Kemal virou-se para Dana.
- Você vai voltar, não vai, Dana?
Dana abraçou-o.
- Claro que vou voltar para você, querido.
- Quando?
- Daqui a poucos dias. - Com algumas respostas.
Ao chegar ao estúdio, Dana encontrou na escrivaninha um pacote lindamente embrulhado. Olhou-o, curiosa, e abriu-o.
Dentro, uma linda caneta de ouro. No cartão, lia-se: “Querida Dana, tenha uma viagem segura.” Assinado: A Turma.
Que amor. Pôs a caneta na bolsa.
Na mesma hora em que Dana embarcava num avião, um homem de macacão profissional tocava a campainha do ex-apartamento dos Whartons. A porta abriu-se e o novo inquilino olhou para ele, fez que sim com a cabeça e fechou a porta. O homem foi até o apartamento de Dana e tocou a campainha.
A Sra. Daley abriu a porta.
- Sim?
- A Srta. Evans me mandou consertar o aparelho de TV - Pois bem. Entre.
A Sra. Daley viu o homem ir até o aparelho de televisão e começar a trabalhar.
Rachel Stevens estava no Aeroporto Internacional de Miami à espera de Jeff quando o avião chegou.
Meu Deus, ela é tão linda, pensou Jeff. Não dá para acreditar que esteja doente.
Rachel lançou os braços em volta do pescoço do ex-marido.
- Oh, Jeff? Obrigada por vir - Você está deslumbrante - tranqüilizou-a Jeff. Os dois seguiram para uma limusine à espera na saída do aeroporto. Tudo isso vai acabar não sendo nada. Você vai ver - Claro.
A caminho de casa, Rachel perguntou:
- Como vai Dana?
Ele hesitou. Com Rachel tão doente, não queria alardear sua própria felicidade.
- Está ótima.
- Você é um homem de sorte por tê-la. Sabia que fui agendada para fazer uma filmagem em Aruba semana que vem?
- Aruba?
- É. - Continuou: - Sabe por que aceitei esse trabalho? Porque passamos nossa lua-de-mel lá. Como era o nome do hotel onde ficamos?
- Oranjestad.
- Era lindo, não? E qual o nome daquela montanha que subimos?
- Hooiberg.
Rachel sorriu e disse, baixinho:
- Você não esqueceu, não é?
- Em geral, as pessoas não esquecem sua lua-de-mel, Rachel.
Ela pôs a mão no braço de Jeff.
- Foi celestial, não foi? Nunca vi praias tão incrivelmente brancas como aquelas.
Jeff sorriu.
- E você com medo de pegar um bronzeado. Enrolou-se toda como uma múmia.
Fez-se um momento de silêncio.
- Um dos meus arrependimentos mais profundos, Jeff: Ele olhou para ela, sem entender - Como?
- Foi a gente não ter tido um… Esqueça. - Olhou para ele e disse, em voz baixa: - Adorei ficar com você em Aruba.
- É um lugar fantástico. Pesca, windsurf, mergulho, tênis, golfe - disse Jeff; esquivando-se.
- E não tivemos tempo para fazer nada disso, não foi? Jeff riu.
- Foi.
- Vou fazer uma mamografia amanhã de manhã. Não quero ficar sozinha durante o exame. Você vai comigo?
- Claro, Rachel.
Quando chegaram à casa de Rachel, Jeff levou as malas para a espaçosa sala de estar e olhou em volta.
- Lindo. Muito bonito.
Ela abraçou-o.
- Obrigada, Jeff.
Ele sentiu-a tremendo.
A mamografia foi feita na Torre de Radiologia, no centro de Miami. Jeff ficou na ante-sala enquanto uma enfermeira levava Rachel para trocar de roupa e pôr uma bata de hospital Depois acompanhou-a até uma sala de raios X.
- Isso vai levar quinze minutos, Srta. Stevens. Está pronta?
- Sim. Quando posso pegar os resultados?
- Terão de vir de seu oncologista. Ele vai receber as radiografias amanhã.
O oncologista chamava-se Scott Young. Jeff e Rachel entraram no consultório do Dr Young e sentaram-se.
O médico olhou para Rachel por um momento.
- Lamento dizer que tenho más notícias para Lhe dar, Srta. Stevens.
Rachel agarrou a mão de Jeff.
- Oh?
- Os resultados da biópsia e da mamografia mostram que você tem um câncer invasivo.
O rosto de Rachel empalideceu.
- Que… que quer dizer isso?
- Lamento dizer que vai precisar fazer uma mastectomia,
- Não! - saiu instintivamente. - Você não pode… quer dizer, deve ter algum outro meio.
- Receio que não - disse o Dr. Young, delicadamente - Já se espalhou demais.
Rachel ficou calada por um momento.
- Não posso fazer agora. Entende, tenho um compromisso para uma série fotográfica em Aruba semana que vem. Pósso fazer depois?
Jeff examinava o semblante preocupado do médico.
- Quando acha que seria indicado fazer, Dr Young? Ele voltou-se para Jeff:
- O mais cedo possível.
Jeff olhou para Rachel. Ela tentava não chorar Quando falou, a voz saiu trêmula.
- Eu gostaria de ouvir uma segunda opinião.
- Claro.
O Dr Aaron Cameron disse:
- Lamento lhe dizer, mas cheguei à mesma conclusão que o Dr Young. Eu recomendaria uma mastectomia.
Rachel tentou manter a voz nivelada.
- Obrigada, doutor. -Tomou a mão de Jeff e apertou-a.
- Acho que não tem jeito, é isso mesmo, não é? O Dr Young esperava-os.
- Parece que você tinha razão -disse Rachel. - Eu simplesmente não posso…
- Houve um longo e triste silêncio.
Rachel acabou sussurrando: - Está bem. Se tem certeza de que é… é necessário.
- Vamos deixá-la o mais confortável possível - disse o Dr Young. - Antes de operá-la, vou trazer um cirurgião plástico para discutir com você a reconstrução de sua mama. Podemos fazer milagres hoje.
Jeff abraçou·a quando ela caiu em prantos.
Não havia nenhum vôo direto de Washington para Aspen. Dana embarcou num avião da Delta Airlines para Denver, onde fez uma baldeação para um avião da United Express. Depois, não se lembrou de nada da viagem. Tinha a mente cheia de lembranças de Rachel e do tormento por que ela devia estar passando. Que bom que Jeff estará lá para tornar tudo mais fácil. E preocupava-se com Kemal. E se a Sra. Daley for embora antes de eu voltar? Preciso…
A voz do comissário chegou pelo alto-falante.
- Vamos aterrissar em Aspen daqui a poucos minutos.
Por favor, apertem os cintos e ponham os assentos na posição vertical.
Dana começou a concentrar-se no que tinha a fazer Elliot Cromwell entrou no escritório de Matt Baker - Soube que Dana não vai apresentar os noticiários desta noite.
- Sim, é verdade. Ela está em Aspen.
- Dando prosseguimento àquela teoria sobre Taylor Winthrop?
- É.
- Quero que me mantenha informado.
- Certo. - Vendo Cromwell sair, Matt pensou: Ele está realmente interessado em Dana.
Quando desembarcou, Dana seguiu para o balcão de aluguel de carros.
Dentro do terminal, o Dr Carl Ram-sey dizia ao funcionário atrás do balcão:
- Mas reservei um carro há uma semana.
O funcionário disse, desculpando-se:
- Sei, Dr Ram-sey, mas receio ter havido uma confusão.
Não temos um único carro disponível. Há um serviço de ônibus do aeroporto lá fora, ou posso chamar um táxi para…
- Esqueça - disse o médico, e saiu enfurecido.
Dana entrou no saguão do aeroporto e foi até o balcão de aluguel de carros.
- Tenho uma reserva - disse. - Dana Evans.
O funcionário sorriu.
- Sim, Srta. Evans. Estávamos à sua espera. - Deu-lhe um formulário para assinar e entregou-lhe umas chaves. - É um Lexus branco estacionado na vaga um.
- Obrigada. Sabe me dizer como chegar ao Hotel Little Nell?
- Não tem como errar. Fica bem no meio da cidade. East Durant Avenue, 675. Tenho certeza que vai adorar - Obrigada - disse Dana.
Ele viu-a cruzando a porta.
Que diabo está acontecendo aqui?, perguntou-se.
Construído num elegante estilo de chalé, o Hotel Little Nell aninhava-se no sopé das pitorescas montanhas Aspen. O saguão tinha uma lareira que se estendia do piso ao teto, com um fogo intenso ininterruptamente em chamas no inverno, e enormes vidraças com vista para as montanhas Rochosas encimadas por neve. Sentados em sofás e confortáveis poltronas por todo o saguão, hóspedes em roupas de esqui relaxavam. Dana olhou em volta e pensou: Jeff ia adorar isso. Talvez venhamos aqui um dia.
Após assinar a ficha e registrar-se, Dana perguntou ao recepcionista:
- Por acaso sabe onde fica a casa de Taylor Winthrop? Ele lançou-lhe um olhar estranho.
- A casa de Taylor Winthrop? Não existe mais. Foi destruída pelo fogo até o chão.
- Eu sei. Só queria ver…
- Não tem mais nada lá, a não ser muitas cinzas, mas, se quiser ver, siga à esquerda até o vale Conundrum Creek. Fica a pouco mais de nove quilômetros daqui.
- Obrigada - disse Dana. - Poderia mandar levar minhas malas para o quarto?
- Claro, Srta. Evans.
Dana saiu e voltou para o carro.
O local da casa de Taylor Winthrop, no vale Conundrum Creek, era cercado por terras da Floresta Nacional. A casa fora uma construção de um andar feita de pedra nativa e sequóia, numa linda e reclusa localização com um enorme lago de castores e um riacho que percorria toda a propriedade.
A vista era espetacular E no meio daquela beleza, como uma cicatriz obscena, viam-se os vestígios do incêndio em que duas pessoas haviam morrido.
Dana passeou pelo terreno, visualizando o que antes existira ali. Sem dúvida, era uma enorme casa de um andar. Devia ter muitas portas e janelas no nível do terreno.
Contudo, os Winthrops não haviam conseguido escapar por nenhuma delas. Acho melhor visitar o corpo de bombeiros.
Quando Dana entrou no prédio do corpo de bombeiros, um homem de seus trinta anos, alto, bronzeado e de porte atlético, aproximou-se dela. Ele na certa vive nas pistas de esqui, pensou Dana.
- Posso ajudá-la, senhorita?
- Li que a casa de Taylor Winthrop foi destruída por um incêndio e fiquei curiosa - disse Dana.
- É. Isso aconteceu há um ano. Talvez a pior coisa que já ocorreu nesta cidade.
- A que horas aconteceu?
Se ele achou a pergunta estranha, não deixou transparecer - No meio da noite. Recebemos o telefonema às três da manhã. Nossos carros chegaram lá por volta das três e quinze, mas era tarde demais. A casa queimava como uma tocha. Só soubemos que tinha alguém dentro depois que extinguimos o fogo e encontramos os dois corpos. Foi um momento muito doloroso, acredite.
- Tem alguma idéia de como o incêndio começou? Ele fez que sim com a cabeça.
- Oh, sim. Foi um problema elétrico.
- Que tipo de problema elétrico?
- Não sabemos exatamente, mas na véspera do incêndio alguém chamou um eletricista para consertar alguma coisa na casa.
- Mas não sabe qual foi o problema?
- Acho que foi algum defeito no sistema de alarme de incêndio.
Dana tentou parecer desinteressada.
- O eletricista que foi consertá-lo… por acaso tem o nome dele?
- Não. Mas acho que a polícia talvez tenha.
- Obrigada.
Ele olhou para Dana, curioso.
- Por que está tão interessada nisso?
- Estou escrevendo um artigo sobre incêndios em estações de esqui de todo o país - respondeu ela, séria.
A delegacia de polícia de Aspen era um prédio de tijolos vermelhos de um andar, situado a dez quarteirões do hotel de Dana.
O policial sentado atrás da escrivaninha ergueu os olhos e perguntou, surpreso:
- Você é Dana Evans, a apresentadora de TV?
- Sou.
- Sou o capitão Turner. Que posso fazer por você, srta. Evans?
- Estou curiosa sobre o incêndio que matou Taylor Vinthrop e sua mulher - Meu Deus, que grande tragédia. O pessoal aqui ainda não se refez do choque.
- Dá para entender.
- É. Foi terrível não terem conseguido salvar o casal.
- Soube que o fogo começou por causa de algum tipo de problema elétrico, não foi?
- Isso mesmo.
- Poderia ter sido premeditado?
O capitão Turner franziu a testa.
- Premeditado? Não, não. Foi um defeito elétrico.
- Eu gostaria de conversar com o eletricista que esteve na casa na véspera do incêndio. Tem o nome dele?
- Com certeza está nos nossos arquivos. Quer que eu verifique?
- Eu Lhe agradeceria.
O capitão Turner pegou o telefone, trocou algumas palavras e virou-se mais uma vez para Dana.
- É a primeira vez que vem a Aspen?
- É.
- Lugar fantástico. Sabe esquiar?
- Não. - Mas Jeff sabe. Quando viermos aqui…
Uma auxiliar de escritório aproximou-se e entregou ao capitão Turner uma folha de papel. Ele passou-a para Dana.a Tinha os seguintes dizeres:
Empresa Elétrica Al Larson. Bill Kelly.
- Fica logo ali nesta rua.
- Muito obrigada, capitão Turner - Foi um prazer Quando Dana saiu do prédio, um homem no outro lado da rua afastou-se e falou num telefone celular A Empresa Elétrica Al Larson ficava num pequeno prédio de cimento cinzento. Sentado a uma escrivaninha, um clone do homem do corpo de bombeiros, bronzeado e de compleição atlética. Levantou-se quando Dana entrou.
- Bom dia.
- Bom dia - disse Dana. - Eu gostaria de falar com Bill Kelly.
O homem grunhiu.
- Eu também.
- Desculpe, o que disse?
- Kelly Desapareceu faz quase um ano.
- Desapareceu?
- É, simplesmente sumiu. Não disse uma palavra. Nem apareceu para pegar seu pagamento.
Dana perguntou, devagar:
- Você se lembra exatamente quando foi?
- Claro que sim. Na manhã daquele incêndio. O grande.
Você sabe, aquele em que morreram os Winthrops.
Dana sentiu um calafrio.
- Entendo. E você tem alguma idéia de onde o Sr Kelly está?
- Não. Como eu disse, ele simplesmente desapareceu.
A distante ilha no extremo da América do Sul fervilhara azafamada durante toda a manhã com a chegada de aviões a jato. Aproximava-se a hora da reunião, e os vinte e tantos participantes já se achavam sentados em poltronas na sala de um prédio recém-construído, fortemente vigiado e programado para ser destruído assim que terminasse a reunião. O orador dirigiu-se para a frente da sala. - bem-vindos. Muito me alegra ver aqui tantos rostos conhecidos e alguns amigos novos. Antes de começarmos nosso trabalho, sei que alguns de vocês estão preocupados com un problema surgido há pouco. Há um traidor entre nós, ameaçando nos denunciar. Não sabemos ainda quem é.
Mas Lhes garanto que ele será logo apanhado e sofrerá o destino de todos os traidores. Nada e ninguém pode se interpor em nosso caminho.
Ouviram-se dos presentes murmúrios de aprovação.
- Agora vamos começar nosso leilão silencioso. Hoje há cinco pacotes.
Comecemos com dois bilhões. Alguém dá o primeiro lance? Dois bilhões de dólares. Alguém dá três…?
Naquela noite, quando Dana voltou para o quarto, pôs-se a andar de um lado para o outro e parou de repente, alarmada.
Tudo parecia igual e no entanto… teve a sensação de que alguma coisa estava diferente. Teriam suas coisas sido vasculhadas?
É a hora do Chicken Little, pensou, fazendo uma careta. Pegou o telefone e ligou para casa.
A Sra. Daley atendeu.
- Residência da Srta. Evans.
Graças a Deus ela continuava lá.
- Sra. Daley..
- Srta. Evans!
- Boa tarde. Como está Kemal?
- Bem, às vezes ele fica meio endiabrado, mas sei dar conta disso. Meus filhos também eram assim.
- Então, está tudo… bem?
- Oh, sim.
O suspiro de Dana foi de puro alívio.
- Posso falar com ele?
- Claro. - Dana ouviu-a chamando: - Kemal, é sua mãe.
- Oi, Kemal. Como é que vão as coisas, amigão?
- Legal.
- E a escola?
- Maneira.
- E você está se saindo bem com a Sra. Daley?
- Estou, ela é um barato.
É mais que um barato, pensou Dana. É um milagre.
- Quando vai voltar para casa, Dana?
- Chegarei aí amanhã. Você já jantou? - já. Na verdade, não estava muito ruim.
Dana sentiu-se tentada a dizer: Esse é você mesmo, Kemal? Ficou emocionada com a mudança que sentiu nele.
- Está bem, querido. Vejo você amanhã. Boa noite.
- Boa noite, Dana.
Quando Dana se aprontava para dormir, seu telefone celular tocou.
- Alô.
- Dana?
Ela sentiu uma onda de alegria.
- Jeff! Oh, Jeff! - Abençoou o dia em que comprou un celular internacional.
- Tive de ligar para dizer que estou morrendo de saudade.
- Eu também. Ainda está na Flórida?
- Estou.
- E como vão as coisas aí?
- Nada bem. - Ela percebeu a hesitação na voz de Jeff.
- De fato, muito ruins. Amanhã Rachel vai se submeter a uma mastectomia.
- Oh, não!
- Ela não está reagindo bem a tudo.
- Sinto muito.
- Eu sei. Foi um golpe sujo da sorte. Querida, não agüento de vontade de voltar para você. Já lhe disse que sou louco por você?
- Eu por você, querido.
- Precisa de alguma coisa, Dana?
- Não. - Só de você.
- E Kemal, como está?
- Está indo muito bem. Arranjei uma nova empregada da qual ele gosta.
- Que boa notícia. Não vejo a hora de estarmos mais uma vez os três juntos.
- Nem eu.
- Cuide-se bem.
- Pode deixar E não sei como Lhe dizer o quanto sinto por Rachel.
- Direi a ela. Boa noite, boneca.
- Boa noite.
Dana abriu a mala e tirou uma camisa de Jeff que tinha trazido do apartamento. Colocou-a sob a camisola e abraçou-a. Boa-noite, querido.
Bem cedo na manhã seguinte, Dana tomou o avião de volta para Washington. Passou no apartamento antes de ir para o escritório e foi recebida por uma sorridente e alegre Sra. Daley - Que bom vê-la de volta, Srta. Evans. Esse seu filho está me deixando exausta. - Mas disse isso com uma piscadela dos olhos.
- Espero que não esteja lhe dando muito trabalho.
- Trabalho? Nem um pouco. Fico feliz de ver como ele anda se saindo com o novo braço.
Dana lançou-lhe um olhar surpreso.
- Ele está usando o braço?
- Claro. Usa-o para ir à escola.
- Isso é maravilhoso. Fico muito feliz. - Conferiu as horas no relógio de pulso. - Preciso ír ao estúdio. Voltarei à tarde para ver Kemal.
- Ele vai ficar muito contente em vê-la. Sente muito a sua falta, você sabe.
Ande logo. Vou desfazer suas malas.
- Obrigada, Sra. Daley.
No escritório de Matt, Dana Lhe contava o que soubera em Aspen.
Ele olhava para ela, incrédulo.
- No dia seguinte ao do incêndio, o maldíto eletricista desapareceu?
- Sem sequer buscar seu contracheque.
- E esteve na casa dos Winthrops na véspera de acontecer o incêndio?
- Sim.
Matt balançou a cabeça.
- Parece Alice no país das maravilhas. Isso está ficando cada vez mais intrigante.
- Matt, Paul Wínthrop foi o seguinte na família a morrer.
Morreu na França não muito depois do incêndio. Eu gostaria de ir até lá.
Quero ver se houve testemunhas do acidente de carro.
- Certo. - Depois Matt acrescentou: - Elliot Cromwell andou perguntando por você. Quer que se cuide.
- Então somos dois a querer - respondeu Dana.
Quando Kemal chegou em casa da escola, Dana o aguardava. Usava o novo braço e Dana achou que estava muito mais calmo.
- Você voltou. - Ele deu-lhe um abraço.
- Oi, querido. Senti saudade de você. Como foí a escola?
- Não muito ruim. E sua viagem?
- Ótima. Trouxe uma coisa para você. - Entregou a Kemal uma sacola de lã tecida à mão por índios e um par de mocassins de couro que comprou em Aspen. - Kemal, lamento, mas vou ter de me ausentar de novo alguns dias.
Dana preparou-se para a reação dele, mas Kemal disse apenas:
- Tudo bem.
Nenhum sinal de explosão.
- Vou trazer um presente bonito pra você.
- Um por cada dia que passar fora? Dana sorriu.
- Eu imaginava que você estivesse na sétima série, não na faculdade de direito.
Instalado confortavelmente numa poltrona, com o aparelho de televisão ligado, ele tomava um uísque escocês. Na tela, Dana e Kemal sentavam-se à mesa de jantar e a Sra. Daley servia o que parecia um ensopado irlandês.
- Huum, mas é delicioso - disse Dana.
- Obrigada. Fico feliz que goste da minha comida.
- Eu falei que ela era uma boa cozinheira - disse Kemal.
Parecia que estava na mesma sala com os três, pensou ele, em vez de vê-los do apartamento ao lado.
- Me fale da escola, Kemal - pediu Dana.
- Gosto dos meus novos professores. A de matemática é legal…
- Que maravilha.
- Os garotos são muito mais simpáticos nessa escola.
Acham que meu braço é maneiro.
- Aposto que sim.
- Uma das garotas na minha sala é o maior barato. Achcho que ela gosta de mim. O nome dela é Lizzy.
- E você gosta dela, não, querido?
- É. E ela é bonita.
Ele está crescendo, pensou Dana, com uma pontada súbita e inesperada.
Quando chegou a hora de dormir, Kemal foi deitar-se e Dana entrou na cozinha para ver a Sra. Daley - Kemal está tão… tão tranqüilo. Não tenho como Lhe dizer como fico grata pelo que tem feito - disse Dana.
- Você é quem está me fazendo um favor - sorriu a Sra Daley - É como ter de novo um dos meus filhos de volta. Eles são adultos agora, você sabe.
Kemal e eu estamos nos divertindo à beça.
- Que bom.
Dana esperou até meia-noite e, como Jeff ainda não tinha telefonado, foi para a cama. Ficou deitada ali, imaginando o quE ele devia estar fazendo, se fazia amor com Rachel, e sentiu-si envergonhada por seus pensamentos.
O homem no apartamento vizinho informou:
- Tudo tranqüilo.
O celular de Dana tocou.
- Jeff, querido. Onde é que você está?
- No hospital do médico de Rachel na Flórida. A mastectomia já terminou.
O oncologista continua fazendo exames.
- Oh, Jeff! Espero que não tenha se espalhado.
- Também espero. Rachel quer que eu fique com ela mais alguns dias. Eu queria lhe perguntar se…
- Claro. Você precisa.
- Serão só mais alguns dias. Vou telefonar para o Matt e avisá-lo. Alguma coisa emocionante acontecendo por aí? Por um instante, Dana sentiu-se tentada a contar a Jeff sobre Aspen e que ela ia continuar com a investigação. Ele já tem problemas demais na cabeça.
- Não - disse Dana. - Tudo tranqüilo.
- Mande meu amor ao Kemal. O resto é para você.
Jeff desligou o telefone. Uma enfermeira aproximou-se.
- Sr Connors? O Dr Young gostaria de falar com o senhor - A operação foi bem - disse o Dr Young a Jeff -, mas ela vai precisar de muito apoio emocional. Vai se sentir menos mulher e quando acordar vai entrar em pânico. Você tem de fazê-la entender que está tudo bem e que nada tem a temer - Entendo - disse Jeff:
- E o medo e a depressão vão mais uma vez voltar quando ela começar os tratamentos de radiação para tentar impedir a disseminação do câncer. Pode ser muito traumático.
Jeff ficou ali sentado, pensando no que aguardava por ele no futuro próximo.
- Rachel tem alguém para cuidar dela?
- Eu. - Ao dizer isso, ele compreendeu que era a única pessoa que Rachel tinha.
O vôo da Air France para Nice foi tranqüilo. Dana ligou o laptop para reexaminar a informação que tinha reunido até então.
Instigante, mas sem a menor dúvida inconclusiva. Provas, pensou. Não há reportagem sem provas. Se eu conseguir…
- Vôo agradável, não?
Dana voltou-se para o homem sentado a seu lado. Alto, atraente e com sotaque francês.
- É, sim.
- Já esteve na França antes?
- Não - disse ela. - É a primeira vez.
Ele sorriu.
- Ah, você vai ficar encantada. É um país mágico. Sorriu cheio de sentimento e curvou-se para perto dela. -Tem amigos para lhe mostrar as belezas?
- Vou me encontrar com meu marido e três filhos - respondeu Dana.
- Dommage. - Assentiu com a cabeça, afastou-se e pgou seu exemplar do France-Soir.
