O CÉU ESTÁ CAINDO O CÉU ESTÁ CAINDO


Sidney Sheldon


Para Alexandra, o anjo sobre meu ombro “O céu está caindo!

Chicken Little “Mostre-me um herói, que lhe escrevo uma tragédia.”

F Scott Fitzgerald.


PRÓLOGO


ATA CONFIDENCIAL DA REUNIÃO: PARA SER DESTRUÍDA LOGO APÓS O


RECEBIMENTO.


LOCAÇÃO: CONFIDENCIAL


DATA: CONFIDENCIAL


Havia doze homens no gabinete subterrâneo fortemente vigiado, representando doze países bem variados. Sentavam-se em poltronas confortáveis, dispostas em seis fileiras e separadas quase um metro umas das outras. Prestavam intensa atenção quando o orador lhes dirigiu a palavra.

- Tenho a grata satisfação de informar a vocês que a ameaça com que todos andamos profundamente preocupados está prestes a ser eliminada. Não preciso entrar em detalhes, porque todo o mundo tomará conhecimento disso dentro das próximas 24 horas. Estejam certos de que nada nos deterá.

Os portões continuarão abertos. Começaremos agora o leilão do silêncio.

Alguém dá um primeiro lance? Sim. Um bilhão de dólares. Alguém dá dois? Dois bilhões. Alguém dá três?

Ela apertava o passo pela Pennsylvania Avenue, a um quarteirão da Casa Branca, tiritando sob o frio vento de dezembro, quando ouviu o apavorante e ensurdecedor grito das sirenes de ataque aéreo repentino, e logo depois o barulho de um bombardeiro acima, pronto para despejar sua carga mortal.

Parou, imóvel, engolida por um intenso nevoeiro de terror De repente, viuse de volta a Sarajevo e ouvia o estridente assobio de bombas caindo.

Cerrou com força os olhos, mas era impossível tapar a visão do que acontecia à sua volta. O céu estava em chamas, e ela ensurdecida pelo barulho do tiroteio de armas automáticas, aviões rugindo e letais granadas de morteiros. Os prédios próximos desmoronavam e cuspiam saraivadas de cimento, tijolos e poeira. Pessoas apavoradas corriam disparadas para todos os lados, tentando vencer a morte.

De longe, muito longe, uma voz masculina perguntava:

- Está tudo bem com você?

Devagar, cautelosa, ela abriu os olhos. Tinha voltado à Pennsylvania Avenue, à fria luz do sol de inverno, prestando atenção aos ruídos que se extinguiam do jato e da sirene de ambulância que Lhe haviam desencadeado as lembranças.

- Senhorita… está tudo bem com você? Ela se esforçou para voltar ao presente.

- Sim. Está… estou bem, obrigada.

Ele fitava-a.

- Espere um instante! Você é Dana Evans. Sou um grande fã seu. Vejo você toda noite na WTN, e vi todas as suas transmissões da Iugoslávia - disse, a voz cheia de entusiasmo. Deve ter sido mesmo emocionante para você cobrir aquela guerra, hem?

- É, foi.

Dana Evans sentia a garganta seca. Emocionante ver pessoas indo pelos ares estraçalhadas, ver os corpos de bebês atirados dentro de poços, pedaços de seres humanos flutuando corrente abaixo por um rio de sangue.

De repente, sentiu náuseas.

- Com licença. - Virou-se e afastou-se apressada.

Dana Evans tinha retornado da Iugoslávia apenas três meses antes. As lembranças continuavam muito frescas. Parecia irreal andar sem medo pelas ruas em plena luz do dia, ouvir pássaros gorjeando e pessoas rindo.

Não havia risadas em Sarajevo, só o barulho de morteiros a explodir e os angustiados gritos que se seguiam.

John Donne tinha razão, pensou Dana. Nenhum homem é uma ilha. O que acontece a um, acontece a todos nós, pois somos todos feitos de barro e poeira de estrelas. Partilhamos os mesmos momentos do tempo. O segundo ponteiro universal começa seu imperdoável e inexorável avanço para o minuto seguinte: Em Santiago, menina de dez anos vem sendo estuprada pelo avô…

Na cidade de Nova York, dois jovens apaixonados beijam-se à luz de velas…

Em Flandres, jovem de 12 anos dá à luz um bebê deficiente físico…

Em Chicago, um bombeiro arrisca a vida para salvar um gato de um prédio em chamas…

Em São Paulo, centenas de torcedores são mortos pisoteados numa partida de futebol quando a arquibancada desaba…

Em Pisa, mãe chora de alegria ao ver seu bebê dar os primeiros passos…

Tudo isso e infinitamente mais no espaço de sessenta segundos, pensava Dana. E depois o tempo tiquetaqueia até acabar nos mergulhando na mesma eternidade desconhecida.

Dana Evans, aos 22 anos, era linda, o físico esbelto, cabelos negros como tição, olhos cinzentos grandes e inteligentes, o rosto em forma de coração e uma risada simpática, contagiante.

Tinha sido criada como uma fedelha do exército, filha de um coronel que viajava de uma base para outra como instrutor de armamento, e esse tipo de vida tinha lhe dado um gostinho pela aventura. Era vulnerável e ao mesmo tempo destemida, e a combinação se fazia irresistível. Durante o ano que cobriu a guerra na Iugoslávia, pessoas de todas as partes do mundo haviam ficado fascinadas pela jovem linda, passional, que transmitia notícias em meio à guerra, arriscando a vida para informar os fatos mortais que ocorriam à sua volta. Agora, aonde quer que fosse, percebia sinais e sussurros de reconhecimento. Dana Evans sentia-se constrangida por sua celebridade.

Apertando o passo pela avenida, ao passar pela Casa Branca, Dana conferiu as horas no relógio de pulso e pensou: Vou chegar atrasada para a reunião.

A sede da Washington Tribune Enterprises ocupava todo o quarteirão da rua Seis, com quatro prédios separados: a gráfica dos jornais, as salas da redação separadas por divisórias, uma torre executiva e um complexo de transmissão de TV. Os estúdios da televisão WTE ocupavam o sexto andar do Prédio Quatro. O lugar vivia carregado de energia, as balas zumbindo com pessoas trabalhando em computadores. Telegramas de cinco agências lançavam o tempo todo notícias atualizadas de todo o mundo. A imensidão da operação jamais cessava, para assombro e emoção de Dana.

Foi ali que ela conheceu Jeff Connors. Famoso jogador de beisebol antes de ferir o braço num acidente de esqui, ele agora era repórter esportivo da WTN e também escrevia uma coluna diária para a agência de notícias do Washington Tribune. Na faixa dos trinta anos, alto e magro, tinha uma aparência de garoto e um encanto natural, descontraído, que atraía as pessoas. Jeff e Dana haviam-se apaixonado e falado de casamento.

Nos três meses desde que ela retornara de Sarajevo, os acontecimentos em Washington mudaram rapidamente. Leslie Stewart, ex-proprietária da Washington Tribune Enterprises, vendeu a empresa e desapareceu, e o conglomerado foi comprado por um magnata da mídia internacional, Elliot Cromwell.

A reunião de produção da manhã com Matt Baker e Elliot Cromwell ia começar. Quando chegou, Dana foi recebida por Abbe Lasmann, a ruiva sensual assistente de Matt.

- O pessoal está esperando você - disse Abbe.

- Obrigada, Abbe. - Dana entrou no escritório de quina. - Matt, Elliot…

- Está atrasada - grunhiu Matt Baker Era um homem baixo, de seus cinqüenta e poucos anos, grisalho, com um jeito carrancudo, impaciente, alimentado por uma mente brilhante e agitada. Usava ternos amarrotados que davam a impressão de que dormia vestido neles, e Dana desconfiava que dormia mesmo. Dirigia a operação televisiva da Washington Tribune Enterprises.

Elliot Cromwell tinha sessenta e poucos anos, uma atitude amistosa, aberta, e um sorriso imediato. Era bilionário, mas havia dezenas de versões diferentes de como adquirira sua imensa fortuna, algumas delas nada lisonjeiras. No ramo da mídia, onde o objeto era disseminar informação, Elliot Cromwell era um enigma.

Ele olhou para Dana e disse:

- Matt me disse que estamos mais uma vez derrotando a concorrência. Seus índices continuam subindo.

- Fico feliz em saber, Elliot.

- Dana, assisto a meia dúzia de noticiários toda noite, mas o seu é diferente de todos os outros. Não sei ao certo por que, mas gosto dele.

Dana podia ter-lhe dito o motivo. Os outros repórteres falavam para - não com - audiências de milhões, anunciando as notícias. Ela decidira fazer isso de maneira pessoal. Em sua mente, falaria numa noite com uma viúva solitária, na seguinte com um recluso sem esperanças deitado na cama, e na outra com um vendedor afastado do lar e da família em algum lugar muito distante. As notícias que transmitia pareciam pessoais e íntimas, e os telespectadores as adoravam e davam retorno.

- Soube que vai ter um convidado empolgante para entrevistar esta noite - disse Matt Baker Dana confirmou com a cabeça.

- Gary Winthrop.

Gary Winthrop, o Príncipe Encantado dos Estados Unidos.

Membro de uma das famílias mais ilustres do país, era jovem, bonito e carismático.

- Ele não parece uma personalidade pública - disse Cromwell. - Como conseguiu convencê-lo a dar a entrevista?

- A gente tem um hobby comum - disse-lhe Dana.

Cromwell arqueou as sobrancelhas.

- É mesmo?

- É- sorriu Dana. -Gosto de ver Monets e van Goghs, e ele gosta de comprá-los. Falando sério, já o entrevistei antes e ficamos amigos. Vamos passar uma fita da coletiva de imprensa dele que cobriremos esta tarde.

Minha entrevista vai ser um outro bloco.

- Maravilha - sorriu Cromwell, radiante.

Passaram a hora seguinte conversando sobre o novo programa que a rede planejava, Linha do Crime, uma hora de investigação que Dana ia produzir e apresentar. O objetivo era duplo: corrigir injustiças cometidas e estimular o interesse pela solução de crimes esquecidos.

- Há muitos outros programas de realidade no ar - advertiu Matt -, por isso temos de ser melhores que eles. Quero que comecemos com um arrebatador. Que capture a atenção da audiência e…

A campainha do interfone tocou. Matt Baker apertou uma tecla.

- Eu disse a vocês, nada de telefonemas. Por que…? A voz de Abbe surgiu do interfone.

- É para a Srta. Evans. Um telefonema da escola de Kemal.

Parece urgente.

Matt Baker olhou para Dana.

- Linha Um.

Ela pegou o telefone, o coração martelando.

- Alô… Kemal está bem? - Escutou por um momento.

- Entendo… Entendo… Sim, vou já para aí. - Depôs o receptor - Qual o problema? - perguntou Matt.

- Eles gostariam que eu fosse à escola pegar Kemal.

Elliot Cromwell franziu o cenho.

- É o garoto que trouxe de Sarajevo?

- É.

- Uma matéria e tanto, aquela.

- É - disse Dana, relutante.

- Não o encontrou num terreno baldio?

- Isso mesmo - disse Dana.

- Tinha alguma doença, ou coisa assim?

- Não - disse ela com firmeza, não gostando sequer de falar daquela época.

- Kemal perdeu um braço. Foi arrancado por uma bomba.

- E você o adotou?

- Ainda não oficialmente, Elliot. Mas vou adotar. Por enquanto, ele é meu filho postiço.

- Bem, vá então buscá-lo. A gente discute o Linha do Crime depois.

Quando Dana chegou à Escola Theodore Roosevelt, foi direto para a sala da assistente do diretor, Vera Kostoff, uma mulher de aparência atormentada, prematuramente grisalha, de seus cinqüenta e poucos anos.

Encontrou-a sentada à escrivaninha, e Kemal do outro lado da mesa. Com doze anos, ele era pequeno para a idade. Magro, amarelado, tinha os cabelos louros desgrenhados e um queixo obstinado. Via-se a manga vazia onde deveria estar o braço direito. Seu corpo franzino parecia encolhido pelo espaço em volta.

Quando Dana entrou, a atmosfera na sala era lúgubre.

- Como vai, Sra. Kostoff? - disse Dana, sorrindo. Kemal.

Ele fitava os sapatos.

- Pelo que entendi, há algum problema - continuou Dana.

- Sim, sem a menor dúvida, Srta. Evans. - Vera estendeu a Dana uma folha de papel.

Dana fitou-a, intrigada. Liam-se Vodja, pizda, zbosti, fukai nezakonski otrok, umreti, tepec. Ela ergueu os olhos.

- Eu… Eu não entendo. São palavras sérvias, não? A Sra. Kostoff disse, enfática:

- Na verdade, são. É uma infelicidade de Kemal o fato de eu por acaso ser sérvia. São palavras que ele tem usado na escola. - O rosto enrubesceu. - Nem motoristas de caminhão sérvios falam desse jeito, Srta. Evans, e não vou tolerar isso vindo da boca desse garoto. Kemal me chamou de pizda.

Dana perguntou:

- Pi…?

- Entendo que Kemal acabou de chegar ao nosso país, tentei fazer concessões, mas o… o comportamento dele é péssimo, vive se metendo em brigas. E quando o repreendi esta manhã, ele… ele me insultou. Já passou dos limites.

Dana disse, com tato:

- Tenho certeza que entende como deve ser difícil para ele, Sra. Kostoff, e…

- Como Lhe disse antes, tenho feito concessões, mas ele está abusando de minha paciência.

- Compreendo. - Dana olhou para Kemal. Ele continuava cabisbaixo, os olhos fixos no chão, a fisionomia carrancuda.

- Espero que este seja realmente o último incidente - disse a Sra. Kostoff.

- Eu também. - Dana levantou-se.

- Tenho o boletim de Kemal para lhe dar. - A Sra. Kostof abriu uma gaveta, tirou um cartão e entregou-o a Dana.

- Obrigada - disse ela.

A caminho de casa, Kemal ficou calado.

- Que vou fazer com você? - perguntou Dana. - Por que está sempre se metendo em brigas, e por que usa palavras como aquelas?

- Eu não sabia que ela falava sérvio.

Quando chegaram ao apartamento de Dana, ela disse:

- Tenho de voltar para o estúdio, Kemal. Você vai ficar bem aqui sozinho?

- Isso aí.

A primeira vez em que Kemal lhe disse isso, Dana achou que o garoto não entendera a pergunta, mas logo aprendeu que a palavra era parte do idioma misterioso falado pelos jovens.

“Isso ai’ queria dizer “sim”. “Boquete” descrevia membros do sexo oposto; bonita, quente e tentadora. Tudo era maneiro, sinistro ou legal. Quando não gostavam de alguma coisa, era um “saco”.

Dana pegou o boletim que a Sra. Kostoff lhe dera. Examinou-o e franziu os lábios. História, D. Inglês, D. Ciências, D. Estudos Sociais, F Matemática,


A.


Olhando o boletim, Dana pensava: Ai, meu Deus, que vou fazer?

- A gente conversa sobre isso depois, Kemal - disse. Estou atrasada.

Kemal era um enigma para Dana. Quando estavam juntos, ele se comportava às mil maravilhas. Era amoroso, solícito e carinhoso. Nos fins de semana, ela e Jeff transformavam Washington num playground para ele.

Iam ao Zoológico Nacional, com sua espetacular variedade de animais selvagens, estrelada por dois gigantescos e exóticos pandas. Visitaram o Museu Nacional Aeroespacial, onde Kemal viu o primeiro avião dos irmãos Wright pendendo do teto, depois percorreram a Estação Espacial e tocaram em pedras lunares. Foram ao Kennedy Center e ao Arena Stage.

Apresentaram Kemal à piada do Tom Tom, aos tacos do Mextec e ao frango frito à moda do Sul do Georgia Brown’s. Ele adorou cada momento.

Adorava ficar com Dana E Jeff.

Mas… quando Dana tinha de sair para o trabalho, ele se transformava.

Ficava hostil e belicoso. Era impossível Dana conservar uma governanta, e as babás contavam histórias terríveis sobre uma noite passada com Kemal.

Jeff e Dana tentavam argumentar com ele e convencê-lo, mas isso não exercia influência alguma. Talvez Kemal precisasse de ajuda profissional, pensou Dana, sem a mínima idéia dos terríveis medos que o atormentavam.

O noticiário da noite da rede WTN entrou no ar Sentados ao lado de Dana, seu bonito e atraente co-âncora, Richard Melton, e Jeff Connors.

Dana Evans dizia: -… e no noticiário internacional, França e Inglaterra continuam batendo de frente sobre a doença da vaca louca. Com vocês, René Linaud, falando de Rheims.

Na cabine de controle, a diretora, Anastasia Mann, ordenou:

- Passem para o telecomando…

Uma paisagem no campo francês surgiu nas telas de televisão.

A porta do estúdio abriu-se, um grupo de homens entrou e aproximou-se da mesa dos âncoras.

Todos ergueram os olhos. Tom Hawkins, o jovem e ambicioso produtor do noticiário da noite, disse:

- Dana, você conhece Gary Winthrop.

- Claro.

Em pessoa, Gary Winthrop era ainda mais bonito que nas fotos. Quarenta e poucos anos, olhos azuis-claros, um sorriso cativante e um enorme encanto.

- Mais uma vez nos encontramos, Dana. Obrigado por me convidar - Eu que Lhe agradeço por ter vindo.

Ela olhou em volta. Meia dúzia de secretárias haviam de repente arranjado motivos urgentes para ficar no estúdio. Gary Winthrop deve estar acostumado a isso, pensou Dana, achando divertido.

- Seu bloco vai ser dentro de alguns minutos. Por que não se senta aqui a meu lado? Este é Richard Melton. - Os dois se cumprimentaram com um aperto de mãos. - Conhece Jeff Connors, não?

- Pode apostar que sim. Devia estar lá arremessando, Jeff, em vez de comentando o jogo.

- Quem dera que eu pudesse - disse Jeff, pesaroso.

Enquanto o telecomando da França chegava ao fim e eles passavam para um comercial, Gary Winthrop sentou-se e assistiu ao fim do intervalo.

Da cabine de controle, Anastasia Mann avisou:

- Fiquem a postos. Vamos gravar. - Silenciosa, contou com. O indicador apontado. - Três… dois… um…

A cena no monitor reluziu e expôs o exterior do Museu de Arte de Georgetown. Um comentarista, o microfone na mão, enfrentava o vento frio.

- Estamos diante da fachada do Museu de Arte de Georgetown, no interior do qual se encontra o Sr Gary Winthrop, numa cerimônia que assinala sua doação de cinqüenta milhões de dólares ao museu. Agora, vamos até lá dentro…

A cena na tela mudou para o espaçoso interior do museu de arte. Várias autoridades municipais, dignitários e equipes de televisão reunidos em volta de Gary Winthrop. O diretor, Morgan Ormond, entregava-lhe uma grande placa.

- Sr Winthrop, em nome do museu, dos muitos visitantes que o freqüentam, e dos curadores, queremos agradecer-lhe por essa generosíssima contribuição.

As luzes das câmeras se acenderam.

Gary Winthrop disse:

- Espero que isso dê aos jovens pintores americanos uma oportunidade melhor não apenas de se expressarem, mas dE terem seu talento reconhecido em todo o mundo.

O grupo aplaudiu.

O repórter na fita dizia:

- Aqui, Bill Toland, no Museu de Arte de Georgetown De volta ao estúdio.

Dana…

A luz vermelha da câmera acendeu-se.

- Obrigada, Bill. Somos muito afortunados por ter o Sr Gary Winthrop conosco para discutir o propósito de sua grande doação.

A câmera recuou, abriu um ângulo maior, revelando Gary Winthrop no estúdio.

Dana perguntou:

- Essa doação de cinqüenta milhões de dólares, Sr Winthrop, será usada para comprar pinturas para o museu?

- Não. É para uma nova ala que será dedicada a jovens artistas plásticos americanos, que talvez de outro modo nunca teriam uma oportunidade de mostrar o que sabem fazer. Parte do fundo será usada em bolsas de estudo para crianças talentosas em cidades do interior Numerosos jovens crescem sem saber nada de arte. Podem ouvir falar dos grandes impressionistas franceses, mas quero que conheçam sua própria herança. Pintores americanos como Sargent, Homer e Remington. Esse dinheiro será usado para incentivar jovens artistas plásticos a realizarem seu potencial artístico e fazer com que todos os jovens adquiram um interesse pela arte.

- Há um rumor de que o senhor planeja candidatar-se ao Senado, Sr Winthrop. Isso tem algum fundo de verdade? Perguntou Dana.

Gary Winthrop sorriu.

- Estou testando as águas.

- Elas são muito convidativas. Nas votações experimentais, vimos que o senhor saiu na frente.

Gary Winthrop fez que sim com a cabeça.

- Minha família tem um longo histórico de serviço governamental. Se eu puder ser útil a este país, farei tudo o que for convocado a fazer - Obrigada por sua presença aqui conosco, Sr Winthrop.

- Eu é que agradeço a vocês.

No intervalo comercial, Gary Winthrop despediu-se e saiu do estúdio.

Jeff Connors, sentado ao lado de Dana, comentou:

- Precisamos de mais gente como ele no Congresso.

- Amém.

- Talvez pudéssemos cloná-lo. Por falar nisso, como vai Kemal?

Dana contraiu-se.

- Jeff, por favor, não mencione Kemal e clonagem numa mesma frase. Não sei mais como lidar com a coisa.

- O problema na escola esta manhã foi resolvido?

- Sim, mas isso foi hoje. Amanhã é…

- De volta ao ar. Três… dois… um… - avisou Anastasia Mann.

A luz vermelha piscou. Dana olhou para o teleprompter.

- Agora é hora dos esportes, com Jeff Connors.

Jeff olhou dentro da câmera.

- O Mago Merlin fez falta esta noite nos Wizards de Washington. Reggie Jordan tentou sua magia e Mitch Raymond e Ishdi White ajudaram a mexer a poção no caldeirão, mas ela ficou amarga, e eles acabaram tendo de engoli-la junto com seu orgulho…

Às duas da manhã, na casa de campo de Gary Winthrop, na seção noroeste da elite de Washington, dois homens retiravan quadros das paredes da sala de visitas. Um deles usava a máscara do Zorro, o outro a do Capítão Meíanoite.

Trabalhavan num ritmo sem pressa, arrancando as pinturas das molduras e pondo a pilhagem em grandes sacos de aniagem grossa.

- A que horas a patrulha vai passar de novo? - perguntou o Zorro.

O Capitão Meía-noite respondeu:

- Às quatro da manhã.

- Simpático da parte deles cumprir um horário que nos dá tempo, não?

- Éisso aí.

O Capitão Meia-noite retirou um quadro da parede e jogou-o com força no chão de mármore, fazendo um grande barulho. Os dois pararam o que faziam e prestaram atenção Silêncio.

O Zorro dísse:

- Tente de novo. Mais alto.

O Capitão Meia-noite pegou outro quadro e atirou-o pesadamente no chão.

- Agora vamos ver o que acontece.

Em seu quarto no andar de cima, Gary Wínthrop foi acordado pelo barulho. Sentou-se na cama. Ouvira um ruído, ou sonhara? Prestou atenção por um momento mais longo. Silêncio. Sem saber ao certo, levantou-se, foí até o corredor e apertou o interruptor da luz. O corredor continuou escuro.

- Ei! Tem alguém aí embaixo?

Não houve resposta. No andar de baixo, ele atravessou o longo corredor até chegar à porta da sala de visitas. Parou e fitou incrédulo os dois mascarados.

- Que diabo estão fazendo?

O Zorro voltou-se para ele e disse:

- Oi, Gary. Desculpe por termos acordado você. Volte para a cama e vá dormir -Uma Beretta com um silenciador apareceu em sua mão.

Ele apertou o gatilho duas vezes e viu o peito de Gary Winthrop explodir numa chuvarada vermelha. O Zorro e o Capitão Meia-noite viram-no cair no chão. Satisfeitos, viraram-se e continuaram a retirar as pinturas.

Dana Evans foi acordada pela incessante campainha do telefone. Esforçouse para sentar-se na cama e olhou para o relógio na mesinha-de-cabeceira, os olhos injetados. Eram cinco da manhã. Ela atendeu.

- Alô?

- Dana…

- Matt?

- Veja se dá um jeito de chegar o mais rápido possível ao estúdio.

- Que foi que houve?

- Passo tudo para você quando chegar aqui.

- Já estou indo.

Quinze minutos depois, vestida às pressas, Dana batia na porta do apartamento dos Whartons, os vizinhos do lado.

Dorothy Wharton abriu a porta vestindo um robe. Olhou assustada para Dana.

- Dana, qual é o problema?

- Detesto fazer isso com você, Dorothy, mas fui chamada ao estúdio numa emergência. Se incomodaria de levar Kemal à escola?

- Ora, claro que não. Será um prazer.

