-Já leu o jornal da manhã?-perguntou Chotas. - Não, não li. Porquê?
-Frederick Stavros morreu,
-0 quê?-Foi uma exclamação de surpresa. -0 que é que me está a dizer?
-Foi morto a noite passada por um condutor que se pôs em fuga. - Meu Deus. Sinto muito, Leon, Já apanharam o condutor? -Não, ainda não.
-Talvez eu consiga pressionar um pouco mais a polícia. Ninguém está seguro nos dias de hoje. A propósito, que tal almoçarmos na quinta-feira?
- Óptimo.
-Está combinado.
Napoleon Chocas era um perito a ler nas entrelinhas. «Constantin Demiris ficou genuinamente surpreendido. Não tinha nada a ver com a morte de Stavros», concluiu Chotas. Na manhã seguinte, Napoleon Chotas entrou na garagem privativa do seu edifício de escritórios e estacionou o cano. Quando se dirigia para o elevador, um homem novo surgiu das sombras. -Tem lume? Um alarme assaltou a mente de Chotas. 0 homem era um estranho, e não tinha motivos para estar na garagem.
-Certamente.
Sem pensar, Chotas bateu com a pasta na cara do homem. 0 estranho gritou cheio de dores.
- Seu filho da puta!
Meteu a mão no bolso e puxou de uma pistola com um silenciador incorporado.
-Eh! 0 que é que se passa aí?-gritou uma voz. Um guarda fardado corria na direcção deles.
0 estranho hesitou por uin instante, depois correu para a porta aberta.
0 guarda chegou ao pé de Chotas.
- 0 senhor está bem, senhor Chotas?
-Ah... sim. -Napoleon Chotas estava com dificuldades em respirar, - Estou óptimo.
- 0 que é que ele lhe quis fazer? Napoleon Chotas disse lentamente; -Não tenho a certeza.
«Podia ter sido uma coincidência», dizia Chotas a si próprio quando se sentou à secretária. É possível que ohomem estivesse simplesmente a assaltar-me. Mas uma pessoa não usa uma arma com um silenciador para assaltar. Não, a intenção dele era matar-me.» E Constantin Demiris teria declarado ter ficado chocado com a notícia como fingira ter estado sobre a morte de Frederick Stavros. «Eu devia ter sabido», pensou Chotas. «Demiris não é homem para correr riscos. Não pode permitir deixar pontas soltas. Bem, o senhor Demiris que se prepare para uma surpresa.» A voz da secretária de Napoleon Chotas surgiu no intercomunicador;
- Senhor Chotas, deve comparecer no tribunal dentro dé trinta minutos.
Hoje era o sumário dele num caso de homicídios em série, mas Chotas estava demasiado abalado para aparecer no tribunal. -Telefone ao juiz e diga-lhe que estou doente. Um dos sócios que faça o meu trabalho. Não recebo mais chamadas.
Tirou um gravador de uma gaveta da secretária e sentou-se, a pensar. Depois começou a falar. Logo a seguir ao almoço, Napoleon Chotas apareceu no gabinete do advogado do Ministério Público, Peter Demonides, com um envelope castanho. 0 recepcionista reconheceu imediatamente.
-Boa tarde, senhor Chotas. Posso a~udá-lo? - Quero falar com o senhor Demonides.
- Ele está numa reunião. Tem hora marcada?
- Não. Diga-lhe que eu estou aqui, e que é urgente. -Sim, naturalmente.
Quinze minutos depois, Napoleon Chotas foi conduzido ao gabinete do advogado do Ministério Público.
-Bem -disse Demonides-,vem Maomé à montanha. Em que posso ajudá-lo? Vamos negociar um pequeno apelo hoje à tarde? -Não. É um assunto pessoal, Peter.
-Sente-se, Leon.
Quando os dois homens estavam sentados Chotas disse:
- Quero deixar um envelope consigo. Está selado, e é para ser aberto apenas caso eu tenha uma morte acidental.
Peter Demonides analisava-o, curioso.
- Está à espera que lhe aconteça alguma coisa? - É uma possibilidade.
- Compreendo. Um dos seus clientes ingratos?
- Não interessa quem. Você é a única pessoa em quem posso confiar. Pode guardar isto num cofre a que ninguém possa chegar? - Claro. - Ele inclinou-se para a frente . - Você parece assustado.
-E estou.
-Quer que o meu departamento lhe dê alguma protecção? -Posso mandar um polícia acompanhá-lo.
Chotas batia no envelope com a mão.
- Esta é a única protecção de que preciso. -Pois bem. Se está assim tão certo.
-Estou. - Chotas levantou-se e estendeu a mão. -Epharisto. Não lhe sei dizer o quanto estou agradecido.
Peter Demonides sorriu. -Parakalo. Fica-me a dever urn.
Umahora depois, um mensageiro fardado apareceunos escritórios da Corporação do Comércio Helénico. Aproximou-se de uma das secretárias.
-Trago uma encomenda para o senhor Demiris. - Eu assino.
-Tenho ordens para entregar ao senhor Demiris pessoalmente. -Desculpe, mas não posso interrompê-lo. Quem é que manda a encomenda?
-Napoleon Chotas.
- Tem a certeza de que não pode simplesmente deixá-la aqui? -Tenho, minha senhora.
-Vou ver se o senhor Demiris quer recebê-la. Premiu o botão do intercomunicador.
-Desculpe, senhor Demiris. Está aqui um mensageiro com uma encomenda do senhor Chotas para si.
Avoz de Demiris surgiu no intercomunicador. -Traga cá, Irene.
- Ele diz que tem ordens para entregar pessoalmente. Houve uma pausa.
-Traga-o cá dentro.
Irene e o mensageiro entraram no gabinete. - 0 senhor Constantin Demiris ?
- Sou.
-Assina-me isto, por favor?
Demiris assinou um talão. 0 mensageiro colocou o envelope na secretária de Demiris.
-Obrigado.
Constantin Demiris seguiu a saída da secretária e do mensageiro. Estudou o envelope, de rosto pensativo, depois abriu-o. Havia um gravador no interior, com uma fita dentro, Curioso, premiu um botão e a fita começou a tocar. A voz de Napoleon Chotas invadiu a sala.
-Meu caro Costa: Tudo teria sido mais simples se vocë tivesse acreditado que Frederick Stavros não fazia tenções de revelaro nosso pequeno segredo. 0 que mais me custa é que vocë não tivesse acreditado que eu não fazia tenções de falar sobre esse assunto incómodo, Tenho todas as razões para pensar que você esteve por detrás da morte do pobre Stavros, e que é agora sua intenção mandar matar-me. Como a minha vida me é tão preciosa quanto a sua para si, devo respeitosamente declinar ser a sua próxima vítima... Tomei a precaução de escrever os pormenores do papel que nós os dois desempenhámos no julgamento de Noelle Page e Larry Douglas, e coloquei-os num envelope selado que entreguei ao advogado de acusação para ser aberto em caso da minha morte acidental. De forma que é agora do seu interesse, meu amigo, cuidar que eu fique vivo e bem. -Afita terminou. Constantin Demiris deixou-se ficar, a olhar o vazio, Quando Napoleon Chotas regressou ao escritório nessa tarde, o medo tinha-o abandonado. Constantin Demiris era um homem perigoso, mas estava longe de ser um idiota. Não ia prejudicar ninguém sob pena de pôr em perigo a suaprópria pessoa. «Ele fez o lance>•, pensou Chotas, «e eu dei-lhe xeque-mate.•• Ele sorriu para si. «Acho que tenho de fazer outros planos para o jantar de quinta-feira.» Nos dias que se seguiram, Napoleon Chotas esteve atarefado a preparar-se para um novo julgamento de homicídio envolvendo uma mulher que matara as duas amantes do marido. Chotas levantava-se cedo todas as manhãs e trabalhava até altas horas da noite, preparando as suas contra-interrogações. 0 instinto dizia-lhe que-contratodas as probabilidades-iriavencer de novo. Na quarta-feira à noite, trabalhou no escritório até à meia-noite e depois foi para casa. Chegou à uilla à uma da manhã. 0 mordomo cumprimentou-o à porta.
-Deseja alguma coisa, senhor Chotas? Posso preparar-lhe uns mezedes se estiver com fome, ou...
-Não, obrigado. Estou bem. Vá-se deitar.
Napoleon Chotas subiu para o quarto. Passou a hora seguinte a rever mentalmente o julgamento, finalmente às duas da manhã, adormeceu. Sonhou. Estava no tribunal, a contra-interrogar uma testemunha, quando a testemunha repentinamente começou a rasgar a própria roupa. -Par que está a fazer isso? - Chotas perguntou.
- Estou a morrer de calor.
Chotas correu o olhar pela sala de audiências apinhada de gente e viu que todos os espectadores estavam a despir-se.
Voltou-se para o juiz.
- Meritíssimo, devo protestar contra... 0 juiz estava a tirar a toga.
- Está muito calor aqui dentro - disse ele. «Está quente aqui. E barulhento.p
Napoleon Chotas abriu os olhos. As chamas lambiam a porta do quarto e o quarto estava cheio de fumo. Napoleon sentou-se, acordando instantaneamente. «A casa está a arder. Por que é que o alarme não tocou?» A porta começava a empenar por causa do calor intenso. Chotas correu para a janela, engasgando-se com o fumo. Tentou abrir a janela à força, mas estava emperrada. 0 fumo estava a ficar espesso, e era cada vez mais difícil respirar, Não havia saída. As brasas em chama começaram a cair do tecto. Uma parede abateu e um lençol de chamas devorou-o. Ele gritava. 0 cabelo e o pijama estavam a arder. Às cegas, atirou-se contra a janela e atravessou-a, o seu corpo ardente estatelando-se no chão que ficava a cinco metros. Logo pela manhã do dia seguinte, uma criada conduziu o promotor público Peter Demonides ao escritório da residência de Constantin Demiris.
-Kalimehra, Peter-disse Demiris. - Obrigado por ter vindo. Trouxe aquilo?
-Trouxe, sim. -Entregou a Demiris o envelope selado que Napoleon Chotas lhe dera. -Pensei que pudesse querer guardar isto aqui.
- Foi muito atencioso da sua parte, Peter. Quer tomar o pequeno-almoço?
-Efharisto. É muita gentileza sua, senhor Demiris.
-Costa. Trate-me por Costa. Há algum tempo que o trago debaixo de olho, Peter. Acho que você tem um futuro importante. Gostava de lhe arranjar uma boa posição na minha organização. Estaria interessado?
Peter Demonides sorriu.
- Sim, Costa. Estaria muito interessado.
- Óptimo. Vamos falar sobre o assunto ao pequeno-almoço.
Londres
Catherine falavacom Constantin Demiris pelo menos umavezpor semana, o que se tornara um hábito. Ele continuava a enviar presentes, e quando ela protestava ele garantia-lhe que eram somente pequenas provas do seu agradecimento.
- A Evelyn contou-me da sua eficiência no tratamento do caso Baxter. - Ou; -Soube pela Evelyn que a sua ideia está a fazer-nos poupar muito dinheiro nos encargos de transporte.
Na realidade, Catherine orgulhava-se do seu sucesso. Deparara com meia dúzia de coisas no escritório que poderiam ser melhoradas. Recuperara as suas antigas capacidades, e sabia que a eficiência do escritório melhorara bastante graças a si.
-Estou muito orgulhosa de si-disse-lhe Constantin Demiris. E Catherine sentiu uma excitação. Ele era um homem tão maravilhoso e carinhoso.
«Está quase na hora de avançam, concluiu Demiris. Com Stavros e Chotas seguramente afastados, a única pessoa que podia ligá-lo ao que acontecera era Catherine. Esse perigo era mínimo, mas, como Napoleon Çhotas descobrira, Demiris não era um homem que corresse riscos. «E uma pena•>, pensou Demiris, «que ela tenha de morrer. É tão bela. Mas, primeiro, a uilla de Rafina.» Ele tinha comprado a uilla. Levaria Catherine para lá e faria amor com ela exactamente como Larry Douglas fizera amor com Noelle. Depois disso... De vez em quando, Catherine recordava-se do passado. Leu no Times de Londres a notícia dasmortes de Frederick Stavros e Napoleon Chotas, e os nomes não lhe teriam dito nada à excepção da referência de que tinham sido os advogados de Larry Douglas e Noelle Page. Nessa noite voltou a ter o sonho. Certa manhã, Catherine viu um artigo num jornal que a abalou: «William Fraser, assistente do presidente americano Harry Truman, chegou a Londres para preparar um acordo comercial com o primeiro-ministro britânico.» Baixou o jornal, sentindo-se idiotamente vulnerável. William Fraser. Ele fora uma parte tão importante da sua vida. «Que teria acontecido se eu não o tivesse deixado?» Catherine sentou-se à secretária, sorrindo tremulamente, com o olharfixo na notícia do jornal. William Fraserfoi um doshomensmais queridos que conhecera. Só lembrar-se dele fez que se sentisse ardente e amada. E ele estava aqui em Londres. «Tenho de vê-lo», pensou. Segundo o jornal, ele estava no Claridge's. Catherine marcou o número do hotel, e os seus dedos tremiam. Ela teve a sensação de que o passado estava prestes a tornar-se presente. Sentiu-se excitada com a ideia de ver Fraser. «Que dirá ele quando ouvir a minha voz? Quando me voltará ele a ver?» A telefonista disse: -Bom dia, Claridge's, Catherine respirou fundo. - 0 senhor William Fraser, por favor.
- Desculpe, minha senhora. Disse senhor ou senhora William Fraser?
Catherine parecia que lhe tinham batido. <•Como eu fui idiota. Porque é que eu não pensei nisso? Claro que nesta altura ele já podia ser casado.»
Minha senhora...
- Eu.., deixe estar. Obrigada. - Colocou o auscultador lentamente.
«Cheguei tarde de mais. Acabou-se. 0 Costa tinha razão. 0 passado deve pertencer ao passado.»
A solidão pode ser um corrosivo, que consome o espírito. Todas as pessoas precisam de partilhar a alegria, aglória e a dor. Catherine vivia num mundo cheio de estranhos, observando a felicidade de outros casais, ouvindo o eco do riso daqueles que se amam. Mas recusou sentir pena por si própria. «Não sou a única mulher do mundo que está sozinha. Estou viva! Estou viva!» Havia sempre que fazer em Londres. Os cinemas de Londres estavam cheios de filmes americanos, e Catherine gostava de ir ao cinema. Viu 0 Fio da Navalha e Ana e o Rei de Sio. Um Acordo de Caoalheiros era um filme perturbante, e Gary Cooper estavamaravilhoso em The Bachelor and the Bobby-Soxer. Catherine ia a concertos no Royal AlbertHall e assistia a bailados em Sadler's Well. Foi a Stratford-upon-Avon ver Anthony Quayle emAFeraAmansada, e Laurence Olivier emRicardo 111. Mas não tinha graça nenhuma ir sozinha. Foi então que apareceu Kirk Reynolds. Foi no escritório que um homem alto e atraente se dirigiu a Catherine e disse: -Chamo-me Kirk Reynolds. Por onde tem andado? -Perdão?
-Tenho estado à sua espera. Foi assim que começou.
Kirk Reynolds era um advogado americano, que trabalhava para Constantin Demiris em fusões internacionais. Estava na casa dos quarenta, era sincero, inteligente e atencioso.
Quando falou de Kirk Reynolds a Evelyn, Catherine disse: -Sabes o que mais me agrada nele? Faz-me que eu me sinta uma mulher. Há muito tempo que eu não sentia isso.
-Não sei-Evelyn objectou. -Eu se fosse a ti tomava cuidado. Não precipites as coisas,
-Não o farei-disse Catherine.
Kirk Reynolds levou Catherine a uma viagem legal através de Londres. Estiveram no Old Bailey, onde os criminososforam julgados durante séculos, e deambularam pelos trios dos tribunais, cruza ram-se com causídicos de aspecto grave, peruca e toga. Visitaram as instalações da Prisão de Newgate, construída no século XVIII. Mesmo em frente do local onde estivera a igreja, a estrada alargava-se, estreitando-se inesperadamente.
-É estranho-disse Catherine.-Por que será que construíram uma rua assim?
-Para acomodar as multidões. Era aqui que costumavam realizar-se as execuções públicas.
Catherine estremeceu. «Quase atingiu o alvo»
Certa noite, Kirk Reynolds levou Catherine à East India Dock Road, ao longo dos quebra-mares.
-Ainda não há muito tempo, os polícias andavam aos pares neste lugar-disse Kirk.-Era o ponto de encontro dos criminosos. Jantaram no Prospect of Whitby, um dos puós mais antigos da Inglaterra, localizado numavaranda construída sobre o Tamisa, vendo as barcaças que desciam o rio e se cruzavam com os grandes navios que iam a caminho do mar. Catherine adorava os nomes fora do vulgar dos pubs londrinos. Ye Olde Cheshire Cheese, o Falstaff e o Goat in Boots. Noutra noite, foram a um velho e pitoresco pub em City Road que se chamava Eagle.
-Aposto que as tuas cantigas de criança se referiam a este sítio - disse Kirk.
Catherine olhou fixamente para ele.
- Referiam-se a este sítio? Eu nem sequer ouvi falar daqui. - Ouviste, sim. 0 Eagle está na origem de uma rima infantil. - Que rima infantil?
-Aquiháuns anos, aCityRoad era o centro do comércio de alfaiataria, e por volta do fim-de-semana os alfaiates costumavam estar sem dinheiro, e punham o ferro de engomar no prego até ao dia de
pagamento. De formaquehouve algum que escreveuumarima infantil sobre isso:
Acima e abaixo da City Road Para dentro e para fora do Eagle Assim que o dinheiro desaparece Lá se aai o ferro de engomar
Catherine riu-se.
- Onde é que aprendeste isso?
-Um advogado deve saber tudo. Mas há uma coisa que eu não sei. Sabes esquiar?
-Infelizmente não. Porquê? De repente ele ficou sério.
-É que eu vou a St. Moritz. Há lá óptimos instrutores de esqui. Queres vir comigo, Catherine?
A pergunta apanhou-a completamente desprevenida. Kirk aguardava uma resposta.
-Eu... não sei, Kirk.
- Queres pensar no assunto?
- Quero. - 0 corpo tremia-lhe. Lembrou-se de como fora excitante fazer amor com Larry, e interrogava-se se poderia voltar a sentir algo semelhante. -Vou pensar no assunto.
Catherine decidiu apresentar Kirk a Wim. Foram apanhar Wim no apartamento e levaram-no a jantar ao restaurante The Ivy. Durante toda a noite, Wim nem por uma vez olhou de frente para Kirk Reynolds. Parecia completamente retraído. Kirk olhou para Catherine de esguelha. Ela disse num trejeito:
-Fala com ele.
Kirk fez que sim com a cabeça e voltou-se para Wim. - Gosta de Londres, Wim?
- É um lugar agradável.
- Tem uma cidade preferida? -Não.
- Gosta do seu emprego? -É agradável.
Kirk olhou para Catherine, sacudiu a cabeça e encolheu os ombros. Catherine voltou a dizer num trejeito:
-Por favor.
Kirk suspirou e insistiu.
-Vou jogar golfe no domingo, Wim. Joga?
E Wim desfiou de uma assentada todos os tipos de tacos que se usam no golfe. Kirk Reynolds pestanejou.
- Você deve ser muito bom.
-Ele nunca jogou- explicou Catherine. -0 Wirn apenas sabe coisas. É um ás em matemática.
Kirk Reynolds estava farto. Esperara passar uma tarde sozinho com Catherine, mas ela trouxera este chato atrás.
Kirk forçou um sorriso.
-Ah ?-Virou-se para Wim e perguntou inocentemente. -Por acaso sabe a quinquagésima-nona potência de dois?
Wim ficou em silêncio durante trinta segundos a estudar a toalha da mesa, e, quando Kirk se preparava para falar, Wim disse:
- 576, 460, 752, 303, 423, 488.
- Meu Deus! - disse Kirk. -Isso é verdade? Catherine voltou-se para Wim.
-Wim, é capaz de achar a raiz quadrada de... -Ela escolheu um número ao acaso. - 24137 585?
Ficaram ambos a olhar para Wim enquanto ele ali ficava, de rosto inexpressivo. Vinte e cinco segundos depois ele disse: -Dezassete; e o resto são dezasseis.
-Não posso crer-exclamou Kirk. -Pois acredita-disse-lhe Catherine. Kirk olhou para Wim.
- Como é que conseguiu fazer isso? Wim encolheu os ombros. Catherine disse:
-0 Wim é capaz de multiplicar dois números de quatro algarismos em trinta segundos e memorizar cinquenta números de telefone em cinco minutos. Assim que os aprende, nunca mais se esquece.
Kirk Reynolds estava a olhar para Wim Vandeen espantado. -De certeza que o meu escritório precisava de alguém como você -disse ele,
- Eu já tenho emprego - disse Wim asperamente.
Quando Kirk Reynolds deixou Catherine no fim da noite, disse: - Não te vais esquecer de St. Moritz, pois não?
- Não. Não me esquecerei. «Por que não consigo dizer simplesmente que sim?»
Constantin Demiris telefonou tarde nessa noite. Catherine esteve tentada a falar-lhe de Kirk Reynolds, mas no último momento decidiu não fazê-lo.
Atenas
0 padre Konstantinou andava perturbado. Desde o momento em que vira a reportagem do jornal sobre a morte de Frederick Stavros causada por um condutor que se pôs em fuga, sentia-se perseguido pela mesma. 0 padre ouvira centenas de confissões desde que fora ordenado, mas a confissão dramática de Frederick Stavros, à qual se seguiu a sua morte, deixara uma impressão indelável.
-Eh, o que é que te está a incomodar?
0 padre Konstantinou virou-se para olhar para o belo jovem que estava deitado nu a seu lado na cama.
-Nada, amor. -Não te faço feliz? -Sabes que sim, Georgios.
-Então qual é o problema? Comportas-te como se eu não estivesse aqui, pelo amor de Deus.
-Não uses profanidades. - Não gosto de ser ignorado.
-Desculpa-me, querido, É que... um dosmeusparoquiantes morreu num acidente de automóvel.
-Todos nós temos que partir um dia, não ?
- Sim, claro. Mas o homem estava muito perturbado. -Estava doente da cabeça?
- Não. Ele tinha um segredo terrível, e era um fardo pesado de mais para ele aguentar.
-Que espécie de segredo?
0 padre acariciou a coxa do jovem.
-Tu sabes que eu não posso falar sobre isso. Foi-me dito no confessionário.
- Pensei que não havia segredos entre nós. - Não há, Georgios, mas...
-Garroto! Ou há ou não há. De qualquer forma, disseste que o tipo morreu. Que diferença pode isso fazer agora?
- Creio que nenhuma, mas...
Georgios Lato abraçou o companheiro de cama e sussurrou-lhe ao ouvido.
-Estou curioso.
-Estás-me a fazer cócegas no ouvido.
Lato começou a acariciar o corpo do padre Konstantinous. - Oh... não pares...
-Então conta-me.
-Está bem. Acho que não faz mal nenhum agora...
Georgios Lato subira na vida. Nasceu nos bairros da lata de Atenas, e quando tinha doze anos tornou-se prostituto. No início, Lato andava nas ruas, ganhando alguns dólares por prestar serviços a bêbados nos becos e turistas nos seus quartos de hotel. Era dotado de uma beleza morena e de um corpo firme e forte. Quando tinha dezasseis anos, um chulo disse-lhe:
-Tu és um poulaki, Georgios. Estás a deitar fora esse atributo. Possa fazer com que ganhes muito dinheiro,
E cumpriu a promessa. Desse dia em diante, Georgios Lato apenas servia homens ricos e importantes, e era generosamente recompensado.
Quando Lato conheceu Nikos Ventos, o assistente pessoal do grande nababo Spyros Lambrou, a vida de Lato mudou. -Estou apaixonado por ti-disse NikosVentos ao jovem.-Não te quero ver a andar para aí no engate. Tu agora pertences-me. - Certo, Niki. Eu também te amo. Ventos estava constantemente a mimar o rapaz com prendas. Comprava-lhe roupa, pagava-lhe o pequeno apartamento e dava-lhe dinheiro para despesas miúdas. Mas atormentava-se com o que Lato fazia quando se ausentava. Ventos resolveu o problema um dia ao dizer-lhe: -Arranjei-te um emprego na companhia de Spyros Lambrou, onde trabalho.
-Para andares sempre de olho em mim? Eu não...
-Clara que não é isso, coisa doce. Só que gosto de te ter ao pé de mim.
Georgios Lato de início protestara, mas acabou por ceder. Concluiu que realmente gostava de trabalhar naquela firma. Trabalhava na secção de correio como paquete, e isso dava-lhe liberdade de arranjar dinheiro extra de clientes gratos como o padre Konstantinous. Quando Georgios Lato deixou a cama do padre Konstantinous nessa tarde, tinha a mente num turbilhão. 0 segredo que o padre lhe coníïara era uma notícia surpreendente, e o pensamento de Georgios Lato logo se virou para a forma como poderia fazer dinheiro da mesma. Podia tê-la confiado a Nikos Ventos, mas tinha outros planos. «Vou directo ao manda-chuva com isto», disse Lato para si próprio. «Aí é que está a grande recompensa p Na manhã seguinte, Lato entrou na sala de recepção de Spyros Lambrou. A secretária levantou os olhos.
- Oh, o correio hoje chegou cedo, Georgios. Georgios Lato sacudiu a cabeça.
- Não, minha senhora. Preciso de falar com o senhor Lambrou. Ela sorriu.
-É mesmo? Para que é que queres vê-lo?Tens alguma proposta comercial a fazer-lhe?-zombou ela.
Lato disse com um ar sério.
-Não, não é nada disso. Acabo dé receber a notícia de que a minha mãe está à morte, e eu... eu tenho de voltar para a terra. Queria apenas agradecer ao senhor Lambrou o emprego que me deu aqui. Só preciso de um minuto, mas se ele tem muito que fazer... -Preparava-se para sair.
-Espera. Tenho a certeza de que ele não se vai importar.
Dez minutos depois, Georgios Lato estava no gabinte de Spyros Lambrou. Nunca lá entrara antes, e a opulência dominou-o. -Bem, meu jovem. Lamento saber que a tua mãe esteja à morte. Talvez uma pequena gratificação fosse...