Ela retornou ao computador. Um artigo chamou-lhe a atenção. Paul Winthrop, que morrera num acidente, tinha um passatempo.
Corrida de automóveis.
Quando o avião da Air France pousou no aeroporto de Nice Dana entrou no movimentado terminal e dirigiu-se ao balcão de aluguel de carros.
- Meu nome é Dana Evans. Tenho uma…
O recepcionista ergueu os olhos.
- Ah! Srta. Evans. Seu carro está pronto. - Entregou-lhe um formulário. - Basta assinar aqui.
Isso é que é um verdadeiro serviço, pensou ela.
- Vou precisar de um mapa do sul da França. Por acaso,
- Claro, mademoiselle. - Abaixou-se atrás do balcão escolheu um mapa. - Voilá. - Ficou ali olhando atento Dana partir Na torre executiva da WTN, Elliot Cromwell dizia:
- Onde Dana está, Matt?
- Na França.
- Fez algum progresso?
- Ainda é cedo demais.
- Estou preocupado com ela. Acho que talvez ande viajando demais. Hoje em dia viajar pode ser perigoso. - Hesitou. - Muito perigoso.
O ar em Nice estava frio e seco, e Dana perguntava-se que tempo fazia no dia em que Paul Winthrop morrera. Entrou no Citroën à sua espera e pôs-se a subir a Grande Corniche, passando por pitorescas aldeias ao longo do caminho.
O acidente tinha ocorrido logo ao norte de beausoleil, na rodovia em Roquebrune-Cap-Martin, um balneário que contemplava do alto o mar Mediterrâneo.
Ao aproximar-se da aldeia, diminuiu a velocidade, observando as curvas fechadas, escarpadas, imaginando de qual delas Paul Winthrop teria despencado. Que fazia ele ali? Ia encontrarse com alguém? Participava de uma corrida? Viajava de férias?
A negócios?
Roquebrune-Cap-Martin é uma aldeia medieval com um castelo antigo, uma igreja, grutas históricas e villas luxuosas que pontilham toda a paisagem. Dana dirigiu-se para o centro, parou o carro e foi à procura da delegacia de polícia. Abordou um homem saindo de uma loja.
- Por favor, pode me dizer onde fica a delegacia de polícia?
- Je ne parle pas anglais, j’ai peur de ne pouvoir vous aider mais…
- Police. Police.
- Ah, oui. - Apontou. - La deuxième rue d gauche.
- Merci.
- De rien.
A delegacia de polícia era um velho prédio de paredes brancas malconservadas. Dentro, um homem uniformizado de meia idade sentavase atrás de uma escrivaninha. Ergueu os olhos quando ela entrou.
- Bonjour, madame.
- Bonjour.
- Comment puis je vous aider?
- Fala inglês?
Ele pensou um pouco.
- Sim - disse, relutante.
- Eu gostaria de falar com o responsável pela delegacia.
Ele olhou para ela, uma expressão confusa no rosto. De repente, sorriu.
- Ah, commandant Frasier. Oui. Um momento. - Pegou um telefone e falou com alguém. Fez que sim com a cabeça e virou-se para Dana. Apontou o corredor. -A primeira porta.
- Obrigada. - Ela atravessou o corredor até encontrar a primeira porta. O escritório do comandante Frasier era pequeno e bem-arrumado. Ele, um homem garboso com um bigodinho e olhos castanhos inquisidores.
Levantou-se quando Dana entrou.
- Bonjour, mademoiselle. Em que Lhe posso ser útil?
- Sou Dana Evans. Estou fazendo uma reportagem para a WTN, de Washington D.C., sobre a família Winthrop. Soube que Paul Winthrop morreu num acidente perto daqui.
- Oui. Terrible! Terríble. A gente precisa ter muito cuidado ao dirigir na Grande Comiche. Pode ser très dangereux.
- Soube que Paul Winthrop morreu durante uma corrida de automóveis e…
- Non. Não houve corrida naquele dia.
- Não houve?
- Non, mademoiselle. Eu mesmo estava de plantão quando o acidente ocorreu.
- Entendo. O Sr Winthrop estava sozinho no carro?
- Oui.
- Commandant Frasier, eles fizeram uma autópsia?
- Oui. Claro.
- Encontraram álcool no sangue de Paul Winthrop? O comandante Frasier balançou a cabeça.
- Non.
- Drogas?
- Non.
- O senhor se lembra como estava o tempo naquele dia?
- Oui. Il pleuvait. Chovia.
Dana tinha uma última pergunta, mas a fez sem nenhuma esperança.
- Imagino que não houve testemunhas…
- Mais oui, il y en avait.
Ela fitava-o, a pulsação se acelerando.
- Houve?
- Uma testemunha. Ele estava dirigindo atrás do carro de Winthrop e viu o acidente acontecer Dana teve uma rápida sensação de entusiasmo.
- Eu ficaria muito grata se me desse o nome da pessoa - disse. - Quero falar com ela.
O comandante assentiu com a cabeça.
- Não vejo nenhum mal. - Chamou: - Alexandre! E um instante depois, o assistente entrava às pressas.
- Oui, commandant?
- Apporte-moi le dossier de 1’accident Winthrop.
- Tout de suite. - Saiu da sala, apressado.
O comandante Frasier virou-se para Dana.
- Que família desafortunada. A vida é très fragile.
Olhou para Dana e sorriu. - A gente precisa aproveitar a vida enquanto pode. -Acrescentou, sutilmente: - Ou enquanto ela deixa. Está sozinha aqui, mademoiselle?
- Não, meu marido e filhos estão me esperando.
- Dommage.
O assistente retornou com um maço de papéis e o comandante examinou os documentos, fez que sim com a cabeça ergueu os olhos para Dana.
- A testemunha do acidente era um turista americano Ralph benjamin.
Segundo seu depoimento, ele vinha atrás di Paul Winthrop quando viu un chien, um cão, atravessar na frente do carro de Winthrop. Winthrop girou o volante para não atropelá-lo, entrou numa grande derrapagem, mergulhou do despenhadeiro e caiu no mar. Segundo o relatório do legista Winthrop morreu instantaneamente.
- O senhor tem o endereço do Sr benjamin? - perguntou, esperançosa.
- Oui. - Deu mais uma olhada no papel. - Ele mora na América. Turk Street, 420, Richfield, estado de Utah. - Escreveu o endereço e entregoulhe.
Ela tentava controlar a emoção.
- Muitíssimo obrigada.
- Avec plaisir. - Olhou para o dedo anular sem aliança de Dana. - E, madame?
- Sim?
- Cumprimente seu marído e filhos por mim.
Dana telefonou para Matt.
- Matt - disse, excitada. - Descobri uma testemunha do acidente de Winthrop. Vou entrevistá-lo.
- Mas é fantástico. Onde está ele?
- Em Richfield, no Utah. Devo estar de volta amanhã.
- Tudo bem. Por falar nisso, Jeff telefonou.
- E aí?
- Você sabe que ele está na Flórida com a ex-mulher? Transparecia de sua voz um tom reprovador.
- Eu sei. Ela está muito doente.
- Se Jeff ficar por muito mais tempo, vou ter de lhe pedir que tire uma licença sem vencimentos.
- Tenho certeza que ele voltará logo. - Quisera ela acreditar nisso.
- Certo. Boa sorte com a testemunha.
- Obrigada, Matt.
O telefonema seguinte de Dana foi para Kemal. A Sra. Daley atendeu.
- Residência da Srta. Evans.
- Boa tarde, Sra. Daley. Está tudo bem aí? - Dana prendia a respiração.
- Bem, seu filho quase ateou fogo na cozinha me ajudando a preparar o jantar ontem à noite. - Ela riu. - Mas, fora isso, ele está ótimo.
Dana fez uma oração silenciosa de agradecimento.
Mas é incrível! A mulher é realmente uma milagreira, pensou.
- Você vem direto para casa? Posso preparar o jantar e…
- Tenho de fazer mais uma escala. Só chegarei em casa daqui a dois dias.
Posso falar com Kemal?
- Ele está dormindo. Quer que o acorde?
- Não, não. - Conferiu as horas no relógio de pulso.
Eram só quatro da tarde em Washington. - Ele está tirando um cochilo? - Dana ouviu uma risada calorosa da Sra. Daley.
- É. O rapazinho teve um dia cheio. Está trabalhando e brincando muito.
- Diga a ele que mando meu amor E que logo o verei.
Tenho de fazer mais uma escala. Só chegarei em casa daqui a dois dias.
Posso falar com Kemal?
Ele está dormindo. Quer que o acorde? Não, não. Ele está tirando um cochilo? É. O rapazinho teve um dia cheio. Está trabalhando e brincando muito.
Diga a ele que mando meu amor. E que logo o verei.
Fim da fita.
Richfield, no Utah, é uma confortável cidade residencial localizada numa depressão de terra no meio da cadeia de montanhas Monroe. Dana parou numa agência de viagens e pegou as direções para o endereço que o comandante Frasier lhe dera.
Ralph Benjamin morava numa casa de um andar, gasta pelas intempéries, situada no meio de um quarteirão de casas idênticas.
Ela estacionou o carro alugado, dirigiu-se à porta da frente e tocou a campainha. A porta abriu-se e apareceu uma mulher grisalha de meíaidade, usando avental.
- Em que posso ajudá-la?
- Gostaria de falar com Ralph benjamin - disse Dana A mulher examinoua, curiosa.
- Ele está à sua espera?
- Não. Eu… eu só passei por acaso, e resolvi dar um pulo até aqui. Ele está?
- Sim. Entre.
- Obrigada. - Dana entrou e seguiu a mulher até a sala de estar.
- Ralph, tem uma visita para você.
Ralph benjamin levantou-se de uma cadeira de balanço e veio em direção a Dana.
- Como vai? Eu a conheço?
Dana ficou ali parada, imóvel. Ralph benjamin era cego.
Dana e Matt Baker conversavam na sala de reuniões da Wtn - Ralph Benjamin estava na França visitando o filho - explicava Dana. - Um dia, sua pasta desapareceu do hotel.
Reapareceu no dia seguinte, mas faltava o passaporte. Matt, o homem que roubou o passaporte pegou a identidade de Benjamin e disse à polícia que era uma testemunha do acidente.
Quem assassinou Paul Wínthrop?
Matt Baker ficou calado por um longo tempo.
- É hora de pôr a polícia nisso, Dana - acabou dizendo - Se você tiver razão, estamos procurando um homem insensível que assassinou a sangue-frio seis pessoas. Não quero que seja a sétima. Elliot também está preocupado com você. Acha que está indo fundo demais.
- Não podemos pôr a polícia nisso ainda - protestou Dana. - Tudo é circunstancial. Não temos nenhuma prova Nem sequer a menor idéia de quem é o assassino, e também não sabemos o motivo.
- Estou com um pressentimento muito ruím com toda essa história.
Também está ficando perigosa demais. Não quero que aconteça alguma coisa com você.
- Nem eu - disse Dana, veemente.
- Qual vai ser seu próximo passo?
- Descobrir o que aconteceu realmente com Julie Winthrop.
- A operação foi um sucesso.
Deitada numa cama branca estéril de hospital, Rachel abriu os olhos, devagar. Tentava focalizar os olhos injetados em Jeff:
- Já tiraram?
- Rachel…
- Tenho medo de apalpar o lugar - Reprimia as lágrimas. - Não sou mais uma mulher. Nenhum homem jamais vai me amar de novo.
Ele tomou-lhe as mãos trêmulas nas dele.
- Está enganada. Nunca amei você por causa dos seus seios, Rachel. Amei pelo que você é, um ser humano afetuoso, maravilhoso.
Rachel esboçou um pequeno sorriso.
- Nós nos amamos de verdade, não, Jeff?
- É.
- Eu queria… - Ela baixou o olhar para o peito e o rosto contraiu-se.
- Falaremos disso depois.
Ela apertou-lhe a mão com mais força.
- Não quero ficar sozinha, Jeff. Não antes disso acabar Por favor, não me deixe.
- Rachel, eu tenho de…
- Não vá, ainda não. Não sei o que farei se você for embora.
Uma enfermeira entrou no quarto do hospital.
- Poderia nos dar licença, Sr Connors? Rachel não queria soltar a mão de Jeff.
- Não vá.
- Eu volto.
Mais tarde naquela noite, o celular de Dana tocou. Ela atravessou a sala correndo para pegá-lo.
- Dana. - Era Jeff.
Ela sentiu uma pequena emoção ao ouvir sua voz.
- Alô. Como vai você, querido? - bem.
- E Rachel? “ - A operação correu bem, mas Rachel está com idéia suicidas.
- Jeff… uma mulher não pode julgar a si mesma por seu seios, ou…
- Eu sei, mas Rachel não é uma mulher do seu gabarito.
Tem sido julgada pela beleza desde os quinze anos. É uma das modelos mais bem pagas do mundo. Agora acha que tudo acabou para ela. Sente-se como uma aberração. Acha que não terá mais nada por que viver - Que é que você vai fazer?
- Vou ficar com ela mais alguns dias e ajudá-la a estabelecer-se em casa.
Falei com o médico. Ele ainda está esperando os resultados dos exames para ver se conseguiram tirar tudo.o Acham que ela precisa de acompanhamento com tratamento de quimioterapia.
Não havia nada que Dana pudesse dizer - Sinto sua falta - disse Jeff:
- Eu também sinto sua falta, meu adorado. Comprei alguns presentes de Natal para você.
- Guarde-os para mim.
- Vou guardar - Já se livrou de todas as viagens?
- Ainda não.
- Não esqueça de deixar o celular ligado - disse Jeff: Pretendo lhe dar alguns telefonemas obscenos.
Dana sorriu.
- Promete?
- Prometo.
- Cuide bem de você, querida.
- Você também. - A conversa terminou. Dana desligou e ficou ali sentada por um longo tempo, pensando em Jeff e Rachel. Depois levantou-se e foi até a cozinha.
A Sra. Daley dizia a Kemal:
- Mais panquecas, querido?
- Quero, obrigado.
Dana ficou olhando os dois. Naquele curto período que a Sra. Daley passara ali, Kemal tinha mudado muito. Estava calmo, relaxado e feliz.
Sentiu uma pontada aguda de ciúmes.
Talvez eu seja a pessoa errada para ele. Culpada, lembrou-se dos longos dias até tarde da noite no estúdio. Talvez alguém como a Sra. Daley devesse tê-lo adotado. Qual o problema comigo? Kemal me ama.
Sentou-se à mesa.
- Ainda gostando da nova escola, Kemal? - perguntou.
- É legal.
Dana pegou-lhe a mão.
- Kemal, lamento, mas vou ter de viajar mais uma vez.
Ele disse, indiferente:
- Tudo bem.
A pontada de ciúmes voltou.
- Para onde vai agora, Srta. Evans? - perguntou a Sra.
Daley.
- Alasca.
A Sra. Daley ficou pensativa alguns instantes.
- Cuidado com aqueles ursos enormes e ferozes - aconselhou.
O vôo de Washington a Juneau, no Alasca, levou nove horas com uma escala em Seattle. Dentro do aeroporto de Juneau Dana foi até o balcão de aluguel de carros.
- Meu nome é Dana Evans. Eu…
- Sim, Srta. Evans. Temos um belo Land Rover â sua espera. Vaga dez.
Basta assinar aqui.
O funcionário entregou-lhe aschaves e Dana dirigiu-se ao estacionamento atrás do prédio. Havia uma dezena de carros em vagas numeradas. Ela foi até a número dez. Ajoelhado perto da traseira do carro, um homem trabalhava no cano de descarga de um Land Rover branco. Ergueu os olhos quando Dana se aproximou.
- Só ajustando o cano de descarga, senhorita. Já está todo pronto. - Levantou-se.
- Obrigada - disse Dana.
No subsolo de um prédio do governo, um homem examinava um mapa digital no computador. Viu o Land Rover branco fazer uma curva à direita.
- O alvo está se dirigindo para Starr Hill…
Juneau foi uma surpresa para Dana. À primeira vista, parecia uma cidade grande, mas as ruas estreitas e sinuosas davam à capital do Alasca a atmosfera de uma cidade pequena aninhada no meio de uma imensidão florestal do período glacial.
Dana registrou-se na popular Pousada do Cais do Porto, um ex bordel localizado no centro da cidade.
- Chegou na melhor época para esquiar - disse o recepcionista do hotel. - Este ano a temporada de neve está ótima.
Trouxe seus esquis?
- Não, eu…
- Bem, tem uma loja de esqui logo aqui ao lado. Tenho certeza que podem equipá-la com tudo que precisar - Obrigada - disse Dana. Um bom lugar para se começar.
Desfez a mala e foi para a loja de esqui.
O vendedor falava sem parar. No momento em que ela entrou, ele disse:
- Oi. Sou Chad Donohoe. Bem, você veio ao lugar certo.
- Indicou uma fileira de esquis. -Acabamos de receber esses Freeriders. São uns bebês que dão conta mesmo de solavancos e saltos. - Apontou para outra seção. - Ou… esses são os Salomon X-Scream 9’s. Estão tendo uma grande saída. No ano passado ficamos sem e não conseguimos mais repôlos.
- Percebeu a expressão impaciente de Dana e apressou-se para o grupo seguinte. - Se preferir, temos o Vocal Vertigo G30 ou o Atomic 10.20. - Olhou para Dana, com expectativa. - Qual deles gosta…
- Vim em busca de informação.
Um olhar de decepção atravessou o rosto do vendedor - Informação?
- Sim. Julie Winthrop alugava esquis aqui? Ele examinou Dana mais de perto.
- Sim. Na verdade, ela usava a linha mais cara de esquis da loja, os Volant Ti Pover. Adorava-os. Uma coisa terrível o que aconteceu com ela em Eaglecrest.
- A Srta. Winthrop era uma boa esquiadora?
- Boa? Era a melhor. Tinha um console de lareira cheio de prêmios.
- Sabe se ela estava sozinha aqui?
- Pelo que sei, estava. - Ele balançou a cabeça. - O que é muito surpreendente é que ela conhecia Eaglecrest como a palma da mão.
Esquiava aqui todo ano. A gente imagina que um acidente como aquele jamais poderia ter acontecido com ela, não é?
- É o que eu imaginava - disse Dana, devagar O Departamento de Polícia de Juneau ficava a dois quarteirões da Pousada do Cais do Porto.
Dana entrou num pequeno escritório de recepção com três bandeiras: a do estado do Alasca, a de Juneau e a dos Estados Unidos. Tinha um tapete azul, um sofá azul e uma poltrona azul.
Um funcionário uniformizado perguntou-lhe:
- Posso ajudá-la?
- Eu gostaria de informação sobre a morte de Julie Winthrop.
Ele franziu as sobrancelhas.
- O homem com quem deve falar é Bruce Bowler. Ele é chefe do Resgate Sea Dog. Tem um escritório aqui no segundo andar, mas não se encontra agora.
- Sabe onde posso encontrá-lo?
O policial olhou para o relógio de pulso.
- Nesse momento, talvez ainda o pegue no Hanger On The Wharf. Fica a dois quarteirões daqui, no Passeio da Marina.
- Muito obrigada.
O Hanger On The Wharf era um restaurante enorme, entupido de gente para almoçar ao meio-dia.
A recepcionista disse a Dana:
- Lamento, mas não temos uma mesa para já. Haverá uma espera de vinte minutos se…
- Estou procurando o Sr Bruce Bowler. Você o conhece…
A recepcionista fez que sim com a cabeça.
- Bruce? Está ali naquela mesa.
Dana olhou. Era um homem de seus quarenta e poucos anos, com a expressão agradável num rosto curtido, sentado sozinho.
- Obrigada. - Ela foi até a mesa. - Sr Bowler? Ele ergueu os olhos.
- Sim.
- Sou Dana Evans. Preciso de sua ajuda.
Ele sorriu.
- Você está com sorte. Temos um quarto disponível. Vou telefonar para Judy Dana olhou para ele, sem entender - Como disse?
- Não é você que queria saber sobre a Cozy Log, nossa pousada com quarto e café da manhã?
- Não. Eu queria conversar com você sobre Julie Winthrop.
- Oh. - Ele ficou sem graça. - Desculpe. Por favor, sente-se. Judy e eu temos uma pequena pousada fora da cidade.
Achei que estava procurando um quarto. Já almoçou?
- Não, eu…
- Então me faça companhia. -Tinha um sorriso simpático.
- Obrigada.
Depois que ela pediu a comida, Bruce Bowler perguntou:
- Que quer saber sobre Julie Winthrop?
- É sobre a morte dela. Há alguma chance de não ter sido um acidente?
Bruce Bowler franziu as sobrancelhas.
- Está perguntando se ela pode ter-se suicidado?
- Não. Estou perguntando se… se alguém poderia tê-la assassinado.
Ele piscou os olhos.
- Assassinado Julie? Nenhuma chance. Foi um acidente.
- Pode me contar o que aconteceu?
- Claro. - Bruce Bowler ficou pensativo por um momento, perguntando-se por onde começar - Temos três diferentes conjuntos de pistas aqui. As dos iniciantes, Muskeg, Dol’ Varden e Sourdough… As mais difíceis, Sluice Box, Mother Lod e Sundance… As realmente duras, Insane, Spruce Chute e HanTen… E depois as Quedas vertiginosas, que são mais abruptas - E Julie Winthrop esquiava nas…?
- Nas Quedas Vertiginosas.
- Então ela era uma esquiadora tarimbada?
- Claro que era - respondeu Bruce Bowler. Hesitou. Por isso é que foi tão surpreendente.
- O quê?
- Bem, temos esqui noturno todas as quintas-feiras das quatro da tarde às nove da noite. Tinha muitos esquiadores naquela noite. Todos estavam de volta às nove, com exceção de Julie. Fomos à sua procura. Encontramos o corpo atirado en cheio contra uma árvore. A pancada deve tê-la matado instantaneamente.
Dana fechou os olhos por um instante, sentindo o horror e a dor do choque.
- Então… ela estava sozinha quando aconteceu o acidente?
- É, estava. Os esquiadores em geral esquiam juntos, mas às vezes os melhores gostam de fazer façanhas arriscadas sozinhos. Temos um limite de área demarcado aqui, e todo mundo que esquia fora desse limite o faz por sua própria conta e risco Julie Winthrop esquiava fora desse limite, numa pista fechada Levamos muito tempo para encontrar seu corpo.
- Sr Bowler, qual o procedimento quando um esquiador desaparece?
- Assím que é dada a informação de que alguém desapareceu, começamos uma busca safada.
- Busca safada?
- Telefonamos aos amigos para saber se o esquiador está com eles.
Ligamos para alguns bares. É uma busca rápida e improvisada. Isso para poupar às nossas equipes de resgate o problema de fazer uma busca completa de algum bêbado sentado de porre num bar - E se alguém estiver realmente perdido? - perguntou Dana.
- Obtemos uma descrição física do esquiador desaparecido, de sua capacidade de esquiar, e do último lugar em que foi visto. Sempre perguntamos se eles levavam uma câmera.
- Por quê?
- Porque, quando eles as levam, as imagens nos dão uma pista para as áreas pitorescas para onde talvez tenham ido. Verificamos quais planos o esquiador poderia ter tido para o transporte de volta à cidade. Se não encontrarmos nada em nossa busca nas pistas, deduzimos que o esquiador desaparecido está fora do limite da área demarcada de esqui. Notificamos os soldados da Busca e Resgate do Estado do Alasca e eles põem um helicóptero no ar. Há quatro pessoas em cada grupo de busca, e a patrulha aérea civil também participa.
- Isso é muito potencial humano.
- Claro que é. Mas lembre-se… temos uns duzentos hectares de área de esqui aqui, e fazemos uma média de quarenta buscas por ano. A maioria é bem-sucedida. - Bruce Bowler olhou pela janela o frio céu de ardósia. - Eu gostaria que aquela também tivesse sido. - Voltou-se para Dana. - De qualquer modo. A patrulha de esqui faz uma busca diária depois que os teleféricos fecham.
- Soube que Julie Winthrop estava acostumada a esquiar no alto de Eaglecrest.
Ele fez que sim com a cabeça.
- É verdade. Mas mesmo assim não há garantia alguma Nuvens podem surgir, a pessoa às vezes fica desorientada, ou tem apenas falta de sorte.
- Como encontraram o corpo dela?
- SOS a encontrou.
- SOS?
- É o nosso cão especial. A patrulha de esqui trabalha com labradores e pastores pretos. Os cães são mesmo incríveis. Trabalham a favor do vento, captam o cheiro humano, sobem até a borda da zona do cheiro e fazem o gradeamento pra cima e pra baixo. Mandamos um bombardeiro para o local do acidente, e quando…
- Bombardeiro?
- Nossa máquina de limpar neve. Trouxemos de volta o corpo de Julie Winthrop numa liteira motorizada. A equipe da ambulância de três homens examinou-a com um monitor de eletrocardiograma, depois bateu fotos e chamou um legista.
Levaram o corpo para o Hospital Regional Bartlett.
- E ninguém sabe como aconteceu o acidente? Ele encolheu os ombros.