- Muitíssimo obrigada. Ele tem de estar lá às quinze para as oito e vai precisar de café da manhã.

- Não se preocupe. Cuido de tudo. Pode ir correndo.

- Obrigada - disse Dana, agradecida.

Abbe Lasmann já estava em seu escritório, parecendo sonolenta.

- Ele está a sua espera.

Dana entrou na sala de Matt.

- Tenho algumas notícias terríveis - disse ele. - Gary Winthrop foi assassinado no início da madrugada.

Dana afundou numa poltrona, aturdida.

- Como? Quem…?

- Aparentemente, a casa estava sendo roubada. Quando enfrentou os ladrões, eles o assassinaram.

- Oh, não! Ele era tão maravilhoso! - Dana lembrou-se da amizade e do calor humano do atraente filantropo e sentiu-se muito mal.

Matt balançava a cabeça, incrédulo.

- Com essa… meu Deus… é a quinta tragédia.

- O que quer dizer.. a quinta tragédia? Matt olhou para ela surpreso, aí, de repente, compreendeu.

- Claro… você estava em Sarajevo. Imagino que lá, com a guerra comendo feio, o que aconteceu com os Winthrops no ano passado não devia ser notícia de primeira linha. Ouviu falar de Taylor Winthrop, o pai de Gary?

- Sim. Era senador. Ele e a mulher não morreram num incêndio no ano passado?

- Isso mesmo. Dois meses depois, o filho mais velho deles morreu num acidente de automóvel. E um mês e meio depois foi a filha Julie, num acidente de esqui. - Matt fez uma pausa.

- E agora, nesta madrugada, Gary, o último da família.

Dana calou-se, aturdida.

- Dana, os Winthrops são uma lenda. Se este país tivesse uma família real, eles é que usariam a coroa. Inventaram o carisma. Ficaram famosos em âmbito mundial por sua filantropia e serviços prestados ao governo. Gary planejava seguir os passos do pai e concorrer ao Senado, e era encarado como o vencedor certo. Agora, ele se foi. Em menos de um ano, uma das mais ilustres famílias do mundo foi totalmente dizimada.

- Eu… eu não sei o que dizer - É melhor pensar em alguma coisa - disse Matt, ríspido. - Você entra no ar em vinte minutos.

A notícia da morte de Gary Winthrop transmitiu ondas de choque a todo o mundo. Comentários de líderes governamentais lampejaram nas telas de televisão em todo o planeta.

- É como uma tragédia grega…

- Inacreditável…

- Uma irônica reviravolta do destino…

- O mundo sofreu uma grande perda…

- Os mais brilhantes e os melhores, e agora se foram todos…

Parecia que todo mundo não falava de outro assunto senão do assassinato de Gary Winthrop. Uma onda de tristeza inundou o país. A morte de Gary Winthrop trouxera de volta a lembrança das outras mortes trágicas na família.

- É tão irreal - disse Dana a Jeff. - Toda a família devia ser tão maravilhosa.

- E eram. Gary era um verdadeiro fã de esportes, e um grande patrocinador - Jeff balançou a cabeça de um lado para outro. - É difícil acreditar que dois ladrõezinhos liquidaram uma pessoa tão maravilhosa.

Ao volante, a caminho do estúdio na manhã seguinte, Jeff disse:

- Ah, a propósito, Rachel está aqui na cidade.

A propósito? Mas como ele é natural. Natural demais, pensou Dana.

Jeff tinha sido casado com Rachel Stevens, uma top model.

Dana vira o retrato dela em anúncios de televisão e capas de revistas. Era difícil acreditar que uma mulher pudesse ser tão linda. Mas na certa não tem uma célula cerebral funcionando na cabeça, decidiu Dana. Em compensação, com aquele rosto e corpo, não precisa de cérebro.

Dana conversara sobre Rachel com Jeff.

- Que aconteceu com o casamento?

- No início foi fantástico - disse-lhe Jeff: - Rachel me dava um grande apoio, era muito compreensiva. Embora odiasse beisebol, ia aos jogos me ver jogar. Além disso, tínhamos muita coisa em comum.

Aposto que tinham.

- Ela é mesmo uma mulher maravilhosa, completamente autêntica. Adorava cozinhar Quando estava numa filmagem, cozinhava para as outras modelos.

Grande jogada para livrar se da competição. Na certa, elas caíam como moscas.

- Como?

- Eu não disse nada.

- Em todo caso, ficamos casados cinco anos.

- E aí?

- Rachel fazia o maior sucesso. Era sempre requisitada, e seu trabalho a levou ao mundo inteiro. Itália… Inglaterra…

Jamaica… Tailândia… Japão… Diga qualquer lugar que queira.

Enquanto isso, eu jogava bola em todos os cantos do país. Não nos encontrávamos, nem ficávamos juntos com muita freqüência. Aos poucos, a magia foi desaparecendo.

A pergunta seguinte parecia lógica, pois Jeff adorava crianças.

- Por que vocês não tiveram filhos? Ele deu um sorriso forçado.

- Não é bom para a forma física de uma modelo. Aí, um dia, Roderick Marshall, um dos diretores bambas de Hollywood, mandou chamá-la.

Rachel foi para Hollywood. - Jeff hesitou.

- Ela me ligou uma semana depois para dizer que queria o divórcio.

Achava que tínhamos ficado muito afastados um do outro. Tive de concordar. Dei o divórcio. Logo depois, quebrei o braço.

- E se tornou um comentarista esportivo. E Rachel? Não estourou no cinema?

Jeff fez que não com a cabeça.

- Não, ela não se interessava a sério. Mas está se saindo simplesmente muito bem.

- Vocês continuam amigos? - Uma pergunta carregada.

- Sim. Para falar a verdade, quando ela me telefonou contei sobre nós. Ela quer conhecê-la.

Dana franziu a testa.

- Jeff, não acho que…

- Ela é muito simpática mesmo, querida. Vamos almoçar todos juntos amanhã. Você vai gostar de Rachel.

- Com certeza que vou - concordou Dana.

Como uma bola de neve no inferno, pensou Dana. Mas afinal não tenho hábito de falar com muitas cabeças ocas.

A cabeça oca acabou sendo ainda muito mais linda que Dana temia. Rachel Stevens era alta e esguia, com longos e luminosos cabelos louros, a cútis bronzeada, perfeita, e traços faciais impressionantes. Dana detestou-a à primeira vista.

- Dana Evans, esta é Rachel Stevens.

Não devia ser: Rachel Stevens, esta é Dana Evans?, pensou Dana.

A supermodelo dizia: -…suas transmissões de Sarajevo sempre que eu podia.

Eram incríveis. Dava pra todos nós sentirmos seu coração partido e partilhar de sua dor Como a gente responde a um elogio sincero?

- Obrigada - disse Dana, sem muita entonação.

- Onde gostariam de almoçar? - perguntou Jeff.

Rachel sugeriu:

- Tem um restaurante maravilhoso chamado Estreitos da Malásia. Fica a dois quarteirões de Dupont Circle. - Virou-se para Dana e perguntou: - Você gosta de comida tailandesa? Como se ela realmente se importasse.

- Gosto.

Jeff sorriu.

- Ótimo. Vamos experimentar - Fica só a alguns quarteirões daqui. Vamos a pé? Nesse frio enregelante?

- Claro - disse Dana, disposta a enfrentar qualquer parada. Ela na certa anda nua na neve.

Os três dirigiram-se para Dupont Circle. Dana sentia-se medonha em segundo plano. Arrependia-se amargamente de ter aceitado o convite.

O restaurante acabou se revelando lotado, com uma dezena de pessoas no bar, à espera de mesas. O maitre apressou-se a recebê-los.

- Uma mesa para três - disse Jeff.

- Vocês fizeram reserva?

- Não, mas…

- Lamento, mas… - Reconheceu Jeff. - Sr Connors, é um prazer vê-lo. - Olhou para Dana. - Srta. Evans, é uma honra. - Fez um muxoxo. - Receio que haja um pequeno atraso. - Desviou o olhar para Rachel, e a expressão no rosto iluminou-se. - Srta. Stevens! Li que ia fazer um trabalho na China.

- Fiz, em Somchai. Já voltei.

- Maravilha. - Voltou-se para Dana e Jeff. - Claro que temos uma mesa pra vocês. - Levou-os a uma no centro do restaurante.

Odeio ela, pensou Dana. Odeio mesmo.

Já sentados, Jeff disse:

- Você está fantástica, Rachel. Seja lá o que anda fazendo, tem-lhe feito bem.

E podemos todos adivinhar o quê.’ - Tenho viajado muito. Acho que vou moderar um pouco o ritmo por algum tempo. - Olhou fundo nos olhos de Jeff.

- Lembra aquela noite em que eu e você…

Dana ergueu os olhos do cardápio.

- Que é udang goreng?

Rachel olhou para Dana.

- É camarão com leite de coco. Muito bem feito aqui. Voltou-se para Jeff.

- A noite em que eu e você decidimos que queríamos…

- Que é iaksa?

Rachel respondeu, paciente:

- Sopa apimentada com talharim. - Voltou-se mais uma vez para Jeff. - Você disse que queria…

- E poh pia?

Rachel desviou o olhar para Dana e disse, com calma.

- É refogado de jicama frita com legumes.

- É mesmo? - Dana decidiu não perguntar o que queria dizer jicama.

Mas no decorrer da refeição ela surpreendeu-se, porque, embora a contragosto, começava a gostar de Rachel Stevens. A ex mulher de Jeff tinha uma personalidade atraente e encantadora. Ao contrário das maiores beldades de categoria mundial, Rachel parecia inteiramente desligada de sua linda aparência, além de não exibir ego inflado algum. Inteligente e articulada, quando fez o pedido do almoço ao garçom em tailandês, não deixou transparecer nenhuma insinuação de superioridade.

Dana se perguntava: Como Jeff deixou esta mulher escapar?

- Quanto tempo vai ficar em Washington? - perguntou Dana.

- Tenho de ir embora amanhã.

- Para onde, desta vez? - Jeff quis saber.

Rachel hesitou.

- Havaí. Mas estou me sentindo muito cansada mesmo, Jeff. Cheguei até a pensar em cancelar a viagem.

- Mas não vai - disse Jeff, sabedor das coisas.

Rachel deu um suspiro.

- Não, não vou.

- Quando vai voltar? - perguntou Dana.

Rachel olhou-a por um longo momento e disse, calma.

- Acho que não vou voltar para Washington, Dana. Desejo que você e Jeff sejam muito felizes. -Transpareceu de suas palavras uma mensagem não dita.

Fora do restaurante, após o almoço, Dana disse:

- Tenho algumas coisas para fazer. Vão na frente vocês dois.

Rachel pegou a mão de Dana com as suas.

- Fiquei muito feliz por nos conhecermos.

- Eu também - disse Dana e, para sua surpresa, dissera isso com sinceridade.

Dana olhou Jeff e Rachel seguirem pela rua. Um casal impressionante, pensou.

Como era início de dezembro, Washington preparava-se para a temporada das festividades natalinas. As ruas do distrito federal estavam decoradas com luzes de Natal e guirlandas de azevinho; em quase toda esquina, viamse Papais Noel do Exército da Salvação a repicar seus sinos, pedindo moedas para caridade. As calçadas apinhavam-se de compradores que enfrentavam com destemor o vento glacial.

Chegou a hora, pensou Dana. Preciso começar a fazer minhas compras. Fez uma lista mental das pessoas a quem ia dar presentes. Sua mãe, Kemal, Matt, seu patrão e, claro, o maravilhoso Jef. Entrou num táxi e rumou para a Hetcht’s, uma das maiores lojas de departamentos de Washington. O lugar estava abarrotado de pessoas que celebravam o espírito natalino dando rudes encontrões em outros compradores para tirá-los do caminho.

Quando terminou as compras, Dana voltou para o apartamento a fim de deixar os presentes. O prédio ficava na Calvert Street num tranqüilo bairro residencial. Com uma decoração atraente, consistia em um quarto, uma sala de estar, cozinha e um escritório adaptado para quarto, onde dormia Kemal.

Dana pôs os presentes num armário, olhou o apartamento em volta e pensou, satisfeita: Vamos terde arranjarum lugar maior quando Jeff e eu nos casarmos. Ao dirigir-se à porta para voltar ao estúdio, o telefone tocou.

Lei de Murphy. Dana pegou-o.

- Alô.

- Dana, querida.

Era sua mãe.

- Oi, mãe. Eu já estava sain…

- Eu e meus amigos assistimos ao seu programa ontem à noite. Você estava ótima.

- Obrigada.

- Embora a gente tivesse achado que você podia transmitir notícias um pouco mais animadoras.

Dana suspirou.

- Notícias um pouco mais animadoras?

- É. Todos os assuntos de que você fala são tão deprimentes. Não pode arranjar alguma coisa mais alegre para discutir?

- Sem dúvida, mãe, vou ver o que posso fazer.

- Seria muito simpático. Aliás, estou meio sem dinheiro este mês. Será que dá para você me ajudar mais uma vez? Desde que a mãe de Dana se divorciara do pai e mudara-se para Las Vegas, parecia sempre estar sem dinheiro. A mesada que Dana lhe dava nunca bastava.

- Você joga, mãe?

- Claro que não - disse a Sra. Evans, com indignação.

- Las Vegas é uma cidade muito cara. Por falar nisso, você não vai aparecer? Gostaria de conhecer Kimbal. Devia trazê-lo aqui.

- O nome dele é Kemal, mãe. No momento não tenho como sair daqui.

Houve uma ligeira hesitação na outra ponta da linha.

- Não tem? Meus amigos vivem dizendo que você é uma grande felizarda por ter um emprego em que só precisa trabalhar uma ou duas horas por dia.

- É, acho que sou mesmo uma grande felizarda.

Como âncora de dois jornais, Dana chegava ao estúdio da televisão às nove todas as manhãs, passava a maior parte do dia em telefonemas para coletivas de imprensa internacionais, pegando as últimas notícias de Londres, Paris, Itália e outras localidades estrangeiras. O resto do dia era dedicado a reuniões de produção, à pauta, à compilação das notícias, decidindo em que ordem seriam editadas e transmitidas as matérias quando ela entrasse no ar. Dana apresentava dois noticiários noturnos.

- É ótimo que tenha um emprego tão fácil, querida.

- Obrigada, mãe.

- Você vem me visitar logo, não vem?

- Vou, sim.

- Estou louca pra conhecer esse menino lindo.

Seria bom também para Kemal conhecê-la, pensou Dana.

Assim, terá uma avó. E quando eu e Jeff nos casarmos, ele mais uma vez terá uma família de verdade.

Quando Dana pisou no corredor, saindo do prédio de seu apartamento, surgiu a Sra. Wharton.

- Quero lhe agradecer por ter tomado conta de Kemal ontem de manhã, Dorothy. Fico realmente muito grata.

- Foi um prazer Dorothy Wharton e o marido, Howard, haviam-se mudado para o prédio um ano antes. Eram canadenses, um encantador casal de meia-idade.

Howard Wharton era engenheiro especializado em restauração de monumentos.

Como certa noite explicou a Dana no jantar:

- Não há cidade melhor no mundo que Washington para o meu tipo de trabalho. Onde mais eu ia encontrar oportunidades assim? - perguntou Howard Wharton. E ele mesmo respondeu: - Em lugar nenhum.

- Howard e eu adoramos Washington - confidenciou a Sra. Wharton. - Nunca mais vamos sair daqui.

Ao voltar para seu escritório, Dana encontrou a última edição do Washington Tribune na mesa. A primeira página continuava cheia de matérias e fotos da família Winthrop. Dana olhou atenta as fotos durante um longo tempo, a mente disparada. Cinco deles mortos em menos de um ano. Incrível.

O telefonema foi dado para um aparelho privado na torre executiva da Washington Tribune Enterprises.

- Acabei de receber o telefonema.

- Bom. Eles estavam à espera. Que quer que façam com as pinturas?

- Queime-as.

- Todas? São valiosas…

- Tudo saiu às mil maravilhas. Não podemos deixar pontas soltas. Queime todas agora.

A secretária de Dana, Olivia Watkins, avisou-a pelo interfone.

- Telefonema para você na linha três. Ele já ligou duas vezes.

- Quem é, Olivia?

- O Sr Henry Thomas Henry, diretor da Escola Intermediária Theodore Roosevelt.

Dana levou a mão à testa e comprimiu-a para expulsar a dor de cabeça que ia começar. Pegou o telefone.

- Boa tarde, Sr Henry.

- Boa tarde, Srta. Evans. Será que poderia dar uma passada aqui para me ver?

- Sem dúvida. Daqui a uma ou duas horas, estar…

- Eu gostaria de sugerir já, se for possível.

- Já estou indo.

A escola era uma provação insuportável para Kemal. Ele era menor que os outros garotos da sala e, para sua profunda vergonha, isso incluía as meninas. Apelidaram-no de “nanico” “camarão” e “peixinho”. No que se referia aos estudos, o único interesse de Kemal era por matemática e computadores, onde invariavelmente tirava as melhores notas de toda a turma. Uma das sucursais secundárias da escola era o clube de xadrez, e Kemal dominava-o. Antes do acidente, gostava de futebol, mas quando foi inscrever-se para o time da escola, o treinador olhou para a manga vazia de Kemal e disse: “Lamento, não podemos aproveitar você.” Disse isso com delicadeza, embora para o garoto tivesse sido um golpe arrasador O inimigo número um de Kemal era Ricky Underwood. Na hora do almoço, alguns dos alunos comiam no pátio coberto em vez de na lanchonete.

Ricky Underwood esperou para ver onde Kemal ia almoçar e juntou-se então a ele.

- Escute, aqui, seu órfão. Quando é que sua madrasta má vai mandar você de volta ao lugar de onde veio? Kemal ignorou-o.

- Estou falando com você, sua aberração. Não acha mesmo que ela vai ficar com você, acha? Todo mundo sabe por que ela trouxe você pra cá, seu cara de camelo. Porque era uma famosa correspondente de guerra, e salvar um aleijado ia fazê-la parecer uma pessoa boazinha.

- Fukat! -gritou Kemal. Levantou-se e saltou para cima de Underwood.

O primeiro golpe de Underwood atingiu a barriga de Kemal e depois, com força, o rosto. Kemal caiu, contorcendo-se de dor Underwood disse:

- Toda vez que quiser mais é só me avisar E é melhor fazer isso rápido porque, pelo que eu soube, você já é história.

Kemal vivia em agonia de dúvidas. Não acreditou nas coisas que Ricky Underwood lhe dissera, no entanto… E se fossem verdade? E se Dana me mandar mesmo de volta? Underwood tem razão, pensou Kemal. Eu sou uma aberração. Por que uma pessoa tão maravilhosa como Dana ia me querer? Kemal achou que sua vida chegara ao fim quando os pais e as irmãs foram mortos em Sarajevo. Fora mandado para a Instituição dos Órfãos nos arredores de Paris, o que passou a ser um pesadelo.

Às duas da tarde de todas as sextas-feiras, os meninos e meninas faziam fila no orfanato, quando chegavam possíveis pais adotivos para avaliá-los e escolher um que levariam para casa.

Com a aproximação de toda sexta-feira, a excitação e a tensão entre as crianças intensificavam-se a um nível quase insuportável. Tomavam banho, vestiam-se com aprumo e, enquanto os adultos percorriam a fila, cada criança rezava intimamente para ser escolhida.

Invariavelmente, quando os pais em potencial viam Kemal, sussurravam:

- Veja, ele só tem um braço - e seguiam adiante.

Todas as sextas-feiras era a mesma coisa, mas Kemal continuava esperando, esperançoso, enquanto os adultos examinavam a fila de candidatos. Mas sempre escolhiam outras crianças.

Parado ali, ignorado, Kemal sentia-se tomado de humilhação.

Sempre será outro, pensava, afligindo-se. Ninguém me quer.

Desejava desesperadamente fazer parte de uma família.

Tentava tudo em que conseguia pensar para fazer com que isso acontecesse. Numa sexta-feira, sorria com muita alegria para os adultos, a fim de fazê-los sentir que era um menino simpático e amistoso. Na seguinte, fingia-se ocupado com alguma coisa, mostrando-lhes que não ligava a mínima se fosse ou não escolhido, eles é que seriam os felizardos se o tivessem. De outras vezes, olhava intensamente para eles, suplicandolhes em silêncio que o levassem para casa. Mas, semana após semana, era sempre outra criança a escolhida e levada para lares maravilhosos e famílias felizes.

Como por milagre, Dana mudou tudo isso. Ela o encontrou vivendo sem teto nas ruas de Sarajevo. Depois que foi embarcado de avião pela Cruz Vermelha para um orfanato nos arredores de Paris, ele lhe escreveu uma carta. Para seu espanto, Dana telefonou para o orfanato e disse que queria que Kemal fosse morar com ela nos Estados Unidos. Foi o momento mais feliz da vida do garoto. Um sonho impossível que se tornou realidade e que acabou sendo uma alegria ainda muito maior do que até então imaginara.

Sua vida mudou por completo. Ele agora agradecia que ninguém o tivesse escolhido antes. Não se sentia mais sozinho no mundo. Alguém se interessava por ele. Kemal amava Dana de todo o coração e alma, mas no íntimo atligia-o o terrível medo que Ricky Underwood lhe infundira, de que algum dia ela mudasse de idéia e o mandasse de volta para o orfanato, para a vida no inferno de que escapara. Ele tinha um sonho recorrente: viase mais uma vez no asilo de órfãos, e era sexta-feira. Uma fila de adultos inspecionava as crianças, entre eles Dana. Ela olhava para Kemal e dizia:

Esse garoto medonho só tem um braço, passava adiante e escolhia o menino a seu lado; Kemal acordava aos prantos.

Ele sabia que Dana detestava que se metesse em brigas na escola e fazia tudo para evitá-las, mas não podia suportar que Ricky Underwood e seus amigos a insultassem. Assim que perceberam isso, passaram a intensificar os insultos a Dana e, em conseqüência, também as brigas.

Underwood cumprimentava Kemal assim:

- E aí, já arrumou a mala, camarão? No noticiário desta manhã, disseram que a megera da sua madrasta vai mandar você de volta para a Iugoslávia.

- Zbosti! - berrava Kemal.

E a luta começava. Ele voltava para casa de olho roxo e com hematomas, mas, quando Dana Lhe perguntava o que acontecera, não lhe dizia a verdade, pois o apavorava o que poderia acontecer se exprimisse em palavras o que Ricky Underwood dissera.

Agora, à espera de Dana no gabinete do diretor, Kemal pensava: Quando ela souber o que fiz desta vez, vai me mandar embora. Ficou ali sentado, o coração disparado.

Quando Dana entrou no gabinete de Thomas Fienry, viu o diretor andando de um lado para o outro na sala, com a fisionomia sinistra. Kemal estava sentado numa cadeira do outro lado do escritório.

- Bom dia, Srta. Evans. Por favor, sente-se - disse ele.

Pegou então uma grande faca de açougueiro na escrivaninha.

- Um dos professores tirou isto dele.

Dana girou e olhou para Kemal, furiosa.

- Por quê? - perguntou, zangada. - Por que trouxe isso para a escola?

Kemal olhou para ela e disse, carrancudo:

- Porque eu não tinha um revólver - Kemal!

Dana virou-se para o diretor - Posso conversar com o senhor a sós, Sr Henry?

- Sim. - Ele olhou para Kemal, o queixo endurecido. Espere no corredor.

Kemal levantou-se, deu uma última olhada na faca e saiu.

Dana começou:

- Sr. Henry, Kemal tem doze anos. Viveu a maior parte desses anos adormecendo com o som de bombas explodindo nos ouvidos, as mesmas bombas que mataram a mãe, o pai e a irmã dele. Uma delas lhe arrancou o braço. Quando o encontrei em Sarajevo, ele morava numa caixa de papelão num terreno baldio. Com centenas de outros meninos e meninas sem lar, vivendo ali como animais. - Lembrava-se Dana, tentando manter a voz firme. - As bombas pararam, mas os meninos e meninas continuaram sem lar e sem esperança. A única maneira que têm para se defender dos inimigos é uma faca, uma pedra ou uma arma, se tiverem muita sorte de pôr as mãos numa.

- Cerrou os olhos por um instante e respirou fundo. - Essas crianças vivem apavoradas. Kemal vive apavorado, mas é um garoto decente. Só precisa aprender que está seguro aqui. Que nenhum de nós é seu inimigo. Prometolhe que isso não se repetirá.

Houve um longo silêncio. Thomas Henry então disse:

- Se algum dia eu precisar de advogado, Srta. Evans, gostaria que me defendesse.

Ela conseguiu dar um sorriso de alívio.

- Prometo.

Thomas Henry exavou um suspiro.

- Está bem. Converse com Kemal. Se ele fizer mais uma vez alguma coisa semelhante, receio que terei de…

- Vou falar com ele. Obrigada, Sr Henry Kemal esperava no corredor - Vamos para casa - disse Dana, ríspida.