-Obrigado, senhor. Mas não é realmente por isso que estou aqui. Lambrou olhou-o de sobrolho franzido.
-Não percebo.
-Senhor Lambrou, tenho uma informação importante que penso ter muito valor para o senhor.
Viu o cepticismo no rosto de Lambrou.
-Verdade ?
-Infelizmente tenho muito que fazer, de forma que se não te... -É sobre Constantin Demiris. -As palavras saíram com dificuldade.-Tenho um grande amigo que é padre. Ele ouviu a confissão de um homem que morreu pouco depois num acidente de viação, e o que o homem lhe disse tem a ver com Constantin Demiris. 0 senhor Demiris fez uma coisa terrível. Realmente terrível. Podia ir parar à prisão por causa disso. Mas se o senhor não está interessado...
Spyros Lambrou viu-se repentinamente muito interessado. - Senta-te... Como é que te chamas?
- Lato, senhor. Georgios Lato.
-Muito bem, Lato. E se começasses pelo princípio...?
0 casamento de Constantin Demiris e Melina andava em fase de desagregação havia anos, mas nunca houvera qualquer violência física até recentemente. Começara amgo de uma discussão acalorada por causa de umaligação que Constantin Demiris mantinha com a amiga mais chegada de Melina.
-Tufazes detodas as mulheres umas putas-gritouela.-Tudo aquilo em que tu tocas se transforma em porcaria.
-Skaseh! Cala-me essa boca horrorosa.
-Tu não me podes obrigar-disse Melina desafiadoramente. - Vou dizer a toda a gente o pousti que tu és.
- 0 meu irmão é que estava certo. Tu és um monstro.
Demiris levantou o braço e esbofeteou o rosto de Melina com força. Ela fugiu do quarto.
Na semana seguinte voltaram a discutir, e Constantin bateu-lhe de novo. Melina fez as malas e apanhou um avião para Atticos, a ilha particular que era propriedade do irmão. Ficou por lá uma semana, infeliz e sozinha. Sentiu saudades do marido e começou a arranjar desculpas para o que ele fizera. «A culpa foi minha», pensou Melina. «Eu não devia ter contrariado o Costa.» E: «Ele não me queria bater. Só que perdeu a cabeça e não sabia o que estava a fazer.» E: «Se o Costa não se preocupasse tanto comigo, não me teria batido, pois não?» Mas no fundo Melina sabia que eram apenas desculpas, porque ela não conseguia suportar a ideia de acabar com o casamento. No domingo seguinte estava de volta a casa. Demiris estava na biblioteca. Ergueu o olhar quando Melina entrou. -Então decidiste voltar.
-Esta é a minha casa, Costa. Tu és o meu marido, e eu amo-te.
Mas quero dizer-te uma coisa. Se voltas a tocar-me, eu mato-te. E ele olhou-a nos olhos e viu que ela estava a falar a sério.
De umaforma estranha o casamento deles pareceumelhorar após este episódio. Durante muito tempo depois, Constantin tomou o cuidado de nunca perder a cabeça com Melina. Continuava a ter as suas ligações, e Melina estava orgulhosa de mais para lhe pedir que parasse. «Um dia ele vai fartar-se dessas cabras todas», pensou Melina, «e compreender que só precisa de mim,»
Num sábado à noite, Constantin Demiris vestia um «smoking>, preparando-se para sair. Melina entrou no quarto.
-Aonde é que vais? -Tenho um compromisso. -Já te esqueceste? Hoje vamos jantar à casa do Spyros. - Não me esqueci. Surgiu uma coisa mais importante. Melina ficou a olhar para ele, furiosa.
-E eu sei o que é ... a tua poulaki! E tu vais ter com uma das tuas putas para te satisfazeres.
-Devias ter cuidado com a língua. Estás a ficar uma mulher desbocada, Melina, -Demiris examinou-se ao espelho.
-Não consentirei que faças isto! -0 que ele lhe fazia a ela era bastante mau, mas insultar deliberadamente o irmão dela depois de tudo o que se passara era de mais. Ela tinha de achar uma forma de ofendê-lo, e só conhecia uma maneira.
-Devíamos ficar os dois em casa esta noite -disse Melina. -Não me digas. -perguntou ele indiferentemente.-E porquê? -Não sabes que dia é hoje? - ela escarneceu dele.
-Não.
- Faz hoje anos que matei o teu filho, Costa. Eu fiz um aborto. Ele ficou imóvel como um cepo, e ela viu as pupilas dos seus olhos escurecerem.
-Eu disse aos médicos que fizessem que eu nunca mais pudesse ter um filho teu - mentiu ela.
Ele ficou completamente descontrolado:
-Skaseh! -E deu-lhe um soco no rosto, continuando a bater-lhe.
Melina gritou e virou-se e correu pelo corredor, Constantin correu atrás dela. Agarrou-a no cimo das escadas.
-Vou matar-te pelo que fizeste-rugiu ele. Quando ele lhe batia de novo, Melina perdeu o equilíbrio e caiu, espalhando-se pela longa escadaria.
Ela jazia em baixo, choramingando de dor. -Oh, Deus. Ajuda-me. Parti qualquer coisa.
Demiris deixou-se ficar, olhando-a fixamente, com um olhar frio. -Vou mandar uma das criadas chamar um médico. Não quero chegar tarde ao meu compromisso. A chamada telefónica surgiu pouco antes da hora do jantar. -Senhor Lambrou? Fala o doutor Metaxis. A sua irmã pediu-me que lhe telefonasse. Ela encontra-se aqui nomeuhospital particular. Lamento muito, mas ela sofreu um acidente... Quando Spyros Lambrou entrou no quarto de Melina, foi até à cama dela e olhou fixamente para ela, estarrecido. Melina tinha um braço partido, uma comoçâo e o rosto estava bastante inchado. Spyros Lambrou disse uma palavra. -Constantin. -A sua voz tremia de raiva. Os olhos de Melina encheram-se de lágrimas. -Ele não fez por mal - sussurrou ela.
- Eu vou destruí-lo. Juro. - Spyros Lambrou nunca tinha sentido tanta raiva.
Ele não conseguia suportar aquilo que Constantin Demiris andava a fazer a Melina. Tinha de haver uma maneira de detê-lo, mas como? Tinha de haver uma maneira. Estava desesperado. Precisava de conselhos. Como acontecera muitas vezes no passado, Spyros LambroudecidiuconsultarMadamePiris. Talvez ela pudesse ajudá-lo de algum modo. Quando ia a caminho, Lambrou pensou de modo estranho: «Os meus amigos fariam pouco de mim se soubessem que eu ia consultar uma medium,u Mas a verdade era que no passado Madame Piris lhe dissera coisas extraordinárias que vieram a acontecer. «Tem de me ajudar agora. Estavam sentados a uma mesa num canto escuro do café vai gamente iluminado. Ela parecia mais velha desde a última vez que a vira. Ali estava ela sentada, os olhos presos nele.
-Preciso de ajuda, Madame Piris-disse Lambrou. Ela abanou a cabeça com um sinal afirmativo.
-Por onde começar?-Houve um julgamento por assassínio aqui há coisa de ano e meio. Uma mulher de nome Catherine Douglas foi... A expressão no rosto de Madame Piris alterou-se.
- Não, gemeu ela.
Spyros Lambrou olhou para ela, intrigado. - Ela foi assassinada por ... Madame Piris pôs-se de pé.
-Não! Os espíritos disseram-me que ela iria morrer! Spyros Lambrou estava confuso.
- Ela morreu - disse ele. -Ela foi morta por..: -Ela está viva!
Ele ficou completamente espantado.
-Não pode ser. Ela esteve aqui. Veio ver-me há três meses. Estava num convento.
Ele olhava para ela, totalmente imóvel. E repentinamente todas as peças se encaixaram. Eles mantinham-na num convento. Um dos actos caridosos de Demiris era dar dinheiro ao convento de Janina, a cidade onde se pensava que Catherine Douglas tivesse sido assassinada. A informação que Spyros recebera de Georgios Lato encaixava perfeitamente. Demiris mandara matar duas pessoas inocentes pelo assassínio de Catherine, embora ela estivesse bem viva, escondida pelas freiras. E Lambrou sabia como iria destruir Constantin Demiris. Tony Rizzoli. Os problemas de Tony Rizzoli multiplicavam-se. Tudo o que podia correr mal estava a correr mal. 0 que acontecera não fora certamente culpa sua, mas ele sabia que a Família o responsabilizaria a ele. Eles não toleravam desculpas. 0 que tornava o caso particularmente frustrante foi que a primeira parte da operação da droga decorrera perfeitamente. Ele tinhafeitopassar clandestinamente o envio em Atenas sem nenhuns problemas e arrecadou-a num armazém temporariamente. Subornara um comissário de bordo para que a fizesse seguir num voo de Atenas para Nova Iorque. E depois, exactamente vinte e quatro horas antes do voo, o idiota fora preso por conduzir bêbado e a companhia aérea tinham despedido. Tony Rizzoli virara-se para um plano alternativo, Arranjara um otário-neste caso, uma turista de setenta anos chamada Sara Murchison que viera visitar a filha em Atenas-para lhe levar a mala de volta para Nova Iorque. Ela não tinha ideia do que iria transportar. São algumas lembranças que prometi enviar à minha mãe explicou Tony Rizzoli-, e, como a senhora está a ser muito simpática ao fazer-me este favor, quero pagar a sua passagem.
-Oh, não é necessário-protestou Sara Murchison.-Sinto-me feliz por isso. Não moro longe do apartamento de sua mãe. Gostava muito de conhecêla.
-E estou certo de que elatambém gostaria de conhecê-la-disse Tony Rizzoli com desembaraço. -0 problema é que ela se encontra bastante doente. Mas vai estar lá alguém para receber a mala. Ela eraperfeitapara o trabalho-uma doce avó tipicamente americana. A única coisa do seu contrabando com que a alfândega estaria preocupada seriam as agulhas de crochet. Sara Murchison ia partir para Nova Iorque na manhã seguinte. - Eu venho buscá-la para levá-la ao aeroporto.
-Ora, muito obrigada. Que jovem tão atencioso que você é. A sua mãe deve ter muito orgulho em si.
-Tem, sim. Nós somos muito chegados, -A sua mãe morrera havia dez anos.
Na manhã seguinte, quando Rizzoli se preparava para sair do hotel para o armazém a fim de apanhar a mala, o telefone tocou. -Senhor Rizzoli?
- Sim.
-Aqui fala o doutor Patsaka do banco de urgência do Hospital de Atenas. Temos aqui uma senhora de nome Sara Murchison. Ela ontem à noite tropeçou e caiu, e partiu uma anca. Estava muita ansiosa para que eu lhe dissesse a si o quanto ela lamentava...
Tony Rizzoli bateu o telefone com força. -Merda! Eram duas seguidas. Onde iria ele arranjar outro otário? Rizzoli sabia que tinha de ser cuidadoso. Corria um boato de que um importante agente de narcóticos americano estava em Atenas a trabalhar com as autoridades gregas. Estavam atentos a todas as saídas de Atenas, e aviões e navios eram rotineiramente revistados. Como se isso não bastasse, havia outro problema. Um dos seus informadores-um ladrão que era viciado-dissera-lhe que a polícia ia começar a revistar armazéns, à procura de drogas guardadas e outro contrabando. Eram horas de pôr a Família ao corrente da situação. Tony Rizzoli deixou o hotel e desceu a Rua Patission a caminho da j Central de Telefones. Não tinha a certeza se o telefone do quarto do hotel estava sob escuta, mas não quis correr o risco.
0 número 85 da Rua Patission era um enorme edifício de pedra castanha com uma fila de pilares à frente e uma placa que dizia: O.T.E. Rizzoli atravessou a porta de entrada e olhou em redor. Duas dúzias de cabinas telefónicas alinhavam-se nas paredes com listas telefónicas de todo o mundo. No centro da sala havia uma mesa com quatro empregadas que recebiam os pedidos das chamadas a efectuar. As pessoas aguardavam numa fila a sua ligação. Tony Rizzoli aproximou-se de uma das mulheres que estava atrás da mesa.
- Bom dia - disse ele. - Em que posso servi-lo? -Queria fazer uma chamada para o estrangeiro.
-Vai ter que aguardar meia hora. - Tudo bem.
-Diz-me o país e o número, por favor? Tony Rizzoli hesitou.
- Com certeza. - Entregou um pedaço de papel à mulher. - É a cobrar.
-0 seu nome? -Brown. Tom Brown.
-Muito bem, senhor Brown. Chamá-lo-ei assim que obtiver ligação,
- Obrigado.
Dirigiu-se para um dos bancos situado no outro lado da sala e sentou-se. <~Eu podia tentar esconder a encomenda num automóvel e pagar a alguém que a levasse para o outro lado da fronteira. Mas isso é arriscado; os carros são revistados. Pode ser que eu talvez conseguisse arranjar outro...u
-Senhor Brown,.. Senhor Tom Brown... -0 nome foi repetido duas vezes até que Rizzoli se deu conta de que era com ele. Levantou-se e precipitou-se para a mesa.
-A sua chamada está em linha. Cabina sete, por favor. -Obrigado. Já agora pode dar-me o bocado de papel que lhe dei? Vou precisar do número outra vez.
- Com certeza. - Ela devolveu-lhe o pedaço de papel. Tony Rizzoli entrou na cabina sete e fechou a porta. - Estou.
- Tony?És tu?
-Sim. Como estás, Pete?
Para dizer a verdade, estamos um pouco preocupados, Tony. Os rapazes esperavam que a encomenda já estivesse a caminho. -Tenho tido alguns problemas.
-A encomenda já foi enviada? - Não. Ainda cá está.
Houve um silêncio.
-Nós queríamos que nada lhe acontecesse, Tony.
-Não lhe vai acontecer nada, Só preciso é de arranjar outra maneira de despachá-la. Os gajos dos narcóticos estão em toda a parte. -Estamos a falar de dez milhões de dólares, Tony.
-Eu sei. Não te preocupes, vou arranjar uma solução. -Faz isso, Tony. Arranja uma solução.
A linha morreu.
A conversa ao telefone deixara Tony Riizzoli nervoso. Teve de ir à casa de banho. «0 Pete Lucca que se lixe!p Em frente, na esquina da Praça de Kolonaki, Rizzoli viu uma tabuleta:
APOHORITIRION, W.C. Tanto homens como mulheres atravessavam a porta para usar as mesmas instalações. «E os gregos denominavam-se civilizados>, pensou Rizzoli. «Que nojo!
-Vai ter que aguardar meia hora. -Tudo bem.
-Diz-me o país e o número, por favor? Tony Rizzoli hesitou.
- Com certeza, - Entregou um pedaço de papel à mulher. - É a cobrar.
-0 seu nome? -Brown. Tom Brown.
-Muito bem, senhor Brown. Chamá-lo-ei assim que obtiver ligação.
- Obrigado.
Dirigiu-se para um dos bancos situado no outro lado da sala e sentou-se. «Eu podia tentar esconder a encomenda num automóvel e pagar a alguém que a levasse para o outro lado da fronteira. Mas isso é arriscado; os carros são revistados. Pode ser que eu talvez conseguisse arranjar outro...»
- Senhor Brown... Senhor Tom Brown... - 0 nome foi repetido duas vezes até que Rizzoli se deu conta de que era com ele. Levantou-se e precipitou-se para a mesa.
- A sua chamada está em linha. Cabina sete, por favor. -Obrigado, Já agora pode dar-me o bocado de papel que lhe dei? Vou precisar do número outra vez,
- Com certeza. - Ela devolveu-lhe o pedaço de papel. Tony Rizzoli entrou na cabina sete e fechou a porta. - E stou.
-Tony? És tu?
- Sim. Como estás, Pete?
Para dizer a verdade, estamos um pouco preocupados, Tony. Os rapazes esperavam que a encomenda já estivesse a caminho. -Tenho tido alguns problemas.
-A encomenda já foi enviada? -Não. Ainda cá está.
Houve um silëncio.
-Nós queríamos que nada lhe acontecesse, Tony.
-Não lhe vai acontecer nada. Só preciso é de arranjar outra maneira de despachá-la. Os gajos dos narcóticos estão em toda a parte. -Estamos a falar de dez milhões de dólares, Tony.
- Eu sei. Não te preocupes, vou arranjar uma solução. - Faz isso, Tony. Arranja uma solução.
A linha morreu.
Um homem cinzento estava de olhar atento quando Tony Rizzoli se encaminhnou para a saída. Aproximou-se da mulher que estava atrás da casa.
-Sigm i. Está a ver aquele homem que vai a sair neste momento?
quero saber o número para que ele telefonou.
Lamento muito. Não estamos autorizados a dar essa infor,ção. 0 homem meteu a mão no bolso de trás e tirou uma carteira. Havia um distintivo dourado pregado.
- Polícia. Sou o tenente Tinou. A sua expressão alterou-se.
-Oh. Ele deu-me um número num bocado de papel e depois veio pedi-la.
-Mas a senhora fez o registo? - Oh, sim, fazemos sempre. -Importa-se de me dar o número? - Claro.
Ela escreveu o número num pedaço de papel e entregou-o ao tenente. Ele analisou-o por um momento. 0 indicativo do país era 39 e o prefixo era o 91.Itália. Palermo.
-Obrigado. Por acaso lembra-se do nome que o homem lhe deu? -Sim, lembro-me. Foi Brown. Tom Brown.
A conversa ao telefone deixara Tony Rizzoli nervoso. Teve de ir à casa de banho. «0 Pete Lucca que se lixe!» Em frente, na esquina da Praça de Kolonaki, Rizzoli viu uma tabuleta:
APOHORITIRION, W.C. Tanto homens como mulheres atravessavam a porta para usar as mesmas instalaçôes. «E os gregos denominavam-se civilizados», pensou Rizzoli. «Que nojo!» Havia quatro homens sent..~cíos em redor da mesa de conferência na uilla situada nas montanhas sobre Palermo.
-0 material já deviater sido enviado, Pete-queixou-se um dos homens. -Qual é o problema?
-Não tenho a certeza. 0 problema pode ser o Tony Rizzoli. -Nós nunca tivemos nenhum problema com o Tony.
- Eu sei... mas às vezes as pessoas ficam gananciosas. Acho melhor mandarmos alguém a Atenas para ver o que se passa. -É pena. Eu sempre gostei do Tony.
No número 10 da Rua Stadiou, o estado-maior da polícia situado na baixa de Atenas, realizava-se uma conferência. Na sala estavam o chefe da polícia Livreri Dmitri, o inspector Tinou, e um americano, o tenente Walt Kelly, um agente da Divisão de Costumes do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos. -Chegou às nossas mãos a informação-dizia Kelly-de que se prepara um grande negócio de droga. 0 embarque sairá de Atenas. 0 Tony Rizzoli está envolvido. 0 inspector Tinou permanecia em silêncio. 0 departamento da polícia grega não via com bons olhos a interferência de outros países nos seus assuntos. Particularmente de americanos. nEles são sempre too-sou, tão seguros de si próprios.»
0 chefe da polícia falou.
-Já estamos a trabalhar nisso, tenente. 0 Tony Rizzoli fez uma chamada telefónica para Palermo há pouco tempo. Estamos já a investigar o número. Quando conseguirmos, teremos a fonte dele.
0 telefone que estava sobre a secretária tocou. -Conseguiste?-Escutou por um momento, o rosto inexpressivo, depois voltou a colocar o auscultador.
- Então?
- Eles já deram com o número. -E então?
-A chamada foifeita por uma cabina pública da praça da cidade. -Garroto!
- 0 nosso senhor Rizzoli é muito inch eskipnos. Walt Kelly disse impacientemente:
-Eu não falo grego.
-Desculpe, tenente. Significa astuto.
Kelly disse:
- Gostava que aumentasse a vigilância sobre ele. «Aarrogância do homem.» 0 chefe Dmitrivoltou-se para o inspector Tinou.
- Nós de facto não temos provas suficientes para fazer mais, temos?
-Não, senhor. Apenas fortes suspeitas.
0 Chefe Dmitri voltou-se para Walt Kelly.
-Infelizmente não posso dispensar homens em número suficiente para seguir toda a gente que suspeitamos estar envolvida em narcóticos.
-Mas o Rizzoli,..
- Asseguro-lhe que temos as nossas próprias fontes, senhor Kelly. Se conseguirmos mais informações, sabemos onde contacté-lo. Walt Kelly olhou-o fixamente, frustrado.
-Não espere muito tempo - disse ele, - Ou então esse embarque ainda se vai embora.
A uilla em Rafina estava pronta. 0 corretor de imóveis dissera a Constantin Demiris:
-Sei que o senhor a comprou mobilada, mas se eu lhe puder sugerir algum mobiliário...
-Não. Quero que tudo fique exactamente como está. Exactamente como estava quando a sua infiel Noelle e o amante, Lorry, estiveram lá atraiçoando-o. Atravessou a sala de visitas. «Fizeram amor aqui no meio do chão? No gabinete privado? Na cozinha?» Demiris entrou no quarto, Havia uma cama grande no canto. A cama deles. Onde Douglas acariciara o corpo nu de Noelle, onde roubara o que pertencia a Demiris. Douglas pagara pela sua traição e agora ia pagar de novo. Demiris olhou para a cama. «Primeiro farei amor com a Catherine aqui», pensou Demiris. ~~Depois nos outros quartos. Em todos eles.» Telefonou da afina para Catherine.
- Estou?
-Tenho pensado em si.
Tony Rizzoli teve duas visitas inesperadas da Si cffia. Entraram no quarto sem ser anunciados, e Rizzoli sentiu logo que havia problema. Alfredo Mancuso era grande. Gino Laveri era maior. Mancuso foi logo directo ao assunto. -Viemos a mando do Pete Lucca. Rizzoli tentou parecer informal. -Isso é óptimo. Bem-vindos a Atenas. Em que posso ajudá-los? -Deixe-se dessas parvoíces, Rizzoli-disse Mancuso.
-0 Pete quer saber qual é o seu jogo.
-Jogo? De que é que vocês estão a falar? Eu já lhe expliquei que estou com um pequeno problema.
- É por isso que estamos aqui. Para o ajudar a resolvê-lo. -Esperem um pouco, companheiros-protestou Rizzoli.
- Tenho a mala em lugar seguro, e ela está em lugar seguro. Quando...
-0 Pete não a querguardada em lugar seguro. Ele investiumuito dinheiro nela. - Laveri encostou o punho ao peito de Rizzoli e atirou-o para uma cadeira.
-Deixe-me explicar-lhe como é que . Se o material estivesse nas ruas de Nova Iorque como devia estar, o Pete podia receber o dinheiro, lavá-lo e pô-lo a circular nas ruas. Percebe o que eu quero dizer?
«Eu podia atacar estes dois gorilas», pensou Rizzoli. Mas ele sabia que não estaria a lutar com eles; estaria a lutar com Pete Lucca. -Claro, percebo exactamente o que está a dizer-disse Rizzoli brandamente. -Mas já não é tão fácil como antigamente. A polícia grega está em todo o sítio, e agora têm lá um agente dos narcóticos de Washington. Eu tenho um plano...
- 0 Pete também - Laveri interrompeu. -Sabe qual é o plano dele? Ele quer que vocë saiba que se o material não seguir para a semana quem vai entrar com o dinheiro é você.
- Eh! - protestou Rizzoli. - Eu não tenho esse dinheiro todo. Eu...
-0 Pete pensou que talvez você não tivesse. Deforma que nos disse que achássemos outras maneiras de o fazer pagar.
Tony Rizzoli encheu o peito de ar.
-Tudo bem. Digam-lhe apenas que está tudo sob controlo. - Claro. Entretanto vamos ficar por aqui. Tem uma semana.
Tony Rizzoli fazia ponto de honra nunca beber antes do meio-dia, mas quando os dois homens saíram abriu uma garrafa de uísque e tomou dois gales. Sentiu o calor do uísque invadi-lo, mas não ajudou. «Nada vai ajuda», pensou. «Como é que o velho se pôde virar assim contra mim? Eu tenho sido como um filho para ele, e ele dá-me uma semana para eu achar uma saída. Preciso de um otário, urgente. 0 casino~>, concluiu ele. «Lá é que vou encontrar um. Às dez horas dessa noite, Rizzoli dirigiu-se para Loutraki, o popular casino situado a cinquenta milhas a oeste de Atenas. Vagueou pela enorme sala de joga, a observar o ambiente. Havia sempre muitos perdedores, dispostos a fazerem qualquer coisa para continuarem a jogar. Rizzolilocalizouo seu alvo quase de imediato numa mesa de roleta. Era um homenzinho irrequieto, de cabelo grisalho, na casa dos cinquenta, que passava o tempo a limpar a testa com um lenço. Quanto mais perdia, mais transpirava.
Rizzoli observava-o com interesse. Já conhecia os sintomas. Era um caso clássico de um jogador compulsivo que perdia mais do que permitiam os seus meios. Quando as fichas que tinha ã frente de si acabaram, disse ao banqueiro:
- Eu... eu queria requisitar mais uma série de fichas.
0 banqueiro voltou-se para olhar o lugar reservado ao patrão. -Dá-lha. Será a última.
Tony Rizzoli gostava de saber quanto é que o trouxa já devia. Sentou-se ao lado do homem e entrou no jogo. Aroleta era um jogo para simplórios, mas Rizzoli sabia como jogar, e o seu monte de fichas crescia enquanto o do homem do lado diminuía. 0 perdedor espalhavafichas portoda a mesa, jogando nos números, nas corese até fazendo apostas pares e ímpares. «Ele não faz ideia nenhuma do que está a fazer, pensou Rizzoli.
As últimas fichas desapareceram. 0 estranho deixou-se ficar, rígido.
Ergueu o olhar para o banqueiro esperançosamente. - Será que eu podia...?
0 banqueiro sacudiu a cabeça. -Lamento. 0 homem suspirou e pôs-de de pé. Rizzoli levantou-se ao mesmo tempo.
-Azar-disse ele solidariamente. -Eu tive um pouco de sorte. Deixe-me pagar-lhe uma bebida.
0 homem pestanejou. A sua voz vibrou. -É muito amável de sua parte.
«Encontrei o meu otário, pensou Rizzoli. Era óbvio que o homem precisava de dinheiro. Provavelmente não deixaria fugir a oportunidade de levarde avião uma encomenda para Nova Iorque por uns cem dólares e uma viagem grátis para os Estados Unidos.