- Só sabemos que ela abalroou um gigantesco esprucE pouco amistoso. Eu vi. Não foi uma visão muito agradável.
Dana olhou um momento para Bruce Bowler - Seria possível eu ver o topo de Eaglecrest?
- Por que não? Vamos terminar o almoço, que eu mesmo a levo lá.
Foram de jipe até a sede de dois andares da vigilância, na basE da montanha.
Bruce Bowler disse a Dana:
- Este prédio é onde nos encontramos para fazer nossos planos de busca e resgate. Alugamos aqui equipamento de esqui e temos instrutores para quem quiser aulas. Vamos tomar esse teleférico até o topo da montanha.
Entraram na cadeira do teleférico Ptarmigan, que se dirigia para o topo de Eaglecrest. Dana tiritava de frio.
- Eu devia tê-la avisado. Para esse tipo de temperatura, você precisa de roupa de propilene, malhas longas coladas ao corpo e tem de se vestir em camadas.
Dana tremeu.
- Vou me lembrar da próxima vez.
- Foi nessa cadeira que Julie Winthrop subiu. Ela levava a mochila de emergência nas costas.
- Mochila de emergência?
- É. Contém uma pá de avalanche, um sinalizador que transmite sinais até cinqüenta metros e um bastão de sondagem. - Deu um suspiro. - Claro, isso não ajuda nada quando a gente bate numa árvore.
Aproximavam-se do cume. Ao chegarem à plataforma e descerem cautelosos da cadeira teleférica, um homem no topo saudou-os.
- Que o traz aqui, Bruce? Alguém perdido?
- Não. Só estou mostrando as paisagens a uma amiga. Esta é a Srta. Evans.
Trocaram cumprimentos. Dana olhou em volta. Havia uma cabana aconchegante quase perdida nas pesadas nuvens. Teria Julie Winthrop ido lá antes de esquiar? E será gue alguém a tinha seguido? Alguém que planejava matá-la? Bruce Bowler virou-se para Dana.
- Este é o ponto mais alto da montanha. Daqui é só morro abaixo.
Dana virou-se e olhou para o implacável solo distante, muito distante, e estremeceu.
- Você parece estar congelando, Srta. Evans. É melhor eu levá-la para baixo.
- Obrigada.
Dana acabara de chegar à Pousada do Cais do Porto, quando ouviu uma batida na porta de seu quarto. Abriu-a. Era um homem de rosto pálido.
- Srta. Evans?
- Sim.
- Oi. Meu nome é Nicholas Verdun. Sou do jornal Juneau Empire.
- Sim…?
- Soube que está investigando a morte de Julie Winthrop.
Gostaríamos de fazer uma matéria sobre isso.
Um alarme soou na mente de Dana.
- Receio que esteja enganado. Não estou fazendo nenhuma investigação.
O homem olhou para ela, cético.
- Mas me disseram…
- Estamos fazendo um programa sobre esqui em todo o mundo. Esta é apenas uma parada.
Ele ficou ali por um momento.
- Entendo. Desculpe por tê·la incomodado.
Dana ficou observando-o se afastar. Como soube o que estou Telefonou logo para o Juneau Empire.
- Alô. Queria falar com um dos seus repórteres, Nicholas Verdun… - Ouviu por um momento. - Não tem ninguém com esse nome? Entendo. Obrigada.
Levou dez minutos para arrumar a mala. Preciso sair daqui e encontrar outro lugar para ficar. De repente, lembrou-se. Não era você que queria saber sobre a Cosy Log, nossa pousada com quarto e café da manhã? Está com sorte. Temos um quarto disponível. Desceu para o saguão e fechou a conta. O funcionário deulhe as direções da pousada e desenhou um pequeno mapa.
No porão do prédio governamental, o homem olhando para o mapa digital no computador disse:
- O alvo está deixando a área do centro, rumando para oeste…
A Pousada Cozy Log - Cama e Café da Manhã - era uma bem-cuidada casa alasquiana de um andar, de toras de madeira, a meia hora de carro de Juneau. Perfeito. Dana tocou a campainha da porta da frente e uma mulher alegre, atraente, de seus trinta e poucos anos, abriu-a.
- Olá. Posso ajudá-la?
- Sim. Conheci seu marido e ele disse que vocês tinham um quarto desocupado.
- De fato, temos, sim. Sou Judy Bowler.
- Dana Evans.
- Entre.
Dana entrou e olhou em volta. A pousada consistia numa sala de estar grande, confortável, com uma lareira de pedra, uma sala de jantar onde comiam os pensionistas e dois quartos com banheiros.
- Eu é que faço toda a comida aqui - disse Judy Bowler.
- É muito gostosa.
Dana sorriu, afetuosa.
- Estou louca para provar Judy Bowler levou-a para o quarto. Era limpo e com aparência caseira.
Dana desfez a mala.
Havia um casal hospedado ali, e a conversa foi informal.
Nenhum deles reconheceu Dana.
Depois do almoço, ela pegou o carro e voltou para o centro da cidade.
Entrou no bar da Cliff House e pediu um drinque. Todos os empregados tinham a pele bronzeada e o ar saudável.
Claro. - belo clima - disse ela ao barman jovem e louro.
- É. Um tempo fantástico para a gente esquiar - Você esquia muito?
Ele sorriu.
- Sempre que posso tirar uma folga.
- Perigoso demais para mim - suspirou Dana. - Uma amiga minha morreu alguns meses atrás.
Ele pôs no tampo do bar o copo que estava polindo.
- Morreu?
- Sim. Julie Winthrop.
A expressão dele obscureceu.
- Ela vinha sempre aqui. Moça simpática.
Dana curvou-se à frente.
- Eu soube que não foi um acidente.
Ele arregalou os olhos.
- Que quer dizer com isso?
- Soube que ela foi assassinada.
- Assassinada! - exclamou ele, incrédulo. - Impossível. Foi um acidente.
Vinte minutos depois, Dana conversava com o barman do Hotel Prospector - Que tempo maravilhoso.
- É. Um ótimo tempo para esquiar - disse o barman.
- Perigoso demais para mim - suspirou Dana. - Uma amiga minha morreu esquiando alguns meses atrás. Talvez você a conhecesse. Julie Winthrop.
- Oh, claro. Eu gostava muito dela. Quer dizer, não era metida a besta como algumas pessoas. Era muito simples.
Dana curvou-se para a frente.
- Eu soube que a morte dela não foi um acidente.
A expressão do barman mudou. Ele baixou a voz.
- Sei muito bem que não foi acidente nenhum.
O coração de Dana acelerou-se.
- Sabe?
- Pode apostar - Ele curvou-se, com um ar conspirador - Aqueles malditos marcianos…
Ela estava de esquis no alto da montanha Ptarmigan e sentia o vento frio fustigando. Olhou o vale embaixo, tentando decidir por onde retornar, quando de repente sentiu um empurrão de trás e pôs-se a despencar cada vez mais rápido pela encosta, em direção a uma enorme árvore. Pouco antes de atingir a árvore, acordou, aos gritos.
Dana sentou-se na cama, tremendo. Foi isso que aconteceu com Julie Winthrop? Quem a empurrou para a morte? Elliot Cromwell estava impaciente.
- Diabos, Matt, quando é que Jeff Connors vai voltar? Precisamos dele.
- Logo. Ele dá sempre notícias.
- E onde está Dana?
- Está no Alasca, Elliot. Por quê?
- Eu gostaria de vê-la de volta aqui. Os índices de audiência dos nossos noticiários da noite caíram.
Matt Baker olhou para ele, perguntando-se se aquele era o verdadeiro motivo da preocupação de Elliot Cromwell.
Pela manhã, Dana vestiu-se e voltou de carro ao centro da cidade.
No aeroporto, à espera de ser chamada para seu vôo, reparou num homem sentado a um canto, lançando-lhe olhares de vez em quando. Pareceu-lhe estranhamente conhecido. Usava um terno cinza-escuro, e lembrava alguém. Um homem diferente do que tinha visto no aeroporto de Aspen.
Também d terno cinza-escuro. Mas não foram as roupas que despertaram sua lembrança. Era alguma coisa na aparência dos dois. Ambos tinham uma desagradável aura de arrogância. Ele lançava-lhe um olhar beirando o desprezo que lhe provocava calafrios.
Após Dana embarcar, o homem falou num telefone celular e saiu do aeroporto.
Quando chegou em casa, Dana encontrou uma linda árvore de Natal que a Sra. Daley tinha comprado e decorado.
- Veja esse enfeite -disse a Sra. Daley, orgulhosa. - Foi Kemal quem fez sozinho.
O inquilino do apartamento vizinho assistia à cena no seu aparelho de televisão.
Dana beijou a face da senhora.
- Adoro você, Sra. Daley
Ela enrubesceu.
- Oh, quanto estardalhaço por uma coisa tão pequena.
- Onde está Kemal?
- No quarto. Tem dois recados para você, Srta. Evans. Telefonar para a Sra.
Hudson. Pus o número na sua cômoda. E sua mãe ligou.
- Obrigada.
Quando Dana entrou no quarto de Kemal, encontrou-o no Computador.
Ergueu os olhos para ela.
- Ei, que bom que está de volta!
- É, estou de volta - disse Dana.
- Legal. Eu estava torcendo para que chegasse antes do Natal.
Dana abraçou-o.
- Claro que eu ia chegar. Não o perderia por nada neste mundo. Como anda se virando aqui sozinho?
- Jóia.
Que bom.
- Você gosta da Sra. Daley?
Ele fez que sim com a cabeça.
- Ela é maneira.
Dana sorriu.
- Eu sei. Tenho que dar uns telefonemas. Volto já.
Primeiro as más notícias, pensou Dana. Ligou para o número da mãe. Não falava com ela desde o incidente em Westpot.
Como pôde se casar com um homem daqueles? Dana ouviu o telefone tocar várias vezes, depois veio a voz gravada da mãe.
- Não estamos em casa no momento, mas se deixar um recado ligaremos logo de volta. Aguarde o sinal.
Dana aguardou.
- Feliz Natal, mãe. - E desligou.
O telefonema seguinte foi para Pamela.
- Dana, que bom que está de volta - exclamou Pamela Hudson. - Vimos no noticiário que Jeff está de licença de viagem, mas Roger e eu vamos receber algumas pessoas amanhã para um jantar de Natal, e queremos que você e Kemal venham.
Por favor, não me diga que tem outros planos.
- Não. Na verdade, não tenho. E adoraríamos ir: Obrigada, Pamela.
- Maravilha. A gente espera vocês às cinco horas. Informou. - Fez uma pausa. - Como vão as coisas por aí?
- Não sei - disse Dana, com franqueza. - Não sei nen se estão indo a algum lugar: - bem, esqueça tudo por ora. Descanse um pouco. A gente se vê amanhã.
Quando Dana e Kemal chegaram ã casa dos Hudsons no dia de Natal, foram recebidos na porta por Cesar. Seu rosto iluminou-se ao ver Dana.
- Srta. Evans! Que prazer em vê-la. - Sorriu para Kemal.
- E Mestre Kemal.
- Oi, Cesar - disse Kemal.
Dana entregou-lhe um pacote com um lindo embrulho colorido.
- Feliz Natal, Cesar - Não sei o que… - Ele gaguejava. - Eu não… a senhorita é muito bondosa, Srta. Evans!
O amável gigante, como o julgava Dana, corava. Dana entregou-lhe mais dois pacotes.
- Estes são para o Sr. E a Sra. Hudson.
- Sim, Srta. Evans. Vou pôr debaixo da árvore de Natal.
O Sr e a Sra. Hudson estão na sala de visitas. - Ele acompanhou os dois até lá.
- Vocês chegaram! Estamos tão felizes por terem vindo - disse Pamela.
- Nós também - garantiu-Lhe Dana.
Pamela olhava para o braço direito de Kemal.
- Dana, Kemal tem um… que maravilha! Dana abriu um largo sorriso.
- Mas não é? Cortesia do meu patrão. Ele é um grande camarada. Acho que isso mudou toda a vida de Kemal.
- Não sei como lhe dizer o quanto me sinto feliz.
Roger cumprimentou-a com um aceno de cabeça.
- Parabéns, Kemal.
- Obrigado, Sr Hudson.
Roger Hudson disse a Dana:
- Antes que os outros convidados cheguem, há uma coisa que eu gostaria de mencionar. Lembra-se de eu ter dito que Taylor Winthrop confidenciou a amigos sua retirada da vida pública e depois tornou-se embaixador na Rússia?
- Sim. Suponho que o presidente o pressionou a…
- Foi o que eu pensei. Mas parece que foi Winthrop que pressionou o presidente para nomeá-lo embaixador. A pergunta é: por quê? Os outros convidados começáram a chegar. Eram apenas doze pessoas ao jantar, e a noite foi calorosa e festiva.
Após a sobremesa, todos foram para a sala de visitas. Diante da lareira, viase uma imensa árvore de Natal. Havia presentes para todo mundo, mas Kemal ficou com a parte do leão. Jogos de computador, patins, skate, suéteres, luvas e videoteipes.
O tempo passou rapidamente. A alegría de estar ali, após a tensão dos últimos dias, era imensa. Só queria que Jeff também estivesse aqui.
Sentada àmesa do áncora, Dana Evans esperava bater onzE horas para o noticiário começar. A seu lado estavam o oâncora, Richard Melton, e Maury Falstein, na cadeira em geral ocupada por Jeff. Dana tentava não pensar nisso.
Richard Melton dizia a Dana:
- Senti sua falta quando viajou.
Dana sorriu.
- Obrigada, Richard. Também senti sua falta.
- Ficou fora bastante tempo. Está tudo bem?
- Tudo ótimo.
- Vamos comer alguma coisa juntos, depois do jornal.
- Tenho primeiro de ver se está tudo bem com Kemal.
- A gente pode se encontrar em algum lugar.
Precisamos nos encontrar em algum lugar. Acho que estou sendo vigiada.
Na seção de aves do Zoológico.
Melton continuou:
- Disseram que você está pesquisando para fazer uma grande matéria. Quer falar disso?
- Não há nada de que falar ainda, Richard.
- Andam dizendo por aí que Cromwell não estava gostando do fato de você ficar tanto tempo fora. Espero que não se meta em apuros com ele.
Quero dar um conselho a você. Não continue procurando problemas, porque vai acabar encontrando. É uma promessa.
Dana achava difícil concentrar-se no que Richard Melton dizia.
Bill Kelly desapareceu no mesmo dia depois do incêndio. Nem sequer pegou o contracheque, simplesmente foi embora.
Richard Melton continuava falando.
- Deus é testemunha, não quero trabalhar com outro âncora.
Houve uma testemunha americana do acidente, Ralph Benjamin. Um cego.
- Cinco… quatro… três… dois… - Anastasia Mann apontou o dedo para Dana. A luz vermelha da câmera lampejou.
A voz do locutor do programa retumbou.
- Este é o jornal das onze horas na WTN com Dana Evans e Richard Melton.
Dana sorriu para a câmera.
- Boa noite. Dana Evans.
- Boa noite. Richard Melton.
Estavam de volta no ar - Hoje em Arlington três estudantes do Ginásio Wilson foram presos depois que a polícia vasculhou seus escaninhos, encontrando duzentos gramas de maconha e várias armas, entre elas uma pistola roubada. Holly Rapp tem mais informações para vocês de Arlington.
De volta à fita.
Não temos muitos ladrões de obras de arte, e o método de operar é sempre o mesmo. Esse é dferente.
Terminada a transmissão, Richard Melton olhou para Dana.
- A gente se encontra mais tarde?
- Esta noite, não, Richard. Preciso fazer uma coisa.
Ele levantou-se.
- Tudo bem. - Dana teve a sensação de que ele ia perguntar-lhe sobre Jef£ Mas Richard disse apenas: - Te vejo amanhã.
Dana levantou-se.
- Boa noite, todo mundo.
Dana saiu do estúdio e foi para seu escrítório. Sentou-se, ligou o computador, acessou a Internet e recomeçou a busca pela miríade de artigos sobre Taylor Winthrop. Num dos websites de Taylor Winthrop, bateu os olhos num trecho sobre Marcel Falcon, uma autoridade do governo francês, que fora embaixador da OTAN. O artigo dizia que Marcel Falcon negociava um acordo comercial com Taylor Winthrop. No meio das negociações, Falcon abandonara o posto e aposentara-se. No meio de uma negociação governamental? Que poderia ter acontecido? Dana tentou outros websites, porém não encontrou mais nenhuma informação sobre Marcel Falcon. Muito estranho. Tenho de examinar isso, decidiu Dana.
Era meia-noite quando terminou a pesquisa. Cedo demais para telefonar para a Europa. Voltou então para o apartamento. A Sra. Daley esperava por ela.
- Desculpe ter chegado tão tarde - disse Dana. - Eu…
- Nenhum problema. Vi sua transmissão desta noite.
Achei maravilhosa, como sempre, Srta. Evans.
- Obrigada.
A Sra. Daley suspirou.
- Eu só gostaria que as notícias não fossem tão escabrosas. Em que tipo de mundo estamos vivendo?
- É uma boa pergunta. Como está Kemal?
- O pestinha está ótimo. Deixei ele ganhar de mim nas cartas.
Dana sorriu.
- Bom. Obrigada, Sra. Daley. Se quiser chegar mais tarde amanhã…
- Não, não. Chegarei aqui cedo para despachar vocês para a escola e o trabalho.
Dana esperou na porta a Sra. Daley sair. Uma pedra preciosa, pensou, agradecida. O telefone celular tocou. Ela correu para atendê-lo.
- Jeff?
- Feliz Natal, minha adorada. -A voz dele inundou-Lhe o corpo, da cabeça aos pés. - Estou ligando muito tarde?
- Nunca é tarde demais. Fale-me de Rachel.
- Já voltou para casa.
Jeff quer dizer que Rachel voltou para a casa dela.
- Tem uma enfermeira aqui, mas Rachel só vai deixá-la ficar até amanhã.
Dana detestava perguntar - E depois?
- Os resultados do exame indicam que o câncer se espalhou. Rachel não quer que eu vá embora ainda.
- Entendo. Não quero parecer egoísta, mas não há mais alguém aí que…
- Ela não tem ninguém, querida. Está sozinha e em pânico. Não quer mais ninguém aqui. Francamente, não sei o que Rachel faria se eu fosse embora.
E eu não sei o que vou fazer se você ficar.
- Eles querem começar a quimioterapia imediatamente.
- Quanto tempo vai levar?
- Ela vai precisar de um tratamento a cada três semanas durante quatro meses.
Quatro meses.
- Matt me pediu que eu tirasse uma licença sem vencimento. Lamento muito tudo isso, meu bem.
Que queria dizer com aquilo? Lamenta pelo emprego? Lamenta por Rachel? Ou lamenta por nossas vidas estarem se afastando?
- Como posso ser tão egoísta?, perguntou-se Dana. A mulher talvez esteja morrendo.
- Eu também lamento muito - acabou dizendo Dana.
- Espero que tudo acabe bem. - Acabe bem para quem? Para Rachel e Jeff?
Para Jeff e eu?
Quando Jeff desligou o telefone, ergueu os olhos e viu Rachel parada ao lado dele. Usava camisola e robe longos. Estava linda, com uma luz quase translúcida.
- Era Dana?
- Sim - disse Jeff.
Rachel aproximou-se dele.
- Pobre querido. Sei como toda essa história está machucando vocês dois.
Eu… Eu simplesmente não poderia ter passado por tudo isso sem sua ajuda.
Eu precisava de você, Jeff. Preciso de você agora.
Dana chegou ao seu escritório na manhã seguinte e acessou mais uma vez a Internet. Dois textos atraíram-lhe a atenção. Separados eram inócuos, mas juntos sugeriam um mistério.
O primeiro dizia: “Vincent Mancino, ministro do Comércio italiano, renunciou inesperadamente durante as negociações do acordo comercial com Taylor Winthrop, representante dos Estados Unidos. O assistente de Mancino, Ivo Vale, assumiu a pasta.”
O segundo texto dizia: “Taylor Winthrop, conselheiro especial da OTAN em Bruxelas, pediu para ser substituído e voltou para casa em Washington.”
Marcel Falcon havia renunciado, Vicent Mancino havia renunciado, Taylor Winthrop caíra fora inesperadamente. Estariam em conluio? Coincidência?
Interessante.
O primeiro telefonema de Dana foi para Dominick Romano, que trabalhava na Rede Itália-1, em Roma.
- Dana! Que bom ouvir sua voz. Que aconteceu?
- Estou indo para Roma e gostaria de conversar com você.
- Va bene! Sobre o quê?
Dana hesitou.
- Prefiro discutir o assunto quando chegar aí.
- Quando você vem?
- Chegarei aí no sábado.
- Vou lhe oferecer uma pasta suculenta.
O telefonema seguinte foi para Jean Somville, que trabalhava em Bruxelas na sede geral da OTAN, na rue des Chapeliers.
- Jean? Dana Evans.
- Dana! Não a vejo desde Sarajevo. Que tempos aqueles, hem? Nunca mais vai voltar lá?
Ela fez uma careta.
- Se eu puder evitar, não.
- Que posso fazer por você, chérie?
- Vou a Bruxelas nos próximos dias. Vai estar aí?
- Por você? Sem dúvida. Alguma coisa especial acontecendo?
- Não - disse Dana, rápido.
- Certo. Vai só fazer um passeio turístico, hem? - Havia um tom de ceticismo em sua voz.
- Pode-se dizer que é mais oü menos isso - disse Dana.
Ele riu.
- Espero você, ansioso. Au revoir.
- Au revoir.
- Matt Baker quer falar com você.
- Diga a ele que já vou, Olivia.
Mais dois telefonemas e Dana seguiu para o escritório de Matt.
Ele disse, sem preâmbulos:
- Talvez tenhamos sorte com alguma coisa. Eu soube ontem à noite de uma coisa que poderia ser uma pista para o que estamos procurando.
Dana sentiu o coração disparar - É?
- Tem um homem chamado… - ele consultou um pedaço de papel na escrivaninha. -… Dieter Zander, em Düsseldorf.
Esteve envolvido em algum tipo de negócio com Taylor Winthrop.
Dana ouvia atentamente.
- Não sei de toda a história, mas parece que alguma coisa muito ruim aconteceu entre eles. Tiveram um violento desentendimento e Zander jurou que ia matar Winthrop. Acho que talvez valha a pena você verificar - Sem dúvida que vale. Vou pesquisar agora mesmo, Matt.
Conversaram mais alguns minutos e Dana foi embora.
Aonde será que posso encontrar mais sobre isso? De repente, lembrou-se de Jack Stone e da Agência Federal de Pesquisa, FRA. Ele deve saber alguma coisa. Ela achou o número particular que ele lhe dera e telefonou.
A voz dele surgiu na linha.
- Jack Stone.
- Aqui fala Dana Evans.
- Alô, Srta. Evans. Que posso fazer por você?
- Estou tentando descobrir alguma coisa sobre um homem chamado Zander, em Düsseldorf.
- Dieter Zander?
- Sim. Conhece ele?
- Nós sabemos quem é.
Dana registrou o nós.
- Pode me dizer alguma coisa sobre ele?
- Isso tem relação com Taylor Winthrop?
- Sim.
- Taylor Winthrop e Dieter Zander eram sócios numa empresa comercial.
Zander foi mandado para a prisão por manipular algumas ações no mercado e, enquanto estava preso, atearam fogo em sua casa, matando a mulher e os três filhos. Ele culpa Taylor Winthrop pelo que aconteceu.
E Taylor Winthrop e a mulher morreram num incêndio. Dana ouvia, chocada.
- Zander continua na prisão?
- Não. Acho que saiu ano passado. Mais alguma coisa?
- Não. Muito, muito obrigada mesmo.
- Isso fica só entre nós.
- Entendo.
A linha caiu.
Agora, há três possibilidades, pensou Dana.
Dieter Zander em Düsseldorf.
Vincent Mancino em Roma.
Marcel Falcon em Bruxelas.
Vou primeiro a Düsseldorf.
- A Sra. Hudson na linha três, Dana - disse Olivia.
- Obrigada. - Dana pegou o telefone. - Pamela?
- Alô, Dana. Sei que é meio em cima da hora, mas um bom amigo nosso acabou de chegar à cidade e Roger e eu vamos lhe oferecer uma festinha na quarta-feira que vem. Sei que Jeff continua fora da cidade, mas adoraríamos que você viesse.
Está livre?
- Receio que não, Pamela. Estou de partida amanhã para Düsseldorf.
- Oh. Que pena.
- E, Pamela…
- Sim?
- Jeff talvez fique fora por algum tempo.
Houve um silêncio.
- Espero que esteja tudo bem.
- Sim. Tenho certeza que vai ficar - Tinha de ficar.
Na noite seguinte, no Aeroporto Dulles, Dana embarcou num jato da Lufthansa para Düsseldorf. Havia telefonado para Steffan Mueller, que trabalhava na Kabel Network, para dizer-lhe que estava a caminho. Tinha a mente cheia do que Matt Baker lhe dissera. Se Dieter Zander culpou Taylor Winthrop por…
- Guten Abend. Ich heisse Herman Friedrich. Ist es das ersten mal das sie Deutschland besuchen?…
Dana virou-se para olhar seu parceiro na poltrona ao lado.