- Eles vão ficar com a minha faca?

Ela não se deu o trabalho de responder.

No trajeto para casa, Kemal disse:

- Me desculpe por ter-Lhe causado esse problema, Dana.

- Oh, por nada, bobagem. Só porque eles decidiram não o expulsar da escola? Escute, Kemal…

- Tudo bem. Nada mais de facas.

Quando chegaram ao apartamento, ela disse:

- Tenho de voltar ao estúdio, Kemal, mas esta noite vamos ter uma longa conversa.

Ao terminar a transmissão do noticiário da noite, Jeff virou-se para Dana:

- Você parece preocupada, meu bem.

- E estou. É o Kemal. Não sei o que fazer com ele, Jeff.

Tive de ir à escola conversar com o diretor esta manhã, e mais duas governantas se despediram por causa dele.

- Ele é um garoto maravilhoso - disse Jeff. - Só precisa de um período de aquecimento.

- Talvez. Jeff?

- Sim?

- Espero não ter cometido um terrível erro trazendo Kemal pra cá.

Quando Dana retornou ao apartamento, encontrou Kemal à espera.

- Sente-se - ordenou. - Precisamos conversar. Você precisa começar a obedecer às ordens, e essas brigas na escola têm de acabar. Sei que os outros garotos estão tornando as coisas difíceis para você, Kemal, mas precisa chegar a um entendimento com eles. Se continuar se metendo em brigas, o Sr Henry vai expulsá-lo da escola.

- Não me importa.

- Tem de se importar. Quero que você tenha um futuro maravilhoso, e isso não pode acontecer sem uma boa formação escolar. O Sr Henry está lhe dando uma nova oportunidade, mas…

- Ele que se foda.

- Kemal! - Sem pensar, Dana deu-lhe um tapa no rosto.

Arrependeu-se no mesmo instante.

Ele olhou fixo para ela, uma expressão de descrença no rosto, correu para o escritório e bateu a porta.

O telefone tocou. Dana atendeu. Era Jeff.

- Dana…

- Querido, eu… eu não posso falar no momento. Estou muito perturbada.

- Que foi que houve?

- Kemal. Ele é impossível!

- Dana…

- Sim?

- Ponha-se no lugar dele.

- Como?

- Pense nisso. Lamento, estou entrando no ar. Falamos depois. - Desligou.

Ponha-se no lugar dele? Isso não faz o menor sentido, pensou Dana. Como posso saber o que Kemal sente? Não sou órfã de guerra de doze anos com um só braço, nem sofri o que ele sofreu. Dana ficou ali sentada, durante um longo tempo, pensando. Ponha-se no lugar dele. Levantou-se, foi para o quarto de dormir, fechou a porta e abriu a do armário. Antes da chegada de Kemal, Jeff passava várias noites por semana no apartamento dela e tinha deixado algumas roupas ali. No armário havia calças, camisas, gravatas, um suéter e um paletó.

Ela pegou algumas roupas e pôs na cama. Foi até a gaveta da cômoda e escolheu um calção e um par de meias de Jeff.

Depois despiu-se completamente. Pegou o calção de Jeff com a mão esquerda e começou a vesti-lo. Desequilibrou-se e caiu.

Foram necessárias mais duas tentativas até conseguir vesti-lo.

Em seguida, pegou uma das camisas. Só com a mão esquerda, levou três frustrantes minutos para pô-la e abotoá-la. Precisou sentar-se na cama para enfiar a calça, e foi difícil puxar o zíper Levou mais dois minutos para vestir o suéter de Jeff.

Quando acabou afinal de vestir-se, sentou-se para recuperar o fôlego. Era aquilo que Kemal tinha de agüentar todas as manhãs. E era só o começo.

Ainda precisava tomar banho, escovar os dentes e pentear os cabelos. E isso agora. E antes? Vivendo no horror da guerra, vendo a mãe, o pai, a irmã e os amigos assassinados.

Jeff tem razão, ela pensou. Estou esperando muito dele e cedo demais.

Kemal precisa de tempo para se ajustar. Jamais o abandonarei. Minha mãe abandonou meu pai e nunca a perdoarei por isso.

Devia existir um oitavo pecado mortal: Não abandonareis aqueles que vos amam.

Devagar, enquanto tirava as roupas de Jeff e punha as suas, Dana pensou nos títulos das músicas que Kemal ouvia repetidas vezes no aparelho de CD. “Não quero perdê-la”, “Preciso de você esta noite”, “Contanto que me ame”, “Eu só quero ficar com você”, “Preciso de amor”.

Todas as letras falavam de solidão e carência.

Dana pegou o boletim de Kemal. Era verdade que ele ia mal na maioria das matérias, mas tinha um “A” em matemática. O “A” que é importante, pensou Dana. É onde ele se supera. Aí é que tem um futuro. Vamos trabalhar nos outros conceitos.

Quando ela abriu a porta do escritório, Kemal estava deitado na cama, os olhos muito cerrados, o rosto pálido coberto de lágrimas. Ela olhou-o por um momento, depois curvou-se e beijou-lhe a face.

- Lamento tanto, Kemal - sussurrou ela. - Me perdoe.

Amanhã será um dia melhor.

Cedo na manhã seguinte, Dana levou Kemal a um famoso cirurgiãoortopedista, o Dr William Wilcox. Após examiná-lo, o Dr Wilcox conversou com Dana a sós.

- Srta. Evans, muni-lo de uma prótese custaria vinte mil dólares e…

Mal houve uma pausa.

- Estou disposta a pagar - Bem, há um problema em relação a isso - continuou o Dr Wilcox. - Kemal só tem doze anos. Seu corpo não vai parar de crescer até os dezessete ou dezoito. O braço poderia crescer mais que a prótese no espaço de poucos meses. Receio que não seja prático.

Dana teve a sensação de que afundava.

- Entendo. Obrigada, doutor

Já na rua, tranqüilizou Kemal.

- Não se preocupe, querido. A gente vai encontrar um meio de resolver isso.

Deixou Kemal na escola e foi para o estúdio. A uns cinco quarteirões, o celular tocou. Ela pegou-o.

- Alô?

- É Matt. Vai haver uma coletiva sobre o assassinato de Winthrop ao meiodia na sede da polícia. Quero que a cubra.

Estou mandando uma equipe de câmera. A polícia está com o rabo preso na ratoeira. A matéria está crescendo a cada minuto e os policiais não têm a mínima pista.

- Estarei lá, Matt.

O chefe de polícia, Dan Burnett, falava ao telefone em seu escritório quando a secretária lhe avisou:

- O prefeito está na linha dois.

Burnett respondeu, irritado:

- Diga a ele que estou falando com o governador na linha um. - E voltou para o telefone. - Sim, governador. Sei disso…

Sim, senhor Acho que… Tenho certeza de que podemos… Logo que tivermos… Certo. Até logo, senhor - Bateu o telefone.

- A secretária da assessoria de imprensa da Casa Branca na linha quatro - avisou-lhe a secretária.

Toda a manhã transcorreu assim.

Ao meio-dia, na sala de conferência do Centro Municipal, na Indiana Avenue, 300, centro de Washington, apinhava-se o pessoal da mídia. O chefe de polícia Burnett entrou e dirigiu-se para a frente da sala.

- Vamos fazer silêncio, por favor - Esperou até que todos se calassem.

- Antes de ouvir suas perguntas, tenho uma declaração a fazer O brutal assassinato de Gary Winthrop é uma grande perda, não apenas para esta comunidade, mas para o mundo, e nossa investigação continuará até prendermos os responsáveis por esse crime hediondo. Podem fazer suas perguntas.

Um repórter levantou-se.

- Chefe Bumett, a polícia tem alguma pista?

- Por volta das três da manhã, uma testemunha viu dois homens carregando uma caminhonete branca na entrada da garagem da casa de Gary Winthrop.

Os movimentos deles lhe pareceram suspeitos, e a testemunha anotou o número da placa. Era de um caminhão roubado.

- A polícia sabe o que foi tirado da casa?

- Desapareceu uma dezena de quadros valiosos.

- Além dos quadros, mais alguma coisa foi roubada?

- Não.

- E dinheiro, jóias?

- As jóias e o dinheiro ficaram intocados. Os ladrões só estavam atrás das pinturas.

- Chefe Burnett, a casa não tinha um sistema de alarme? E se tinha, estava ligado?

- Tinha. Segundo o mordomo, ficava sempre ligado à noite. Os assaltantes descobriram um meio de desativá-lo. Ainda não sabemos ao certo como.

- Como os assaltantes entraram na casa? O chefe Burnett hesitou.

- É uma pergunta interessante. Não há sinais de arrombamento. Ainda não temos a resposta.

- Poderia ter sido um trabalho de gente da casa?

- Achamos que não. Os empregados de Gary Winthrop trabalhavam para ele há muitos anos.

- Gary Winthrop estava sozinho em casa?

- Pelo que sabemos, sim. Os empregados estavam fora.

Dana perguntou:

- O senhor tem uma relação das pinturas roubadas?

- Temos, sim. São todas famosas. Já mandamos circular uma relação das obras entre os museus, negociantes de arte e colecionadores. No instante em que aparecer uma dessas pinturas, o caso será resolvido.

Dana sentou-se, aturdida. Os assassinos também devem saber disso, portanto não ousariam vender os quadros. Então, qual o sentido de roubálos?

E de cometer um assassinato? E por que não levaram o dinheiro, nem as jóias? Alguma coisa não está se encaixando bem nessa história.

Os serviços religiosos fúnebres para Gary Winthrop realizaram-se na Catedral Nacional, a sexta maior do mundo. As Wisconsin e Massachusetts Avenues foram fechadas ao tráfego. Homens do Serviço Secreto e da polícia de Washington espalhavam-se em peso pelo exterior da igreja.

Dentro, à espera do início do serviço, achavam-se o vice-presidente dos Estados Unidos, uns dez senadores e membros do Congresso, um juiz do Supremo Tribunal, dois oficiais de gabinete e uma hoste de dignitários do mundo inteiro. O barulho dos helicópteros da polícia e da imprensa enchia o céu. Na rua, centenas de espectadores chegavam para oferecer seus respeitos ou dar uma olhada nas celebridades presentes. Pessoas prestavam homenagem não apenas a Gary, mas a toda a malfadada dinastia Winthrop.

Dana cobria o funeral com duas equipes de câmera. Dentro, a catedral silenciou.

- Deus se move por caminhos misteriosos - entoou o sacerdote. - Os Winthrops passaram suas vidas construindo esperanças. Doaram bilhões de dólares a escolas, igrejas e aos destituídos e famintos. Mas, igualmente importante, deram com desprendimento seu tempo e talento. Gary Winthrop continuou a grande tradição da família. O motivo desta família, com todas as suas realizações e generosidade, ter-nos sido arrancada tão cruelmente está além do nosso conhecimento. Em certo aspecto, eles não se foram de fato, pois seu legado viverá para sempre. E o que fizeram para nós sempre nos orgulhará…

Deus não devia deixar pessoas assim terem esses tipos de mortes horríveis, pensou Dana com tristeza.

Era a mãe de Dana ao telefone:

- Meus amigos e eu assistimos à sua cobertura do funeral, Dana. Por um momento ali, quando falava da família Winthrop, achei que você ia chorar - Eu também, mãe. Eu também.

Dana teve dificuldade para pegar no sono naquela noite. Quando acabou adormecendo, seus sonhos foram um furioso caleidoscópio de incêndios, acidentes de carro e disparos de arma de fogo. No meio da noite, acordou de repente e sentou-se.

Cinco membros da mesma família mortos em menos de um ano? Quais as possibilidades?

- Que está tentando me dizer, Dana?

- Matt, estou dizendo que cinco mortes violentas numa mesma família, em menos de um ano, é coincidência demais.

- Dana, se não a conhecesse melhor, eu chamaria um psiquiatra e lhe diria que Chicken Little se encontra no meu escritório dizendo que o céu está caindo. Acha que estamos tratando de algum tipo de conspiração? Quem está por tras dela? Fidel Castro? A CIA? Oliver Stone? Pelo amor de Deus, não sabe que toda vez que alguém importante é assassinado há uma centena de teorias da conspiração? Um cara veio aqui na semana passada e disse que podia provar que Lyndon Johnson assassinou Abraham Lincoln.

Washington está sempre se afogando em teorias da conspiração.

- Matt, estamos nos preparando para fazer Linha do Crime. Quer começar com um assunto arrebatador? Bem, se eu estiver certa, podia ser esse.

Matt Baker ficou ali sentado por um momento, examinando-a.

Chicken Little - um grande pessimista, especialmente aquele que alerta sobre um desastre iminente (personagem de uma história infantil que, ao ser acertado por uma noz que cai da árvore, acredita que o céu está caindo) -The American Hericage Diccionary. (N. do E.) - Está perdendo seu tempo, Dana.

- Obrigada, Matt.

O arquivo das Washington Tribune Enterprises ficava no porão do prédio, cheio de milhares de fitas de programas de notícias anteriores, todas catalogadas com muito capricho.

Sentada atrás de sua mesa, Laura Lee Hill, uma atraente loura de seus quarenta anos, catalogava fitas. Ergueu os olhos quando Dana entrou.

- Oi, Dana. Vi sua apresentação do funeral. Acho que fez um belo trabalho.

- Obrigada.

- Mas que tragédia terrível, não?

- Terrível - concordou Dana.

- A gente simplesmente nunca sabe - disse Laura LeeHill, sombria. -O… que posso fazer por você?

- Quero ver algumas fitas da família Winthrop.

- Alguma coisa em particular?

- Não. Só quero ter uma sensação, sentir como era a família.

- Posso Lhe dizer como eles eram. Eram santos.

- É isso o que não paro de ouvir - disse Dana.

Laura Lee Hill levantou-se.

- Espero que tenha muito tempo, meu bem. Pois há toneladas de material sobre eles.

- Ótimo. Não estou com nenhuma pressa.

Laura Lee Hill levou Dana a uma mesa com um monitor de televisão.

- Volto já - disse. Retornou cinco minutos depois com os braços cheios de fitas. - Pode começar com estas. Há mais vindo aí.

Dana olhou a imensa pilha de fitas e pensou: Talvez eu seja Chicken Little.

Mas se estiver certa…

Introduziu uma fita, e a imagem de um homem de beleza estonteante iluminou-se de repente na tela. Suas feições eram fortes e esculpidas. Tinha uma juba de cabelos negros, olhos azuis cândidos e um queixo protuberante. A seu lado, um garoto. O locutor disse:

- Taylor Winthrop acrescentou mais um campo de esportes aos que já criou para crianças carentes. Seu filho Paul está aqui com o pai, pronto para juntar-se à diversão. Este é o décimo de uma série de campos semelhantes que Taylor Winthrop tem construído. Planeja construir no mínimo mais uma dezena.

Dana apertou um botão e a cena mudou. Um Taylor Winthrop com aparência mais velha e fios grisalhos nos cabelos cumprimentava um grupo de dignitários. -…acabou de confirmar sua nomeação como consultor da OTAN, Organização do Tratado do Atlântico Norte. Taylor Winthrop partirá para Bruxelas nas próximas semanas com a missão de…

Dana mudou a fita. A cena era o jardim da Casa Branca.

Taylor Winthrop ao lado do presidente, que dizia: -…e eu o nomeei para chefiar a FRA, Agência Federal de Pesquisa. A agência dedica-se a ajudar países em desenvolvimento em todo o mundo, e não consigo pensar em ninguém mais bem qualificado que Taylor Winthrop para presidir a organização…

O monitor tremeluziu e passou para a cena seguinte, o Aeroporto Leonardo Da Vinci em Roma, onde Taylor Winthrop desembarcava de um avião.

- Vários chefes de Estado aqui se encontram para saudar Taylor Winthrop, que acaba de chegar, com a incumbência de negociar acordos comerciais entre a Itália e os Estados Unidos.

O fato de o Sr Winthrop ter sido escolhido pelo presidente para conduzir essas negociações mostra o quanto são importantes…

O homem tinha feito de tudo, pensou Dana.

Ela mudou as fitas. Taylor Winthrop no palácio presidencial em Paris, trocando um aperto de mão com o presidente da França.

- Um acordo comercial com a França que marcará época acabou de ser concluído por Taylor Winthrop.

Outra fita. A mulher de Taylor Winthrop, Madeline, diante de um conglomerado de prédios, com um grupo de meninos e meninas.

- Hoje, Madeline Winthrop naugurou um novo centro de assistência infantil a crianças vítimas de abuso e…

Havia uma fita dos próprios filhos dos Winthrops brincando na fazenda da família, em Manchester, Vermont.

Dana pôs a fita seguinte. Taylor Winthrop na Casa Branca.

Ao fundo, a mulher, os dois belos filhos, Gary e Paul, e a linda filha, Julie.

O presidente condecorava Taylor Winthrop com uma Medalha da Liberdade. -…e por sua abnegada devoção a este país e suas maravilhosas realizações, tenho o prazer de condecorar Taylor Winthrop com o mais alto prêmio civil que podemos conceder.. a Medalha da Liberdade.

Uma fita de Julie esquiando…

Gary inaugurando uma fundação para ajudar jovens artistas plásticos…

Mais uma vez o Salão Oval. Do lado de fora, a imprensa em peso. Ao lado do presidente, Taylor Winthrop, grisalho, e a mulher.

- Acabei de nomear Taylor Winthrop nosso novo embaixador na Rússia.

Sei que todos vocês já conhecem os inúmeros serviços prestados ao país por Winthrop e muito me alegra que ele tenha aceitado esse cargo em vez de passar seus dias jogando golfe. - A imprensa riu.

Taylor Winthrop retrucou com uma piada.

- Porque ainda não me viu jogando golfe, Sr Presidente.

Mais risos…

E depois vinha a série de desastres.

Dana introduziu uma nova fita. A cena externa mostrava uma casa incendiada em Aspen, no Colorado. Uma repórter apontava para a casa destruída.

- O chefe da polícia de Aspen confirmou que o embaixador Winthrop e sua mulher Madeline morreram nesse terrível incêndio. O corpo de bombeiros foi avisado nas primeiras horas da manhã e chegou em quinze minutos, embora tarde demais para salvá-los. Segundo o chefe Nagel, o incêndio foi causado por um problema elétrico. O embaixador e a Sra.

Winthrop eram conhecidos mundialmente por sua filantropia e dedicação a serviço do governo.

Dana pôs outra fita. A cena era a Grand Corniche, na Riviera Francesa.

Uma repórter disse:

- Aqui fica a curva onde o carro de Paul Winthrop derrapou, saiu da estrada e despencou pela encosta da montanha.

Segundo o gabinete do prefeito, ele foi morto instantaneamente pelo impacto. Não havia passageiros. A polícia está investigando a causa do acidente. A terrível ironia é que, apenas dois meses atrás, a mãe e o pai de Paul Winthrop morreram num incêndio no chalé da família, em Aspen, no Colorado.

Dana pegou outra fita. Uma pista de esqui numa montanha em Juneau, no Alasca. Um repórter coberto de agasalhos: -…e esta é a cena do trágico acidente de esqui que ocorreu ontem à noite.

As autoridades não sabem ao certo por que Julie Winthrop, uma esquiadora campeã, esquiava sozinha à noite nessa pista em particular que estava fechada, mas estão investigando. Em setembro, apenas seis meses atrás, Paul, irmão de Julie, morreu num acidente de carro na França e, em julho do mesmo ano, seus pais, o embaixador Taylor Winthrop e a mulher morreram num incêndio. O presidente enviou condolências.

A fita seguinte. A casa de Gary Winthrop na seção noroeste de Washington, D. C. Repórteres enxameavam em volta da propriedade.

Diante da fachada, uma repórter dizia:

- Numa trágica e inacreditável reviravolta de acontecimentos, Gary Winthrop, o último remanescente da amada família Winthrop, foi baleado e morto por ladrões. Hoje de manhã cedo, um guarda de segurança percebeu que a luz do alarme estava desligada, entrou na casa e encontrou o corpo do Sr. Winthrop. Ele foi atingido por dois disparos. Aparentemente os ladrões procuravam pinturas valiosas e foram interrompidos.

Gary Winthrop foi o quinto e último membro da família a sofrer morte violenta em um ano.

Dana desligou o monitor de televisão e ficou ali sentada por um longo tempo. Quem ia querer eliminar uma família maravilhosa como aquela?

Quem? E seria dinheiro o motivo? Dana marcou uma entrevista com o senador Perry Leff, no novo prédio de escritórios do Senado. Leff era um homem sério e entusiasta, de cinqüenta e poucos anos.

Levantou-se, quando Dana foi conduzida ao seu escritório.

- Que posso fazer por você, Srta. Evans?

- Senador, pelo que sei, o senhor trabalhou intimamente com Taylor Winthrop, não?

- Sim. Fomos nomeados pelo presidente para servir juntos em vários comitês.

- Conheço a imagem pública dele, senador Leff; mas como ele era como pessoa?

O senador Leff examinou Dana por um momento.

- Muito me alegra lhe dizer. Taylor Winthrop foi um dos melhores homens que já conheci na vida. O mais admirável nele era a maneira como se relacionava com as pessoas. Importava-se mesmo com elas. Desviou-se de seu caminho para tornar este um mundo melhor. Sempre sentirei sua falta, e o que aconteceu com sua família é simplesmente terrível demais. Só em pensar Dana conversava com Nancy Patchin, uma das secretárias de Taylor Winthrop, de seus sessenta anos, com um rosto enrugado e olhos tristes.

- Trabalhou muito tempo para o Sr Winthrop?

- Quinze anos.

- Nesse período, imagino que passou a conhecer bem o Sr Winthrop.

- Sim, claro.

- Estou tentando obter uma imagem do tipo de homem que ele era na convivência diária. Era…

Nancy Patchin interrompeu-a.

- Posso lhe dizer exatamente que tipo de homem ele era, Srta.

Evans. Quando descobrimos que meu filho tinha a doença de Iou Gehrig, Taylor Winthrop levou-o aos seus próprios médicos e pagou todas as contas. Quando meu filho morreu, o Sr Winthrop arcou com as despesas do enterro e me mandou à Europa para me recuperar - Os olhos encheram-se de lágrimas. - Ele foi o cavalheiro mais maravilhoso, mais generoso, que já conheci.

Dana conseguiu marcar uma entrevista com o general Victor Booster, diretor da FRA, a Agência Federal de Pesquisa que Taylor presidira. A princípio, Booster se recusara a falar com ela, mas quando lhe disse sobre quem queria conversar concordou em recebê-la.

No meio da manhã, Dana pegou o carro e foi dirigindo para a Agência Federal de Pesquisa, perto de Fort Mead, Maryland.

Os prédios da sede da agência ocupavam 32 hectares fortemente guardados. Não se via sinal algum da floresta de discos de satélite ocultos atrás da área densamente arborizada.

Dana seguiu por uma cerca anticiclone de 2,50m de altura, encimada por arame farpado. Deu seu nome ao chegar, mostrou a carteira de motorista a um guarda armado na guarita e recebeu permissão para entrar. Um minuto depois, aproximou-se de um portão eletrificado fechado, com uma câmera de vigilância. Disse mais uma vez seu nome e o portão abriu-se automaticamente.

Seguiu pela entrada de carros até o enorme prédio branco da diretoria.

Um homem à paisana recebeu-a do lado de fora.

- Eu a levarei ao escritório do general Booster, Srta. Evans.

Eles tomaram um elevador, subiram cinco andares e atravessaram um longo corredor até um conjunto de escritórios no fim do pavimento.

Entraram num grande escritório de recepção com duas escrivaninhas de secretárias. Uma delas disse:

- O general está à espera, Srta. Evans. Queira entrar, por favor -Apertou um botão e, com um estalido, a porta de acesso ao escritório interno abriu-se.

Dana viu-se num escritório espaçoso, os tetos e as paredes com pesado revestimento à prova de som. Foi recebida por um homem alto, magro, atraente, de seus quarenta anos. Ele estendeu a mão para Dana e disse, cordial:

- Sou o major Jack Stone, ajudante-de-ordens do general Booster - Indicou o homem sentado atrás de uma escrivaninha. - Este é o general Booster.

Victor Booster era um negro com um rosto talhado a cinzel e olhos duros de obsidiana. A cabeça raspada brilhava sob as luzes do teto.

- Sente-se - disse ele. Tinha a voz grossa e grave.

Dana sentou-se.

- Obrigada por me receber, general.

- Você disse que era sobre Taylor Winthrop?

- Sim. Eu queria…

- Vai fazer uma matéria sobre ele, Srta. Evans?

- Bem, eu…

Booster endureceu a voz.

- Vocês, porras de jornalistas, não podem deixar os mortos em paz? São todos um bando de coiotes, que vivem investigando e denunciando corrupção política e administrativa, roendo cadáveres…

Dana ficou sentada ali, absorvendo o choque.