- 0 meu nome é Tony Rizzoli. -Victor Korontzis.
Rizzoli levou Korontzis até ao bar. - 0 que é que vai tomar?
- Sinto muito, mas fiquei sem dinheiro. Tony Rizzoli acenou uma mão expansiva. -Não se preocupe com isso.
-Então tomo uma retsina, obrigado. Rizzoli virou-se para o empregado. -E um Chivas Regal com muito gelo.
- 0 senhor é turista?-perguntou Korontzis num tom educado. - Sou -replicou Rizzoli. - Estou de férias. É um belo país. Korontzis encolheu os ombros,
-Parece que sim. -Não gosta disto aqui?
-Oh, claro, que é bonito. Só que avida está muito cara. Estou-me referir aos preços elevados, A não ser que seja milionário, custa muito pôr comida na mesa, especialmente quando se tem mulher e quatro filhos. - 0 seu tom era amargo.
Cada vez melhor.
- 0 que é que você faz, Victor? - perguntou Rizzoli informalmente.
- Sou conservador do Museu Nacional de Atenas. -Ah ? 0 que é que faz um conservador?
Um tom de orgulho insinuou-se na voz de Korontzis.
-Eu sou responsável por todas as antiguidades que são encontradas nas escavações que se fazem na Grécia. -Sorveu a bebida. - Bem, nem de todas. Temos outros museus. A Acrópole e o Museu Nacional de Arqueologia, Mas o nosso museu tem os artefactos mais valiosos.
Tony Rizzoli começou a ficar interessado.
-Muito valiosos?
Victor Korontzis encolheu os ombros.
-A maior parte são de valor inestimável. Há uma lei que proíbe a saída de todas as antiguidades do país, naturalmente. Mas temos uma pequena loja no museu que vende cópias.
0 cérebro de Rizzoli começava a trabalhar furiosamente. - É verdade? E as cópias são boas?
-Oh, são excelentes. Só um perito consegue distinguir entre um fac-símile e o original.
-Deixe-me oferecer-lhe mais uma bebida -disse Rizzoli. -Obrigado. É muito amável. Infelizmente não estou em posição de retribuir.
Rizzoli sorriu.
-Não se preocupe com isso. De facto há uma coisa que você pode fazer por mim. Eu gostava de visitar o seu museu. Parece-me fascinante.
- E é. - Korontzis assegurou-lhe entusiasticamente. - É um dos museus mais interessantes do mundo. Teria muito prazer em mostrá-lo em qualquer altura. Quando é que pode aparecer?
- Que tal amanhã?
Tony Rizzoli teve a sensação de que ia conseguir algo mais do que um otário. 0 Museu Nacional deAtenasfica situado nasimediações da Praça Syntagma, no centro de Atenas. Em si, o museu é um belo edifício construído no estilo de um templo antigo, com quatro colunas jónicas frontais, uma bandeira grega esvoaçando no topo, e quatro figuras talhadas no telhado superior. No interior, os espaçosos halls de mármore contêm depositadas antiguidades de váriosperíodos dahistória da Grécia, e as salas estão cheias de vitrinas com relíquias e artefactos. Há taças de ouro e coroas de ouro, espadas incrustadas e recipientes de libação. Umavitrina pode conter quatro máscaras de inumação de ouro, e outra fragmentos de estátuas com séculos de existência. Victor Korontzis em pessoa oferecia uma visita guiada a Tony Rizzoli. Korontzis parou defronte de uma vitrina que continha a estatueta de uma deusa com uma coroa de papoilas de ópio.
- A deusa da papoila - explicou numa voz reprimida. -
A coroa é simbólica da sua função como a portadora do sono, dos sonhos, da revelação e da morte.
- Que valor teria isso? Korontzis riu-se.
- Se estivesse à venda? Muitos milhões. - É mesmo?
0 pequeno conservador estava cheio de orgulho patente durante a visita, chamando a atenção para os seus tesouros de valor inestimável.
- Isto é a cabeça de um kouros, 530 a.C....
-Esta é a cabeça de Atena com um capacete corintiano, cerca de 1450 a. C.... e eis aqui uma peça fabulosa. Uma máscara de ouro de um Achaean do túmulo real da Acrópole de îvtycenae, do século XVI a. C. Crê-se que seja o Agamémnon.
- Não me diga?
Levou Tony Rizzoli até outra vitrina. Era uma belíssima ânfora. -É um dos meus preferidos-confessou Korontzis, radiante. - Sei que um pai não deve ter um filho predilecto, mas não consigo evitar. Esta ânfora...
-A mim parece-me um vaso.
-Pois... sim. Este vaso foi descoberto na sala do trono durante a escavaçâo em Knossos. Podem ver-se os fragmentos que mostram a captura de um touro com uma rede. Nos tempos antigos, claro, captu ravam os touros com redes para evitarem o derramamento prematuro do seu sangue sagrado, de modo a...
- Quanto é que vale? - Rizzoli interrompeu. -Suponho que cerca de dez milhões de dólares. Tony Rizzoli franziu o sobrolho.
-Tanto?
-É verdade! Lembre-se: veio do Período Minóico Neopalacial, logo depois de 1500 a.C.
Tony Rizzoli passava os olhos pelas dezenas de vitrinas de vidro a abarrotar de artefactos.
-Todas estas coisas têm o mesmo valor?
-Oh, nem pensar. Somente as antiguidades genuínas. -Claro que elas são insubstituíveis, e dão-nos pistas sobre como viviam as civilizações antigas. Deixe-me mostrar-lhe uma coisa. Tony seguiu Korontzis até outra câmara. Pararam em frente de uma vitrina que estava no canto.
Victor Korontzis apontou para um vaso.
- Este é um dos nossos maiores tesouros. É um dos primeiros exemplos do simbolismo dos sinais fonéticos. 0 círculo que vê com a cruz é a figura de Ka. 0 círculo cruzado é uma das primeiras formas inscritas por seres humanos para exprimirem o cosmo. Há apenas... «Estou-me cagando!»
-Quanto vale?-perguntou Tony. Korontzis suspirou.
-0 resgate de um rei.
Quando Tony Rizzoli deixou o museu nessa manhã, fazia contas a um património com que nunca sonhara, nem mesmo nos sonhos mais loucos. Por um fantástico golpe de sorte tropeçara numa mina de ouro. Andara à procura de um otário, e em vez disso encontrara a chave para a casa do tesouro. O lucro da heroína teria de ser dividido por seis. Ninguém era suficientemente estúpido para enganar a Família: mas o corsário das velharias era de novo outra coisa bem diferente. Se contrabandeasse artefactos para o exterior da Grécia, seria um negócio à parte que seria só seu; o bando não esperaria nada disso. Rizzoli tinha todas as razões para se sentireufórico. «Agora tudo o que tenho a fazer», pensou Rizzoli, «é saber como lançar o anzol. Depois preocupo-me com o otário.» Nessa noite, Rizzoli levou o recém-achado amigo ao Mostrou Athena, um clube nocturno ónde o entretenimento era obsceno, e havia recepcionistas eróticas à disposição no fim do espectáculo.
-Vamos engatar duas gajas e gozarum pouco-sugeriu Rizzoli. -Tenho de ir para casa-protestou Korontzis.-Além disso, infelizmente, não posso ter esses luxos.
-Eh, você é o meu convidado. Isto vai para as contas da empresa onde trabalho. A mim não me custa nada.
Rizzoli arranjou as coisas para que umas das raparigas levasse Victor Korontzis ao hotel dela.
-Você não vem?-perguntou Korontzis.
- Tenho um pequeno assunto para resolver aqui - disse-lhe Tony. -Vá à frente. Está tudo tratado.
Na manhã seguinte, Tony Rizzoli passou de novo pelo museu. Havia uma multidão enorme de turistas que percorria as várias salas, maravilhada com os tesouros antigos.
Korontzis levou Rizzoli para o seu gabinete. Ele estava de facto a corar.
-Eu... não sei como agradecer-lhe a noite passada, Tony. Ela.,. foi tudo maravilhoso.
Rizzoli sorriu.
- Para que é que servem os amigos, Victor?
-Mas não há nada que eu possa fazer para retribuir.
-Não disse que estou à espera- disse Rizzoli com veemëncia. - Eu gosto de si. Gosto da sua companhia. A propósito, hoje à noite há uma partidazita de póquer num dos hotéis. Eu vou jogar. Está interessado?
-Obrigado, gostava muito, mas...-encolheu os ombros. -Acho melhor não.
-Venha. Se é por dinheiro, não se preocupe. Eu financio. Korontzis sacudiu a cabeça.
-Você tem sido muito agradável comigo. Se eu perdesse, não lhe podia pagar.
Tony Rizzoli deu um sorriso largo.
- Quem é que disse que você vai perder? Já está ganho. -Ganho? Não... não entendo.
Rizzoli disse calmamente.
-Um amigo meu chamado Otto Dalton é que vai dirigir o jogo. Estão cá uns turistas americanos cheios de massa que adoram jogar, e eu e o Otto vamos levá-los.
Korontzis estava a olhá-lo, com os olhos arregalados. -Levá-los? Está a querer dizer que vai enganá-los?-Korontzis lambeu os lábios. -Eu... nunca fiz uma coisa dessas.
Rizzoli abanou a cabeça num gesto de simpatia.
-Eu entendo. Se o incomoda, não venha. Apenas pensei que seria uma maneira fácil de ganhar dois ou três mil dólares. Korontzis arregalou os olhos.
- Dois ou três mil dólares? - Oh, sim. No mínimo. Korontzis lambeu os lábios de novo. -Eu.., eu... Não é perigoso? Tony Rizzoli riu-se.
- Se fosse perigoso, eu não iria jogar, pois não? É canja. 0 Otto sabe dar as cartas de uma forma mecanizada. Consegue dar um baralho de cima, do fundo ou do meio. Há anos que faz isso e nunca foi apanhado.
Korontzis deixou-se ficar ali, a olhar fixamente para Rizzoli. -De quanto... quanto é que eu precisava para entrar no jogo? -Cerca de quinhentos dólares. Mas até lhe digo isto. A coisa é tão fácil que lhe vou emprestar quinhentos dólares.
- Você está a ser muitíssimo generoso, Tony. Porque é que... porque é que está a fazer isso por mim?
-Eu digo-lhe porquê-A voz de Tony encheu-se de indignação. -Quandovejo um homem decente e trabalhadorcomouocê, com uma profissão responsável como a de conservador de um dos maiores museus do mundo, e o estado não lhe dá o valor suficiente para ter um ordenado que se veja, e você anda a lutar para conseguir alimentar a família, bem, para lhe dizer a verdade, Victor, isso dá cabo de mim. Há quanto tempo não é aumentado?
-Não... não há aumentos.
-Está a ver? Ouça. Você tem uma opção, Victor, Pode deixar-me fazer-lhe um pequenofavorhoje à noite, e assim ganharuns milhares de dólares e começar a viver como merece, ou então continua a viver com o que ganha sem pensar no futuro para o resto da vida.
-Não... não sei, Tony, Não devo... Tony Rizzoli levantou-se.
-Eu compreendo. Sou capaz de estar de volta a Atenas dentro de um ou dois anos, e talvez venhamos a encontrar-nos de novo. Foi um prazer conhecê-lo, Victor. - Rizzoli dirigiu-se para a porta. Korontzis tomou a decisão.
-Espere. Eu.., eu gostaria de ir consigo esta noite. Mordera a isca.
-Eh, óptimo - disse Tony Rizzoli. - Sinto-me bem por poder ajudá-lo. Korontzis hesitou.
- Peço desculpa, mas quero ter a certeza de que entendi bem. Você disse que se eu perder os quinhentos dólares não terei que lhos devolver?
-É isso mesmo -disse Rizzoli. -Porque você não pode perder. 0 jogo está viciado.
- Onde é que vai ser a partida?
-Quarto quatrocentos e vinte no Hotel Metrópole. Dez horas. Diga à sua mulher que vai trabalhar até tarde.
sentiu-se repentinamente preocupado. E se alguma coisa corresse mal e ele perdesse quinhentos dólares? Afastou a ideia. 0 seu amigo Tony trataria do caso. E se ele ganhasse. Korontzis sentiu-se repentinamente eufórico. 0 jogo começou. Havia quatro homens no quarto do hotel além de Tony Rizzoli e Victor Korontzis.
-Quero que conheça o meu amigo Otto Dalton-disse Rizzoli. - Victor Korontzis.
Os dois homens apertaram as mãos. Rizzoli olhou para os outros curiosamente.
-Parece-me que não conheço estes cavalheiros. Otto Dalton fez as apresentações.
-Perry Breslauer de Detroit... Marvin Seymour de Houston... Sal Prizzi de Nova Iorque.
Victor Korontzis abanava a cabeça, não confiando na voz.
Otto Dalton aparentava os seus sessenta anos, era magro, tinha cabelo grisalho e era um homem afável. Perry Breslauer era mais novo,mas tinha um rosto enrugada contraído. Marvin Seymour era um homem magro de aspecto brando. Sal Prizzi era um homem enorme, com a estrutura de um carvalho, de membros poderosos como braços. Tinha olhos pequenos e malvados, e uma faca deixara-lhe uma cicatriz profunda. Rizzoli reunira-se com Korontzis antes do jogo. ~Estes tipos têm muito dinheiro. Podem dar-se ao luxo de perder muita massa. 0 Seymour é dono de uma companhia de seguros, o Breslauer concessionário do ramo automóvel por todos os Estados Unidas, e o Sal Prizzi é o chefe de um grande sindicato em Nova Iorque.» Otto Dalton falava.
- Muito bem, cavalheiros. Vamos começar. As fichas brancas valem cinco dólares, as azuis valem dez, as vermelhas valem vinte e cinco e as pretas valem cinquenta. Vamos ver a cor do vosso dinheiro.
Korontzispuxou dos quinhentos dólares que TonyRizzoli lhe emprestara. «Não, pensou, «emprestara, não, dera.N Olhou para Rizzoli e sorriu. 0 Rizzoli é um excelente amigo. Os outros homens tiravam enormes maços de notas. Korontzis Quem escolheu foi Otto, que dava as cartas. As apostas foram pequenas no princípio, e houve vasas de cinco cartas, de sete cartas e outras modalidades. No início, os ganhos e perdas foram distribuídos por partes iguais, mas aos poucos a maré começou a virar. Parecia que Victor Korontzis e Tony Rizzoli não podiam fazer nada de errado. Se as cartas deles eram razoáveis, as dos outros eram piores. Se os outros tinham bom jogo, Korontzis e Rizzoli tinham melhor. Victor Korontzis não queria acreditar na sua sorte. No fim da noite, tinha ganho quase dois mil dólares. Parecia um milagre. -Vocês tiveram muita sorte -resmungou Marvin Seymour. -É verdade-concordou Breslauer. -Que tal darem-nos outra oportunidade amanhã?
-Eu depois digo-vos-disse Rizzoli.
Quando tinham saído, Korontzis exclamou: -Não posso acreditar. Dois mil dólares! Rizzoli riu-se.
-Sãofavas contadas. Eu disse-1he.0 Otto é um dos artíficesmais astutos na matéria. Os tipos estão mortos por levarem outro arrombo amanhã. Está interessado?
-Pode apostar. -Houve um sorriso largo no rosto de Korontzis. -Parece que disse uma piada.
Na noite seguinte, Victor Korontzis ganhou três mil dólares.
- É fantástico! - disse ele a Rizzoli, - Eles não suspeitam de nada?
- Claro que não. Aposto consigo que amanhã vão pedir para aumentar a parada. Julgam que vão recuperar o dinheiro. Quer alinhar?
-Claro, Tony. Alinho.
No momento em que se sentavam para jogar, Sal Prizzi disse: -Sabem uma coisa? Até agora não fizemos outra coisa senão perder. Que tal subirmos as apostas? Tony Rizzoli olhou por cima para Korontzis e piscou o olho. -Por mim tudo bem - disse Rizzoli. -E vocês? Todos abanaram a cabeça em sinal de concordância. Otto Dalton colocou pilhas de fichas.
-As brancas valem cinquenta dólares, as azuis cem, as vermelhas quinhentos, as pretas mil.
Victor Korontzis olhou para Rizzoli inquietantemente. Não pensara que as apostas fossem tão altas. Rizzoli abanou a cabeça de um modo tranquilizador. 0 jogo começou. Nada mudou. Os jogos de Victor Korontzis eram mágicos. Todas as cartas que tinha venciam os outros. Tony Rizzoli também estava a ganhar, mas não tanto.
-Que cartas de merda! -resmungou Prizzi. -Vamos trocar de baralho.
Otto Dalton amavelmente apresentou um baralho novo. Korontzis olhou por cima para Tony Rizzoli e sorriu. Ele sabia que nada ia fazer mudar a sorte deles. À meia-noite mandaram buscar sanduíches. Os jogadores fizeram um intervalo de quinze minutos. Tony Rizzoli levou Korontzis para um canto.
-Eu disse ao Otto que os deixasse partilhar um pouco-sussurrou ele.
-Não percebo.
- Vamos deixá-los vencer alguns jogos. Se estiverem sempre a perder, podem desanimar e desistir.
- Oh, compreendo. É bem pensado.
-Quando pensarem que estão muito hábeis, nós subimos a parada outra vez e damos cabo deles.
Victor Korontzis estava hesitante.
-Eu já ganhei tanto dinheiro, Tony. Não acha que seria melhor sairmos enquanto estamos...?
Tony Rizzoli olhou-o de frente e disse:
-Victor, você não gostaria de sair daqui esta noite com cinquenta mil dólares no bolso?
Quando o jogo recomeçou, Breslauer, Prizzi e Seymour começaram a ganhar. As cartas de Korontzis ainda eram boas, mas as dos outros eram melhores. «0 OttoDalton éum génio, pensou Korontzis. Esteve a observá-lo enquanto dava e não conseguira detectar um movimento falso. Amedida que o jogo prosseguia, VictorKorontzis iaperdendo. Não estavapreocupado. Em poucos minutos, quando tivessem-qual era a palavra?-partilhado com os outros, ele, Rizzoli e Dalton procederiam ao golpe final. Sal Prizzi regozijava-se com a desgraça alheia. -Bem - disse ele -, parece que vocês arrefeceram. Tony Rizzoli sacudiu a cabeça pesarosamente.
-Parece que sim, não ? - Deu a Korontzis um olhar entendido. -Avossa sorte não podia durar para sempre-disse Marvin Seymour.
Perry Breslauer interveio.
-Que tal subirmos a parada de novo para vocês levarem uma cabazada?
Tony Rizzoli fingiu considerar a questão.
-Não sei-disse ele pensativamente. Virou-se paraVictor Korontzis. - 0 que é que acha, Victor? Não gostava de sair daqui esta noite com cinquenta mil dólares no bolso?
«Poderei comprar uma casa e um carro novo. Posso levar a famffia de férias»...Korontzis quase tremia de excitação.
Sorriu.
- Porque não?
-Tudo bern -disse Sal Prizzi. -Vamos jogar. Não há limite. Iam jogar vasas de cinco cartas, As cartas estavam dadas. -Vamos abrir com cinco mil dólares.
Cada jogador recolheu a sua ante.
Victor Korontzis recebeu duas damas. Tiroutrês cartas, e uma delas era outra dama.
Rizzoli olhou para a sua mão e disse: -Subo mil.
Marvin Seymour analisou a sua mão. - Pago para ver e subo dois mil. Otto Dalton baixou as cartas,
- É de mais para mim. Sal Prizzi disse: -Jogo.
0 bolo foi todo para Marvin Seymour.
Namão seguinte, Victor Korontzis recebeuum oito, nove, dez e um valete de copas. Só faltava uma carta para um voo súbito!
-Jogo para mil dólares-disse Dalton. -Jogo e subo mais mil.
Sal Prizzi disse: -Vamos pôr mais mil.
Era a vez de Korontzis. Ele tinha a certeza de que um súbito voo bateria tudo o que os outros tivessem. Só lhe faltava uma carta. -Eu jogo. -Tirou uma carta e pô-la com o valor para baixo, não ousando olhar para ela.
Breslauer baixou o jogo.
- Duas quadras e dois dez. Prizzi baixou o seu jogo. -Três setes.
Voltaram-se paraVictor Korontzis. Ele respiroufundo e apanhou a carta que lhe faltava. Era preta.
-Rebentei-disse ele. Baixou o jogo.
Os bolos iam crescendo. Apilha de fichas de Victor Korontzisficou reduzida a quase nada. Olhou para Tony Rizzoli, preocupado. Rizzoli sorriu de um jeito tranquilizador, um sorriso que dizia: ~~Não há motivos para preocupaçõesp. Rizzoli deu início ao próximo bolo. As cartas foram dadas. -Aposto mil dólares no escuro. Perry Breslauer; -Eu ponho mais mil. Marvin Seymour: -E eu cubro. Sal Prizzi:
-Sabem uma coisa? Acho que vocês estão a fazerbluff. Vamos subir mais cinco mil.
Victor Korontzis ainda não olhara para o seu jogo. «Quando é que a porcaria da partilha vai acabar?»
-Victor?
Korontzis recolheu o jogo lentamente e abriu as cartas uma a uma.
Um ás, outro ás e um terceiro ás, mais um rei e um dez. 0 sangue dele começou a galopar.
-Joga?
Sorriu para si próprio. A partilha havia parado. Sabia que ia receber para ter um full. Desfez-se do dez e tentou manter uma voz normal.
-Jogo. Uma carta, por favor. Otto Dalton disse:
- Quero duas. - Olhou para as cartas. - Subo mil. Tony Rizzoli sacudiu a cabeça.
-Para mim é de mais. -Baixou o jogo.
- Eu jogo - disse Prizzi- e subo cinco mil. Marvin Seymour entregou o jogo.
- Saio.
Era entre Victor Korontzis e Sal Prizzi.
-Joga? -Prizzi perguntou. - Vai-lhe custar mais cinco mil. Victor Korontzis olhou para o monte de fichas que possuía. Cinco mil era tudo o que tinha.
nMas quando euganhar este bolo..., pensou ele. Olhou de novo para as cartas que tinha na mão. Eram imbatíveis. Pôs o monte de fichas no centro da mesa e puxou uma carta. Era um cinco. Mas ainda tinha três ases. Baixou o jogo. -Três ases. Prizzi espalhou o seu jogo. -Quatro duques. Korontzis deixou-se ficar ali, atordoado, vendo Prizzi recolher o bolo. Decerto modo sentiu-se como se tivesse decepcionado o seu amigo Tony. Se ao menos eu tivesse parado quando começámos a ganhar. Foi a vez de Prizzi dar.
-Vasa de sete cartas- anunciou ele. -Vamos pôr mil dólares no bolo.
Os outros jogadores recolheram a primeira carta. Victor Korontzis olhou para Tony Rizzoli com um ar de desespero.-Eunão tenho... -Está bem -Rizzoli disse. Virou-se para os outros.
Ouçam, o Victor não teve tempo de levantar muito dinheiro para trazerhoje, mas garanto-lhes que ele é de confiança. Vamos dar-lhe crédito, e ajustamos contas no fim da noite.
Prizzi disse:
- Calma aí. 0 que é isto, alguma agência bancária? Nós nunca vimos o Victor Korontzis mais magro. Como é que sabemos que ele vai pagar?
-Têm a minha palavra-Tony Rizzoli assegurou-lhes.-0 Otto passa-me um vale.
Otto Dalton falou.
-Se o Tony diz que o senhor Korontzis é de confiança, então não há problema.
Sal Prizzi encolheu os ombros. - Pronto, então está tudo bem. -Por mim tudo bem - disse Perry Breslauer. Otto Dalton virou-se para Victor Korontzis. -Quanto é que quer?
-Dê-lhe dez mil - disse Tony Rizzoli.
Korontzis olhou para ele surpreendido. Dez mil dólares eram mais do que ele ganhara em dois anos. Mas Rizzoli devia saber o que estava a fazer. Victor Korontzis engoliu. -Isso.., isso está óptimo. Um monte de fichas foi colocado diante de Korontzis. As cartas nessa noite foram o inimigo deVictor Korontzis. Àmedida que as apostas subiam, o seu novo monte de fichas ia diminuindo. Tony Rizzoli também estava a perder. As duas da madrugada, fizeram um intervalo. Korontzis levou Tony Rizzoli para um canto.
-0 que é que está a acontecer?-Korontzis sussurrou em pânico. -Meu Deus, sabe quanto dinheiro já estou a dever?
-Não se preocupe, Victor. Eu também estou a dever. Já fiz o sinal ao Otto. Quando for ele a dar o jogo vai mudar. Vamos dar-lhes uma boa coça.
Voltaram a sentar-se.
-Dá mais vinte e cinco mil dólares ao meu amigo-disse Rizzoli. Marvin Seymour franziu o sobrolho.
-Tem a certeza de que ele quer continuar a jogar? Rizzoli voltou-se para Victor Korontzis.
-É consigo. -Korontzis hesitou. «Já fiz sinal ao Otto. 0 jogo vai mudar.» -Jogo.
-Está bem.
Fichas no valor de vinte e cinco mil dólares foram colocadas diante de Korontzis. Olhou para as fichas e de repente sentiu-se cheio de sorte, Otto Dalton estava a dar.
-Muito bem, cavalheiros. 0 jogo é vasa de cinco cartas. A aposta inicial é de mil dólares.
Os jogadores colocaram as fichas no centro da mesa.
Dalton distribuiu cinco cartas a cada jogador. Korontzis não olhou para a mão que recebeu. NVou esperarN, pensou ele, «Vai dar sorte. - Façam as vossas apostas. Marvin Seymour, sentado à direita de Dalton, estudou a sua mão por um momento.
- Desisto. - Baixou as cartas. Sal Prizzi era a seguir.
- Eu jogo e subo mil. - Pôs as fichas no centro da mesa. Tony Rizzoli olhou para a sua mão e encolheu os ombros. -Desisto.-Baixou as cartas.
Perry Breslauer estava a olhar para a sua mão e a rir-se. - Cubro o aumento, e subo mais cinco mil. Custaria a Victor Korontzis seis mil dólares continuar no jogo. Lentamente, apanhou a sua mão e abriu as cartas em leque. Não pôde acreditar no que viu. Seguravaum straight f lush conveniente-uma quina, uma sena, um sete, um oito e um nove de copas. «Uma mão perfeita! Afinal Tony Rizzoli tivera razão. Graças a Deus! Korontzis tentou esconder a sua excitação.
