado, as pessoas que deviam perguntar *porquê?*, os filósofos, não foram capazes de acompanhar o avanço das teorias científicas. No século XVIII, os filósofos consideravam todo o conhecimento humano, incluindo a ciência, como campo seu e discutiam questões como: terá o Universo tido um começo? No entanto, nos séculos XIX e XX, a ciência tornou-se demasiado técnica e matemática para os filósofos ou para qualquer outra pessoa, à excepção de alguns especialistas. Os filósofos reduziram o objectivo das suas pesquisas de tal modo que Wittgenstein, o filósofo mais famoso deste século, afirmou: "A única tarefa que resta à filosofia é a análise da linguagem". Que queda para a grande tradição da filosofia desde Aristóteles a Kant!


Todavia, se descobrirmos uma teoria completa, deve acabar por ser compreensível, na generalidade, para toda a gente e não apenas para alguns cientistas. Então poderemos :, todos, filósofos, cientistas e pessoas vulgares, tomar parte na discussão do porquê da nossa existência e da do Universo. Se descobrirmos a resposta, será o triunfo máximo da razão humana, porque nessa altura conheceremos o pensamento de Deus.


Albert Einstein


A ligação de Einstein com a política da bomba nuclear é bem conhecida: ele assinou a famosa carta dirigida ao presidente Franklin Roosevelt que persuadiu os Estados Unidos a levar a ideia a sério, e participou nos esforços do pós-guerra para evitar a guerra nuclear. Mas estas não foram apenas aeções isoladas de um cientista arrastado para o mundo da política. A vida de Einstein foi, na realidade, utilizando as suas próprias palavras, "dividida entre a política e as equações".


As primeiras actividades políticas de Einstein surgiram durante a Primeira Guerra Mundial, quando era professor em Berlim. Doente com o que via como desperdício de vidas humanas, envolveu-se em demonstrações contra a guerra. O seu apoio à desobediência social e encorajamento público à recusa de recrutamento pouco contribuiu para o tornar querido dos colegas. Depois, a seguir à guerra, canalizou os seus esforços no sentido da reconciliação e do melhoramento das relações internacionais. Também isto não o tornou popular e depressa a sua política lhe dificultou as visitas aos Estados Unidos, mesmo para fazer conferências.


A segunda grande causa de Einstein foi o sionismo. Embora fosse de ascendência judaica, Einstein rejeitava :, a ideia bíblica de Deus. Contudo, uma grande tomada de consciência do anti-semitismo, quer antes quer durante a Primeira Guerra Mundial, levou-o a identificar-se gradualmente com a comunidade judaica e, mais tarde, a tornar-se um adepto aberto do sionismo. Mais uma vez a impopularidade não deixou de dizer o que pensava. As suas teorias começaram a ser atacadas e chegou a formar-se uma organização anti-Einstein. Um homem foi condenado por incitar outros a assassinar Einstein (e multado em apenas seis dólares). Mas Einstein comentou fleumaticamente, quando foi publicado um livro intitulado *Cem Autores Contra Einstein*: "Se eu não tivesse razão, um teria sido suficiente".


Em 1933 Hitler subiu ao poder. Einstein estava na América e declarou que não voltaria à Alemanha. Então, enquanto as milícias nazis faziam uma busca à sua casa e lhe confiscavam o dinheiro que tinha no banco, um jornal de Berlim publicava o cabeçalho: "Boas notícias de Einstein -- Não regressa". Perante a ameaça nazi, Einstein renunciou ao pacifismo e receando eventualmente que os cientistas alemães construíssem uma bomba nuclear, propôs que os Estados Unidos fizessem a sua. Mas, justamente antes de a primeira bomba atómica ser detonada, ele avisava publicamente dos perigos de uma guerra nuclear e propunha o controlo internacional das armas nucleares.


Durante toda a vida, os esforços de Einstein em prol

da paz tiveram provavelmente poucos êxitos duráveis e fizeram-no certamente ganhar poucos amigos. O seu apoio verbal à causa sionista, contudo, foi devidamente reconhecido em 1952, quando lhe ofereceram a presidência de Israel. Recusou, afirmando julgar-se demasiado inocente em matéria de política. Mas talvez a verdadeira razão tenha sido diferente, parafraseando-o de novo: "As equações são mais importantes para mim, porque a política é do presente e uma equação é qualquer coisa para a eternidade".