Jack Stone parecia sem graça.

Dana controvou seu temperamento.

- General Booster, garanto-Lhe que não estou interessada em investigar, nem denunciar alguma corrupção. Conheço a lenda de Taylor Winthrop.

Estou tentando obter uma imagem do homem. Ficarei muito grata por qualquer coisa que possa me dizer.

O general Booster curvou-se à frente.

- Não sei de que diabo você está atrás, mas posso lhe dizer uma coisa. A lenda era o homem. Quando Taylor Winthrop presidiu a FRA, trabalhei sob sua chefia. Foi o melhor diretor que essa organização já teve. Todo mundo o admirava. O que aconteceu a ele e à sua família é uma tragédia que não consigo nem sequer compreender - A fisionomia ficou carregada.

Com toda franqueza, não gosto da imprensa, Srta. Evans. Acho que seu pessoal passou a perder o controle. Assisti à cobertura que fez em Sarajevo. Suas transmissões lacrimosas e floreadas não nos ajudaram em nada.

Dana tentava com esforço controlar a raiva.

- Eu não estava lá para ajudá-lo, general. Estava lá para noticiar o que acontecia com a população civil inocente…

- Seja o que for Para sua informação, Taylor Winthrop foi o melhor e maior estadista que este país já teve. - Cravou os olhos nos dela. - Se pretende esfrangalhar a memória dele, vai arranjar um monte de inimigos.

Estou Lhe avisando para ficar longe disso. Até logo, Srta. Evans.

Dana fitou-o por um momento e levantou-se em seguida.

- Muito obrigada, general. - Ela saiu do escritório.

Jack Stone apressou-se atrás dela.

- Vou acompanhá-la para mostrar a saída.

No corredor, Dana respirou fundo e perguntou, furiosa:

- Ele é sempre assim?

Jack Stone deu um suspiro.

- Peço desculpas por ele. Às vezes, é um pouco bruto. Ele fala por falar, não sente nada daquilo.

- É mesmo? - perguntou Dana, firme. - Tive a sensação de que sentia.

- De qualquer modo, do fundo do coração, me desculpe - disse Jack Stone.

Virou-se, começando a afastar-se.

Dana tocou-lhe a manga.

- Espere. Eu gostaria de conversar com você. É meio-dia.

Poderíamos almoçar em algum lugar? Jack Stone deu uma olhada na porta do general.

- Está bem. No restaurante Sholl’s Colonial, na rua K, em uma hora?

- Ótimo. Obrigada.

- Não me agradeça cedo demais, Srta. Evans.

Dana esperava-o quando ele entrou no self service semideserto.

Jack Stone parou na porta por um momento, certificando-se de que não havia ninguém conhecido dentro, depois juntou-se a Dana na mesa.

- O general Booster me esfolaria vivo se soubesse que estou conversando com você. Ele é um excelente homem. Seu trabalho é duro, sensível, e ele é muito, muito bom mesmo no que faz. - Hesitou. - Receio, porém, que não goste muito da imprensa.

- Deu para perceber - disse Dana, forçando um sorriso.

- Tenho de deixar uma coisa bem clara, Srta. Evans. Esta conversa é completamente em caráter não oficial.

- Entendo.

Eles pegaram bandejas, escolheram a comida e serviram-se.

Quando voltaram a se sentar, Jack Stone explicou:

- Não quero que tenha uma impressão errada da nossa organização. Nós somos os mocinhos. Por isso é que entramos nela. Para começar Estamos trabalhando para ajudar os países subdesenvolvidos.

- Aprecio isso - disse Dana.

- Que posso lhe dizer sobre Taylor Winthrop?

- Tudo que consegui até agora são histórias de santidade.

O homem devia ter alguns defeitos.

- E tinha - admitiu Jack Stone. - Deixe-me Lhe contar primeiro as coisas boas. Mais que qualquer outro homem que conheci, Taylor Winthrop se preocupava com as pessoas.

- Fez uma pausa. - Quer dizer, se preocupava mesmo. Prestava atenção nos nascimentos e casamentos, e todo mundo que trabalhava para ele o adorava. Tinha uma mente perspicaz, incisiva, e era um solucionador de problemas. E embora se envolvesse muito em tudo que fazia, no íntimo era um homem de família. Adorava a mulher e os filhos. - Interrompeu-se.

- Qual a parte ruim? - perguntou Dana.

Jack Stone disse, relutante:

- Taylor Winthrop era um ímã pra mulheres. Também carismático, bonitão, rico e poderoso. As mulheres achavam difícil resistir - Continuou: - Por isso, de vez em quando, Taylor.. dava um escorregão. Tinha alguns casos amorosos, mas posso lhe garantir que nenhum deles era sério, e ele os mantinha com muita discrição. Jamais faria nada que pudesse magoar a família.

- Major Stone, pode imaginar se alguém teria tido um motivo para matar Taylor Winthrop e sua família? Jack Stone largou o garfo.

- Como?

- Alguém com esse perfil tão elevado deve ter feito alguns inimigos ao longo da trajetória.

- Srta. Evans… está insinuando que os Winthrops foram assassinados?

- Só estou perguntando - disse Dana.

Jack Stone pensou por um momento. Depois balançou a cabeça.

- Não -disse. - Não faz sentido. Taylor Winthrop nunca feriu ninguém na vida. E se você falasse com qualquer um de seus amigos ou sócios, não faria sequer essa pergunta.

- Deixe-me lhe dizer o que soube até agora - disse Dana.

- Taylor Winthrop era…

Jack Stone ergueu a mão.

- Srta. Evans, quanto menos eu souber, melhor. Estou tentando ficar fora do circuito. Posso ajudá-la melhor assim, se entende o que quero dizer.

Dana fitou-o, aturdida.

- Acho que não, para falar a verdade.

- Honestamente, pelo seu bem, espero que abandone toda essa matéria. Se não o fizer, seja cuidadosa. - Levantou-se e desapareceu do restaurante.

Ela ficou ali sentada, pensando no que acabara de ouvir.

Então Taylor Winthrop não tinha inimigos. Talvez eu esteja cercando o assunto pelo ângulo errado. E se não foi ele quem fez um inimigo mortal?

E se foi um dos filhos? Ou a mulher?

Dana contou a Jeff sobre o almoço com o major Stone.

- Interessante. E agora?

- Quero falar com algumas das pessoas que conheceram os filhos. Paul Winthrop era noivo de uma moça chamada Harriet Berk. Estavam juntos há quase um ano.

- Lembro-me de ter lido sobre os dois - disse Jeff: Hesitou. - Querida, você sabe que lhe dou cem por cento de apoio…

- Claro, Jeff.

- Mas e se estiver enganada? Acidentes às vezes acontecem. Quanto tempo mais vai levar nisso?

- Não muito mais - prometeu Dana. - Vou fazer só mais algumas sondagens.

Harriet Berk morava num elegante apartamento duplex na parte noroeste de Washington. Era uma loura magra de trinta e poucos anos, com um sorriso nervoso e cativante.

- Obrigada por me receber - disse Dana.

- Ainda não sei exatamente por que a recebo, Srta. Evans.

Disse que era alguma coisa relacionada a Paul.

- Sim. - Dana escolheu as palavras com cuidado. Não quero me intrometer em sua vida pessoal, mas quando você e Paul eram noivos e iam se casar, tenho certeza que, talvez mais que ninguém, você fosse a pessoa que o conhecia melhor.

- Gosto de imaginar que sim.

- Eu adoraria saber um pouco mais sobre ele, como Paul era realmente.

Harriet Berk ficou calada por um momento. Quando falou, a voz saiu tranqüila.

- Paul era diferente de todos os outros homens que já conheci. Tinha um grande entusiasmo pela vida. Era gentil e pensava muito nos outros. Às vezes, era muito engraçado. Não se levava muito a sério. Era uma grande diversão tê-lo por perto. Planejávamos nos casar em outubro. - Ela parou. - Quando Paul morreu no acidente, eu… eu senti que minha vida tinha acabado. - Olhou para Dana e disse, em voz baixa: - Continuo me sentindo assim.

- Lamento muitíssimo - disse Dana. - Detesto ter de pressioná-la, mas sabe se ele tinha algum inimigo, alguém que tivesse um motivo para assassinálo?

Harriet Berk olhou para ela e os olhos encheram-se de lágrimas.

- Assassinar Paul? - perguntou com a voz chocada. Se você o tivesse conhecido, não teria sequer feito esta pergunta.

A conversa seguinte de Dana foi com Steve Rexford, o mordomo que trabalhara para Julie Winthrop. Era um inglês de meia-idade com aparência elegante.

- Como posso ajudá-la, Srta. Evans?

- Eu queria lhe perguntar sobre Julie Winthrop.

- Pois não, senhorita.

- Quanto tempo trabalhou para ela?

- Quatro anos e nove meses.

- Como era trabalhar para ela, como patroa? Ele sorriu, lembrando-se.

- Ela era uma dama extremamente agradável, linda, em todos os sentidos.

Eu… não pude acreditar quando ouvi a notícia do seu acidente.

- Julie Winthrop tinha algum inimigo? Ele franziu as sobrancelhas.

- Como? Não entendi.

- A Srta. Winthrop estava envolvida com alguém a quem pudesse ter.. dado um fora? Ou alguém que pudesse querer ferila, ou à sua família?

Steve Rexford balançou a cabeça, devagar - A Srta. Julie não era esse tipo de pessoa. Jamais poderia magoar alguém.

Não. Era muito generosa com seu tempo e sua saúde. Todo mundo a adorava.

Dana examinou-o por um momento. Ele parecia sincero.

Todos pareciam sinceros. Que diabo estou fazendo? Sinto-me como Dana Quixote. Sei que não há moinhos de vento.

O encontro seguinte de Dana foi com Morgan Ormond, diretor do Museu de Arte de Georgetown.

- Queria me perguntar sobre Gary Winthrop?

- Sim. Imaginei…

- A morte dele foi uma terrível perda. Nosso país perdeu seu maior patrono das artes.

- Sr Ormond, há muita competição no mundo das artes?

- Competição?

- Acontece às vezes, quando várias pessoas estão interessadas na mesma obra de arte e entram em…

- Claro. Mas nunca com o Sr. Winthrop. Ele tinha uma coleção particular fabulosa, mas ao mesmo tempo era muito generoso com os museus. Não com este, em especial, mas com outros em todo o mundo. Sua ambição era tornar a arte acessível a todos.

- Conheceu algum inimigo que ele…

- Gary Winthrop? Nunca, nunca, nunca.

A última entrevista de Dana foi com Rosalind Lopez, que trabalhara quinze anos como criada pessoal de Madeline Winthrop.

Agora ajudava na administração de uma empresa dela e do marido que fornecia refeições congeladas.

- Obrigada por me receber, Srta. Lopez - disse Dana. Gostaria de conversar sobre Madeline Winthrop.

- Aquela pobre senhora. Ela… ela foi a pessoa mais bondosa que já conheci.

Está começando a parecer um disco arranhado, pensou Dana.

- Foi simplesmente terrível o modo como ela morreu.

- Foi, sim - concordou Dana. - Estava com ela há um longo tempo, não?

- Oh, sim, senhora.

- Sabe de alguma coisa que ela poderia ter feito que talvez tivesse ofendido alguém ou criado algum inimigo da família?

Rosalind Lopez olhou para Dana, surpresa.

- Inimigos? Não, senhora. Todo mundo a adorava.

É um disco arranhado mesmo, decidiu Dana.

Voltando para o escritório, Dana pensava: Acho que estou errada. Apesar das probabilidades, as mortes devem ter sido coincidências.

Dana entrou para falar com Matt Baker. Foi recebida por Abbe Lasmann.

- Oi, Dana.

- Matt está pronto pra mim?

- Sim. Pode entrar Matt Baker ergueu os olhos quando Dana entrou no escritório.

- Como vai Sherlock Holmes hoje?

- É elementar, meu caro Watson. Eu estava errada. Não há matéria alguma ali.

O telefonema de Eileen, mãe de Dana, chegou de modo muito inesperado.

- Dana, querida, tenho a notícia mais emocionante para lhe dar.

- É, mãe?

- Vou me casar

Dana ficou aturdida.

- O quê?!

- É. Fui a Westport, em Connecticut, visitar uma amiga e ela me apresentou a esse homem lindo, adorável.

- Eu… eu estou encantada por você, mãe. É maravilhoso.

- Ele é… ele é tão… - Deu risadinhas. - Não dá para descrevê-lo, mas é um amor e você vai gostar dele.

Dana perguntou, cautelosa:

- Há quanto tempo o conhece?

- O suficiente, querida. Somos perfeitos um para o outro.

Tenho tanta sorte.

- Ele tem um emprego? - perguntou Dana.

- Pare de agir como seu pai. Claro que tem um emprego. É um corretor de seguros muito bem-sucedido. Chama-se Peter Tomkins. Tem uma linda casa em Westport, e estou louca para que você e Kimbal venham aqui conhecê-lo. Vocês vêm?

- Claro que vamos.

- Peter está tão ansioso por conhecer você. Contou a todo mundo que minha filha é muito famosa. Tem certeza que vai poder vir?

- Claro que sim. - Dana não ia ao ar nos fins de semana, portanto não haveria problema algum. - Kemal e eu aguardamos com impaciência a hora de chegar aí.

Quando pegou Kemal na escola, Dana disse-lhe:

- Você vai conhecer sua avó. Agora vamos ser uma familia de verdade, querido.

- Maneiro.

Dana sorriu.

- Maneiro é legal.

Bem cedo, na manhã de sábado, Dana e Kemal pegaram o carro e foram para Connecticut. Aguardavam a viagem para Westport com grande impaciência e expectativa.

- Vai ser maravilhoso para todo mundo - ela tranqüilizou Kemal. - Todos os avós precisam de netos para mimar. Esta é a melhor parte de ter filhos. E você poderá passar algum tempo com eles.

Kemal perguntou, nervoso.

- Você também vai ficar lá?

Dana apertou-lhe a mão.

- Vou, sim.

A casa de Peter Tomkins era um encantador chalé antigo na Blind Brook Road, com um pequeno riacho correndo ao lado.

- Ei, é maneira - disse Kemal.

Dana assanhou-lhe os cabelos.

- Que bom que você gostou. Vamos vir aqui muitas vezes.

A porta da frente do chalé abriu-se e Eileen Evans parou diante dela. Ainda restavam vagos traços de beleza em seu rosto, como indicações do que fora outrora, mas a amargura sobrepusera-se ao passado com ásperas pinceladas. Era Dorian Gray. A beleza da mãe desaparecera e passara para Dana. Ao lado de Eileen, via-se um homem de meia-idade, com uma aparência bonachona e um largo sorriso.

Eileen avançou às pressas e tomou Dana nos braços.

- Dana, querida! E este é Kimbal!

- Mãe…

- Então esta é a famosa Dana Evans, hem? - exclamou Peter Tomkins. - Falei de você a todos os meus clientes. Virou-se para Kemal. - E este é o garoto. - Percebeu o braço que faltava em Kemal. - Ei, você não me disse que ele era aleijado.

Dana sentiu o sangue congelar. Viu o choque na expressão de Kemal.

Peter Tomkins balançou a cabeça, pesaroso.

- Se ele tivesse feito um seguro com a nossa companhia antes disso acontecer, hoje seria um garoto rico. Virou-se em direção à porta. - Entrem.

Vocês devem estar com fome.

- Não mais - disse Dana, categórica. Virou-se para Eileen. - Desculpe, mãe. Kemal e eu vamos voltar para Washington.

- Lamento, Dana. Eu…

- Eu também. Espero que não esteja cometendo um grande erro. Tenha um ótimo casamento.

A mãe de Dana, consternada, observou a filha e Kemal entrarem no carro e afastarem-se.

Peter Tomkins procurou-os com o olhar, espantado.

- Ei, que foi que eu disse?

Eileen Evans respondeu, com um suspiro.

- Nada, Peter. Nada.

Kemal ficou calado no trajeto de volta para casa. Dana lançava-lhe um olhar de vez em quando.

- Sinto muito, querido. Algumas pessoas são simplesmente ignorantes.

- Ele tem razão - disse Kemal, ressentido. - Eu sou um aleijado. - você não é um aleijado - disse Dana, com ferocidade na voz. - você não julga as pessoas por quantos braços ou pernas têm. você as julga pelo que são.

- Ah, é? E então o que sou?

- É um sobrevivente. E sinto orgulho de você. Sabe, o Sr Encantador tinha razão numa coisa… estou morrendo de fome.

Acho que não vai lhe interessar, mas estou vendo um McDonald’s logo ali adiante.

Kemal sorriu.

- Assombroso.

Depois que Kemal foi para a cama, Dana entrou na sala de estar e sentou-se para pensar. Ligou a televisão e pôs-se a surfar pelos canais de notícias.

Todos apresentavam matérias sobre o assassinato de Gary Winthrop. -…esperando que a caminhonete roubada pudesse oferecer algumas pistas para a identidade dos assassinos… -…duas balas de uma Beretta. A polícia está investigando todas as lojas de armas para… -…e o brutal assassinato de Gary Winthrop na exclusiva área noroeste provou que ninguém está…

Alguma coisa no fundo da mente de Dana a inquietava, sem Parar. Levou horas para adormecer. De manhã, quando acordou, compreendeu o que andara Lhe tirando o sossego. Dinheiro e jóias guardados em lugar acessível, não trancado. Por que os ladrões não os levaram?

Dana levantou-se e fez um bule de café enquanto repassava o que o chefe Bumett dissera.

Têm uma relação das pinturas roubadas? Temos, sim. São todas famosas.

Já mandamos circular uma relação das obras entre os museus, negociantes de arte e colecionadores. No instante em que aparecer uma dessas pinturas, o caso será resolvido.

Os ladrões deviam saber que os quadros não podiam ser vendidos com facilidade, pensou Dana, o que talvez signifique que o roubo tenha sido arquitetado por um rico colecionador que pretende guardá-los para si. Mas por que um homem assim se entregaria nas mãos de dois marginais assassinos?

Na segunda-feira de manhã, quando Kemal se levantou, Dana fez o café e deixou o filho adotivo na escola.

- Tenha um bom dia, querido.

- Até mais, Dana.

Ela esperou Kemal entrar no portão da frente da escola e então seguiu para a delegacía de polícia na Indiana Avenue.

Nevava mais uma vez, e um vento sádico arrancava tudo por onde passava.

O detetive Phoenix Wilson, encarregado do assassinato de Gary Winthrop, era um misantropo cheio de malandragem, com algumas cicatrizes para mostrar como tinha ficado daquele jeito. Ergueu os olhos quando Dana entrou em seu gabinete.

- Nada de entrevistas - grunhiu Wilson. - Quando houver alguma informação nova sobre o assassinato de Winthrop, você saberá na coletiva, junto com todos os demais.

- Não vim falar disso - respondeu Dana.

Ele lançou-lhe um olhar cético.

- Oh, verdade?

- Verdade. Estou interessada nas pinturas roubadas. Imagino que tenha uma relação delas, não?

- E daí?

- Poderia me dar uma cópia?

O detetive Wilson perguntou, desconfiado.

- Para quê? O que tem em mente?

- Gostaria de saber que obras os assassinos levaram. Poderia fazer um segmento ao vivo.

O detetive Wilson examinou Dana por um momento.

- Não é má idéia. Quanto mais publicidade tiverem esses quadros, menos chance os assassinos terão de vendê-los. Levantou-se. - Eles levaram cerca da metade dos quadros e deixaram a outra metade. Acho que eram preguiçosos demais para transportar todos. Boa ajuda é coisa rara atualmente. Vou pegar uma cópia daquele relatório para você.

Voltou em poucos minutos com duas fotocópias. Entregouas a Dana.

- Aqui está a relação das obras roubadas. E aqui, a outra.

Dana olhou-o, sem entender - Que outra?

- Todas as obras de arte que Gary Winthrop possuía, inclusive as que os assassinos deixaram.

- Oh. Obrigada. Fico muito grata mesmo.

Já no corredor, Dana examinou as duas listas. O que via era confuso. Saiu para o ar frígido e dirigiu-se à Christie’s, a famosa casa de leilões. Nevava ainda mais pesado, e as multidões apressavam-se para terminar as compras de Natal e voltar logo aos lares e escritórios aquecidos.

Quando Dana chegou à Christie’s, a gerente logo a reconheceu.

- Vejam só! É uma honra, Srta. Evans. Que podemos fazer por você? Dana explicou:

- Tenho duas relações de quadros aqui. Ficaria grata se alguém pudesse me dizer quais das pinturas são valiosas.

- Mas é claro. Teremos o maiór prazer. Venha por aqui, por favor..

Duas horas depois, Dana achava-se no escritório de Matt Baker - Alguma coisa muito estranha está acontecendo - começou Dana.

- Não voltamos mais uma vez à teoria da conspiração, voltamos?

- Me diga você. - Entregou a relação mais longa dos quadros. - Esta tem todas as obras de arte que Gary Winthrop possuía. Acabei de mandar avaliar os quadros na Christie’s.

Matt Baker passou os olhos pela lista.

- Espere aí, vejo alguns medalhões de peso aqui. Vincent van Gogh, Hals, Matisse, Monet, Picasso, Manet. - Ergueu os olhos. - E aí?

- Agora olhe esta lista - disse Dana. Entregou a Matt a relação mais curta das obras, com os quadros roubados.

Matt leu-as em voz alta.

- Camille Pissaro, Marie Laurencin, Paul Klee, Maurice Utrillo, Henry Leebasque. Então, aonde quer chegar? Dana explicou devagar:

- Muitas das pinturas da relação completa valem mais de dez milhões de dólares, cada uma. - Fez uma pausa. - A maioria das constantes na lista menor, as roubadas, valem duzentos mil ou menos, cada.

Matt Baker piscou os olhos.

- Os arrombadores levaram as pinturas menos valiosas?

- Isso mesmo. - Dana curvou-se à frente. - Matt, se fossem ladrões profissionais também teriam levado o dinheiro vivo e as jóias logo ali, à mão. Devemos supor que alguém os contratou para roubar apenas as pinturas mais valiosas. Mas, segundo essas relações, eles não entendiam patavina de arte.

Então, para que foram contratados realmente? Gary Winthrop não estava armado. Por que o assassinaram?

- Está dizendo que o roubo foi um encobrimento, e o assassinato o verdadeiro motivo da invasão da casa?

- Essa é a única explicação em que posso pensar Matt engoliu em seco.

- Vamos examinar o seguinte. Suponha que Taylor Winthrop tivesse de fato arranjado um inimigo e sido assassinado… Por que alguém ia querer aniquilar toda a família dele?

- Não sei - disse Dana. - É isso que quero descobrir O Dr Armand Deutsch era um dos mais respeitados psiquiatras de Washington, um homem com uma imponente aparência, de seus setenta anos, testa larga e olhos inquisidoramente azuis. Deu uma olhada em Dana quando ela entrou.

- Srta. Evans?

- Sim. Agradeço-lhe por me receber, doutor. Eu precisava vê-lo por um motivo muito importante mesmo.

- E que motivo tão importante é esse?

- O senhor leu sobre as mortes na família Winthrop?

- Claro. Tragédias terríveis. Tantos acidentes.

- E se não foram acidentes? - perguntou Dana.

- Como? Que está dizendo?

- Que há uma possibilidade de que todos tenham sido assassinados.

- Os Winthrops assassinados? Isso parece uma grande apelação, Srta.

Evans. - Forçado demais.

- Mas possível.

- Por que acha que talvez tenham sido assassinados?

- É… é só um palpite - reconheceu Dana.

- Entendo. Um palpite. - O Dr Deutsch ficou ali, examinando-a. - Assisti às suas transmissões de Sarajevo. É uma excelente repórter - Obrigada.

O Dr Deutsch curvou-se à frente, apoiado nos ombros, os olhos azuis fixos nos dela.

- Portanto, não faz muito tempo, você estava em meio a uma terrível guerra. Correto?

- Sim.

- Fazendo reportagens sobre pessoas sendo estupradas, mortas, bebês assassinados…

Dana ouvia, cautelosa.

- Achava-se, é óbvio, sob grande estresse.

- Sim - concordou Dana.

- Há quanto tempo voltou… cinco, seis meses?

- Há três meses - disse Dana.

Ele fez que sim com a cabeça, satisfeito.

- Não muito tempo para se ajustar mais uma vez à vida civil, não é? Deve ter pesadelos com os terríveis assassinatos que testemunhou, e agora sua mente inconsciente imagina…

Dana interrompeu-o.

- Doutor, não sou paranóica. Não tenho prova alguma, mas tenho motivo para acreditar que as mortes dos Winthrops não foram acidentais. Vim vêlo porque esperava que pudesse me ajudar - Ajudá-la? De que maneira?

- Preciso de uma motivação. Que motivação alguém poderia ter para aniquilar uma família inteira?