- Cubro, e subo cinco mil. - Era esta mão que ia enriquecê-lo. Dalton entregou o jogo.
-Eu não. Passo.
-Agora é comigo-disse Sal Prizzi.-Acho que você está a fazer bluff, amigo. Jogo e subo mais cinco mil.
Victor Korontzis sentiuum ligeirofrémito de excitação atravessá-lo. Tinham-lhe dado uma mão que s6 se dá uma vez na vida. Ia ser o maior prémio acumulado do jogo.
Perry Breslauer estudava a sua mão.
- Bem, acho que vou jogar e subir mais cinco, companheiros. Era de novo a vez de Victor Korontzis. Respirou fundo. -Cubro e subo mais cinco mil. -Quase tremia de excitação. Era tudo o que podia fazer para evitar estender as mãos e recolher o bolo.
Perry Breslauer abriu as cartas, um olhar de triunfo no rosto. -Três reis. Ganhei!» pensou Victor Korontzis. - Não chega - sorriu.
-Um straight f lush. -Mostrou o jogo e estendeu a mão para arrecadar o bolo.
-Calma aí!-Sal Prizzi lentamente baixou a sua mão.-Ganho eu com um royal flush. Do dez ao ás de espadas.
Victor Korontzis empalideceu. Sentiu-se repentinamente a desfalecer, e o coração começou a palpitar.
-Caramba-disse Tony Rizzoli. -Dois straight flushes?-Virou-se para Korontzis. - Lamento, Victor. Eu.. não sei o que diga. Otto Dalton disse:
-Acho que por hoje chega, cavalheiros. -Consultou um pedaço de papel e virou-se para Victor Korontzis. -Deve-me sessenta e cinco mil dólares. Victor Korontzis olhou para Tony Rizzoli, espantado. Rizzoli encolheu os ombros, impotente. Korontzis tirou um lenço e começou a limpar a testa.
-Como é que quer pagar?-perguntou Dalton. -Em cheque ou em dinheiro?
-Não aceito cheques- disse Prizzi. Olhou para Victor Korontzis. - Só aceito dinheiro.
-Eu... eu... -As palavras não saíam. Viu que estava a tremer. -Não... não tenho essa...
-0 rosto de Sal Prizzi escureceu. -Você o quê?-gritou ele. Tony Rizzoli disse rapidamente:
-Espere um pouco. 0 Victor não o tem com ele. Eu disse-lhes que ele era de confiança.
-Isso não dá camisa a ninguém, Rizzoli. Eu quero ver o dinheiro dele.
- E vai ver - disse Rizzoli tranquilizadoramente. - Tê-lo-á dentro de dias.
Sal Prizzi pôs-de de pé num salto. -Isso é uma porra.
- Nâo sou nenhuma instituição de caridade. Quero o dinheiro amanhã.
-Não se preocupe. Ele irá entregá-lo.
Victor Korontzis encontrava-se no meio de um pesadelo e não havia saída. Ficou ali sentado, incapaz de mexer-se, mal se apercebendo da saída dos outros. Tony e Korontzis ficaram sozinhos. Korontzis estava aturdido.
-Eu... nunca sereicapaz de arranjartodo esse dinheiro-ele chorava. - Nunca!
Rizzoli pôs uma mão sobre o ombro de Korontzis.
-Não sei o que dizer-lhe, Victor. Não sei o que é que correu mal. Acho que perdi quase tanto dinheiro quanto você esta noite. Victor Korontzis enxugou os olhos.
-Mas... mas você pode dar-se a esse luxo, Tony. Eu... não posso. Vou ter que lhes dizer que não Lhes posso pagar.
Tony Rizzoli disse:
-Eu se fosse você pensaria melhor, Victor. 0 Sal Prizzi é o chefe do Sindicato dos Marinheiros da Costa Leste. Parece que os tipos reagem muito mal.
-Tem de ser. Se não tenho o dinheiro, essa é a verdade. Que poderá ele fazer-me?
-Deixe-me dizer-lhe aquilo que ele é capaz de lhe fazer-disse Rizzoli com veemência. -Ele pode mandar os homens dele darem-lhe um tiro nos joelhos. Você nunca mais dá um passo. Pode mandá-los atirarem-lhe ácido para os olhos. Você nunca mais vê. E depois, quando passar por todas as dores que pode suportar, ele decidirá se o deixará viver nesse estada, ou se manda mofa-lo. Victor Korontzis olhava fixamente para ele, a suaface cor de cinza. - Você... você está a brincar.
-Oxalá estivesse. A culpa é minha, Victor. Eu nunca deveria tê-lo deixado entrar num jogo com um homem como o Sal Prizzi. Ele é um assassino.
- Oh, meu Deus. 0 que é que eu vou fazer? -Tem algum modo de arranjar o dinheiro? Korontzis começou a rir-se histericamente.
- Tony... eu mal consigo sustentar a famíla com o que ganho. -Bem, então a única coisa que posso sugerir é que você deixe a cidade, Victor. Talvez sair do país. Vá para um sítio onde o Prizzi não o consiga encontrar.
-Não posso fazer isso-lastimou-se Victor Korontzis.-Tenho mulher e filhos. -Olhou para Tony Rizzoli com um ar acusador. - Você disse que a partida estava viciada, que nós não iríamos perder. Você disse-me...
- Eu sei. E lamento sinceramente. Funcionou sempre antes. A única coisa em que posso pensar é que o Prizzi fez batota.
0 rosto de Korontzis encheu-se de esperança.
- Bem, então, se ele fez batota não tenho de lhe pagar.
-Há aíum problema,Victor-disse Rizzoli pacientemente. -Se você o acusa de batoteiro, ele mata-o, e se você não lhe paga ele mata-o.
- Oh, meu Deus - Korontzis queixou-se. - Sou um homem morto.
-Sinto-me muito mal com tudo isto. Tem a certeza de que não há nenhuma maneira de conseguir arranjar...?
- Teria que viver cem vidas. Mil vidas. Tudo o que tenho está hipotecado. Aonde é que eu ia arranjar,.,?
E então Tony Rizzoli teve uma inspiração repentina.
-Espere um minuto, Victor! Você não disse que aqueles artefactos do museu valiam muito dinheiro?
- Sim, mas que tem isso a ver com„,?
-Deixe-me só terminar. Você disse que as cópias eram tão boas como os originais.
- Claro que não são. Qualquer perito saberia distinguir. -Mas é isso mesmo. E se um desses artefactos desaparecesse e no seu lugar se colocasse uma cópia? 0 que quero dizer é isto: quando estive no museu havia lá muitos turistas.
-Eles iriam notar alguma coisa?
-Não, mas... sim... estou a ver qual é a sua ideia. Não, eu nunca poderia fazer semelhante coisa,
Rizzoli disse brandamente:
-Entendo, Victor. Apenas pensei que talvez o museu pudesse dispensar um pequeno artefacto.
-Eles têm lá tantos.
Victor Korontzis sacudiu a cabeça.
-Sou conservador do museu há vinte anos. Nunca me passaria uma coisa dessas pela cabeça.
-Lamento imenso. Eu nem deveria ter falado nisso. A única coisa que me fez pensar no assunto foi porque isso poderia salvar-lhe a vida. -Rizzoli levantou-se e espreguiçou-se. - Bem, está a fazer -se tarde. A sua mulher deve querer saber por onde é que você anda. Victor Korontzis olhava fixamente para ele.
-Podia salvar-me a vida? Como?
-E simples. Se você tirasse uma dessas velharias... -Antiguidades.
- ... antiguidades... e dê-me-a, eu poderia levá-la para fora do país e vendê-la, e dava ao Prizzi o dinheiro que você lhe deve. Acho que consigo persuadi-lo a esperar esse tempo todo. E você ficava desenrascado. Claro que não preciso de lhe dizer a si o risco que me estaria a fazer correr, porque, se eu fosse apanhado, ficava em grandes sarilhos. Mas estou a oferecer-me, porque acho que lhe devo isso. Quem o meteu nesta alhada fui eu.
-Você é um grande amigo -disse Victor Korontzis. -Mas não posso deitar-lhe as culpas. Eu não tinha nada de me meter nesse jogo. Você estava a tentar ajudar-me.
-Eu sei. Só desejava que tudo tivesse acabado de uma forma diferente. Bem, vamos dormir um pouco. Amanhã falo consigo. Boa noite, Victor.
-Boa noite, Tony.
A chamada chegou ao museu logo na manhã seguinte. - Korontzis?
- Sim?
- Aqui fala Sal Prizzi. -Bom dia, senhor Prizzi.
-Estou a ligar por causa do assunto dos sessenta e cinco mil dólares. A que horas posso ir buscá-los?
Victor Korontzis começou a transpirar bastante.
-Eu... não possuo esse dinheiro neste preciso momento, senhor Prizzi.
Houve um silêncio ominoso no outro lado da linha. -Mas a que raìo de jogo anda você a brincar comigo? -Acredite, não estou a fazer jogo nenhum. Eu... -Então quero a merda do dinheiro. Está entendido? -Claro que sim.
-A que horas fecha o museu? - Seis... seis horas.
-Estarei aí. Esteja com o dinheiro, ou parto-lhe a cara. E depois disso é que vou mesmo fazer-lhe mal.
-Alinha desligou.
Victor Korontzis permaneceu sentado cheio de medo. Queria esconder-se. Mas onde? Foi engolido por uma sensação de desespero total, apanhado num vórtice de «ses~: «Se ao menos eu não tivesse ido ao casino nessa noite; se ao menos eu não tivesse conhecido 0 Tony Rizzoli; se ao menos eu tivesse mantido a promessa que fiz à minha mulher de nãovoltar afogar.» Sacudiua cabeçapara desanuviar. «Preciso de fazer alguma coisa-é já.~
E nesse momento, Tony Rizzoli entrou no gabinete dele. - Bom dia, Victor.
Eram seis e meia. 0 pessoal tinha ido para casa, e o museu fechara havia meia hora. Victor Korontzis e Tony Rizzoli estavam a olhar para a porta da rua.
Korontzis estava a ficar cada vez mais nervoso.
-E se ele disser não? E se ele quiser o dinheiro hoje à noite? - Eu encarrego-me dele - disse Tony Rizzoli. - Deixe que eu falo.
-E se ele não aparecer? E se ele... você sabe... mandar alguém matar-me? Acha que seria capaz de fazer uma coisa dessas?
-Não, enquanto tiverhipótese dever o dinheiro dele-disse Rizzoli confiantemente.
Às sete horas, Sal Prizzi finalmente apareceu. Korontzis correu para a porta e abriu-a.
-Boa noite-disse ele. Prizzi olhou para Rizzoli.
-Mas que raio está você a fazer aqui? -Voltou-se para Victor Korontzis. - Isto é só entre nós.
-Calma-disse Rizzoli. -Estou aqui para ajudar.
-Não preciso da sua ajuda. -Prizzi voltou-se para Korontzis. - Onde é que está o meu dinheiro?
-Eu... não o tenho. Mas...
Prizzi agarrou pelos colarinhos.
- Ouça, meu cabrão. Ou me dá o dinheiro esta noite, ou vai ser comida dos peixes. Percebe?
Tony Rizzoli disse:
-Eh, acalme-se. Vai receber o seu dinheiro. Prizzi voltou-se para ele.
-Eu disse-lhe para não se meter nisto. 0 assunto não lhe diz respeito.
-Vai ser assunto meu. Eu sou amigo do Victor. 0 Victor não tem o dinheiro neste preciso momento, mas descobriu maneira de lho arranjar.
-Ele tem o dinheiro ou não tem? -Tem e não tem -disse Rizzoli.
- Que raia de resposta essa?
0 braço de Tony Rizzoli correu a sala. - 0 dinheiro está aqui.
Sal Prizzi perscrutou a sala. - Onde?
-Naquelas vitrinas. Estão cheias de velharias... -Antiguidades-disse Korontzis automaticamente. -... que valem uma fortuna. Estou a falar de milhões.
-Ah sim? -Prizzi virou-se para olhar as vitrinas. -Para que é que me servem se estão trancadas num museu? Eu quero dinheiro. -Você vai ter dinheiro -disse Rizzoli brandamente. - 0 dobro daquilo que o meu amigo lhe deve. Só tem que ter um pouco de paciência, é tudo, 0 Victor não é um cambista. Ele apenas precisa de um pouco de tempo. Eu vou-lhé contar o plano dele. 0 Victor vai tirar uma destas velharias.., antiguidades... e vendê-la. Assim que ele arranjar o dinheiro, paga-lhe. Sal Prizzi sacudiu a cabeça.
- Isto não me cheira. Não sei nada desse negócio de velharias. -E não precisa. 0 Victor é um dos maiores peritos do mundo. - Tony Rizzoli foi até uma das vitrinas e apontou para uma cabeça de mármore. - Quanto é que isso vale, Victor ?
Victor Korontzis engoliu.
-Esta é a deusa Higia, século catorze antes de Cristo. Qualquer coleccionador pagaria com todo o prazer dois ou três milhões de dólares por isso.
Rizzoli voltou-se para Sal Prizzi. -Aí tem. Entende o que eu digo? Prizzi franziu o sobrolho.
-Não sei. Quanto tempo é que eu teria de esperar? -Ter o dobro do seu dinheiro dentro de um mês.
Prizzi pensou por um momento, depois fez um sinal afirmativo com a cabeça.
-Tudo bem, mas se eu tiver de esperar um mês quero mais... digamos, mais duzentos mil dólares.
Tony Rizzoli olhou para Victor Korontzis. Korontzis sacudia a cabeça ansiosamente. -Muito bem - disse Rizzoli. - Está combinado. Sal Prizzi dirigiu-se ao conservador de baixa estatura.
-Vou dar-lhe trinta dias. Se eu não tiver o dinheiro nessa altura, você será carne para cão. Está a perceber?
Korontzis engoliu. -Estou.
- Lembre-se... trinta dias.
Deu a Tony um longo e duro olhar. -Eu não gosto de si.
Ficaram a olhar enquanto Sal Prizzi se voltou e saiu da sala. Korontzis afundou-se numa cadeira, enxugando a testa.
-Oh, meu Deus-disse ele. -Pensei que ele meia matar. Acha que conseguimos arranjar-lhe o dinheiro dentro de trinta dias? - Claro - prometeu Tony Rizzoli. -Tudo o que tem a fazer é tirar uma dessas coisas da vitrina e pôr lá uma cópia.
- Como é que vai levá-la para fora do país? Você vai parar à prisão se for apanhado.
-Eu sei-disse Tony corajosamente. -Mas é um risco que vou ter de correr. Eu devo-lhe isso, Victor.
Uma hora depois, Tony Rizzoli, Sal Prizzi, Otto Dalton, Perry Breslauer e Marvin Seymour estavam a tomar umas bebidas na suite do hotel de Dalton.
- Correu às mil maravilhas - disse Rizzoli . - 0 gajo apanhou cá um cagaço.
Sal Prizzi deu um sorriso largo, mostrando os dentes. -Assustem, hem?
-Assustaste-me foi a mim-disse Rizzoli. -Davas um actor do caraças.
- Que é que ficou combinado agora? - perguntou Marvin Seymour.
Rizzoli replicou.
-Combinámos o seguinte: ele dá-me uma daquelas velharias. Eu arranjo maneira de fazê-la sair e vendê-la. Depois cada um de vocês receberá a sua parte.
- Lindo - disse Perry Breslauer. -Adoro.
«É como ter uma mina de ouro, pensou Rizzoli. «Assim que Korontzis começar com isto, está no papo. Não vai poder voltar atrás. Vou obrigá-lo a limpar todo aquele maldito museu.p
Marvin Seymour perguntou:
- Como é que vais levar a coisa para fora do país?
- Eu arranjo maneira - disse Tony Rizzoli. - Eu arranjo maneira.
Tinha de arranjar. E depressa. Alfredo Mancuso e Gino Laveri estavam à espera.
No quartel-general da polícia, situado na Rua Stadiou, fora convocadaumareunião de emergência. Nasala de conferências estavam o chefe da políciaDmitri, o inspectorTinou, o inspectorNicolino, Walt Kelly, o agente do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos da América e meia dúzia de detectives. 0 ambiente era muito diferente do da reunião anterior.
0 inspector Nicolino dizia:
-Temos agora razões para acreditar que a sua informação estava correcta, senhor Kelly. As nossas fontes dizem-nos que Tony Rizzoli está a tentar encontrar um meio para fazer sair um vultuoso embarque de heroína de Atenas. Já demos início a uma revista de possíveis armazéns onde ele a possa ter guardado.
- Pôs o Rizzoli sob vigilância?
-Aumentámos o número de homens esta manhã-disse o chefe Dmitri.
Walt Kelly suspirou.
-Só espero que não seja tarde de mais.
0 inspector Nicolino atribuiu a vigilância de Tony Rizzoli a duas equipas de detectives, mas ele subestimou o seu sujeito. À tarde Rizzoli apercebeu-se de que tinha companhia. Sempre que saía do pequeno hotel em que estava hospedado, era seguido, e quando regressava havia sempre alguém a matar casualmente o tempo nas traseiras. Eram profissionais a sério. Rizzoli gostava disso. Era um sinal de respeito por ele. Ele agora não só tinha de achar uma maneira de fazer sair a heroína de Atenas mas também ia ter uma antiguidade sem preço para negociar. 0 Alfredo Mancuso e o Gino Laveri não me largam, e a polícia caiu em cima de mim como um cobertor molhado. Tenho de fazer um contacto rapidamente». 0 único que lhe veio imediatamente à cabeça foi o de Ivo Bruggi, um pequeno armador de Roma. Rìzzoli fizera negócio com Bruggi no passado. Era urna tentativa com pouca possibilidade de sucesso, mas era melhor do que nada. Rìzzoli tinha a certeza de que o telefone do seu quarto de hotel estava sob escuta.Tenho de arranjar um estratagema para poder receber chamadas no hotel. Ficou sentado a pensar longamente. Por fim, levantou-se e foi até ao quarto em frente e bateu à porta. Foi um homem idoso de rosto irritado que a abriu.
-Sim?
Rìzzoli mostrou-se simpático.
- Desculpe-me - disse ele. - Lamento incomodá-lo. Vivo no quarto em frente. Será que eu poderia entrar e falar consigo por um minuto?
0 homem analisau-o desconfiadamente. - Quero vê-lo abrir a porta do seu quarto. Tony Rìzzoli sorriu.
-Certamente. -Atravessou o corredor, tirou a chave e abriu a porta.
0 homem fez um sinal afirmativo com a cabeça. -Está certo. Entre.
Tony Rìzzoli fechou a porta e entrou no quarto que ficava no lado oposta.
- Que é que quer?
-Bem, trata-se de um problema pessoal, e custa-me muito incomodá-lo, mas... Bem, a verdade é que estou quase a divorciar-me, e a minha mulher contratou alguém para me seguir.
Abanou a cabeça desgostoso.
- Ela até pôs o telefone do meu quarto sob escuta. -Mulheres! -resmungou o vizinho. -Malditas. Eu divorciei-me o ano passado. Uma coisa que já devia ter feito há dez anos. - Ah ? De qualquer forma, o que eu queria era saber se o senhor não se importava que eu desse o número do telefone do seu quarto a dois amigos para eles me telefonarem para aqui. Prometo que não haverão muitas chamadas.
0 homem começou a abanar a cabeça. -Eu não posso ser incomodado... Rìzzoli puxou de uma nota de cem dólares do bolso. -Isto é para pagar o seu incómodo.
0 homem lambeu os lábios.
- Oh. Bem, claro- disse ele. -Acho que não vai haver problemas. Tenho muito gosto em fazer um favor a um companheiro sofredor.
-É certamente muito amável da sua parte. Sempre que houver uma chamada para mim, basta bater à minha porta. Eu estarei por aqui a maior parte do tempo.
- Certo.
Logo pela manhã do dia seguinte, Rìzzoli foi a uma central de cabinas telefónicas ligar para Ivo Bruggi. Marcou o código 39 da Itália e o indicativo 6 de Roma.
-Signor Bruggi, per piacere. -Non cè in casa.
- Quando arriverà? -Non lo so.
- Ghi dica, per favore, di chiamare il signor Rìzzoli.
-Rìzzoli deu o número do telefone do PBX do hotel e o número do quarto do vizinho. Regressou ao quarto. Ele detestava o quarto. Alguém lhe dissera que a palavra grega parahotel eraxenodochion, que significava um recipiente para forasteiros.
«Mais parece a merda de uma prisão», pensou Rìzzoli. A mobília era feia: um sofá verde e velho, duas mesas de canto gastas com candeeiros,uma pequena escrivaninha com um candeeiro e uma cadeira de escrivaninha, e uma cama concebida por Torquemada. Nos dois dias que se seguiram Tony Rìzzoli ficou no quarto, à espera que batessem à porta, pedindo a um paquete que lhe trouxesse a comida. Ninguém telefonou. NOnde é que pára o Ivo Bruggi?» A equipa de vigilância informava o inspector Nicolino e Walt Kelly.
- 0 Rìzzoli está escondido no hotel. Não arreda pé há quarenta e oito horas.
-Tem a certeza de que ele está lá? -Tenho, sim. As criadas vêem-no de manhã e à noite quando vão arrumar o quarto.
- E quanto a chamadas telefónicas? -Nem uma. Que quer que a gente faça?
-Mantenham o controlo. Ele irá agir mais cedo ou mais tarde. E verifiquem se a escuta do telefone está a funcionar.
No dia seguinte, o telefone do quarto de Rizzoli tocou.
NPorra!» Bruggi não devia ligar para aqui, Deixara recado para o idiota ligar para o quarto do vizinho. Teria de ser cuidadoso. Rizzoli atendeu a telefone.
- Estou? Uma voz disse: - É o Tony Rizzoli?
- Não era a voz de Ivo Bruggi. - Quem fala?
- 0 senhor veio falar comigo ao meu escritório no outro dia com uma proposta de negócio, senhor Rizzoli. Eu recusei. Acho que devemos discuti-la de novo.
TonyRizzoli sentiu uma excitação repentina de exaltação. NSpyros Lambrou! Então o sacana mudou de ideia. Não conseguia acreditar na sorte que estava a ter. Todos os meus problemas estão resolvidos. Posso embarcar a heroína e a velharia ao mesmo tempo.u
- Mas é claro. Terei muito prazer em falar no assunto. - Quando é que poderia encontrar-se comigo?
- Pode ser hoje à tarde?
<~Então ele está morto porfazerum acordo. Os cabrões dosricos são todas a mesma coisa. Nunca estão satisfeitos com o que tëm.»
- Óptimo. Onde?
-Porque é que não vem até ao meu escritório?
-Aí estarei. -Tony Rizzoli voltou a colocar o auscultador, entusiasmado.
No salão do hotel, um detective frustrado informava o quartel-general. - 0 Rizzoli acabou de receber um telefonema. Vai-se encontrar com alguém no escritório dessa pessoa, mas o homem não disse o nome e não podemos localizar a chamada.
- Tudo bem. Sigam-no quando sair do hotel. Informem-me do destino dele.
-Perfeitamente.
Dez minutos depois, Tony Rizzoli saía de gatinhas por uma janela da cave que dava para um beco nas traseiras do hotel. -Mudou de táxi duas vezes para ter a certeza de que não estava a ser seguido e dirigiu-se para o escritório de Spyros Lambrou. Desde o dia em que Spyros Lambrou visitara Melina no hospital, jurara vingar a irmã. Mas fora incapaz de pensar numa punição assaz terrível para Constantin Demiris. Depois, com a visita de Gino Laveri e a notícia sensacional que Madame Piris lhe dera, teve acesso a uma arma que ia destruir o cunhado. A secretária anunciou;
-Está aqui um senhor de nome Anthony Rizzoli que deseja vê-lo. Não tem hora marcada e eu disse-lhe que o senhor não podia... -Mande-o entrar.
-Com certeza.
Spyros Lambrou observou a entrada de Rizzoli, sorridente e confiante.
- Obrigado por ter vindo, senhor Rizzoli.
Tony Rizzoli deu um sorriso largo que lhe mostrou os dentes.
- 0 prazer é meu. Então sempre decidiu fazer negócio comigo, hem?
-Não.
0 sorriso de Tony Rizzoli desvaneceu-se. - Como disse?
-Eu disse que não. Não tenho intenções de fazer negócio consigo. Tony Rizzoli fitou, confundido.
-Então por que diabo me chamou? 0 senhor disse que tinha uma proposta a fazer-me e...
-E tenho. Gostava de usar afrota de navios de ConstantinDemiris?
Tony Rizzoli afundou-se numa cadeira.
- Constantin Demiris? De que é que está a falar? Ele nunca... -Claro que sim. Posso prometer-Ihe que o senhorDemiris ficará muito feliz por lhe dar tudo o que você quiser.
-Porquê? Que ganha ele com isso? -Nada.
-Isso não faz sentido. -Lambrou carregou no botão do intercomunicador. - Traga café, por favor, - Olhou para Tony Rizzoli. - Como é que gosta do seu?
-... puro, sem açúcar.
-Puro, sem açúcar, para o senhor Rizzoli.
Quando o café foi servido e a secretária saiu da sala, Spyros Lambrou disse;
-Vou contar-lhe uma pequena história, senhor Rizzoli. Tony Rizzoli observava-o, desconfiado.
-Vamos a isso.
- Constantin Demiris é casado com a minha irmã. Aqui há uns anos ele arranjou uma amante. Chamava-se Noelle Page.
-A actriz ?
- Sim. Ela enganou com um homem de nome Larry Douglas. Noelle e Douglas foram a julgamento por homicídio da mulher de Douglas, porque ela não lhe quis dar o divórcio. Constantin Demiris contratou um advogado de nome Napoleon Chotas para defender Noelle.
- Lembro-me de ter lido algo sobre o julgamento. -Há algumas coisas que não apareceram nos jornais.
-Sabe, o meuprezado cunhado não tinha intenção de salvar a vida da amante infiel. Queria vingança. Contratou o Napoleon Chotas para garantir a condenação de Noelle. Perto do fim do julgamento, o Napoleon Chotas disse aos réus que tinha feito um acordo com os juízes se eles assumissem a culpa. Era mentira. Eles assumiram a culpa. E foram executados.