Elegante, de seus cinqüenta e poucos anos, tinha um tapa-olho e um basto bigode.
- Boa noite - disse Dana.
- Ah, você é americana?
- Sou.
- Muitos americanos vão a Düsseldorf. É uma linda cidade.
- Foi o que me disseram. - E sua família morrera num incêndio.
- É sua primeira visita?
- É. - Teria sido uma coincidência?
- É linda, linda. Düsseldorf é dividida pelo rio Renc você sabe, em duas partes. A mais antiga fica na margen direita…
Stef fan Mueller pode me dizer mais sobre Dieter Zander. -…e a parte moderna fica na margem esquerda. Cinco pontes ligam os dois lados. - Herman Friedrich chegou mais para perto de Dana. - Vai visitar amigos, talvez, em Düsseldorf? “ As coisas estão começando a encaixar se.
Friedrich curvou-se mais para perto.
- Se estiver sozinha, conheço um…
- Como? Oh. Não, vou me encontrar com meu marido lá O sorriso de Herman Friedrich desapareceu do rosto.
- Gut. Er ist ein glücklicher Mann.
Havia uma fileira de táxis diante do Aeroporto Internacional de Düsseldorf.
Dana pegou um para o Breidenbacher Hof, no centro da cidade. Era um elegante hotel antigo, com um saguão luxuosamente decorado.
O recepcionista atrás do balcão disse:
- Estávamos esperando-a, Srta. Evans. Bem-vinda a Düsseldorf.
- Obrigada. - Dana assinou o registro.
O funcionário pegou o telefone e disse algumas palavras:
- Der Raum sollte betriebsbereit sein. Hast. - Repôs o receptor e virou-se para Dana. - Desculpe, Frãulein, seu quarto ainda não está todo pronto. Por favor, coma alguma coisa por nossa conta. Eu a chamarei assim que a camareira acabar de limpá-lo.
Dana fez que sim com a cabeça.
- Tudo bem.
- Deixe-me lhe mostrar o salão de jantar No quarto de Dana acima, dois especialistas em eletrônica punham uma câmera no relógio da parede.
Meia hora depois, Dana estava no quarto, desfazendo a mala.
Seu primeiro telefonema foi para a Kabel Network.
- Cheguei, Steffan - disse Dana.
- Dana! Não acreditei que você viesse mesmo. Que vai fazer no jantar?
- Espero jantar com você.
- E vai. Vamos ao Im Schiffchen. Oito horas?
- Perfeito.
Já vestida, Dana ia cruzar a porta quando o celular tocou. Apressou-se a tirá-lo da bolsa.
- Alô?
- Alô, querida. Como vai você?
- Estou ótima, Jeff:
- E onde está?
- Na Alemanha. Düsseldorf. Acho que finalmente estou chegando a alguma coisa.
- Dana, tenha cuidado. Deus, queria estar com você.
Eu também, pensou Dana.
- E Rachel, como vai?
- Os tratamentos de quimioterapia estão acabando com ela. São muito violentos.
- Ela vai ficar..? - Não conseguiu terminar a frase.
- Ainda é cedo demais para saber. Se a quimioterapia for eficaz, ela tem uma boa chance de conter o câncer - Jeff, por favor, diga a ela o quanto eu sinto.
- Direi. Posso fazer alguma coisa por você?
- Obrigada, estou bem.
- Eu telefono amanhã. Só queria lhe dizer que te amo, doçura.
- Eu amo você, Jeff. Até logo.
- Até logo.
Rachel saiu do banheiro. Com um robe, chinelos e uma toalha enrolada à maneira turca na cabeça.
- Como vai Dana?..
- Muito bem, Rachel. Pediu para lhe dizer que sente por você.
- Ela está muito apaixonada por você.
- Eu estou muito apaixonado por ela.
Rachel aproximou-se dele.
- Você e eu já fomos apaixonados um pelo outro, não fomos, Jeff? Que aconteceu?
Ele encolheu os ombros.
- A vida. Ou, eu deveria dizer, vidas. Levávamos vidas separadas.
- Eu vivia ocupada demais com a carreira de modelo. Tentava conter as lágrimas. - Bem, mas não voltarei a ficar, não é?
Ele passou os braços pelos ombros dela.
- Rachel, você vai ficar bem. A quimioterapia vai funcionar.
- Eu sei. Querido, obrigada por ficar comigo aqui. Não sei o que faria sem você.
Jeff não soube o que responder O Im Schiffchen era um restaurante elegante numa parte badalada de Düsseldorf. Steffan Mueller entrou e abriu um largo sorriso ao ver Dana.
- Dana! Mein Gott. Não a vejo desde Sarajevo.
- Parece uma eternidade, não é?
- Que está fazendo aqui? Veio para o festival?
- Não. Alguém me pediu para procurar um amigo dele, Steffan. - Um garçom aproximou-se da mesa e eles pediram drinques.
- Quem é o amigo?
- O nome dele é Dieter Zander. Já ouviu falar? Steffan Mueller assentiu com a cabeça.
- Todo mundo já ouviu falar nele. Virou uma personalidade pública. Esteve envolvido num grande escândalo. É bilionário, mas foi estúpido demais para tentar passar a perna em alguns acionistas e ser apanhado. Devia ter pegado vinte anos, mas mexeu alguns pauzinhos e o deixaram sair em três.
Afirma que é inocente.
Dana examinava-o.
- E é?
- Quem pode saber? No julgamento, Zander disse que Taylor Winthrop armou pra cima dele e roubou milhões de dólares. Foi um julgamento interessante. Segundo Dieter Zander, Taylor Winthrop ofereceu-lhe uma sociedade numa mina de zinco, que supostamente valia milhões de dólares.
Winthrop usou Zander como testa-de-ferro e Zander vendeu milhões de dólares de ações. Mas se acabou sabendo que a mina era salgada.
- Salgada?
- Não tinha zinco. Winthrop ficou com o dinheiro e Zander assumiu a culpa e pegou a cana.
- O júri não acreditou na história de Zander?
- Se tivesse acusado qualquer outro que não Taylor Winthrop, talvez acreditassem nele. Mas Winthrop é uma espécie de semideus. - Steffan olhou para Dana, curioso. - Qual o seu interesse nisso?
Ela disse, esquiva.
- Como falei, um amigo me pediu que procurasse Zander. Era hora de pedir o jantar.
A comida estava deliciosa. Quando terminou, Dana disse:
- Vou me odiar de manhã. Mas valeu cada mordida.
Ao deixá-la no hotel mais tarde, Steffan perguntou:
- Sabia que o ursinho de pelúcia foi inventado aqui por uma mulher chamada Margarete Steif? O animalzinho fofo se tornou popular em todo o mundo.
Dana ouvia, imaginando aonde aquilo ia levar.
- Aqui na Alemanha, Dana, temos ursos de verdade, e eles são perigosos.
Quando se encontrar com Dieter Zander, tenha cuidado. Ele parece um ursinho de pelúcia, mas não é. É um urso de verdade.
A Eletrônica Internacional Zander ocupava um enorme prédio nos arredores industriais de Düsseldorf. Dana abordou uma das três recepcionistas no movimentado saguão.
- Quero ver o Sr. Zander.
- Tem hora marcada?
- Sim. Sou Dana Evans.
- Gerade ein Moment, bitte. - A recepcionista falou ao telefone, depois ergueu os olhos para Dana. - Frãulein, quando marcou a hora?
- Vários dias atrás - mentiu Dana.
- Es tut núr leid. A secretária dele não tem registro algum disso. - Tornou a falar ao telefone e pôs o receptor no lugar - Não é possível ver o Sr. Zander sem hora marcada.
A recepcionista virou-se para um mensageiro diante do balcão. Um grupo de funcionários aproximava-se da porta. Dana afastou-se do balcão e juntou-se a eles, infiltrando-se no centro. Entraram no elevador.
Quando começou a subir, Dana exclamou:
- Oh, meu Deus. Esqueci qual o andar do Sr. Zander.
- Vier - disse uma das mulheres.
- Danke - agradeceu Dana. Saltou no quarto andar e aproximou-se de uma escrivaninha com uma moça atrás.
- Vim ver Dieter Zander. Sou Dana Evans. A mulher franziu as sobrancelhas.
- Mas não tem hora marcada, Frãulein. Dana curvou-se à frente e disse, em voz baixa:
- Diga ao Sr. Zander que vou fazer um programa nacional de televisão nos Estados Unidos sobre ele e sua família se me receber, e que seria do interesse dele falar comigo agora.
A secretária examinava-a, confusa.
- Só um momento. Bitte. - Dana viu-a levantar-se, abrir uma porta assinalada PRIVAT e entrar.
Dana olhou o escritório da recepção em volta. Penduradas nas paredes, fotografias emolduradas das fábricas da Eletrônica Zander em todo o mundo. A empresa tinha sucursais nos Estados Unidos, França, Itália…
Países onde haviam ocorrido os assassinatos dos Winthrops.
A secretária retornou um instante depois.
- O Sr. Zander vai recebê-la - disse ela, com um tom desaprovador. - Mas ele só tem alguns minutos. Isso é muito… muito fora do comum.
- Obrigada - disse Dana.
A secretária levou-a a um grande escritório revestido de lambris de madeira.
- Esta é Fräulein Evans.
Dieter Zander estava sentado atrás de uma enorme escrivaninha. Um homem de seus sessenta anos, grandalhão, com um rosto astucioso e olhos castanho-claros. Dana lembrou-se da história de Steffan sobre o ursinho de pelúcia.
Ele olhou para Dana e disse:
- Estou reconhecendo-a. Foí a correspondente em Sarajevo.
- Sim.
- Não compreendo o que quer comigo. Falou da minha família com a secretária.
- Posso me sentar?
- Bitte.
- Eu quería conversar com o senhor sobre Taylor Winthrop.
A expressão de Zander anuviou-se.
- Que tem ele?
- Estou fazendo uma investigação, Sr Zander. Acho que Taylor Winthrop e sua família foram assassinados.
Os olhos de Díeter Zander ficaram gélidos.
- Acho melhor sair agora, Früulein.
- O senhor foi sócio dele numa empresa - disse Dana. - e…
- Saía!
- Herr Zander, sugiro que seria melhor discutir isso comigo em particular do que o senhor e seus amigos tomarem conhecimento pela televisão.
Quero ser imparcial. Quero ouvir o seu lado da história.
Dieter Zander ficou calado por um longo tempo. Quando falou, havia um profundo ressentimento em sua voz.
- Taylor Winthrop era scheisse. Oh, inteligente, muito inteligente. Armou uma cilada para mim. E enquanto eu estava na prisão, Fráulein, mínha mulher e filhos morreram. Se estivesse em casa… eu poderia tê-los salvado.
- A voz saiu cheia de dor - Era verdade que eu odiava aquele homem. Mas assassinar Taylor Winthrop? Não. - Deu seu sorriso de ursinho de pelúcia.
- Auf wiedersehen, Srta. Evans.
Dana telefonou para Matt Baker - Matt, estou em Düsseldorf. Você tinha razão. Talvez eu tenha acertado na mosca. Dieter Zander esteve envolvido num acordo empresarial com Taylor Winthrop. Ele afirma que Winthrop o incriminou falsamente e mandou-o para a prisão. A mulher e os filhos de Zander morreram num incêndio enquanto ele estava atrás das grades.
Houve um silêncio de choque.
- Morreram num incêndio?
- Isso mesmo - disse Dana.
- Da mesma maneira como morreram Taylor e Madeline.
- Sim. Você devia ter visto o olhar de Zander quando falei de assassinato.
- Tudo se encaixa, não é? Zander tinha um motivo para acabar com toda a família Winthrop. Você teve razão o tempo todo sobre os assassinatos. Mal dá… mal dá para acreditar nisso.
- Parece bom, Matt, mas ainda não temos provas. Tenho mais duas paradas a fazer. Parto para Roma amanhã. Voltarei daqui a um ou dois dias.
- Cuide bem de você.
- Combinado.
Na sede geral da FRA, três homens viam Dana numa tela de televisão embutida na parede, falando ao telefone em seu espaçoso quarto de hotel.
- Tenho mais duas paradas a fazer. Parto para Roma amanhã. Voltarei daqui a um ou dois dias.
Os homens viram Dana desligar o telefone, levantar-se e entrar no banheiro. A cena na tela mudou para uma câmera inserida no olho mágico do pequeno armário de remédios do banheiro. Dana começou a despir-se.
Tirou a blusa e o sutiâ.
- Cara, olhe só aquelas tetas!
- Espetaculares.
- Espere. Ela está tirando a saia e a calcinha.
- Pessoal, olha aquele rabo! Quero um pedaço dele.
Viram Dana entrar no chuveiro e fechar a porta do boxe. A porta começou a ficar embaçada.
Um dos homens deu um suspiro.
- Só isso, por ora. Filmada às onze da noite.
Os tratamentos de quimioterapia eram um inferno. Adriamycin e Taxotere por via intravenosa, injetadas junto com soro que saía de um pequeno frasco, e o processo levava quatro horas.
O Dr Young disse a Jeff - São momentos muito difíceis para ela. Vai se sentir nauseada e esgotada, além de sofrer perda de cabelos. Para uma mulher, esse às vezes é o efeito colateral mais devastador de todos.
- Certo.
E na tarde seguinte, Jeff disse a Rachel:
- Vista-se. Vamos dar um passeio.
- Jeff, realmente não me sinto em condições de…
- Sem discussão.
Meia hora depois, os dois chegavam a uma loja de perucas, e Rachel experimentava vários modelos, sorria e dizia a Jeff - São lindas. Prefere esta longa ou a curta?
- Gosto das duas - disse Jeff. - E quando se encher dessas, volte e troqueas por uma castanha ou ruiva. - Sua voz suavizou-se. - Pessoalmente, gosto do jeito como você é.
Os olhos de Rachel encheram-se de lágrimas.
- E eu gosto do jeito como você é.
DezESSETE Cada cidade tem seu próprio ritmo, e Roma não se parece com nenhuma outra do mundo. Uma metrópole moderna enclausurada na história medieval de séculos de glória. Move-se no seu próprio ritmo compassado, pois não tem nenhum motivo para se apressar. O amanhã sempre chega quando bem lhe apraz.
Dana não ia a Roma desde que tinha doze anos, quando a mãe e o pai a levaram para conhecer a Itália. A aterrissagem no Aeroporto Leonardo da Vinci despertou-Lhe uma imensidão de lembranças. O primeiro dia em Roma quando ela explorou o Coliseu, onde os cristãos haviam sido atirados aos leões. Não dormiu por uma semana depois dessa visita.
Foi com os pais ao Vaticano e à Escadaria de Espanha, e jogou uma lira na Fonte de Trevi, desejando que a mãe não se divorciasse do pai. Quando aconteceu o divórcio, Dana sentiu-se traída pela fonte.
Viu uma apresentação da ópera Otelo, nas Termas de Caracala, os banhos romanos, e aquela foi uma noite que jamais esqueceria.
Tomou sorvete na famosa Doney, na Via Veneto, e percorreu as ruas movimentadas do Trastevere. Dana adorou Roma e sua gente. Quem poderia imaginar que eu voltaria aqui após todos esses anos, à procura de um assassino em série? Dana registrou-se no Hotel Ciceroni, perto da Piazza Navona.
- Buon giorno - cumprimentou-a o gerente do hotel. É uma grande alegria tê-la hospedada conosco, Srta. Evans.
Soube que vai ficar uns dois dias, não? Dana hesitou.
- Ainda não estou bem certa.
Ele sorriu.
- Nenhum problema. Temos uma bela suíte para a senhorita. Se precisar de alguma coisa, é só nos avisar.
A Itália é um país tão amistoso. E Dana pensou em seus antigos vizinhos, Dorothy e Howard Wharton. Não sei como ouviram falar de mim, mas mandaram um homem de avião até aqui só para me fazer uma proposta de trabalho.
Num impulso, Dana decidiu telefonar para os Whartons. Pedira à telefonista que ligasse para a Corporação Italiano Ripristino.
- Por favor, eu gostaria de falar com Howard Wharton.
- Poderia soletrar?
Ela soletrou.
- Obrigado. Um momento.
O momento acabou sendo cinco minutos. A mulher voltou à linha.
- Desculpe-me. Não há ninguém com esse nome aqui.
A única coisa é que temos de estar em Roma amanhã.
Dana telefonou para Dominick Romano, o âncora da televisão Itália-I.
- Sou eu, Dana. Cheguei, Dominick.
- Dana! Que alegria. Quando podemos nos encontrar?
- Diga você.
- Onde está hospedada?
- No Hotel Ciceroni.
- Pegue um táxi e diga ao motorista para levá-la ao Toula.
Me encontrarei lá com você em meia hora.
Toula, na Via Della Lupa, era um dos mais famosos restaurantes de Roma.
Quando Dana chegou, Romano a esperava.
- Buon giorno. É bom ver você sem as bombas.
- O mesmo digo eu, Dominick.
- Que guerra fútil. - Ele balançou a cabeça. - Talvez mais que a maioria das guerras. Bene! Que veio fazer em Roma?
- Vim ver um homem aqui.
- E qual o nome desse homem de sorte?
- Vincent Mancino.
A expressão no rosto de Dominick Romano alterou-se.
- Por que quer vê-lo?
- Talvez não seja nada, mas estou dando seguimento a uma investigação.
Fale-me de Mancino.
Dominick Romano pensou cuidadosamente antes de abrir a boca.
- Mancino foi ministro do Comércio. O contexto em que se fez foi a Máfia.
Carrega um porrete bem grande. De qualquer modo, abandonou um cargo muito importante e ninguém sabe por quê. - Romano olhou para Dana, curioso. - Qual é seu interesse nele?
Dana esquivou-se à pergunta.
- Sei que Mancino negociava um acordo comercial governamental com Taylor Winthrop quando se demitiu.
- Sim. Winthrop concluiu as negociações com outra pessoa.
- Há quanto tempo Taylor Winthrop estava em Roma? Romano pensou por um momento.
- Uns dois meses. Mancino e Winthrop se tornaram bons amigos de copo. - Acrescentou: - Alguma coisa deu errado.
- O quê?
- Quem é que sabe? Circulam todos os tipos de histórias por aqui. Mancino tinha só uma filha, Pia, e ela desapareceu.
A mulher dele sofreu um colapso nervoso.
- Que quer dizer com a filha desapareceu? Foi seqüestrada?
- Não. Ela simplesmente… como posso dizer.. - Romano tentou em vão encontrar a palavra certa -…desapareceu.
Ninguém sabe o que aconteceu com ela. - Deu um suspiro.
- Mas de uma coisa tenho certeza: Pia era uma beldade.
- Onde está a mulher de Mancino?
- Dizem que está numa espécie de sanatório.
- Sabe onde fica?
- Não. E nem você deve querer saber. - O garçom aproximou-se da mesa. - Mas conheço este restaurante - disse Dominick Romano. - Gostaria que eu escolhesse por você?
- Sim.
- Bene. - Virou-se para o garçom. - Prima, pasta fagioli.
Dopo, abbacchio arrosta com polenta.
- Grazie.
A comida estava estupenda e a conversa ficou leve e informal. Mas, quando os dois se levantaram para ir embora, Romano disse:
- Dana, fique longe de Mancino. Ele não é o tipo de homem que se interroga.
- Mas e se…
- Esqueça-o. Em uma palavra… omertà.
- Obrigada, Dominick. Agradeço seu conselho.
Os escritórios de Vincent Mancino ficavam num prédio moderno de sua propriedade na Via Sardegna. Sentado à mesa da recepção no saguão de mármore, um guarda corpulento e musculoso ergueu os olhos quando Dana entrou.
- Buon giorno. Posso aiutarla, signorina?
- Meu nome é Dana Evans. Eu gostaria de falar com o Sr.
Vincent Mancino.
- Tem hora marcada?.
- Não.
- Então, sinto muito.
- Diga-lhe que é sobre Taylor Winthrop.
O guarda examinou-a por um momento, depois pegou um telefone e falou.
Desligou-o e Dana esperou.
Que será que vou descobrir?
O telefone tocou, o guarda atendeu e ouviu por um instante. Virou-se para Dana.
- Segundo andar. Uma pessoa lá vai recebê-la.
- Obrigada.
- Prego.
O escritório de Vincent Mancino era pequeno e simples, em nada semelhante ao que Dana imaginava. Mancino sentava-se atrás de uma mesa caindo aos pedaços. Com sessenta e poucos anos, era um homem de altura mediana com o peito largo, lábios finos, cabelos brancos e nariz adunco. E os olhos mais frios que Dana já vira. Na mesa, a fotografia numa moldura dourada de uma linda adolescente.
Quando Dana entrou no escritório, Mancino perguntou:
- Veio aqui para falar de Taylor Winthrop? - A voz era grossa e rouca.
- Sim. Eu queria falar do…
- Não há nada do que falar, signorina. Ele morreu num incêndio. Está ardendo no inferno e sua mulher e os filhos também estão ardendo no inferno.
- Posso me sentar, Sr Mancino?
Ele ia dizer “não”. Mas acabou dizendo:
- Scusi. Às vezes, quando fico irritado, esqueço as boas maneiras. Prego, si accomodi. Por favor, sente-se.
Dana pegou uma cadeira diante dele.
- O senhor e Taylor Winthrop estavam negociando um acordo comercial entre seus dois governos.
- Sim.
- E ficaram amigos?
- Durante algum tempo, forse.
Dana deu uma olhada na foto em címa da mesa.
- É sua filha?
Mancino não respondeu.
- Ela é linda.
- Sim, ela era muito linda.
Dana olhou para ele, aturdida.
- Ela não está viva? - Viu que ele a examinava, tentando decidir o que dizer Acabou dizendo:
- Viva? Me diga você. - A voz saiu cheia de paixão.
- Levei seu amigo americano, Taylor Winthrop, para minha casa. Ele comungou com a gente. Apresentei-o aos meus amigos. Sabe como ele me retribuiu? Engravidou minha linda filha virgem. Ela só tinha dezesseis anos. Ficou com medo de me contar, porque sabia que eu o mataria, por isso fez… fez um aborto. - Ele cuspiu a palavra como um anátema. Winthrop teve medo da publicidade, por isso não mandou Pia a um médico. Não. Ele… ele a mandou a um açougueiro.
- Os olhos encheram-se de lágrimas. - Um açougueiro que Lhe destruiu o útero. Minha filha de dezesseis anos, signorina… - A voz saiu engasgada. - Taylor Winthrop não apenas destruiu minha filha, ele assassinou meus netos e todos os seus filhos e netos. Aniquilou o futuro da família Mancino. - Sorveu o ar num longo hausto para acalmarse. - Agora ele e sua família pagaram por esse terrível pecado.
Dana ficou sentada ali, muda. -’ - Minha filha está num convento, signorina. Nunca mais a verei. Sim, fiz um acordo com Taylor Winthrop. - Seus frios olhos azuis vararam os de Dana. - Mas foi um acordo com o diabo.
Então já são dois, pensou Dana. E ainda faltava encontrar se com Marcel Falcon.
No vôo da KLM para a Bélgica, Dana percebeu alguém se sentando na poltrona a seu lado. Ergueu os olhos. Era um homem atraente, com a expressão satisfeita, e que pedira obviamente à aeromoça para trocar de lugar.
Olhou para Dana e sorriu.
- Bom dia. Permita que me apresente. Meu nome é David Haynes. - Tinha sotaque de inglês.
- Dana Evans.
Não revelou reconhecimento algum.
- Que lindo dia para voar, não?
- Maravilhoso - concordou Dana.
Ele olhava-a com admiração.
- Vai para Bruxelas a trabalho?
- Trabalho e lazer - Tem amigos lá?
- Alguns.
- Sou muito bem relacionado em Bruxelas.
Espere até Jeff ouvir isso, pensou Dana. E aí a compreensão atingiu-lhe mais uma vez. Ele está com Rachel.
David Haynes examinava-lhe o rosto.
- Você me parece familiar
Dana sorriu.
- Eu tenho esse tipo de rosto.
Quando o avião pousou no aeroporto de Bruxelas e Dana desembarcou, um homem dentro do terminal pegou o telefone celular e informou a chegada.
David Haynes perguntou:
- Tem transporte para o seu hotel?
- Não, mas posso…
- Por favor, me permita. - Levou Dana a uma comprida limusine à espera com um motorista. - Vou deixá-la no hotel - disse a Dana. Deu uma ordem ao chofer e a limusine entrou no tráfego. - É a primeira vez que vem a Bruxelas?
- É.
Estavam diante de uma grande arcada de compras com teto solar - Se pretende fazer alguma compra, eu lhe sugeriria aqui… as Galerias St. Hubert - disse David Haynes.
- Parece linda.
David Haynes disse ao motorista.
- Pare um instante, Charles. - Virou-se para Dana. Aí é onde fica a famosa Fonte do Manneken Fis. - Era uma estátua de bronze de um menino urinando, posta no alto de um nicho em forma de concha de vieira. - É uma das mais famosas estátuas do mundo.