O Dr Deutsch olhou para Dana e cruzou os dedos.

- Há precedentes, claro, de agressão violenta como essa.

Uma vendetta… vingança. Na Itália, a Máfia ficou famosa por matar famílias inteiras. Ou é possível o envolvimento de drogas. Poderia ser vingança por alguma tragédia terrível causada pela família. Ou talvez um maníaco que poderia não ter motivação racional alguma para…

- Não creio que seja esse o caso aqui - disse Dana.

- E também, claro, há sempre uma das mais antigas motivações do mundo… dinheiro.

Dinheiro. Dana já tinha pensado nisso.

Chefe do escritório de advocacia de Calkin, Taylor be Anderson, Walter Calkin foi o advogado da família Winthrop por mais de 25 anos. Embora fosse um homem muito idoso, com o corpo frágil e paralisado por artrite, continuava com a mente aguçada.

Examinou Dana por um momento.

- Disse para minha secretária que queria conversar comigo sobre os bens da família Winthrop?

- Sim.

Ele deu um suspiro.

- Para mim, é incrível o que aconteceu com aquela família maravilhosa.

Incrível.

- Soube que o senhor cuidava das questões jurídicas e financeiras deles - disse Dana.

- Sim.

- Sr Calkin, no ano passado, ocorreu alguma coisa fora do comum com essas questões?

Ele olhava para Dana, curioso.

- Fora do comum em que sentido? - perguntou.

Dana respondeu, com cuidado:

- É meio embaraçoso, mas… o senhor ficaria sabendo se algum membro da família estava… sendo chantageado? Houve um silêncio momentâneo.

- Quer dizer, se eu saberia se estavam pagando regularmente grandes somas a alguém?

- É.

- Acho que saberia, sim.

- E houve alguma coisa semelhante? - continuou Dana.

- Nada. Suponho que esteja insinuando algum tipo de jogo sujo. Devo lhe dizer que considero isso totalmente ridículo.

- Mas estão todos mortos - insistiu Dana. - Os bens devem valer muitos bilhões de dólares. Eu ficaria muito grata se o senhor pudesse me dizer quem se candidata para receber todo esse dinheiro.

Ela viu o advogado abrir um frasco de pílulas, tirar uma e engoli-la com um gole d’água.

- Srta. Evans, nunca discutimos as questões dos nossos clientes. - Hesitou.

- Nesse caso, contudo, não vejo mal algum, pois amanhã será distribuído um comunicado à imprensa.

E também, claro, há sempre uma das mais antigas motivações do mundo… dinheiro.

Walter Calkin fitou Dana.

- Com a morte de Gary Winthrop, o último sobrevivente da família…

- Sim - Dana prendia a respiração.

- Todos os bens da família Winthrop vão para instituições de caridade.

A equipe aprontava-se para o noticiário da noite.

Dana estava no Estúdio A, à mesa do âncora, terminando as mudanças de última hora para a transmissão. Os boletins de notícias que haviam chegado durante todo o dia dos serviços de telégrafo e canais policiais eram examinados, selecionados ou rejeitados.

Sentados à mesa do âncora junto a Dana, Jeff Connors e Richard Melton.

Anastasia Mann começou a contagem regressiva e terminou: Três… dois… um… com o dedo indicador estendido. A luz vermelha da câmera piscou.

Ouviu-se a estrondosa voz do locutor:

- Este é o jornal das onze horas ao vivo na WTN com Dana Evans… - Dana sorriu para a câmera. -…e Richard Melton. - Melton olhou pela câmera e acenou com a cabeça.

- Jeff Connors com os esportes e Marvin Greer com a meteorologia.

Começa nesse instante o jornal das onze horas.

Dana olhou dentro da câmera.

- Boa noite. Dana Evans.

Richard Melton sorriu.

- Richard Melton.

Dana leu do teleprompter.

- Temos uma matéria exclusiva. Uma caçada policial terminou mais cedo esta noite, após um assalto à mão armada numa loja de bebidas no centro.

- Rode a fita um.

A tela abriu-se para o interior de um helicóptero. Nos controles do helicóptero da WTN estava Norman Bronson, um exfuzileiro piloto da marinha. A seu lado, Alyce Barker. O ângulo da câmera mudou. Em terra, abaixo, viam-se três carros da polícia cercando um sedâ que tinha batido numa árvore.

Alyce Barker entrou:

- A perseguição teve início quando dois homens entraram na loja de bebidas Haley, na Pennsylvania Avenue, e tentaram render o balconista.

Ele resistiu e apertou o botão de alarme para chamar a polícia. Os ladrões fugiram, mas a polícia os perseguiu por quase oito quilômetros até o carro dos suspeitos chocar-se com- tra uma árvore. Os dois foram detidos e levados para a delegacia.

Seguiram-se mais três reportagens, e o diretor deu o sinal para um intervalo.

- Voltaremos logo após os comerciais - disse Dana.

Rodaram um comercial.

Richard Melton virou-se para Dana.

- Já deu uma olhada lá fora? O tempo está uma merda.

- Eu sei - riu Dana. - Nosso pobre homem da meteorologia vai receber um monte de cartas odiosas.

A luz vermelha piscou e acendeu. O teleprompter ficou vazio por um momento e pôs-se mais uma vez a deslizar. Dana iniciou a leitura:

- Na véspera do Ano-Novo, eu gostaria de… - Parou de chofre, aturdida, ao ler o resto das palavras. Diziam:…que nos casássemos. Temos um duplo motivo para comemorar toda véspera do Ano-Novo.

Parado junto ao teleprompter, Jeff dava-lhe um sorriso escancarado.

Dana olhou para a câmera e disse, sem graça:

- Faremos uma pausa para um breve comercial. - A luz vermelha apagouse.

Dana levantou-se.

- Jeffi Os dois aproximaram-se um do outro e se abraçaram.

- Que é que você diz?

- Digo… aceito.

Os aplausos da equipe ecoaram-no estúdio.

Quando terminou a transmissão e os dois ficaram sozinhos, Jeff perguntou:

- De que você gostaria, meu bem? Um casamento grande, pequeno ou médio?

Dana pensava em seu casamento desde menininha. Visualizava-se em um lindo vestido comprido de renda branca, com uma longa, longuíssima, cauda. Nos filmes a que assistira, sempre havia a excitação frenética de aprontar-se para a cerimônia… preparar a lista de convidados… escolher o bufê… as damas de honra… a igreja… Todos os amigos estariam lá, e a mãe. Ia ser o dia mais lindo de sua vida. E agora era uma realidade.

- Dana? - perguntou mais uma vez Jeff, à espera da resposta.

Se eu fizer um grande casamento, pensou Dana, terei de convidar mamãe e seu marido. Não posso fazer isso com Kemal.

- Vamos fugir para nos casar - disse ela.

Jeff concordou com a cabeça, surpreso.

- Se é isso o que quer, então é o que eu quero.

Kemal ficou entusiasmado ao saber da notícia.

- Quer dizer que Jeff vai morar com a gente?

- Isso mesmo. Vamos ficar todos juntos. Você vai ter uma família de verdade, querido.

Sentada ao lado de Kemal na cama durante a hora seguinte, Dana discutia, excitada, o futuro deles. Os três iam viver juntos, passar férias juntos, simplesmente ficar juntos. Esta palavra mágica.

Quando Kemal adormeceu, Dana entrou no quarto e ligou o Computador.

Apartamentos. Apartamentos. Vamos precisar de dois quartos, dois banheiros, uma sala de visitas, cozinha, área de jantar e talvez um escritório e um estúdio. Isso não deve ser difícil demais.

Dana pensou na casa vazia de Gary Winthrop, na cidade, e sua mente pôsse a divagar Que realmente tinha acontecido naquela noite? E quem desligou o alarme? Se não havia quaisquer sinais de um arrombamento, então como os ladrões entraram? Quase sem querer, seus dedos digitaram “Winthrop” no teclado. Que diabo de problema está acontecendo comigo?

Dana percebeu a mesma informação conhecida que vira antes.

Regional› Estados Unidos› Washington, Capital› Governo› Política› Agência Federal de Pesquisa Winthrop, Taylor - serviu como embaixador da Rússia e negociou um importante acordo comercial com a Itália…

Winthrop, Taylor - bilionário que se fez por si mesmo, Taylor Winthrop, dedicou-se a servir seu país…

Winthrop, Taylor - a família Winthrop criou fundações filantrópicas para ajudar escolas, bibliotecas e programas internos da cidade…

Havia 54 websites para a família Winthrop. Dana ia mudar a busca para Apartamentos, quando uma entrada ao acaso captou-lhe o olhar.

Winthrop, Taylor - Processo judicial. Joan Sinisi, ex-secretária de Taylor Winthrop, entrou com uma ação judicial e depois a abandonou.

Dana leu mais uma vez. Que tipo de processo judicial?, perguntou-se.

Mudou para vários outros websites Winthrop, mas não encontrou nenhuma outra menção a ação judicial. Digitou então o nome Joan Sinisi. Nada apareceu.

- Esta é uma linha segura?

- Sim.,

- Quero um relatório sobre os websites que o alvo tem verificado.

- Cuidaremos imediatamente disso.

Na manhã seguinte, ao chegar ao seu escritório na redação, após deixar Kemal na escola, Dana procurou no catálogo de telefones de Washington.

Nenhuma Joan Sinisi. Tentou o de Maryland… Virgínia… Sem sorte. Ela na certa se mudou, decidiu Dana.

Tom Hawkins, o produtor do programa, entrou no escritório de Dana.

- Derrotamos mais uma vez a concorrêncía ontem à noite.

- Maravilha. - Dana ficou pensativa por um momento.

- Tom, conhece alguém na companhia telefônica?

- Claro. Você precisa de um telefone?

- Não. Quero saber se alguém tem um número não listado.

Acha que poderia verificar isso?

- Qual é o nome?

- Sinisi. Joan Sinisi. Ele franziu as sobrancelhas.

- Por que este nome me parece conhecido?

- Ela se envolveu num processo judicial com Taylor Winthrop.

- Ah, é. Agora me lembro. Foi mais ou menos um ano atrás. Você estava na Iugoslávia. Achei que ia ser uma matéria suculenta lá, mas silenciou muito rápido. Ela na certa está morando em algum lugar na Europa, mas vou tentar descobrir Quinze minutos depois, Olivia Watkins comunicou:

- Tom na linha para você.

- Tom?

- Joan Sinisi continua morando em Washington. Tenho um número que não consta da lista telefônica para você, se quiser - Fantástico - exclamou Dana e pegou uma caneta. Desembuche. - 555-2690.

- Obrigada.

- Esqueça os agradecimentos. Transforme-os num almoço.

- Combinado.

A porta do escritório abriu-se e Dean Ulrich, Robert Fenwick e Maria Toboso, três redatores que trabalhavam no jornal da televisão, entraram.

Robert Fenwick disse:

- Vai ser um noticiário sangrento esta noite. Temos duas colisões de trem, um desastre aéreo e um grande deslizamento.

Os quatro puseram-se a ler os boletins informativos que chegavam.

Terminada a reunião, duas horas depois, Dana pegou o pedaço de papel com o número de Joan Sinisi e telefonou.

Uma mulher respondeu:

- Residência da Srta. Sinisi.

- Eu poderia falar com a Srta. Sinisi, por favor? Aqui é Dana Evans.

- Vou ver se ela pode atender. Só um minuto - respondeu a mulher Dana esperou. Outra voz de mulher chegou ao telefone, baixa e hesitante.

- Alô…

- Srta. Sinisi?

- Sim.

- Aqui é Dana Evans. Eu gostaria de saber se…

- A Dana Evans?

- Ah… sim.

- Oh! Vejo seu programa toda noite. Sou uma tremenda fã sua.

- Obrigada - disse Dana. - Isso é muito lisonjeiro. Eu queria saber se tem algum tempo de sobra para mim, Srta. Sinisi.

Eu gostaria de conversar com você.

- Você gostaria? - Transpareceu um tom de alegre surpresa na sua voz.

- Sim. Podemos nos encontrar em algum lugar?

- Heim, sem dúvida. Gostaria de vir aqui?

- Seria ótimo. Quando é conveniente para você? Houve uma breve hesitação.

- A qualquer hora. Fico em casa o dia todo.

- Que tal amanhã à tarde, digamos às duas horas?

- Tudo bem. - Deu o endereço.

- Vejo-a amanhã - disse Dana e desligou o telefone. Por que continuo nisso? Bem, o encontro com Joan Sinisi irá desvendar tudo.

Às duas horas da tarde seguinte, Dana parou o carro diante do arranha-céu de apartamentos de Joan Sinisi, na Prince Street.

Um porteiro uniformizado aguardava na fachada do prédio.

Dana olhou a imponente construção e pensou: Como uma secretária tem meios para morar aqui? No vestíbulo, uma recepcionista à mesa.

- Posso ajudá-la?

- Combinei um encontro com a Srta. Sinisi. Sou Dana Evans.

- Sim, Srta. Evans. Ela está à espera. É só tomar o elevador para a cobertura. É o apartamento A.

A cobertura?

Quando Dana chegou ao último andar, saiu do elevador e tocou a campainha do apartamento A. A porta foi aberta por uma empregada uniformizada.

- Srta. Evans?

- Sim.

- Entre, por favor.

Joan Sinisi morava num apartamento de doze cômodos com um imenso terraço dominando de cima a cidade. A empregada levou Dana por um longo corredor até uma sala de visitas toda em branco e belamente decorada. Sentada no sofá, uma mulher pequena e magra levantou-se ao ver Dana.

Joan Sinisi foi uma surpresa. Dana não soubera o que prever, mas a mulher que se levantara para cumprimentá-la era a última coisa que esperaria ver.

Além de baixa, Joan Sinisi tinha um rosto comum, os olhos castanhos ocultos sob grossos óculos. A voz era tímida e quase inaudível.

- É um verdadeiro prazer conhecê-la em pessoa, Srta. Evans.

- Obrigada por me receber - disse Dana. Juntou-se a Joan Sinisi num grande sofá branco perto do terraço.

- Eu ia tomar um pouco de chá. Aceitaria um pouco?

- Obrigada.

Joan Sinisi voltou-se para a empregada e disse, quase com acanhamento:

- Greta, poderia fazer o favor de nos trazer um pouco de chá?

- Sim, senhora.

- Obrigada, Greta.

Pairava uma sensação de irrealidade naquilo. Joan Sinisi e a cobertura não se encaixavam de modo algum. Como ela poderia ter meios para morar aqui? Que tipo de acordo fizera TaylorWinthrop? E de que se tratara a ação judicial? -…e nunca perco suas apresentações-dizía Joan Sinisí, em voz baixa. - Acho você maravilhosa.

- Obrigada.

- Lembro quando você transmitía as notícias de Sarajevo, com todas aquelas bombas e armas explodindo. Sempre temia que alguma coisa pudesse Lhe acontecer - Para ser sincera, eu também.

- Deve ter sido uma experiência terrivel.

- Sim, em certo aspecto foi.

Greta chegou com uma bandeja de chá e bolos. Arrumoua na mesa de centro, diante das duas.

- Eu sirvo - disse Joan Sinisi.

Dana ficou vendo-a servir o chá.

- Aceita um bolo?

- Não, obrigada.

Joan Sinisi passou a Dana a xícara de chá e serviu outra para si.

- Como disse, fico realmente muito feliz por conhecê-la, mas eu… eu não posso imaginar sobre o que quer conversar comigo.

- Eu queria falar de Taylor Winthrop.

Joan Sinisi teve um sobressalto e derramou um pouco de chá no colo.

O rosto empalideceu.

- Está tudo bem com você?

- Sim, estou… estou ótima. - Fez umas leves aplicações na saia com o guardanapo. - Eu… eu não sabia que você queria… - A voz extinguiu-se.

A atmosfera mudara de repente. Dana disse:

- Você foi secretária de Taylor Winthrop, não foi? Joan Sinisi respondeu, cuidadosa.

- Fui. Mas deixei o emprego do Sr Winthrop um ano atrás. Lamento não poder ajudá-la. - A mulher quase tremia.

Dana disse, tranqüilizando-a:

- Ouvi tantas coisas boas sobre Taylor Winthrop. Simplesmente imaginei que talvez pudesse acrescentar mais alguma informação.

Joan Sinisi pareceu aliviada.

- Oh, sim, claro que posso. O Sr Winthrop era um grande homem.

- Quanto tempo trabalhou pra ele?

- Quase três anos.

Dana sorriu.

- Deve ter sido uma experiência maravilhosa.

- Sim, sim, foi, Srta. Evans. - Parecia muito mais relaxada.

- Mas você moveu um processo judicial contra ele.

O medo voltara aos olhos de Joan Sinisi.

- Não… quer dizer, sim. Mas foi um erro, entende? Cometi um erro.

- Que tipo de erro?

Joan Sinisi engoliu em seco.

- Eu… eu entendi errado uma coisa que o Sr Winthrop disse a uma pessoa.

Comportei-me muito tolamente. Sinto vergonha de mim mesma.

- Você entrou com o processo, mas não o levou ao tribunal?

- Não. Ele… nós resolvemos o processo em comum acordo. Não foi nada.

Dana olhou o apartamento em volta.

- Entendo. Pode me dizer que acordo foi?

- Não, receio que não - disse Joan Sinisi. - Tudo é muito confidencial.

Dana se perguntava o que teria feito aquela mulher tímida mover um processo judicial contra um titã como Taylor Winthrop, e por que se mostrava tão apavorada ao falar daquilo.

De que tinha medo?

Houve um longo silêncio. Joan Sinisi observava Dana, que tinha a sensação de que ela queria Lhe dizer alguma coisa.

- Srta. Sinisi…

Joan Sinisi levantou-se.

- Se não há mais nada de que precise, Srta. Evans… lamento, não posso ficar mais.

- Entendo - disse Dana.

Quisera que sim.

Ele pôs a fita na máquina e apertou o botão start.

Eu… eu entendi errado uma coisa que o Sr. Winthrop disse a uma pessoa.

Comportei-me muito tolamentte. Sinto vergonha de mim mesma.

Você entrou com o processo, mas não o levou ao tribunal? Não. Ele… nós resolvemos o processo em comum acordo. Não foi nada.

Entendo. Pode me dizer que acordo foi? Não, receio que não. Tudo é muito confidencial.

Fim da fita.

Tinha começado.

Dana tomou providências para um corretor de imóveis mostrarlhe apartamentos, mas foi uma manhã desperdiçada. Os dois cobriram Georgetown, Dupont Circle e o bairro de AdamsMorgan. Os apartamentos eram pequenos, grandes ou caros demais. Ao meio-dia, resolveu desistir - Não se preocupe - disse o corretor, tranqüilizando-a.

- Encontraremos exatamente o que está procurando.

- Espero - disse ela. E logo.

Dana não conseguia tirar Joan Sinisi da cabeça. Que informação tinha ela sobre Taylor Winthrop que faria com que ele lhe pagasse uma cobertura e Deus sabe mais o quê? Ela queria me dizer alguma coisa, pensou Dana.

Tenho certeza disso. Preciso falar de novo com ela.

Telefonou para o apartamento de Joan Sinisi.

- Boa tarde - respondeu Greta.

- Greta, aqui é Dana Evans. Por favor, eu gostaria de falar com a Srta.

Sinisi.

- Lamento. A Srta. Sinisi não está atendendo a telefonemas.

- Bem, poderia lhe dizer que é Dana Evans, e que preciso…

- Lamento, Srta. Evans. A Srta. Sinisi não está disponível. - A linha interrompeu-se.

Na manhã seguinte, Dana deixou Kemal na escola. No céu congelado, um pálido sol tentava sair Nas esquinas das ruas em toda a cidade, os mesmos Papais Noel falsos tocavam seus sinos pedindo doações para obras de caridade.

Preciso encontrar um apartamento para nós três antes da véspera do Ano- Novo, pensou.

Após chegar ao estúdio, Dana passou a manhã em reunião com o pessoal do noticiário, discutindo as matérias que iam entrar e as locações que ela precisava ter gravadas. Uma notícia era sobre um assassinato particularmente brutal, não desvendado, e Dana pensou nos Winthrops.

Telefonou mais uma vez para o número de Joan Sinisi.

- Boa tarde.

- Greta, é muito importante que eu fale com a Srta. Sinisi.

Diga a ela que Dana Evans…

- Ela não vai falar com você, Srta. Evans. - A linha interrompeu-se.

Que está acontecendo?, perguntou-se Dana e foi até a sala de Matt Baker.

Abbe Lasmann cumprimentou-a.

- Parabéns! Soube que a data do casamento foi marcada.

Dana sorriu.

- É.

Abbe deu um suspiro.

- Que pedido romântico.

- É o estilo do meu companheiro.

- Dana, nossa colunista da Conselho aos Perdidos de Amor disse que após as bodas você devia ir ao supermercado, comprar duas sacolas de enlatados e esconder na mala do seu carro.

- Por que diabos…?

- Ela disse que um dia, pela estrada afora, você poderia decidir ter uma pequena diversão extracurricular e chegar tarde em casa.

Quando Jeff perguntar onde esteve, você simplesmente lhe mostra as sacolas e diz: “Fazendo compras.” Ele vai…

- Obrigada, Abbe querida. Matt pode me receber? - vou avisá-lo de que está aqui.

Momentos depois, Dana entrava no escritório de Matt Baker.

- Sente-se, Dana. Boas notícias. Acabamos de receber os resultados das pesquisas de audiência. Arrasamos mais uma vez com a concorrência ontem à noite.

- Ótimo. Matt, conversei com uma ex-secretária de Taylor Winthrop e ela…

Ele deu-lhe um largo sorriso.

- Vocês, nativas de Virgem, não desistem, não é? Não me disse que…

- Eu sei, mas escute isto. Quando ela trabalhava para Taylor Winthrop, moveu uma ação judicial contra ele. Nunca foi a julgamento, porque Taylor fez um acordo com ela. Hoje ela mora numa enorme cobertura que por certo não poderia pagar com o salário de secretária, por isso o acordo deve ter sido realmente polpudo. Quando falei no nome Winthrop, a mulher ficou apavorada, absolutamente apavorada. Agia como se temesse pela própria vida.

Matt Baker perguntou, paciente:

- Ela temia perder a própria vida?

- Não.

- Temia Taylor Winthrop?

- Não, mas…

- Então, por tudo que você sabe, ela poderia estar com medo de um namorado que a espanca ou de arrombadores debaixo da cama. Você não tem absolutamente nada com que continuar, tem?

- Bem, eu… - Dana viu a expressão no rosto dele. Nada concreto.

- Certo. Quanto às pesquisas de audiência…

Joan Sinisi assistia ao noticiário da noite na WTN. Dana dizia:

- E nas notícias locais, segundo o último relatório, o índice de crime nos Estados Unidos caiu vinte e sete por cento nos últimos doze meses. As maiores baixas na criminalidade foran em Los Angeles, São Francisco e Detroit…

Joan Sinisi examinava o rosto de Dana, com os olhos fixos nos dela, tentando chegar a uma decisão. Viu todo o noticiário e, quando este terminou, tinha tomado sua decisão.

Quando Dana entrou em seu escritório na manhã seguinte, Olivia disse:

- Bom dia. Você recebeu três telefonemas de uma mulher que não quis deixar o nome.

- Mas ela deixou algum número?

- Não. Disse que ligaria de novo.

Trinta minutos depois, Olivia avisou.

- É aquela mulher mais uma vez na linha. Quer falar com ela?

- Pode ligar. - Dana pegou o telefone. - Alô, aqui é Dana Evans. Quem fala?

- Aqui é Joan Sinisi.

Dana sentiu o coração acelerar - Sim, Srta. Sinisi…

- Ainda quer conversar comigo? - Parecia nervosa.

- Quero. Muitíssimo.

- Tudo bem.

- Posso estar no seu apartamento em…

- Não! -Transparecia pânico em sua voz. - Precisamos nos encontrar em outro lugar. Acho que estou sendo vigiada.

- Como quiser. Onde…?

- Na seção de aves do Zoológico no parque. Pode estar lá em uma hora?

- Estarei lá.

O parque achava-se praticamente deserto. Os gélidos ventos de dezembro que varriam a cidade mantinham longe os freqüentadores habituais.

Tiritando de frio, Dana parou defronte do aviário à espera de Joan Sinisi.

Conferiu as horas no relógio de pulso. Já havia passado mais de uma hora.

Vou dar mais quinze minutos.

Quinze minutos depois, disse a si mesma: Mais meia hora e chega. Trinta minutos depois, pensou: Droga! Ela mudou de idéia.

Voltou para o escritório, congelada e molhada.

- Algum telefonema?

- Meia dúzia. Estão na sua mesa.

Dana olhou a lísta. Não constava o nome de Joan Sinisi.