- Talvez esse tal Chotas realmente pensasse que... -Deixe-me terminar, por favor, 0 corpo de Catherine nunca foi encontrado. A razão por que nunca foi encontrado, senhor Rizzoli, é porque ela está viva. 0 Constantin Demiris manteve-a escondida. Tony Rizzoli olhava fixamente para ele.
-Espere um minuto. 0 Demiris sabia que ela estava viva e deixou que a amante e o namorado morressem porque a assassinaram? -Exactamente. Não sei ao certo como é a lei, mas estou certo de que, se osfactos fossem conhecidos, o meu cunhado passaria uns bons anos na prisão. No mínimo, ficaria certamente arruinado.
Tony Rizzoli deixou-se ficar ali sentado, pensando no que acabara de ouvir. Havia algo que o intrigava.
-Senhor Lambrou, por que me está a contar tudo isto?
Os lábios de Spyros Lambrou moveram-se num sorriso beatífico. -Porque devo um favor ao meu cunhado. Quero que vá falar com ele. Tenho um pressentimento de que ele com todo o prazer o deixará usar os navios dele. Havia tempestades assolando o seu interior que não conseguia controlar, um centro frio bem no seu fundo, sem memórias quentes para dissolvê-lo. Começaram há um ano com o seu acto de vingança contra Noelle. Ele pensara que isso tinha terminado, que o passado estava enterrado. Nunca lhe ocorrera que pudesse haver repercussões até que, inesperadamente, Catherine Alexander regressara à sua vida. Isso solicitara o afastamento de Frederick Stavros e Napoleon Chotas. Eles haviam encetado um jogo mortal contra ele, e ele vencera. Mas o que surpreendera Constantin Demiris foi o quanto ele gostara do risco, o fio cortante da excitação. Os negócios eram fascinantes, mas em nada se comparavam ao jogo da vida e da morte. <•Eu sou um assassino», pensouDemiris. «Não, não um assassino. Um carrasco.» E, em vez de ficar aterrado pelo facto, ele achavam divertido. Constantin Demiris recebia um relatório semanal das actividades de Catherine Alexander. Até agora, tudo corria perfeitamente. As suas actividades sociais limitavam-se às pessoas com quem ela trabalhava. De acordo com Evelyn, Catherine saía ocasionalmente com Kirk Reynolds. Mas, como Kirk trabalhava para Demiris, isso não apresentava problema. «A pobre rapariga deve estar desesperada», pensou Demiris. Reynolds era um chato. Só sabia falar de leis. Mas isso atévinha a calhar. Quanto mais desesperada Catherine estivesse por ter companhia, mais fácil seria para ele. ~~Devo ao Reynolds um voto de agradecimento.» Catherine encontrava-se com Kirk Reynolds regularmente, e sentia-se cada vez mais atraída por ele. Ele não era bonito, mas era certamente atraente. «Parabonitojá me chegou o Larry», pensou Ca therine com desagrado. «0 velho pravérbio é verdadeiro»: A nobreza de cada provém da sua virtude. Kirk Reynolds era atencioso e de confiança. «E alguém com quem posso contar», pensou Catherine. «Não sinto nenhuma centelha ard nte, mas é provável que nunca mais venha a senti-la. 0 Lorry encarregou-se disso. Tenho a experiência necessária para escolher um homem que eu respeite, que me respeite como companheira, alguém com quem eu possa partilhar uma vida sã e agradável sem estar com a preocupação de que me atirem do cimo duma montanha ou me queimem em grutas escuras.» Foram ao teatro verA Dama náo É para Queimar, de Christopher Fry, e, noutra noite, Mar de Setembro, com Gertrude Lawrence. Iam a clubes nocturnos. Parecia que todas as orquestras só tocavam oTema do Terceiro Homem e La Vie En Rose.
-Vou a St. Moritz para a semana-disse Kirk Reynolds a Catherine. -Já te decidiste?
Catherine pensara muito no assunto. Tinha a certeza de que Kirk Reynolds estava apaixonado por ela.
«E eu amo-o», pensou Catherine. «Mas amar e estar apaixonada são duas coisas bem diferentes, não são? Ou serei eu apenas uma romântica parva? De que ando eu à procura-de outro Lorry?-de alguém que me deixe empolgada, se apaixone por outra mulher e me tente matar? Kirk Reynolds poderia ser um marido maravilhoso. Porque é que eu hesito?»
Nessa noite Catherine e Kirk jantaram no Mirabelle's e, durante a sobremesa, Kirk disse:
-Catherine, caso não saibas, estou apaixonado por ti. Quero casar-me contigo.
Ela sentiu um pânico repentino.
- Kirk... - E não estava certa do que ia dizer. «As minhas próximaspalavras», pensou Catherine, «vão mudar a minhavida. Seria tão simples dizer que sim. 0 que é que me impede? É o medo do passado? Vou viver o resto da minha vida amedrontada? Não posso deixar que isso aconteça.» , -Cathy...
- Kirk.., por que não vamos os dois a St. Moritz? 0 rosto de Kirk iluminou-se.
-Isso quer dizer,..?
-Veremos. Quando me vires a esquiar, provavelmente não vais querer casar comigo.
-Kirk riu-se. -Nada no mundo me poderia impedir de querer casar contigo. Tu fizeste de mim uma pessoa muito feliz. -Vamos no dia cinco de Novembro-no Dia de Guy Fawkes. - 0 que é o Dia de Guy Fawkes?
- É uma história fascinante. 0 rei James impôs uma rigorosa política anticatólica, deforma que um grupo de proeminentes católicos romanos conspiraram o derrube do governo. Um soldado chamado Guy Fawkes foi trazido de Espanha para encabeçar a conspiração. Arranjou uma tonelada de pólvora, distribuída por sessenta e seis barris, que seria escondida na cave da Casa dos Lordes. Mas, na manhã em que iam explodir a Casa dos Lordes, um dos conspiradores denunciou-os e eles foram todos presos. Guy Fawkes foi torturado, mas não quis confessar. Os homens foram todos executados. Agora, todos os anos na Inglaterra, o dia da descoberta da conspiração é celebrado com fogueiras e fogo-de-artifício, e os miúdos fazem efígies do Guy. Catherine sacudiu a cabeça.
-É um feriado bastante desagradável. Ele sorriu e disse ternamente:
-Prometo que o nosso não vai ser desagradável.
Na noite da véspera da partida, Cather ne lavou a cabeça, fez e desfez a mala duas vezes e sentiu-se agitada pela excitação. Na vida apenas conhecera carnalmente dois homens: William Fraser e o marido. «Ainda se usam palavras como carnalmente?» Catherine interrogou-se. «Meu Deus, espero não me ter esquecido. Dizem que é como andar de bicicleta; assim que se experimente, nunca mais se esquece. Talvez vá ficar desapontado comigo na cama. Talvez eu deva deixar-me de preocupar com isso e dormir.»
- Senhor Demiris ? - Sim.
-A Catherine Alexander partiu esta manhã para St. Moritz. Houve um silêncio.
- St. Moritz ? -Sim, senhor. -Foi sozinha? -Não, senhor. Foi com o Kirk Reynolds.
Desta vez o silêncio foi mais longo. - Obrigado, Evelyn. Kirk Reynolds! Era impossível. Que poderia ela ver nele? «Esperei tempo de mais. Devia ter agido mais depressa. Terei de fazer qualquer coisa. Não posso permitir que ela...» A secretária tocou a campainha.
- Senhor Demiris, está aqui um senhor Tony Rizzoli que deseja vê-lo. Não tem hora marcada e...
- Então porque é que você me está a incomodar? - Demiris perguntou. Desligou o intercomunicador repentinamente,
Tornou a tocar.
-Peço desculpa por incomdaá-lo. 0 senhor Rizzoli diz que traz um recado para si do senhor Lambrou. Diz que é muito importante. «Um recado?» Estranho. Por que não vinha o próprio cunhado dar o recado?
-Ele que entre. - Sim, senhor.
Tony Rizzoli foi conduzido ao gabinete de Constantin Demiris. Percorreu os olhos pelo gabinete apreciativamente. Era ainda mais pródigo que os gabinetes de Spyros Lambrou,
-Foi simpático de sua parte receber-me, senhor Demiris. Tem dois minutos.
-Quem me mandou vir cá foi o Spyros. Ele é da opinião de que eu e o senhor temos de conversar.
- Não me diga? E vamos falar de quê? -Importa-se que eu me sente?
- Não acho que vá ficar aqui tempo suficiente para isso.
Tony Rizzoli instalou-se numa cadeira de frente para Demiris. -Eu tenho uma fábrica de manufactura, senhor Demiris. Envio coisas para várias partes do mundo.
-Estou a ver. E quer fretar um dos meus navios. -Exactamente.
-Porque é que o Spyros o mandou vir ter comigo? Porque é que não freta um dos navios dele? Ele por acaso até tem dois parados neste momento.
Tony Rizzoli encolheu os ombros.
-Parece-me que ele não gosta do que eu envio. -Não entendo. 0 que é que você envia?
- Drogas - disse Tony Rizzoli delicadamente. -Heroína. Constantin Demiris fitava-o sem acreditar.
-E você espera que eu...? Ponha-se daqui para fora antes que eu chame a polícia.
Rizzoli fez um movimento com a cabeça na direcção do telefone. -Não demore.
Observou Demiris a alcançar o telefone.
-Eu também gostava de falar com eles. Gostava de lhes contar sobre o julgamento de Noelle Page e Lorry Douglas.
Constantin Demiris ficou paralisado. - De que é que está a falar?
- Estou a falar de duas pessoas que foram executadas pelo homicídio de uma mulher que ainda está viva.
0 rosto de Constantin Demiris empalidecera.
- Acha que a polícia venha a mostrar-se interessada por essa história, senhor Demiris? Se não se mostrar, talvez a imprensa, não? Já estou a ver os títulos, e o senhor? Posso tratá-lo por Costa? 0 Spyros disse-me que todos os seus amigos o tratam por Costa, e eu acho que nós os dois vamos ser bons amigos. Sabe porquê? Porque os bons amigos não se traem uns aos outros. Vamos fazer dessa presazita de que o senhor foi autor o nosso segredo, está bem?
Constantin Demiris estava sentado rígido na cadeira. -Quando falou, foi com uma voz rouca. -0 que é que você quer? -Já lhe disse. Quero fretar um dos seus barcos... e, como somas bons amigos, acho que não me vai cobrar nada pelofrete, pois não?Digamos que se trata de um favor em troca de outro favor.
Demiris respirou fundo.
-No posso permitir que faça isso. Se um dia se viesse a descobrir que permiti o contrabando de drogas num dos meus barcos, poderia perder toda a minha frota,
-Mas não vai ser, pois não? No meu negócio não faço publicidade. Vamos fazê-lo sem nenhum alarido.
A expressão de Constantin Demiris endureceu.
-Você está a cometer um grande erro. Não pode fazer chantagem comigo. Sabe quem eu sou?
-Claro. Você é o meu novo sócio. Nós os doisvamosfazernegócios juntos pormuito tempo, Costa, porque, se você disser que não, vou daqui direitinho à polícia e aos jornais e digo tudo. E lá vão a sua reputação e a trampa do seu império para o fundo.
Seguiu-se um longo e doloroso silêncio.
- Como... como é que o meu cunhado descobriu? Rizzoli sorriu.
-Isso não importa. 0 que importa é que o trago preso pelos tomates. Se aperto, você vira um eunuco. Você vai ser um soprano profissional para o resto da vida e vai cantar numa cela prisional. -Tony Rizzoli olhou para o relógio. - Meu Deus, os meus dois minutos esgotaram-se. -Pôs-se de pé. -Vou dar-lhe sessenta segundos para decidir se saio daqui como seu sócio, ou se saio simplesmente.
Constantin Demiris de repente pareceu dez anos mais velho. 0 rosto estava lívido. Não tinha ilusões sobre o que aconteceria se a verdadeira história do julgamento viesse ao de cima. A imprensa ia comê-lo vivo. Seria retratado como um monstro, um assassino. Podiam até abrir inquéritos às mortes de Stavros e Chotas.
-Os seus sessenta segundos acabaram. Constantin Demiris sacudiu a cabeça lentamente. - Está bem - sussurrou ele -, está bem.
Tony Rizzoli sorriu triunfantemente para ele. -Você é esperto.
Constantin Demiris ergueu-se lentamente.
-Desta vez vou deixá-lo sair com o material -disse ele. -Não quero saber como ou quando iráfazê-lo. Vou pôr um dos seus homens a bordo de uns dos meus barcos. Não darei mais um passo.
-Combinado -disse Tony Rizzoli. Ele pensava: «Talvez não sejas tão esperto. Leva-me só um carregamento deheroína e estás apanhado, Costa. Nunca mais te vês livre de mim.» Em voz alta, repetiu. -Certo, está combinado.
Quando ia a caminho de regresso ao hotel, Tony Rizzoli estava exultante. «Bingo, Os agentes dos narcóticos nuncapensariam em tocar nafrota de Constantin Demiris. Meu Deus, de agora em diante po derei carregar todos os navios dele com destino para o estrangeiro. 0 dinheiro irá rolar. Heroína e velharias-desculpa, Victor, riu-se em voz alta-antiguidades.
Rizzoli entrou numa cabina telefónica da Avenida Stadiou e fez duas chamadas. A primeira foi para Pete Lucca em Palermo, -Podes tirar os teus dois gorilas daqui, Pete, e pô-los de volta no jardim zoológico, que é a casa deles. 0 material está pronto para seguir. Vai de barco.
-Tens a certeza de que a embalagem é segura? Rizzoli riu-se.
- É mais segura do que o Banco de Inglaterra. Conto-te tudo
quando estivermos juntos. E tenho outra boa notícia. De agora em diante vamos poder fazer um envio todas as semanas.
-Isso é maravilhoso, Tony. Eu sempre soube que podia contar contigo.
«Sabias o tanas, seu cabrão » A segunda chamada foi para Spyros Lambrou.
- Correu bem. Eu e o seu cunhado vamos fazer negócio juntos. - Parabéns. Estou encantado por saber disso, senhor Rizzoli. Quando Spyros Lambrou pousouo auscultador, sorriu. «Abrigada de narcóticos também.»
Constantin Demiris ficou no gabinete até depois da meia-noite, sentado à secretária, contemplando o seu novo problema. Tinha-se vingado de Noelle Page, e ela regressava agora do túmulo para persegui-lo. Meteu a mão numa gaveta e tirou um caixilho com o retrato de Noelle. «Oh, sua cabra. Deus, como era bela! Pensas então que me vais destruir. Bem, veremos. Veremos.» St. Moritz era um encantamento. Eram milhas de pistas de esqui colina abaixo, elevadores, passeios de trenó e tobog, torneios de pólo e uma dúzia de outras actividades. Enroscada em volta de um lago cintilante no vale de Engadine a mil e oitocentos metros de altitude na encosta dos Alpes, entre Celerina e Piz Nair, a pequena aldeia fez Catherine ofegar de deleite. Catherine e Kirk Reynolds registaram-se no fabuloso Hotel Palace. 0 salão estava cheio de turistas oriundos de uma dezena de países. Kirk Reynolds disse ao empregado da recepção:
-Uma reserva para senhor e senhora Reynolds.
Catherine desviou o olhar. «Eu devia ter posto uma aliança de casada.~Tinha a certeza de que todas as pessoas que estavam no salão olhavam fixamente para ela, sabendo o que ela estava a fazer.
-Sim, senhor Reynolds. Suite duzentos e quinze.-0 empregado entregou uma chave ao paquete, que lhes disse:
- Por aqui, por favor.
Foram levados para umasuite lindíssima, mobilada com simplicidade, com uma vïstaespectacular das montanhas de todas as janelas. Quando o paquete saiu, Kirk Reynolds tomou Catherine nos braços.
-Não tenho palavras para te dizer como me tornaste feliz, querida.
-Espero dar-te essafelicidade-respondeu Catherine.-Eu... já faz tanto tempo, Kirk.
-Não te preocupes. Não te vou apressar.
«Ele é tão querido, pensou Catherine, «mas que sentiria ele ameu respeito se eu lhe contasse o meu passado?» Ela nunca lhe falara de Larry, do julgamento por homicídio ou de nenhuma das coisas terríveis que lhe aconteceram. Queria sentir-se íntima dele, confiar nele, mas havia algo que a impedia.
- É melhor desfazer as malas - disse Catherine.
Desfez as malas lentamente-demasiado lentamente-e de repente apercebeu-se de que estava a empatar, com medo de acabar o que fazia porque receava o que ia acontecer a seguir. Do outro quarto ouviu Kirk chamar. - Catherine...
«Oh, meu Deus, ele vai dizer vamos despir-nos e vamos para a camaN. Catherine engoliu e disse em voz baixa: - Sim?
-Por que não vamos passear um pouco por aí~? Catherine enfraqueceu de alívio.
-É uma ideiamaravilhosa-disse ela entusiasticamente. «Que se passa comigo? Estou num dos lugares mais românticos do mundo, com um homem atraente que me ama, e estou em pânico?•>
Reynolds olhava-a de um modo estranho. - Estás bem?
- Óptima - disse Catherine alegremente. - Simplesmente óptima.
-Estás com um ar preocupado.
-Não. Eu... estava a pensar em.., em esquiar. Dizem que é perigoso.
Reynolds sorriu.
-Não te preocupes. Começamos com uma descida suave, amanhã, Vamos.
Vestiram camisolas e blusões forrados e saíram de encontro ao ar luminoso e revigoraste.
Catherine respirou fundo.
- Oh, é maravilhoso, Kirk. - Adoro isto aqui.
-E ainda não viste nada- deu um sorriso largo. -No Verão é duas vezes mais bonito.
«Será que ele no verão ainda me quer ver?N Catherine interrogava-se. «Ou será que eu vou ser um grande desapontamento para ele? Porque é que eu me preocupo tanto?~
Aaldeia de St. Moritz era encantadora, uma maravilha medieval, repleta de lojas, restaurantes e chalés exóticos, enquadrada no meio dos majestosos Alpes.
Deambularam pelas lojas, e Catherine comprou presentes para Evelyn e Wim. Pararam num pequeno café e mandaram vir um fondue.
À tarde, Kirk Reynolds alugou um trenó puxado por um cavalo baio, e percorreram os caminhos cobertos de neve até às colinas, a neve esmagando-se sob as sapatilhas de metal.
-Estás a gostar? -perguntou Reynolds.
-Oh, sim.-Catherine olhou para ele e pensou, «Voufazer-te tão feliz. Hoje à noite! Sim, hoje à noite. Vou fazer-te feliz hoje à noite.»
Nessa noite, jantaram no hotel em Stubli, um restaurante com a atmosfera de uma velha estalagem.
- Esta sala data de 1480 - disse Kirk. - Então é melhor não pedirmos o pão. - 0 quê?
-Uma pequena piada. Desculpa.
«0 Larry costumava perceber as minhas piadas; por que estou a pensar nele? Porque não quero pensar nesta noite. Pareço a Maria Antonieta a caminho da guilhotina. Não vou pedir bolo para sobremesa.»
A refeição foi soberba, mas Catherine estava nervosa de mais para apreciar. Quando acabaram, Reynolds disse:
- Vamos subir? Arranjei-te uma lição de esqui para logo de manhã.
-Certo. Óptimo. Certo.
Começaram a subir as escadas, e Catherine sentiu que o coração lhe batia depressa no peito. «Ele vai dizer, "Vamos já para a cama". E porque não? Foi para isso que eu vim aqui, não foi? Não posso fazer de conta que vim para aqui esquiar.»
Chegaram à suite, e Reynolds abriu a porta e acendeu as luzes. Foram para o quarto e Catherine fixou o olhar na cama enorme. Parecia ocupar o quarto todo.
Kirk observava-a.
- Catherine... estás preocupada com alguma coisa?
-0 quê?-Uma risadinha oca. -Claro que não. Eu... eu só... -Só o quê?
Ela deu-lhe um sorriso alegre. -Nada. Estou bem.
- Óptimo. Vamos despir-nos para nos deitarmos. HExactamente aquilo que eu sabia que ele ia dizer. Mas será que ele precisava de dizer? Bastava-nos ter seguido em frente e tê-lo feito. Falar disso é tão... tão.., grosseiro.»
- 0 que é que disseste?
Catherine não se apercebera de que falara em voz alta. -Nada.
Catherine chegara-se ao pé da cama. Era a maior que já vira. Era uma cama que tinha sido construída para amantes, só para amantes. Não era uma cama para dormir. Era uma cama para...
-Não te vais despir, querida?
«Vou? Há quanto tempo não durmo com um homem? Há mais de um ano. E ele era meu marido.»
- Cathy..,?
-Sim. Vou despir-me, e vou meter-me na cama, e vou desiludir-te. Não estou apaixonada por ti, Kirk. Não consigo dormir contigo. Kirk...
Ele voltou-se para ela, meio despido. -Sim?
-Kirk, eu... Perdoa-me. Tuvais ficar-me a odiar, mas não... não consigo, Peço imensa desculpa, Deves pensar que sou...
Ela viu o ar de desapontamento no rosto dele. Ele forçou um sorriso.
-Cathy, eu disse-te que teria paciência. Se ainda não estás disposta, eu... entendo. Mesmo assim podemos passar aqui um tempo maravilhoso.
Ela beijou-lhe a face agradecidamente.
- Oh, Kirk. Obrigada. Sinto-me tão ridícula. Não sei o que se passa comigo.
- Não se passa nada contigo - garantiu-lhe. -Eu entendo. Ela abraçou-ó.
-Obrigada. Es um anjo.
-Entretanto - ele suspirou -,fico a dormir no sofá da sala. - Não vais nada - declarou Catherine. - Como a responsável por este problema estúpido sou eu, o mínimo que posso fazer é garantir o teu conforto. Quem dorme no sofá sou eu. Tu ficas com a cama. -De maneira nenhuma. Catherine estava deitada na cama, bem desperta, pensando em Kirk Reynolds. «Serei capaz devoltarafazer amor com outro homem? Ou o Larry extingiu essa chama dentro de mim? Talvez, de certo modo, o Larry tenha mesmo conseguido matar-me» Catherine acabou por adormecer. Kirk Reynolds foi acordado a meio da noite pelos gritos. Sentou-se no sofá, e, como os gritos continuavam, foi a correr para o quarto. Catherine rebolava na cama, os olhos firmemente cerrados.
-Não -gritava ela. -Não! Não! Deixa-me em paz! Reynolds ajoelhou-se, pôs os braços à volta dela e abraçou-a. - Shhh - disse ele. -Pronto. Já passou.
0 corpo de Catherine estava destroçado com soluços, e ele ficou abraçado a ela até passarem.
-Eles... tentaram afogar-me.
-Foi apenas um sonho -disse ele brandamente. -Tiveste um sonho mau.
Catherine abriu os olhos e sentou-se. 0 seu corpo tremia.
- Não, não foi um sonho, Aconteceu. Eles tentaram matar-me. Kirk olhava para ela, intrigado.
- Quem é que te quis matar?
- O meu... o meu marido e a amante dele. Ele sacudiu a cabeça.
-Catherine, tu tiveste um pesadelo, e...
- Estou a dizer a verdade. Eles tentaram matar-me, e foram executados por causa disso.
0 rosto de Kirk estava cheio de incredulidade. -Catherine...
-Eu não te contei antes, porque custa-me muitofalar no assunto. De repente apercebeu-se de que ela falava a sério.
- Que é que aconteceu?
-Eu não quis dar o divórcio ao Lorry, e ele... estava apaixonado por outra mulher, e eles decidiram matar-me.
Kirk estava agora a escutar concentradamente. - Quando é que foi isso?
-Há um ano.
-0 que é que lhes aconteceu? -Foram... foram executados pelo estado. Ele ergueu uma mão.
-Espera um minuto. Eles foram executados por tentativa de homicídio?
- Foram. Reynolds disse:
- Eu não sou nenhum perito em direito grego, mas estou disposto a apostar que não há sentença de morte por tentativa de assassínio. Deve haver algum engano. Conheço um advogado em Atenas. Por acaso ele até trabalha no Ministério da Justiça. Vou telefonar-lhe amanhã de manhã e esclarecer isto. 0 nome dele é Peter Demonides.
Catherine estava ainda a dormir quando Kirk Reynolds acordou. Vestiu-se em silêncio e foi até ao quarto. Ficou lá um momento, a olhar para Catherine. «Amo-a tanto. Tenho de descobrir o que aconteceu e afastar as sombras que a perseguem.» Kirk Reynolds foi até ao salão do hotel e pediu uma chamada paraAtenas.-Gostaria que fosse pessoal, telefonista. Quero falar com Peter Demonides. A chamada chegou meia hora depois.
- Senhor Demonides? Aqui fala Kirk Reynolds. Não sei se está lembrado de mim, mas...
- Claro que sim. Você trabalha para o Constantin Demiris. - Exacto.
- Que posso fazer por sim. Senhor Reynolds?
- Perdoe-me estar a incomodá-lo, mas é que fiquei um tanto espantado com uma coisa que acabei de ouvir. Tem a ver com um ponto da lei grega.
- Sei um pouco de lei grega - disse Demonides jovialmente. - Terei prazer em ajudá-lo.
-Há alguma coisa na vossa lei que permita a execução de uma pessoa por tentativa de homicídio?
Houve um longo silêncio no outro lado da linha.
- Posso perguntar-lhe por que está a querer saber isso? -Estou com uma mulher de nome Catherine Alexander. Parece que ela pensa que o marido e a amante foram executados pelo estado por tentarem matá-la. Não parece lógico. Percebe o que eu quero dizer?
-Percebo.-Avoz de Demonides era atenciosa.-Entendo o que quer dizer. Onde é que se encontra, senhor Reynolds?
-Estou hospedado no Hotel Palace em St. Moritz. -Deixe-me só fazer uma consulta, e já lhe volto a ligar. - Ficaria muito agradecido. A verdade é que penso que a Catherine está a imaginar coisas, e eu gostava de esclarecer isto para tranquilizá-la.
-Entendo. Vai ter notícias minhas. Prometo-lhe.