Galileu Galilei


Galileu, talvez mais que qualquer outra pessoa, foi responsável pelo nascimento da ciência moderna. O célebre conflito que travou com a Igreja Católica foi o centro da sua filosofia, porque Galileu foi um dos primeiros a argumentar que o Homem podia ter esperança de compreender o funcionamento do mundo e, além disso, poderia fazê-lo observando o mundo real.


Galileu tinha acreditado na teoria de Copérnico (de que os planetas orbitavam em torno do Sol) desde o princípio, mas foi só quando descobriu as provas necessárias para apoiar a ideia que começou a defendê-la publicamente. Escreveu sobre a teoria de Copérnico em italiano (não no usual latim académico) e depressa as suas opiniões foram largamente apoiadas fora das universidades. Isto aborreceu os professores aristotélicos, que se uniram contra ele, tentando persuadir a Igreja Católica a banir as ideias de Copérnico.


Galileu, preocupado, foi a Roma, para falar com as autoridades eclesiásticas. Argumentou que a Bíblia não queria dizer-nos nada sobre teorias científicas e que era costume admitir-se que, onde a Bíblia entrasse em conflito com o senso comum, estava a ser alegórica. Mas a Igreja tinha medo de um escândalo que pudesse prejudicá-la na :, sua luta contra o protestantismo e tomou medidas repressivas. Em 1616 declarou o copernicanismo "falso e errado" e deu ordens a Galileu para que nunca mais "defendesse ou apoiasse" a doutrina. Galileu concordou.


Em 1623, um amigo de longa data de Galileu tornou-se Papa. Imediatamente, Galileu tentou que o decreto de 1616 fosse revogado. Não conseguiu, mas acabou por obter licença para escrever um livro que descrevesse as teorias aristotélica e copernicana, com duas condições: não tomaria qualquer partido e chegaria à conclusão de que o Homem não podia, em qualquer dos casos, determinar como funcionava o mundo, porque Deus podia causar os mesmos efeitos de maneiras que o Homem não conseguia imaginar, nem colocar restrições sobre a Sua omnipotência.


O livro *Diálogo Sobre os Dois Principais Sistemas do Mundo* ficou pronto e foi publicado em 1632, com todo o apoio dos censores, e foi imediatamente recebido por toda a Europa como uma obra-prima literária e filosófica. Logo a seguir, o Papa, compreendendo que as pessoas viam o livro como um argumento convincente em favor do copernicanismo, arrependeu-se de o ter deixado publicar. Argumentou que, embora o livro tivesse a bênção oficial dos censores, Galileu tinha desobedecido ao decreto de 1616. Obrigou-o a apresentar-se perante a Inquisição, que o condenou a prisão domiciliária perpétua e lhe ordenou que renunciasse publicamente ao copernicanismo. Pela segunda vez, Galileu concordou. E permaneceu católico fiel, mas a sua crença na independência da ciência não foi por isso esmagada. Quatro anos antes de morrer, em 1642, sempre em prisão domiciliária, o manuscrito do seu segundo livro foi passado clandestinamente para um editor na Holanda. Era a obra conhecida por *Duas Novas Ciências* que, ainda mais do que o seu apoio ao copernicanismo, havia de tornar-se o germe da física moderna.


Isaac Newton


Isaac Newton não era um homem agradável. As suas relações com os outros académicos ficaram célebres pois, sobretudo nos últimos anos da sua vida, envolveu-se em acesas discussões. A seguir à publicação dos *Principia Mathematica*, certamente o livro mais influente alguma vez escrito sobre física, Newton tinha subido rapidamente à proeminência pública. Foi nomeado presidente da Royal Society e foi o primeiro cientista a ser designado cavaleiro.


Newton depressa começou às turras com o astrónomo real. John Flamsteed, que lhe tinha fornecido muitas informações para os seus *Principia* (1), mas que começou então a negar-lhe as informações que ele queria. Newton não aceitava um não como resposta e tratou de se fazer nomear para a direcção do Observatório Real (2), tentando logo a seguir obrigar à publicação das informações. Eventualmente, conseguiu que o trabalho de Flamsteed fosse confiscado e preparado para publicação pelo inimigo mortal deste, Edmond Halley.

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