Enquanto eu estava na prisão, minha mulher e filha morreram.
Se eu estivesse livre, poderia tê-las salvado.
David Haynes dizia:
- Se estiver livre esta noite, eu gostaria de…
- Lamento - disse Dana. - Receio que não.
Matt fora chamado ao escritório de Elliot Cromwell.
- Estamos sem nossos atores principais, Matt. Quando Jeff volta?
- Não sei ao certo, Elliot. Como sabe, ele está envolvido numa situação pessoal com a ex-mulher, e sugerí que tirasse uma licença sem vencimentos.
- Entendo. E quando Dana volta de Bruxelas? Matt olhou para Elliot Cromwell e pensou: Eu nunca disse a ele que Dana estava em Bruxelas.
A sede da OTAN, Organização do Tratado do Atlântico Norte, fica no Prédio Leopoldo III, e, encimando o telhado, tremula a bandeira belga, três faixas verticais: preta, amarela e vermelha.
Dana estava certa de que ia encontrar sem dificuldade a informação sobre o prematuro afastamento de Taylor Winthrop do cargo na OTAN e depois voltaria para casa. Mas a OTAN acabou se revelando um pesadelo de sopa de letrinhas. Além dos escritórios de seus dezesseis países membros, havia os da NAC, EAPC, NACC, ESDI, CJTF CSCE e no mínimo mais uma dezena de acrônimos.
Ela decidiu ir ao prédio da assessoria de imprensa da OTAN, na rue des Chapeliers, e encontrou Jean Somville na sala de imprensa.
Ele levantou-se para cumprimentá-la.
- Dana!
- Como vai, Jean?
- O que a traz a Bruxelas?
- Estou trabalhando numa matéria - disse Dana. Preciso de alguma informação.
- Ah. Outra matéria sobre a OTAN.
- Em certo aspecto - disse ela, cautelosa. - Taylor Winthrop foi o conselheiro dos Estados Unidos na OTAN, certa ocasião.
- Sim. Fez um excelente trabalho. Era um grande homem.
Que grande tragédia ocorreu com aquela família. - Olhou para Dana, curioso. - Mas o que quer saber? Dana escolheu as palavras com todo o cuidado.
- Ele abandonou o posto em Bruxelas antes do mandato expirar. Eu gostaria de saber qual foi o motivo.
Jean Somville encolheu os ombros.
- É muito simples. Ele terminou o que veio fazer aqui.
Dana sentiu uma aguda sensação de desapontamento.
- Quando Winthrop servia aqui, aconteceu alguma coisa… fora do comum?
Houve algum tipo de escândalo relacionado a ele?
Jean Somville olhou-a, surpreso.
- Claro que não! Alguém disse que Taylor Winthrop esteve envolvido em algum escândalo na OTAN?
- Não - ela apressou-se a responder - Eu soube que houve uma… uma… briga, um desentendimento entre Winthrop e um homem, alguém que trabalha aqui.
Somville franziu o cenho.
- Quer dizer, uma briga de natureza particular?
- É.
Ele franziu os lábios.
- Não sei. Mas posso descobrir - Eu ficaria muito grata.
Dana telefonou para Jean Somville no dia seguinte.
- Conseguiu descobrir mais alguma coisa sobre Taylor Winthrop?
- Lamento, Dana. Tentei. Receio que não haja nada a descobrir - Ela já mais ou menos esperava esta resposta de Jean Somville.
- Em todo caso, obrigada. - Sentiu-se derreada.
- Nenhum problema. Lamento que tenha perdido a viagem.
- Jean, li que o embaixador francês da OTAN, Marcel Falcon, renunciou inesperadamente e voltou à França. Isso não é fora do comum?
- No meio de um mandato, sim. Acho que sim.
- Por que ele renunciou?
- Não há mistério algum envolvendo o fato. Foi por causa de um acidente infeliz. O filho dele foi morto por um motorista que o atropelou e fugiu.
- Um motorista que o atropelou e fugiu? E não o pegaram?
- Ah, sim. Logo depois do acidente, ele se apresentou à polícia.
Outro beco sem saída.
- Entendo - disse Dana.
- O homem se chamava Antonio Persico. E era chofer de Taylor Winthrop.
Ela sentiu um calafrio repentino.
- Oh? Onde está Persico agora?
- Na prisão de St. Gilles, aqui em Bruxelas. - Somville acrescentou, desculpando-se: - Lamento não poder ser mais útil.
Dana recebeu um resumo da matéria que lhe passaram por fax de Washington. Antonio Persico, chofer que trabalhava para Taylor Winthrop, foi condenado hoje à prisão perpétua porum tribunal belga ao se confessar culpado pelo atropelamento e morte de Gabriel Falcon, filho do embaixador francês nas Nações Unidas.
A prisão de St. Gilles fica perto do centro de Bruxelas, num antigo prédio branco com torres que o fazem parecer um castelo. Dana telefonou com antecedência e conseguiu uma permissão para entrevistar Antonio Persico.
Ao chegar lá, entrou no pátio da prisão e foi escoltada até o escritório do diretor - Você veio falar com Persico.
- Sim.
- Muito bem.
Após uma rápida revista, foi levada por um guarda à sala de entrevista, onde Antonio Fersico a esperava. Era um homem pequeno, dois enormes olhos verdes e um rosto que não parava de se contorcer com tiques nervosos.
Quando ela entrou, as primeiras palavras de Persico foram:
- Graças a Deus alguém finalmente apareceu! Você veio me tirar já daqui.
Dana olhou para ele, intrigada,
- Eu… eu lamento. Receio que não possa fazer isso.
Os olhos de Persico estreitaram-se.
- Então por que veio? Eles prometeram que alguém viria me tirar daqui.
- Vim para falar sobre a morte de Gabriel Falcon.
A voz de Persico elevou-se.
- Não tive nada a ver com aquilo. Sou inocente.
- Mas você confessou.
- Menti.
Dana perguntou:
- Por que mentiria…?
Antonio Persico olhou dentro dos olhos dela e disse, ressentido:
- Recebi dinheiro. Foi Taylor Winthrop quem o matou.
Houve um longo silêncio.
- Conte como foi isso.
As contorções faciais intensificaram-se.
- Aconteceu numa noite de sexta-feira. A esposa do Sr Winthrop estava em Londres naquele fim de semana. - A voz saía com esforço. - O Sr Winthrop estava sozinho. Resolveu ir à Ancienne belgique, uma boate. Eu me ofereci para levá-lo de carro, mas ele disse que ia dirigindo. - Persico interrompeuse, lembrando.
- Que aconteceu então? - exortou Dana.
- O Sr Winthrop chegou em casa tarde, muito bêbado.
Me disse que um rapaz atravessara correndo na frente do carro. Ele… ele o atropelou. O Sr Winthrop não queria um escândalo e por isso não parou. Aí ficou com medo de que alguém pudesse ter visto o acidente, dado o número da placa à polícia, e que logo iriam buscá-lo. Ele tinha imunidade diplomática, mas disse que se a notícia fosse publicada estragaria o plano russo.
Dana franziu as sobrancelhas.
- Plano russo?
- É. Foi o que ele disse.
- Que é o plano russo?
Ele deu de ombros.
- Não sei. Ouvi-o dizendo isso pelo telefone. Parecia um doido. - Persico balançou a cabeça. - Repetia sem parar ao telefone só isto: “O plano russo tem de continuar. Já fomos longe demais para deixar que alguma coisa o detenha agora.” - E não tem nenhuma idéia do que ele falava?
- Não.
- Lembra-se de mais alguma coisa que ele disse? Persico pensou por um momento.
- Disse alguma coisa como: “Todas as peças se encaixaram.” - Olhou para Dana. - Fosse o que fosse, parecia muito importante.
Ela absorvia cada palavra.
- Sr Persico, por que assumiu a culpa pelo acidente? O queixo de Persico endureceu.
- Já lhe disse. Fui pago. Taylor Winthrop disse que se eu confessasse me daria um milhão de dólares e cuidaria de minha família enquanto eu estivesse na prisão. Disse que podia conseguir uma sentença curta. - Rangia os dentes. - Como un idiota, aceitei. - Mordeu o lábio inferior - E agora ele está morto e vou passar o resto da vida aqui. - Seus olhos encheram-se de lágrimas.
Dana ficou chocada com o que acabara de ouvir. Acabou perguntando:
- Já contou isso a alguém?
Persico disse, com amargura.
- Claro. Assim que soube da morte de Taylor Winthrop, contei à polícia sobre nosso acordo.
- E?
- Riram na minha cara.
- Sr Persico. Vou lhe fazer uma pergunta muito importante. Pense com cuidado antes de responder. Algum dia disse a Marcel Falcon que foi Taylor Winthrop quem matou o filho dele?
- Claro. Achei que ele ia me ajudar - Quando contou, o que foi que Marcel Falcon disse? “- Suas palavras exatas foram: “Que o resto de sua família junte-se a ele no inferno.”
Meu Deus. Agora são três, pensou Dana.
Tenho de falar com Marcel Falcon em Paris.
Era impossível não sentir a magia de Paris, mesmo sobrevoando a cidade e preparando-se para aterrissar. Era a cidade da luz, a cidade dos amantes. Não um lugar para se ir sozinha. Paris causava-lhe uma dolorosa saudade de Jeff: Na recepção do Hotel Plaza Athénée, Dana conversava com Jean-Paul Hubert, da Televisão Metro 6.
- Marcel Falcon? Claro. Todo mundo sabe quem ele é.
- O que pode me dizer dele?
- É uma personalidade e tanto. Isso que vocês americanos chamam de magnata.
- Que é que ele faz?
- Falcon tem uma enorme empresa farmacêutica. Há alguns anos, foi acusado de forçar empresas menores a sair do ramo, mas como tinha ligações políticas nada lhe aconteceu. O primeiro-ministro francês inclusive o nomeou embaixador na OTAN.
- Mas ele renunciou - disse Dana. - Por quê?
- Ah, é uma triste história. O filho dele foi atropelado e morto em Bruxelas por um motorista embriagado, e Falcon não conseguiu segurar a barra. A mulher teve um colapso nervoso.
Hoje está num sanatório. - Jean-Paul olhou para ela e disse, sério: - Dana, se está pensando em fazer uma matéria sobre Falcon, tome cuidado com o que vai escrever. Ele tem fama de ser um homem muito vingativo.
Foi necessário um dia para conseguir marcar um encontro com Marcel Falcon.
Quando ela entrou por fim no escritório do ex-embaixador, ele disse:
- Concordei em recebê-la porque sou um admirador seu, mademoiselle.
Suas transmissões da zona de guerra foram muito corajosas.
- Obrigada.
Marcel Falcon era um homem de aparência imponente, corpulento, com traços fortes e olhos azuis penetrantes.
- Por favor, sente-se. O que posso fazer por você?
- Eu queria lhe perguntar sobre seu filho.
- Ah, sim - disse, o olhar desolado. - Gabriel era um garoto maravilhoso.
- O homem que o atropelou…
- O chofer
Dana olhou para ele, estupefata.
Pense com cuidado antes de responder. Algum dia você disse a Marcel Falcon que foi Taylor Winthrop o responsável pela morte do filho dele?
- Claro. Achei que ele ia me ajudar.
- Quando lhe contou, o que foi que Marcel Falcon disse?
- Suas palavras exatas foram: “Que o resto de sua famíliajunte-se a ele no inferno.”
E agora Marcel Falcon agia como se não soubesse da verdade.
- Sr Falcon, quando serviu na OTAN, Taylor Winthrop também estava lá. - Observava o rosto de Falcon, à procura da mínima mudança de expressão.
Não viu nenhuma.
- Sim. Nós nos conhecemos - disse, num tom casual.
Só isso? Dana se perguntava. Sim. Nós nos conhecemos. Que está escondendo?
- Sr Falcon, eu gostaria de falar com sua mulher se…
- Lamento, mas ela viajou de férias.
A mulher teve um colapso nervoso. Hoje está num sanatório em Cannes.
Ou Marcel Falcon se achava num estado de completa autonegação ou professava total ignorância por um motivo mais sinistro.
Dana telefonou para Matt do quarto no Plaza Athénée.
- Dana, quando é que você volta?
- Só tenho mais uma pista a desvendar, Matt. O chofer de Taylor Winthrop me disse que ele falou de algum plano secreto russo que não queria que fosse interrompido. Vou ver se consigo descobrir do que ele falava. Quero conversar com alguns dos sócios dele em Moscou.
- Está bem. Mas Cromwell quer você de volta ao estúdio o mais rápido possível. Tim Drew é nosso correspondente em Moscou. Vou pedir que a receba. Ele pode ser muito útil.
- Obrigada. Não devo ficar mais que um ou dois dias em Moscou.
- Dana?
- Sim?
- Deixe pra lá. Até logo.
Obrigada. Não devo ficar mais que um ou dois dias em Moscou.
Dana?
Sim?
Deixe pra lá. Até logo.
Fim da fita.
Dana telefonou para casa.
- Boa noite, Sra. Daley.. ou melhor, boa tarde.
- Srta. Evans! Que maravilha ter notícias suas.
- Como está indo tudo?
- Simplesmente esplêndido.
- Como vai Kemal? Algum problema aí?
- Nenhum. Sem dúvida, ele sente sua falta.
- Também sinto falta dele. Pode chamá-lo?
- Ele está tirando um cochilo. Quer que o acorde? Dana se surpreendeu:
- Tirando um cochilo? No outro dia quando telefonei, ele estava tirando um cochilo.
- Pois é. O rapazinho chegou em casa do colégio se sentindo tão cansado que achei que um cochilo lhe faria bem.
- Entendo… Bem, diga a ele que o amo. Telefonarei amanhã. Diga também que vou levar um urso da Rússia para ele.
- Um urso? Bem! Ele vai ficar doido de empolgação.
Depois telefonou para Roger Hudson.
- Roger, detesto abusar, mas preciso de um favor - Se eu puder fazer alguma coisa…
- Estou de partida para Moscou e quero conversar com Edward Hardy, o embaixador americano lá. Imaginei que você talvez o conhecesse.
- Na verdade, conheço.
- Estou em Paris. Se pudesse passar uma carta de apresentação por fax, eu ficaria muito grata.
- Posso fazer melhor que isso. Vou telefonar para ele e dizer que espere você.
- Obrigada, Roger. Fico muito grata.
Era véspera do Ano-Novo. Foi um choque lembrar-se que aquele deveria ser o dia do seu casamento. Logo, disse Dana a si mesma. Logo. Pôs o casaco e saiu.
O porteiro perguntou:
- Táxi, Srta. Evans?
- Não, obrigada. - Não tinha para onde ir. Jean-Paul Hubert viajara para visitar a família. Esta não é uma cidade para se ficar sozinha, decidiu Dana.
Pôs-se a andar, tentando não pensar em Jeff e Rachel. Tentando simplesmente não pensar. Passou por uma igrejinha aberta e, num impulso, entrou. O interior abobadado proporcio ou-Lhe uma sensação de paz.
Sentou-se num banco e fez uma oração silenciosa.
À meia-noite, enquanto Dana andava pelas ruas, Paris explodia numa cacofonia de barulho e confetes. Imaginava o que fazia Jeff. Ele e Rachel estariam fazendo amor? Ele não telefonara.
Como pôde esquecer que aquela noite era tão especial? No quarto de hotel, perto da cômoda, o telefone celular de Dana, que caíra da bolsa, tocava.
Quando voltou para o Plaza Athénée, eram três da manhã.
Entrou no quarto, despiu-se e enfiou-se na cama. Primeiro o pai, agora Jeff.
O abandono entremeava-se por sua vida como um fio escuro numa tapeçaria. Não vou sentir pena de mim mesma, jurou. E pensar que esta ia ser a noite do meu casamento. Oh, Jeff, por que não me telefona?
Chorou até adormecer.
O vôo para Moscou na Sabena Airlines levou três hotas e meia.
Dana reparou que a maioria dos passageiros usava roupas quentes, e as prateleiras de bagagem estavam cheias de casacos de pele, chapéus e cachecóis.
Eu devia ter me agasalhado melhor, pensou. Bem, só vou ficar em Moscou dois ou três dias.
Não parava de pensar nas palavras de Antonio Persico: Winthrop parecia um doido. Repetia sem parar ao telefone: “O plano russo tem de continuar.
Já fomos longe demais para deixar que alguma coisa o detenha agora.”
Em que plano importante Wínthrop trabalhava? Que peças se haviam encaixado? E logo depois o presidente o nomeou embaixador em Moscou.
Quanto mais informação obtenho, menos sentido faz, decidiu Dana.
Para sua surpresa, o Aeroporto Internacional Sheremetyevo estava repleto de turístas. Por que uma pessoa sã visita a Rússia no inverno?, perguntavase.
Ao chegar à esteira das bagagens, viu um homem parado ali perto que a olhava de esguelha. Sentiu o coração saltar.
Eles sabiam que eu vinha para cá, pensou. Como poderiam ter sabido?
O homem aproximava-se dela.
- Dana Evans? - Tinha um forte sotaque eslovaco.
- Sim…
Abriu um largo sorriso e disse, entusiasmado:
- Sou seu maior fã! Vejo você na televisão o tempo todo.
Dana sentiu uma onda de alívio.
- Oh. Sim. Obrigado.
- Será que poderia me deixar muito feliz me dando seu autógrafo?
- Claro.
Ele atirou um pedaço de papel diante de Dana.
- Não tenho caneta.
- Eu tenho. - Ela pegou a caneta de ouro nova e deulhe seu autógrafo.
- Spasiba! Spasiba!
Quando ia pôr a caneta de volta na bolsa, alguém deu-lhe um tranco e a caneta caiu no piso de concreto. Dana agachou-se e pegou-a. O invólucro rachara.
Espero que tenha conserto, pensou. E olhou-a mais de perto. Um fio fino aparecia pela rachadura. Aturdida, puxou-o delicadamente. Tinha um microtransmissor preso ao fio. Fitou-o, íncrédula.
Por isso é que sempre souberam onde eu estava! Mas quem o pôs ali e por quê? Lembrou-se do cartão que viera junto com a caneta. Querida Dana, tenha uma viagem segura. A Turma.
Furiosa, arrancou o fio, atirou-o no chão e esmagou-o com o salto.
Numa sala de laboratório isolada, o marcador de sinal num mapa de repente desapareceu.
- Oh, merda!
- Dana?
Ela voltou-se. Viu o correspondente da WTN em Moscou ali parado.
- Sou Tim Drew. Desculpe o atraso. O tráfego aqui é um pesadelo. - Era um homem alto, de seus quarenta e poucos anos, cabelos ruivos e um sorriso simpático. - Estou com um carro esperando lá fora. Matt me disse que você só vai ficar aqui dois dias.
- Isso mesmo.
Os dois pegaram a bagagem de Dana na esteira e seguiram para a rua.
O trajeto de carro em Moscou lembrava uma cena de Dr. Jivago.
Parecia que toda a cidade estava envolta num manto de pura neve branca.
- Mas é tão lindo! - exclamou Dana. - Há quanto tempo mora aqui?
- Dois anos.
- E você gosta?
- É meio assustador. Yeltsin está sempre vendendo gato por lebre, e ninguém sabe o que esperar de Vladimir Putin. Os internos estão dirigindo o manicômio. - Deu uma freada brusca para dar passagem a pedestres imprudentes. - Fez reserva no Hotel Sevastopol?
- Sim. Como é?
- É um dos nossos típicos hotéis da Intourist. Fique certa de que haverá alguém no seu andar de olho em você.
As ruas estavam apinhadas de pessoas envoltas em peles, suéteres e sobretudos grossos. Tim Drew deu uma olhada em Dana.
- É melhor comprar umas roupas mais quentes, senão vai congelar - Vou ficar bem. Devo estar voltando amanhã ou depois de amanhã.
Adiante deles, viam-se a praça Vermelha e o Kremlin. O Kremlin erguia-se altaneiro numa colina que dominava a margem esquerda do rio Moscova.
- Meu Deus, é impressionante - disse Dana.
- É. Se aquelas paredes falassem, a gente ouviria muitos gritos - continuou Tim Drew - É um dos prédios mais famosos do mundo. Ocupa um pedaço de terra cobrindo a pequena colina Borovitsky na margem direita e…
Dana parou de ouvir. Pensava: E se Antonio Persico mentiu? E se inventou a história de Taylor Winthrop matar o garoto? E se mentiu sobre o plano russo?
- Essa é a saída da praça Vermelha pelo muro leste. A Torre Kutayfa ali é a entrada dos visitantes no muro oeste.
Mas então por que Taylor Winthrop estava tão desesperado em vir para a Rússia? Ser apenas embaixador não teria significado tanto para ele.
Tim Drew dizia:
- Este é o lugar em que se concentrou todo o poder russo por séculos a fio.
Ivan o Terrível e Stalin tiveram seus quartéisgenerais aí, depois Lenin e Kruschev Todas as peças se encaixaram. Preciso descobrir o que ele queria dizer com isso.
Haviam parado diante de um hotel enorme.
- Chegamos - disse Tim Drew - Obrigada, Tim. - Dana saltou do carro e foi atingida por uma sólida onda de ar enregelante.
- Entre logo - gritou ele. - Eu levo suas malas para dentro. Aliás, se estiver livre, gostaria de levá-la para jantar - Muito obrigada.
- Tem um clube particular com uma comida muito gostosa. Acho que vai gostar - Excelente.
O saguão do Hotel Sevastopol era grande, ornado e cheio de gente. Vários funcionários trabalhavam atrás do balcão da recepção. Dana aproximou-se de um deles.
O funcionário ergueu os olhos.
- Da?
- Sou Dana Evans. Tenho uma reserva.
O homem olhou-a por um momento e disse, nervoso:
- Ah, sim. Srta. Evans. - Entregou-lhe um cartão de registro. - Pode preencher esta ficha, por favor? E vou precisar de seu passaporte.
Quando ela começou a escrever, o funcionário olhou para um homem parado num canto do outro lado do saguão e assentiu com a cabeça. Dana entregou-lhe o cartão.
- Vou pedir que a acompanhem até o quarto - disse o recepcionista.
- Obrigada.
O quarto tinha um vago ar do refinamento e da elegância de tempos passados, e a mobília parecia envelhecida, gasta, e cheirava a mofo.
Uma mulher atarracada, usando um uniforme largo, entrou com as malas.
Dana deu-lhe uma gorjeta. Ela grunhiu e saiu.
Dana pegou o telefone e ligou para 252-2451.
- Embaixada americana. ; - Gabinete do embaixador Hardy, por favor - Um momento.
- Gabinete do embaixador Hardy.
. - Alô. Aqui é Dana Evans. Posso falar com o embaixador?
- Poderia me dizer do que se trata?
- É… é um assunto pessoal.
- Só um momento, por favor Trinta segundos depois, o embaixador Hardy estava ao telefone.
- Srta. Evans?
- Sim.
- Bem-vinda a Moscou.
- Obrigada.
- Roger Hudson telefonou para dizer que ia chegar. Que posso fazer por você?
- Será que eu podia dar um pulo aí para vê-lo?
- Claro. Eu… Espere um momento. - Houve uma breve pausa e o embaixador voltou à linha. - Que tal amanhã de manhã? Às dez horas?
- Para mim está ótimo. Muito obrigada.
- Até amanhã.
Dana olhou pela janela a multidão apertando os passos no frio de rachar e pensou: Tim estava certo. É melhor eu comprar algumas roupas mais quentes.
A loja de departamentos GUM ficava a dois quarteirões do hotel. Era um enorme empório, estocado com produtos baratos que variavam de roupas a material pesado.
Dana aproximou-se da seção feminina, onde viu casacões grossos pendurados em araras. Escolheu um de lã vermelha e um cachecol da mesma cor para combinar. Levou vinte minutos para encontrar um funcionário capaz de realizar a transação.
Quando voltou ao quarto do hotel, o celular pôs-se a tocar. Era Jeff.
- Alô, querida. Tentei lhe telefonar na véspera do Ano.
Novo, mas não houve resposta no celular, e eu não sabia ondE encontrá-la.
- Lamento, Jeff. - Então ele não esqueceu! Graças a Deus,
- Onde você está?
- Em Moscou.
- Está tudo bem, querida?
- Ótimo. Jeff, fale-me de Rachel.
- É cedo demais para dizer alguma coisa. Eles vão tentar uma nova terapia amanhã. Ainda é muito experimental. O resultado sairá em poucos dias.
- Espero que dê certo - disse Dana.
- Está frio aí?
Dana riu.
- Você não pode imaginar. Sou uma pedra de gelo humana.
- Eu queria estar aí para derreter você.
Conversaram por mais uns cinco minutos, e Dana ouviu a voz de Rachel chamando Jeff.
- Tenho de ir, querida. Rachel precisa de mim.
Eu também preciso de você, pensou.
- Eu te amo.
- Eu amo você?
A embaixada americana no bulevar Novinsky, 19-23, era um prédio antigo, em péssimas condições, com guardas russos a postos em guaritas do lado de fora. Uma longa fila de pessoas esperava pacientemente. Dana passou a fila e deu o nome a um guarda. Ele olhou a lista de serviço e fez-Lhe um sinal para entrar Dentro do saguão, ela viu um fuzileiro naval americano a postos numa guarita à prova de bala. Uma sentinela de uniforme revistou o conteúdo de sua bolsa.