0 ar estava brilhante e revigoraste, e a beleza dos arredores de Catherine disseminava os seus terrores da noite anterior. Os dois tomaram o pequeno-almoço na aldeia, e quando acabaram, Reynolds disse:
-Vamos até à descida da neve e fazer de ti uma coelhinha de neve.
Ele levou Catherine até à descida dos principiantes e contratou um instrutor para ela.
Catherine enfiou os esquis e levantou-se. Olhou para os pés.
- Isto é ridículo. Se Deus quisesse que tivéssemos este aspecto, os nossos pais teriam sido àrvores.
-0 quê? -Nada, Kirk. 0 instrutor sorriu.
-Não se preocupe. Daqui a nada, estará a esquiar como uma profissional. Vamos começar na Corviglia Sass Ronsol. É a descida dos principiantes.
- Vais ficar surpreendida pela rapidez com que vais adquirir o jeito -Reynolds garantiu a Catherine.
Ele olhou para a pista de esqui ao longe e virou-se para o instrutor.
-Acho que vou tentar a Fuorcla Grischa hoje.
-Parece delicioso. Vou pedir a minha grelhada-disse Catherine.
Nem um sorriso.
-É uma pista de esqui, querida.
-Oh. -Catherine sentiu-se embaraçada para lhe dizer que era uma piada. «Não devo fazer isso com ele, pensou Catherine.
0 instrutor disse:
-A Grischa é uma óptima pista íngreme. Pode começar na Corviglia Standard Marguns para aquecer, senhor Reynolds.
-Boa ideia. Vou fazer isso. Catherine, encontramo-nos no hotel à hora do almoço.
- Está bem.
Reynolds acenou e afastou-se.
-Diverte-te-Catherine gritoa -Não te esqueças de escrever. -Bem -disse o instrutor-, mãos à obra.
Para surpresa de Catherine, as lições foram divertidas. Estava nervosa no começo. Sentiu-se desastrosa e subiu a pequena inclinação desajeitadamente.
-Incline-se um pouco para afrente. Mantenha os esquis apontados para a frente.
-Diga-lhes a eles. É que eles têmvontade própria-declarou Catherine.
-Está a sair-se muito bem. Agora vamos descer. Dobre os joelhos. Equilibre-se. Arranque.
Ela caiu.
- Mais uma vez. Está a fazer muito bem,
Voltou a cair. E de novo. E de repente encontrou o equilíbrio. E era como se tivesse asas. Desceu a encosta, e foi divertido. Quase parecia voar. Adorava o esmagar da neve sob os esquis e a sensação do vento a bater-Ihe no rosto.
- Adoro isto - disse Catherine. - Não admira que as pessoas fiquem penduradas a isto. Vai levar muitotempo a irmosparaadescida grande?
0 instrutor riu-se.
-Hoje vamos ficar por aqui. -Amanhã, os olímpicos. Feitas bem as contas, foi uma manhã gloriosa.
Ela estava à espera de Kirk Reynolds na Sala do Grill quando ele regressou da prática de esqui. Assuas faces estavam rosadas e ele parecia animado. Foi até ã mesa de Catherine e sentou-se.
- Então - perguntou -,como é que correu? -Extraordinário. Não parti nada de importante. Apenas caí seis vezes. E sabes uma coisa? - disse orgulhosamente. - Mais para o fim já esquiava lindamente. Acho que ele me vai inscrever para osJogos Olímpicos.
Reynolds sorriu.
-Óptimo. -Ele ia referir-se ao telefonema que fez a Peter Demonides, e depois decidiu calar-se. Não queria perturbar Catherine de novo.
Depois do almoço, foram dar um longo passeio a pé na neve, entrando em algumas lojas só paraver. Catherine começava a sentir-se cansada.
-Acho que me apeteciavoltarpara o quarto-disse ela,-Talvez durma um pouco.
- Boa ideia. 0 ar é muito rarefeito aqui, e quando não se está acostumado fica-se cansado facilmente.
--0 que é que vais fazer, Kirk?
Ele olhou para um declive distante.
-Acho que vou descer o Grischa. Nunca o fiz. É um desafio. - Queres dizer «porque está lá».
- 0 quê?
Nada. Parece tão perigoso.
Reynolds fez um sinal afirmativo com a cabeça. - É por isso que é um desafio.
Catherine segurou a mão dele.
- Kirk, sobre ontem à noite. Desculpa. Vou... tentar fazer melhor.
- Não te preocupes. Vai para o hotel e dorme um pouco. -Vou mesmo,
Catherine viu-o afastar-se e pensou: «Ele é um homem maravilhoso. Que vê ele numa idiota como eu?»
Catherine dormiu durante a tarde, e desta vez não houve sonhos. Quando acordou, eram quase seis horas. Kirk estaria de volta em breve.
Catherine tomou banho e vestiu-se, pensando no fim de tarde que se aproximava dela. «Não, não à tardinha, admitiu ela para si própria, à noite. Vou compensá-lo.»
Foi até à janela e olhou para fora. Começava a escurecer. «0 Kirk deve estar mesmo a divertir-se», pensou Catherine. Olhou para o enorme declive à distância. «Aquilo é o Grischa? Será que alguma vez serei capaz de esquiar lá?» Às sete horas Kirk Reynolds ainda não havia voltado. 0 crepúsculo transformara-se numa escuridão profunda. Ele não pode estar a esquiar às escuras, pensou Catherine. Aposto que está lá em baixo no bar a tomar uma bebida. Dirigia-se para a porta quando o telefone tocou. Levantou o auscultador e disse alegremente:
- Então, cruzaste-te com algum Sherpa? Uma voz desconhecida disse:
- Senhora Reynolds?
Ela começou por dizer não, depois lembrou-se como Kirk os registara.
- Sim. Fala a senhora Reynolds.
-Infelizmente tenho más notícias para si. 0 seu marido teve um acidente de esquiação.
- Oh, não! ... muito grave? -Infelizmente .
-Vou já para aí. Onde..:?
-Lamento dizer-lhe que ele... ele morreu, senhora Reynolds. Estava a esquiar no Lagalp e partiu o pescoço.
Tony Rizzoli viu-a sair da casa de banho nua e pensou: «Porque é que as mulheres gregas têm um rabo tão grande? Ela enlïou-se na cama ao lado dele, abraçou e sussurrou: -Estou feliz por me teres escolhido a mim, poulaki. -Desejei-te desde o primeiro momento em que te vi. Era tudo o que Tony Rizzoli podia fazer para não rir em voz alta. A puta tinha visto muitos filmes da série B,
-Está bem -disse ele. -Também sinto o mesmo, filha.
Tinha-a engatado no New Yorker, um clube nocturno mal-afamado da Rua Kallari, onde ela trabalhava como cantora. Ela era aquilo a que os gregos desdenhosamente chamavam de gauyeezee ski lo, um cão que ladra. Nenhuma das raparigas que trabalhavam no clube tinha talento - não nas gargantas, pelo menos - mas por algum dinheiro não se importavam de ir a casa. Esta, Helena, era moderadamente atraente, com olhos escuros, um rosto sensual e um corpo cheio e maduro. Tinha vinte e quatro anos, um pouco velha para o gosto de Rizzoli, mas ele não conhecia nenhuma senhora em Atenas, e não podia dar-se ao luxo de ser esquisito,
- Gostas de mim? - perguntou Helena pudicamente. - Claro. Estou pazzo por ti.
- Começou a acariciar-lhe os peitos e jar, e apertou. sentiu os mamilos a enrijecerem
- Vai até lá abaixo, filha. Ela sacudiu a cabeça.
- Eu não faço isso. Rizzoli fitou-a. -Ai não?
No instante a seguir, agarrou-a pelos cabelos e puxou. Helena gritou. -Parakalo! Rizzoli deu-lhe uma bofetada violenta. -Refilas mais e eu parto-te a tromba. Rizzoli agarrou a cabeça dela e colocando-a entre as pernas. -Aí está ele, filha. Torna-o feliz.
- Larga-me -ela choramingou. -Estás-me a magoar. Rizzoli puxou-lhe o cabelo ainda mais.
-Eh... tu estás louca por mim, lembras-te?
Ele largou-lhe os cabelos, e ela olhou para ele, os olhos chamejantes.
- Podes ir...
A expressão do rosto dele deteve-a. Havia algo de terrivelmente errado com este homem. Porque não vira ela isso mais cedo? -Não há razão para brigarmos - disse ela num tom apaziguador. -Tu e eu...
Ele enterrou-lhe os dedos no pescoço.
-Não te pago para conversares comigo. -0 punho dele atingiu-lhe a face. - Cala-te e começa a trabalhar.
- Claro, querido - Helena choramingou. - Claro.
Rizzoli era insaciável, e quando se satisfez Helena estava exausta. Ficou deitada a seu lado até ter a certeza de que ele estava a dormir, e depois quietamente escapuliu da cama e vestiu-se. Estava com dores. Rizzoli ainda não lhe pagara, e por regra Helena teria tirado o dinheiro da carteira dele, bem como uma gorjeta generosa para ela. Mas um instinto levou-a a sair sem levar dinheiro algum. Uma hora depois, Tony Rizzoli foi acordado por uma pancada na porta. Sentou-se e espreitou para o relógio de pulso. Eram quatro horas da manhã. Olhou à volta. A rapariga não estava.
- (~uem é? - gritou ele.
-E o seu vizinho. -A voz estava zangada. -Telefone para si. Rizzoli esfregou uma mão na cara.
-Já vou.
Vestiu um roupão e atravessou o quarto até à cadeira onde as calças estavam penduradas. Verificou a carteira. 0 dinheiro estava todo lá. Então a puta não foi estúpida. Tirou uma nota de cem dólares, dirigiu-se para a porta e abriu-a.
0 vizinho estava no corredor de roupão e chinelos.
- Sabe que horas são? - perguntou indignadamente. - Você disse-me..,
Rizzoli deu-lhe a nota de cem dólares,
-Peço imensa desculpa -disse ele em tom de desculpa. -Não vou demorar muito tempo.
0 homem engoliu, tendo a indignação desaparecido,
-Não há problema. Deve ser importante, para acordarem uma pessoa às quatro da manhã
Rizzoli entrou no quarto em frente e pegou no telefone. -Rizzoli.
Uma voz disse:
-Tem um problema; senhor Rizzoli. - Quem fala?
- 0 Spyros Lambrou pediu-me para eu lhe telefonar.
-Oh. -Teve uma sensação repentina de preocupação. -Qual é o problema?
-Diz respeito ao Constantin Demiris. - 0 que é que há com ele?
-Um dos petroleiros dele, o Thele, está em Marselha. Está atracado no molhe do cais na doca da Grande Joliette.
- E daí?
-Soubemos que o senhor Demiris deu ordens para que o navio fizesse um desvio para Atenas. Irá atracar lá domingo de manhã e parte domingo à noite. 0 Constantin Demiris pretende estar a bordo quando ele partir.
- 0 quê?
- Ele está a fugir. -Mas nós temos um...
-0 senhor Lambrou disse para o informar de que o Demiris está a pensar esconder-se nos Estados Unidos até achar uma maneira de se ver livre de si.
- 0 filho da puta quer fugir! - Estou a ver. Agradeça ao senhor Lambrou em meu nome. Diga-lhe que fico muito agradecido.
-0 prazer é dele.
Rizzoli pousou o auscultador.
- Está tudo bem, senhor Rizzoli?
- 0 quê? Claro. Está tudo bem. - E estava.
Quanto mais Rizzoli pensava no telefonema mais satisfeito ficava. Ele fez que Constantin Demiris fugisse de medo. Isso iria facilitar-lhe o controlo do outro. Domingo. Tinha dois dias para fazer os seus planos. Rizzoli sabia que tinha de ser cuidadoso. Estava a ser seguido fosse para onde fosse. <~Sacanas dos polícias do Keystone~, pensou Rizzoli desdenhosamente. «Quando chegar a hora, vou desembaraçar-me deles.» Logo na manhã seguinte, Rizzolifoi até à cabina telefónica daRua Kifissias e marcou o número do Museu Nacional de Atenas. No reflexo de vidro Rizzoli via um homem que fingia estar a olhar para uma montra, e do outro lado da rua um outro homem que conversava com uma florista. Os dois homens faziam parte da equipa que o vigiava. NDesejo-lhes boa sorte», pensou Rizzoli.
- Gabinete do conservador. Tenha a bondade de dizer. -Victor? É o Tony.
-Passa-se alguma coisa? -Houve um pânico repentino na voz de Korontzis.
-Não-disse Rizzoli num tom brando. -Está tudo bem. Victor, estás a ver aquele vaso bonito com figuras vermelhas?
-A ânfora Ka.
- Essa mesmo. Vou buscá-la aí hoje à noite. Houve uma longa pausa.
-Hoje à noite? Não... não sei, Tony.-Avoz de Korontzis tremia. - Se alguma coisa correr mal...
-Pronto, pá, esqueça. Eu estava a tentar fazer-lhe um favor. DiI ga ao Sal Prizzi que não tem o dinheiro, e ele que faça o que bem lhe... -Não, Tony. Espere. Eu... eu... -Houve outra pausa.
- Está bem.
-Tem a certeza de que está tudo bem, Victor? Porque se não quer fazê-lo, basta dizer, e eu volto para os Estados Unidos, onde não tenho problemas destes. Não tenho necessidade de passar por todo este aborrecimento, sabe. Eu posso...
-Não, não. Reconheço tudo o que está a fazer por mim, Tony. A sério, Hoje à noite estará muito bem.
- Óptimo. Quando o museu fechar, só tem que substituir o vaso verdadeiro por uma cópia.
-Os guardas inspeccionam todos os embrulhos que saem daqui. - E depois? Os guardas são alguns peritos em arte?
-Não. Claro que não, mas...
-Tudo bem, Victor, ouça-me. Arranje uma facturapara uma das cópias e ponha-a com o original num saco de papel. Percebe?
- Sim. Eu... entendo. Onde é que nos encontramos?
-Nós não nos vamos encontrar. Saia do museu às seis horas. Vai estar um táxi à frente. Traga o embrulho consigo. Diga ao motorista que o leve ao Hotel Grande Bretagne. Diga-lhe que espere por si, Deixe o embrulho no carro. Entre no hotel e tome uma bebida. Depois disso, vá para casa. Mas o embrulho...
- Não se preocupe. Alguém se encarregará dele. Victor Korontzis suava.
-Nunca me meti numa coisa destas, Tony, Nunca roubei nada. Toda a minha vida...
- Eu sei - disse Rizzoli num tom brando. - Eu também não. Lembre-se, Victor, de que quem está a correr todos os riscos sou eu, e não ganho nada com isso.
A voz de Korontzis interrompeu.
-Você é um grande amigo, Tony. 0 melhor amigo que já tive. - Contorcia as mãos. -Faz alguma ideia de quando é que eu recebo 0 meu dinheiro?
- Muito em breve - Rizzoli assegurou-lhe. - Quando isto chegar ao fim, você não vai ter mais preocupações, -«E eu também não», pensou Rizzoli exultantemente. «Nunca mais.»
Dois navios cruzeiro fundearam no porto de Piraeus nessa tarde, e consequentemente o museu estava cheio de turistas. Geralmente Victor Korontzis gastava de estudá-los, tentando adivinhar como eram as suas vidas. Havia americanos e ingleses, e visitantes de uma dúzia de outros países. Desta vez Korontzis estava demasiado assustado para pensar neles. Olhou para os dois mostruários onde se vendiam cópias de antiguidades. Havia uma multidão em redor dos mesmos, e as duas vendedoras tentavam atarefadamente dar vencimento aos pedidos. «Talvez esgotem», pensou Korontzis esperançosamente, «e assim não poderei cumprir o plano de Rizzoli.» Mas ele sabia que estava a ser irre.llista. Havia centenas de réplicas armazenadas na cave do museu. íl vaso que Tonylhe pedira para roubar eraum dosgrandes tesouros do museu. Era do século quinze a.C., uma ânfora com figuras mitolóíricasvermelhas pintadas sobre uma base negra. Aúltima vez que Victor lhe tocara fora há quinze anos quando reverentemente a colocara no interior davitrinapara serfechadapara sempre. «E agoravou roubá-la», pensou Korontzis desditosamente. «Que Deus me ajude.» Foi atordoadamente que Korontzis passou a tarde, aterrorizado com o momento em que se tornaria um ladrão, Voltou ao gabinete, fechou a porta e sentou-se à secretária, desesperado. «Não posso fazê -lo», pensou. «Tem de haver outra saída. Mas qual?» Não conseguia pensar noutra maneira de arranjar aquela quantidade de dinheiro. Ainda ouvia a voz de Prizzi. «Ou você me dá o dinheiro hoje à noite ou vai servir de alimento para os peixes. Está a perceber?» 0 homem era um assassino. Não, não tinha outra escolha. Uns minutos antes das seis, Korontzis saiu do gabinete. As duas vendedoras de réplicas de artefactos estavam a começar a arrumar. - Signomi - Korontzis chamou. - Um amigo meu faz anos. Achei que lhe devia oferecer uma coisa aqui do museu. -Caminhou até à vitrina a fingir estudá-la. Havia vasos e bustos, taças, livros e mapas. Olhou em pormenor como se tentasse decidir o que escolher. Por fim, apontou para a cópia da ânfora vermelha.
-Acho que vai gostar desta:
-Tenho a certeza de que vai-disse a mulher. Tirou-a da vitrina e entregou-a a Korontzis.
- Pode passar-me um recibo, por favor?
-Certamente, senhor Korontzis. Quer que embrulhe para oferta? -Não, não-disse Korontzis rapidamente. -Meta-me só num saco.
Viu-a colocar a réplica num saco de papel e meter o recibo. - Obrigado.
-Espero que o seu amigo goste.
-De certo irá gostar. -Pegou no saco, com as mãos a tremer, e regressou ao gabinete.
Trancou a porta, depois retirou o vaso de imitação do saco e colocou-o sobre a secretária. «Ainda não é demasiado tarde», pensou Korontzis, Ainda não cometi nenhum crime. Estava numa agonia de decisão. Uma série de pensamentos aterradores passavam-lhe pela cabeça. «Eu podia fugir para outro país e abandonar a minha mulher e os meus filhos. Ou podia suicidar-me. Podia ir à polícia e dizer-lhes que estou a ser ameaçado. Mas, quando os factos forem descobertos, estarei perdido. Não, não havia saída.» Se não pagasse o dinheiro que devia, sabia que Prizzi o mataria. «Graças a Deus>~, pensou ele, «pelo meu amigo Tony. Sem ele, eu seria um homem morto. Olhoupara o relógio. Horas de avançar. Korontzis pôs-se de pé, as pernas trémulas. Ficou por ali, a respirar fundo, tentando acalmar-se. As mãos estavam húmidas com suor. Limpou-as à camisa. Voltou a pôr a réplica no saco de papel e encaminhou-se para a porta. Havia um guarda parado à porta da rua que saía às seis, depois de o museu fechar, e outro guarda que fazia as rondas, mas tinha meia dúzia de salas para percorrer. Agora devia estar no extremo do museu.
Korontzis saiu do gabinete e deu de frente com o guarda. Ia começar a pedir desculpa.
-Desculpe-me, senhor Korontzis. Não sabia que o senhor ainda cá estava.
- É, eu... estou a preparar-me para sair.
- Sabe - disse o guarda com admiração -, eu invejo o senhor. «Se ele soubesse
- Não me diga. Porquê?
-0 senhor sabe tanto sobre estas coisas bonitas. Eu ando por aqui e olho para elas e para mim são todas peças históricas, não são? Não sei muito sobre elas. Talvez um dia o senhor me possa explicar. Eu realmente...
0 palerma nunca mais se calava. -Sim, claro. Um dia.
- Dar-me-ia muito prazer. - No outro extremo da sala, Korontzis via a vitrina que continha o precioso vaso. Tinha de ver-se livre do guarda.
- Parece... que há um problema com o circuito do alarme na cave. Importa-se de verificar?
- Claro. Sei que algumas destas coisas são muito antigas... -Importa-se de ir verificar agora? Não quero sair antes de saber que tudo está a cem por cento.
- Certamente, senhor Korontzis. Volto já.
Victor Korontzis ficou ali, a observar o guarda atravessar o trio e encaminhar-se para a cave. Assim que desapareceu, Korontzis correu para a vitrina que continha a ânfora vermelha. Tirou uma chave e pensou, «vou mesmo fazê-lo. Vou roubá-la». A chave escorregou-lhe dos dedos e retiniu no chão.
«Será um sinal? Estará Deus a dizer-me alguma coisa?» Suava bastante. Dobrou-se e apanhou a chave, e fitou o vaso. Era absolutamente primoroso. Forafeito com um carinho tão grande pelos seus antepassados há milhares de anos atrás. O guarda tinha razão;era uma peça histórica, algo que nunca poderia ser substituído. Korontzis fechou os olhos por um instante e estremeceu. Olhou em redor para ter a certeza de que ninguém estava a ver, depois abriu a vitrina cuidadosamente e retirou o vaso. Tirou a réplica do saco de papel e colocou-a no lugar da peça genuína. Korontzis deixou-se ficar, analisando-a por um momento. Era urna reprodução perita, mas para ele ela gritava, «Falsificação». «Era tão óbvio. Mas só para mim», pensou Korontzis, «e só para mais alguns peritos.» Mais ninguém seria capaz de distinguir. E não haveria razão para alguém examiná-la atentamente. Korontzis fechou a vitrina e trancou-a, e pôs o vaso genuíno no saco de papel com o recibo. Tirou um lenço e limpou o rosto e as mãos. Estava feito. Olhou para o relógio: 6.10. Tinha de se despachar. Encaminhou-se para a porta e viu o guarda vir na sua direcção. Não consegui ver nada de errado no sistema de alarme, senhor Korontzis, e...
-Óptimo-disse Korontzis.-Não se pode ser demasiado cuidadoso.
0 guarda sorriu.
-Tem razão. Já de partida? -É verdade. Boa noite.
0 segundo guarda estava à porta da frente, preparando-se para sair.
Reparou no saco de papel e sorriu.
- Vou ter de verificar isso. Foi o senhor que ditou as regras.
- Claro - disse Korontzis apressadamente. Entregou o saco ao guarda.
0 guarda olhou para dentro, tirou o vaso e viu o recibo.
- É um presente para um amigo - explicou Korontzis. - Ele é engenheiro. -«Porque é que eu tinha de dizer isso? Ele está-se nas tintas! Tenho de agir de forma natural,
- É bonito. - 0 guarda deixou o vaso cair dentro do saco, e por um terrível instante Korontzis pensou que ia partir-se.
Korontzis apertou o saco contra o peito. -Kalispehra.
0 guarda abriu-lhe a porta. -Kalispehra.
Korontzis mergulhou no ar frio da noite, respirando pesadamente e combatendo a náusea. Tinha nas mãos algo que valia milhões de dólares, mas Korontzis não pensava nela nesses termos. Pensava é que estava a trair o seu país, ao roubar uma peça histórica da sua Grécia amada e vendê-la a um estrangeiro sem rosto. Desceu os degraus. Como Rizzoli prometera, um táxi aguardava-o à frente do museu. Korontzis caminhou na sua direcção e entrou.
- Hotel Grande Bretagne - disse.
Recostou-se no assento. Sentiu-se vencido e exausto, como se tivesse estado numa terrível batalha. Mas vencera ou perdera? Quando o táxi estacionou em frente do Hotel Grande Bretagne, Korontzis disse ao motorista:
- Espere aqui, por favor.
Deu um último olhar para o precioso pacote que estava no banco traseiro, depois saiu e entrou rapidamente no salão do hotel. Ao passar a porta voltou-se e olhou. Um homem entrava no táxi. Um momento depois partiu veloz. pronto. Estava feito. Nuncaterei de fazersemelhante coisa outra vez, pensou Korontzis. Não enquanto for vivo. 0 pesadelo acabou.» Às três horas de domingo à tarde, Tony Rizzoli saiu do hotel e deambulou até à Platia Omonia. Vestia um casaco xadrez vermelho-vivo, calças verdes e uma boina vermelha. Era seguido por dois detectives. Um deles disse:
-Ele deve ter comprado aquelas roupas num circo.
Na Rua Metaxa, Rizzoli mandou parar um táxi. 0 detective falou para o cualkie-talkie. 0 sujeito está a entrar num táxi com direcção para oeste.
Umavoz respondeu:
- Estamos a vê-lo. Vamos seguir. Regresse ao hotel. -Certo.
Um turismo cinzento sem marca aproximou-se do táxi, mantendo uma distância discreta. 0 táxi rumou para sul, atravessando Monastiraki. No turismo, o detective que se sentava ao lado do motorista pegou no microfone. -Central, Aqui é aUnidade quatro. 0 sujeito está num táxi. Está a descer a Rua Philhellinon... Espere. Acabam de virar à direita na Rua Peta. Parece que vaiem direcção à Plaka. Podemos perdê-lo. Pode mandar um piquete segui-lo a pé?
- S6 um minuto, Unidade quatro. -Alguns segundos depois, o rádio voltou a estalar.-Unidade quatro. Temos ajuda disponível. Se ele descer na Plaka, continuará a ser vigiado.
-Kala. 0 sujeito veste um casaco xadrez vermelho-vivo, calças verdes e uma boina vermelha. É difícil de perder. Espere um minuto. 0 táxi vai parar. Ele está a sair na Plaka.
-Vamos passar a informação. Está coberto. Você fica livre. Desligue.
Na Plaka, dois detectives observavam no momento em que o homem saía do táxi.
-Onde é que ele comprou aquela roupa?-interrogou-se um dos detectives em voz alta.
Aproximaram-se dele e começaram a segui-lo por entre o labirinto apinhado da parte velha da cidade. Durante a hora que se seguiu ele vagueou sem destino por entre as ruas, deambulando por tabernas, bares, lojas de recordações e pequenas galerias de arte. Desceu a Anaphiotika e percorreu uma feira da ladra repleta de espadas, adagas, mosquetes, caçarolas, candelabros, candeeiros a petróleo e binóculos.
- Que andará ele a tramar?
- Parece que veio apenas dar um passeio. Espera. Lá vai ele. Eles iam atrás quando ele virou para a Aghiou Geronda e se dirigiu ao restaurante Xinos. Os dois detectives ficaram no exterior à distância, vendo-o pedir a comida.
Os detectives começaram a ficar aborrecidos.
-Espero que ele não se demore muito. Apetecia-me ir para casa. Uma soneca agora sabia-me bem.