Discou então o número dela. Ouviu o telefone tocar uma dezena de vezes antes de desligar. Talvez tenha mais uma vez mudado de idéia. Tentou mais duas vezes, sem resposta. Debatia-se, perguntando-se se devia voltar ao apartamento de Joan Sinisi, mas decidiu contra. Tenho de esperar que ela me procure.

Não se ouviu mais falar de Joan Sinisi.

Às seis horas da manhã seguinte, Dana assistia ao jornal, enquanto se vestia. -…e a situação na Chechênia piorou. Foram encontrados mais doze corpos e, apesar da garantia do governo russo de que os rebeldes haviam sido derrotados, a luta continua… No noticiário local, uma mulher jogou-se para a morte de seu apartamento de cobertura no trigésimo andar. A vítima, Joan Sinisi, era uma ex-secretária do embaixador Taylor Winthrop. A polícia está investigando o acidente.

Dana ficou ali parada, imóvel.

- Matt, lembra a mulher que eu lhe disse que ia me encontrar, Joan Sinisi, a ex-secretária de Taylor Winthrop?

- Sim. Que tem ela?

- Apareceu no noticiárío esta manhã. Está morta.

- Quê?!

- Ontem de manhã, ela me telefonou e combinou um encontro urgente comigo. Disse que tinha alguma coisa muito importante para me dizer.

Esperei por ela no Zoológico mais de uma hora. Ela não apareceu.

Matt fitava-a.

- Quando falei com ela ao telefone, ela me disse que achava que estava sendo vigiada.

Sentado ali, Matt acariciava o queixo.

- Deus do céu! Que diabo temos aí?

- Não sei. Quero falar com a empregada de Joan Sinisi.

- Dana…

- Que foi?

- Tenha cuidado. Muito cuidado.

Quando Dana entrou no saguão do prédio de apartamentos, encontrou um outro porteiro de serviço.

- Posso ajudá-la?

- Sou Dana Evans. Vim por causa da morte da Srta. Sinisi.

Foi uma terrível tragédia.

A expressão do porteiro entristeceu-se.

- Foi, sim. Ela era uma senhora adorável. Sempre calada e contida.

- Ela recebia muitos visitantes? - perguntou Dana, casualmente.

- Não, na verdade, não. Era muito discreta.

- Estava de serviço quando o… - A língua de Dana tropeçou na palavra -… o acidente aconteceu?

- Não, senhora.

- Então não sabe se tinha alguém com ela?

- Não, senhora.

- Mas tinha alguém de serviço aqui?

- Ah, sim. Dennis. A polícia já o interrogou. Ele tinha saído para dar um recado quando a Srta. Sinisi caiu.

- Eu gostaria de falar com Greta, a empregada da Srta.

Sinisi.

- Receio que seja impossível.

- Impossível? Por quê?

- Ela foi embora.

- Para onde?

- Disse que ia para casa. Ficou terrivelmente consternada.

- Onde ela mora?

O porteiro balançou a cabeça.

- Não faço a mínima idéia.

- Tem alguém no apartamento agora?

- Não, senhora.

Dana pensou rápido.

- Meu chefe gostaría que eu fizesse uma matéria para a WTN sobre a morte da Srta. Sinisi. Será que dava para eu ver mais uma vez o apartamento?

Estive aqui faz poucos dias.

Ele pensou por um momento e encolheu os ombros.

- Não vejo problema algum. Só que vou ter de subir com você.

- Ótimo - disse Dana.

Subiram até a cobertura em silêncio. Quando chegaram ao trigésimo andar, o porteiro pegou uma chave mestra e abriu a porta da Suíte A.

Dana entrou. O apartamento estava exatamente como vira a última vez. Só que sem a Srta. Sinisi.

- Quer ver alguma coisa em particular, Srta. Evans?

- Não - mentiu Dana. - Só quero refrescar minha memória.

Ela atravessou o corredor até a sala de visitas e dirigiu-se ao terraço.

- Foi dali que a pobre senhora caiu - disse o porteiro.

Dana saiu para o terraço e aproximou-se da borda. Um muro de 1,20m percorria todo o contorno do terraço. Era de todo impossível alguém ter caído acidentalmente por cima dele.

Dana olhou a rua embaixo, movimentada com o tráfego de Natal e pensou.

Quem poderia ser implacável o bastante para uma coisa dessas? Sentiu calafrios.

O porteiro viera ficar a seu lado.

- Está tudo bem com você?

Dana respirou fundo.

- Sim, tudo bem. Obrigada.

- Quer ver mais alguma coisa?

- Já vi o bastante.

O vestíbulo das dependências da polícia central apinhava-se de delinqüentes, prostitutas e turistas desesperados, cujas carteiras haviam misteriosamente desaparecido.

- Vim ver o detetive Abrams - disse Dana ao sargento da recepção.

- Terceira porta à direita.

- Obrigada. - Dana atravessou o corredor A porta do detetive Abrams estava aberta.

- Detetive Abrams?

Ele estava em pé diante do armário de arquivos, um homen grandalhão com uma enorme pança e cansados olhos castanhos Voltou-se e viu Dana.

- Sim? - Reconheceu-a. - Dana Evans. Que posso fazer por você?

- Soube que é o encarregado do… -mais uma vez aquela palavra -… acidente da Srta. Sinisi.

- Isso mesmo.

- Pode me dizer alguma coisa sobre o caso? Ele aproximou-se de sua escrivaninha com um punhado de papéis e sentou-se.

- Não há muito o que dizer. Foi um acidente ou um suicídio. Sente-se.

Dana pegou uma cadeira.

- Tinha alguém com ela quando aconteceu?

- Só a empregada. Estava na cozinha na hora. Disse que não havia mais ninguém lá.

- Tem alguma idéia de onde posso encontrar a emprega’ da? - perguntou Dana.

Ele pensou por um momento.

- Ela vai aparecer no jornal esta noite, hem? Dana sorriu-lhe.

- Certo.

O detetive Abrams levantou-se e voltou ao armário do arquivo. Procurou por algumas pastas. Retirou um cartão.

- Aqui vamos nós. Greta Miller. Connecticut Avenue 1.180. Isso resolve?

- Resolve. Obrigada, detetive Abrams.

Vinte minutos depois, Dana seguia ao volante pela Connecticut, verificando os números das casas. 1.120… 1.122.


1.174… 1.176… 1.178…


O 1.180 era um estacionamento.

- Acredita mesmo que a tal Sinisi foi atirada do terraço? Perguntou Jeff.

- Jeff, a gente não dá um telefonema para marcar um encontro importante e depois se suicida. É frustrante. É como o cão dos Baskervilles. Ninguém ouviu o cão latir. Ninguém sabe de nada.

Jeff disse:

- Isso está ficando assustador. Acho que você não devia levar a coisa adiante.

- Não posso parar agora. Tenho de descobrir - Se estiver certa, Dana, seis pessoas foram assassinadas.

Dana engoliu em seco.

- Eu sei. -…e a empregada deu à polícia um endereço falso e desapareceu - dizia Dana a Matt Baker. - Quando falei com Joan Sinisi, ela parecia nervosa, mas certamente não me pareceu suicida.

Alguém a ajudou a pular daquela varanda.

- Mas não temos prova alguma.

- Não. Mas sei que estou certa. Quando a conheci, Joan Sinisi estava ótima até o momento em que mencionei o nome de Taylor Winthrop. Foi aí que ela entrou em pânico. Essa é a primeira vez em que vi uma fenda na deslumbrante lenda que Taylor Winthrop construiu. Um homem como ele não ajustaria contas tão altas com uma secretária, a não ser que ela soubesse alguma coisa realmente grande sobre ele. Matt, conhece alguém que trabalhou com Taylor Winthrop que poderia ter tido um problema com ele, alguém que não tenha medo de abrir o bico?

Matt Baker ficou pensativo por um momento.

- Você poderia procurar Roger Hudson.

Era um nome familiar, mas ela não soube situá-lo.

- Hudson foi o líder da maioria no Senado antes de se aposentar e trabalhou com Taylor Winthrop em um ou dc comitês. Talvez saiba de alguma coisa.

É um homem que não tem medo de ninguém.

- Poderia conseguir um encontro para mim, Matt?

- Verei o que posso fazer Uma hora depois, Matt Baker ligava para ela.

- Marquei um encontro para você conversar com Roger Hudson na quartafeira ao meio-dia, na casa dele em Georgetown.

- Obrigada, Matt. Valeu.

- Devo Lhe avisar uma coisa, Dana…

- O quê?

- Hudson pode ser muito espinhoso.

- Vou tentar não chegar perto demais.

Matt Baker ia saindo do escritório, quando Elliot Cromwel entrou.

- Quero conversar com você sobre Dana.

- Algum problema?

- Não, e não quero que haja, Matt. Esse negócio de Taylor Winthrop que ela anda investigando…

- Sim.

- Ela anda levantando muita poeira, e acho que está perdendo tempo à toa.

Conheci Taylor Winthrop e sua família

Eram todos pessoas maravilhosas.

- Ótimo - disse Matt Baker. - Então não tem problema se ela continuar.

Elliot Cromwell olhou Matt por um momento e encolheu os ombros.

- Mantenha-me informado.

- Esta é uma linha segura?

- Sim, senhor.

- Bom. Estamos dependendo muitíssimo da informação que vem da WTN.

Tem certeza que sua informação é confiável?

- Absoluta. Está vindo direto da torre executiva.

Preparando o café, na manhã de segunda-feira, Dana ouviu fortes ruidos do lado de fora. Olhou pela janela e surpreendeu-se ao ver um caminhão de mudança diante do prédio de apartamentos, com homens transportando móveis.

Quem poderia estar se mudando?, perguntou-se. Todos os apartamentos estavam ocupados, e todos eram aluguéis de longo prazo.

Dana punha o cereal na mesa, quando ouviu uma batida na porta. Era Dorothy Wharton.

- Dana, tenho uma notícia para lhe dar - disse ela, ecitada. - Howard e eu estamos nos mudando hoje para Roma.

Dana olhou para ela, atônita.

- Roma? Hoje?

- Não é incrível? Semana passada um homem veio ver Howard. Tudo muito em segredo. Howard me pediu que eu não dissesse nada a ninguém.

Bem, ontem à noite, o homem telefonou e ofereceu a Howard um emprego na empresa dele, na Itália, pagando três vezes o salárío atual de Howard. - Dorothy sorria, radiante.

- Bem, isso é… isso é maravilhoso - disse Dana. - Vamos sentir sua falta.

- Nós também vamos sentir sua falta.

Howard aproximou-se da porta.

- Imagino que Dorothy já lhe contou a novidade, não?

- Contou. Estou felicíssima por vocês. Mas não iam ficar aqui pelo resto da vida?

Howard continuou falando.

- Não dá para acreditar nisso. Assim, saído do nada. E também é uma grande empresa. Italiano Ripristino. Um dos maiores conglomerados da Itália. Eles têm uma subsidiária que se dedica à restauração de ruínas. Não sei como souberam de mim, mas mandaram um homem de avião até aqui só para me fazer uma proposta. Há muitos monumentos em Roma que precisam de restauração. Vão até pagar o resto do nosso aluguel aqui até o fim do ano, e recebemos de volta nosso depósito. A única coisa é que temos de estar em Roma amanhã. Ou seja, precisamos sair do apartamento hoje.

Dana perguntou, hesitante.

- É uma coisa muito fora do comum, não acha?

- Acho que estão com muita pressa.

- Precisam de ajuda para fazer as malas? Dorothy balançou a cabeça.

- Não. Ficamos acordados a noite toda. A maior parte das coisas vai para uma instituição de caridade. Com o novo salário de Howard, podemos comprar coisas muito melhores.

Dana riu.

- Dê notícias, Dorothy.

Uma hora depois, os Whartons haviam deixado o apartamento e seguiam a caminho de Roma.

Quando Dana chegou ao escritório, pediu a Olivia:

- Por favor, dá para você verificar uma empresa para mim?

- Claro.

- Italiano Ripristino. Acho que sua sede fica em Roma - Certo.

Meía hora depois, Olivia entregava-Lhe um papel.

- Aquí está. É uma das maiores empresas da Europa.

Dana teve uma sensação de profundo alívio.

- Ótimo. Fico feliz em ouvir - Aliás - disse Olivia -, não é uma empresa privada.

- Não?

- Não. É uma estatal do governo ítaliano.

Quando Dana chegou com Kemal da escola naquela tarde, un homem de meia-idade, usando óculos, mudava-se para o apartamento dos Whartons.

Quinta-feira, o dia do encontro de Dana com Roger Hudsor começou infernal.

Na primeira reunião do jornal da televisão, Robert Fenwicl disse:

- Parece que temos problemas para a transmissão do programa desta noite.

- Desembuche - disse Dana.

- Sabe aquela equipe que mandamos para a Irlanda? Da que íamos usar o filme esta noite?

- Sim?

- Eles foram presos. E todo o equipamento confiscado.

- Fala sério?

- Nunca brinco com irlandeses. - Estendeu uma foLha de papel a Dana. - E aqui está nossa matéria principal.

Sobre o banqueiro de Washington que está sendo acusado de fraude.

- É uma boa matéria - disse Dana. - É a nossa exclusiva.

- Nosso departamento jurídico simplesmente acabou com ela.

- Quê?!

- Têm medo de ser processados.

- Maravilha - disse Dana, com amargura.

- Ainda não terminei. A testemunha do caso de assassinato que marcamos para uma entrevista ao vivo esta noite…

- Sim…

- Ele mudou de idéia. É avesso a aparecer na televisão.

Dana gemeu. Ainda não eram nem dez da manhã. A única coisa que aguardava com impaciência naquele dia era seu encontro com Roger Hudson.

Quando Dana voltou da reunião, Olivia disse:

- São onze horas, Srta. Evans. Com este tempo, talvez fosse melhor sair agora para seu encontro com o Sr Hudson.

- Obrigada, Olivia. Devo estar de volta daqui a umas duas ou três horas.

Dana olhou pela janela. Recomeçara a nevar. Ela vestiu o casaco, pôs o cachecol e dirigiu-se para a porta. O telefone tocou.

- Srta. Evans…

Dana voltou-se.

- Telefonema para você na linha três.

- Agora não - disse Dana. - Tenho de sair - É alguém da escola de Kemal.

- Quê?! - Dana voltou correndo para sua mesa. -Alô…

- Srta. Evans?

- Sim.

- Aqui é Thomas Henry - Olá, Sr Henry. Está tudo bem com Kemal?

- Realmente não sei como responder a essa pergunta.

Lamento muito ter de lhe dizer isso, mas Kemal está sendo expulso.

Dana imobilizou-se, chocada.

- Expulso. Por quê? Que foi que ele fez?

- Talvez seja melhor discutirmos pessoalmente. Eu lhe agradeceria se viesse pegá-lo.

- Sr Henry..

- Eu explico quando chegar aqui, Srta. Evans. Obrigado, Dana repôs o receptor no lugar, aturdida. Que poderia ter acontecido?

- Está tudo bem? - perguntou Olivia.

- Fantástico - gemeu Dana. - Só faltava essa para a manhã ficar simplesmente perfeíta.

- Posso fazer alguma coisa?

- Reze uma oração extra para mim.

Mais cedo naquela manhã, quando Dana deixou Kemal na escola, acenoulhe adeus com a mão e o carro se afastou, Ricky Underwood observava a cena.

Quando Kemal passou por ele, Underwood dísse:

- Ei, seu herói de guerra. Sua mãe deve estar realmente frustrada. você só tem um braço, portanto quando brinca de sacanagem com ela…

Os movimentos de Kemal foram quase rápidos demais para ser vistos.

Lançou a perna à frente e o pé atingiu em cheío e com muita força a virilha de Underwood; quando ele gritou e começou a curvar-se, Kemal disparou o joelho acima e quebrou-lhe o nariz. Sangue esguichou no ar Kemal curvou-se sobre o garoto gemendo no chão.

- Da próxima vez, eu acabo com você.

Ao volante, Dana dirigiu-se o mais rápido que pôde para a Escola Intermediária Theodore Roosevelt, imaginando o que teria acontecido. Seja o que for, tenho de convencer Henry a manter Kemal na escola.

Thomas Henry esperava Dana em seu gabinete com Kemal sentado na cadeira defronte. Ao entrar, ela teve uma sensação de déjá vu.

- Srta. Evans.

- Que aconteceu? - perguntou Dana.

- Seu filho quebrou o nariz e o malar de um garoto. Ele teve de ser levado de ambulância para o pronto-socorro.

Dana olhou para ele, descrente.

- Como… como pôde acontecer isso? Kemal só tem um braço.

- Sim - disse Thomas Henry, sisudo. - Mas tem duas pernas. Ele quebrou o nariz do garoto com o joelho.

Kemal examinava o teto.

Dana voltou-se para ele.

- Você conseguiu fazer isso?

Ela baixou o rosto.

- Foi fácil.

- Vê o que digo, Srta. Evans? - perguntou Thomas Henry - Toda a atitude de Kemal é… eu… eu não sei como descrevê-la. Receio que não podemos mais suportar o comportamento de Kemal. Sugiro que encontre uma escola mais adequada para ele.

Dana disse, séria.

- Sr Henry, Kemal não provoca brigas. Tenho certeza que se entrou numa teve um bom motivo para isso. O senhor não pode…

O Sr Henry interrompeu-a, com firmeza.

- Já tomamos nossa decisão, Srta. Evans - disse, com um tom irrevogável.

Dana respirou fundo.

- Está bem. Vamos procurar uma escola que seja mais compreensiva.

Vamos, Kemal.

Kemal levantou-se, lançou um olhar furioso ao Sr Henry e saiu do gabinete atrás de Dana. Dirigiram-se para o pátio em silêncio. Dana conferiu as horas no relógio de pulso. Já estava atrasada para o encontro e não tinha onde deixar Kemal. Vou ter de levá-lo comigo.

Quando entraram no carro, ela disse:

- Tudo bem, Kemal. Que aconteceu? Em hipótese alguma, ele lhe contaria o que Ricky Underwood disse.

- Peço muitas desculpas a você, Dana. A culpa foi minha.

Legal.

A propriedade de Hudson aninhava-se em dois mil hectares de terreno numa área exclusiva de Georgetown. A casa era uma mansão de estilo georgiano de três andares, invisível da rua.

Tinha o exterior branco e uma longa e sinuosa entrada para carros levando até a fachada da frente.

Dana parou o carro diante da casa. Olhou para Kemal.

- Você vem comigo.

- Por quê?

- Porque está frio aqui fora. Venha.

Dana dirigiu-se até a porta da frente e Kemal seguiu-a, relutante. Ao chegar, virou-se para ele.

- Kemal, estou aqui para fazer uma entrevista muito importante. Quero que fique calado e seja educado. Certo?

- Certo.

Dana tocou a campainha. A porta foi aberta por um homem gigantesco com uniforme de mordomo e uma expressão sorridente.

- Srta. Evans?

- Sim.

- Sou Cesar. O Sr. Hudson está esperando. - Olhou para Kemal e depois para Dana. - Queiram me dar seus casacos, por favor - Um momento depois, pendurava-os no armário de visitas no vestíbulo. Kemal continuou olhando para Cesar, que se elevava bem acima dele.

- Qual a sua altura?

- Kemal! - censurou Dana. - Não seja grosseiro.

- Oh, está tudo bem, Srta. Evans. Já estou acostumado.

- Você é mais alto do que Michael Jordan? - perguntou Kemal.

- Receio que não - disse o mordomo. - Só tenho dois metros e quinze.

Venham por aqui, por favor A entrada era enorme, um corredor comprido com piso de madeira maciça, espelhos antigos e mesas de mármore. Ao longo das paredes viam-se prateleiras com valiosas estatuetas de cerâmica da dinastia Ming e estátuas de opalina Chihuly.

Dana e Kemal seguiram Cesar pelo longo corredor até uma sala de estar um degrau abaixo, com paredes amarelo-claras e madeiramento branco. O cômodo era decorado com sofás confortáveis, mesas de canto Queen Anne e bergères Sheraton forradas de seda amarelo-clara.

O senador Roger Hudson e a mulher Pamela sentavam-se a um tabuleiro de gamão no fundo da sala. Levantaram-se quando Dana e Kemal foram anunciados por Cesar Roger Hudson era um homem de cinqüenta e tantos anos, aparência severa, frios olhos cinzentos e um sorriso cauteloso.

Tinha uma atitude reservada e distante.

Pamela Hudson era uma beldade, um pouco mais moça que o marido.

Parecia afetuosa, aberta e realista. Tinha os cabelos louros e um traço de grisalho que ela não se dera o trabalho de disfarçar - Lamento muitíssimo o atraso - desculpou-se Dana.

Sou Dana Evans. Este é meu filho, Kemal.

- Sou Roger Hudson. Esta é minha mulher, Pamela.

Dana dera uma olhada em Roger Hudson na Internet. Seu pai tinha sido dono de uma pequena siderurgia, as Indústri Hudson. Roger Hudson a ampliou e transformou num conglomerado mundial. Era bilionário, foi o líder da maioria no Senado e, durante um período, chefiou a Comissão das Forças Armadas. Afastou-se dos negócios, aposentou-se e hoje era conselheiro político da Casa Branca. Vinte e cinco anos antes tinha-se casado com uma beldade da alta-roda, Pámela Donnel Os dois eram figuras de destaque na sociedade e influentes na política de Washington.

- Kemal, estes são o Sr e a Sra. Hudson - disse Dana.

Olhou para Roger - Desculpe-me por trazê-lo, mas…

- Fez muitíssimo bem - disse Pamela Hudson. - Sabemos tudo sobre Kemal.

Dana olhou para ela, surpresa.

- É mesmo?

- Sim. Muita coisa foi escrita sobre vocês, Srta. Evans. Você resgatou Kemal de Sarajevo. Fez uma coisa maravilhosa.

Ainda em pé, Roger Hudson permaneceu calado.

- Que posso servir a vocês? - perguntou Pamela Hudson.

- Para mim, nada, obrigada - disse Dana.

Olharam para Kemal. Ele fez que não com a cabeça.

- Sentem-se, por favor - Roger Hudson e a mulher acomodaram-se no sofá.

Dana e Kemal em duas poltronas diante deles.

Roger Hudson disse, sem rodeios:

- Não sei ao certo por que está aqui, Srta. Evans. Mas Baker me pediu que a recebesse. Que posso fazer por você?

- Eu gostaria de conversar com o senhor sobre Taylor Winthrop.

Roger Hudson franziu as sobrancelhas.

- Sobre o quê?

- Sei que o senhor trabalhou com ele, não foi?

- Sim. Conheci Taylor quando era nosso embaixador na Rússia. Na época eu chefiava a Comissão das Forças Armadas.

Fui para a Rússia avaliar a capacidade de armamento deles.

Taylor passou dois ou três dias com nosso comitê.

- O que achou dele, Sr. Hudson?

Ele fez uma pausa, pensativo.

- Para falar com toda a sinceridade, Srta. Evans, não fiquei muito impressionado com todo aquele charme. Mas é preciso que lhe diga: achei o homem muito competente.

Kemal, entediado, olhou em volta, levantou-se e entrou na sala contígua.

- Sabe se o embaixador Winthrop envolveu-se em algum problema quando estava na Rússia? Roger Hudson lançou-Lhe um olhar perplexo.

- Acho que não entendi bem. Que tipo de problema?

- Alguma coisa… alguma coisa em que teria feito inimigos. Quer dizer, inimigos realmente mortais.

Roger Hudson balançou a cabeça, devagar.

- Srta. Evans, se alguma coisa como essa tivesse acontecido, não apenas eu, mas o mundo inteiro teria sabido. Taylor Winthrop levava uma vida muito pública. Permita-me perguntar: aonde pretende chegar com essas perguntas?

Dana respondeu, sem graça.

- Achei que talvez Taylor Winthrop pudesse ter feito alguma coisa a alguém ruim o bastante para dar motivo de querer assassiná-lo e à sua família.

Os Hudsons arregalaram os olhos para ela.

Dana apressou-se em continuar:

- Sei que parece meio improvável, mas aquelas mortes violentas de todos eles, em menos de um ano, também são muito estranhas.

Roger Hudson replicou, brusco:

- Srta. Evans, já vivi tempo suficiente para saber que tudo é possível, mas isso… em que se baseia?

- Se está se referindo a provas, não tenho nenhuma.

- Não estou surpreso. - Ele hesitou. - Ouvi dizer que..

- Sua voz extinguiu-se. - Esqueça.

As duas mulheres olhavam para ele.

Pamela disse, suavemente:

- Não está sendo gentil com a Srta. Evans, querido. O que é que ia dizer?

Ele deu de ombros.

- Não é nada de importante. - Virou-se para Dana. Quando estive em Moscou, havia um boato de que Winthro andava envolvido em algum tipo de acordo secreto com os russos. Mas não dou ouvidos a rumores, e estou certo de que você também não, Srta. Evans. - Seu tom era quase de reprovação Antes que Dana pudesse responder, houve um barulho de queda estrondosa vindo da biblioteca contígua.

Pamela Hudson levantou-se e correu em direção ao barulho. Roger e Dana seguiram atrás. Pararam diante da porta. Na biblioteca, um vaso Ming azul caíra no chão e espatifara-se.

Kemal estava ao lado.

- Oh, meu Deus - disse Dana, horrorizada. - Me desculpem. Kemal, como você…?

- Foi um acidente.

Dana virou-se para os Hudsons, o rosto vermelho de embaraço.

- Lamento muitíssimo. Claro, faço questão de pagar. Eu…

- Por favor, não se preocupe com isso - disse Pamela Hudson com um sorriso simpático. - Nossos cachorros fazem muito pior.

A expressão de Roger Hudson ficou sinistra. Ele pôs-se a dizer alguma coisa, mas o olhar da esposa o deteve.

Dana baixou os olhos para os restos do vaso. Na certa valia uns dez anos de meu salário, pensou.

- Por que não voltamos para a sala de estar? - sugeriu Pamela Hudson.

Dana seguiu os Hudsons, com Kemal ao lado.

- Não saia de junto de mim - resmungou ela, furiosa.

Os quatro tornaram a sentar-se.

Roger Hudson olhou para Kemal.

- Como perdeu seu braço, filho?

Dana surpreendeu-se com a franqueza da pergunta, mas Kemal respondeu, prontamente:

- Uma bomba.

- Entendo. E seus pais, Kemal?

Desta vez, houve uma ligeira hesitação.

- Os dois foram mortos num ataque aéreo junto com minha irmâ.

Roger Hudson grunhiu.

- Malditas guerras.

Nesse momento, Cesar entrou na sala.

- O almoço está servido.

O almoço foi delicioso. Dana achou Pamela simpática e encantadora e Roger Hudson fechado e retraído.

- Em que está trabalhando agora? - perguntou Pamela Hudson a Dana.

- Estamos em fase de preparação de um novo programa chamado Linha do Crime. Vamos denunciar algumas pessoas que saíram impunes de crimes cometidos e tentar ajudar pessoas na prisão que são inocentes.

Roger Hudson disse:

- Washington é um grande lugar para se começar. Está cheia de hipócritas metidos a íntegros em cargos elevados que já se safaram de todo tipo de crime que se possa imaginar - Roger faz parte de vários comitês de reforma governamental - disse Pamela Hudson, orgulhosa.

- E são muitos os que se dão bem - grunhiu o marido.

- A diferença entre certo e errado parece que passou a ser indistinta. Devia ser ensinada em casa. Nossas escolas, sem dúvida, não a ensinam.

Pamela Hudson olhou para Dana.

- Por falar nisso, Roger e eu vamos dar um jantar sábado à noite. Você estará livre para juntar-se a nós? Dana sorriu.

- Ah, sim, obrigada. Eu adoraria.

- Tem namorado?

- Sim. Jeff Connors.

Roger Hudson perguntou:

- O repórter esportivo na sua estação?

- É.

- Ele não é nada mau. Assisto ao jornal às vezes - disse,

- Eu gostaria de conhecê-lo.

Dana sorríu.

- Tenho certeza que Jeff também adoraria vir.

Quando Dana e Kemal iam saindo, Roger Hudson chamou a jornalista à parte.

- Com todo respeito, Srta. Evans, acho que a sua teoria da conspiração acerca de Winthrop não passa de fantasia. Mas, em consideração a Matt Baker, estou disposto a verificar por ai e ver se descubro algo que talvez possa dar substância a isso.

- Obrigada.

Com todo respeito, Srta. Evans, acho que a sua teoria da conspiração acerca de Winthrop não passa de fantasia. Mas, em consideração a Matt Baker, estou disposto a verificar por aí e ver se descubro algo que talvez possa dar substância a isso.

Obrigada.

Fim da fita Eles estavam no meio da reunião da manhã sobre o Linha do Crime e Dana na sala de conferência, às voltas com meia dúzia de repórteres e pesquisadores da casa.

Olivia enfiou a cabeça pela fresta da porta.

- O Sr. Baker gostaria de ver você.

- Diga a ele que irei num minuto.

- O chefe está à espera.

- Obrigada, Abbe. Você está com uma aparência supersaudável.

Abbe confirmou com a cabeça.

- Finalmente tive uma boa noite de sono. Nos últimos,

- Dana? Venha cá - gritou Matt.

- Continua na próxima - disse Abbe.

Dana entrou no escritório de Matt.

- Como foi o encontro com Roger Hudson?

- Tive a sensação de que ele não ficou interessado. Acha que minha teoria é maluca.

- Eu disse que ele não era o Sr Calor Humano.

- Parece não se impressionar mais com nada. A mulher dele é um amor.

Você precisava ouvi-la sobre o tema da loucura da sociedade de Washington. Falando da maldade das pessoas.

- Eu sei. Ela é uma senhora maravilhosa.

Dana entrou correndo na sala de jantar executiva de Elliot Cromwell.

- Junte-se a mim.

- Obrigada. - Dana sentou-se.

- Como vai Kemal?

Dana hesitou.

- No momento, receio que com um problema.

- É? Que tipo de problema?

- Kemal foi expulso da escola.

- Por quê?

- Se meteu numa briga e mandou um garoto para o hospital.

- Bem, ele fez por merecer - Tenho certeza que a briga não foi culpa de Kemal - disse Dana, defensiva. - Os garotos o vivem provocando porque só tem um braço.

- Acho que deve ser muito difícil mesmo para ele - disse Elliot Cromwell - É, sim. Estou tentando arranjar-Lhe uma prótese. Mas parece que há problemas.

- Em que série Kemal está?

- Sétima.

Ellíot Cromwell ficou pensatívo.

- Conhece a Escola Preparatória Lincoln?

- Oh, sim. Mas sei que é muito difícil entrar - Acrescentou: - E meu medo é que as notas de Kemal não sejam muito boas.

- Tenho alguns contatos lá. Quer que eu fale com alguém?

- Eu… é muito gentil da sua parte.

- Será um prazer.

No dia seguinte, Elliot Cromwell mandou chamar Dana.

- Tenho boas notícías para você. Falei com a diretora da Escola Preparatória Lincoln e ela aceitou matricular Kemal numa base experimental. Pode levá-lo lá amanhã?

- Claro. Eu… - Dana levou algum tempo para absorver a notícia. - Oh, ísso é maravilhoso! Estou tão feliz. Muitíssimo obrigada. Realmente, fico muito grata.

- Quero que saiba que aprecio você, Dana. Acho que foi maravilhoso ter trazido Kemal para este país. Você é uma pessoa muito especial.

- Eu… obrigada.

Quando Dana saiu do escritório, pensou: Isso exigiu muita influência. E muita bondade.

A Escola Preparatória Lincoln era um imponente complexo que consistia num grande prédio eduardiano, três anexos menores, jardins espaçosos e bem-cuidados e campos de esportes extensos com uma grande variedade de equipamentos.

Ao pararem díante da entrada, Dana disse:

- Kemal, esta é a melhor escola de Washington. você pode aprender um montão de coisas aqui, mas precisa ter uma atitude positiva nela. Entende?

- Moleza.

- E não pode se meter em brigas.

Kemal não respondeu.

Os dois foram conduzidos ao escritório de Rowana Trott, diretora da escola, uma mulher com uma aparência atraente e um jeito muito amistoso.

- Bem-vindos-disse ela. Virou-se para Kemal. -Já ouvi falar muito de você, rapaz. Estávamos todos aguardando com impaciência tê-lo aqui conosco.

Dana esperou Kemal dizer alguma coisa. Como ele ficou calado, ela disse:

- Kemal também não vê a hora de começar a estudar aqui.

Ele ficou ali, imóvel, sem nada responder.

Uma senhora idosa entrou no escritório. A Sra. Trott apresentou-os:

- Esta é Becky Becky, este é Kemal. Por que não lhe mostra a escola?

Leve-o para conhecer alguns dos seus futuros professores.

- Claro. Venha por aqui, Kemal.

Kemal lançou um olhar suplicante a Dana e virou-se em seguida, saindo atrás de Becky - Quero explicar a situação de Kemal - começou Dana.

- Ele…

A Sra. Trott interrompeu-a.

- Não precisa, Srta. Evans. Elliot Cromwell me falou da situação, dos antecedentes e de tudo por que ele passou. Sei que sofreu mais que qualquer criança deveria sofrer em toda a vida, e estamos dispostos a fazer concessões por causa disso.

- Obrigada - disse Dana.

- Pedi uma transcrição das notas dele à Escola Intermediária Theodore Roosevelt. Vamos ver se conseguimos melhorá-las.

Dana fez que sim com a cabeça.

- Kemal é um menino muito inteligente.

- Tenho certeza que sim. As notas em matemática provam isso. Vamos tentar dar-lhe um incentivo para que se destaque em todas as outras matérias.

- O fato de só ter um braço é muito traumático para ele - disse Dana. - Espero conseguir resolver isso.

A Sra. Trott concordou com a cabeça, compreensiva.

- Claro.

Quando Kemal terminou o passeio pela escola e voltava com Dana para o carro, ela disse:

- Sei que você vai gostar daqui.

Ele ficou calado.

- É uma escola linda, não é?

- É um pé no saco.

Dana parou.

- Por quê?

A voz de Kemal saiu engasgada.

- Eles têm um monte de quadras de tênis e um campo de futebol e eu não posso… - Os olhos encheram-se de lágrimas.

Dana abraçou-o.

- Lamento, querido. - E pensou consigo: Tenho de fazer alguma coisa em relação a isso.

O jantar na casa dos Hudsons na noite de sábado foi uma festa deslumbrante, em black tie. As belas salas estavam cheias dos poderosos e badaladores da capital do país, entre eles o secretário de Defesa, vários membros do Congresso, o presidente do Federal Reserve e o embaixador da Alemanha.

Roger e Pamela esperavam na porta quando Dana e Jeff chegaram. Dana apresentou-lhes Jeff.

- Gosto da sua coluna de esportes e das suas transmissões na TV - disse Roger Hudson.

- Obrigado.

- Quero apresentar a vocês alguns dos nossos convidados - disse Pamela.

Muitos dos rostos eram conhecidos, e os cumprimentos foram cordiais.

Parecia que a maioria dos convidados era fã de Dana ou de Jeff, ou dos dois.

Quando ficaram a sós por um momento, Dana disse:

- Meu Deus. A lista de convidados parece o Wrw’s Who.

Jeff pegou-lhe a mão.

- Você é a maior celebridade aqui, querida.

- De jeito nenhum - disse Dana. - Sou apenas…

Nesse momento, Dana viu o general Victor Booster e Jackstonee vindo na direção dos dois.

- Boa noite, general - disse Dana.

Booster olhou para ela e disse, com rudeza:

- Que diabos está fazendo aqui?

Dana enrubesceu.

- Isto é um acontecimento social - disse o general, irritado. - Não sabia que a mídia tinha sido convidada.

Jeff olhou furioso para o general Booster.

- Espere aí! Temos tanto direito…

Victor Booster ignorou-o. Curvou-se para perto de Dana.

- Lembra do que prometi se você continuasse procurando problema? - Afastou-se.

Jeff lançou-lhe um olhar, incrédulo.

- Nossa. Que foi que deu nele?

Jack Stone ficou ali, imóvel, a cara vermelha.

- Eu… eu lamento terrivelmente. O general fica assim de vez em quando.

Nem sempre tem muito tato.

- Nós notamos - disse Jeff, gélido.

O jantar propriamente dito foi fantástico. Diante de cada casal, havia um cardápio com uma linda caligrafia.

Blinirussa com caviar, beluga e queijo cremoso light temperado com ladca Sopa de faisão à embaixador com essência de trufa branca e aspargos verdes foie gras à bismarck com alface de Boston, pimenta em grão e molho de vinagre de xerez. Lagosta do maine à termidor caramelada, com molho de champanhe de mormay. Filé à wellington com batata assada e legumes refogados à orloff suflê de chocolate quente com licôr de raspa de casca de laranja e flocos de chocolate, servidas com molho de caramelo.

Um banquete luculiano.

Para sua surpresa, Dana viu-se sentada ao lado de Roger Hudson. Coisa de Pamela, pensou.

- Pamela me disse que Kemal está matriculado na Escola Preparatória Lincoln.

Dana sorriu.

- É, está. Elliot Cromwell conseguiu isso. Ele é umhomem admirável.

Roger Hudson confirmou com a cabeça.

- Foi o que ouvi dizer

Ele hesitou por um momento.

- Pode não significar nada, mas parece que pouco antes de Taylor Winthrop tornar-se nosso embaixador na Rússia, ele disse a alguns amigos que tinha se retirado em definitivo da vida pública.

Dana franziu o cenho.

- E depois aceitou o posto de embaixador na Rússia?

- Sim.

Estranho.

No caminho de volta para casa, Jeff perguntou a Dana:

- Que foi que você fez para arranjar um fã tão ardoroso quanto o general Booster?

- Ele não quer que eu investigue as mortes na família Winthrop.

- Por que não?

- Não explicou. Só ladrou.

Jeff disse, devagar:

- A mordida dele é pior que o latido, Dana. Ele é um péssimo inimigo de se ter Ela lançou um olhar curioso a Jeff.

- Por quê?

- É chefe da FRA, a Agência Federal de Pesquisa.

- Eu sei. Eles desenvolvem tecnologia para ajudar os países subdesenvolvidos a aprender produção moderna e…

Jeff disse, fazendo uma careta:

- E não é que existe mesmo Papai Noel? Dana olhou para ele, sem entender - De que está falando?

- A agência é uma fachada. A verdadeira função da FRA é espionar os serviços secretos estrangeiros e interceptar suas comunicações. É irônico.

“Frater” quer dizer irmão, em latim… só que esse é o Grande Irmão e, certo como o diabo, o Grande Irmão está de olho em todo mundo. São mais dissimulados até que a NSA.

Dana disse, pensativa:

- Taylor Winthrop também já foi chefe da FRA. Interessante.

- Se eu fosse você, ficaria o mais longe possível do general Booster - É o que pretendo.

- Sei que você tem um problema com baby-sitter esta noite, meu bem, por isso se tiver de ir para casa…

Dana aconchegou-se em Jeff.

- De jeito nenhum. A baby-sitter pode esperar. Eu não.

Vamos para sua casa.

Ele abriu um largo sorriso.

- Achei que você nunca ia me pedir isso.

Jeff morava num pequeno apartamento num prédio de quatro andares, na Madison Street. Levou Dana para o quarto.

- Vai ser ótimo quando nos mudarmos para um apartamento maior - disse.

- Kemal precisa ter seu próprio quarto.

Por que não…

- Por que a gente não pára de falar? - sugeriu Dana.

Jeff abraçou-a.

- Grande idéia. - Chegou por trás dela e curvou as mãos em seu quadril, acariciando-a devagar com movimentos suaves. Começou a despi-la. - Sabe que você tem um corpo lindo?

- Todos os homens me dizem isso - brincou Dana. - É o falatório da cidade. Está planejando tirar suas roupas?

- Vou pensar no assunto.

Dana virou-se de frente para ele e começou a desabotoarlhe a camisa.

- Sabe que você é uma imoral?

Ela sorriu.

- Pode apostar Quando Jeff terminou de despir-se, Dana esperava por ele na cama. Aconchegou-se no verão quente de seus braços. Ele era um amante sensacional, sensual e carinhoso.

- Eu te amo muito - sussurrou ela.

- Eu te amo, minha querida.

Quando ele ia puxá-la para junto de si, tocou um celular - É o seu ou o meu?

Eles riram. Tocou mais uma vez.

- O meu - disse Jeff. - Deixe tocar - Talvez seja importante.

- Oh, está bem.

Jeff sentou-se, descontente. Pegou o telefone.

- Alô… - A voz mudou. - Não, tudo bem… Fale… Claro… Tenho certeza que não há nada com que se preocupar. Na certa é só estresse.

A conversa continuou por mais cinco minutos.

- Certo… Vá com calma… Ótimo… Boa noite, Rachel. Desligou o telefone.

Não é terrivelmente tarde para Rachel telefonar para Jeff?

- Algum problema, Jeff?

- Não, acho que não. Rachel está trabalhando demais. Só precisa de um descanso. Vai ficar bem. - Tomou Dana nos braços e perguntou, carinhoso:

- Onde estávamos? - Puxou o corpo nu dela para junto de si e a magia começou.

Ela esqueceu os problemas com os Winthrops, Joan Sinisi, generais, governantas, Kemal e escolas, e a vida tornou-se uma alegre e apaixonante comemoração. Mais tarde, disse, relutante:

- Receio que esteja na hora de Cinderela transformar-se numa abóbora, querido.

- E que abóbora! Vou preparar minha carruagem.

Ela baixou os olhos e correu-os pelo corpo dele.

- Acho que já está pronta. Mais uma vez? Quando Dana chegou em casa, a mulher do serviço de acompanhantes esperava impaciente para ir embora.

- Uma e meia da manhã -disse, acusadora.

- Desculpe. Fiquei amarrada. - Dana deu-lhe um dinheiro extra. - Tome um táxi - disse. - É perigoso sair a essa hora. Vejo-a amanhã.

A babá disse:

- Srta. Evans, acho que devia saber..

- Sim?

- Toda noite, Kemal fica me atormentando, querendo saber quando você vai voltar. Essa criança é muito insegura.

- Obrigada. Boa noite.

Dana entrou no quarto de Kemal. Acordado, jogava um jogo no computador - Oi, Dana.

- Você já devia estar dormindo, meu chapa.

- Eu estava esperando você. E aí, se divertiu?

- Foi ótimo, querido, mas senti sua falta.

Kemal desligou o computador - Você vai sair toda noite?

Dana pensou em todas as emoções por trás da pergunta.

- Vou tentar passar mais tempo com você, querido.

O telefonema chegou inesperadamente.

- Dana Evans?

- Sim.

- Aqui é o Dr. Joel Hirschberg. Trabalho na Fundação Infantil.

Dana ouvia, intrigada.

- Sim?

- Elliot Cromwell me disse que você lhe explicou que estava tendo problemas para conseguir um implante de braço para seu filho.

Dana pensou por um momento.

- Sim, acho que disse.

- O Sr Cromwell me contou o histórico. Esta fundação foi criada para ajudar crianças de países arrasados por guerra.

Pelo que ele me disse, seu filho se inclui no programa. Será que não gostaria de trazê-lo aqui para eu examiná-lo? - bem, eu… bem, sim, claro. - Marcaram o encontro para o dia seguinte.

Quando Kemal chegou da escola, Dana disse, animada.

- Amanhã vamos a um médico para conseguir um novo braço para você.

Gostaria disso?

Kemal pensou.

- Não sei. Não vai ser um braço de verdade.

- Vai ser o mais parecido com um braço de verdade que podemos conseguir. Está bem, meu chapa?

- Legal.

O Dr Joel Hirschberg era um homem de seus quarenta e tantos anos, atraente, com a fisionomia séria e uma aparência de tranqüila competência.

Depois que ela e Kemal o cumprimentaram, Dana disse:

- Doutor, quero explicar de saída que teremos de combinar algum tipo de acordo financeiro, porque eu…

O Dr. Hirschberg interrompeu-a.

- Como Lhe disse ao telefone, a Fundação Infantil foi criada para ajudar crianças de países arrasados por guerra. As despesas são por nossa conta.

Dana sentiu uma onda de alívio.

- Isso é maravilhoso. - Ela disse uma prece silenciosa Deus abençoe Elliot Cromwell.

O Dr Hirschberg voltou-se mais uma vez para Kemal.

- Agora, vamos dar uma olhada em você, rapaz.

Meia hora depois, disse a Dana:

- Acho que podemos reconstituir o braço e deixá-lo quase novo. - Tirou um gráfico da parede. - Temos dois tipos de prótese, a mioelétrica, que é a tecnologia mais avançada e sofisticada, e um braço movido por cabo.

Como podem ver aqui o braço mioelétrico é feito de plástico e revestido por uma luva igual a uma mão. - Sorriu para Kemal. - Parece tão boa quanto o original.

Kemal perguntou:

- Ela se mexe?

O Dr. Hirschberg respondeu:

- Kemal, você em algum momento pensa em mover sua mão? Quer dizer, a mão que não está mais aí?

- Penso - disse Kemal.

O Dr Hirschberg curvou-se à frente.

- Bem, agora, sempre que pensar nessa mão fantasma, os músculos que funcionavam ali vão se contrair e gerar automaticamente um sinal mioelétrico. Em outras palavras, você vai poder abrir e fechá-la apenas pensando nisso.

O rosto de Kemal iluminou-se.

- Vou? Como… como é que vou botar e tirar o braço?

- Isso é muito simples mesmo, Kemal. Basta apoiar o braço novo. É um encaixe de sucção. Há uma fina meia de náilon sobre o braço. Você não pode nadar com ele, mas pode fazer simplesmente quase tudo mais. É como um par de sapatos. Você tira à noite e calça de manhã.

- Quanto pesa? - perguntou Dana.

- De 170 a 450 gramas.

Dana voltou-se para Kemal.

- Que acha, desportista? Vamos experimentar? Kemal tentava esconder a emoção.

- Vai parecer de verdade?

O Dr Hirschberg sorriu.

- Vai parecer de verdade.

- Parece maneiro.

- Você se tornou canhoto, portanto vai ter de desaprender isso. Leva tempo, Kemal. Podemos fazê-lo adaptar-se imediatamente, mas você vai precisar de terapia durante algum tempo para aprender a tornar o braço parte de si mesmo e se habituar a controlar os sinais mioelétricos.

Kemal respirou fundo.

- Legal.

Dana abraçou-o com força.

- Vai ser maravilhoso - disse, contendo as lágrimas.

O Dr Hirschberg ficou observando os dois por algum tempo, depois sorriu.

- Vamos ao trabalho.

Quando Dana voltou para o escritório, foi falar com Elliot Cromwell.

- Elliot, acabamos de vir do Dr Hirschberg.

- Que bom. Espero que ele possa ajudar Kemal.

- Parece que pode. Não tenho como Lhe dizer o quanto, muito mesmo, lhe sou grata por isso.

- Dana, não há o que agradecer. Fico feliz por poder ser útil. Só gostaria que me informasse do andamento da coisa.

- Eu informarei. Deus o abençoe.

- Flores! - Olivia entrou no escritório com um imenso buquê de flores.

- Mas que lindas! - exclamou Dana. Abriu o envelope e leu o cartão. Cara Srta. Evans, o latido de nosso amigo é pior que a mordida. Espero que se alegre com as flores. Jack Stone.

Dana examinou o cartão por um momento. Interessante, pensou. Jeff disse que a mordida dele é pior que o latido. Qual dos dois está certo? Ela teve a sensação de que Jack Stone detestava seu emprego na FRA. E seu chefe.

Vou me lembrar disso.

Dana telefonou para Jack Stone na FRA.

- Sr Stone? Só queria lhe agradecer as lindas…

- Você está no escritório?

- Sim. Eu…

- Telefono para você. - Apertou a tecla tone.

Três minutos depois, Jack Stone telefonou.

- Srta. Evans, seria melhor para nós dois que um amigo comum não saiba que estamos conversando. Tentei mudar a atitude dele, mas é um homem obstinado. Se algum dia precisar de mim… quer dizer, se precisar mesmo… vou Lhe dar o número do meu celular particular. Chegará a mim a qualquer hora.

- Obrigada. - Ela anotou o número.

- Srta. Evans…

- Sim.

- Deixe pra lá. Tome cuidado.

Quando Jack Stone chegou naquela manhã, o general Booster esperava-o.

- Jack, alguma coisa me diz que aquela cadela Evans é uma criadora de caso. Quero que comece um arquivo sobre ela. E me mantenha no circuito.

- Deixe que eu cuido disso. - Só que não haveria circuito algum. E ele lhe enviara flores.

Na sala de jantar executiva da estação de televisão, Dana e Jeff conversavam sobre a prótese de Kemal.

- Estou tão emocionada, querido. Isso vai fazer toda a diferença no mundo.

Ele tem sido agressivo porque se sente inferior. O braço vai mudar tudo isso.

- Ele deve estar entusiasmadíssimo - disse Jeff. - Eu pelo menos estou.

- E a maravilha é que a Fundação Infantil vai pagar tudo.

Se pudermos…

O telefone celular de Jeff tocou.

- Com licença, meu bem. - Apertou um botão e falou.

- Alô… Oh… - Deu uma olhada em Dana. - Não… Está tudo bem… Fale…

Dana ficou ali sentada, tentando não ouvir.

- Sim… Entendo… Certo… Provavelmente não é nada sério, mas você devia procurar um médico. Onde está agora? Brasil? Tem muito médico bom aí.

Claro… Entendo… Não…

A conversa parecia não terminar nunca. Jeff acabou dizendo:

- Se cuida. Até logo. - Desligou.

- Rachel? - perguntou Dana.

- É. Anda tendo uns problemas físicos. Cancelou a filmagem de um curta no Rio de Janeiro. Nunca fez nada semelhante antes.

- Por que está ligando para você, Jeff?

- Ela não tem mais ninguém, meu bem. Está totalmente sozinha.

- Até logo, Jeff.

Rachel desligou com relutância, odiando interromper a conversa. Olhou pela janela o Pão de Açúcar adistância e a Praia de Ipanema muito embaixo. Entrou no quarto e deitou-se, exausta, o dia passando meio embriagado pela cabeça. Tinha começado muito bem. Naquela manhã, filmou um comercial para a American Express, posando na praia.

Por volta do meio-dia, o diretor disse:

- Este último ficou fantástico, Rachel. Mas vamos fazer mais um.

Ela ia dizer sim, mas ouviu-se dizendo:

- Não, desculpe. Não posso.

Ele a olhara, surpreso.

- Como?

- Estou muito cansada. Você vai ter de me liberar. Voltou-se e voou para o hotel, atravessou o saguão, indo direto para a segurança do quarto. Tremia e sentia-se nauseada. Que é que está havendo comigo? Tinha a testa febril.

Pegou o telefone e ligou para Jeff. O próprio som da voz dele a fez sentirse melhor. Abençoado. Ele está sempre ali para mim, minha linha da vida.

Quando a conversa terminou, Rachel deitou-se na cama, pensando. Nós dois tivemos bons momentos. Ele era sempre divertido. Gostávamos de fazer as mesmas coisas e adorávamos partilhar tudo. Como pude deixálo ir embora? Forçou-se a lembrar de como o casamento tinha terminado.

Tudo começou com um telefonema.

- Rachel Stevens?

- Sim.

- Roderick Marshall ao telefone. - Um dos mais importantes diretores de Hollywood.

Um momento depois, ele dizia na linha:

- Srta. Stevens?

- Sim?

- Roderick Marshall. Sabe quem sou? Ela vira vários de seus filmes.

- Claro que sim, Sr. Marshall.

- Andei olhando umas fotos suas. Precisamos de você aqui na Fox.

Gostaria de vir a Hollywood fazer um teste para tela grande?

Rachel hesitou por um momento.

- Não sei. Quer dizer, não sei se tenho jeito para representar. Eu nunca…

- Não se preocupe. Cuidarei disso. Pagaremos todas as suas despesas, claro. Eu mesmo vou dirigir o teste. Quando é que pode chegar aqui o mais rápido?

Rachel pensou nos compromissos.

- Em três semanas.

- Bom. O estúdio tomará todas as providências.

Após desligar, Rachel se deu conta de que não tinha consultado Jeff. Ele não vai se importar, pensou. De qualquer modo, raras vezes estamos juntos.

- Hollywood2 - repetiu Jef£ - Vai ser uma moleza, Jeff.

Ele fez que sim com a cabeça.

- Está bem. Vá, sim. Na certa você vai causar o maior furor - Não pode ir comigo?

- Meu bem, vamos jogar em Cleveland na segunda-feira, em seguida partimos para Washington e depois Chicago. Resta ainda um monte de jogos que não foram programados. Acho que o time perceberia se um de seus principais lançadores desaparecesse. ; - É uma grande pena. - Ela tentou parecer descontraída.

- Parece que nossas vidas nunca andam juntas, não é, Jeff?

- Não com suficiente freqüência.

Rachel ia dizer mais alguma coisa, mas pensou: Não é a hora ideal.

Rachel foi levada ao aeroporto de Los Angeles por um empregado do estúdio que foi buscá-la numa enorme limusine.

- Meu nome é Henry Ford. - Deu uma risadinha. Nenhuma relação. O pessoal me chama de Hank.

A limusine entrou deslizando pelo tráfego. No caminho, ele puxou conversa com Rachel.

- Primeira vez em Hollywood, Srta. Stevens?

- Não. Já estive lá muitas vezes. A última foi dois anos atrás.

- Bem, com certeza mudou muito. Está maior e melhor que nunca. Se você curte gla mour, vai adorar Se eu curto glamour - O estúdio fez uma reserva para você no Chateau Marmont. É onde ficam todas as celebridades.

Rachel fingiu ficar impressionada.

- É mesmo?

- Oh, sim. John belushi morreu ali, você sabe, após uma overdose.

- Nossa!

- Gable se hospedava lá, Paul Newman e Marilyn Monroe também. - A relação de nomes continuou, ininterrupta.

Rachel deixara de ouvir O Chateau Marmont ficava logo ao norte da Sunset Strip, parecendo um castelo de um cenário de filmagem.

Henry Ford disse:

- Venho pegá-la às duas da tarde para levá-la ao estúdio.

Vai se encontrar com Roderick Marshall lá.

- Estarei pronta.

Duas horas depois, Rachel entrava no escritório de Roderick Marshall. Era um homem de seus quarenta anos, pequeno e compacto, com a energia de um dínamo.

- Vai se alegrar por ter vindo - disse ele. - Vou fazer de você uma grande estrela. Rodaremos seu teste amanhã. Vou pedir a minha assistente que a leve ao guarda-roupa para escolher alguma coisa bonita para você usar. Vai fazer o teste de uma cena de um de nossos grandes filmes, Fim de um sonho. Amanhã de manhã, às sete, faremos a maquilagem e o penteado.

Imagino que nada disso seja novo para você, hem? Rachel disse, sem entonação:

- Não.

- Está sozinha aqui, Rachel?

- Sim.

- Então por que não jantamos juntos esta noite? Rachel pensou por um momento.

- Ótimo.

- Passo para pegá-la no hotel às oito.

O jantar acabou sendo um acontecimento vertiginoso na cidade.

- Se você souber aonde ir… e puder entrar.. - disse-lhe Roderick Marshall - …Hollywood tem algumas das boates mais quentes do mundo.

As rodadas noturnas começaram em The Standard, um bar, restaurante e hotel da moda, entre Sunset Boulevard. Quando passaram pela mesa da recepção, Rachel parou para apreciar.

Junto ao balcão, atrás de uma janela de vidro fosco, tinha uma pintura humana, um modelo nu.

- Não é fantástico?

- Incrível - disse Rachel.

Seguiu-se uma montagem de boates: o Bar C, escondido ao fundo com uma placa que dizia apenas “C”… Azul, cheio d pessoas da onda e roqueiros… The Dragonfly.. 360 Degrees.. o Liquid Kitty. Rachel achou-as tão estranhas quanto seus nomes. Ao final da noite, sentia-se exausta.

Roderick Marshall deixou-a no hotel.

- Durma bem. O dia de amanhã vai mudar toda a sua vida Às sete da manhã, Rachel estava na sala de maquilagem. O maquilador, Bob van Dusen, examinou-a cheio de admiração E exclamou:

- E ainda vão me pagar por isso!

Ela riu.

- Você não precisa de muita maquilagem. A natureza SE encarregou disso.

- Obrigada.

Quando Rachel ficou pronta, uma mulher do figurino ajudou-a a pôr o vestido que haviam ajustado na tarde do dia anterior. Um diretor assistente levou-a para o imenso palco de som.

Roderick Marshall e a equipe técnica a esperavam. O diretor examinou Rachel por um momento e disse:

- Perfeita. Vamos fazer um teste de duas partes, Rachel.

Sente-se nesta cadeira que vou lhe fazer umas perguntas fora da câmera.

Seja apenas você mesma.

- Certo. E a segunda parte?

- O pequeno teste de cena de que Lhe falei.

Rachel sentou-se e o cameraman acertou o foco. Roderick Marshall ficou ao lado da câmera.

- Está pronta?

- Sim.

- Bom. Fique apenas relaxada. Vai se sair às mil maravilhas. Câmera.

Ação. Bom dia.

- Bom dia.

- Sei que é modelo.

Rachel sorriu.

- Sou.

- Como começou sua carreira?

- Eu tinha quinze anos. O dono de uma agência de modelos me viu num restaurante com minha mãe, levantou-se e foi falar com ela; poucos dias depois, eu me tornava modelo.

A entrevista continuou por quinze minutos descontraídos, com a inteligência e a postura de Rachel brilhando até o fim.

- Corta! Maravilhoso! -Roderick Marshall entregou-lhe uma cena curta de teste. - Vamos fazer um intervalo. Leia isto.

Quando estiver pronta, me avise, para rodarmos. Vai tirar de letra, Rachel.

Rachel leu a cena. Era sobre uma mulher pedindo o divórcio ao marido.

Leu-a mais uma vez.

- Estou pronta.

Rachel foi apresentada a Kevin Webster, que ia contracenar com ela - um belo rapaz nos moldes de Hollywood.

- Tudo pronto - disse Roderick Marshall. - Vamos rodar. Câmera. Ação.

Rachel olhou para Kevin Webster - Falei esta manhã com um advogado especializado em divórcio, Cliff:

- Já me disseram. Não podia ter falado comigo primeiro?

- Mas eu falei com você. Falei de divórcio o ano passado.

Não temos mais um casamento. Só que você não me ouvia, Jeff.

- Corta - disse Roderick. - Rachel, o nome dele é Cliff.

- Desculpe - disse Rachel, sem graça.

- Vamos refazer a cena. Tomada Dois.

A cena é realmente sobre mim e Jeff, pensou Rachel. Não temos mais um casamento. Como poderíamos? Levamos vidas separadas.

Mal nos vemos. Encontramos pessoas atraentes, mas não podemos nos envolver por causa de um contrato que nada mais significa.

- Rachel!

- Desculpe.

A cena recomeçou.

Quando Rachel terminou o teste, havia tomado duas decisões: Hollywood não era o seu lugar.

E ela queria o divórcio…

Deitada agora numa cama no Rio de Janeiro, sentindo-se adoentada e exausta, pensou: Cometi um erro. Jamais devia ter me divorciado de Jeff.

Na terça-feira, após a escola, Dana levou Kemal ao terapeuta com quem ele trabalhava para adaptar-se ao novo braço. Embora artificial, o braço parecia verdadeiro e funcionava bem, mas Kemal achava difícil acostumarse com a prótese, física e psicologicamente.

- O braço vai lhe dar a sensação de que está preso a um objeto estranho - explicou o terapeuta a Dana. - Nosso trabalho é fazer com que ele o aceite como parte do seu próprio corpo. Kemal precisa se habituar a ser mais uma vez ambidestro. A adaptação leva, em geral, um período de dois a três meses. Preciso lhe avisar que às vezes esse período é muito difícil.

- A gente pode dar conta disso - tranqüilizou-o Dana.

Não foi tão fácil assim. Na manhã seguinte, Kemal saiu do quarto sem a prótese.

- Estou pronto.

Dana lançou-lhe um olhar surpreso.

- Cadê o braço, Kemal?

Ele levantou a mão esquerda, desafiante.

- Está aqui.

- Você sabe a que me refiro. Cadê sua prótese?

- É uma aberração. Não vou mais usar - Você vai se acostumar com ele, querido. Prometo. Precisa dar uma chance. Eu vou ajudá-lo a…

- Ninguém pode me ajudar. Sou um aleijado jukati…

Dana foi mais uma vez procurar o detetive Marcus Abrams e, ao entrar, encontrou-o muito ocupado, sentado à escrivaninha, preenchendo relatórios. Ele ergueu os olhos, carrancudo.

- Sabe o que odeio neste maldito trabalho? - Indicou a pilha de papéis. - Isto. Eu podia estar na rua me divertindo, atirando em criminosos. Oh, esqueci. Você é repórter, não é? Não me cite.

- Tarde demais.

- E que posso fazer por você hoje, Srta. Evans?

- Vim para saber do caso Sinisi. Fizeram uma autópsia? -Pro forma. - Ele pegou alguns papéis na gaveta da escrivaninha.

- Encontrou alguma coisa suspeita no relatório? Ela viu o detetive Abrams passar os olhos pelo relatório.

- Sem álcool… sem drogas… Não. - Ergueu os olhos. Parece que a senhora estava deprimida e simplesmente decidiu acabar com tudo. É só isso?

- Só isso - respondeu Dana.,

A parada seguinte de Dana foi no escritório do detetive Phoenix Wilson.

- Bom dia, detetive Wilson.

- E que a traz ao meu humilde escritório?

- Eu gostaria de saber se tem alguma noticia sobre o assassinato de Gary Winthrop.

O detetive Wilson deu um suspiro e esfregou o lado do nariz.

- Nem uma única maldita coisa. Eu imaginava que a essa altura aquelas pinturas já teriam aparecido. Era com o que contávamos.

Dana quis dizer: Se eu fosse você, não imaginaria, mas segurou a língua.

- Sem nenhuma pista de qualquer tipo?

- Nada. Os bandidos se safaram limpos como um assobio. Não temos muitos ladrões de obras de arte, mas o modo de operação é quase sempre o mesmo. Mas esse foi muito surpreendente.

- Surpreendente?

- É. Esse foi diferente.

- Diferente… Como?

- Ladrões de obras de arte não matam pessoas desarmadas, e não havia motivo algum para aqueles caras atirarem em Gary Winthrop a sangue-frio. - Interrompeu-se. - Você tem algum interesse especial nesse caso?

- Não - mentiu Dana. - De jeito nenhum. Só curiosidade. Eu…

- Certo - disse o detetive Wilson. - Eu a manterei informada.

Ao terminar a reunião no escritório do general Booster, na isolada sede da FRA, o general virou-se para Jack Stone e perguntou:

- Que está acontecendo com a tal da Dana Evans?

- Anda por aí fazendo perguntas, mas acho que é inofensiva. Não está chegando a lugar algum.

- Não gosto que ela fique bisbilhotando por aí. Chute-a para o código três.

- Quando quer que eu comece?

- Ontem.

Dana achava-se no meio da preparação para sua próxima transmissão, quando Matt Baker entrou no escritório dela e afundou numa poltrona.

- Acabei de receber um telefonema sobre você.

- Meus fãs nunca se cansam de mim, não é? -disse Dana, sorrindo.

- Esse já ficou farto de você.

- É?

- O telefonema era da FRA. Pedem que pare sua investigação sobre Taylor Winthrop. Nada oficial. Apenas o que chamam de sugestão amistosa.

Parece que querem que você cuide de sua própria vida.

- É mesmo? - exclamou Dana. Travou os olhos com Matt. - Isso faz você se perguntar por que, não faz? Não vou me afastar da matéria só porque uma agência do governo quer.

Tudo começou em Aspen, quando Taylor e a mulher morreram no incêndio. Vou ser a primeira a chegar lá. E se eu descobrir alguma coisa, vai dar um grande pontapé inicial para o Linha do Crime.

- De quanto tempo precisa?

- Não devo levar mais que um ou dois dias.

- Vá atrás dela.

Onze Rachel precisou de um enorme esforço para mover-se. A simples locomoção de um cômodo ao outro em sua casa da Flórida era exaustiva. Não se lembrava de quando se sentira tão cansada. Na certa peguei uma gripe. Jeff tinha razão. Eu devia ir a um médico. Um banho quente vai me relaxar…

Foi enquanto se alongava na reconfortante água quente que ela levou a mão ao seio e sentiu o caroço.

A primeira reação foi de choque. Depois de negação. Não é nada. Não é câncer. Não fumo. Faço exercícios e cuido do meu corpo.

Não há histórico de câncer em minha família. Estou ótima. Vou pedir a um médico que dê uma olhada, mas não é câncer.

Rachel saiu da banheira, enxugou-se e deu um telefonema.

- Agência de Modelos Betty Richman.

- Eu gostaria de falar com betty Richman. Por favor, diga a ela que é Rachel Stevens.

Um momento depois, betty Richman estava na linha.

- Rachel! Que bom ouvir sua voz. Está tudo bem com você?

- Claro que sim. Por que pergunta?

- Bem, você cancevou a filmagem do curta no Rio, e é que talvez…

Rachel riu.

- Não, não. Eu só estava cansada, Betty. Estou louca para voltar a trabalhar.

- Que ótima notícia. Todo mundo tem tentado requisitar você. - bem, estou pronta. Que tem na agenda?

- Espere um minuto.

Um instante depois, Betty Richman voltava à linha.

- A próxima filmagem é em Aruba. Começa semana que vem. Você tem muito tempo até lá. Eles pediram você.

- Adoro Aruba. Pode marcar para mim.

- Já marquei. Fico muito feliz por estar se sentindo melhor.

- Sinto-me esplêndida.

- Vou lhe mandar todos os detalhes.

Às duas horas da tarde seguinte, Rachel tinha uma consulta marcada com o Dr. Graham Elgin.

- Boa tarde, Dr. Elgin.

- Que posso fazer por você?

- Estou com um pequeno cisto no seio direito e…

- Oh, já esteve no médico?

- Não, mas sei o que é. É só um pequeno cisto. Conheço meu corpo.

Gostaria de fazer uma microcirurgia para tirá-lo. - Sorriu. - Sou modelo.

Não posso me permitir ter uma cicatriz. Só com uma mancha pequena, posso tapá-la com maquilagem.

Vou viajar semana que vem para Aruba, portanto seria possível marcar a operação para amanhã ou depois de amanhã?

O Dr Elgin examinava-a. Considerando-se a situação, ela parecia absurdamente calma.

- Primeiro me deixe examiná-la, depois vou ter de fazer uma biópsia. Mas, sim, podemos marcar a operação ainda nesta semana, se necessário.

Rachel sorria, radiante:

- Maravilha.

O Dr. Elgin levantou-se.

- Vamos para a outra sala, sim? Vou pedir à enfermeira que lhe traga uma bata de hospital.

Quinze minutos depois, com a enfermeira presente, o Dr Elgin apalpava o caroço na mama de Rachel.

- Eu lhe disse, doutor, é só um cisto. - bem, para ter certeza, Srta. Stevens, eu gostaria de fazer a biópsia. Posso fazê-la aqui mesmo.

Rachel tentou não se contrair quando o Dr Elgin inseriu uma fina agulha no lado do seio para retirar tecido.

- Pronto. Não foi tão ruim assim, foi?

- Não. Quanto tempo…

- Vou mandar este material para o laboratório, e amanhã mesmo posso ter um relatório preliminar Rachel sorriu.

- Que bom. Vou para casa arrumar a mala para Aruba.

Quando chegou em casa, a primeira coisa que Rachel fez foi pegar duas maletas e estendê-las na cama. Foi até o armário e pôs-se a escolher roupas para levar para Aruba.

Jeanette Rhodes, a faxineira, entrou no quarto.

- Srta. Stevens, vai viajar de novo?

- Vou.

- Para onde vai desta vez?

- Aruba.

- Onde fica isso?

- É uma ilha linda no mar do Caribe, logo ao norte da Venezuela. Um paraíso. Com praias fantásticas, hotéis lindos e comida maravilhosa.

- Parece deslumbrante.

- Por falar nisso, Jeanette, quando eu estiver fora gostaria que você viesse três vezes por semana.

- Claro.

Às nove da manhã seguinte, o telefone tocou.

- Srta. Stevens?

- Sim.

- Aqui é o Dr. Elgin.

- Como vai, doutor? Conseguiu marcar a operação?

- Srta. Stevens, acabei de receber o relatório citológico.

Eu gostaria que viesse ao meu consultório para podermos…

- Não. Eu quero saber agora.

Houve uma ligeira hesitação.

- Não gosto de discutir esse tipo de coisa ao telefone, mas lamento lhe dizer que o relatório preliminar mostra que você tem um câncer.

Jeff estava no meio da redação de sua coluna esportiva, quando o telefone tocou. Ele atendeu.

- Alô…

- Jeff… - Ela chorava.

- Rachel, é você? Qual o problema? Que foi que houve?

- Eu… eu estou com câncer - Oh, meu Deus. Qual a gravidade?

- Não sei ainda. Tenho de fazer uma mamografia. Jeff, não posso enfrentar isso sozinha. Sei que estou lhe pedindo muito, mas você poderia vir até aqui?

- Rachel, eu… Lamento, mas…

- Só por um dia. Só até… eu saber. - Chorava de novo.

- Rachel… - Ele se sentiu arrasado. - Vou tentar. Telefono para você depois.

Ela soluçava demais para falar Quando Dana voltou de uma reunião de produção, disse à secretária:

- Olivia, me faça uma reserva num avião amanhã para Aspen, no Colorado.

E me arranje um hotel. Oh, e vou querer um aluguel de carro.

- Certo. O Sr Connors a está esperando na sua sala.

- Obrigada. -Dana entrou. Jeff estava ali, olhando pela janela. - Oi, querido.

Ele virou-se.

- Oi, Dana.

Tinha no rosto uma expressão estranha. Ela olhou para ele, preocupada.

- Está tudo bem com você?

- É uma pergunta de duas partes - disse ele, a voz pesada. - Sim e não.

- Sente-se - disse Dana. Puxou uma cadeira defronte da dele. - Que foi que houve?

Ele exalou um suspiro profundo.

- Rachel tem câncer na mama.

Ela sentíu um pequeno choque.

- Eu… lamento muito. Ela vai ficar bem?

- Telefonou esta manhã. Vão lhe informar a gravidade do caso. Rachel está em pânico. Quer que eu vá à Flórida ajudá-la a enfrentar a notícia. Eu quis primeiro falar com você.

Dana aproximou-se de Jeff e abraçou-o.

- Claro que precisa ir, Jeff. - Ela lembrou-se do almoço com Rachel e de como ela tinha sido maravilhosa. - Eu volto dentro de um ou dois dias.

Jeff foi até o escritório de Matt Baker - Tenho uma situação de emergência, Matt. Preciso me ausentar por alguns dias.

- Você está bem, Jeff?

- Sim, estou. É Rachel.

- Sua ex-?

Jeff fez que sim com a cabeça.

- Ela acabou de saber que tem câncer - Sinto muito.

- De qualquer modo, ela precisa de um pouco de apoio moral. Quero pegar um avião para a Flórida esta tarde.

- Vá em frente. Vou pedir a Larry que o substitua. Mande notícias.

- Pode deixar. Obrigado, Matt.

Duas horas depois, Jeff partia num avião para Miami.

O problema imediato de Dana era Kemal. Não posso ir para Aspen sem ter alguém de confiança para tomar conta dele, pensou Dana. Mas quem vai poder cuidar da limpeza, lavagem de roupa do garoto mais turrão do mundo?

Decidiu telefonar para Pamela Hudson.

- Sinto muitíssimo pelo incômodo, Pamela, mas tenho de sair da cidade por uns dias e preciso de alguém pra ficar com Kemal. Por acaso conhece uma boa governanta com paciência de santa?

Houve um momento de silêncio.

- Por acaso conheÇo, sim. O nome dela é Mary Rowane Daley, trabalhou para nós anos atrás. É um tesouro. Vou falar com ela e pedir que telefone para você.

- Obrigada - disse Dana.

Uma hora depois, Olivia disse:

- Dana, tem uma tal de Mary Daley ao telefone querendo falar com você.

Dana pegou o telefone.

- Sra. Daley?

- Sim. Ela mesma. - A voz simpática tinha um forte sotaque irlandês. -A Sra. Hudson disse que talvez precisasse de alguém para tomar conta do seu filho.

- Isso mesmo - disse Dana. - Tenho de sair da cidade por um ou dois dias.

Será que poderia dar um pulo amanhã bem cedo, digamos às sete horas, para conversarmos?

- Claro que sim. Como quis a sorte, estou livre no momento.

Ela deu o endereço à Sra. Daley - Estarei lá, Srta. Evans.

Na manhã seguinte, Mary Daley chegou pontualmente às sete.

Parecendo na faixa dos cinqüenta anos, era uma mulher socada com uma aparência jovial e um sorriso luminoso. Apertou a mão de Dana.

- Muito prazer em conhecê-la, Srta. Evans. Sempre que posso, vejo você na televisão.

- Obrigada.

- E cadê o rapazinho da casa?

- Kemal! - chamou Dana.

Um momento depois, ele saiu do quarto. Olhou para a Sra.

Daley, a expressão do rosto dizendo: Aberração.

A Sra. Daley sorriu.

- Kemal, não é? Nunca conheci alguém chamado Kemal.

Você parece um diabinho. - Aproximou-se dele. - Quero que me diga quais são todos os seus pratos favoritos. Sou uma grande cozinheira. Vamos nos divertir muito juntos, Kemal.

Espero, pensou Dana, orando.

- Sra. Daley, poderia ficar aqui com Kemal enquanto eu estiver fora?

- Claro, Srta. Evans.

- Que maravilha -disse Dana, agradecida. - Receio que não tenha muito espaço. As acomodações para dormir são…

A Sra. Daley sorriu.

- Não se preocupe. Aquele sofá-cama servirá muito bem.

Dana exavou um suspiro de alívio. Conferiu as horas no relógio.

- Por que não vem comigo deixar Kemal na escola? Depois pode pegá-lo às


13:45.


- Ótima idéia.

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