- Tudo bem.
- Obrigada. - Dana foi até a escrivaninha. - Dana Evans.
Um homem de pé junto à mesa disse:
- O embaixador está à sua espera, Srta. Evans. Venha comigo, por favor Ela acompanhou-o, subiu alguns degraus de mármore e entrou numa antesala ao fim de um longo corredor. Quando entrou, uma mulher atraente de quarenta e poucos anos sorriu e exclamou:
- Srta. Evans, é um grande prazer. Sou Lee Hopkins, secretária do embaixador. Pode entrar Dana dirigiu-se ao escritório interno. O embaixador Edward Hardy levantou-se quando ela se aproximou da mesa.
- Bom dia, Srta. Evans.
- Bom dia, embaixador. Obrigada por me receber O embaixador era um homem alto e afetado, com a simpática atitude de um político.
- É um enorme prazer conhecê-la. Posso servir-lhe alguma coisa?
- Não, obrigada.
- Por favor, sente-se.
Dana sentou-se.
- Fiquei encantado quando Roger Hudson me disse que esperasse sua visita. Chegou numa época interessante.
- É?
- Detesto dizer isso, mas, aqui entre nós dois, receio que este país esteja em queda livre. - Suspirou. - Para falar com toda franqueza, Srta. Evans, não faço a mínima idéia do que vai acontecer em seguida aqui. É um país com o dobro do tamanho dos Estados Unidos, com oitocentos anos de história, e a gente o vê escoando pelo esgoto. Os criminosos estão governando a Rússia.
Dana olhou-o, curiosa.
- Que quer dizer?
O embaixador recostou-se na cadeira.
- A lei aqui diz que nenhum membro da Duma, a câmara baixa do Parlamento, pode ser processado por crime algum. O resultado é que a Duma está cheia de homens procurados por todos os tipos de delitos… gângsteres que já cumpriram tempo na prisão e criminosos em vias de cometer crimes. Nenhum deles pode ser tocado.
- Isso é incrível - disse Dana.
- Pois é. - Ele examinou-a por algum tempo. - bem, em que posso ajudá-la, Srta. Evans?
- Eu queria Lhe fazer algumas perguntas sobre Taylor Winthrop. Estou fazendo uma matéria sobre a família.
O embaixador Hardy balançou a cabeça, pesaroso.
- Parece uma tragédia grega, não?
- Sim. - Mais uma vez a mesma frase.
O embaixador Hardy olhou para Dana, curioso.
- O mundo ouviu essa história repetidas vezes. Acho que não há muito mais o que dizer.
- Quero contá-la de um ângulo mais pessoal - disse Dana, cuidadosa. - Quero saber como era mesmo Taylor Winthrop, que tipo de homem era ele, quem eram seus amigos aqui, se tinha inimigos…
- Inimigos? - Ele pareceu surpreso. - Não. Todo mundo adorava Taylor Provavelmente, foi o melhor embaixador que já tivemos aqui.
- Trabalhou com ele?
- Sim. Fui vice-presidente da missão durante um ano.
- Embaixador Hardy, sabe se Taylor Winthrop trabalhava em alguma coisa em que… - interrompeu-se, sem saber como pôr em palavras -…todas as peças tinham se encaixado? O embaixador Hardy franziu o cenho.
- Refere-se a algum acordo comercial ou governamental?
- Não sei ao certo a que me refiro - confessou Dana.
O embaixador Hardy pensou por um momento.
- Eu também não. Não, não faço a mínima idéia do que poderia ser Ela perguntou:
- Algumas das pessoas que trabalham hoje aqui na embaixada… também trabalharam para ele?
- Ah, sim. Na verdade, minha secretária Lee era secretária de Taylor.
- O senhor se incomodaria se eu falasse com ela?
- De modo algum. Aliás, vou Lhe dar uma lista das pessoas que poderiam ser úteis.
- Ah, seria maravilhoso. Obrigada.
Ele levantou-se.
- Tome cuidado enquanto estiver aqui, Srta. Evans. Tem havido muitos crimes nas ruas.
- Foi o que me disseram.
- Não beba água da torneira. Nem os russos bebem. Oh, e quando comer fora especifique sempre chisti stol… quer dizer, mesa limpa… do contrário vai encontrar sua mesa cheia de tiragostos que não quer. Quando fizer compras, a Arbat é o melhor lugar. As lojas lá têm de tudo. E seja cuidadosa nos táxis. Tome os mais velhos, caindo aos pedaços. Os artistas dos golpes sujos dirigem os novos.
- Obrigada. - Dana sorriu. - Vou me lembrar Cinco minutos depois, Dana conversava com Lee Hopkins, a secretária do embaixador, as duas sozinhas numa pequena sala fechada.
- Quanto tempo trabalhou para o embaixador Winthrop?
- Um ano e meio. Por que quer saber?
- O embaixador Winthrop fez algum inimigo quando esteve aqui? Lee Hopkins olhou para Dana, surpresa.
- Inimigos? “ - Sim. Num trabalho desses; imagino que se tenha que dizer “não” a pessoas que podem ficar ressentidas. Tenho certeza que o embaixador Winthrop não podia agradar a todos.
Lee Hopkins balançou a cabeça.
- Não sei o que está procurando, Srta. Evans, mas, se pretende escrever coisas ruins sobre Taylor Winthrop, veio buscar ajuda com a pessoa errada. Ele era o homem mais bondoso e atencioso que já conheci.
Lá vamos nós mais uma vez, pensou Dana.
Nas duas horas seguintes, Dana conversou com mais cinco pessoas que haviam trabalhado na embaixada durante a gestão de Taylor Winthrop.
Ele era um homem brilhante…
Ele gostava mesmo das pessoas…
Desviava de seu caminho para nos ajudar…
Inimigos? Não Taylor Winthrop…
Estou perdendo meu tempo, pensou. Foi mais uma vez procurar o embaixador Hardy.
- Conseguiu o que queria? - perguntou ele. Parecia menos amistoso.
Dana hesitou.
- Não exatamente - respondeu, com honestidade.
Ele curvou-se.
- E acho que não vai conseguir, Srta. Evans. Não se estiver à procura de coisas negativas sobre Taylor Winthrop. Você aborreceu todo mundo aqui.
Eles adoravam o homem. Eu também. Não tente desenterrar esqueletos que não existem. Se foi para isso que veio aqui, pode partir.
- Obrigada - disse Dana. - Eu vou.
Não tinha a menor intenção de partir O Clube Nacional VIP bem diante do Kremlin e da praça Manej, era um restaurante e cassino privado. Tim Drew a esperava ali quando ela chegou. - bem-vinda - disse. - Acho que vai gostar daqui. Este restaurante recebe a nata dos badaladores e poderosos da alta sociedade moscovita. Se uma bomba caísse aqui, acho que o governo se dissolveria.
O jantar foi delicioso. Começaram com blini e caviar, seguido de borscht, esturjão da Geórgia com molho de castanha d’água, estrogonofe com arroz siouhom, e, de sobremesa, tartelettes vatrushki de queijo.
- Mas é esplêndida mesmo - disse Dana. - bem que me disseram que a comida russa era fantástica.
- É - confirmou Tim Drew - Mas isso não é a Rússia.
É um pequeno oásis especial.
- Como é viver aqui? - perguntou Dana.
Tim Drew pensou por um momento.
- É como estar parado junto a um vulcão, esperando que entre em erupção.
A gente nunca sabe o que vai acontecer. Os caras no poder estão roubando bilhões do país e a população está passando fome. Foi isso que desencadeou a última revolução. Deus sabe o que vai acontecer agora. Para ser justo, esse é apenas um lado da história. A cultura aqui é incrível. Eles têm o Teatro Bolshoi, o grande Hermitage, o Museu Pushkin, o balé russo, o Circo de Moscou… a lista continua, infindável. A Rússia produz mais livros que o resto do mundo junto, e o russo médio lê três vezes mais livros por ano que o cidadão médio nos Estados Unidos.
- Talvez estejam lendo os livros errados - disse Dana desanimada.
- É possível. Nesse momento, as pessoas se acham colhidas no meio do capitalismo e do comunismo, e nenhum dos dois está funcionando. A administração pública é péssima, os custos estão inflacionados e o crime grassa por todo o país. Ele olhou para Dana. - Espero não estar deixando você deprimida.
- Não. Me diga uma coisa, Tim, você conheceu Taylor Winthrop?
- Entrevistei-o algumas vezes.
- Por acaso ouviu alguma coisa sobre um grande projeto em que ele estava envolvido?
- Ele estava envolvido em muitos projetos. Afinal, era nosso embaixador.
- Não estou falando disso. Refiro-me a alguma coisa diferente. Algo muito complicado… em que todas as peças tinhan que se encaixar Tim Drew pensou por um momento.
- Nada me vem à cabeça.
- Conhece alguém aqui com quem mantinha muito contato?
- Acho que algumas de suas contrapartes russas. Você podería falar com eles.
- Certo - disse Dana. - Vou falar O garçom trouxe a conta. Tim Drew passou os olhos pelas comandas e ergueu·os para Dana.
- Isso é típico. Há três cobranças a mais separadas na conta. E não adianta se dar o trabalho de pedir que as especifiquem. - Ele pagou a conta.
Quando já estavam na rua, Tim Drew perguntou a Dana;
- Você anda armada?
Ela lançou-lhe um olhar de surpresa.
- Claro que não. Por quê?
- Isto é Moscou. Nunca se sabe. - Teve uma idéia. - Já sei. Vamos dar uma parada no caminho.
Os dois entraram num táxi e Tim Drew deu um endereço ao motorista.
Cinco minutos depois, pararam diante de uma loja de armas e desceram do táxi.
Dana olhou o interior da loja e disse:
- Não vou andar por aí com uma arma.
- Eu sei. Só entre um instante comigo. - Os balcões da loja estavam cheios de todo tipo de arma imaginável.
Ela olhou em volta.
- Qualquer pessoa pode entrar e comprar uma arma aqui?
- Só precisam do dinheiro - disse Tim Drew O homem atrás do balcão resmungou alguma coisa em russo para Tim, que lhe disse o que queria.
- Da. - Enfiou a mão debaixo do balcão e retirou-a com um objeto pequeno, preto e cilíndrico.
- Para que serve isso? - perguntou Dana.
- Épara você. Um aerossol de pimenta. - Pegou-o. Basta apertar este botão aqui em cima, que os bandidos vão sentir dores demais para incomodá-la.
- Não sei se… - disse.
- Confie em mim. Guarde-o. - Entregou-lhe o objeto, pagou e os dois saíram. - Gostaria de conhecer uma boate de Moscou? - perguntou Tim Drew - Parece interessante.
- Ótimo. Vamos.
A Boate Vôo Noturno na rua Tverskaya era suntuosa, com uma decoração trabalhada, e estava cheia de russos bem-vestidos jantando, bebendo e dançando.
- Não dá a impressão de haver algum problema econômico aqui - comentou Dana.
- Não, porque eles mantêm os mendigos na rua.
Às duas da manhã, Dana voltou para o hotel, exausta. Tinha sido um dia muito longo. Sentada a uma mesa no saguão, uma mulher registrava os movimentos dos hóspedes.
Quando Dana entrou, olhou pela janela. Viu uma cena de cartão-postal de neve suave caindo à luz do luar.
Amanhã, pensou, decidida, voü saber por que vim aqui.
O barulho do jato acima foi tão alto que pareceu que o avião poderia atingir o prédio. O homem levantou-se de um salto da escrivaninha, pegou um binóculo e foi até a janela. A cauda da aeronave que se afastava rápido descia como se preparando para pousar no pequeno aeroporto a um quilômetro dali. Tudo na paisagem, a não ser as pistas de decolagem, estava coberto de neve até onde a vista alcançava. Era inverno e na Sibéria.
- Pois bem - disse ele ao assistente -, os chineses são os primeiros a chegar - O comentário não pedia resposta.
- Eu soube que nosso amigo, Ling Wong, não vai voltar.
Quando retornou do nosso último encontro, de mãos vazias, não teve uma feliz volta ao lar. Muito triste. Era um homem decente.
Nesse momento, um segundo jato rugiu acima. Ele não reconheceu a origem. Depois que aterrissou, ele focou as poderosas lunetas do binóculo nos homens saindo da cabine e descendo para a pista. Alguns deles não fizeram o mínimo esforço para ocultar as pistolas automáticas que levavam.
- Chegaram os palestinos.
Outro jato bramiu acima. Ainda faltam doze, ele pensou.
Quando começarmos as negociações amanhã, será o maior leilão até agora.
Voltou-se mais uma vez para o assistente.
- Escreva um memorando.
MEMORANDO CONFIDENCIAL PARA TODO O PESSOAL DA
OPERAÇÃO (DESTRUIR APÓS RECEBIMENTO)
CONTINUAR ESTREITA VIGILÂNCIA DO OBJETO ALVO.
INFORMAR ATIVIDADES E FICAR A POSTOS PARA POSSÍVEL
ELIMINAÇÃO.
Ao acordar, Dana telefonou para Tim Drew - Soube mais alguma coisa do embaixador Fiardy? Perguntou ele.
- Não. Acho que o ofendi. Tim, preciso falar com você.
- Está bem. Tome um táxi e me encontre no Clube Boyrsky, na rua Treatilny Proyez, cento e quarenta.
- Aonde? Eu nunca…
- O motorista sabe. Pegue um carro velho.
- Certo.
Dana saiu do hotel ao encontro de um vento gelado e uivante. Sentiu-se feliz por estar usando o novo casaco de lã vermelha. Uma placa com mostrador num prédio do outro lado da rua informou-lhe que fazia -29 graus. Meu Deus, pensou. Em Fahrenheit, isso é mais ou menos vinte graus abaixo de zero.
Viu um reluzente táxi novinho em folha parado diante do hotel. Ela recuou e esperou até um passageiro entrar nele. O táxi seguinte parecia velho. Ela entrou. O motorista lançoulhe um olhar interrogativo pelo espelho retrovisor Dana disse, devagar:
- Quero ir para o número cento e quarenta da rua Treat…
- Hesitou. -…rilny.. - Respirou fundo. -…Proyez…
O motorista retrucou, impaciente:
- Quer ir ao Clube Boyrsky?
- Da.
O táxi arrancou. Passaram por avenidas com tráfego intenso e pedestres descuidados atravessando apressados as ruas geladas. A cidade parecia sobreposta por uma camada de pátina fosca e cinzenta. E não é só o tempo, pensou Dana.
O Clube Boyrsky acabou se revelando um ambiente moderno e confortável, com poltronas e sofás de couro. Tim Drew a esperava numa poltrona junto à janela.
- Vejo que encontrou logo.
- O motorista falava inglês - disse, sentando-se.
- Você teve sorte. Alguns deles não falam nem russo, pois vêm de muitas províncias distantes e diferentes. É impressionante que este país consiga sequer funcionar. Me faz lembrar de um dinossauro agonizante. Sabe como são grandes as dimensões da Rússia?
- Não exatamente.
- É duas vezes maior que os Estados Unidos. Tem treze fusos horários e fronteiras com quatorze países. Quatorze países.
- É impressionante - disse Dana. -Tim, quero falar com alguns russos que faziam transações com Taylor Winthrop.
- Isso inclui quase todo mundo no governo russo.
- Eu sei. Mas deve haver alguns russos de quem ele era mais próximo que outros. O presidente…
- Talvez alguém num escalão mais baixo - disse Tim Drew, indiferente. - Eu diria que, de todas as pessoas com quem ele lidava, provavelmente era mais íntimo de Sasha Shdanoff.
- Quem é Sasha Shdanoff?
- O comissário do Departamento Internacional de Desenvolvimento Econômico. Acho que Winthrop convivia com ele tanto em termos sociais quanto oficiais. - Olhou atentamente para Dana. - O que está procurando, Dana?
- Não sei ao certo - respondeu ela, honestamente. Não sei ao certo.
O Departamento Internacional de Desenvolvimento Econômico era um enorme prédio de tijolos vermelhos na rua Ozernaya e ocupava um quarteírão inteiro. Dentro da principal entrada, havia dois policiais russos uniformizados junto à porta e um terceiro sentado atrás de uma escrivaninha.
Dana dirigiu-se até a mesa. O guarda ergueu os olhos.
- Dobry dyen - disse ela.
- Zdrastaruytye. Ne…
Dana interrompeu-o.
- Desculpe-me. Vim aqui falar com o comissário Shdanoff.
Sou Dana Evans. Trabalho para a Rede Washington Tribune.
O guarda conferiu uma folha de papel diante dele e balançou a cabeça.
- Tem hora marcada?
- Não, mas…
- Então terá de marcar uma hora. É americana?
- Sim.
O guarda folheou alguns formulários em sua mesa e entregou-lhe um.
- Preencha isto, por favor - Pois não. Seria possível ver o comissário ainda esta tarde? Ele piscou os olhos.
- Ya ne ponimayu. Vocês americanos estão sempre apressados. Em que hotel está?
- No Sevastopol. Só preciso de alguns minutos…
Ele fez uma anotação.
- Alguém entrará em contato com você. Dobry dyen.
- Mas… - Ela percebeu a expressão do guarda. - Dobrydyen.
Dana ficou no quarto do hotel a tarde toda esperando um telefonema. Às seis horas, ligou para Tim Drew.
- Foi ver Shdanoff? - perguntou ele.
- Não. Eles vão telefonar para mim.
- Não fique ansiosa, Dana. Está lidando com uma burocracia de outro planeta.
No início da manhã seguinte, Dana voltou ao Departamento Internacional de Desenvolvimento Econômico. Encontrou o mesmo guarda à mesa.
- Dobry dyen - ela disse.
Ele ergueu os olhos, impassível.
- Dobry dyen.
- O Comissário Shdanoff recebeu meu recado ontem?
- Seu nome?
- Dana Evans.
- Você deixou um recado ontem?
- Deixei - disse ela, desanimada. - Com você.
O guarda fez que sim com a cabeça.
- Então ele recebeu. Todos os recados são recebidos.
- Posso falar com a secretária do comissário Shdanoff?
- Tem hora marcada?
Dana respirou fundo.
- Não.
O guarda deu de ombros.
- Izvinitye, nyet.
- Onde posso…?
- Alguém vai Lhe telefonar.
A caminho de volta para o hotel, Dana passou pela Detsky Mir, uma loja de departamentos infantil, entrou e olhou em volta.
Viu uma seção dedicada a jogos. Num canto, havia uma prateleira de jogos de computador. Kemal vai gostar de um daqueles, pensou. Comprou um jogo e ficou surpresa com o preço caro.
Voltou para o hotel a fim de esperar o telefonema. Às seis horas, perdeu as esperanças. Já ia descer para jantar quando o telefone tocou.
- Dana? - Era Tim Drew - Sim, Tim.
- Não teve sorte ainda?
- Receio que não. - bem, enquanto estiver em Moscou, não deve perder o que é maravilhoso aqui. O balé é hoje à noite. Vão apresentar Giselle. Está interessada?
- Muitíssimo, obrigada.
- Passo aí para pegá-la daqui a uma hora.
O balé realizou-se no Palácio dos Congressos, com seis mil lugares, dentro do Kremlin. Foi uma noite mágica. A música era linda, a dança fantástica e o primeiro ato passou voando.
Quando as luzes se acenderam para o intervalo, Tim levantou-se.
- Siga-me. Rápido.
Um bando de pessoas punha-se a subir correndo a escadaria.
- Que está acontecendo?
- Você vai ver Ao chegarem ao último andar, foram saudados pela visão de meia dúzia de mesas cheías de tigelas com caviar e vodca no gelo. Os que haviam chegado ali primeiro serviam-se azafamados.
Dana voltou-se para Tim.
- Eles sabem mesmo como fazer um espetáculo aqui.
- Assim é como vive a classe alta. Lembre-se que trinta por cento da população vivem abaixo da linha de pobreza.
Dana e Tim foram para junto das janelas, afastando-se da multidão.
As luzes começaram a piscar - Hora do segundo ato.
O segundo ato foi encantador, mas a mente de Dana não parou de repassar trechos de conversas.
TaylorWinthrop era scheisse. Inteligente, muito inteligente. Ele armou uma cilada para mim…
Foi um acidente infeliz. Gabriel era um rapaz maravilhoso…
Taylor Winthrop acabou com o futuro da família Mancino…
Quando o balé terminou e os dois entraram no carro, Tim Drew perguntou:
- Gostaria de tomar uma saideira no meu apartamento? Ela virou-se para olhá-lo de frente. Atraente, inteligente e charmoso. Mas não era Jeff. O que acabou dizendo foi:
- Obrigada, Tim. Mas não.
- Oh. - Foi visível a decepção de Tim. - Quem sabe amanhã?
- Eu adoraria, mas tenho de estar pronta de manhã bem cedo. - E estou loucamente apaixonada por outra pessoa.
Bem cedo na manhã seguinte, Dana chegava mais uma vez no Departamento Internacional de Desenvolvimento Econômico.
O mesmo guarda estava atrás da escrivaninha.
- Dobry dyen.
- Dobry dyen.
- Sou Dana Evans. Se não der para eu ver o comissário, posso ver o assistente dele?
- Tem hora marcada?
- Não. Eu…
Ele entregou-lhe um formulário.
- Preencha isto…
Assim que Dana chegou de volta ao quarto do hotel, o celular começou a tocar, e o coração a disparar - Dana…
- Jeff!
Os dois gostariam de dizer tanta coisa um ao outro. Mas Rachel se interpunha entre eles como uma sombra fantasmagórica, por isso não puderam dizer o que de mais importante lhes passava pela mente: a doença dela. A conversa foi contida.
O telefonema do escritório do comissário Shdanoff chegou de forma inesperada às oito horas da manhã seguinte. Uma voz com um forte sotaque disse:
- Dana Evans?
- Sim.
- Aqui é Yerik Karbava, assistente do comissário Shdanoff.
Você gostaria de vê-lo?
- Sim! - Ela ficou meio esperando que o assistente Lhe perguntasse se tinha hora marcada. Mas, em vez disso, disse apenas:
- Esteja no Departamento Internacional de Desenvolvimento Econômico daqui a exatamente uma hora.
- Está bem. Muito obrigada… - A linha caiu.
Uma hora depois, ela entrava mais uma vez no saguão do imenso prédio de tijolos. Foi até o mesmo guarda sentado atrás da escrivaninha.
Ele ergueu os olhos.
- Dobry dyen.
Ela forçou um sorriso.
- Dobry dyen. Sou Dana Evans, e vim ver o comissário Shdanoff.
Ele encolheu os ombros.
- Lamento. Sem hora marcada…
Dana conteve a irritação.
- Tenho hora marcada.
Ele olhou-a, cético.
- Da? - Pegou um telefone e falou por um momento.
Virou-se para ela. - Terceiro andar - disse, relutante. Alguém vai recebê-la lá.
O escritório do comissário Shdanoff era enorme, velho, e parecia como se houvesse sido decorado no início da década de 1920. Dentro da sala, dois homens sentados levantaram-se assim que ela entrou. O mais velho apresentou-se:
- Sou o comissário Shdanoff.
Sasha Shdanoff parecia ter cinqüenta e poucos anos. Era baixo e compacto, com ralos cabelos grisalhos, o rosto redondo, pálido, e olhos castanhos inquietos que não paravam de lançar-se por toda a sala como se à procura de alguma coisa.
Ele falava com um sotaque pesado. Usava um terno marrom largo e sapatos pretos surrados. Indicou o segundo homem.
- Este é meu irmão, Boris Shdanoff.
Boris Shdanoff sorriu.
- Como vai, Srta. Evans?
Era completamente diferente do irmão. Parecia dez anos mais moço, com um nariz aquilino e queixo firme. Usava um terno Armani com uma gravata cinza Hermès. E quase não tinha sotaque.
Sasha Shdanoff disse, orgulhoso:
- Boris está de visita, veio dos Estados Unidos. É adido da embaixada russa no Congresso, em Washington.
- Tenho admirado seu trabalho, Srta. Evans - disse Boris Shdanoff.
- Obrigada.
- Que posso fazer por você? - perguntou Sasha Shdanoff.
- Está com algum tipo de problema?
- Não, em absoluto - respondeu ela. - Eu queria fazer algumas perguntas sobre Taylor Winthrop.
Ele lançou-lhe um olhar perplexo.
- Que quer saber sobre Taylor Winthrop?
- Sei que trabalhou com ele, e que se viam de vez em quando, socialmente.
Sasha Shdanoff disse, cauteloso:
- Da.
- Eu queria que me desse sua opinião pessoal sobre ele.
- Que posso dizer? Acho que foi um bom embaixador para o seu país.
- Sei que ele era muito popular aqui e…
Boris Shdanoff interrompeu-a.
- Ah, sim. As embaixadas em Moscou dão muitas festas e Taylor Winthrop estava sempre…
Sasha Shdanoff censurou o irmão.
- Dovolno! - Voltou-se para Dana. - O embaixador às vezes ia às festas de embaixada. Gostava de pessoas. O povo russo gostava dele.