-Mantém-te acordado. Se o perdemos, o Nicolino dá-nos cabo da vida.
- Como é que podemos perdê-lo? Ele parece um farol. 0 outro detective olhava-o fixamente.
- 0 quê? 0 que é que tu disseste? -Eu disse...
-Não ligues. -Houve uma urgência repentina na sua voz.-Tu olhaste para a cara dele?
-Não.
-Eu também não. Tiflo! Anda daí.
Os dois detectives entraram no restaurante a correr e dirigiram -se para a mesa a passo largo. Estavam a olhar para o rosto de um completo estranho. 0 Inspector Nicolino estava furioso.
- Eu tinha três equipas destacadas para seguirem o Rizzoli. Como é que vocês puderam perdê-lo?
-Ele pregou-nos uma partida, inspector. Aprimeira equipaviu~ entrar num táxi e...
-E eles perderam o táxi?
-Não. Nós vimo-lo sair. Ou pelo menos pensávamos que era ele. Ele estava com uma roupa espampanante. 0 Rizzoli tinha outro passageiro escondido no táxi, e os dois homens trocaram de roupa. Nós fomos atrás do homem errado.
-E o Rizzoli continuou no táxi. - É verdade.
-Tiraram a matrícula?
-Bem, não. Não... não nos pareceu importante. -E o homem que vocês apanharam?
-É um paquete do hotel do Rizzoli. 0 Rizzoli disse-lhe que estava a pregar uma partida a uma pessoa. Deu-lhe cem dólares. É tudo 0 que o rapaz sabe.
0 inspector Nicolino respirou fundo.
-E não me parece que alguém saiba onde se encontra o senhor Rizzoli neste momento.
-Não, senhor. Infelizmente não.
A Grécia tem sete portos principais: Tessalónica, Patras, Volos, Igoumenitsa, Kavala, Iraklion e Pireu. Piraeus fica a sete milhas a sudoeste do centro de Atenas, e serve apenas não só como o porto principal daGrécia, mas como um dos principaisportos daEuropa. 0 complexo do porto consiste de quatro ancoradouros, três dos quais para barcos recreativos e navios transatlânticos. 0 quarto ancoradouro, Herakles, está reservado para cargueiros equipados com comportas que abrem directamente sobre o cais. OThele estava ancorado em Herakles. Eraum petroleiro enorme, e, ao permanecer parado no ancoradouro escuro, fazia lembrar um beemote gigantesco pronto a saltar, Tony Rizzoli, acompanhado por quatro homens, foi até ao quebra-mar. Rizzoli olhou para o navio enorme e pensou, «Cá está ele. Agora vamos ver se o nosso amigo Demiris está a bordo Virou-se para os homens que o acompanhavam.
- Quero que dois de vocês esperem aqui. Os outros dois vêm comigo. Tratem de ver se ninguém sai do navio.
- Certo.
Rizzoli e dois homens subiram a prancha de embarque. Quando chegaram ao cimo, um marujo aproximou-se deles. -Desejam alguma coisa?
- Queremos ver o senhor Demiris.
-0 senhor Demiris está no camarote do proprietário. -Ele está à vossa espera?
Então a dica estava certa. Rizzoli sorriu.
- Claro. Ele está à nossa espera. A que horas parte o navio? -Ameia-noite. Eu acompanho-os.
-Obrigado.
Seguiram o marinheiro ao longo do convés até que chegaram a uma escada descendente. Os três homens desceram a escada atrás dele e seguiram-no por uma passagem estreita, passando por meia dúzia de camarotes durante o trajecto. Quando chegaram ao último camarote, o marinheiro começou a bater à porta. Rizzoli afastou.
- Nós vamos anunciar-nos pessoalmente. - Ele abriu a porta com um empurrão e entrou.
0 camarote era maior do que Rizzoli esperara. Estava mobilado com uma cama e um sofá, uma secretária e duas espreguiçadeiras. Atrás da secretária sentava-se Constantin Demiris.
Quando ergueu o olhar e viu Rizzoli, Demiris pôs- de pé de uma forma atabalhoada. 0 rosto empalideceu.
- 0 quê... o que é que você está a fazer aqui?-A sua voz era um sussurro.
-Eu e os meus amigos decidimos fazer-lhe uma visita para lhe desejar boa viagem, Costa.
- Como é que você sabia que eu...? Quero dizer... eu não estava à sua espera.
-Claro que não -disse Rizzoli. Virou-se para o marinheiro. - Obrigado, amigo.
0 marinheiro retirou-se.
Rizzoli voltou-se de novo para Demiris.
- Estava a planear fazer uma viagem sem se despedir do seu sócio?
Demiris disse num tom rápido.
-Não. Claro que não. Eu só... só vim cá verificar umas coisas. Parte amanhã de manhã. -Os dedos tremiam-lhe.
Rizzoli aproximou-se dele. Quando falou, a sua voz era macia. -Costa, você cometeu um grande erro. Não vale a pena tentar fugir, porque você não tem onde se esconder. Eu e você fizemos um contrato, lembra-se? Sabe o que acontece às pessoas que não cumprem os contratos? Têm uma morte terrível.., verdadeiramente terrível. Demtris engoliu.
- Eu... eu gostava de falar consigo a sós. Rizzoli virou-se para os seus homens. - Esperem lá fora.
Quando saíram, Rizzoli afundou-se numa poltrona. -Estou muito desapontado consigo, Costa.
-Não posso continuar com isto-disse Demiris. -Eu dou-lhe dinheiro.,. mais dinheiro com que você alguma vez sonhou.
-Em troca de quê?
-Que saia deste navio e me deixe em paz. -Havia desespero na voz de Demiris. -Você não me pode fazer isto. 0 governo vai-me tirar a frota. Vou ficar arruinado. Por favor. Dou-lhe tudo o que você quiser.
Tony Rizzoli sorriu.
-Eu tenho tudo aquilo que quero. Quantos petroleiros é que você tem? Vinte? Trinta? Nós vamos mantê-los em acção, você e eu. Tudo o que você tem a fazer é juntar mais um ou dois portos de escala.
- Você... você não tem a mínima ideia do que me está a fazer. -Acho que você deveria ter pensado nisso antes de ter armado aquela trama. -Tony Rizzoli pôs-se de pé. -Vai ter de falar com o comandante. Diga-lhe que vamos ter de fazer mais uma paragem, ao largo da costa da Florida.
Demiris hesitou.
-Tudo bem, Quando você voltar de manhâ,.. Rizzoliriu-se.
-Eu não vou a lugar nenhum. Acabaram-se os jogos. Você ia tentar fugir à meïa-noite. Óptimo. Eu vou fugir consigo. Vamos trazer um carregamento de heroína para bordo, Costa, e só para valorizar o contrato vamos levar
também um dos tesouros do Museu Nacional. E você vai vendê-lo nos Estados Unidos. É o seu castigo por tentar enganar-me. Havia uma expressão atordoada nos olhos de Demiris.
-Eu... não há nada - ele implorou - nada que eu possa fazer para...?
Rizzoli deu-lhe uma pancada no ombro.
-Anime-se. Prometo-lhe que vai gostar de ser meu sócio. Rizzoli encaminhou-se para a porta e abriu-a.
- Muito bem, vamos pôr a mercadoria a bordo - disse ele. - Onde é quer que a gente a ponha?
Há centenas de esconderijos em qualquer navio, mas Rizzoli não sentia a necessidade de ser esperto, Afrotade ConstantinDemiris estava acima de suspeita.
-Ponham-na num saco de batatas-disse ele.-Marquem o saco e guardem-no na retaguarda da cozinha. Tragam o vaso para o senhor Demiris. Ele vai tomar conta dele pessoalmente.
Rizzoli virou-se para Demiris, os olhos cheios de desdém. -Você tem algum problema com isso?
Demiris tentou falar, mas as palavras não saíam.
- Muito bem, rapazes - disse Rizzoli. - Mexam-se. Rizzoli instalou-se de novo na poltrona.
-Óptimo camarote. Vou deixá-lo consigo, Costa. Eu e os meus rapazes vamos arranjar os nossos próprios alojamentos.
- Obrigado - disse Demiris com um ar infeliz. - Obrigado.
À meia-noite, o enorme petroleiro afastou-se do cais com dois rebocadores que o conduziram para o mar. A heroína fora escondida a bordo, e o vaso ficara entregue ao camarote de Constantin Demiris. Tony Rizzoli chamou um dos seus homens à parte.
- Quero que vás à sala das comunicações e arranques o rádio. Não quero que o Demiris envie mensagens.
-E para já, Tony.
Constantin Demiris era um homem derrotado, mas Rizzoli não corria riscos.
Rizzolitiverareceio até ao momento da partida de que alguma coisa pudesse correr mal, pois o que estava a acontecer estava para além dos seus sonhos mais audazes. Constantin Demiris, um dos homens mais ricos e mais poderosos do mundo, era seu sócio. «Sócio, caramba», pensou Rizzoli. «Eu mando no sacana. Afrota dele é toda minha. Posso enviar toda a mercadoria que os rapazes puderem entregar. Os outros tipos que matem os cornos a tentarem descobrir como fazer chegar o material aos Estados Unidos. Eu fiz a minha parte. E depois há todos aqueles tesouros do museu, É outra mina de ouro. Com a diferença de que é só minha. 0 que os rapazes não sabem não lhes fará mala Tony Rizzoli adormeceu a sonhar com uma frota de navios dourados e palácios e raparigas nóbeis para servi-lo. Quando Rizzoli acordou na manhã seguinte, ele e os seus homens dirigiram-se à sala de jantar para tomar o pequeno-almoço. Os seis membros da tripulação já lá estavam. Um criado aproximou-se da mesa.
-Bom dia.
- Onde é que está o senhor Demiris ? - perguntou Rizzoli. - Ele não vai tomar o pequeno-almoço?
Ele vai permanecer no camarote, senhor Rizzoli. Deu-nos instruções para servirmos o senhor e os seus amigos de tudo o que quiserem.
-É muito simpático da parte dele. -Rizzoli sorriu.
-Eu vou tomar sumo de laranja, bacon e ovos. E vocês, rapazes? -Isso parece bom.
Depois de terem pedido, Rizzoli disse:
-Quero que fiquem calmos. Não tenham as vossas armas à mostra. Sejam simpáticos e bem-educados. Lembrem-se de uma coisa: nós somos convidados do senhor Demiris.
Demiris não apareceu para almoçar nesse dia. Nem apareceu para jantar. Rizzoli subiu para ir ter uma conversa com ele. Demiris estava no camarote, olhando fixamente através de uma vigia. Estava com um ar pálido e abatido. Rizzoli disse;
-Tem de comer para manter as forças; sócio, Não gostava de vê-lo doente. Temos muito que fazer. Eu disse ao criado que lhe trouxesse um pouco de comida,
Demiris respirou fundo.
- Não consigo... estou bem. Saia daqui, por favor. Rizzoli sorriu.
-Claro. Depois do jantar, veja se dorme um pouco, Você está com um ar péssimo.
De manhã, Rizzoli foi falar com o comandante.
-Sou Tony Rizzoli - disse ele. - Sou convidado do senhor Demiris.
-Ah, sim. 0 senhor Demiris disse-me que o senhor viria falar comigo hoje. Ele refèriu-se a uma possível alteração da rota.
- Correcto. Depois informo-o. Quando é que chegamos ao largo da Florida?
-Dentro de aproximadamente três semanas, senhor Rizzoli. - Óptimo. Falo consigo mais tarde.
Rizzoli retirou-se e deambulou pelo navio. É o «seu« navio. Afrota era toda dele. 0 mundo era dele. Rizzoli sentiu-se invadido por uma euforia que não conhecera antes.
A travessia foi suave, e uma vez por outra Rizzoli dava um salto ao camarote de Constantin Demiris.
-Você devia ter umas gajas a bordo-disse Rizzoli. -Mas parece-me que vocês gregos não precisam de gajas, pois não?
Demiris recusou-se a responder à provocação. Os dias corriam lentos, mas cada hora aproximava Rizzoli mais dos seus sonhos. Sentia uma febre de impaciência. Passou-se uma semana, depois outra, e aproximavam-se do continente norte-americano. Sábado à noite, Rizzoli estava junto à amurada do navio olhando 0 oceano quando houve um relâmpago.
0 primeiro imediato aproximou-se dele.
- Parece que vem aí mau tempo, senhor Rizzoli. Espero que seja bom marinheiro.
Rizzoli encolheu os ombros. -Nada me perturba.
0 mar deu início à sua borrasca. 0 navio começou a mergulhar subitamente no mar e depois subia empinadamente à medida que sulcava as ondas.
Rizzoli começou a sentir-se enjoado. «É verdade que não sou bom marinheiro», pensou ele. ~~Qual é a diferença?~ Era dono do mundo. Regressou ao seu camarote cedo e enfiou-se na cama. Sonhou. Dêsta vez, não havia navios dourados nem belas raparigas nuas. Havia umaguerra, e ele ouvia o troar dos canhões. Uma explosão acordou-o. Rizzoli sentou-se na cama, completamente desperto, 0 camarote estava a balançar, 0 barco estava no meio de uma maldita tempestade. Ouvia os passos rápidos que corriam no corredor. Que raio ia ele fazer? Tony Rizzoli saiu da cama a correr e foi para o corredor. 0 chão inclinou-se repentinamente para um lado e et e quase perdeu o equilíbrio. -Que é que se passa?-gritou ele a um dos homens que passava por ele a correr.
-Uma explosão, 0 navio está a arder. Estamos a afundar. É melhor subir para o convés.
«A afundar„,?» Rizzoli não conseguia acreditar. «Correra tudo tão bem. Mas não importa», pensou Rizzoli. «Posso bem perder este carregamento. Haverá muitos mais. Tenho de salvar o Demiris. Ele é a chave de tudo. Vamos enviar um pedido de ajuda.» E depois lembrou-se que mandara destruir o rádio.
Lutando para manter o equilíbrio, Tony Rizzoli dirigiu-se para a escada do tombadilho e subiu até ao convés. Para sua surpresa, viu que a tempestade tinha passado. 0 mar estava calmo. Uma lua cheia surgira. Houve outra explosão estrondosa, e mais outra, e o navio começou a inclinar-se cada vez mais. A popa estava na água, descendo rapidamente. Os marinheiros tentavam baixar os barcos salva-vidas, mas era tarde de mais. A água em redor do navio era uma massa de petróleo em chamas. Onde estava Constantin Demiris? E então Tony Rizzoli ouviu. Era um som que roncava, cujo som se elevava bem acima das explosões. Olhou para o céu. Havia um helicóptero pairando três metros acima do navio. «Estamos salvos», pensou Rizzoli com júbilo. Acenou freneticamente para o helicóptero. Um rosto surgiu na janela. Rizzoli levou um momento para perceber que se tratava de Constantin Demiris. Estava a sorrir, e na sua mão erguida segurava a ânfora de valor incalculável. Rizzoli fixou o olhar, o seu cérebro tentando entender o que estava a acontecer. Como é que Constantin Demiris descobrira um helicóptero a meio da noite para...? E então Rizzoli percebeu, e os seus intestinosviraram água. Constantin Demiris nunca tivera qualquer intenção de fazer negócio com ele. 0 filho da puta planeara tudo desde o início. 0 telefonema a dizer-lhe que Demiris ia fugir-esse telefonema não viera da parte de Spyros Lambrou, viera de Demiris. Ele lançara a armadilha para apanhá-lo no navio, e Rizzoli caíra nela. 0 petroleiro começou a afundar-se cada vez mais, mais depressa, e Rizzoli sentiu o oceanofrio a envolver-lhe ospés, e mais tarde os joelhos. 0 sacana ia deixá-los morrer ali, no fim do mundo, onde não haveria vestígios do que viesse a acontecer. Rizzoli olhou para o helicóptero e gritou freneticamente -Volte. Eu dou-lhe tudo! - 0 vento fustigou as suas palavras. A última coisa que Tony Rizzoli viu antes de o barco ficar de quilha para o ar e de os seus olhos se encherem de água salgada ardente foi o helicóptero afastar-se na direcção da lua.
St. Moritx
Catherine ficou em estado de choque. Estava sentada num sofá no quarto do hotel, ouvindo o tenente Hans Bergman, chefe da patrulha de esqui, dizer-lhe que Kirk Reynolds estava morto. 0 som da voz de Bergman inundava Catherine em ondas, mas ela não prestava atenção às palavras. Ela estava demasiado entorpecida pelo horror do que acontecera. «Todas as pessoas que me circundam morrem, pensou ela desesperadamente. 0 Larry morreu e agora foi o Kirk. E havia os outros; Noelle, Napoleon Chotas, Frederick Stavros. Era um pesadelo infindável. Vagamente, por entre o nevoeiro do desespero, ouviu a voz de Hans Bergman.
-Senhora Reynolds... senhora Reynolds...
-Levantou a cabeça. -Eu não sou a senhora Reynolds -disse ela exausta. -0 meu nome é Catherine Alexander. Eu e o Kirk éramos amigos.
- Compreendo. Catherine respirou fundo.
-Como.., como é que aconteceu? 0 Kirk era tão bom esquiador. -Eu sei. Ele esquiou aqui tantas vezes. -Ele abanou a cabeça. - Para lhe dizer a verdade, Miss Alexander, estou intrigado com o que aconteceu. Encontrámos o corpo dele no Lagalp, um declive que se encontrava encerrado por causa de uma avalancha que caiu a semana passada. 0 vento deve ter derrubado a tabuleta. Lamento imenso.
«Lamento, Que palavra tão fraca, que palavra tão estúpida. -Gostaria que nos encarregássemos dos preparativos para o funeral, Miss Alexander?
«Então a morte não era o fim. Não, havia preparativos para fazer. Caixões e lates do cemitério, e flores, e parentes a informar.» Catherine queria gritar.
-Miss Alexander? Catherine ergueu o olhar. - Eu informo a famffia do Kirk. - Obrigada.
A viagem de regresso a Londres foi um pesar. Ela viera até às montanhas com Kirk cheia de esperançaansiosa, pensando quetalvezfosse um novo começa, uma porta para uma nova vida. «Kirk fora tão gentil e paciente. Eu devia ter feito amor com elep, pensou Catherine. «Mas afinal que importância teria tido? Devem ter-me rogado uma praga. Eu destruo quem quer que se aproxime de mim.p
Quando Catherine regressou a Londres, estava demasiado deprimida para voltar ao trabalho. Ficou no apartamento, sem querer ver ou falar com ninguém. Anna, a governanta, preparava-lhe as refeições e levava-as ao quarto de Catherine, mas os tabuleiros eram devolvidos intocados.
-A menina tem de comer.
Mas pensar em comida deixava Catherine doente.
No dia seguinte, Catherine sentia-se pior. Parecia que o peito estava cheio de ferro. Tinha dificulade em respirar. «Não posso continuar assim», pensou Catherine. «Tenho de fazer alguma coisa.p Discutiu o assunto com Evelyn.
- Eu continuo a culpar-me pelo que aconteceu. -Isso não faz sentido, Catherine.
- Eu sei que não, mas não consigo evitá-lo. Sinto-me responsável. Preciso de ter alguém com quem falar. Talvez se eu fosse a um psiquiatra...
-Conheço um muito bom- disse Evelyn. -De facto, o Wim vai à consulta dele de vez em quando. Chama-se Alan Hamilton. Tive uma amiga que era suicida, e quando o doutor Hamilton terminou o tratamento ela estava em grande forma. Gostavas de vê-lo?
-E se ele disser que eu estou maluca? E se eu estiver? Está bem -disse Catherine com relutância,
-Vou tentar marcar uma consulta para ti. Ele tem muita que fazer.
- Obrigada, Evelyn. Agradeço imenso.
Catherine entrou no gabinete de Wim. «Ele deve querer saber o que aconteceu ao KirkN, pensou ela.
-Wim, lembras-te do Kirk Reynolds? Ele morreu há dias num acidente de esqui.
-Ai sim? Westminster-zero-quatro-sete-um. Catherine pestanejou.
-0 quê?-E ela de repente apercebeu-se de que Wim estava a recitar o número de telefone de Kirk. «Era isso que as pessoas significavam para Wim? Uma série de números? Não tinha sentimentos pelas pessoas? Era ele realmente incapaz de amar ou odiar ou sentir compaixão? Talvez ele esteja em melhor situação do que eu•>, pensou Catherine. «Pelo menos ele poupou-se à dorterrível que o resto de nós pode sentira Evelyn conseguiu que o doutor Hamilton recebesse Catherine na sexta-feira seguinte. Evelyn pensou em telefonar a Constantin Demiris para lhe dizer o que fizera, mas concluiu que o assunto não tinha essa importância para ir maçá-lo por causa disso. 0 consultório do doutor Hamilton ficava na Wimpole Street. Catherine foi lá para a sua primeira consulta, apreensiva e irritada. Apreensiva porque estava receosa do que ele lhe pudesse dizer, e irritada consigo própria por ter de confiar num estranho para ajudá-la nos problemas que ela deveria ter sido capaz de resolver sozinha. A recepcionista do guiché disse:
- 0 doutor Hamilton está à sua espera, Miss Alexander.
«Mas estou eu pronta para vê-lo?» Catherine interrogava-se. Um pânica repentino tomou-a. «Que estou eu a fazer aqui? Não me vou pôr nas mãos de um charlatão com a mania que é Deus, Catherine disse:
-Eu.., mudei de ideia. Eu realmente não preciso de ver o médico. Gostaria de pagar a consulta.
- Oh? Sá um momento, por favor.
-Mas...
A recepcionista entrara no gabinete do médico.
Momentos depois, a porta do gabinete abriu-se e Alan Hamilton saiu. Tinha quarenta e poucos anos, era alto e louro, com olhos azuis brilhantes e modos afáveis.
Olhou para Catherine e sorriu. -Já me fez ganhar o dia disse ele. Catherine franziu o sobrolho.
- Como...?
-Eu não sabia que era um médico realmente tão bom. A senhora mal entrou na minha recepção e já se sente melhor. Isso deve ser um recorde.
Catherine disse defensivamente.
- Desculpe. Cometi um erro. Não preciso de ajuda nenhuma. -Agrada-me muito ouvir isso-disse Alan Hamilton. -Oxalá todos os meus doentes se sentissem assim. Já que está aqui, Miss Alexander, por que não entra por uns momentos? Tomaremos uma chávena de café.
- Obrigada, mas não. Eu não...
- Prometo que vai bebê-lo sentada. Catherine hesitou.
- Está bem, só por um minuto.
Ela seguiu até ao gabinete. Era muito simples, decorado com bom e moderado gosto, mobilado mais no estilo de uma sala de estar do que um consultório. Havia gravuras mitigantes penduradas nas paredes, e sobre uma mesinha de centro antiga estava afotografia de uma bela mulher com um rapazinho a seu lado. «Pronto, ele tem um consultório bonito e uma família atraente. 0 que é que isso prova?»
- Por favor, sente-se - disse o doutor Hamilton. -0 café deve estar pronto num minuto.
-Eu não devia estar a tomar o seu tempo, doutor. Eu...
- Não se preocupo com isso, - Ele sentou-se numa poltrona, analisando-a. -A senhora passou um mau bocado - disse ele solidariamente.
-0 que é que o senhor sabe?-Catherine ripostou. 0 seutomfoi mais irado do que intencionara.
-Falei com a Evelyn. Ela disse-me o que se passou em St. Moritz. Lamento.
«Lá vem a maldita palavra outra vez.u
-Lamenta mesmo? Se o senhor é um médico tãobom como dizem, talvez consiga trazer o Kirk de volta à vida. -Toda a infelicidade que estivera enclausurada dentro de si explodiu, irrompendo numa torrente, e para seu horror Catherine viu que soluçava histericamente, -Deixe-me em paz-gritou.-Deixe-me em paz.
Alan Hamilton ficou a olhar para ela, sem dizer nada. Quando os soluços de Catherine finalmente passaram, ela disse num tom exausto: - Peço desculpa. Perdoe-me. Tenho de me ir embora agora. - Pôs-se de pé e dirigiu-se para a porta.
-Miss Alexander, não sei se consigo ajudá-la, mas gostaria de tentar. Apenas lhe posso prometer que tudo o que eu lhe fizer não a prejudicará.
Catherine permaneceu junto à porta, indecisa. Voltou-se para olhar para ele, os alhos rasos de água.
- Não sei qual é o meu mal - sussurrou ela. - Sinto-me tão perdida.
Alan Hamilton levantou-se e caminhou até ela.
- Então par que não tentamos encontrá-la? Vamos tentar juntos. Sente-se. Vou buscar o café.
Ele ausentou-se durante cinco minutos, e Catherine ficou ali sentada, perguntando-se como foi que ele a convencera a ficar. Ele tinha um efeito calmante. Havia algo nos seus modos que erareconfortante. «Talvez ele me possa ajudar", pensou Catherine.
Alan Hamilton regressou à sala com duas chávenas de café. - Há natas e açúcar, se desejar.
-Não, obrigada. Sentou-se à frente dela. - Sei que o seu amigo morreu num Era tão difícil abordar a questão.
-É verdade. Ele estava num declive que se pensava ter sido encerrado. 0 vento derrubou a tabuleta. É a primeira vez que enfrenta a morte de alguém tão chegado?
Como é que ela ia responder a isto? «Oh, não. 0 meu marido e a amante foram executados por tentarem assassinar-me. Todas as pessoas que me rodeiam morrem.» Isso iria abalá-lo. Ele estava ali sentado, aguardando uma resposta, «o sacana do presunçoso». Bem, ela não lhe ia dar essa satisfação, Não tinha nada que se meter na vida dela. «Odeio-o Alan Hamilton viu a ira nos olhos dela. Mudou de assunto deliberadamente.
-Como está o Wim?-perguntou. acidente de esqui.
A pergunta apanhou Catherine totalmente desprevenida. -Wim? Ele... está óptimo. Evelyn disse-me que ele é seu doente. - É, sim.
-Pode explicar como é que ele ... porque é que ele ... é assim? -0 Wim veio ter comigo porque estava sempre a ser despedido. Ele é algo de muito raro ... um misantropo genuíno. Não posso falar nas causas desse comportamento, mas, basicamente, ele odeia as pessoas. É incapaz de se relacionar com as outras pessoas.
Catherine lembrou-se das palavras de Evelyn.