Boris Shdanoff interrompeu mais uma vez.
- Na verdade, ele me disse que se pudesse…
Sasha Shdanoff cortou-o, irritado.
- Mokhat! - Virou-se para Dana. - Como eu dizia, Srta.
Evans, ele foi um excelente embaixador Ela olhou para Boris Shdanoff:
Era óbvio que tentava dizerLhe alguma coisa. Voltou-se para o comissário.
- O embaixador Winthrop envolveu-se em algum tipo de problema quando serviu aqui?
Sasha Shdanoff franziu as sobrancelhas.
- Problema? Não. - Evitava os olhos dela.
Está mentindo, pensou Dana. Insistiu:
- Comissário, sabe de algum motivo que levaria alguém a assassinar Taylor Winthrop e sua família? Sasha Shdanoff arregalou os olhos.
- Assassinar? Os Winthrops? Nyet. Nyet.
- Não Lhe vem nada mesmo à mente? Boris Shdanoff disse:
- Na verdade…
Sasha Shdanoff cortou-o de chofre.
- Não havia motivo algum. Ele era um grande embaixador - Tirou um cigarro de uma cigarreira de prata, e Boris apressou-se a acendê-lo para o irmão. - Há mais alguma coisa que gostaria de saber?
Dana olhou para os dois. Eles estão ocultando alguma coisa, pensou, mas o quê? A coisa toda está caminhando por um labirinto sem saída.
- Não. - Deu uma olhada em Boris ao dizer, devagar: Se lembrar de alguma coisa, estarei no Hotel Sevastopol até amanhã de manhã.
Boris Shdanoff perguntou:
- Vai voltar para casa?
- Sim. Meu avião parte amanhã à tarde.
- Eu… - Boris Shdanoff começou a dizer alguma coisa, olhou para o irmão e calou-se.
- Até logo - disse Dana.
- Proshchayte.
- Proshchayte.
Ao voltar para seu quarto, telefonou para Matt Baker - Alguma coisa está acontecendo aqui, Matt, mas não consigo descobrir o que é, droga. Tenho a sensação de que poderia ficar meses em Moscou e não obter nenhuma informação útil. Voltarei para casa amanhã.
Alguma coisa está acontecendo aqui, Matt, mas não consigo descobrir o que é, droga. Tenho a sensação de que poderia ficar meses em Moscou e não obter nenhuma informação útil. Voltarei para casa amanhã.
Fim da fita.
O Aeroporto Sheremetyevo II estava lotado aquela noite. Esperando o avião, Dana teve a mesma sensação desagradável de estar sendo observada, mas não conseguiu localizar ninguén em particular. Eles estão em algum lugar lá fora. E esta percepção a fez estremecer.
A Sra. Daley e Kemal foram ao Aeroporto Dulles esperar Dana.
Ela não se dera conta da falta que sentia de Kemal. Ao vê-lo lançou-lhe os braços e abraçou-o apertado.
- Oi, Dana. Que bom ver você de volta. Trouxe um urso russo pra mim? - perguntou Kemal.
- Eu trouxe, mas o danado escapou.
Kemal abriu um largo sorriso.
- Vai ficar em casa agora?
- Pode apostar que sim - disse, carinhosa.
A Sra. Daley sorriu.
- Que boa notícia, Srta. Evans. Estamos tão felizes com sua volta.
- Também estou muito feliz por estar de volta.
No carro, seguindo para o apartamento, Dana perguntou:
- Como sente seu braço novo agora, Kemal? Está se acostumando com ele?
- É legal.
- Que bom. E como está se saindo na escola?
- Não estou mais no buraco.
- Nem mais brigas?
- Não.
- Que maravilha, querido. - Examinou-o por um momento. Parecia de algum modo diferente, quase submisso. Como se houvesse acontecido alguma coisa que tivesse mudado sua atitude. Mas, fosse o que fosse, ele sem dúvida parecia uma criança feliz.
Quando chegaram ao apartamento, Dana disse:
- Tenho de ir ao estúdio, mas voltarei logo e vamos jantar juntos. Vamos ao McDonald’s Onde fomos com Jeff.
Ao entrar no imenso prédio da WTN, teve a sensação de ter estado ausente um século. A caminho do escritório de Matt, foi cumprimentada por vários colegas.
- Que bom vê-la de volta, Dana. Sentimos sua falta.
- Que bom estar de volta.
- Ora, vejam quem está aqui. Fez boa viagem?
- Esplêndida. Obrigada.
- Este lugar não é o mesmo sem você.
Quando entrou no escritório de Matt, ele disse:
- Você emagreceu. Está horrível.
- Obrigada, Matt.
- Sente-se.
Ela pegou uma cadeira.
- Não tem dormido bem? - perguntou Matt.
- Não muito.
- Por falar nisso, nossos índices de audiência despencaram desde que você viajou.
- Fico lisonjeada.
- Elliot ficaria feliz se desistisse dessa matéria. Anda preocupado com você. - Não comentou como ele próprio andava preocupado com Dana.
Conversaram durante meia hora.
Quando Dana voltou à sua sala, Olivia cumprimentou-a:
- Bem-vinda. Faz… - O telefone tocou. Ela atendeu. Escritório da Srta.
Evans… Só um momento, por favor - Olhou para Dana. - Pamela Hudson na linha um.
- Eu atendo. - Dana entrou em sua sala e pegou o telefone. - Pamela.
- Dana, você está de volta! Ficamos tão preocupados. A Rússia não é um dos lugares mais seguros para se estar nos tempos atuais.
- Eu sei. - Ela riu. - Um amigo comprou um aerossol de pimenta pra mim.
- Sentimos sua falta. Roger e eu gostaríamos que viesse tomar chá conosco esta tarde. Você está livre?
- Sim.
- Três horas?
- Perfeito.
O resto da manhã foi consumido com preparativos para as transmissões dos noticiários da noite.
Às três horas, Cesar cumprimentava-a na porta.
- Srta. Evans! - Um largo sorriso estendeu-se de um lado ao outro do rosto.
- Que alegria vê-la de volta. Bemvinda ao lar.
- Obrigada, Cesar. Como tem passado?
- Tudo ótimo, obrigado.
- O Sr. E a Sra…
- Sim. Estão à sua espera. Posso levar seu casaco? Quando entrou na sala de estar, Roger e Pamela exclamaram ao mesmo tempo:
- Dana!
Pamela Hudson deu-lhe um abraço.
- A filha pródiga está de volta.
- Está com a aparência cansada - disse Roger Hudson.
- Parece ser o consenso geral.
- Sente-se, sente-se.
Uma empregada entrou trazendo uma bandeja com chá, biscoitos, bolinhos e croissants. Pamela serviu o chá.
Sentaram-se e Roger disse:
- Bem, conte-nos o que está acontecendo.
- O que está acontecendo é que receio não ter chegado a lugar algum.
Sinto-me totalmente frustrada. - Ela respirou fundo. - Conheci um homem chamado Dieter Zande que disse ter sido vítima de uma cilada armada por Taylor Winthrop que o mandou para a prisão. Enquanto esteve lá sua família foi aniquilada num incêndio. Culpa Winthrop pela morte deles.
Pamela disse:
- Então ele tínha um motivo para matar toda a família Winthrop.
- Isso mesmo. Mas tem mais - disse Dana. - Falei com um homem chamado Marcel Falcon na França. O filho dele foi morto por atropelamento e o motorista fugiu. O chofer de Taylor Winthrop se confessou culpado, mas agora afirma que quen dirigia era Taylor Winthrop.
Roger disse, pensativo:
- Falcon fazia parte da Comissão da OTAN em Bruxelas.
- Certo. E o chofer lhe disse que foi Taylor Winthrop quem matou o filho dele.
- Entendo. O que também lhe dá um motivo.
- Exatamente. Já ouviu falar de Vincent Mancino? Roger Hudson pensou por um momento.
- Não.
- Ele é da Máfia. Taylor Winthrop engravidou a filha dele e mandou-a a um charlatão que Lhe fez um aborto malfeito. A filha hoje vive num convento e a mãe num sanatório.
- Meu Deus.
- A questão é que todos os três têm fortes motivos para vingança. - Dana deu um suspiro de frustração. - Mas não posso provar nada.
Roger lançou um olhar pensativo a Dana.
- Então Taylor Winthrop foi mesmo culpado de todas essas coisas terríveis.
- Quanto a isso, não há a menor dúvida, Roger. Qualquer um deles que estiver por trás dos assassinatos orquestrou todos brilhantemente. Não deixou pistas… nenhuma. Cada assassinato teve um diferente modus operandi, por isso não há nenhum padrão óbvio. Cada detalhe foi cuidadosamente planejado.
Nada foi deixado ao acaso. Não existe sequer uma testemunha para nenhuma das mortes.
Pamela disse, pensativa:
- Sei que pode parecer meio forçado, mas… há alguma possibilidade de todos eles terem se juntado para conseguir vingança? Dana balançou a cabeça.
- Não acredito que tenha havido conluio. Os homens com quem conversei são muito poderosos. Acho que cada um ia querer se vingar sozinho. Só um deles é culpado.
Mas qual?
Dana, de repente, olhou para o relógio de pulso.
- Por favor, me desculpem. Prometi levar Kemal ao McDonald’s, e se me apressar posso fazer isso antes de voltar ao trabalho.
- Claro, querida - disse Pamela. - Entendemos perfeitamente. Obrigada por aparecer Dana levantou-se.
- E obrigada a vocês dois pelo delicioso chá e apoio moral.
Ao levar Kemal para a escola na segunda-feira, Dana disse:
- Deixei de fazer isso por algum tempo, mas agora estou de volta.
- Fico feliz - disse Kemal, bocejando.
Dana percebeu que ele não parara de bocejar desde que acordara.
- Você dormiu bem ontem à noite, Kemal? - perguntou.
- Acho que sim. - Bocejou mais uma vez.
- Que faz na escola? - perguntou Dana.
- Quer dizer, além da história terrível e do inglês chato?
- Sim.
- Jogo futebol.
- Não está fazendo demais, está, Kemal?
- Não.
Ela deu uma olhada na frágil figura a seu lado. Parecia que toda a energia tinha se esvaído do menino. Estava estranhamente quieto. Dana se perguntou se não devia levá-lo a um médico. Talvez se informasse sobre algumas vitaminas que lhe dessem energia. Conferiu as horas no relógio de pulso. A reunião de produção dos noticiários da noite ia ser dali a uma hora e meia.
A manhã transcorreu rápida, era gostoso sentir-se de volta ao seu mundo.
Quando retornou ao escritório, Dana encontrou um envelope lacrado na mesa com seu nome. Abriu-o. A carta dentro dizia: “Srta. Evans: Tenho a informação que deseja. Fiz uma reserva em seu nome no Hotel Soyuz, em Moscou. Venha imediatamente. Não diga a ninguém sobre isso.”
Não era assinada. Dana leu mais uma vez a carta, sem acreditar. Tenho a informação que desejava.
Claro que era algum tipo de ardil. Se alguém na Rússia tinha a resposta que ela procurava, por que, fosse quem fosse, não lhe dera quando ainda estava lá? Dana pensou no encontro que teve com o comissário Sasha Shdanoff e o irmão dele, Boris. Boris parecia ansioso por falar com ela, e Sasha não parou de cortálo.
Ela ficou sentada ali, à mesa, pensando. Como o bilhete tinha chegado até lá? Será que estava sendo vigiada? Vou esquecer isso, decidiu. Enfiou a carta na bolsa. “vou rasgála quando chegar em casa.
Dana passou a noite com Kemal. Achou que ele ia ficar fascinado com o novo jogo de computador que tinha comprado em Moscou, mas ele mostrou-se indiferente. Às nove horas, pôs-se a fechar os olhos.
- Estou com sono, Dana. Vou pra cama.
- Tudo bem, querido. - Viu-o entrar no quarto e pensou: Ele mudou muito.
Parece outro garoto. Bem, de agora em diante vamos ficarjuntos. Se alguma coisa o estiver aborrecendo, vou descobrir o que é. Estava na hora de partir para o estúdio.
No apartamento vizinho, o inquilino olhou o aparelho de televisão e disse no microfone de um gravador - O alvo foi para o estúdio de televisão fazer sua transmissão. O garoto foi para a cama. A governanta está costurando.
- Estamos ao vivo! - A luz vermelha da câmera acendeu.
A voz do locutor saiu estrondosa.
- Boa noite. Começa agora o jornal das onze horas na WTN com Dana Evans e Richard Melton.
Dana sorriu para a câmera.
- Boa noite. Com vocês, Dana Evans.
Sentado a seu lado, Richard Melton disse:
- E Richard Melton.
Ela começou:
- Iniciamos nosso jornal esta noite com uma terrível tragédia na Malásia…
Meu lugar é aqui, pensou, não correndo pelo mundo afora em alguma caça ao ganso selvagem.
O noticiário transcorreu bem. Quando retornou ao apartamento, Dana encontrou Kemal dormindo. Após dar boanoite à Sra. Daley, também foi se deitar, mas não conseguiu dormir Tenho a informação que deseja. Fiz uma reserva em seu nome no Hotel Soyuz, em Moscou. Venha imediatamente. Não diga a ninguém sobre isso.
É uma cilada. Voltar a Moscou seria uma loucura, pensou. Mas e se for verdade? Quem ia se dar todo esse trabalho? E por quê? A carta só podia ter vindo de Boris Shdanoff. E se ele realmente souber de alguma coisa?
Passou a noite toda acordada.
Assim que se levantou de manhã, telefonou para Roger Hudson.
- Roger… - Contou-lhe sobre o bilhete.
- Meu Deus. Não sei o que dizer - Parecia empolgado.
- Esse bilhete talvez queira dizer que alguém está disposto a falar a verdade sobre o que aconteceu aos Winthrops.
- Eu sei.
- Dana, poderia ser perigoso. Não gosto disso.
- Se eu não for, jamais descobriremos a verdade.
Ele hesitou.
- Acho que tem razão.
Ele disse, relutante:
- Muito bem. Quero que me mantenha informado o tempo todo.
- Prometo, Roger Dana estava na Agência de Viagens Comiche, comprando uma passagem de ida e volta para Moscou. Era sexta-feira. Espero não ter ido longe demais, pensou. Deixou um recado para Matt, contando-lhe o que estava acontecendo.
Quando voltou para o apartamento, disse à Sra. Daley:
- Receio que terei de me ausentar mais uma vez. São só dois dias. Cuide bem de Kemal.
- Não precisa se preocupar com nada, Srta. Evans. Ficaremos bem.
O inquilino no apartamento vizinho afastou-se do aparelho de televisão e deu um telefonema apressado.
Ao embarcar no avião da Aeroflot para Moscou, Dana pensou: É um déjà vu. Talvez eu devesse ter ouvido Roger. Pode ser uma armadilha. Mas se a resposta estiver em Moscou, vou descobri-la.
Acomodou-se para o longo vôo.
Quando o avião pousou no agora conhecido Aeroporto Sheremetyevo II, Dana foi pegar a maleta e saiu ao encontro de uma cegante tempestade de neve. Havia uma longa fila de viajantes à espera de táxis. Ela ficou ali no vento frio, agradecida ao casaco quente. Quarenta e cinco minutos depois, quando chegou afinal sua vez, um homem corpulento tentou com um tranco passar-lhe à frente.
- Nyet! - disse Dana com firmeza. - Este é o meu táxi.
- E entrou.
O motorista disse:
- Da?
- Quero ir ao Hotel Soyuz.
Ele voltou-se para olhá-la de frente e perguntou, num inglês estropiado:
- Tem certeza de querer ir para lá?
- Por quê? Que quer dizer? - perguntou ela, sem entender.
- É um hotel muito não bom.
Dana sentiu um frêmito de alarme. Tenho certeza? Tarde demais para desistir agora. O motorista esperava uma resposta.
- Sim. Eu… tenho certeza.
O motorísta encolheu os ombros, engrenou o táxi e partiu, entrando no tráfego movido a neve.
E se não tiver reserva alguma no hotel? E se tudo isso não passar de alguma brincadeira estúpida?, pensou Dana.
O Hotel Soyuz localizava-se num distrito operário nas imediações de Moscou, na rua Levoberezhnaya. Era um prédio velho, nada convidativo nem atraente, com a pintura marrom no exterior descascada.
- Quer que eu espere? - perguntou o taxista.
Dana hesitou por apenas um instante.
- Não. - Pagou, saltou do táxi, e o vento gelado impeliu-a para dentro de um pequeno saguão malcuidado. Sentada atrás do balcão, uma velha lia uma revista. Ergueu os olhos, surpresa, quando Dana entrou. Ela aproximou-se do balcão.
- Da?
- Creio que tenho uma reserva. Dana Evans. - Prendia a respiração.
A mulher fez que sim com a cabeça, devagar.
- Dana Evans, sim. - Virou-se para trás e pegou uma chave de um escaninho. - Quarto andar, quarto 402. - Entregou-a a Dana.
- Onde me registro?
A mulher balançou a cabeça.
- Sem registro. Você paga agora. Um dia.
Dana teve uma nova sensação de alarme. Um hotel na Rússia onde estrangeiros não tinham que se registrar? Alguma coisa estava errada.
A mulher disse:
- Quinhentos rublos.
- Vou precisar trocar algum dinheiro - disse Dana. Depois.
- Não. Agora. Aceito dólares.
- Tudo bem. - Ela enfiou a mão na bolsa e pegou um punhado de notas.
A mulher fez que sim com a cabeça, estendeu a mão e puxou seis delas.
Acho que eu poderia ter comprado o hotel com isso. Dana olhou em volta e perguntou:
- Onde fica o elevador?
- Sem elevador.
- Oh. - Era óbvio que um carregador estava fora de questão. Dana pegou a mala e começou a subir a escada.
O quarto era ainda pior do que imaginava. Pequeno, bagunçado, as cortinas rasgadas e a cama desfeita. Como Boris ia entrar em contato com ela? Isso talvez seja um embuste, pensou Dana, mas por que alguém ia se dar todo aquele trabalho? Sentou-se na beira da cama e olhou pela janela embaçada, sem lavar, a cena da rua movimentada embaixo.
Fui uma maldita estúpida, pensou. Talvez fique sentada aqui durante dias e nada…
Ouviu uma leve batida na porta. Dana respirou fundo e Levantou-se. Ia desvendar o mistério agora ou descobrir que não havia mistério algum. Foi até a porta e abriu-a. Ninguém no corredor. No chão, um envelope. Dana pegou-o e levou-o para dentro. O pedaço de papel dizia: “Vdnkh 9:00 da noite”. Dana examinou-o, tentando fazer algum sentido daquilo. Abriu a maleta e pegou o guia de Moscou que comprara. Ali estava, VDNKh. O texto dizia: “Exposição das realizações econômicas da URSS”, e dava um endereço.
Às oito horas daquela noite Dana fazia sinal para um táxi.
- VDNKh… o parque? - Não sabia ao certo a pronúncia.
O motorista virou-se e olhou para ela.
- VDNKh? Tudo fechado.
- Oh.
- Ainda quer ir até lá?
- Sim.
O motorista encolheu os ombros e o táxi avançou.
O enorme parque ficava no setor nordeste de Moscou. Segundo o guia, as suntuosas exposições haviam sido planejadas como um monumento à glória soviética, mas quando a economia entrou em recessão cortaram-se os financiamentos e o parque se transformou num monumento decadente ao dogma soviético. Os grandiosos pavilhões desmoronavam e o parque estava deserto.
Saltou do táxi e pegou um punhado de dinheiro americano.
- Isso é…?
- Da. - Ele pegou as moedas e um momento depois desapareceu.
Dana olhou em volta. Estava sozinha no parque enregelante e varrido pelo vento. Dirigiu-se a um banco próximo e sentou-se à espera de Boris.
Lembrou-se de quando tinha esperado no Zoológico por Joan Sinisi. E se Boris…
Uma voz por trás assustou-a.
- Horoshiy vyecherniy.
Dana virou-se e seus olhos arregalaram-se de surpresa. Esperara Boris Shdanoff. Em vez dele, via o comissário Sasha Shdanoff.
- Comissário! Não esperava que…
- Você vai me seguir - disse ele de chofre. Sasha Shdanoff pôs-se a andar rapidamente pelo parque. Ela hesitou um instante, depois apertou o passo atrás dele. O comissário entrou num café de aparência rústica na borda do parque e sentou-se num reservado. Só havia um outro casal em todo o café.
Dana atravessou-o até o reservado e sentou-se diante de Sasha Shdanoff.
Uma garçonete desmazelada com um avental sujo aproximou-se.
- Da?
- Dva cofe, pozhalooysta - disse Shdanoff. Voltou-se de novo para Dana. - Eu não tinha certeza de que viria, mas você é muito persistente. Isso às vezes pode ser muito perigoso.
- Você disse no bilhete que poderia me dizer o que quero saber - Sim. - O café chegou. Ele sorveu um gole e ficou calado por um momento. - Quer saber se Taylor Winthrop e sua família foram assassinados.
O coração de Dana começou a bater mais rápido.
- Foram?
- Foram. - Isso chegou como um arrepiante sussurro.
Ela sentiu um estremecimento repentino.
- Quem…
Ele ergueu a mão para detê-la.
- Vou lhe contar, mas primeiro precisa fazer alguma coisa por mim.
Dana olhou para ele e perguntou, cautelosa.
- Tire-me da Rússia. Não estou mais seguro aqui.
- Por que simplesmente não vai para o aeroporto e embarca num avião?
Pelo que sei, viajar para o exterior não é mais proibido.
- Cara Srta. Evans, você é ingênua. Muito ingênua. É verdade que as coisas não são mais como nos velhos dias do comunismo, mas se eu tentasse fazer o que sugere eles me matariam antes mesmo de eu chegar ao aeroporto.
Estou correndo grande perigo. Preciso de sua ajuda.
Ela precisou de alguns instantes para absorver as palavras dele. Lançou-lhe um olhar desanimado.
- Não posso tirar você… não saberia por onde começar.
- Mas precisa. Precisa encontrar um meio. Minha vida está em perigo.
Dana ficou pensativa por um momento.
- Posso falar com o embaixador americano e…
- Não! - A voz de Sasha Shdanoff foi incisiva.
- Mas é o único meio…
- Seu embaixador tem ouvidos de traidor. Ninguém deve saber disso, além de você e de quem for ajudá-la. Seu embaixador não pode me ajudar.
De repente, sentiu-se deprimida. Não via nenhum meio possível de tirar clandestinamente da Rússia um comissário russo. Eu não conseguiria tirar nem sequer um gato deste país. E outro pensamento também a invadiu.
Toda essa coisa era na certa um ardil. Sasha Shdanoff não tinha informação alguma.
Usava-a para tentar chegar aos Estados Unidos. Aquela viagem de nada Lhe servira.
- Receio não poder ajudá-lo, comissário Shdanoff. Levantou-se, furiosa.
- Espere! Você quer prova? Eu lhe darei a prova.
- Que tipo de prova?
Ele levou um longo tempo para responder. Quando falou, disse as palavras devagar - Está me obrigando a fazer uma coisa que não tenho o menor desejo de fazer - Levantou-se. - Venha comigo.
Trinta minutos depois, subiam a escada pela entrada privada nos fundos dos escritórios de Shdanoff, no Departamento Internacional de Desenvolvimento Econômico.
- Eu poderia ser executado pelo que estou prestes a lhe dizer - disse Sasha Shdanoff quando chegaram. - Mas não me resta outra opção. - Fez um gesto de impotência. - Porque serei assassinado se ficar aqui.
Dana viu Shdanoff dirigir-se a um grande cofre embutido na parede. Girou a combinação de números, abriu o cofre e tirou um livro grosso. Levou-o para sua escrivaninha. Na capa do livro, lia-se em letras vermelhas: “Klassifitsirovann’gy”.
- Isto é informação classificada como altamente confidencial - disse o comissário Shdanoff a Dana. Ele abriu o livro.
Ela olhava-o atenta enquanto ele virava as páginas devagar. Cada página continha fotografias coloridas de bombardeiros, veículos de lançamento espacial, mísseis antibalísticos, mísseis ar-terra, armas automáticas, tanques e submarinos.
- Esse é o arsenal completo da Rússia. - Parecia enorme, mortal. - Nesse momento, a Rússia tem mais de mil mísseis balísticos intercontinentais, mais de duas mil ogivas atômicas e setenta bombardeiros estratégicos. - Ele apontava várias armas enquanto passava as páginas. - Este é o Awl…
Acrid… Aphid…
Anab… Archer.. Nosso arsenal nuclear rivaliza com o dos Estados Unidos.
- É muito, muito impressionante.
- As Forças Armadas russas passam por graves problemas, Srta. Evans.
Enfrentamos uma crise. Não há dinheiro para pagar os soldados, e o moral anda muito baixo. O presente oferece pouca esperança, e o futuro parece pior, por isso os militares estão sendo obrigados a se voltar para o passado.
- Eu… receio não entender como isso…
- Quando a Rússia era uma verdadeira superpotência, construíamos mais armas do que até mesmo os Estados Unidos. Essas armas estão guardadas aqui. Há dezenas de países famintos por elas. Valem bilhões.
Dana disse, paciente:
- Comissário, entendo o problema, mas…
- Este não é o problema.
Dana lançou-lhe um olhar, aturdida.
- Não? Então qual é?
Shdanoff escolheu cuidadosamente suas palavras seguintes.
- Já ouviu falar de Krasnoyarsk-26? Dana balançou a cabeça.
- Não.
- Não me surpreende. Não existe em nenhum mapa, e as pessoas que vivem lá também não existem oficialmente.
- De que está falando?
- Você vai ver. Amanhã a levarei lá. Vai me encontrar no mesmo café ao meio-dia. - pôs a mão no braço de Dana e apertou-o com força. - Não deve contar isso a ninguém. - Ele a machucava. - Entendeu?
- Sim.
- Orobopeno. Combinado.
Às doze horas da manhã seguinte, Dana chegou ao pequeno café no Parque VDNKh. Entrou e sentou-se no mesmo reservado, à espera. Meia hora depois, Shdanoff ainda não havia chegado. Que aconteceu agora?, perguntou-se, ansiosa.
- Dobry dyen. - Sasha Shdanoff tinha parado diante do reservado. - Venha.
Precisamos fazer compras.
- Compras? - perguntou ela, incrédula.
- Venha.
Dana seguiu-o dentro do parque.
- Compras para quê?
- Para você.
- Eu não preciso…
Shdanoff fez sinal para um táxi e seguiram num tenso silêncio até um shopping. Desceram e Shdanoff pagou ao motorista.
- Aqui - disse Sasha Shdanoff:
Entraram no prédio e passaram por umas dez lojas. Quando chegaram diante de uma com a vitrine cheia de lingerie sexy, provocativa, Shdanoff parou.
- Aqui. - Ele levou Dana até o interior Dana olhou em volta acessórios obscenos.
- Que estamos fazendo aqui?
- Você vai trocar de roupa.
Uma vendedora aproximou-se deles e houve um rápido diálogo em russo.
A vendedora fez que sim com a cabeça e alguns minutos depois voltou com uma minissaia rosa-shocking e uma blusa listrada, bem justa e curta.
Shdanoff aprovou com um movimento da cabeça.
- Da. - Virou-se para Dana. - Ponha essas roupas.
Dana recuou.
- Não! Não vou vestir isso. Que acha…
- Você precisa. - A voz era firme.
- Por quê?
- Você verá.
Dana pensou: Esse homem deve ser algum tipo de maníaco sexual. Por que diabos tenho de vestir isso?
Shdanoff observava-a.
- Então?
Ela respirou fundo.
- Está bem. - Foi até uma cabine minúscula e pôs a roupa. Quando saiu, deu uma olhada num espelho e suspirou. Pareço uma prostituta.
- Ainda não - informou Shdanoff. - Vamos ter de pôr alguma maquilagem carregada em você.
- Comissário…
- Venha.
As roupas de Dana foram postas numa sacola de papel. Ela vestiu o casaco de lã, tentando esconder o traje o máximo possível. Seguiram mais uma vez pelo shopping. Os passantes lançavam olhares a Dana, e homens davam-lhe sorrisos insinuantes.
Um operário piscou os olhos para ela. Sentia-se degradada.
- Aqui!
Pararam diante de um salão de beleza. Sasha Shdanoff entrou. Dana hesitou, seguindo-o depois. Ele foi até o balcão.
- Ano tyomnyj - disse.
A esteticista mostrou-lhe um tubo de batom vermelho vivo e um estojo de ruge.
- Savirshehnstva - disse Shdanoff. Voltou-se para Dana.
- Ponha em você. Pesado.
Ela chegara ao limite.
- Não, obrigada. Não sei que tipo de jogo está armando, comissário, mas não vou participar dele. Já…
Shdanoff varou-lhe os olhos com os dele.
- Asseguro-lhe que não é um jogo, Srta. Evans. Krasnoyarsk-26 é uma cidade fechada. Sou um dos poucos que têm acesso a ela. Permitem a pouquíssimos de nós levarmos prostitutas durante o dia. É o único meio possível que tenho para fazê-la passar pelos guardas. Isso e uma excelente vodca como pagamento por sua entrada. Está interessada, ou não?
Cidade fechada? Guardas? Até onde iremos com isso?
- Estou - disse ela, relutantemente decidida. - Estou interessada.
VinTE E DOIS Um jato militar esperava-os numa área privada do Aeroporto Sheremetyevo II. Dana ficou surpresa ao constatar que ela e Shdanoff eram os únicos passageiros.
- Para onde estamos indo? - perguntou.
Sasha Shdanoff deu-lhe um sorriso sinistro.
- Para a Sibéria.
Sibéria. Dana sentiu um nó no estômago.
- Oh.
O vôo levou três horas. Ela tentou puxar conversa, esperando ter uma idéia do que ia enfrentar, mas Shdanoff ficou sentado na poltrona calado e com a expressão carrancuda.
Quando o avião pousou no pequeno aeroporto que lhe pareceu ficar no meio de lugar nenhum, um sedã Lada 2110 esperava-os no macadame congelado. Dana olhou em volta para a paisagem mais desolada que já tinha visto.
- Este lugar para onde vamos fica longe daqui? - E será que vou voltar?
- É uma distância curta. Precisamos ter muito cuidado.
Ter muito cuidado com o quê?
Um curto trajeto aos solavancos levou-os ao que pareceu uma pequena estação de trem. Na plataforma havia uns seis guardas uniformizados e com grossos agasalhos.
Quando Dana e Shdanoff se aproximaram, os guardas lançaram olhares amorosos e impertinentes ao traje indecoroso de Dana. Um deles apontou para ela e deu um sorrisinho afetado.
- Ti vezuchi!
- Kakaya krasivaya zJienshina!
Shdanoff deu um sorriso aberto e disse alguma coisa em russo que fez os guardas rirem.
Não quero saber, ela decidiu.
Shdanoff embarcou no trem e Dana seguiu-o, mais confusa que nunca.
Para onde poderia ir um trem no meio daquela tundra deserta e congelada?
Dentro do vagão a temperatura era enregelante.
A locomotiva pôs-se em movimento e, passados alguns minutos, entrou num túnel iluminado que varava o coração de uma montanha. Dana olhou a rocha dos dois lados, a centímetros de distância, e teve a sensação de que mergulhava em algum sonho misterioso, surrealista.
Virou-se para Shdanoff.
- Poderia, por favor, me dizer para onde estamos indo? O trem deu um tranco e parou.
- Já chegamos.
Desembarcaram e seguiram em direção a um prédio de formas estranhas a uns cem metros adiante. Diante do prédio, erguiam-se duas cercas de arame farpado proibitivas ao olhar, patrulhadas por soldados armados até os dentes. Quando Dana e Sasha Shdanoff se aproximaram dos portões, os soldados os saudaram.
Shdanoff sussurrou:
- Ponha o braço no meu, me beije e ria.
Jeff jamais acreditará nisso, pensou ela. Envolveu o braço no de Shdanoff, beijou-o na face e forçou um sorriso falso.
Os portões abriram-se e os dois cruzaram a entrada de braços dados. Os soldados lançaram olhares invejosos ao comissário Shdanoff entrando com sua bela prostituta. Para espanto de Dana, o prédio onde haviam entrado ficava acima de uma estação de elevador que descia para o subsolo.
Entraram no compartimento do elevador e a porta fechou-se com estrépito.
Ao descerem, Dana perguntou:
- Para onde estamos indo?
- Descendo por dentro da montanha. - O elevador ganhava velocidade.
- Qual a distância para baixo da montanha?
- Cento e oitenta metros.
Dana olhou para ele, incrédula.
- Vamos descer cento e oitenta metros para baixo de uma montanha? Por quê? Que tem lá?
- Você vai ver Minutos depois, o elevador começou a diminuir a velocidade, parou e as portas abriram-se automaticamente.
- Chegamos, Srta. Evans - disse o comissário Shdanoff.
Mas que lugar é este?
Os dois saíram do elevador e não haviam andado mais de seis metros quando Dana parou em choque. Viu-se seguindo pela rua de uma cidade moderna, com lojas, restaurantes e teatros. Homens e mulheres andavam pelas calçadas e, de repente, ela percebeu que ninguém usava sobretudos.
Começou a sentir-se aquecida. Virou-se para Shdanoff:
- Estamos debaixo de uma montanha?
- Isso mesmo.
- Mas… - Ela admirou a incrível paisagem que se estendía diante de si. - Não entendo. Que lugar é este?
- Eu lhe disse. Krasnoyarsk-26.
- É um daqueles abrigos antiaéreos?
- Ao contrário - disse Shdanoff, enigmático.
Dana olhou mais uma vez os prédios modernos em volta.
- Comissário, qual o sentido deste lugar? Ele lançou-lhe um olhar longo, intenso.
- Você ficaria em melhor situação se não soubesse o que estou prestes a lhe dizer Dana teve uma vívida sensação de alarme.
- Conhece alguma coisa sobre plutônio?
- Não muito.
- Plutônio é o combustível de uma ogiva nuclear, o ingrediente básico nas armas atômicas. O único propósito da existência de Krasnoyarsk-26 é fazer plutônio. Cem mil cientistas e técnicos vivem e trabalham aqui, Srta.
Evans. No início, recebiam o que existia de mais excelente em comida, roupas e moradia. Mas todos estão aqui com uma restrição.
- Sim?
- Têm de concordar em jamais deixar Krasnoyarsk-26.
- Quer dizer…
- Não podem sair. Para sempre. São obrigados a desligarse completamente do resto do mundo exterior Dana olhou para as pessoas andando nas ruas aquecidas e pensou consigo mesma.
Isso não pode ser real.
- Onde eles fazem o plutônio?
- Vou lhe mostrar - Um bonde elétrico aproximava-se.
- Venha.
Shdanoff entrou no bonde e Dana seguiu-o. Percorreram a movimentada rua principal e, no fim dela, entraram num labirinto de túneis maliluminados.
Ela pensou no incrível trabalho e em todos os anos que deviam ter sido consumídos na construção daquela cidade. Em alguns minutos, as luzes começaram a ficar mais fortes e o bonde parou. Estavam diante da entrada de um enorme laboratório intensamente iluminado.
- Saltamos aqui.
Dana seguiu Shdanoff e olhou em volta, assombrada. Na imensa gruta, alojavam-se três reatores gigantescos. Dois estavam desativados, mas o terceiro em operação e cercado por un ocupado quadro de técnicos.
Shdanoff disse:
- As máquinas nesta sala podem produzir plutônio para fazer uma bomba atômica a cada três dias. - Indicou uma en funcionamento. - Aquele reator continua produzindo meia tonelada de plutônio por ano, o suficiente para fazer uma centena de bombas. O plutônio armazenado na sala seguinte vale o resgate de um czar.
- Comissário, se eles têm todo esse plutônio, por que continuam fazendo mais? - perguntou Dana.
- É o que vocês americanos chamam de Ardil, um dilema insolúvel - disse Shdanoff, com um sorriso forçado. Não podem desligar o reator porque o plutônio fornece a energia para a cidade em cima. Se interromperem o funcionamento dele, não haverá mais luz nem calor, e as pessoas lá em cima logo morrerão congeladas.
- Isso é terrível - disse Dana. - Se…
- Espere. O que tenho a lhe dizer é pior ainda. Devido à situação da economia russa, não há mais dinheiro para pagar os cientistas e técnicos que trabalham aqui. Eles não receben há meses. As lindas casas que ganharam anos atrás estão se deteriorando, e não há dinheiro para consertálas.
Todos os luxos desapareceram. As pessoas aqui começaram a ficar desesperadas. Entende o paradoxo? A quantidade de plutônio estocada aqui vale indizíveis bilhões de dólares, mas as pessoas que o criaram nada mais têm e estão começando a ficar famintas.
- Acha que eles poderiam vender parte do plutônio a outros países? -perguntou Dana, devagar Ele fez que sim com a cabeça.
- Antes de Taylor Winthrop se tornar embaixador na Rússia, amigos lhe contaram sobre Krasnoyarsk-26 e perguntaram se ele queria fazer um acordo. Após conversar com alguns cientistas aqui, que se sentiam traídos por seu governo, Winthrop ficou doido para fazer um acordo. Mas era complicado, e ele tinha de esperar até que todas as peças se encaixassem.
Ele parecia um doido. Disse alguma coisa como: “Todas as peças se encaixaram.”
Dana respirava com dificuldade.
- Logo depois disso, Taylor Winthrop tornou-se embaixador americano na URSS. Ele e seu sócio colaboraram com alguns dos cientistas rebeldes e começaram a contrabandear plutônio para uma dezena de países, entre eles Líbia, Irã, Iraque, Paquistão, Coréia do Norte e China.
Afinal todas as peças haviam-se encaixado! Ser embaixador era importante para Taylor Winthrop só porque ele tinha de ficar perto para controlar a operação.
O comissário continuava.
- Era fácil, Srta. Evans, porque um volume de plutônio do tamanho de uma bola de tênis é suficiente para fazer uma bomba atômica. Taylor Winthrop e seu parceiro estavam fazendo bilhões de dólares. Administravam tudo com muita inteligência e competência, ninguém suspeitava de nada. - Ele parecia ressentido. - A Rússia se tornou uma loja de guloseimas, só que em vez de comprar guloseimas, podem-se comprar bombas atômicas, tanques, aviões de caça e sistemas de mísseis.
Dana tentava digerir tudo que ouvia.
- Por que Taylor Winthrop foi assassinado?
- Ele ficou ganancioso e decidiu criar um negócio só para si. Quando o sócio descobriu o que estava fazendo, mandou assassiná-lo.
- Mas… mas por que assassinar toda a família?
- Depois que Taylor Winthrop e a mulher morreram no incêndio, o filho Paul tentou chantagear o sócio, por isso ele mandou matá-lo. E depois decidiu não correr risco algum de que os outros filhos viessem a saber do negócio do plutônio, portanto mandou assassinar todos. Fez de um jeito que as mortes parecessem acidentes.
Dana olhou para ele, horrorizada.
- Quem era o sócio de Taylor Winthrop? O comissário Shdanoff balançou a cabeça.
- Já sabe bastante por ora, Srta. Evans. Eu lhe direi o nome quando me tirar da Rússia. - Conferiu as horas em seu relógio de pulso. - Agora precisamos partir Dana voltou-se para dar uma última olhada no reator que não podia ser desligado, a expelir plutônio letal 24 horas por dia.
- O governo dos Estados Unidos sabe da existência de Krasnoyarsk-26?
Shdanoff fez que sim com a cabeça.
- Oh, sim. Têm pavor disso. O Departamento de Estado vem trabalhando freneticamente conosco para transformar esses reatores em alguma coisa menos letal. Enquanto isso…
Deu de ombros.
No elevador, o comissário Shdanoff perguntou:
- Conhece a Agência Federal de Pesquisas, FRA? Dana olhou para ele e respondeu, cautelosa:
- Conheço.
- Eles também estão envolvidos nisso.
- Como? - E nesse momento a compreensão atingiu-a.
Por isso é que o general Booster não parou de me avisar para que me afastasse.
Chegaram à superfície e saíram do elevador. Shdanoff disse:
- Tenho um apartamento aqui. Vamos para lá.
Quando se puseram a seguir pela rua, Dana reparou numa mulher vestida igual a ela agarrada aos braços de um homem.
- Aquela mulher.. - começou a dizer - Já lhe expliquei. Alguns homens têm permissão para usar prostitutas durante o dia. Mas à noite elas têm de ir para um alojamento vigiado. Não podem saber nada do que se passa no subsolo.
Ao seguirem pela rua, Dana percebeu que a maioria das vitrines das lojas estava vazia.
Os luxos desapareceram. O Estado não tem mais dinheiro para pagar os cientistas e técnicos que trabalham aqui. Eles não recebem há meses. Olhou para um prédio alto na esquina e viu que em vez de um relógio tinha um grande instrumento instalado no topo.
- Que é aquilo? - perguntou.
- Um medidor Geiger, um alarme para o caso de ocorrer alguma coisa errada com os reatores. - Dobraram numa rua lateral cheia de prédios de apartamentos. - Meu apartamento é aqui. Precisamos ficar lá por algum tempo para que ninguém desconfie. A FSB investiga todo mundo.
- A FSB?
- É. Era chamada de KGB. Eles mudaram o nome, mas só isso.
O apartamento era grande e luxuoso antes, mas havia se tornado decadente.
Tinha as cortinas rasgadas, os tapetes gastos e a mobília precisava de restauração.
Dana sentou-se, pensando no que Sasha Shdanoff Lhe disse sobre a FRA.
E Jeff dissera: A agência é uma fachada. A verdadeira função da FRA é espionar os serviços secretos estrangeiros.
Taylor Winthrop foi durante um período presidente da FRA, trabalhando com Victor Booster Se eu fosse você, ficaria o mais longe possível do general Booster.
E em seu encontro com Booster: Vocês, porras de jornalistas, não podem deixar os mortos em paz? O general Booster tinha uma enorme organização secreta para levar a cabo os assassinatos.
E Jack Stone estava tentando protegê-la. Tenha cuidado. Se Victor Booster soubesse apenas que falei com você…
Os espiões da FRA estavam em toda parte e Dana sentiu-se de repente nua.
Sasha Shdanoff deu uma olhada no relógio de pulso.
- É hora de partir. Ainda não sabe como vai fazer para me tirar do país?
- Sim - disse Dana, devagar. - Acho que sei como conseguir isso. Preciso de um pouco de tempo.
Quando o avião tornou a pousar em Moscou, dois carros os esperavam.
Shdanoff entregou-lhe um pedaço de papel.
- Vou ficar com uma amiga nos Apartamentos Chiaka. Ninguém sabe que estou lá. É o que a gente chama de uma “casa segura”. Aqui está o endereço. Não posso voltar para minha casa. Esteja nesse endereço às oito da noite. Preciso conhecer seu plano.
Dana fez que sim com a cabeça.
- Está bem. Tenho de dar um telefonema.
Quando Dana voltou ao vestíbulo do Hotel Soyuz, a mulher atrás do balcão arregalou os olhos. Não a culpo, pensou. Preciso tirar logo esta roupa horrível.
Já no quarto, vestiu suas próprias roupas antes de dar um telefonema.
Rezava, ouvindo-o chamar na outra ponta. Por favor, estejam em casa. Por favor, estejam em casa. Aí ouviu a abençoada voz de Cesar:
- Residência dos Hudsons.
- Cesar, o Sr Hudson está? - Percebeu que prendia a respiração.
- Srta. Evans! Que bom ouvir sua voz. Sim, o Sr Hudson está aqui. Um momento, por favor Dana sentiu o corpo tremer de alívio. Se havia alguém que pudesse ajudá-la a levar Sasha Shdanoff para os Estados Unidos, Roger Hudson era a pessoa capaz de fazê-lo.
Momentos depois, ouvia a voz dele na linha.
- Dana?
- Roger, oh, graças a Deus encontrei você!
- Que foi que houve? Você está bem? Onde está?
- Estou em Moscou. Descobri por que Taylor Winthrop e sua família foram assassinados.
- Como? Meu Deus. Como você…?
- Conto-lhe tudo quando estivermos juntos. Roger, detesto ter de abusar mais uma vez, mas estou com um problema.
Tem uma importante autoridade russa que quer fugir para os Estados Unidos. Chama-se Sasha Shdanoff: Ele corre risco de vida aqui. Sabe as respostas de tudo que aconteceu. Temos de tirá-lo daqui, e rápido! Você pode ajudar?
- Dana, nenhum de nós devia envolver-se numa coisa dessas. Vamos ficar em apuros.
- Temos de aproveitar essa chance. Não temos outra opção. É muito importante. Precisa ser feito.
- Não estou gostando nada dessa história, Dana.
- Lamento arrastá-lo para isso, mas não tenho ninguém mais a quem recorrer - Maldição, eu… - Interrompeu-se. - Está bem. O melhor a fazer agora é levá-lo para a embaixada americana. Ele vai ficar seguro lá até bolarmos um plano de trazê-lo para os Estados Unidos.
- Ele não quer ir para a embaixada. Não confia neles.
- Não tem outro jeito. Vou telefonar para o embaixador numa linha segura e lhe dizer que consiga proteção. Onde Shdanoff está agora?
- Esperando nos Apartamentos Chiaka. Na casa de uma amiga. Vou me encontrar com ele lá.
- Muito bem. Dana, quando você o pegar, vá direto para a embaixada. Não pare em lugar algum no caminho.
Dana sentiu uma onda de alívio.
- Obrigada, Roger. Quer dizer, muito obrigada mesmo.
- Tenha cuidado, Dana.
- Pode deixar - A gente se fala mais tarde.
Obrigada, Roger. Quer dizer, muito obrigada mesmo.
Tenha cuidado, Dana.
Pode deixar.
A gente se fala mais tarde.
Fim da fita.
Às 7:30 da noite, Dana saiu sem ser vista pela entrada de serviço do Hotel Soyuz. Tomou uma viela e foi açoitada pelo vento gelado. Fechou o casacão bem junto de si, mas o vento atingia-Lhe os ossos. Andou dois quarteirões, certificando-se de que não estava sendo seguida. Na primeira esquina movimentada, fez sinal para um táxi e dísse ao motorista o endereço que Sasha Shdanoff tinha lhe dado.
Quinze minutos depois, o táxi parava num prédio de apartamentos sem identificação.
- Eu espero? - perguntou o motorista.
- Não. - Na certa, o comissário Shdanoff teria um carro. Dana tirou alguns dólares da bolsa, estendeu a mão, o motorista grunhiu e pegou todos. Viu-o afastar-se e entrou no prédio. O vestíbulo estava deserto. Ela olhou o pedaço de papel na mão, apartamento 2BE. Aproximou-se de um lance de escada em péssimo estado e subiu para o segundo andar. Ninguém por perto. Um longo corredor diante de si.
Pôs-se a atravessá-lo, devagar, verificando os números nas portas. 5BE… 4BE… 3BE… encontrou a porta do 2BE entreaberta. Ficou tensa. Com cuidado, abriu-a com um empurrão e entrou. O apartamento estava escuro.
- Comissário…? - Esperou. Ninguém respondeu. Comissário Shdanoff? - Um silêncio pesado. Viu um quarto adiante e dirigiu-se para lá. - Comissário ShdanofE? Quando entrou no quarto escuro, tropeçou num objeto volumoso e caiu no chão. Estava deitada em alguma coisa macia e úmida. Cheia de náuseas, esforçou-se para levantar-se.
Apalpou a parede até encontrar um interruptor. Apertou-o e o quarto inundou-se de luz. Dana tinha as mãos cobertas de sangue. No chão, estendia-se o objeto em que tropeçara: o corpo de Sasha Shdanoff. Estava deitado de costas, com o peito ensopado de sangue e a garganta cortada de uma orelha à outra.
Dana gritou. Ao fazer isso, olhou para a cama e viu o corpo ensangüentado de uma mulher de meia-idade com um saco de plástico envolto na cabeça.
Sentiu um arrepio varrê-la da cabeça aos pés.
Histérica, saiu e desceu correndo a escada do prédio.
Parado diante da janela de um apartamento no prédio do outro lado da rua, ele carregava um pente de trinta disparos num fuzil AR 7 com silenciador.
Usava um visor 3-6, aferido para até 65 metros. Movia-se com a graça fácil e calma de um profissional. Era uma tarefa simples. A mulher devia sair do prédio a qualquer minuto. Ele sorriu com a idéia de como ela devia ter entrado em pânico ao encontrar os dois corpos ensangüentados. Agora era a sua vez.
A porta do prédio de apartamentos defronte abriu-se e ele ergueu cuidadosamente o fuzil, apoiando-o no ombro.
Pelo visor, viu o rosto de Dana ao sair correndo para a rua, olhando frenética em volta, tentando decidir que lado tomar. Mirou com extremo cuidado para certificar-se de que ela ficasse no centro exato do visor e apertou delicadamente o gatilho.
Nesse instante, um ônibus parou diante do prédio, e a saraivada de balas atingiu a parte de cima do veículo, arrancando parte do teto. O francoatirador olhou para baixo, incrédulo.
Algumas balas haviam ricocheteado e entrado na alvenaria do prédio, mas o alvo saíra ileso. Pessoas saltavam em debandada do ônibus, aos gritos.
Ele sabia que tinha de dar o fora dali. A mulher corria pela rua. Não se preocupe. Os outros cuidarão dela.
As ruas estavam geladas e o vento uivava, mas Dana nem percebeu.
Achava-se em pânico total. Dois quarteirões adiante, chegou a um hotel e entrou correndo no vestíbulo.
- Telefone? - disse ao recepcionista atrás do balcão.
Ele olhou para as mãos ensangüentadas de Dana e recuou.
- Telefone? - Ela quase gritava.
Nervoso, o recepcionista apontou para uma cabine telefônica num canto do saguão. Dana correu para dentro dela. Da bolsa, tirou um cartão telefônico e, com dedos trêmulos, ligou para a telefonista.
- Quero fazer uma chamada para os Estados Unidos.