«Ele então tem emoções. Nunca se ligará a ninguém.»
- Mas o Wim é brilhante em matemática - prosseguiu Alan Hamilton. - Ele está agora num trabalho onde pode aplicar esse conhecimento.
Catherine fez um sinal afirmativo com a cabeça. -Nunca conheci ninguém como ele.
Alan Hamilton inclinou-se para a frente na cadeira.
- Miss Alexander- disse ele -, aquilo por que está a passar é muito doloroso, mas acho que posso facilitar-lhe as coisas.
- Gostava de tentar.
- Não... não sei - disse Catherine. -Tudo parece tão irremediável.
-Enquanto se sentir assim-Alan sorriu-, não há outro caminho senão andar para a frente, pois não?-0 seu sorriso era contagiante. - Por que não marcamos mais uma consulta? Se no fim da próxima ainda me odiar, então desistimos.
-Eu não 0 odeio-disse Catherine em tom de desculpa. -Bem, talvez um pouco.
Alan Hamilton foi até à secretária e analisou a agenda. Tinha as horas todas tomadas.
-Que tal na próxima segunda-feira?-perguntou. -À uma?À uma era quando ele almoçava, mas estava disposta a privar-se disso. Catherine Alexander era uma mulher que transportava um fardo insuportável, e ele estava determinado a fazer tudo o que pudesse para ajudá-la.
Catherine olhou para ele durante um longo momento. - Está bem.
-Óptimo. Então até segunda. -Ele entregou-lhe um cartão. - Entretanto, se precisar de mim, aqui tem o meu número do consultório e o de casa. Tenho o sono leve, de forma que não se preocupe em acordar-me.
-Obrigada-disse Catherine, -Cá estarei na segunda-feira. 0 doutor Hamilton acompanhou a saída dela com o olhar. «Ela é tão vulnerável, e tão bela. Tenho de ter cuidado» Olhou para a fotografia da secretária. HQue iria a Angela pensar?»
A chamada chegou a meio da noite. Constantin Demiris escutou, e quando falou a sua voz estava cheia de surpresa.
- 0 Thele foi ao fundo? Não posso acreditar.
-É verdade, senhorDemiris. Aguarda costeira encontrou alguns pedaços do naufrágio.
-Houve sobreviventes?
-Não, senhor. Infelizmente, não. Perderam-se todos os marinheiros.
- Isso é terrível. Alguém sabe o que aconteceu? -Infelizmente nunca saberemos. Todas as provas estão no fundo do mar.
-0 mar-murmurou Demiris -, o mar cruel. -Entramos com a apresentação de um pedido nos seguros? -É difícil uma pessoa preocupar-se com essas coisas depois de to dos aqueles homens corajosos terem perdido a vida-mas, sim, entre com a apresentação do pedido. - 0 vaso ficaria na sua colecção particular. Agora eram horas de punir o cunhado. Spyros Lambrou estava num frenezim de impaciência, aguardando a notícia da prisão de Constantin Demiris. Mantinha o rádio constantemente ligado no seu escritório e passava a pente fino todas as edições dos jornais diários. «Eu já devia ter sabido de alguma coisa, pensou Lambrou. «Desta vez a polícia deve ter prendido o Demiris. No momento em que Tony Rizzoli informara Spyros de que Demiris concordara transportar-lhe as drogas, Lambrou dera conhecimento ã Alfândega norte-americana - anonimamente, claro - de que o Thele iria transportar uma quantidade enorme de heroína. -Já o devem ter apanhado. Porque é que os jornais não souberam da história?
0 intercomunicador soou.
- 0 senhor Demiris está na linha dois.
- É alguém que quer falar com o senhor Demiris?
-Não, senhor Lambrou. É o próprio senhor Demiris que está na linha. - As palavras provocaram-lhe um arrepio.
-Era impossível!
Nervosamente, Lambrou pegou no telefone. - Costa?
-Spyros. -A voz de Demiris era jovial.-Como é que vão as coisas?
-Tudo bem, tudo bem. Onde é que estás? - Em Atenas.
- Oh. -Lambrou engoliu nervosamente. -Não temos conversado ultimamente - disse ele.
-Tenho estado ocupado. Que tal almoçarmos hoje? Estás livre? Lambrou tinha um almoço de trabalho importante.
- Estou. Está bem.
- Óptimo. Encontramo-nos no clube. Às duas horas.
Lambrou pousou o auscultador, as mãos tremendo. 0 que é que em nome de Deus podia ter corrido mal? Bem, iria saber o que acontecera dentro de pouco tempo. Constantin Demiris deixou Spyros à espera durante meia hora, e quando, por fim, chegou disse bruscamente:
-Desculpa o atraso. -Não há problema.
Spyros analisou Demiris cuidadosamente, à procura de alguns sinais da experiência recente por que devia ter passado. «Nada»
-Estou com fome -disse Demiris animadamente. -E tu? Vamos ver o que é que há na lista para hoje. -Percorreu a ementa com um olhar atento. -Ah, Stridia. Queres abrir com ostras, Spyros?
- Não. Acho que não. - Tinha perdido o apetite.
Demiris agia com demasiada alegria, e Lambrou teve uma premonição terrível.
Depois de pedirem, Demiris disse: -Quero agradecer-te, Spyros. Spyros fitou desconfiadamente. - 0 quê?
-0 quê? 0 teres-me mandado um bom cliente ... o senhor Rizzoli. Lambrou humedeceu os lábios.
-Tu... estiveste com ele?
- Oh, estive, sim. Ele garantiu-me que íamos fazer muitos negócios juntos no futuro. -Demiris suspirou. - Embora me custe pensar que o senhor Rizzoli já não tenha muito futuro.
Spyros ficou tenso.
- 0 que é que queres dizer com isso?
A voz de Constantin Demiris endureceu.
- 0 que eu quero dizer é que o Tony Rizzoli está morto. -Como é que.. ~ 0 que é que aconteceu?
-Ele teve um acidente, Spyros.-Olhava de frente para o cunhado. - Como têm todos os que me querem enganar.
-Não... não entendo. Tu...
-Não entendes? Tu tentaste destruir-me. Falhaste. Prometo-te que teria sido muito melhor para ti se tivesses conseguido. -Não... não sei do que estás a falar.
-Não sabes, Spyros?-Constantin Demiris sorriu.-Em breve saberás. Mas primeiro vou destruir a tua irmã.
As ostras chegaram.
-Ah-disse Demiris-, parecem deliciosas. Bom apetite.
Depois, Constantin Demiris pensou no encontro com um sentimento de satisfação profunda. Spyros Lambrou era um homem completamente desmoralizado. Demiris sabia quanto Lambrou adorava a irmã e Demiris tencionava puni-los a ambos.
Mas havia algo que tinha de tratar primeiro. Catherine Alexander. Ela telefonara-lhe depois da morte de Kirk, à beira da histeria. ... é tão horrível. «Lamento muito, Catherine. Sei como devia gostar do Kirk. É uma perda terrível para nós dois. «Vou ter que alterar os meus planas», pensou Demiris. Agora não há tempo para Rafina.» Catherine era o único elo existente que o ligava ao que acontecera a Noelle Page e Larry Douglas. «Foi um erro tê-la deixado viver todo este tempo Enquanto ela estivesse viva, alguém poderia provar o que Demiris fizera, mas com ela morta ele ficaria perfeitamente seguro. Pegou no telefone da secretária e marcou um número. Quando uma voz respondeu, Demiris disse:
-Vou estar em Kowloon na segunda-feira. Esteja presente, - Desligou sem esperar uma resposta.
Os dois homens encontraram-se num edifício deserto que Demiris possuía na cidade murada. Tem de parecer um acidente. Consegue arranjar isso?-perguntou Constantin Demiris. Era um insulto. Sentia a raiva crescer dentro de si. Isso era pergunta para se fazer a um amador que se contratava na rua. Sentiu-se tentado a responder com sarcasmo: «Oh, sim. Acho que consigo fazer isso. Prefere um acidente dentro de casa? Posso fazer que ela parta o pescoço ao cair de um lanço de escadas. 0 dançarino de Marselha. Ou ela podia embebedar-se e afogar-se na banheira. A herdeira de Gstaad. Podia tomar uma dose excessiva deheroína.~ Eliminara três assim. Ou ela podia adormecer na cama com um cigarro aceso. 0 detective sueco de L'Hôtel da Margem Esquerda em Paris. «Ou será que prefere qualquer coisa no exterior? Posso provocar um acidente de trânsito, a queda de um avião ou um desaparecimento no mar.» Mas não disse nada disto, pois na verdade tinha medo do homem que se sentava à sua frente. Ouvira muitas histórias arrepiastes a seu respeito, e tinha razão para acreditar nelas, De forma que tudo o que disse foi:
-Sim, senhor, posso provocar um acidente. Ninguém irá descobrir. -Mas no momento em que dizia estas palavras a ideia passou-lhe pela cabeça: «Ele sabe que eu saberei» Ficou à espera. Ouvia os barulhos da rua do outro lado da janela, e a poliglota estridente e roufenha de línguas que pertenciam aos residentes da cidade murada. Demiris estudava-o com olhos frios e negros.
Quando finalmente falou, disse:
-Pois bem. 0 método ficará ao seu critério. - Sim, senhor. 0 alvo está aqui em Kowloon?
- Londres. Chama-se Catherine. Catherine Alexander. Trabalha nos meus escritórios de Londres.
-Dava jeito se ela me fosse apresentada. Uma pista interna. Demiris pensou por um momento:
-Vou enviar uma delegação de executivos a Londres na semana que vem. Vou fazer que você integre o grupo. - Inclinou-se para a frente e disse: - Só mais uma coisa.
-Sim,senhor?
- Quero que o corpo não consiga ser identificado por ninguém.
Constantin Demiris estava a telefonar.
-Bom dia, Catherine. Como é que se sente hoje? -Óptima, obrigada, Costa.
- Sente-se melhor? - Sinto-me.
-Óptimo. Muito me agrada ouvirisso. Vou enviaruma delegação dos executivos da nossa companhia aí a Londres para analisarem as nossas operações. Agradecia que se encarregasse deles.
- Com todo o prazer. Quando é que chegam? -Amanhã de manhã.
-Farei tudo o que puder.
- Sei que posso contar consigo. Obrigado, Catherine. -Não tem que agradecer.
-Adeus, Catherine.
A ligação foi interrompida.
«Pronto, acabou-se!~ Constantin Demiris encostou-se à cadeira, a pensar. Com Catherine fora de campo, deixava de haver pontas soltas. Agora, podia centrar toda a sua atenção na mulher e no irmão dela.
-Vamos ter companhia esta noite. Uns executivos da sede. Quero que faças o papel de anfitriã.
Havia tanto tempo que ela desempenhara as funções de anfitriã para o marido. Melina sentiu-se animada. Talvez isto altere as coisas. 0 jantar dessa noite não modificou nada. Chegaram três homens, jantaram e partiram. 0 jantar foi uma névoa. Melina foi superficialmente apresentada aos homens e permaneceu sentada enquanto 0 marido os fascinava. Ela quase se esquecera do carisma de Costa. Ele contou histórias divertidas e elogiou-os profusamente, o que muito lhes agradou. Estavam na presença de um grande homem e mostraram que estavam conscientes do facto. Melina não teve uma oportunidade para falar. De todas as vezes que começava a dizer alguma coisa, Costa interrompia-a, até que por fim permaneceu em silêncio. «Porque quis ele a minha presença?•~ Melina interrogou-se. No fim da noite, quando os homens saíam, Demiris disse: -Vocês partem para Londres logo de manhã. Tenho a certeza de que se encarregarão de tudo o que precisa de ser feito. E partiram. A delegação chegou a Londres na manhã seguinte. Eram três, todos de nacionalidades diferentes. 0 americano, Jerry Haley, era um homem alto e musculoso, com um rosto amistoso e franco e uns olhos cinzento-azulados. Tinha as maioresmãos que Catherine já algumavez vira. Ficoufascinada com elas. Pareciam ter vida própria, constantemente em movimento, contorcendo-se e virando-se, como se estivessem ansiosas porter algumacoisa para fazer. 0 francês, Yves Renard, era um contraste agudo, Era baixo e corpulento. Tinha um ar atormentado, e uns olhos frios e penetrantes que pareciam atravessar Catherine. Parecia reservado e de poucas palavras. Cauteloso foi a palavra que veio à mente de Catherine. «Mas cauteloso com quê?p Catherine interrogou-se. 0 terceiro membro da delegação era Dino Mattusi. Era italiano, cordial e insinuante, transpirando encanto por todos os poros.
- 0 senhor Demiris tem-na em alta conta -disse Mattusi. -Isso é muito lisonjeador.
- Ele disse que você vai tomar conta de nós em Londres.
- Olhe, trouxe-lhe uma pequena lembrança. - Entregou a Catherine um embrulho com uma etiqueta da Hermes. No interior havia um belo cachecol de seda,
- Obrigada - disse Catherine. - Foi muito atencioso da sua parte. -Olhou para os outros. -Permitam que lhes mostre os seus gabinetes.
Atrás deleshouve um estrondo enorme. Todos se viraram. Era um rapazinho, a olhar consternado para um pacote que deixara cair. Trazia três malas. 0 rapaz aparentava uns quinze anos e era baixo para a idade que tinha. Tinha cabelo castanho encaracolado e uns olhos verdes brilhantes, e tinha um aspecto frágil.
-Que raio -disse Renard bruscamente. -Toma cuidado com essas coisas!
-Perdão-disse o rapaz nervosamente.-Peço desculpa. Onde é que eu ponho as malas?
Renard disse impacientemente.
- Em qualquer sítio. Nós depois vamos buscá-las.
Catherine olhou para o rapaz interrogadoramente. Evelyn explicou.
- Ele deixou o trabalho de paquete que tinha em Atenas. -Nós precisávamos de outro paquete aqui.
- Como é que te chamas? - perguntou Catherine. -Atanas Stavich, senhora. -Estava quase a chorar.
-Olha, Atanas, há um quarto nas traseiras onde podes arrumar as malas. Eu depois encarrego-me delas.
0 rapaz disse agradecidamente: -Obrigado, senhora.
Catherine voltou-se para os homens.
- 0 senhor Demiris disse-me que os senhores vêm analisar a nossa operação aqui.
-Estou à vossa inteira disposição. Tentarei satisfazê-los em tudo o que venham a precisar. Agora, se me querem acompanhar-me, vou apresentá-los ao Wim e ao resto do pessoal.
Enquanto percorriam o corredor, Catherine parava para fazer as apresentações.
Chegaram à sala de Wim.
-Wim, esta é a delegação enviada pelo senhor Demiris. Yves Renard, Dino Mattusi e Jerry Haley, Acabam de chegar da Grécia. Wim lançou-lhes um olhar penetrante.
-A Grécia tem umapopulação de apenas sete milhões, seiscentos e trinta mil habitantes. -Os homens entreolharam-se, intrigados. Catherine sorriu para si própria. Eles estavam a ter exactamente a mesma reacção que ela teve quando conheceu Wim.
-Mandei preparar os seus gabinetes-disse Catherine aos homens. - Queiram seguir-me.
Quando já se encontravam no corredor, Jerry Haley perguntou:
- Que diabo era aquilo? Disseram que ele era importante por estas bandas.
- E é - assegurou-lhe Catherine. - 0 Wim está a par das finanças de todas as várias divisões.
-Eu não deixaria que ele tomasse conta do meu gato -Hamilton riu-se com desdém.
-Quando o conhecerem melhor...
-Eu não desejo conhecê-lo melhor-murmurou o francês. -Já tratei do alojamento-disse Catherine ao grupo. -Reparei que querem ficarem hotéis diferentes.
- É verdade -replicou Mattusi.
Catherine iafazer um comentário, depois decidiunão fazê-lo. Não tinha nada a ver com o facto de eles terem decidido hospedar-se em hotéis diferentes. Ele observava Catherine, pensando. HEIa é muito mais bonita do que estava à espera. Isso tornará a coisa mais interessante. E já sofreu a dor. Posso ver nos olhos dela. Vou-lhe ensinar como a dor pode ser requintada. Vamos desfrutar juntos. E, quando tiver acabado com ela, voumandá-la paraum lugar onde nãohá dor. Vaipara o Céu ou para o Inferno. Vou gostar disto. Vou gostar muitíssimo disto. Catherine levou os homens às suas respectivas salas, e, depois de eles estarem instalados, ela deuinício ao regresso à sua secretária. Do corredor, Catherine ouviu o francês berrar com o rapazinho.
- Esta pasta está errada, seu estúpido. A minha é a castanha. Castanha! Não sabes inglês?
-Está bem, senhor. Perdão, senhor. -A sua voz estava tomada de pânico.
«Vou ter de fazer alguma coisa em relação a isto, pensou Catherine.
Evelyn Kaye disse:
- Se precisares de ajuda para este grupo, conta comigo. -Agradeço, Evelyn. Não me esquecerei.
Alguns minutos depois, Atanas Stavich passou à frente do gabinete de Catherine. Ela chamou.
-Importas-te de entrar por um momento?
0 rapaz olhou para ela com uma expressão assustada.
-Está bem, minha senhora. -Ele entrou com o ar de quem estava à espera de ser chicoteado.
- Fecha a porta, por favor. - Sim, senhora.
- Puxa uma cadeira, Atanas. Manas, não ? -É, sim, senhora.
Ela tentava pô-lo à vontade, mas não estava a consegui-lo. -Não há motivo para estares com medo.
-Não, minha senhora.
Catherine pôs-se a estudá-lo, imaginando que coisas terríveis lhe haviam sido feitas para torná-lo tão medroso. Decidiu que ia tentar saber mais do seu passado.
-Atanas, se alguém aqui te incomodar ou for mau para ti, quero que venhas ter comigo. Percebes?
Ele engoliu. -Sim, senhora. Mas ela duvidou de que ele teria coragem suficiente para vir ter com ela. Alguém, algures, havia reprimido a sua personalidade. -Falaremos mais tarde-disse Catherine. Os resumos da delegação mostravam que eles trabalharam em várias divisões do extenso império de Constantin Demiris, de forma que todos haviam tido experiência dentro da organização. Quem mais intrigava Catherine era o afável italiano, Dino Mattusi. Bombardeava Catherine com perguntas para as quais ele devia ter sabido as respostas, e não pareciamuito interessado em inteirar-se das operações de Londres. De facto, parecia menos interessado na companhia do que ná vida pessoal de Catherine.
- E casada? - perguntou Mattusi. -Não.
-Mas já foi casada? -Já.
-Divorciada?
Ela queria pôr fim à conversa. - Sou viúva.
Mattusi deu-lhe um sorriso enorme.
-Aposto como tem um amigo. Entende o que eu quero dizer?
-Sim, entendo o que quer dizer-disse Catherine rispidamente. - E não é nada que lhe diga respeito. Você é casada?
- Sim, sou. Tenho mulher e quatro belos bambini. Têm muitas saudades minhas quando estou longe de casa.
-Viaja muito, senhor Mattusi? Ele pareceu ofendido.
-Dino, Dino. Senhor Mattusi é o meu pai. Sim, viajo bastante. -Sorriu para Catherine e baixou a voz. -Mas viajar às vezes pode trazer uns prazeres extras. Entende o que eu quero dizer?
Catherine devolveu-lhe o sorriso. -Não.
Às 12.15 dessa tarde, Catherine saiu para a consulta que tinha com o doutor Hamilton. Para sua surpresa, deu por si a desejá-la com ansiedade. Lembrou-se da perturbação que sentira da última vez em que fora vê-lo. Desta vez entrou no consultório com uma plena sensação de antecipação. A recepcionista tinha ido almoçar e a porta do gabinete estava aberta. Alan Hamilton estava ã espera dela. -Entre-ele cumprimentou-a.
Catherine entrou no gabinete e ele apontou para uma cadeira. -Então? Teve uma boa semana?
-Uma boa semana? Nem por isso. -Não conseguiu afastar do pensamento a morte de Kirk Reynolds. - Foi assim-assim. Eu... arranjo sempre que fazer.
-Isso ajuda muito. Há quanto tempo trabalha para o Constantin Demiris?
-Há quatro meses.
- Gosta do seu trabalho?
-Faz que eu não pense... nas coisas. Devo muito ao senhor Demiris. Não lhe posso dizer o quanto ele tem feito por mim. -Catherine sorrriu pesarosamente. -Mas acho que direi, não?
Alan Hamilton sacudiu a cabeça. -Dir-me-á apenas o que me quiser contar. Houve um silêncio. Èla por fim quebrou-o.
-0 meu marido trabalhava para o senhor Demiris. Era o piloto dele. Eu.., tive um acidente de barco e perdi a memória. Quando a recuperei, o senhor Demiris ofereceu-me este emprego.
«Estou a omitir a dor e o terror. Estarei com vergonha de lhe dizer que o meu marido me tentou matar? Será porque receio que ele vá pensar que sou menos digna? Não é fácil para nenhum de nós dois falar dos nossos passados.» Catherine olhou para ele, em silêncio. -Disse que perdeu a memória.
- É verdade.
-Teve um acidente de barco.
-Sim.-Os lábios de Catherine estavam tensos, como se estivesse determinada a dizer-lhe o mínimo possível. Ela estava dividida por um conflito terrível. Queria contar-lhe tudo e ter a ajuda dele. Não lhe queria contar nada, queria que ele a deixasse em paz.
Alan Hamilton analisava-a pensativamente. -É divorciada?
- Sou. Por um pelotão de fuzilamento. - Ele... o meu marido morreu.
-Miss Alexander... -Ele hesitou. -Importa-se que a trate por Catherine?
-Não.
- Eu chamo-me Alan. Catherine, do que é que tem medo? Ela endureceu.
- 0 que é que o leva a pensar que tenho medo? - Não tem?
- Não. - Desta vez o silêncio foi mais longo.
Ela estava receosa de exprimir-se por palavras, receosa de pôr a realidade a descoberto.
-As pessoas que me rodeiam... parece que morrem. Se ficou surpreso, não mostrou.
- E você acredita que é a causa das suas mortes? -Sim. Não. Não sei. Estou... confusa.
- Nós culpamo-nos muitas vezes por coisas que acontecem aos outros. Se um casal se divorcia, os filhos pensam que a culpa é deles. Se alguém roga uma praga a uma pessoa e essa pessoa morre, a outrapensa quefoi a causa do sucedido. Esse tipo de crençanão é de modo algum invulgar. Você...
-E mais do que isso.
-É?-Ele observou-a, pronto a ouvir. As palavras jorravam.
- 0 meu marido foi morto, bem como a... a amante dele. Os dois advogados que os defenderam morreram. E agora... -Avoz dela mudou de tom. - 0 Kirk.
-E você pensa que é responsável por todas essas mortes. É um fardo tremendo para carregar, não?
-Parece que eu... sou uma espécie de amuleto do azar. Tenho receio de ter uma relação com outro homem. Não acho que seria capaz de resistir se alguma coisa...
-Catherine, sabe,por que vida você é responsável? Pela sua. Pela de mais ninguém. E-lhe impossível controlar a vida e a morte de outra pessoa. Você está inocente. Não teve nada a ver com nenhuma das outras mortes. Precisa de entender isso.
«Você está inocente. Vocë não teve nada a ver com nenhuma dessas mortes.» E Catherine ficou a pensar nestas palavras. Queria desesperadamente acreditar nelas. «Aquelas pessoas tinham morrido por causa dos seus actos, não por causa dos dela. E, quanto a Kirk, foi um acidente infeliz. Não foi? Alan Hamilton ficou a observá-la em silêncio. Catherine ergueu 0 olhar e pensou: ~
- Obrigada - disse Catherine. - Vou.„ vou tentar acreditar nisso. Terei de habituar-me à ideia.
Alan Hamilton sorriu.
- Habituar-nos~mos juntos. Vai voltar? - 0 quê?
-Esta sessão foi experimental, lembra-se? Você ficou de decidir se queria continuar.
Catherine não hesitou. -Voltarei, sim, Alan, Depois de ela partir, Alan Hamilton ficou a pensar nela. Ele tratara de muitas doentes atraentes durante os anos de prática, e algumas delas deram sinal de interesse sexual por ele, Mas ele era um psiquiatra demasiado bom para consentir atentação. Uma relação pessoal com uma doente eraum dos primeiros tabus da sua profissão. Teria sido uma traição. 0 doutor Alan Hamilton era originário de um meio médico. 0 pai eraum cirurgião que desposara a enfermeira, e o avô deAlan fora um cardiologistafamoso. Desde menino, Alan sabia que queria sermédico. Um cirurgião como o pai. Frequentara a faculdade de medicina da King~s College e, após a licenciatura, especializara-se em cirurgia. Tinha uma queda natural para isso, uma aptidão que não podia ser ensinada. E então, no dia 1 de Setembro de 1939, o exército do Terceiro Reich atravessara a fronteira da Polónia, e dois dias depois a Grã-Bretanha e a França declararam guerra. A Segunda Guerra Mundial havia começado. Alan Hamilton assentara praça como cirurgião. A 22 de Junho de 1940, depois de as forças do Eixo terem conquistado a Polónia, a Checoslováquia, a Finlândia, a Noruega e os Países Baixos, a França rendeu-se, e o impacte da guerra caiu sobre as Ilhas Britânicas. A princípio, eram cem os aviões que diariamente lançavam bombas sobre cidades britânicas. Em breve eram duzentos aviões, depois mil. Acarnificina estava para além da imaginação.Osferidos e osmoribundos estavam por toda a parte. As cidades estavam em chamas. Mas Hitler avaliara muito mal os ingleses. Os ataques apenas serviram para fortalecer a sua determinação. Estavam prontos a morrer pela liberdade. Não havia folga, dia ou noite, e Alan Hamilton dava por si sem dormir for períodos que por vezes se estendiam até sessentahoras. Quando ohospital deurgências onde trabalhavafoi bombardeado, ele levou os doentes para um armazém. Salvou inúmeras vidas, trabalhando sob as condições mais arriscadas possíveis. Em Outubro, quando o bombardeamento estava no seuponto mais alto, as sirenes do antiaéreo soaram e as pessoas dirigiam-se para os abrigos antiaéreos subterrâneos. Alan estava a meio de uma operação e recusou-se aabandonar o doente. As bombas aproximavam-se. Um médico que trabalhava com Alan disse: