Reiniciei a minha descida, tentando em vão lembrar-me de qual devia ser a minha velocidade à aproximação da pista. Desci até os mil pés a uma velocidade de cinquenta milhas por hora... Será que estava com velocidade a mais? Voei por três vezes em círculos sobre o campo, aproximando-me aos poucos do chão. Cinquenta milhas por hora, velocidade a mais, velocidade a menos? Respirei fundo e concentrei-me.


O avião tocou na pista, saltou, tocou na pista de novo, saltou outra vez e por fim ficou no chão enquanto eu puxava a manete e atacava os travões. Quando saí cá para fora, todo eu tremia.


O capitão Anderson, que ia a caminho da cidade, assim que se apercebeu do que se estava a passar, parou e voltou a toda velocidade para o campo de aviação. Chegou junto de mim a correr.


- Que raio é que te passou pela cabeça? Exigiu saber. Eu suava por todos os poros.


- Eu... Eu não sei... Da próxima vez será...


- Qual próxima vez! Já! Fiquei perplexo.


- Já?


- Isso mesmo. Entra outra vez naquele avião e leva-o já lá para cima.


Achei que estava a brincar.


- Estou à espera!


Então, era mesmo verdade. Eu conhecia o ditado ”Se caíres de um cavalo, tens de voltar a montar logo de seguida.” O capitão Anderson, pelos vistos, pensava o mesmo no que dizia respeito aos aviões. Estava a mandar-me para uma morte certa. Olhei-o nos olhos e optei por não argumentar. Voltei para o avião, sentei-me e tentei controlar a minha respiração. Se eu morresse, a culpa seria toda dele.


Todos olhavam enquanto eu taxiava pela pista.


Estava de novo no ar. Tentei relaxar e concentrar-me e lembrar-me de tudo o que me tinham ensinado sobre altitude, velocidade e ângulos de voo. Graças a Deus, de repente, a minha mente clareou. Fiquei lá em cima mais uns quinze minutos e, desta vez, eu estava pronto. Fiz uma aterragem quase perfeita.


Quando saía apressadamente do avião, o capitão Anderson rosnou:


- Isso mesmo. Assim está melhor. Amanhã repetes.


O resto do meu treino de voo decorreu sem incidentes, exceto num dia memorável, perto do final do curso.


Nessa manhã, quando me preparava para levantar voo, o capitão Anderson disse:


- Sheldon, recebemos informação de que se aproxima uma grande tempestade. Mantém-te atento. Assim que a vires aproximar, aterra imediatamente.


- Sim, senhor.


Decolei, atingi a minha altitude e comecei a descrever círculos em redor das montanhas, fazendo os meus parafusos e as minhas perdas. Aproxima-se uma grande tempestade... Assim que a vires aproximar, aterra imediatamente...

E se eu fosse apanhado por ela e não conseguisse ver um sítio para aterrar? Imaginei os cabeçalhos ”Piloto apanhado numa tempestade”.

As notícias sairiam na rádio e na televisão. O mundo suspenderia a respiração enquanto aguardava para saber se o jovem cadete se conseguia safar ou não. O campo de aviação lá em baixo estaria cheio de ambulâncias e de equipamento de bombeiros. Fiquei completamente embrenhado nestes pensamentos, a deleitar-me com a minha coragem perante este enorme desastre, quando de repente me apercebi que tudo escurecera à minha volta. Isso porque o meu avião estava exatamente no meio da tempestade. Eu voava às cegas, rodeado por terríveis e sinistras nuvens negras. Não só não via a pista de aterragem como não conseguia ver absolutamente nada. A única coisa que sabia era que estava cercado por todos os lados por terríveis picos montanhosos e que a qualquer segundo me arriscava a esmagar-me contra um deles. Perdera todo o sentido de orientação. O campo de aviação estava na minha frente? Atrás? Dos lados?


O avião começou a ser sacudido de um lado para o outro pelo vento. Os cabeçalhos que imaginara estavam quase a transformar-se em verdadeiros. Num esforço para evitar as montanhas que me cercavam, comecei a voar em pequenos círculos, perdendo aos poucos altitude, sacudido de um lado para o outro, a tentar manter-me sempre na mesma área segura. Quando atingi os trinta pés, vi finalmente o campo de aviação. Os outros tripulantes estavam todos lá em baixo a observar.


Assim que aterrei, o instrutor chegou furioso junto de mim.


- Que diabo se passa contigo? Eu avisei-te para estares atento à tempestade.


- Peço desculpa. Sim, senhor. Ela chegou e eu não reparei. Recebi as minhas asas exatamente três meses depois de ter chegado a Richfield.


O capitão Anderson reuniu-nos.


- Estão prontos para receber treino de vários motores, os BT-19 e os DAT-6. Infelizmente, de momento, as escolas de aviões mais avançados estão completamente cheias. Por isso vão ter de ficar a aguardar. A qualquer momento podem abrir vagas. Enquanto esperam, não precisam ficar aqui, mas deixem um telefone de contacto com o sargento onde possam ser contatados, quer de dia quer de noite. Assim que alguma dessas escolas tenha vagas, entraremos imediatamente em contacto convosco. Boa sorte.


Lembrei-me imediatamente de Ben Roberts. Decidi que enquanto aguardava por uma vaga iria até Nova Iorque. Fiz uma reserva num hotel em Manhattan e dei o número de telefone ao sargento. Tinha o pressentimento de que no momento exato em que lá chegasse receberia uma mensagem com instruções para regressar.


Despedi-me dos meus companheiros de voo e nessa mesma tarde estava a bordo de um avião para Nova Iorque, ao encontro de Ben.

CAPÍTULO 13

Foi um voo calmo e agradável. Eu ia sentado num enorme avião comercial cheio de passageiros, no meu uniforme do Air Corps, com as minhas novas asas, e a ficar cada vez mais enjoado e com todos os passageiros a olharem para mim. Tenho a impressão de que se me tivesse sido permitido voar em combate a guerra teria sido muito mais curta. Mas nós é que tínhamos perdido!


Chegamos à Nova Iorque, à terra do Brill Building, do RKOJefferson e de Max Rich, e as recordações que entraram em catadupa pareciam pertencer a outro mundo, a outra época.


Ben Roberts estava no aeroporto à minha espera com um enorme abraço. A caminho do hotel, foi-me pondo a par das suas atividades.


- Estou destacado em Fort Dix a escrever filmes de treino de guerra explicou. Tu nem acreditas no que são. Num deles passamos dez minutos a mostrar aos recrutas como abrir o capo de um carro. É como se estivéssemos a escrever para crianças de cinco anos. Quanto tempo vai ficar em Nova Iorque?


Abanei a cabeça.


- Tanto posso ficar uma hora como uma semana. Mas imagino que será mais perto de uma hora. - E expliquei-lhe a minha situação. - Estou à espera de um telefonema para me mandarem apresentar de volta no Air Corps, e pode ser a qualquer momento.


Chegamos ao hotel onde tinha a reserva e dirigi-me à recepção.


- Estou à espera de um telefonema de longa distância muito importante. - Informei o recepcionista. - É mesmo muito importante. Por favor, certifique-se de que o recebo imediatamente.


Combinamos jantar no dia seguinte.


Na manhã seguinte, liguei para a Califórnia para o meu agente, Louis Schur. Disse-lhe que estava em Nova Iorque e que tinha tempo livre até a abertura de uma vaga na escola de voo.


- Por que não passas no escritório e falas com o meu sócio, Jules Zeigler? Sugeriu. Pode ser que tenha alguma coisa para fazeres, enquanto aí estiveres.


Jules Zeigler, chefe do escritório de Nova Iorque, era um homem moreno, de uns quarenta anos e com uma energia rápida e nervosa.


- O Louie disse-me que vinha cá. Anda a procura de algum projeto? Perguntou.


- Bom, eu...


- Tenho uma coisa interessante. Já alguma vez ouviu falar em Jan Kiepura?


- Não. Que é? Alguma espécie de festividade?


- Jan Kiepura é uma grande estrela de ópera na Europa. Assim como a mulher, a Marta Eggerth. Fizeram inúmeros filmes por lá. Querem montar um espetáculo na Broadway, The Merry Widow.

The Merry Widow, uma opereta famosa de Franz Lehár contava a história de um príncipe de um pequeno reino que corteja uma viúva rica para convencê-la a manter o dinheiro dela no país dele. Estava sempre em cena algures por todo o mundo.


- Pretendem alguém que lhes atualize o livro. Está interessado em encontrar-se com eles?


Para quê? Eu não ia sequer ficar em Nova Iorque tempo suficiente para escrever uma carta, quanto mais um espetáculo da Broadway.


- Não creio que...


- Bom, pelo menos faça uma coisa. Encontre-se com eles.


Encontrei-me com Jan Kiepura e Marta Eggerth na sua suit no hotel Astor. Quando Kiepura me abriu a porta, olhou para o meu uniforme e ficou intrigado:


- É o escritor?


- Sou.


- Entre.


Jan era um homem forte que rondava os quarenta anos e tinha um forte sotaque húngaro. Marta era magra e atraente, com cabelo em ondas até aos ombros e um sorriso acolhedor.


- Sente-se. Pediu Jan. Sentei-me.


- Pretendemos fazer The Merry Widow, mas precisa ser atualizada. Jules diz que é um bom escritor. O que é que já escreveu?


- Fly-By-Night, South of Panamá... E fui nomeando alguns dos filmes de categoria B que fizera com Ben.


Olharam um para o outro com um ar inexpressivo. Jan Kiepura disse:


- Depois entramos em contacto consigo. Pronto, acabou. E ainda bem.

Trinta minutos mais tarde, estava de volta ao escritório de Jules Ziegler.


- Eles acabaram de ligar. Querem que lhes escreva o espetáculo. Informou.


A nuvem negra desceu sobre mim. Não havia qualquer hipótese de eu o fazer. A Broadway era a Meca a que todo o escritor aspirava. O que sabia eu sobre escrever um espetáculo para a Broadway? Nada, absolutamente nada. Ia fazer figura de parvo e arruinar a produção. De qualquer das maneiras, eu estava à espera a qualquer momento do telefonema para regressar ao Air Corps.

Jules Ziegler observava-me.


- Sente-se bem?


- Não tive coragem de lhe explicar que não ia fazer o espetáculo.


- Claro que sim.


Regressei ao meu quarto no hotel. Teria de informá-los de que não havia forma de fazê-lo. Mas, enquanto pensava no assunto, ocorreu-me que havia uma maneira. Ben Roberts. Ele podia escrever o espetáculo por mim. E quando, no meio do projeto, eu fosse chamado pelo Air Corps, ele podia terminá-lo.


Liguei-lhe para Fort Dix.


- Então, novidades? Perguntou.


- Já te conto as novidades. Vamos escrever uma versão moderna de The Merry Widow. Fez-se um silêncio.


- Não sabia que bebias.


- Estou a falar a sério. Estive a conversar com as estrelas do espetáculo. Eles querem-nos.


- Ele ficou sem fala.


No dia seguinte, fui ao teatro onde The Merry Widow ia estrear. O espetáculo seria produzido pela New Opera Company, encabeçada pela Yolanda Mero-Irion, uma mulher baixinha, roliça e de meia idade, com uma voz aguda e esganiçada.


Era uma produção de primeira categoria. A coreografia estava a cargo do lendário George Balanchine, um dos mais importantes coreógrafos do século. Balanchine era de estatura média com o corpo bem desenvolvido de um bailarino. Tinha um sorriso amigável e um leve sotaque russo.


O diretor era o brilhante Felix Brentano e o maestro, Robert Stolz, um maravilhoso compositor por direito próprio. A primeira bailarina seria Milada Mladova, uma jovem bailarina européia absolutamente espantosa.


Tive uma reunião com Balanchine, Stolz e Brentano e discutimos o libreto.


- Tem de ser o mais moderno possível, mas sem perder o sabor de época. Pediu o diretor.


- Agradável e divertido. Acrescentou Balanchine.


- Leve. Comentou Robert Stolz.


- Certo. Moderno, mas mantendo o sabor de época, agradável, divertido e leve.


- Muito bem.


Eu e Ben tínhamos arranjado uma forma para podermos colaborar. Como ele estava destacado em Fort Dix, na Nova Jérsia, vinha à noite a Nova Iorque, onde jantávamos e trabalhávamos até à uma ou duas da manhã.


Os meus receios quanto a escrever um espetáculo para a Broadway tinham-se evaporado. Trabalhar com Ben fazia com que tudo parecesse fácil. Ele era incrivelmente criativo e dava-me a confiança que me faltava.


Quando terminamos de escrever o primeiro ato, levei-o à produtora, Yolanda Mero-Irion. Fiquei a olhar, ansioso, enquanto ela folheava as páginas.


Ela olhou para mim.


- Isto é péssimo. Isto é uma porcaria ladrou de forma agressiva. Fiquei sem palavras.


- Mas... Nós fizemos tudo o que...


- Vocês escreveram um desastre! Um desastre! Está-me a ouvir? O tom de voz dela era maldoso.


- Peço desculpa. Diga-me, por favor, do que é que não gosta que eu e o Ben voltamos a escrever e...


Ela levantou-se, olhou para mim e foi-se embora.


Eu estava de volta à minha primeira sensação. O que é que me passara pela cabeça para pensar que era capaz de escrever um espetáculo para a Broadway?


Enquanto ali estava sentado a contemplar o desastre que estava eminente, George Balanchine e Felix Brentano entraram no escritório.


- Ouvi dizer que já tem o primeiro ato. Acenei lugubremente que sim.


- É verdade.


- Vamos lá dar uma olhadela a isso.


Senti-me tentado a não os deixar ver nada.


- Claro.


Começaram a ler e eu só desejava estar longe dali, bem longe. Ouvi uma risada. Viera de Felix Brentano. E em seguida uma gargalhada. Fora o Balanchine. Estavam os dois a sorrir enquanto liam. Estavam a gostar! Quando terminaram, Felix Brentano virou-se para mim:


- Está ótimo, Sidney. É exatamente aquilo que precisávamos. George Balanchine apoiou:


- Se o segundo ato for tão bom quanto este... Mal podia esperar para dar as novidades a Ben.


No hotel, mantive-me sempre perto do telefone à espera de um telefonema do Air Corps e quando andava por fora deixava sempre instruções de onde podia ser contatado.


Para os solteiros, Nova Iorque pode ser uma cidade muito solitária. Tivera algumas conversas casuais com a nossa primeira bailarina, Milada Mladova, e dávamo-nos bem. Um domingo em que não havia ensaio a convidei para jantar e ela aceitou.


Queria impressioná-la, por isso levei-a ao Sardi’s, o restaurante favorito dos do mundo do espetáculo. Eu continuava fardado.


Durante o jantar discutimos o espetáculo e ela confidenciou-me como se sentia excitada por tomar parte nele.


Por fim, o jantar terminou. Pedi a conta. Eram trinta e cinco dólares. Um preço aceitável. O problema é que eu não tinha trinta e cinco dólares. Fiquei a olhar para a conta durante o que me pareceu uma eternidade. Na época ainda não havia cartões de crédito.


- Passa-se alguma coisa? Perguntou Milada.


- Não. - Respondi apressadamente, e tomei uma decisão. - Já venho.


Levantei-me e dirigi-me à entrada onde Vincent Sardi, o proprietário se encontrava.


- Senhor Sardi...


- Sim?


Aquilo ia ser complicado. Vincent Sardi não criara o seu negócio a dar de comer a tesos.


- É sobre a minha conta... Comecei a dizer nervosamente. Ele olhava para mim, a estudar-me. Ele sabe reconhecer um teso quando o vê.

- Passa-se alguma coisa de errado com a sua conta?


- Não. Está tudo bem. O problema é que... É que... Eu não tenho o dinheiro. Perguntei-me se Milada estaria a observar. Rapidamente, acrescentei: Senhor Sardi, eu sou o escritor da peça que vai estrear no Majestic Theatre, do outro lado da rua. Mas ainda não estreou. De momento... Eu não tenho dinheiro que chegue... Será que pode confiar em mim até a peça estrear?


Ele anuiu.


- Claro. Não há qualquer problema. E quero que saiba que será sempre bem vindo aqui, em qualquer altura.


Fiquei muito mais aliviado.


- Muito obrigado.


- Não tem de quê.


- Estendeu-me a mão. Vinha acompanhada por uma nota de cinquenta dólares.


Yolanda, a nossa produtora, odiava tudo o que eu e Ben escrevíamos. Tinha mesmo a impressão que ela odiava tudo mesmo antes de ler.


- O espetáculo vai ser um fiasco. Vai ser um fiasco. Não parava de dizer.


Eu só rezava para que ela não fosse adivinha.


Por seu lado, George Balanchine, Felix Brentano e Robert Stolz adoravam o que escrevíamos.


Durante os ensaios, Yolanda saltitava pelo palco como um enorme gafanhoto, a ladrar ordens a toda a gente. Os profissionais estavam demasiado ocupados para se incomodarem.


Um dia, durante um intervalo a meio do ensaio, Balanchine aproximou-se:


- Gostava de falar consigo.


- Com certeza. Passa-se alguma coisa, George?


- Não. Um amigo meu, Vinton Freedley, está a produzir uma peça nova. Anda a procura de um escritor. Falei-lhe em si e ele disse que gostava muito de conhecê-lo.


- Obrigado. Tenho muito gosto em conhecê-lo. Respondi, grato. Balanchine olhou para o relógio.


- Para falar a verdade, você tem um encontro com ele à uma da tarde.


Dois espetáculos na Broadway ao mesmo tempo? Inacreditável.


Vinton Freedley era um dos produtores mais importantes da Broadway. Entre os seus créditos contava-se Funny Face, Grel Crazy e pelo menos mais meia dúzia de êxitos. Freedley era um produtor eficiente, um homem de negócios que ia direito ao assunto.


- O George diz-me que o senhor é bom.


- Esforço-me por isso.


- Vou fazer um espetáculo chamado Jackpot. É sobre uma jovem que faz rifas de si própria para conseguir angariar fundos para o esforço de guerra, e a rifa vencedora pertence a três soldados.


- Parece divertido. Comentei.


- Já tenho um escritor, Guy Bolton, mas ele é inglês e acho que precisa de um americano a trabalhar com ele. Quer o lugar?


- Claro que sim. E acrescentei: A propósito, eu tenho um colaborador que se chama Ben Roberts. Ele vai trabalhar comigo.


Freedley concordou.


- Por mim, não tem problema. A música está a ser escrita por Vernon Duke e Howard Dietz.


Dois grandes nomes da Broadway.


- E quando é que podem começar? Perguntou Vinton Freedley.


- Imediatamente.


Tentei parecer convincente, mas na minha cabeça estava sempre a lembrança de que o telefonema podia chegar a qualquer momento que eu teria de me apresentar para o meu treino de voo avançado.


Freedley falava:


- Já começamos a fazer os testes. Até este momento temos Allan Jones e Nanette Fabray. Deixe-me mostrar-lhe o cenário.


Achei estranho o cenário ter sido construído antes de a peça estar escrita. Freedley levou-me até ao Alvin Theatre e entramos.


No palco havia uma enorme casa sulista toda branca com uma vedação de tábuas.


Olhei para ele, confuso:


- Tinha-me dito que o espetáculo era sobre soldados americanos que ganham uma jovem numa...


Este é o cenário da minha última peça explicou. O espetáculo foi um fiasco, por isso estamos a usar o cenário para esta. Vou poupar uma data de massa.


Interroguei-me como é que íamos conseguir enfiar uma mansão gótica sulista numa história de guerra atual.


- Voltemos para o gabinete. Quero apresentar-lhe Guy.


Guy Bolton revelou-se um simpático inglês com uns cinquenta anos, e escrevera várias peças com P.G. Woodhouse, o ícone britânico.


Eu receava que ele não gostasse de ter outro escritor metido na sua peça, mas respondeu-me logo:


- Fico encantado por irmos trabalhar juntos. Sabia que nos íamos dar bem.


Quando voltei para o hotel, perguntei na recepção se havia alguma mensagem e sustive a respiração enquanto o empregado procurava.


- Não há nada, senhor Sheldon.


- Ótimo. Ainda não havia vagas em nenhuma escola mais avançada.


Corri para o quarto e telefonei a Ben, em Fort Dix.


- Vamos escrever um musical para o Vinton Freedley. Informei.


Fez-se um longo silêncio.


- Já não estamos na Merry Widow.

- Não é isso. Nós vamos fazer a Merry Widow é a peça do Freedley.


- Meu Deus. Como é que conseguiste isso?


- Não fui eu. Foi Balanchine. Vamos trabalhar com um escritor inglês chamado Guy Bolton.

CAPÍTULO 14

Eu andava atarefado e contente, mas continuava à espera daquele tão importante telefonema.


Nas três semanas seguintes, passei as manhãs a trabalhar na Merry Widow, as tardes a trabalhar no jackpot e à noite trabalhava com Ben nos dois espetáculos. Começava a sentir-me cansado. Decidi que precisava relaxar.


Um domingo fui ao USO, um centro de divertimento em Nova Iorque destinado aos soldados de licença. Havia música, lindas mulheres, dança e comida. Era um oásis da guerra.


Uma bonita hospedeira aproximou-se:


- Quer dançar, soldado? Se queria e de que maneira.


Assim que começamos a dançar, senti uma mão a bater-me no ombro. Resmunguei:


- Ei! Ainda agora começamos! Espere um pouco... E virei-me. Na minha frente estavam dois enormes PMs.


- Soldado, está preso. Acompanhe-nos. Preso?

- Qual é o problema?


- Fazer-se passar por oficial.


- Do que é que estão a falar?


- Tem vestida uma farda de oficial. Onde está a sua insígnia?


- Não tenho. Eu não sou oficial.


- É por isso mesmo que está preso. Acompanhe-nos. E cada um deles segurou-me num braço.


- Esperem lá. Vocês estão a cometer um erro enorme. Eu estou autorizado a usar isto.


- E quem foi que lhe deu autorização? A sua mãe? E começaram a arrastar-me pela pista de dança.


Eu estava em pânico.


- Não estão a perceber. Eu pertenço a um ramo especial do Air Corps. E...


- Pois.


Continuei a falar enquanto me arrastavam em direção à porta.


- Estou a falar a sério. Não ouviram falar de uma divisão do Exército chamada War Training Service?


- Não.


Saímos. Na curva estava parado um carro oficial.


- Entra. Finquei os pés.


- Não entro nada. Vocês têm de fazer um telefonema. Estou-vos a dizer que estou no Army Air Corps, numa divisão que se chama War Trainig Service, e nós estamos autorizados a usar aquilo que muito bem entendermos.


Os dois PMs olharam um para o outro.


- Eu acho que é maluco, mas está bem. Vou fazer o tal telefonema. A quem devo ligar? Perguntou um deles.


Dei-lhe o número. Virou-se para o companheiro.


- Tu ficas aqui com ele. Vamos acusá-lo de ”resistir à ordem de prisão”. Já volto.


Vinte minutos mais tarde, o PM regressou, com ar espantado.


- O que aconteceu? Perguntou o outro PM.


- Falei com um general e levei um raspanete por não saber da existência de uma divisão chamada War Training Service.


- Queres dizer que existe mesmo e que é legal?


- Se é legal, não sei, só sei que é real. É uma divisão do Army Air Corps.


O outro PM soltou-me o braço.


- Desculpe. Parece que nos enganamos. Acenei com a cabeça.


- Não faz mal.


Voltei para dentro. A minha hospedeira dançava com outro.


Era um prazer trabalhar com Guy Bolton. Escrevera muitas peças de sucesso e conhecia bem o teatro. Falava com expressões tipicamente inglesas e o nosso papel era passar o que ele dizia para frases americanas. Lembrei-me da frase de George Bernard Shaw “Os americanos e os ingleses encontram-se divididos por uma língua comum.”

Guy alugara uma casa maravilhosa em Long Island e, nos fins de semana, eu e Ben trabalhávamos lá com ele. Era uma pessoa sociável e tinha um grupo interessante de amigos.


Uma noite, num jantar, fiquei sentado ao lado da mais bela mulher que alguma vez vira na vida.


- O Guy disse-me que vocês os três estão a escrever um musical para a Broadway. Disse ela.


- É verdade.


- Isso é muito interessante.


- O que é que faz? Perguntei.


- Sou atriz.


- Desculpe, mas não fixei o seu nome.


- Chamo-me Wendy Barrie.


Wendy era britânica e fizera meia dúzia de filmes em Inglaterra. Tinha como padrinho J. M. Barrie, que usara o nome dela no Peter Pan. Achei-a fascinante, mas ela parecia preocupada.


Quando o jantar terminou, perguntei-lhe:


- Sente-se bem? Abanou a cabeça.


- Vamos dar uma volta.


Saímos e começamos a andar ao longo de um caminho de seixos iluminado pela lua. Enquanto passeávamos, ela começou a chorar, de repente.


Estaquei.


- Que se passa?


- Nada... Tudo... Não sei o que fazer.


- Mas, o que é que se passa?


- É o meu... O meu namorado. Ele... Ele bate-me. Mal conseguia articular as palavras.


Fiquei indignado.


- Porque não o deixa? Ninguém tem o direito de se comportar dessa maneira. Porque não o deixa? Perguntei.


- Eu... Eu... Eu não sei... É difícil... E começou a soluçar. Pus o braço em volta dela.


- Wendy, ouça. Se ele lhe bate agora, pode ter a certeza que isso só vai piorar. Deixe-o, antes que seja tarde de mais.


- Eu sei que tem razão respondeu. - E respirou fundo. - Eu vou deixá-lo.


- Isso mesmo.


- Já estou melhor. Muito obrigada.


- Não tem de quê. Vive em Nova Iorque?


- Sim.


- Tem alguma coisa para fazer amanhã à noite?


Olhou para mim e respondeu:


- Não.


- Então, vamos jantar.


- Com muito gosto.


Na noite seguinte, eu e Wendy Barrie jantamos no Sardi’s e sentimos grande prazer na companhia um do outro. Saímos juntos durante as duas semanas seguintes.


Uma sexta-feira de manhã, recebi um telefonema.


- Sidney?


- Sim.


- Gosta de viver?


- Muito, por quê?


- Se gosta, deixe de sair com a Wendy Barrie.


- O que é que quer dizer com isso?


- Por acaso sabe quem é que lhe paga a renda da casa?


- Não. Nós nunca... Ela nunca me disse.


- Bugsy Siegel.


O assassino da Máfia.


Nunca mais saí com Wendy Barrie.


Conheci as nossas duas estrelas do jackpot, Allan Jones e Nanette Fabray. Allan Jones era o atraente galã do cinema, com quase um metro e oitenta, um físico poderoso e sorriso perverso. Cantava com uma voz maravilhosa e era um ícone na gravação. Nanette Fabray era encantadora. Tinha vinte e poucos anos, um corpo maravilhoso, uma personalidade otimista e era uma atriz nata, perfeita para o papel.


Eu sentia que o espetáculo ia ser um sucesso.


Um dia, depois do ensaio, Roy Hargrave, o diretor de jackpot, disse:


- Rapazes, vocês estão a fazer um excelente trabalho com o argumento.


Lembrei-me logo da Yolanda Mero-Irion. Um fiasco.

- Obrigado, Roy.


- Tenho um amigo que está a produzir um musical e anda a procura de um escritor. Falei-lhe em vocês. Estão interessados em ter um encontro com ele?


Impossível. Eu e Ben já estávamos a escrever dois espetáculos e eu ia ser chamado para o Air Corps não tardava nada.


- Temos muito gosto.


- Chama-se Richard Kollmar e é casado com a Dorothy Kilgallen.


Eu costumava ler a famosa coluna que ela tinha no jornal. Ela e o Kollmar constituíam um casal poderoso no mundo do espetáculo da Broadway.


- Vou telefonar-lhe e marcar um encontro entre vocês. Roy Hargrave fez um telefonema e, quando terminou, disse:


- Amanhã de manhã às dez.


Richard Kollmar tinha produzido, dirigido e entrado em vários musicais de sucesso da Broadway e ainda só tinha trinta e poucos anos. Era magro, entusiástico e simpático.


- O Roy disse-me que você é mesmo um bom escritor. Eu vou fazer um musical de fantasia, uma produção com belos cenários e guarda-roupa. É sobre uma escritora de telenovelas que adormece e sonha que é Xerazade e que tem de contar continuamente histórias ao sultão para não morrer.


- Parece interessante. E quem faz o papel de Xerazade?


- Vera Zorina.


A bailarina mundialmente famosa que se transformara em estrela da Broadway e que, por acaso, era casada com George Balanchine.


- O Ronald Graham contracena com ela. Quer escrever a peça com a Dorothy?


- Gostava muito. A propósito, eu tenho um colaborador. Ele acenou com a cabeça.


- Eu sei, Ben Roberts. Quando podem começar?


-Já


Eu e Ben teríamos tempo para dormir depois da guerra.


Telefonei-lhe assim que cheguei ao hotel.


- Estamos a escrever um musical para Richard Kollmar, chamado Dream with Music.

- Espera lá! - Interrompeu - Porque é que os outros já não nos querem?


- Mas eles querem-nos. Continuamos a fazê-los.


- Estamos a escrever três espetáculos para a Broadway ao mesmo tempo?


- Não é o que toda a gente faz?


Eu continuava a usar a minha farda, sempre à espera do telefonema a chamar-me para me apresentar na escola de treino de voo avançado. Mas agora andava tão ocupado a escrever os três espetáculos que só pedia para que ele não chegasse nessa altura. Só precisava de dois ou três meses.


Os deuses deviam estar a rir.


Duas horas depois de me encontrar com Richard Kollmar e aceitar a tarefa, o telefonema chegou.


- Sidney Sheldon?


- Sim.


- Fala o Major Baker. Tem instruções para se apresentar amanhã de manhã às 09:00, ao capitão Burns, no quartel general do Exército, no Bronx.


O coração caiu-me aos pés. O momento não podia ser pior. Abandonávamos três espetáculos. Ben só estava livre à noite e eu estaria no estrangeiro, algures.


O capitão Burns era um homem alto, careca, que usava um uniforme cuidadosamente engomado. Ergueu os olhos assim que entrei no gabinete.


- Sheldon?


- Sim, senhor.


- Sente-se.


Sentei-me. Estudou-me por momentos.


- Terminou o treino de voo básico?


- Sim, senhor.


Deitou uma olhadela a um papel que tinha sobre a secretária.


- E inscreveu-se para entrar numa escola secundária de voo?


- Sim, senhor.


- Esses planos foram alterados. Fiquei intrigado.


- Alterados?


- Sim, a guerra sofreu uma evolução. Passamos à ofensiva. Agora vamos atrás dos filhos da mãe. O que precisamos é de pilotos de combate. O senhor não está habilitado para isso devido aos seus problemas de visão. Temos instruções para licenciar todos os que pertencem à unidade do War Training Service.


Levei algum tempo a digerir.


- O que significa...?


- Todos os voluntários no WTS têm agora a possibilidade de escolher. Pode apresentar-se a uma unidade de infantaria como soldado no Exército, ou podemos passar o seu nome para a secção de recrutamento.


A escolha de Hobson. Mas eu precisava do tempo. O mais natural é que a secção de recrutamento levasse pelo menos um mês a processar os meus papéis antes de me mandarem para fora, e eu poderia usar esse tempo para trabalhar nos espetáculos.


- Prefiro a secção de recrutamento, senhor. Ele tomou nota.


- Muito bem. Entrarão em contacto consigo.


Não tinha qualquer dúvida. A questão era: quando? Quanto tempo teria para trabalhar com Ben, Guy e Dorothy, para pôr os espetáculos a andar? Sabia que num mês podíamos fazer muito, se trabalhássemos sete dias por semana. Se ao menos o Exército me desse um mês...


Quando regressei ao hotel, liguei imediatamente a Ben.


- Hoje à noite vamos trabalhar até muito tarde.


- O que foi que aconteceu?


- Quando chegares, eu conto-te.


Acabamos por trabalhar até às três da manhã, hora a que Ben cambaleou finalmente para fora do meu quarto de hotel e regressou a Fort Dix.


Ficara tão consternado com as notícias como eu. Tentei acalmá-lo.


- Não te preocupes. O recrutamento trabalha devagar. Durante os três dias seguintes, trabalhei febrilmente, indo de teatro em teatro, trabalhando contra o momento em que ia receber o telefonema para me apresentar.


No quarto dia, quando regressava ao hotel, o recepcionista entregou-me uma carta. Começava com um Saudações.

O coração caiu-me aos pés. Tinha de me apresentar no dia seguinte na secção de recrutamento do Bronx. A minha carreira como escritor terminara mesmo antes de começar. Eu desertava de três espetáculos que contavam comigo e ia para fora enfrentar uma morte provável. Mas, de repente, senti-me invadido por uma estranha sensação de júbilo.


Eu sabia que as minhas emoções estavam completamente descontroladas. Não fazia a mínima idéia de qual era o meu problema. Olhei para a idiota cara de felicidade que via refletida no espelho e desatei a chorar.


Às nove em ponto da manhã seguinte, apresentei-me para o meu exame médico no quartel general de recrutamento do Exército. O exame era igual ao que fizera na Califórnia. Terminou em trinta minutos e mandaram-me ir ao gabinete do médico.


Este estudava uma folha de papel.


- Segundo o seu relatório médico, tem uma hérnia discal.


- Sim, senhor. Mas eles sabiam disso quando fiz o meu primeiro exame médico e...


Ele interrompeu-me.


- Não o deviam ter aceitado. Se sofresse um ataque durante um momento de combate, ia pôr em risco não só a sua vida como a de todos à sua volta. Isto não é aceitável.


- Mas...


- Vou dar-lhe um 4F. Eu estava sem palavras.


Vou participar ao recrutamento da Califórnia.


- Está dispensado.


Fiquei sentado por um longo momento, aparvalhado, a tentar perceber o que acabara de acontecer. Em seguida levantei-me para sair.


Quando me dirigia para a porta, o médico disse:


- E dispa esse uniforme. Eu era de novo um civil.


Foi com uma sensação de irrealidade que, nessa tarde, entrei numa loja de roupas e comprei dois fatos, cuecas, camisas e gravatas. Estava pronto para voltar ao meu trabalho como dramaturgo.


A 4 de Agosto de 1943, a peça The Merry Widow estreou no Majestic Theatre e acabou por ser uma das mais bem sucedidas reposições que a Broadway alguma vez vira. As críticas foram fantásticas.


New York Times: “Uma digna reposição”.


Herald Tribune: “Dá à cidade algo de que se orgulhar e congratular.”


Mirror: “Belo, opulento, de bom gosto e afinado.”


Do Journal-American: “Uma encantadora, relaxante e hilariante história de amor.”


Walter Winchell: “Agosto teve uma estréia retumbante. Reposição de The Merry Widow esgotou.”


Howard Barnes: “A nova época abriu com uma deliciosa reposição. The Merry Widow foi trazida à cena no Majestic com bom gosto, eloquência de melodias e esplendor.”


Frank Sullivan: ”Sinto-me feliz de informar que a obra The Merry Widow se libertou do seu pó e foi toda ela renovada e modernizada pelas destras mãos dos senhores Sidney Sheldon e Ben Roberts.”


Uma já estava, só faltavam duas.


O espetáculo esteve em cena na Broadway durante quase um ano e andaram em tournée outros dois. Na noite da estréia, depois do espetáculo, toda a companhia foi celebrar ao Sardi’s. Vincent Sardi estava de pé à porta.


Dirigi-me a ele:


- Senhor Sardi, finalmente já lhe posso pagar.


Sorriu:


- Já me pagou. Fui ver o seu espetáculo esta noite.

CAPÍTULO 15

Dorothy Kilgallen era uma mulher criativa com um sentido de humor engraçado. Era um prazer colaborar com ela.


Encontrara a fama inicialmente como jornalista criminal e depois como uma poderosa colunista da Broadway e de Hollywood. Mais tarde, regressaria à sua marca registrada de reportagem de investigação e teve um papel primordial em conseguir um segundo julgamento para o doutor Sam Shepard, cujo caso de assassínio serviu de base para a popular série de televisão O Fugitivo.

Enquanto Dorothy e Ben trabalhavam em Dream with Music, eu e Guy Bolton terminávamos o libreto de jackpot. Vinton Freedley decidira mandar o espetáculo em tournée antes de estrear na Broadway e acabou por ser uma longa e rentável experiência. Além de Allan Jones e Nanette Fabray, o espetáculo contava agora com a cooperação de Jerry Lester e Betty Garrett.


No dia 13 de Janeiro de 1944, no Alvin Theatre, jackpot estreou na Broadway. A maior parte dos críticos adorou.


Herald Tribune: ”Jackpot dança a um compasso ágil, uma produção elegante.”


Mirror: ”Jackpot tem canções que ficam no ouvido e um elenco à altura. Nanette Fabray é encantadora. Jerry Lester e Benny Baker uns hilariantes provocadores”.


New York Post. ”Mais outro êxito da fábrica de Freedley”.


Eu e Ben tínhamos outro triunfo. Fomos celebrar ao Sardi’s. Faltava um mês para o meu vigésimo sétimo aniversário.


Todos sabíamos que o nosso maior êxito vinha aí.


Desde o princípio que era óbvio para todos que Dream with Music estava destinado a ser um gigantesco sucesso. Ao contrário de Vinton Freedley, Richard Kollmar não olhava a despesas para criar uma das produções mais elaboradas que a Broadway alguma vez vira. Stewart Chaney concebeu os complicados cenários, Miles White os maravilhosos fatos de época. George Balanchine era o coreógrafo. A produção incluía um tapete voador, no qual Ronald Graham, o nosso protagonista masculino, fazia a entrada em cena. Uma enorme roda giratória circundava o palco e os cenários incluíam um palácio de Bagdade, um bazar e uma reserva cheia de cor com animais dançantes.


Eu e Ben mantivemos o mesmo horário de trabalho. Durante o dia, eu escrevia com Dorothy Kilgallen na sua maravilhosa penthouse e à noite, no meu quarto de hotel, eu e Ben trabalhávamos sempre que ele conseguia escapar de Fort Dix.


Uma noite em que escrevíamos, deixei cair uma caneta e, quando me baixei para apanhá-la, o meu disco deslizou e eu caí ao chão em agonia, incapaz de me mexer. Ben chamou uma ambulância e passei os três dias seguintes no hospital. Má altura. Tínhamos muito trabalho pela frente.


Quando saí do hospital, recomeçamos e terminei o libreto.


Eu, Dorothy e Ben estávamos sentados no teatro a assistir aos ensaios, que eram de cortar a respiração. Sobre o palco, uma imensidão de fatos coloridos, cenários maravilhosos e a dança maravilhosa de Vera Zorina.


As cenas românticas entre Vera Zorina e Ronald Graham, o ator principal, funcionavam bem. Richard Kollmar observou atentamente o ensaio geral e anunciou:


- Estamos prontos.


Natalie e Marty vieram à Nova Iorque para a noite de estréia. Sentamos todos na primeira fila, nos lugares destinados a casa. A sala encheu rapidamente. Por uma misteriosa química, os amantes de teatro sabem sempre quando estão a assistir à estréia de um espetáculo que vai ser um sucesso. Um frêmito de excitação percorria a audiência. Eu e Ben olhamos um para o outro e sorrimos. Três êxitos de uma assentada.


A orquestra atacou a abertura, enchendo a sala com a bela e melódica música de Clay Warnick e de Edward Eager. O espetáculo começara.


Stewart Chaney conseguira mandar pôr um enorme laço de seda rosa do lado de fora do pano de cena.


A abertura terminou e o pano começou a subir. Sentíamos a antecipação na assistência. A cortina ia a meio quando o lindíssimo laço rosa ficou preso numa trave, rasgou-se ruidosamente e caiu, desabando no poço da orquestra. A audiência arquejou. O que nenhum de nós naquele momento sabia era que isto era o melhor de tudo o que ia acontecer nessa noite.


Dream with Music era composto por dois atos e treze cenas e a primeira cena abria com uma dúzia de maravilhosas jovens afro-americano, nuas da cintura para cima, caminhando alegremente pela enorme roda, mas, momentos depois da cena começar, a roda começou a girar a toda a velocidade e as jovens caíam no palco uma a uma. Os espectadores olhavam, sem poder acreditar.


E foi só o começo. As coisas ainda iam piorar.


Vera Zorina, uma das mais aplaudidas bailarinas do mundo, que dançara na perfeição durante o ensaio, iniciou o seu bailado e, a meio de um jeté, escorregou e caiu, espalhando-se ao comprido no meio do palco. Os espectadores olhavam, horrorizados. Eu e Ben afundávamo-nos nos assentos. Mas as desgraças ainda não tinham acabado.


Duas cenas depois, Vera Zorina e Ronald Graham, com os seus lindos fatos de época, entraram e caminharam até ao meio do palco para executarem a cena de amor, sob a suave luz do luar, com o maravilhoso cenário de um bosque atrás deles. A cena decorria bem e os espectadores ouviam atentamente o que diziam.


De repente, todas as luzes no teatro se apagaram. A audiência e os atores ficaram mergulhados na total escuridão. Zorina e Graham permaneceram no meio do palco, sem saberem bem o que deviam fazer. Tentaram prosseguir com o diálogo e depois pararam, confusos, interrogando-se se deviam ou não continuar ou se deviam aguardar que as luzes voltassem.


Nesse momento, de uma das coxias, surgiu o diretor de palco, de mangas da camisa arregaçadas, com uma lanterna na mão. Correu para o meio do palco e colocou a lanterna por cima das cabeças dos dois amantes. Era tão incongruente ver o contraste entre os maravilhosos fatos dos atores e o homem em mangas de camisa, que os espectadores começaram a rir baixinho. Os atores continuaram corajosamente a cena de amor. De repente, todas as luzes no teatro se acenderam, brilhantes.


Aquela noite foi provavelmente a estréia mais desastrosa de toda a história da Broadway. Não houve comemoração no Sardi’s. Natalie, Marty, eu e Ben fomos a um restaurante calmo, estoicamente a aguardar as críticas.


Algumas delas tentaram ser simpáticas.


Que fusível consciencioso não se fundiria sob o peso da responsabilidade de iluminar Dream with Music...”


”Enérgico e ambicioso. Uma extravagância...”.

”A temporada não tem nenhuma comédia musical tão agradável ao olhar como Dream with Music...”.


Mas a maior parte das críticas foi hostil.


”Ela viveu, mas o espetáculo morreu...”

”Suficiente para fazer o mais sensato chorar...”

”Bonito, mas terrivelmente aborrecido...”

Um longo, maravilhoso e caríssimo aborrecimento...”

Natalie leu as críticas e comentou:


- São mistas.


O espetáculo saiu de cena ao fim de quatro semanas. Mas, durante a sua curta vida, Ben e eu tivemos três espetáculos em cena ao mesmo tempo na Broadway.


Pouco depois da saída de cena de Dream with Music, recebi um telefonema muito estranho. Um homem com um forte sotaque húngaro disse:


- Fala Ladislaus Bush-Fekete. George Haley sugeriu que entrasse em contacto consigo.


George Haley era um escritor de Hollywood que eu conhecia.


- Senhor Bush-Fekete, em que lhe posso ser útil?


- Gostava de falar consigo. Será que podemos almoçar?


- Com certeza.


Assim que desliguei, liguei imediatamente para George Haley.


- O que é um Ladislaus Bush-Fekete? Perguntei. Riu.


- É um dramaturgo húngaro, famoso na Europa. Teve muitos sucessos por lá.


- E o que é que ele quer de mim?


- Tem uma idéia para um espetáculo. Veio ter comigo, mas estou cheio de trabalho e lembrei-me de ti. Precisa de alguém que fale inglês muito bem. De qualquer das maneiras, não perdes nada em falar com ele.


Almoçamos no meu hotel. Ladislaus Bush-Fekete era um homem afável, com cerca de um metro e sessenta de altura e que devia pesar pelo menos uns cento e vinte quilos. Com ele vinha uma morena com ar simpático e aspecto de matrona.


Marika, a minha mulher.


Apertamos as mãos. Quando nos sentamos, Bush-Fekete disse:


- Somos dramaturgos. Fizemos muitos trabalhos na Europa.


- Eu sei... Falei com George Haley.


- Eu e Marika temos uma idéia fantástica para uma peça e ficaríamos muito felizes se a escrevesse conosco.


- Qual é a idéia? Perguntei, cauteloso.


- É sobre um soldado que volta da guerra para a sua pequena terra natal e para um amor. O problema é que o soldado apaixonou-se por outra pessoa enquanto estava na frente de batalha.


Não me parecia nada de excitante.


- Lamento, mas não me parece que... - comecei a dizer.


-A peculiaridade é que o soldado que volta para a pequena cidade é uma mulher.


- Ah!


Quanto mais pensava, mais me agradava.


- Ela vai ter de escolher entre o noivo e o soldado que conheceu.


- Está interessado?Perguntou Marika.


- Estou interessado. Mas quero que saiba que tenho um parceiro com quem trabalho.


Ladislaus Bush-Fekete respondeu:


- Tudo bem, mas a parte dele tem de sair da sua. Concordei.


- Com certeza.


Nessa noite telefonei a Ben e contei-lhe o que se passara.


- Lamento muito, mas parece-me que vais ter de trabalhar sem mim. O meu comandante está aborrecido porque passo muito tempo fora do meu posto. De agora em diante, estou aqui preso - respondeu.


- Que chatice! Vou sentir a tua falta!


- Eu também, companheiro. Boa sorte.


Eu, Laci, como ele me pediu que lhe chamasse, e Marika começamos a trabalhar. O sotaque dela não era muito mau, mas Laci era difícil de compreender. Demos à peça o nome de Star in the Window.

Terminamos a peça em quatro meses e o meu agente mostrou-a a uma produtora, a Choate &Elkins, que ficou entusiasmada com a possibilidade de produzi-la. O diretor chamava-se Joseph Calleia. Demos início aos testes. Peggy Conklin, uma excelente atriz da Broadway, ficou com o papel principal. Testamos uma série de homens, mas estávamos com problemas em encontrar um para o papel do ator principal. Um dia, um agente mandou-nos um jovem ator.


- Importa-se de ler? Pedi-lhe.


- Claro que não.


Dei-lhe cinco páginas do argumento. Ele e Peggy Conklin começaram a ler a cena. Estavam a ler há uns dois minutos quando eu disse ao ator:


- Muito obrigado.


O queixo dele subiu e ele respondeu, zangado:


- Como queira.


Atirou-me com as páginas e começou a sair do palco.


- Espere! O papel é seu. Chamei. Ele parou, confuso.


- O que disse?


- Isso mesmo.


Ele captara imediatamente a essência da personagem e eu sabia que ia ser perfeito para o papel.


- Como é que se chama? Perguntei.


- Kirk Douglas.


Os ensaios decorriam bem e a Peggy Conklin e o Kirk Douglas revelaram-se a combinação perfeita. Quando os ensaios terminaram, levamos a peça para fora da cidade. Washington DC foi a nossa primeira paragem e as críticas justificaram plenamente o nosso entusiasmo.


”Star in the Window brilha no firmamento.”


”Peggy Conklin faz de tenente com muito espírito e vivacidade.”


”Kirk Douglas é encantador no papel de sargento Steve, sempre seguro de si e nunca perdendo um compasso no seu desempenho.”


”A audiência de ontem à noite considerou que Star in the Window é divertida e alegre e concedeu-lhe uma entusiástica salva de palmas que não permitia que a cortina descesse de vez.”


Fiquei encantado. Depois do colapso de Dream with Music seria maravilhoso ter outro êxito na Broadway. Antes da estréia em Nova Iorque, os produtores decidiram mudar o nome para Alice in Arms.

A peça estreou na Broadway a 31 de Janeiro de 1945. Tudo correu sem sobressaltos. Quando a cortina desceu na noite de estréia, fomos todos ao Sardi’s para comemorar as críticas. O New York Times foi o primeiro que vimos:


”Uma praga na casa. O diálogo é tão denso que não se consegue penetrar”.


Daily News: ”Um erro”.


Herald Tribune. ”Um desastre.”


PM: ”Inócuo, mas frouxo.”


E estas eram as críticas mais positivas.


Fechei-me no meu quarto do hotel nos três dias seguintes, recusando-me a atender ao telefone. Lia e revia sistematicamente as críticas, uma vez e outra. ”O diálogo é tão denso que não se consegue penetrar... um desastre... frouxo...”.

Os críticos tinham razão. Eu não era suficientemente bom para a Broadway. O meu sucesso devera-se a pura sorte.


Acontecesse o que acontecesse, eu sabia que não podia passar o resto dos meus dias enfiado dentro de um quarto de hotel a sentir pena de mim próprio. Decidi voltar para Hollywood. Ia conceber uma idéia original, tentar vendê-la e depois escrever o argumento. O problema é que estava sem idéias para histórias. No passado surgiam-me com facilidade, mas agora a minha mente estava demasiado preocupada para me conseguir concentrar. Nunca tentara forçar uma idéia antes, mas estava desesperado e a precisar de um novo projeto.


Na manhã seguinte bem cedo, coloquei uma cadeira de espaldar alto e direito no meio do quarto e sentei-me com um grosso bloco de papel e uma caneta na mão, decidido a não me levantar dali até ter alguma coisa de que gostasse. Fui pondo de lado idéia atrás de idéia até que, duas horas mais tarde, tive uma que me pareceu passível de ser trabalhada.


Escrevi as linhas gerais e chamei-lhe Suddenly it Spring. Estava pronto para Hollywood.


A caminho de Los Angeles, parei em Chicago para visitar Natalie e Marty.


Ela recebeu-me à porta com um enorme abraço e um beijo.


- O meu escritor.


Eu não comentara nada sobre as críticas de Alice in Arms, mas, de alguma forma, ela tinha conhecimento delas. Ela pôs o dedo no preciso problema da peça.


- Eles nunca lhe deviam ter mudado o nome.


Passei os dias seguintes em Chicago a visitar as minhas tias Fran, Emma e Pauline, que tinha vindo de Denver. Era maravilhoso estar outra vez com elas e ver o orgulho que sentiam em mim. Até parecia que Dream with Music e Alice in Arms eram os maiores êxitos que a Broadway alguma vez vira.


Por fim, chegou o momento de dizer adeus e dei por mim num avião a caminho de Hollywood.


Parecia que estivera fora durante uma eternidade, mas só se tinham passado dois anos. Mas tanto acontecera durante esse tempo. Aprendera a voar e fora licenciado do Air Corps. Escrevera dois êxitos e tivera dois fracassos na Broadway.


Com a guerra ainda a decorrer, o espaço habitacional era pouco, mas tive sorte. Uma das atrizes de jackpot tinha um pequeno apartamento em Beverly Hills e concordara em mo alugar. O apartamento era em Palm Drive e, quando lá cheguei, a porta foi-me aberta por um jovem enérgico. Olhou para a chave que eu tinha na mão.


-Olá.


- Olá.


- Posso ajudar?


- Quem é você?


- Chamo-me Bill Orr.


- Eu sou Sidney Sheldon. O rosto dele iluminou-se.


- Ah! Helen disse-me que vinha aí.


Ele abriu a porta e eu entrei. Era um apartamento pequeno e amoroso, mobiliado com muito gosto, com um quarto, uma sala de estar pequena, um escritório e uma kitchenette.

- Lamento causar-lhe problemas, mas...


-Não se preocupe. Eu estava a preparar-me para ir embora. Percebi por que assim que li o Los Angeles Times da manhã seguinte.


Bill Orr estava prestes a casar com a filha de Jack Warner e viria a ser mais tarde o presidente da Warner Television.


A minha paragem seguinte foi na pensão da rua Carmen para visitar Gracie. Nada mudara a não serem as caras. Os quartos estavam cheios de novos atores em perspectiva, as estrelas de amanhã, os futuros realizadores e operadores de câmara, todos eles a aguardarem pelo ”telefonema”.


Gracie não mudara em nada. Continuava atarefada, a tratar e a cuidar dos seus hóspedes, a aconselhar e a encorajar todos os que desistiam e se iam embora.


Recebi um enorme abraço e um ”Ouvi dizer que agora és famoso!” Eu não tinha a certeza se era famoso ou infame.


- Esforço-me por isso.


Passamos umas boas horas a falar dos velhos tempos e por fim disse-lhe que tinha que me ir embora. Ia ter com o meu agente.


Fizera um contrato com a Agência William Morris, uma das maiores agências de Hollywood, que estava entregue a Sam Weisbord, um agente baixinho e dinâmico, com um eterno bronzeado que mais tarde fiquei a saber era reforçado de vez em quando com algum tempo passado no Havaí. Sammy começara como moço de recados na William Morris e, com os anos e muito trabalho, conseguira chegar à presidente.


Apresentou-me a alguns dos outros agentes e a Johnny Hyde, o vice-presidente da agência.


- Tenho ouvido falar de si. Vamos fazer umas coisas interessantes juntos. Comentou.


Nesse momento, a secretária dele entrou.


- Esta é a Dona Holloway.


Era linda, alta e magra, com uns inteligentes olhos cinzentos e um sorriso caloroso. Estendeu-me a mão:


- Como está, senhor Sheldon? Estamos felizes por ter vindo trabalhar conosco.


Ia gostar desta agência.


- Escrevi um original que trouxe comigo. Disse a Sammy e a Johnny Hyde.


- Ótimo - Respondeu Sammy - Que acha de começar já a trabalhar?


- Acho uma excelente idéia.


- Um dos nossos clientes, Eddie Cantor, tem um filme acordado com a RKO. O problema é que ele não consegue apresentar um argumento que receba a aprovação do estúdio. O contrato termina daqui a três meses e, se até lá não conseguir apresentar nada, o contrato termina. Ele gostava muito que criasse qualquer coisa. Mil dólares por semana.


E só chegara a Hollywood há um dia.


- Excelente.


- Ele quer vê-lo hoje à tarde.


Não fazia idéia do que me aguardava.CAPÍTULO 16

Eddie Cantor participara em meia dúzia de filmes e era sem sombra de dúvida um dos atores mais populares no país. Entrara na Broadway numa peça de Florenz Siegfeld e em Whoopee, e Roman Saudais fizera dele uma estrela do cinema. Tinha o seu próprio programa de rádio, um enorme sucesso.


Encontrei-o na sua grande e vasta casa de Roxbury, em Beverly Hills. Era um homem baixo e dinâmico que estava sempre em movimento. Enquanto falava, andava de um lado para o outro. Quando ouvia, andava de um lado para o outro. Achei mesmo que, quando se sentava para almoçar, continuava a andar mentalmente de um lado para o outro.


- Sidney, não sei se lhe explicaram, mas o que se passa é o seguinte. A RKO recusou três guiões que os meus rapazes prepararam.


”Os seus rapazes” eram os seus escritores da rádio.


- Estou a ficar sem tempo. Preciso de um argumento que o estúdio aceite nos próximos três meses, senão fico sem contrato. Acha que consegue apresentar uma história de sucesso?


- Gostava de tentar.


- Ótimo. Vai ter de trabalhar à pressão para conseguir ter o argumento pronto a tempo. Mas, assim que acabar o primeiro rascunho e o estúdio o aprovar, então terá todo o tempo do mundo para polir os diálogos, para focá-los, para fazer seja lá o que for que queira fazer. Será todo seu.


- Parece-me bem. Respondi.


- Entretanto, estamos com prazo marcado. Vamos ter de trabalhar oito dias por semana.


Pensei na pressão que tivera com os espetáculos da Broadway.


- Estou habituado.


O telefone tocou e ele atendeu.


- Fala Eddie Cantor.


E, até hoje, jamais voltei a ouvir um homem a dizer o seu nome com tanto orgulho.


Começamos a trabalhar. Debatemos uma base de trabalho a partir de uma idéia que eu tinha, que contaria com Eddie e Joan Davis como estrelas. Ele gostou e comecei a escrever. Normalmente, escrevia em casa dele, começando de manhã bem cedo e me vindo embora por volta das sete da tarde, incluindo sábados e domingos.


As noites pertenciam-me e eu podia relaxar. Conheci uma jovem muito atraente que parecia gostar de mim e começamos a jantar juntos. O problema é que ela só se podia encontrar comigo de duas em duas noites.


Eu estava cheio de curiosidade.


- O que fazes tu nas noites em que não saímos? Perguntei.


- Sidney, é que eu saio com outra pessoa. Gosto muito de ambos e tenho de tomar uma decisão.


- Quem seria o outro?


- Chama-se José Iturbi. E quer casar comigo.


José Iturbi era um famoso pianista e maestro que dava concertos por todo o mundo e que fora o artista convidado de vários musicais na Broadway, da MGM, da Paramount e da Fox. Não havia forma de eu poder competir com um homem tão famoso como Iturbi.


- O José disse que tu és uma Coca-Cola. Comentou ela, virando-se para mim.


Pestanejei.


- Eu sou o quê?


- Uma Coca-Cola. Disse que há milhões como tu e só um como ele.


Nunca mais voltei a vê-la.


Três dias antes do contrato de Eddie Cantor com a RKO expirar, entreguei o meu argumento. Sammy Weisbord enviou-o para a RKO e, no dia seguinte, foi aprovado. Agora finalmente podia demorar o tempo que quisesse para polir os diálogos e condensar o texto. Havia várias coisas que eu queria fazer e que não pudera devido à corrida contra o tempo.


Sammy Weisbord chamou-me:


- Sidney, lamento ter que to dizer, mas foste tirado do filme. Não tinha a certeza se percebera bem.


- O quê?


O Cantor vai trazer os seus escritores da rádio para acabar o texto.


Pensei em todos os longos dias e longos fins de semana que trabalhara. ”Vai ter de trabalhar à pressão para conseguir ter o argumento pronto a tempo. Mas, assim que acabar o primeiro rascunho e o estúdio o aprovar, então terá todo o tempo do mundo para polir os diálogos, para focá-los, para fazer seja lá o que for que queira fazer. Será todo seu.”

Bem-vindo a Hollywood.


No dia 2 de Setembro de 1942, os japoneses renderam-se formalmente. Richard estava a caminho de regresso a casa. Estava ansioso por voltar a vê-lo.


Finalmente, na véspera de Natal, o barco dele atracou em São Francisco. Na sua primeira noite em Los Angeles jantamos juntos. Parecia mais magro e fisicamente em forma. Eu estava ansioso por ouvir tudo o que se passara com ele. Sabia onde é que andara. Na Nova Guiné, Morotai, Leyte, Luzon...


- Então, como foi?


O meu irmão olhou para mim durante um bom bocado.


- Por favor, nunca mais falemos nisso.


- Tudo bem. Tens idéia do que vais fazer a seguir?


- O Marty Leeb ofereceu-me um emprego. Eu vou aceitar. Assim posso passar mais tempo com a mãe.


Fiquei encantado. Sabia que ele e Marty se iam dar muito bem.


Sam Weisbord ligou no dia seguinte.


- Tens duas ofertas para Suddenly it’s Spring.

- Ótimo. E de quem são? Perguntei, excitado.


- Uma é de Walter Wanger.


Ele produzira muitos filmes conceituados, incluindo Stagecoach, Foreign Correspondente The Long Voyage Home.

- E a outra?


- De David Selznick.


O meu coração parou. David Selznick?

- Ele gostou muito do teu texto. O Dore Schary vai co-produzir. Wanger oferece quarenta mil dólares. O Selznick oferece trinta e cinco mil e cada uma das ofertas tem como condição que sejas tu a escrever o argumento.


Eu não estava preocupado com o dinheiro. A idéia de trabalhar com Selznick era excitante. Além disso, não fora ele que me iniciara no trabalho? Seria bom poder estar de novo com o meu companheiro leitor.


- Aceita a oferta do Selznick.


Na manhã seguinte, conheci David Selznick e Dore Schary. Selznick era um homem alto, imponente, sentado atrás de uma enorme secretária, num escritório lindo e muito bem decorado. Dore Schary era moreno, magro e visivelmente inteligente. Apertamos as mãos.


- Sheldon, sente-se. Tenho muito gosto em conhecê-lo. Disse Selznick.


”Pensei que ia poder ver o senhor Selznick!

Não. O senhor Selznick é um homem muito ocupado”.

- Gostei da sua história. É excelente. Espero que o seu argumento se revele tão bom quanto a história inicial e a base.


- Tenho a certeza que sim. Disse Dore. Selznick observou-me durante uns segundos.


- Ouvi dizer que teve outra oferta do Wanger. Fico satisfeito por ter aceitado a minha. Falei com o seu agente. Pagamos trinta e cinco mil dólares pelo original e o argumento.


De repente lembrei-me da secretária de Selznick a entregar-me um envelope. Aqui tem dez dólares.

Comecei a trabalhar na manhã seguinte. Deram-me um gabinete nos estúdios RKO, onde íamos fazer o Suddenly it’s Spring. A RKO era um estúdio muito importante. Estavam a filmar It’s a Wonderful Life, The Farmer’s Daughter e Dick Tracy. No refeitório vi James Stewart, Robert Mitchum e Loretta Young, e, como os vira tantas vezes nos filmes, pareciam-me velhos amigos. Mas nunca tive coragem para falar com eles.


Eu estava a gostar de escrever o argumento. A história incluía um playboy, uma jovem e a irmã desta, uma juíza. Quando escrevi a história base pensei em Cary Grant, mas ele estava sempre tão ocupado que tinha a certeza que não ia ser possível tê-lo.


Sentia que o argumento estava a sair bem. Conhecia perfeitamente a tendência de Selznick para contratar escritor atrás de escritor para escrever o mesmo projeto e sentia-me lisonjeado por ele não ter tentado substituir-me. Mas um dia deparei com um memorando dele para Dore Schary que dizia:


”Porque não despedimos o Sheldon e arranjamos outro escritor?”

Diga-se em abono de Dore que ele jamais mo mencionou e aparentemente conseguiu dar a volta ao pedido de Selznick.


A minha disposição continuava irregular. Passava de períodos de exaltação a períodos de prostração, sem qualquer transição. Uma noite, estava no restaurante Brawn Derby e vi um amigo meu acompanhado por uma jovem. Acenou-me.


- Sidney, gostava de te apresentar Jane Harding.


Jane era de Nova Iorque. Era divertida e inteligente, e tinha uma incrível vitalidade. Fiquei imediatamente cativado por ela. Começamos a sair e, ao fim de dois meses, estávamos casados.


Não havia tempo para uma lua de mel. O estúdio começara os testes para Suddenly it’s Spring e Dore insistiu comigo para que eu terminasse rapidamente as minhas alterações.


Infelizmente, ao fim de um mês, eu e a Jane chegamos à conclusão de que tínhamos cometido um erro. Os nossos interesses e as nossas personalidades eram completamente opostas. Passamos os nove meses seguintes a tentar em vão fazer com que o casamento resultasse. Quando por fim chegamos à conclusão que não havia solução, concordamos com o divórcio. A dor foi terrível. No dia em que nos divorciamos, saí e embebedei-me pela primeira vez na vida.


Se as coisas em casa eram um desastre, no estúdio corriam lindamente. Eu concluíra o argumento.


David Selznick chamou-me ao seu escritório.


- Mandamos o argumento ao Cary Grant.


- Ah! E... O que foi que ele disse?


Selznick fez uma pausa para dar maior dramatismo:


- Ficou louco com ele. Vai fazê-lo. Fiquei encantado.


- Mas isso é fantástico!


- Temos também Shirley Temple e Myrna Loy. Era o elenco perfeito.


- O Irving Reis vai ser o realizador e Cary Grant quer conhecê-lo.


Cary Grant era sempre a primeira escolha de todos quando se tratava de uma comédia. Não havia segunda escolha. Se não se conseguia tê-lo, o nível descia vários pontos.


Gostei imediatamente dele. Além de ser incrivelmente bonito, era inteligente e possuía uma mente rápida e inquiridora. Ao contrário de muitas estrelas com quem trabalhei posteriormente, Cary não tinha qualquer vaidade em relação à sua pessoa.


O seu nome de batismo era Archibald Alexander Leach, e vinha de uma família de classe média baixa de Bristol, em Inglaterra. Começara no circo em Coney Island, apresentando-se sobre andas, e passara pelos espetáculos de variedades em pequenos papéis.


Quando Archie Leach tinha nove anos, a mãe foi internada numa instituição para doentes mentais. Disseram-lhe que fora para uma estância balnear. Nunca mais a viu até aos seus vinte e muitos anos.


Cary Grant era uma lenda, suave, sofisticado e tranquilo.


Uma vez, disse: “Toda a gente quer ser Cary Grant. Até eu quero ser Cary Grant.”

Quando conheci Shirley Temple, era uma adulta de dezoito anos, e um verdadeiro encanto. Em criança, fora a maior estrela do cinema, com os seus filmes a darem lucros de centenas de milhões de dólares. Apesar da fama, tornara-se, ao crescer, uma jovem normal e atraente.


O elenco ficou completo com Myrna Loy, uma experiente artista. Myrna entrara na série The Thin Man, no The Best Years of our Lives, em Arrowsmith e em dezenas de outros filmes.


Eu estava entusiasmado com o elenco. Estávamos quase prontos para iniciar as filmagens.


Uma semana antes de começarem as filmagens de Suddenly it’s Spring, eu e Cary estávamos a almoçar na cantina do estúdio.


- Estamos com dificuldade em arranjar um ator para o ator secundário. Já fizemos testes a meia dúzia de pessoas e nenhuma é o que se pretende. Sabe quem é que era ideal para esse papel?


Eu estava com curiosidade.


- Não. Quem?


- Tu. Estarias interessado em fazer um teste comigo?


Olhei para ele, espantado. Eu queria ser ator? Nunca pensara nisso. Mas, porque não? Podia ser um ator/argumentista. Noel Coward e alguns outros já o tinham feito.


- Então, Sidney, está interessado?


- Estou.


Sabia que representar era simples. Fora eu que escrevera a história original, o argumento e a cena de teste, por isso sabia todos os diálogos. Só tinha que os dizer. E qualquer um era capaz de fazê-lo.


Cary levantou-se da mesa e telefonou a Dore Schary, e, quando terminamos o almoço, fomos até ao local das filmagens. A cena de teste era só entre mim e Cary. Era uma cena simples, com cerca de uma dúzia de linhas.


Enquanto olhava para ele, interroguei-me sobre o que a fama faria de mim, porque tinha a certeza de que representar ao lado de Cary Grant modificaria a minha vida para sempre. Ia começar a receber ofertas e propostas para entrar em outros filmes. Seria internacionalmente famoso. A partir daquele momento, nunca mais teria privacidade, nem tempo para mim. A minha vida passaria a pertencer ao público. Mas eu estava preparado para fazer esse sacrifício.


Estávamos no estúdio de gravação. Irving Reis disse:


- Todos no estúdio. Silêncio!


De repente, todos se calaram, a olhar para nós.


- Câmara! - disse Irving Reis em voz alta - Ação!


Cary deu-me a minha deixa. Eu fiquei a olhar para ele durante um longo, longo momento, enquanto ele esperava que eu falasse. Olhei para aquilo que me parecia milhões de pessoas a olharem para mim e, de repente estava de volta à minha escola, na minha peça, de pé no meio do palco, a rir histericamente. Entrei em pânico e, sem dizer uma só palavra, virei-me e fugi para longe do estúdio de gravação.


Foi o fim da minha carreira como ator. Agora que o fardo do estrelato já não pesava mais sobre os meus ombros, podia voltar ao trabalho no meu argumento.


Dore contratara Rudy Vallace para me substituir e Suddenly it’s Spring começou a ser filmado. Todos pareciam satisfeitos com a forma como os trabalhos decorriam.


Um dia, David Selznick chamou-me ao seu escritório.


- Quero que me faças uma coisa.


- Com certeza, David.


- Estamos na semana da National Brotherhood. Todos os anos, um estúdio diferente faz um curto filme que junta todas as religiões.


Eu tinha conhecimento. Quando o pequeno filme acabava, as luzes nas salas de cinema acendiam-se e os arrumadores subiam e desciam as coxias a recolher dinheiro para as obras de caridade.


-Este ano, somos nós que vamos fazer. Quero que escrevas o argumento.


- Muito bem.


- Temos uma meia dúzia de estrelas dispostas a colaborar. Vais escrever cerca de dois minutos para cada uma.


- Vou tratar disso.


No dia seguinte, levei um argumento com cerca de duas páginas que escrevera para Van Johnson, o primeiro a ser filmado. Selznick leu-o.


- Muito bem. Leva-lho. Ele está num bangalô nas traseiras.


Levei as duas páginas a Van Johnson. Assim que me viu, ele abriu a porta e eu apresentei-me. Na época, ele era uma das maiores estrelas da MGM.


- Estas são as suas páginas. Estamos prontos para começar a filmar assim que estiver. Disse eu.


- Muito obrigado. E acrescentou com ar lúgubre: A noite passada tive um sonho péssimo.


- Então?


- Sonhei que uma grande estrela da Metro-Goldwyn-Mayer estava a estudar o seu texto e que eles estavam sempre a mudá-lo e ela entrava em pânico.


Ri-me.


- Não se preocupe. Esse é o seu texto. Ele sorriu e deitou uma olhadela ao texto.


- Estarei pronto dentro de minutos. Voltei para o escritório de Selznick.


- Está tudo pronto. Informei.


- Tive uma idéia - disse ele - Quero que mudes o texto do Van Johnson.


- David, acabei de o deixar, e o homem está nervoso. Teve um pesadelo qualquer sobre mudarem-lhe o texto.


- Ele que se lixe. Isto é o que quero. E deu-me uma nova orientação para a cena.


Corri para o meu gabinete, escrevi tudo de novo e mostrei-o a Selznick.


- Muito bem. É isso mesmo respondeu.


Corri de volta ao bangalô do Van Johnson. Ele abriu a porta.


- Estou pronto.


- Van, há um pequeno problema. O senhor Selznick acha que isto é melhor. E dei-lhe as páginas novas. Ele empalideceu.


- Sidney, eu não estava a brincar com o meu sonho. Eu realmente...


- Van, são só duas páginas. Suspirou fundo.


- Está bem.


Voltei para o escritório de David Selznick.


- Tive outra idéia. Seria melhor se usássemos outro ângulo com o Van Johnson...


Fiquei horrorizado.


- David, ele já está em pânico. Não podemos passar o tempo a alterar-lhe o texto.


- Ele é ator, não é? Pois que aprenda o texto.


E disse-me o que queria. Relutante, voltei para o meu gabinete e escrevi toda a cena de novo.


O pior era encarar Van Johnson outra vez.


Dirigi-me ao bangalô. Ele ia a dizer qualquer coisa, mas viu a minha cara.


- Não me mudou...


- Van, são só duas páginas. Esta é a última alteração.


- Maldição. Que é que me está a fazer? Por fim, lá o consegui acalmar.


- Assim que estiver pronto, venha para o estúdio. Pedi.


Não voltei ao escritório de David Selznick. O resto da parte de Van Johnson correu sem incidentes.


No dia seguinte, Richard telefonou-me.


- Mano?


Era muito bom ouvir de novo a voz dele.


- Richard, então como vai?


- Não sei como fui até aqui, mas agora vou ter que ir por dois. Vou-me casar.


Fiquei encantado.


- Mas que notícias maravilhosas! E eu conheço-a?


- Conheces. É a Joan Stearns.


Richard e Joan tinham andado juntos na escola em Chicago.


- E quando é o casamento?


- Daqui a três semanas.


- Bolas! Vou ter de sair do país para filmar o projeto da semana da National Brotherhood.

- conhecê-la quando voltares. Vamos aí visitar-te.


Tal como prometido, Richard e a sua maravilhosa e suave mulher chegaram a Los Angeles um mês mais tarde. Passamos uma encantadora semana juntos até que finalmente chegou a hora de voltarem para Chicago.


Na manhã seguinte, quando cheguei ao meu gabinete, a minha secretária disse-me:


- O senhor Selznick quer falar consigo. Ele estava à minha espera.


- Sidney, tenho novidades para ti.


- O que é?


- Vou mudar o nome do filme. Não vai se chamar Suddenly it’s Spring.

Eu ouvia o que ele dizia.


- Então como se vai chamar?


- The Bachelor and the Boby-Soxer.

Fiquei a olhar por instantes para ele a pensar que estava a brincar. Mas não, estava a falar a sério.


- David, ninguém vai pagar um tostão para ver um filme chamado The Bachelor and the Boby-Soxer.

Felizmente, o futuro demonstrou que eu estava errado.

CAPÍTULO 17

The Bachelor and the Boby-Soxer estreou no Radio City Music Hall, uma sala com capacidade para seis mil espectadores, o maior cinema do mundo. Esteve em cena durante sete semanas e foi o filme que mais dinheiro ganhou em toda a história daquela sala de cinema. Em Inglaterra só foi batido por Gone with the Wind. As críticas deixaram-me encantado. “Por favor, não percam The Bachelor and the Boby-Soxer...” “Uma das melhores comédias a chegar a esta cidade há mais de um ano...”


“Uma extraordinária mistura de alegria, fantasia e sentimento...” “Uma comédia de primeira categoria. Vai rir à gargalhada...” “Sidney Sheldon criou um filme extremamente agradável...” O elenco foi elogiado, o realizador enaltecido. As críticas unânimes. O filme recebeu o Box Office Blue Ribbon Award e fui nomeado para um Oscar. Agora sabia que nada me impediria de avançar. As carreiras profissionais em Hollywood assemelhavam-se aos elevadores, subiam e desciam. O truque era não abandonar o elevador quando ele estava em baixo.


Decididamente, para mim, o elevador estava a subir. Eu estava no topo do mundo.


Escrevi um original sobre um casamento com problemas chamado Orchids for Virgínia. Eddie Dmytryk, editor na RKO, gostou dele.


- Vou pedir ao estúdio que o compre. Quero que escreva o argumento. Lhe pago trinta e cinco mil dólares.


- Excelente.


Fiquei mais do que satisfeito, porque precisava do dinheiro.


Uma semana mais tarde, Dore Schary foi nomeado produtor executivo responsável pela produção da RKO. Chamou-me ao seu gabinete e eu sabia que ele me queria dar os parabéns pelo Orchids for Virgínia. Tencionava perguntar-lhe quando é que podia começar a escrever o argumento para o filme.


- Eddie Dmytryk quer realizar a tua história. Comentou. Sorri.


- Sim. É ótimo.


- Eu não vou deixar o estúdio comprá-la. Levei uns segundos a perceber.


- O quê? Por quê?


- Porque não vou fazer um filme sobre um homem que é infiel à mulher e planeia assassiná-la.


- Mas, Dore...


- Ponto final. Vamos devolver-te a história. Fiquei de rastos.


- Muito bem.


Teria de arranjar outro projeto para trabalhar. Não fazia idéia que o fato de Dore ter rejeitado o meu argumento ia mudar a minha vida.


Sammy Weisbord, o meu agente, telefonou-me:


- Acabei de fazer um negócio entre ti e a MGM com uma garantia de duas semanas. Querem que escrevas Orgulho e Preconceito.

Há anos que eu não lia o livro. A única coisa de que me lembrava é que era de Jane Austen, pré-vitoriano, um clássico da sociedade inglesa sobre cinco filhas que procuravam marido.


A idéia de trabalhar na MGM era excitante. Era a Tiffany dos estúdios de Hollywood. A sua lista de filmes incluía clássicos como Gone with the Wind, Meet me in St. Louis, The Wizard of Oz, The Philadelphia Story, The Great Ziegfeld e dúzias de outros filmes fantásticos.


Eu tinha vinte e nove anos quando entrei nas instalações da MGM pela primeira vez. Fiquei maravilhado. A MGM era uma verdadeira cidade. Tinha o seu próprio abastecimento de eletricidade, comida e água. A empresa respondia a toda e qualquer necessidade.


O estúdio, como os seis outros grandes estúdios, produzia em média um filme por semana. Havia 150 escritores sob contrato, entre eles famosos romancistas e argumentistas.


No primeiro dia almocei na enorme cantina. Convidaram-me para me sentar à mesa dos escritores, onde já estavam reunidos cerca de uma dúzia deles. Faziam um grupo simpático e deram-me logo uma série de conselhos.


- Não te preocupes se alguns dos teus argumentos não forem produzidos. Aqui, em regra geral, se conseguires que produzam um em cada três anos, é bom sinal...


- Tenta entrar num filme com Arthur Freed. Ele é que é o grande produtor cá dentro...


- Quando o teu contrato estiver quase a acabar, vê se consegues ser destacado para uma tarefa, para que te escolham e...


Não lhes expliquei que o meu contrato tinha uma garantia de somente duas semanas.


Deram-me um gabinete pequeno e uma secretária.


- Vamos fazer o Pride and Prejudice. - Informei-a - É capaz de me arranjar um exemplar do livro? Gostava de lê-lo outra vez.


- Com certeza.


Marcou um número e disse:


- O senhor Sheldon quer um exemplar do Pride and Prejudice. O livro foi-me entregue meia hora depois.


Esta foi a minha apresentação ao sistema do estúdio. Cada estúdio tinha uma biblioteca, um departamento de pesquisa, um departamento de audições, um departamento de estúdio, um departamento cinematográfico e um departamento financeiro. Era quase bíblico. Tudo o que pedíssemos era-nos dado.


Na manhã seguinte, Sammy Weisbord entrou no meu gabinete.


- Então, como é que isso vai? Perguntou.


- Estou a começar. Respondi.


- Arthur Freed quer falar contigo. Fiquei espantado.


- Por quê?


- Ele já o diz. Está à tua espera.


Ouvira muitas histórias sobre Arthur Freed. Começara a vida como vendedor de seguros e ficara famoso com canções como The Broadway Melody, Good Moming, On a Saturday Afternoon e Singing in the Rain.

Tornara-se amigo de Louis B. Mayer e este fizera dele um produtor.


Dizia-se dele que tinha de ser sempre o primeiro a saber das coisas. Um dos escritores contou-me a seguinte história:


“Um amigo convidou-o para a estréia de uma peça. Ele respondeu:


Já a vi.


Noutra ocasião, um amigo perguntou-lhe se ele queria ir nessa noite a um jogo de basebol.


Já o vi. Respondeu ele."


Eu e Sammy atravessamos o átrio e apanhamos o elevador até ao terceiro piso, onde Arthur Freed tinha o seu enorme escritório. Estava sentado à secretária. Era um homem robusto, nos cinquenta anos, com cabelo grisalho que começava a rarear.


- Sheldon, sente-se. - Sentei-me - Temos um problema. Tenho aqui um argumento que pelos vistos não conseguimos distribuir. Todos o rejeitam. É um musical e está bem escrito, mas a trama está toda errada. É demasiado densa. Necessita de ser aligeirada. Acha que consegue fazer alguma coisa?


- Bom, eu estou a trabalhar no Pride and Prejudice, mas...


- Já não está. Agora trabalha neste. Respondeu Freed.


- E como é que se chama?


- Easter Parade. Vai trabalhar com Irving Berlin.


Aquele foi um momento mágico. Era o meu terceiro dia na MGM e ia trabalhar com o lendário Irving Berlin.


- Tenho muito prazer. Respondi.


- Judy Garland e Gene Kelly vão ser as estrelas.

Tentei parecer descontraído.


- Ai sim?


- E quero que o filme entre em produção o mais depressa possível.


- Com certeza.


- Dê uma olhadela ao argumento e veja o que consegue fazer com ele. Amanhã vai ter uma reunião com o Irving.


Eu flutuava quando saí do gabinete dele. Weisbord observava-me e sorria.


- Se fores bem sucedido com este, tens a vida feita. Comentou. Eu irradiava felicidade.


- Eu sei. Respondi.


Decididamente, o meu elevador estava a subir.


O argumento original de Easter Parade fora escrito pela equipa de marido e mulher de Albert Hackett e Francês Goodrich. Eram uns escritores maravilhosos que anos mais tarde deslumbrariam a Broadway com The Dimy of Anne Frank.

Mas Freed tinha razão. O que o argumento precisava era de um pouco de humor e de um toque de leveza. A história que os Hacketts tinham escrito era demasiado séria para um musical. Sentei-me e comecei a escrever uma nova história.


Na manhã seguinte fui chamado ao escritório de Arthur Freed. Com ele estava um homem baixo, com um rosto de querubim e olhos inquiridores.


- Apresento-lhe Irving Berlin.


Em pessoa. O gênio que escrevera Alexander’s Ragtime Band, God Bless America, There’s no Business Like Show Business, Puttin on the Ritz e Top Hat. Um dia alguém perguntara a Jerome Kern qual era, em sua opinião, o lugar de Irving Berlin na música americana.


Ele respondera simplesmente:


- Irving Berlin é a música americana.


- Sidney Sheldon. Respondi, fingindo que não estava deslumbrado.


O senhor Berlin estendeu a mão.


- Prazer em conhecer. Já sei que vamos trabalhar juntos. Tinha uma voz aguda.


- Exatamente.


Não mencionei a minha experiência de Nova Iorque, onde quase o substituíra como o maior criador de canções da América, porque íamos trabalhar juntos e não o queria deixar nervoso.


Quando começamos a trabalhar em Easter Parade, Irving Berlin tinha sessenta anos e o entusiasmo de um adolescente.


Nascera na Rússia, chamava-se Israel Baline e viera para os Estados Unidos com cinco anos. Iniciara a carreira como empregado de mesa cantor, no Chinatown Café, em Nova Iorque. Nunca aprendera a tocar piano num piano normal. Só usava as teclas pretas e tinha um instrumento que mudava as teclas sob o movimento de uma alavanca.


Irving Berlin tinha perguntas e comentários, enquanto eu ia falando sobre as várias possíveis orientações que a peça podia levar, mas, estranhamente, Arthur Freed parecia não estar interessado naquilo que nós fazíamos. Estava calado. Só mais tarde é que vim a saber por quê.


- Senhor Berlin... Comecei a dizer. Fez-me sinal para parar.


- Irving.


- Muito obrigado. Gostava de lhe dizer como me sinto entusiasmado por poder trabalhar consigo.


Ele sorriu.


- Vai ser divertido.


O trabalho avançava bem. Lembro-me das palavras de Sam Weisbord. Se fores bem sucedido com este, tens a vida feita.

Várias vezes durante a semana, enquanto eu estava atarefado a escrever o argumento, Irving Berlin entrava pelo meu gabinete.


- Diga-me o que pensa disto.


Pedia, entusiasmado. E, na sua voz estridente, começava a cantar a canção que acabara de escrever. O problema é que ele não conseguia manter a afinação e eu acabava por não fazer a mínima idéia de como a canção soava. Ele não tocava piano e não sabia cantar. Tudo o que tinha era o seu gênio.


Eu almoçava todos os dias na cantina, na mesa dos escritores, e, normalmente, um deles convidava-me para visitar o estúdio dele depois do almoço. Os filmes que estavam a ser filmados eram The Best Years of my Life, com Myrna Loy e Frederich March, o Saratoga Trunk, com Gary Cooper e Ingrid Bergman e The Secret Life of Walter Mitt, com Danny Kaye e Virgínia Mayo.


Eu ia aos estúdios e ficava a ver as estrelas a representarem as suas cenas, apenas a alguns metros de mim. Estas eram as mesmas estrelas que eu vira na última fila do RKO Jefferson Theatre, quando era arrumador. Agora, todas as semanas, via as maiores estrelas de Hollywood a fazerem os seus filmes, e foi uma época maravilhosa para mim.


Estava a acabar o argumento de Easfer Parade quando Sammy Weisbord entrou no meu gabinete.


- Sidney, tenho boas notícias. Recebi um telefonema da MGM. Querem negociar um contrato a longo prazo contigo.


- Mas isso é excelente! Exclamei.


Era o sonho de qualquer escritor em Hollywood.


- Ainda não tratei dos pormenores. Ainda há muitas coisas para discutir, mas não te preocupes. Isto vai acontecer. E sorriu.


Eu estava nas nuvens. Entreguei o meu argumento a Arthur Freed e fiquei à espera do comentário dele. Silêncio. Ele detestou, pensei.


Outro dia se passou. Voltei a ler o argumento. A crítica de Nova Iorque tem razão sobre a minha falta de talento. O diálogo é tão denso que não se consegue penetrar.

Não era para espantar que Arthur Freed não quisesse falar comigo.


Finalmente, uma semana depois de lhe ter entregado o argumento, a secretária dele telefonou-me.


- O senhor Freed quer que esteja amanhã às dez horas no escritório dele, para conhecer Judy Garland e Gene Kelly.


Uma terrível sensação de pânico invadiu-me. Eu pura e simplesmente não podia ir conhecê-los. Acabariam por perceber a fraude que eu era. Iam todos odiar o meu argumento. Sabia que não podia ir àquela reunião. Já passara por aquilo. Max Rich a dizer: ”Venha ter comigo amanhã de manhã, pelas dez horas, e começamos a trabalhar” e Irving Reis a dizer ”Câmara... ação...” e eu a fugir do teste com Cary Grant. Sabia que tinha de fugir outra vez.

Pouco dormi nessa noite. Tive sonhos bem reais de Arthur Freed a gritar comigo por causa da fraca qualidade do meu argumento.


De manhã, tinha tomado uma decisão. Ia à reunião, mas não diria uma palavra. Ouviria as críticas depreciativas deles e, quando tivessem terminado, apresentaria a minha demissão. Passei a hora antes da reunião a embalar as coisas que tinha no gabinete, preparando-me para abandonar o estúdio.


Ás dez, me dirigi ao escritório de Arthur Freed. Ele estava sentado à secretária.


Acenou com a cabeça.


- Um argumento interessante.


O que quer que isso significava. Seria um eufemismo para “Está despedido”? Porque é que não era frontal e dizia claramente o que pensava?


Nesse momento, Judy Garland entrou e a minha disposição imediatamente exultou. Era como se revisse uma velha amiga. Ela era a Betsy Booth, a namorada do personagem de Mickey Rooney na série de Andy Hardy. Ela era a Dorothy em The Wizard Oz. Era a Esther Smith em Meet me in St. Louis. Quando trabalhei como arrumador, vira os filmes dela vezes sem conta.


Judy Garland, que nascera Francês Gumm, estava na MGM desde a adolescência.


O filme The Wizard of Oz fizera dela uma estrela aos quinze anos. Tornara-se tão popular que o estúdio a usara em filme atrás de filme, não lhe dando descanso. Em nove anos, fez dezenove filmes.


Para manter a energia, começara a tomar barbitúricos e ficara viciada, tomando estimulantes durante o dia e barbitúricos durante a noite. Tentara suicidar-se e, coisa que eu não sabia quando a vi, acabara de ter alta da clínica Meninger.


As suas primeiras palavras foram:


- Olá, Sidney. Adorei o argumento.


Por momentos, fiquei estupefato. Em seguida, abri um sorriso, como um perfeito idiota.


- Muito obrigado.


- É bom, não é? Disse Arthur Freud. Foi o primeiro comentário que lhe ouvi sobre o meu argumento.


A porta abriu-se e Gene Kelly entrou. Eu começara a relaxar. Gene Kelly era outra cara conhecida. Vira-o em Thousands Cheers, Comer Girl e Anchors Aweight. Era como se fosse um velho amigo.


Cumprimentou Judy e Arthur e depois se virou para mim:


- Autor, autor. - Disse ele - Fez um excelente trabalho.


- Fez, não fez? Disse Arthur Freed.


De repente, fiquei extático. Tanta preocupação por nada.


- Quaisquer sugestões que tenham... Comecei a dizer.


- Por mim, não precisa de nada. Respondeu Judy.


- Para mim, está perfeito. Acrescentou Gene Kelly. Arthur Freed sorria.


- Pelos vistos, vai ser uma reunião muito curta. Estamos todos prontos. Começamos a filmar na segunda-feira.


A seguir à reunião, voltei para o meu gabinete e comecei a desempacotar as minhas coisas.


A minha secretária observava-me, intrigada.


- Posso perguntar o que é que se está a passar?


- Mudei de idéias.


Na sexta-feira, Arthur Freed chamou-me ao seu escritório.


- Temos um problema. Disse. Deixei de respirar.


- Há alguma coisa errada no argumento?


- Não, é Gene Kelly. Partiu o tornozelo a jogar voleibol no fim de semana.


Engoli em seco.


- Isso quer dizer que vamos ter de adiar as filmagens?


- Mandei o argumento ao Fred Astaire. Afastou-se do cinema no ano passado, mas, se gostar, faz o filme.


Abanei a cabeça.


- O Fred Astaire tem quarenta e oito anos. A Judy tem vinte e cinco. Os espectadores vão torcer para que eles não fiquem juntos. Nunca vai dar bom resultado.


- Vamos a ver o que é que ele diz. Disse ele, tolerante.


Fred Astaire respondeu que sim. Encontrei-o no escritório de Artur Freed, no dia seguinte.


- Muito obrigado pelo seu maravilhoso argumento. Vai ser muito excitante fazê-lo.


Ao olhar para ele, todas as minhas dúvidas desapareceram. Tinha um aspecto jovem, enérgico e atento. E a reputação de ser um perfeccionista. Num filme que fez com Ginger Rogers, ensaiou um número novo vezes sem fim até que os pés dela começaram a sangrar. Na segunda-feira, primeiro dia de filmagens de Easter Parade, eu estava no estúdio de gravação. Fred Astaire estava ao fundo do estúdio onde iam filmar a primeira cena e eu na outra ponta a contar uma história a Judy. No meio, o assistente de realizador apressou:


- Menina Garland, estamos prontos. Comecei a levantar-me.


- Não, acabe primeiro a história. Pediu Judy.


- Está bem.


Comecei a falar rapidamente porque sabia o quanto custava manter uma equipa de filmagens à espera. Olhei para a outra ponta do estúdio onde estavam todos prontos a aguardar por ela e disse:


- Judy, eu acabo a história depois. Não é importante e...


- Não – Insistiu - Acabe-a agora. Parecia preocupada.


- Judy, não quer fazer esta cena? Abanou a cabeça.


- Não.


- Por quê?


Hesitou uns segundos e disse rapidamente:


- Porque nesta cena tenho de beijar o senhor Astaire e nem sequer o conheço.


Todos tinham partido do princípio que as duas superestrelas se conheciam. Naquele momento, percebi como ela era vulnerável.


- Venha comigo. E, pegando-lhe na mão, levei-a até ao outro lado do estúdio onde estavam todos impacientes para iniciarem as filmagens.


Fred disse:


- Esta é a Judy Garland. Ele sorriu.


E ela:


- Com certeza. Sou um grande fã seu.


E eu sua respondeu ela a sorrir. Chuck Walters, o realizador, ordenou:


- As vossas posições.


E Easter Parade começou a ser filmado.


Um dia, fui por acaso ver o palco de ensaios onde Fred trabalhava sozinho num novo número de dança. A sapatear e a rodopiar sobre o palco, não se apercebeu da minha presença. Dirigi-me silenciosamente até junto dele e, quando ele parou por uns momentos, toquei-lhe no ombro. Virou-se.


Disse-lhe com toda a paciência.


- Não, Fred, não é assim. É assim. E fiz uns desajeitados passos de sapateado.


Ele sorriu.


- Muito bem. Era assim que eu dançava. Pouco provável.


Pouco antes de as filmagens começarem, Arthur Freed contratara Jules Munshin, um actor de Nova Iorque, para fazer uma parte cômica. Eu criara-lhe um papel como maitre. Um dia antes de ele começar a filmar, a minha hérnia discal saltou outra vez. Estava em casa na cama, a sofrer horrores, quando o telefone tocou. Era Jules Munshin.


- Sidney, preciso de lhe falar.


- Agora não é possível. Daqui a três dias já estou fora da cama e...


- Não. Eu tenho de o ver hoje. Já.


A dor era tão intensa que eu mal conseguia falar.


- Jules, não é uma boa altura. Eu não me sinto nada bem. Eu...


- A sua secretária deu-me a sua morada. Estou aí daqui a quinze minutos.


Tomei outro comprimido para as dores e cerrei os dentes. Quinze minutos depois, Jules Munshin estava junto à minha cama.


- Está com bom aspecto. Comentou ele alegremente. Eu olhava-o fixamente.


- O estúdio fez-me vir de Nova Iorque e eu só tenho uma cena que podia ter feito por telefone. Preciso que faça qualquer coisa com aquela cena.


Havia um pequeno problema. Eu estava com tantas dores que mal me lembrava do nome dele.


- Filmo a cena amanhã. Lembrou.


Fechei os olhos e tentei recordar qual a cena que escrevera para ele. Fazia o papel de um maitre d’arrogante, que se orgulhava da forma como mexia uma salada, com os gestos exagerados de um conhecedor esnobe.


- A cena não tem nada. Disse ele.


De repente, ocorreu-me como fazer qualquer coisa com ela.


- Jules, a resposta é muito simples.


- Qual?


- Não há salada. Vai fazê-la em mímica.


Acabou por ser uma das cenas mais divertidas de todo o filme.


Easter Parade conquistou o Box Office Blue Ribbon e o WGA Screen para o Melhor Argumento para Musical de 1948, um prêmio que partilhei com Francês Goodrich e Albert Hackett.


Easter Parade revelou-se um dos musicais mais famosos que a MGM alguma vez fez. Passa na televisão em todas as Páscoas dos últimos cinquenta e sete anos.

CAPÍTULO 18

Em Setembro de 1947 começou um dos episódios mais infelizes da história da América. Um raio vingativo estava prestes a atingir Hollywood.


A aliança da América com a Rússia terminara e a ”Ameaça Vermelha” varreu os Estados Unidos. Joseph McCarthy, um ambicioso senador, apercebeu-se da oportunidade para se tornar importante. Um dia, anunciou que havia comunistas no Exército.


- E quantos? Perguntaram.


- Centenas.


A resposta de McCarthy gerou um enorme furor e ele apareceu nas páginas das revistas e nas primeiras páginas dos jornais por todo o lado.


Passou depois a afirmar que tinha descoberto que havia comunistas na Marinha e nas indústrias de defesa e, cada vez que dava uma entrevista à imprensa, os números eram constantemente alterados cada vez maiores.


Foi formada uma comissão de investigação, da qual fazia parte J. Parnell Thomas e um pequeno grupo de congressistas. Chamou-se HUAC, House Un-American Activities Committee.


A comissão escolheu como alvo inicial um grupo de argumentistas de Hollywood e acusou-os de serem membros do Partido Comunista e de inserirem propaganda comunista nos seus argumentos. Várias testemunhas foram intimadas para se apresentarem em Washington perante a comissão.


A fama de McCarthy foi crescendo e ele tornou-se cada vez mais ousado. Pessoas inocentes acusadas de serem comunistas perderam os seus empregos, sem qualquer hipótese de se defenderem. As indústrias de defesa e outras empresas também foram investigadas pela comissão, mas Hollywood era mais visível e a comissão explorou-a.


Os escritores, os produtores e os realizadores que eram chamados a depor tinham três hipóteses. Admitiam que fossem comunistas e denunciavam nomes, negavam ser comunistas ou recusavam-se a testemunhar e arriscavam ir para a cadeia. A comissão era implacável. Se as pessoas levadas perante eles admitissem ser comunistas, tinham que indicar os nomes dos companheiros comunistas.


Dez escritores que foram acusados e se recusaram a responder às perguntas da comissão foram mandados para a cadeia. Além disso, 324 pessoas foram colocadas na lista negra na indústria e centenas de vidas inocentes foram assim destruídas.


Em Hollywood, os dirigentes dos estúdios tiveram uma reunião secreta para decidirem como apresentar a melhor cara perante tudo o que se estava a passar. Fizeram uma comunicação onde diziam que não dariam trabalho a ninguém que fizesse parte do Partido Comunista. Foi o início de uma lista negra que durou dez anos.


Dore Schary, que dirigia os estúdios da RKO, declarou audaciosamente que preferia demitir-se a despedir um escritor acusado de ser comunista. Pouco depois destas suas declarações, quando a comissão indicou o nome de um escritor que trabalhava para a RKO, Schary despediu-o. Os membros da Associação de Argumentistas ficaram furiosos. Schary pediu que lhe dessem a oportunidade de explicar a sua posição. O auditório da associação encheu-se.


- Quero lembrar a todos que eu também sou escritor - começou a dizer - Foi assim que comecei. Imagino que muitos estavam à espera que eu me demita como diretor da RKO quando me obrigaram a despedir um dos meus escritores. A razão por que não o fiz foi porque senti que, mantendo-me na direção da RKO, posso fazer mais para vos proteger.


Foi aí que ele perdeu o controle da assembléia. O seu discurso interesseiro e egoísta deu origem a uma terrível pateada e a reunião terminou abruptamente.


Uma manhã no meio de tudo isto, Marvin Schenck, um executivo do estúdio que era parente de Nicholas Schenck, chamou-me ao seu gabinete. Ninguém sabia muito bem qual era, de fato, a sua função, mas corria o rumor de que recebia três mil dólares por semana para olhar pela janela e lançar o alarme se visse um glaciar a aproximar-se do estúdio.


Marvin andava pelos quarenta e muitos anos, era baixo e careca e tinha o carisma de um cangalheiro.


- Sente-se, Sidney. Sentei-me.


Ele olhou para mim e disse, acusadoramente:

- Ontem à noite, na reunião da Associação de Argumentistas, você votou no Albert Maltz?


Tivéramos uma reunião na noite anterior para eleger uma nova direção. Fora uma reunião à porta fechada, mas fiquei tão espantado com a pergunta que nem me ocorreu perguntar-lhe como é que sabia em quem eu votara.


- Sim, votei. Respondi.


- Porque é que votou em Maltz?


- Porque acabei de ler um livro dele, The Journey of Simon McKeever. É um livro que está muito bem escrito e nós precisamos de bons escritores na direção da associação.


- Quem foi que lhe disse para votar nele? Comecei a ficar zangado


- Ninguém me disse para votar nele. Já lhe expliquei porque foi que o fiz.


- Alguém lhe deve ter dito para votar nele. O meu tom de voz subiu.


- Marvin, acabei de lhe dizer que votei nele porque é um excelente escritor.


Estudou uma folha de papel que tinha na frente e em seguida levantou os olhos.


- Nos últimos dias você andou pelo estúdio a angariar fundos para as crianças dos Dez de Hollywood?


Foi então que me passei. O que ele dizia era verdade. Começara pela minha contribuição pessoal e em seguida partira pelo estúdio para angariar dinheiro para ajudar a sustentar as crianças cujos pais tinham sido presos.


Não costumo perder as estribeiras, mas, quando me acontece, é a sério.


- Sou culpado, Marvin. Não o devia ter feito. As crianças que morram à fome. Se os pais estão na cadeia, os filhos não merecem comer. Eles que morram todos! Gritei.


- Acalme-se! - pediu - Acalme-se! Quero que vá para casa e tente lembrar-se quem foi que lhe disse para votar no Albert Maltz. Amanhã de manhã volto a falar consigo.


Saí que nem uma fúria do gabinete. Sentia-me violado. A indignidade do que estava a acontecer era dilacerante.


Nessa noite não consegui dormir. Dava voltas e mais voltas na cama e por fim tomei uma decisão. Às nove da manhã, fui direto ao gabinete de Marvin Schenck.


- Demito-me. Pode rasgar o meu contrato. Não quero trabalhar mais neste estúdio.


Disse e dirigi-me para a porta.


- Espere lá. Não se precipite. Liguei hoje de manhã para Nova Iorque. Eles disseram que se assinar uma declaração em como não é comunista e que nunca fez parte do Partido Comunista tudo isto será esquecido. - E deu-me uma folha de papel - Assina?


Olhei para a folha e comecei a ficar mais calmo.


- Sim, assino. Porque não sou comunista e nunca fui. Respondi. Foi uma experiência humilhante, mas nada que se comparasse com o que muitos inocentes sofreram durante aquela época.


Nunca esquecerei as dúzias de amigos cheios de talento que nunca mais encontrariam trabalho em Hollywood.


Em Fevereiro de 1948, as nomeações para os prêmios da Academia foram anunciadas. Eu era um dos cinco nomeados, por ter escrito o argumento original de The Bachelor and The Bobby-Soxer. Comecei a receber os parabéns dos meus companheiros de trabalho, do meu agente e dos meus amigos, mas eu sabia uma coisa que eles desconheciam. Não tinha qualquer hipótese de ganhar o Oscar.


Os filmes contra os quais eu concorria eram extremamente populares. Incluíam Monsieur Verdoux, de Chaplin, ADoubkLife, Body and Soul e o forte filme estrangeiro Shoeshine. Ser um dos nomeados já era honra suficiente. Perguntava-me qual deles ganharia.


Recebi um telefonema de Dona Halloway a dar-me os parabéns pela minha nomeação. Várias vezes tínhamos ido juntos ao teatro ou a um concerto, e era uma companhia muito agradável.


Na manhã dos Óscares, Dona telefonou. Deixara recentemente a William Morris e passara para a Columbia como assistente pessoal de Harry Cohn, e eu achava que ele tinha muita sorte em tê-la a trabalhar com ele.


- Pronto para ir aos Óscares? Perguntou.


- Eu não vou. Ficou chocada.


- Que estás a dizer?


- Dona, eu não tenho a mínima hipótese de ganhar. Porque é que hei-de ir e ficar para ali sentado e embaraçado?


- Se todos pensassem assim, nunca estaria lá ninguém para receber um Oscar – Respondeu - Tu tens que ir. O que dizes?


Pensei um pouco. Porque não ser um desportista e ir e aplaudir quem ganhasse?


- Queres vir comigo?


- Podes apostar que sim. Quero ver-te em cima daquele palco. A vigésima edição anual dos prêmios da Academia teve lugar no Shrine Auditorium. Na época, a sessão não era transmitida pela televisão, mas era difundida por duzentas estações de rádio ABC e pela rede de difusão das Forças Armadas. O auditório estava à cunha. Eu e a Dona nos sentamos em nossos lugares.


- Estás nervoso? Perguntou.


A resposta era não. Esta não era a minha noite. Esta noite pertencia a um dos outros escritores que ia receber o Oscar. Eu era simplesmente um espectador. Não tinha qualquer razão para me sentir nervoso.


A cerimônia começou. Os vencedores começaram a subir ao palco para receberem os Óscares e eu recostei-me, relaxado, a gozar o espetáculo.


Por fim, chegaram ao prêmio para o melhor argumento original. George Murphy, um ator que tomara parte em muitos filmes musicais, anunciou:


- Os nomeados são... Abraham Polonsky, com Body and Soul... Ruth Gordon e Garson Kanin, A Double Life... Sidney Sheldon, The Bachelor and the Bobby-Soxer... Charles Chaplin, Monsieur Verdoux... e Sérgio Amidei, Adolfo Franci, Cesare Giulio Viola e Cesare Zavattini com Shoeshine.

George Murphy abriu o envelope.


- E o vencedor é... Sidney Sheldon, com The Bachelor and the Bobby-Soxer

Fiquei sentado, gelado, na minha cadeira. Qualquer nomeado que tivesse um mínimo de cérebro teria preparado um discurso, para o caso de... Eu não preparara nada. Nada.

George Murphy chamou outra vez pelo meu nome.


- Sidney Sheldon! Dona empurrava-me.


- Levanta-te e vai!


Levantei-me, atordoado, e fui cambaleando até ao palco, enquanto a audiência aplaudia. Subi os degraus e George Murphy apertou-me a mão.


- Parabéns!


- Obrigado. Consegui responder.


- Senhor Sheldon, em nome do interesse da ciência e da posteridade, é capaz de nos dizer onde foi buscar esta idéia original?


Como é que eu não preparara nada? Qualquer coisa?

Olhava fixamente para ele.


- Bem... Pois... Quando estava em Nova Iorque, havia muitas, sabe como é, jovens de soquetes e ao vê-las, bem... Ocorreu-me que talvez se pudesse fazer um filme sobre isso. E depois eu... Foi o que fiz.


Não podia acreditar na burrice do que estava a dizer. Senti-me como um verdadeiro idiota. Mas lá me consegui recompor a tempo e agradecer a equipa e a Irving Reis. Pensei em Dore Schary e interroguei-me se devia ou não mencionar o seu nome. Ele portara-se muito mal e eu estava zangado com ele. Por outro lado, fora co-produtor do filme.


... e Dore Schary. Acrescentei.


Aceitei o meu Oscar e saí atabalhoadamente do palco. Quando cheguei ao meu lugar, Dona disse:


- Isto é maravilhoso. Como te sentes?


Como é que me sentia? Sentia-me mais deprimido do que alguma vez me sentira em toda a minha vida. Sentia-me como se tivesse roubado algo a alguém que o merecia mais do que eu. Sentia-me um impostor.


Os prêmios continuaram a ser atribuídos, mas, daquele momento em diante, o que se passava no palco era como se estivesse envolto numa névoa. Ronald Colman tinha um Oscar na mão e falava de A DoubkLife. Loretta Young agradecia a todos pelo The Farmer’s Daughter. Tudo parecia arrastar-se. Estava impaciente por sair dali para fora. Naquela que devia ter sido a noite mais feliz da minha vida, eu sentia-me à beira do suicídio.


Tenho de ir a um psiquiatra, pensei. Há algo de muito errado em mim.

O nome do psiquiatra era Judd Marmer. Fora-me recomendado por amigos que o tinham consultado. Sabia que ele tinha muitos doentes do mundo do espetáculo.


O doutor Marmer era um homem grande e intenso, com cabelo cor de prata e uns olhos azuis inquiridores.


- Senhor Sheldon, o que posso fazer por si?


Relembrei o momento em que fugira da consulta com o psiquiatra na Northwestern.


- Não sei. Respondi com toda a sinceridade.


- Porque foi que me veio consultar?


- É que tenho um problema e não sei qual é. Tenho um emprego de que gosto na MGM. Estou a ganhar muito dinheiro. Recebi um Oscar há uns dias e... - encolhi os ombros - não me sinto feliz. Sinto-me deprimido. Trabalhei muito para chegar aqui, e consegui e... Não há um ”aqui”.


- Percebo. Sente-se deprimido com freqüência?


- Ás vezes, mas isso acontece a toda a gente. Provavelmente estou a fazê-lo perder o seu tempo. Respondi.


- Não se preocupe. Eu tenho muito tempo. Fale-me de algumas das coisas que o deixaram deprimido no passado.


Pensei em todas as vezes que me devia ter sentido feliz e, em vez disso, me senti infeliz, e em todas as vezes em que devia ter ficado deprimido e fiquei feliz.


- Bem, quando estava em Nova Iorque, um compositor chamado Max Rich... Fui falando e ele ouvia.


- Alguma vez sentiu vontade de se suicidar?


Os barbitúricos da drugstore Afremow... Não lhe adianta impedir-me agora, porque o faço amanhã...

- Sim.


- Sente uma perda de auto-estima?


- Sim.


- Tem a sensação de que não serve para nada?


- Sim.


- Sente que o seu sucesso não é merecido? Parecia que ele estava a ler o que me ia no espírito.


- Sim.


- Tem sentimentos de inadequação e culpa?


- Sim.


- Com licença. Chegou-se à frente e premiu um botão do intercomunicador.


- Menina Cooper, informe, por favor, o doente seguinte de que haverá um atraso.


Senti um arrepio de frio.


O doutor Marmer virou-se e olhou para mim.


- Senhor Sheldon, está a sofrer de uma psicose maníaco depressiva.


Não gostei nada do som daquelas palavras.


- E o que é que isso quer dizer, exatamente?


- É um desvio do cérebro que envolve episódios de mania e de depressão sérios, onde a disposição muda da euforia ao desespero. Parece-lhe que existe um tecido muito fino a separá-lo do mundo. De forma que, no fundo, está do lado de fora a olhar para dentro.


Senti a boca a ficar seca.


- E é grave? Perguntei.


- As doenças maníaco depressivas podem ter um efeito devastador sobre as pessoas. Há pelo menos dois milhões de americanos que sofrem dela, uma em cada dez famílias. Por alguma razão parece ter maior incidência junto dos artistas. Vincent Van Gogh, Herman Melville, Edgar Allen Poe, Virginia Wolf, só para falar de alguns.


Isso não me deu qualquer conforto. O problema era deles, não meu.


- Quanto tempo demora a ser curada? Perguntei. Ele fez uma longa pausa.


- Não tem cura.


Entrei em pânico.


O quê?

- O melhor que podemos fazer é tentar controlá-la por meio de medicamentos. - Hesitou - O problema é que por vezes eles têm efeitos colaterais. Em média, uma em cada cinco pessoas que sofrem de psicose maníaco depressiva acabam por se suicidar. Vinte a cinquenta por cento tentam o suicídio pelo menos uma vez. É um importante fator em trinta mil suicídios por ano.


Fiquei sentado, a ouvir, sentindo-me mal.


- De vez em quando, sem qualquer aviso, perdera o controle das suas palavras e dos seus atos.


Comecei a sentir dificuldade em respirar. O doutor Marmer continuou:


- Esta doença pode apresentar-se de várias formas. Algumas pessoas conseguem passar semanas, meses ou até mesmo anos sem sentirem altos ou baixos. Tem períodos de disposição normal. Esse tipo tem o nome de eutimia. Creio que é o seu caso. Infelizmente, como já lhe disse, não tem cura.


Bom, pelo menos agora aquilo que se passava comigo tinha um nome. Ele deu-me uma receita e saí do consultório, abalado. Mas depois pensei: Ele não faz idéia do que está a dizer. Eu estou bem. Eu estou bem.

CAPÍTULO 19

O Oscar está rodeado por mitos e rumores. Se o ganhamos, nunca mais nos falta trabalho. Se o ganhamos, nunca mais temos trabalho.


Uma semana depois de ter recebido o meu Oscar, Sam Weisbord parou no meu gabinete.


- Mais uma vez, parabéns. Onde é que o vais guardar?


- Não quero dar nas vistas. O que é que achas se o puser no topo do telhado de minha casa, com uma meia dúzia de holofotes a apontarem para ele?


Riu-se.


- Acho uma excelente idéia!


- Sammy, tenho que te confessar que ganhá-lo foi um choque para mim.


- Eu sei. Ouvi o teu discurso. Respondeu, secamente. E, sentando-se, disse casualmente: A propósito, venho do escritório do Benny Thau. Benny Thau era o homem da MGM que fazia os negócios. Tens um contrato de sete anos. Deram-nos tudo o que pedimos.


Eu não queria acreditar.


- Mas isso é maravilhoso. O poder do Oscar.

- Uma das coisas em que cederam foi no teu pedido para poderes tirar três meses por ano em qualquer altura que desejar.


- Ótimo.


Queria estar livre para poder fazer outras coisas.


Mudara-me para uma pequena casa em Westwood. Tinha um quarto pequeno, um escritório pequeno, uma sala de estar pequena, uma cozinha pequena e duas casas de banho pequenas. A garagem era maior do que toda a casa. Tony Curtis e a sua lindíssima mulher, Janet Leigh, ambos os atores talentosos, viviam num apartamento a poucas portas de distância. Tinham carro, mas não tinham onde o estacionar.


Uma noite, durante um jantar, Tony perguntou-me:


- Estamos com problemas de estacionamento na nossa rua. Podemos alugar a tua garagem?


- Não a podem alugar, mas podem usá-la à vontade.


E, desse dia em diante, o carro deles passou a estar estacionado na minha garagem.


A minha casa era demasiado pequena para dar festas, mas eu não sabia disso, por isso dei imensas. Tive a sorte de conseguir encontrar um espetacular cozinheiro filipino que também servia ao bar e me limpava a casa. Desde que começara a trabalhar na MGM, conhecera uma série de gente interessante. Fiz um jantar com Ira Gershwin e a mulher, Lee. Kirk Douglas, Sid Caesar e Steve Allen também jantaram lá, acompanhados pelas respectivas caras metades. Era uma lista longa e maravilhosa. Jules Stein, dirigente da MCA, a mais poderosa agência de talentos de Hollywood, veio jantar mais do que uma vez com a mulher, Doris. Muitas vezes tivemos que nos sentar no chão porque não tinha cadeiras que chegassem, mas ninguém parecia importar-se.


Um dos homens mais interessantes que conheci foi Robert Schiffer, diretor de maquilhagem nos estúdios Disney. Era inglês e voara com a Royal Air Force durante a Segunda Grande Guerra. Tinha um iate e viajava por todo o mundo.


Em 1946, Schiffer estava a trabalhar num filme da Rita Hayworth. Ela estava prestes a iniciar um filme para Harry Cohn. Em vez disso, ela e Schiffer decidiram fugir juntos para o México. O filme foi suspenso até terminarem as suas férias românticas. Harry Cohn ia dando em doido porque não os conseguia localizar.


Todas as tardes de sábado, eu fazia um jogo de gin em minha casa, com uma dúzia de habituais. Jerry Davis, um produtor-argumentista, era um deles, assim como o realizador Stanley Donen, Bob Schiffer e vários outros. Elizabeth Taylor, na altura com os seus vinte anos, andava com Stanley, e todo o sábado aparecia para nos fazer o almoço enquanto jogávamos.


Elizabeth era baixa e sensual, com uns incríveis olhos violeta e um toque da magia que mais tarde veio a fazer dela uma lenda. Custa a acreditar que todo o sábado tinha esta beldade na minha cozinha a fazer sanduíches.


Cyd Charisse fora contratada pela MGM. Ela era sensual e talentosa. Entrara para o Ballet Russo aos treze anos e era uma espantosa bailarina. Saí algumas vezes com ela. Um sábado à noite tínhamos um encontro marcado quando ela me telefonou a cancelar.


- Passa-se alguma coisa? Perguntei. Foi evasiva.


- Na segunda feira explico-te melhor.


Não precisou fazê-lo. Saiu em todos os jornais. No fim de semana, casara-se com o famoso cantor Tony Martin. Cyd telefonou-me.


- Imagino que já tenhas visto as notícias.


- Vi, sim. Espero que tu e o Tony sejam muito felizes.


Tentei esquecer Cyd embrenhando-me no trabalho. Estava pronto para outro desafio.


Kenneth McKenna, diretor do departamento de guiões da MGM, chamou-me ao gabinete dele. McKenna andava pelos cinquenta e tal anos, era um homem direito que nem um fuso, um general de cabelo grisalho que geria o seu departamento como propriedade sua.


Não me cumprimentou.


- Tenho um trabalho para si, Show Boat.

Era um trabalho fantástico. Show Boat era um musical importante. Tinha uma partitura brilhante e um libreto maravilhoso. Eu adorava-o. Mas tinha um problema.


- Kenneth, acabei de fazer duas adaptações. Gostava de trabalhar em algo original.


Ele ergueu-se na cadeira.


- Você faz exatamente aquilo que eu lhe disser para fazer. Tem um contrato com este estúdio. Até lava o chão, se eu lho ordenar.


Nunca escrevi Show Boat. Nas semanas seguintes, andei demasiado ocupado a lavar o chão.


Para os meus três meses de folga desse ano, planeara uma viagem à Europa, e estava muito excitado com a perspectiva. Marcara uma passagem no Liberte, um navio francês que ouvira dizer que era fantástico.


Telefonei a Natalie, Marty, Richard e Joan para me despedir e voei até Nova Iorque para embarcar.


Entre os passageiros estava Charles MacArthur, que eu já conhecia.


Era um argumentista brilhante que juntamente com Ben Hecht, escrevera The Front Page, Jumboe Twentieth Century. Com ele encontrava-se a mulher, a proeminente atriz americana Helen Hayes.


Na primeira vez que Charles a vira numa festa ficara imediatamente fascinado. Pegara numa taça cheia de amendoins e oferecera-lha, dizendo:


- Como gostava que fossem diamantes.


Casaram-se pouco tempo depois. No ano seguinte, no aniversário dela, Charles deu-lhe uma pequena taça de diamantes e disse:


- Como gostava que fossem amendoins.


Os outros passageiros incluíam Rosalind Russel e o marido, o produtor Fred Brisson, e Elsa Maxwell, a famosa organizadora de festas. No primeiro dia no mar, Charles veio ter comigo:


- A Elsa Maxwell teve conhecimento que ganhaste um Oscar. Quer convidar-te para o jantar que dá hoje. Eu expliquei-lhe que tu não gostas de conviver.


- Charlie! Eu adoraria ir à festa dela! Ele sorriu.


- Tens que te fazer difícil. Vou dizer-lhe que ficaste de dar uma resposta.


Mais tarde, a própria Elsa Maxwell veio ter comigo e disse:


- Senhor Sheldon, vou dar um pequeno jantar esta noite. Tinha muito gosto que se juntasse a nós.


- Com muito prazer.


O jantar foi muito simpático e os convidados pareciam divertidos. No final da refeição, quando me levantei para sair, um criado abordou-me:


- Desculpe, senhor Sheldon. São três dólares para a mesa. Abanei a cabeça.


- Eu sou convidado da senhora Maxwell.


- Eu sei. São três dólares. Fiquei furioso.


Charlie tentou acalmar-me.


- Não me importo com a idéia, o que me incomoda é o dinheiro. Expliquei.


Charlie riu.


Sidney, a especialidade dela é juntar as pessoas. Ela nunca paga por nada.


Quando cheguei a Londres, me registrei no lendário hotel Savoy. Embora a guerra tivesse acabado a Inglaterra ainda sofria dos seus efeitos. Havia racionamento e faltava tudo.


Quando o empregado do serviço de quartos veio ter comigo de manhã, pedi:


- Quero uma toranja, ovos mexidos com presunto e torradas. Ele olhou para mim com ar contrito.


- Lamento muito, senhor, mas não temos nada do que pretende. Pode escolher entre cogumelos e arenque.


- Oh! Escolhi os cogumelos.


Nessa noite, fui a um restaurante e a ementa não tinha quase nada que fosse comestível.


Na manhã seguinte fui surpreendido por um telefonema de Tony Martin.


- Não nos disseste que estavas cá.


- Tenho tido imenso que fazer.


- Quero que venhas ao meu espetáculo, hoje à noite.


Não tinha qualquer intenção de me encontrar com o homem que se casara com a mulher de quem eu gostava.


- Não posso... Eu...


- Vou deixar um bilhete para ti na bilheteira. E acrescentou: Vem ter conosco aos bastidores. E desligou.


Eu não estava nada interessado em ver o espetáculo dele. Iria aos bastidores dizer-lhe como era brilhante e sairia imediatamente.


Mas acabei por ir ver o espetáculo e era espantoso. A audiência adorou-o. Fui ao camarim dele nos bastidores para lhe dar os parabéns e Cyd estava lá. Recebi um enorme abraço e ela apresentou-nos.


- Hoje vens cear conosco. Disse ele. Abanei a cabeça.


- Muito obrigado, mas...


- Vamos embora.


Tony Martin revelou-se um dos homens mais simpáticos que alguma vez conheci.


A ceia foi num clube privado. O que eu não sabia era que os clubes privados em Inglaterra estavam imunes ao racionamento.


O empregado informou:


- Hoje temos uns bifes excelentes. Todos encomendamos bifes.


O empregado perguntou-me:


- Deseja um ovo com o seu bife, senhor?


E este foi o primeiro ovo que comi desde que chegara a Londres. A partir daí, passei todas as outras noites com Cyd e Tony, divertindo-me imenso na lua-de-mel deles.


Uma noite, ele virou-se para mim e disse:


- Partimos amanhã de manhã para Paris. Faz as malas. Vens conosco.


Nem discuti.


Voamos para Paris e foi maravilhoso. Tony alugou uma limusine para nos levar a ver os locais turísticos do costume, o Arco do Triunfo, o Louvre, o Túmulo de Napoleão... E comemos refeições deleitosas.


Um domingo de manhã, Tony contratara uma limusine para nos levar a Longchamps para ver as corridas. Infelizmente, todos tínhamos apanhado uma intoxicação alimentar na véspera e estávamos muito mal.


Ele telefonou-me.


- Eu e Cyd sentimo-nos muito mal. Não vamos poder ir às corridas.


- Nem eu, Tony, estou...


- Está uma limusine lá em baixo à tua espera. Aproveita.


- Mas, Tony...


- Aproveita... E aposta num cavalo por nós.


Fui até Longchamps sozinho e mais ou menos inconsciente. Junto ao guichê das apostas, havia uma fila enorme. Quando chegou, finalmente, a minha vez, o homem atrás do vidro perguntou:


- OMZ?


Eu não falava francês. Lancei umas notas pela abertura e mostrei-lhe um dedo, ”Número une” e toquei no meu nariz. Ele respondeu algo ininteligível e empurrou o dinheiro na minha direção.


Voltei a insistir.


- Número une e. Mostrando-lhe um dedo, levei-o ao nariz. No nariz, para ganhar.


Ele empurrou outra vez o dinheiro na minha direção. As pessoas atrás de mim começavam a ficar impacientes. Um homem saiu da fila e aproximou-se.


- Qual é o problema? Perguntou em inglês.


- Estou a tentar apostar este dinheiro no número um, para ganhar. O homem falou em francês com o caixa e virou-se para mim.


- O número um foi riscado. Escolha outro cavalo.


- Escolhi o número dois, recebi um monte de bilhetes e cambaleei dali para fora, para ver a corrida.


O número dois ganhou e eu, Tony e Cyd, dividimos o dinheiro.


Aquela viagem foi algo que nunca esqueci, e resolvi ir à Europa todos os anos.


Nesse mês de Agosto, Dore Schary demitiu-se do lugar de diretor da RKO, depois de aceitar uma proposta de Louis B. Mayer para passar a diretor de produção da MGM. O meu antigo patrão era agora o meu novo patrão.


Fui destacado para escrever o argumento de Nancy Góes to Rio, que teria como atores principais Ann Sothern, Jane Powell, Barry Sullivan, Carmen Miranda e Louis Calhem.


O filme era produzido por Joe Pasternak, um produtor húngaro de meia idade, dono de um forte sotaque. Antes de vir para a MGM, produzira pequenos filmes na Universal, um estúdio que se encontrava à beira da falência. Uma jovem atriz chamada Deanna Durbin foi libertada do seu contrato com a MGM e foi para a Universal. Joe Pasternak foi designado pela Universal para fazer um filme com Deanna chamado Three Smart Girls.

Para grande surpresa do estúdio, o filme foi um sucesso de bilheteira. De um dia para o outro, Deanna Durbin transformou-se numa grande estrela e a Universal foi salva. Pouco tempo depois, Joe Pasternak aceitou uma oferta de emprego da MGM como produtor.


Um dia, Dore Schary convocou uma reunião de todos os produtores.


Quando todos estavam sentados no seu gabinete, Dore começou a falar:


- Temos um problema. Acabei de comprar uma peça chamada Tea and Simpathy. É um sucesso da Broadway, mas o departamento de censura não nos deixa fazer o filme porque inclui um homossexual. Temos de fazê-lo chegando lá de outra maneira. Quero ouvir as vossas sugestões.


Fez-se um silêncio pensativo. Um dos produtores aventou:


- Em vez de um homossexual, podemos fazer dele um alcoólico. Outro sugeriu:


- Pode ser um drogado.


- Pode ser aleijado.


Uma dúzia de idéias diferentes foram sugeridas por todos, mas nenhuma era satisfatória.


Depois de algum silêncio, Joe Pasternak falou:


- É muito simples, mantemos a peça exatamente como está. Ele é homossexual. E depois acrescentou com ar triunfante, mas, no final, tudo não passa de um sonho. E a reunião acabou ali.


Uma das vantagens de trabalhar em Nancy Góes to Rio foi conhecer Louis Calhem. Começara no teatro e era um ator brilhante. Tinha uma aparência imponente, era alto, de nariz curvo e dono de uma voz poderosa. Tivera três breves casamentos com três atrizes e ia a caminho do quarto. Possuía um maravilhoso sentido de humor e era um encanto estar com ele. Acabara de desempenhar o papel principal em The Magntficient Yankee, a história de Justice Oliver Wendell Holmes.


Sempre que vinha jantar a minha casa, mal passava a porta, dizia logo em voz alta:


- Onde raio está a comida?


Um dia mandou-me um telegrama que dizia:


”Soube que a minha mulher foi convencida a marcar um encontro entre nós os dois no próximo sábado dia quatro, à noite. Encontro-me consigo no teatro depois de se apagarem as luzes. Não esteja à espera de ser visto em público comigo. Calhem”.


Um agente apresentou-me uma linda e jovem atriz sueca que viera para os Estados Unidos para fazer um teste na Universal. Era encantadora e tivemos um romance.


Umas semanas mais tarde, um domingo de madrugada, estava eu a dormir, a campainha da porta começou a tocar. Eram quatro da manhã. Os toques eram cada vez mais insistentes. Relutante, levantei-me, vesti um robe, dirigi-me à porta e abri-a.


Um desconhecido com uma arma na mão empurrou-me para o lado e entrou na sala.


O meu coração começou a bater, desenfreado.


- Se isto é um assalto, leve tudo o que... Comecei a dizer.


- Filho da mãe! Eu vou matá-lo! Não era um assalto.


Em momentos como este, um escritor devia pensar: Que material espetacular! Mas a única coisa em que pensei foi: Vou morrer!

- Eu não o conheço!


- Pois não! Mas conhece a minha mulher. – Gritou - Tem andado a dormir com ela.


Eu sabia que ele se enganara. Nunca tinha casos com mulheres casadas.


- Ouça... - comecei a dizer - Não faço idéia do que é que está para aí a dizer. Eu não sei quem é a sua mulher!


- A Ingrid! E levantou a arma.


- Mas... Eu... - Não era um engano - Espere aí! Mas a Ingrid nunca me disse que era casada!


- A cabra casou comigo para conseguir um visto para entrar neste país.


- Calma. Eu não sei de nada disso. Ela não usa aliança e nunca me falou em nenhum marido, como é que eu podia saber? Sente-se e vamos conversar.


Ele hesitou uns segundos e deixou-se cair numa cadeira. Ambos suávamos profusamente.


- Eu não sou assim, mas eu amo-a e ela usou-me.


- Não o culpo por estar perturbado. Acho que ambos precisamos de um copo e, preparei duas bebidas bem fortes para os dois.


Cinco minutos mais tarde, contava-me a história da vida dele. Era escritor e conhecera Ingrid na Europa. Não conseguia arranjar trabalho em Hollywood.


- Precisa de trabalho? Deixe que eu trate disso. Falo com o Kenneth McKenna, da Metro.


O rosto dele iluminou-se.


- A sério? Ficava-lhe muito grato.


Cinco minutos depois, ele e a arma tinham sumido.


Apaguei as luzes, voltei para a cama ainda a arquejar e tinha finalmente acabado de adormecer quando ouvi de novo baterem à porta.


Ele está de volta, pensei. Mudou de idéias. Está decidido a matar-me.

Levantei-me, fui à porta e abri-a. Ingrid estava de pé do lado de fora. Levara uma enorme sova. Tinha o rosto pisado, dois olhos negros e sangrava do lábio. Puxei-a para dentro.


Ela mal conseguia falar.


- Tenho que te dizer...


- Não tens que me dizer nada. O teu marido esteve cá. Deita-te. Vou chamar um médico.


Consegui acordar o meu médico e, uma hora mais tarde, ele apareceu e cuidou de Ingrid. Ela tinha uma costela partida e nódoas negras por todo o corpo.


Quando o médico saiu, ela disse:


- Não sei o que fazer. Tenho um teste esta manhã na Universal.Abanei a cabeça.


- Já não tens. Não podes aparecer assim. Vou telefonar e cancelar o teste.

E foi o que fiz. Ingrid foi-se embora nessa noite e nunca mais a vi.


Em 1948, Cy Feuer e Ernie Martin, uma nova equipa produtora, apareceram no estúdio para falarem comigo.


- Estamos a fazer um espetáculo na Broadway que se chama Where’s Charley feé baseado no clássico Charley’s Aunt. Queremos que o escreva. Já aprovamos o seu nome junto do Brandon Thomas Estate. Frank Loesser vai escrever a música, Ray Bolger é o ator principal.


Frank Loesser escrevera várias músicas populares, mas nunca fizera nenhum espetáculo na Broadway. Eu conhecia o enredo de Charley’s Aunt e gostava dele. Achei que podia ser um grande êxito.


- Gostava de conhecer o Frank.


- Vamos tratar disso.


Frank Loesser era um dínamo. Tinha trinta e muitos anos, talento e ambição. Escrevera o êxito do tempo da guerra Prinse the Lord and Pass the Ammumtion e várias outras canções populares, incluindo The Moon of Mankoora, On a Slow Boat to China, The Boys in the Back Room e Kiss the Boys Goodbye.

- Tenho umas idéias excelentes. Podemos fazer disto um estrondoso êxito. Disse Frank.


- Também acho.


- Eu trabalho no libreto consigo.


- Frank, isso vai ser maravilhoso e eu trabalho nas músicas consigo. Fez um enorme sorriso.


- Deixe estar.


Fui falar com Dore Schary.


- Vou tirar os meus três meses de licença para fazer um espetáculo na Broadway informei-o.


- Que espetáculo?


- O Where’s Charley. É uma reposição de Charley’s Aunt. Dore abanou a cabeça.


- A Broadway é arriscada. Ri-me.


- Eu sei, Dore. Já por lá andei.


- Não acho que seja boa idéia.


- Bom, eu já me comprometi e...


- Faço um trato consigo. Que tal escrever o argumento de Annie Get Your Gun?

- O quê?


- Se não fizer esse espetáculo, eu destaco-o para escrever Annie.

Annie Get Your Gun era o maior êxito da Broadway. Estava em cena há três anos e tinha quatro companhias por fora.


Em 1945, Herbert e Dorothy Fields tinham abordado Richard Rodgers e Oscar Hammerstein e sugerido fazerem um espetáculo sobre Annie Oakley. Dorothy Fields escreveria as letras e Jerome Kern concordara em fazer a música.


Três dias depois de chegar à Nova Iorque, Kern sofreu um ataque cardíaco e poucos dias depois morreu. Rodgers e Hammerstein decidiram que Irving Berlin escreveria a música. O espetáculo tinha uma dúzia de sucessos, incluindo o tradicional There’s no Business Like Show Business. A MGM pagara seiscentos mil dólares pelos direitos de Annie Get Your Gun, o preço mais elevado pago até ali por um musical.


- O que me diz? Perguntou Dore.


Pensei no assunto. Eu tinha a certeza que Where’s Charley ia ser um sucesso, mas estava excitado com a possibilidade de voltar a trabalhar com Irving Berlin. Era impossível dizer que não à oferta de Dore.


- Aceito. Respondi.


Nessa tarde telefonei a Feuer, e a Martin, e a Frank Loesser e expliquei-lhes a minha decisão.


- Sei que vão ter um grande sucesso. Comentei. E tinha razão.

CAPÍTULO 20

Era muito excitante trabalhar outra vez com Irving Berlin. Ele não perdera nem um pouco da energia. Entrou pelo meu gabinete a dançar, sorriu e disse:


- Isto ainda vai ser melhor do que a peça. Vamos falar com o Arthur.


Arthur Freed estava no seu gabinete, sentado à secretária. Olhou para nós quando entramos.


- Isto vai ser um enorme sucesso. - Disse ele - O estúdio apóia a cem por cento.


- Arthur, já tem alguém em mente? Perguntei.


- Judy Garland fará o papel de Annie e um jovem e talentoso ator e cantor chamado Howard Keel, o de Frank. Louie Calhem será Buffalo Bill e George Sidney é o realizador.


Eu ia trabalhar de novo com a Judy. E ia poder estar com o Louie Calhem.


Arthur Freed virou-se para mim.


- Agora tens de voar para Nova Iorque e Chicago para veres a peça.


Em Nova Iorque, o papel de Annie era desempenhado pela Ethel Merman e em Chicago pela Mary Martin.


- Quando queres que parta?


- O teu avião parte amanhã, às nove da manhã.


Annie Get Your Gun era um excelente entretenimento. O livro, escrito por Herbert e Dorothy Fields, era rápido e espirituoso e o desempenho de Ethel Merman era enérgico, vistoso e descarado. Na manhã seguinte voei até Chicago para ver Mary Martin.


Esta abordara o papel de uma forma diferente. A Annie dela era tímida e envolvida numa pungente doçura. O meu desafio era criar uma personagem que combinasse os melhores elementos de ambas.


Trabalhar num êxito como Annie Get Your Gun tinha os seus perigos. Não me podia afastar muito do tema original e, no entanto, era preciso abrir um pouco a peça para o ecrã. Muitas das cenas resultavam bem no palco, mas não resultariam na tela. Tinha de criar cenas novas.


O maior problema era o hiato entre o primeiro e o segundo ato. No palco, o primeiro ato terminava com Annie a partir para a Europa. O segundo começava com o seu regresso. O problema estava em decidir o que fazer ao argumento para ligar os dois.


Podia mostrar uma montagem de breves cenas de Annie em diferentes países ou podia circunscrever-me a um país só. O intervalo deveria ser longo ou curto? Estas decisões não eram minhas, porque filmar essas cenas envolveria muito dinheiro. Era uma decisão que competia ao produtor.


Liguei para o escritório de Arthur Freed e marquei uma hora para falar com ele. Uma hora depois, a secretária ligou-me a cancelar a marcação. Marquei outra hora para o dia seguinte. A secretária voltou a ligar e a cancelar. Isto aconteceu durante três dias seguidos. Na tarde do terceiro dia, Sammy Weisbord apareceu no meu gabinete.


- Acabo de vir do escritório de Arthur Freed. Ele está muito desapontado contigo.


Senti o pânico a invadir-me.


- O que foi que eu fiz?


- Arthur diz que tu ainda não lhe entregaste nada, nem uma página.


- Mas... Eu estou farto de tentar marcar reuniões com ele para discutirmos...


De repente percebi o que se passava. Arthur Freed não estava interessado em discutir o argumento. Só estava interessado nos aspectos musicais do filme, na música, nos bailados, nas jovens. Eu tinha a sensação de que ele não era capaz de visualizar como as cenas sairiam. Lembrei-me da forma como reagira ao meu argumento para o Easter Parade. Não emitira qualquer comentário até ter ouvido a opinião das estrelas.


O seu dom residia em ser capaz de selecionar a peça ideal e em contratar os melhores para a fazerem. Respirei fundo. Sem ninguém para me orientar, seria eu a tomar as decisões, por isso comecei a escrever o argumento. Estava a correr bem e só esperava continuar sem problemas.


Terminei o roteiro, entreguei-o e fiquei à espera. Estava curioso em ver quem ia ser o primeiro a contatar-me.


No dia seguinte, George Sidney, que realizava o filme, entrou no meu gabinete.


- Queres que eu te lisonjeie ou preferes a verdade?


A minha boca ficou seca.


- A verdade.


George Sidney abriu um sorriso e respondeu:


- Adorei! Fizeste um trabalho espantoso. Vamos ter um filme sensacional. Os seus olhos brilhavam.


Depois eu de ter ouvido comentários sobre o meu argumento de todos os que entravam no filme, Arthur Freed comentou:


- Sidney, captou muitíssimo bem o tom da peça.


Judy gravou a trilha sonora e a produção começou. De vez em quando, em alturas em que não estava a filmar, Judy aparecia no meu gabinete para conversar um pouco.


- Está a correr bem, não está, Sidney? Ela parecia nervosa.


- Está a correr lindamente, Judy!


- Está, não está? Perguntou.


Observei-a com atenção. Parecia tensa e interroguei-me qual seria o seu aspecto debaixo da maquilhagem.


Comecei a ouvir uns rumores inquietantes. Judy estava sempre atrasada e não sabia o texto. A produção era interrompida. Ela telefonava a George Sidney às duas da manhã para lhe dizer que não tinha a certeza se ia conseguir aparecer no estúdio no dia seguinte ou não.


Por fim, a produção parou mesmo e nesse dia o estúdio anunciou que ela fora substituída. Fiquei triste. Quando ouvi as novidades, tentei telefonar-lhe, mas ela partira para a Europa, arrasada.


O papel de Annie foi dado a Betty Garrett, uma jovem atriz cheia de talento que protagonizara a minha peça jackpot e que era casada com Larry Parks, que fizera o papel de Jolson em The Jolson Story.

Benny Thau encontrou-se com o agente de Garrett.


- Queremos uma opção para os próximos três filmes da Betty. O agente dela abanou a cabeça.


- Só a podem ter para este filme e não há opções.


Assim, graças ao seu agente, Betty Garrett perdeu o papel da vida dela. Betty Hutton foi contratada para o papel de Annie e a produção continuou sem mais incidentes.


Uma manhã, durante as filmagens, Irving Berlin entrou no meu gabinete:


- Sidney, porque é que nós nunca fizemos um espetáculo da Broadway juntos?


O meu coração deu um salto. Escrever um musical com Irving Berlin era virtualmente garantia de sucesso. Tentei soar descontraído:


- Irving, teria o maior prazer em fazer um espetáculo consigo.


- Ótimo! Tenho uma idéia.


E começou a andar de um lado para o outro enquanto me contava a sua idéia.


Dei uma olhadela ao relógio.


- Irving, tenho imensa pena de interrompê-lo, mas tenho um almoço marcado para o meio dia e meia e preciso sair agora. Porque não falamos quando eu voltar? Perguntei.


- Onde é o almoço?


- É em Berverly Hills, no Brown Derby.


- Eu acompanho-o até lá.


E Irving Berlin entrou para o meu carro e fez o percurso todo comigo até ao restaurante, enquanto o seu motorista nos seguia, para poder ir falando sobre a idéia que tinha, em vez de ter de esperar uma hora até que eu voltasse do almoço. Nunca vira um entusiasmo tão grande.


Nessa mesma tarde, Irving disse que ia a Los Angeles porque um cantor novo ia cantar uma das suas canções. Este era Irving Berlin aos sessenta anos, um gênio cheio de dinamismo, no topo da sua criatividade.


Os anos não lhe foram favoráveis. Aos noventa anos, começou a ficar paranóico. Um dia, Tommy Tune, o talentoso produtor e coreógrafo da Broadway, telefonou-lhe:


- Irving, gostava de fazer um musical baseado em algumas das suas canções.


- Não. Não pode ser. Tommy Tune ficou espantado.


- Por quê?


- Porque já há demasiadas pessoas a cantarem as minhas canções. Respondeu baixinho.


Com grande pena minha, nunca chegamos a fazer o tal musical juntos.


Um dos maiores prazeres de escrever Annie Get Your Gun foi conhecer Howard Keel, um homem alto e dominador com uma voz incrível. Devido a uma cena do filme, Howard teve de aprender a atirar aos pratos, por isso costumávamos ir a uma carreira de tiro e competíamos um com o outro.


Ele ganhou-me sempre.


A produção sob a direção de George Sidney corria bem e a pós-produção estava quase pronta.


Quando, em 1950, Annie Get Your Gun estreou, as críticas foram unânimes e excelentes. Os críticos de Nova Iorque chamaram-lhe ”O grande musical do ano”.


”Annie Get Your Gun volta a pôr o cinema na primeira linha.”


”O filme Annie é ainda melhor do que a peça.”


”Graças a Berlin e aos Fields, um estrondoso êxito.”


Betty Hutton recebeu o prêmio Photoplay para a atriz mais popular e eu recebi o prêmio do Writers Guild of America Screen pelo meu argumento.


Em 1950, a Variety publicou uma lista dos nomes dos filmes com as maiores receitas de bilheteiras de todos os tempos. Da lista constavam três filmes escritos por mim: The Bachelor and the Bobby-Soxer, Easter Parade e Annie Get your Gun.

Os meus períodos de depressão tinham parado e parti do princípio de que o psiquiatra se enganara quanto à minha psicose maníaco-depressiva. Eu estava bem. Continuei a sair com Dona Holloway e gostava muito da companhia dela.


Uma noite, ao jantar, ela perguntou-me:


- Gostavas de conhecer a Marilyn Monroe?


- Claro que gostava. Respondi.


- Muito bem, vou tratar disso. Respondeu.


Marilyn Monroe era um símbolo sexual, uma super-estrela. O seu passado complicado incluía uma mãe louca, o ter crescido em casas de acolhimento, um casamento falhado e uma longa batalha contra o álcool e os barbitúricos. Mas tinha uma coisa que ninguém lhe podia tirar: talento.


No dia seguinte, Dona telefonou-me.


- Na sexta-feira vais jantar com a Marilyn Monroe. Vai buscá-la ao apartamento dela. E deu-me a morada.


Aguardei por sexta-feira com grande expectativa. Marilyn fizera vários filmes de sucesso: Gentlemen Prefet Bkmdes, How to Marry a Millionaire e Monkey Business, com o Cary Grant.


A noite não correu como eu imaginara. À hora marcada, cheguei ao apartamento dela e uma mulher que lhe fazia companhia abriu-me a porta.


- A menina Monroe vem ter consigo dentro de poucos minutos. Está a acabar de se vestir.


Os poucos minutos transformaram-se em quarenta e cinco. Quando finalmente emergiu do quarto, estava espantosa. Pegou na minha mão e disse em voz suave:


- Tenho muito gosto em conhecê-lo, Sidney. Admiro muito o seu trabalho.


Jantamos num restaurante de Beverly Hills.


- Fale-me de si. Pedi.


E ela começou a falar. Para meu grande espanto, o tema da conversa girou à volta de Dostoievsky, Pushkin e vários outros escritores russos. O que dizia parecia-me tão incongruente vindo desta maravilhosa jovem mulher que era como se estivesse a jantar com duas pessoas totalmente diferentes. Percebi, no entanto que o seu conhecimento não era profundo. Só mais tarde é que soube que ela saía com Arthur Miller e Elia Kazan e que eles eram os seus mentores. Foi uma noite muito agradável, mas não lhe voltei a telefonar.


Pouco tempo depois do nosso jantar, ela casou com Arthur Miller.


Numa noite de Agosto de 1962, fui convidado para jantar em casa de Liy Engelberg, o meu médico. De repente, a meio do jantar, ele foi chamado ao telefone. Voltou à mesa e explicou:


- Tenho uma urgência. Já venho. Passaram-se duas horas até que finalmente voltou.


- Peço imensa desculpa, mas era uma doente minha... - Hesitou. - A Marilyn Monroe. Morreu.


Ela tinha trinta e seis anos.


Eu vira pela primeira vez Harry Cohn, o chefe de produção da Columbía Pictures, com Dona Holloway. Cohn tinha a reputação de ser o executivo mais duro de Hollywood. Uma vez ele gabara-se:


- Eu não tenho úlceras, faço-as aos outros.


Era voz corrente que só temia uma pessoa, Louis B. Mayer. Um dia, este ligou-lhe e disse:


- Harry, está tramado. Receoso, Cohn perguntou:


- Qual é o problema, L. B.?


- Você tem sob contrato um ator que eu quero.


Aliviado, Cohn respondeu:


- Leve-o, L. B., leve quem quiser.


Durante a Segunda Guerra Mundial, havia um ditado: “Todo o escritor da Columbia que se despeça para ir para o Exército é um cobarde.”


Quando Harry Cohn tinha uns vinte e poucos anos, o seu melhor amigo era Harry Ruby e trabalhavam juntos num elétrico em Nova Iorque. Harry Cohn como condutor e Harry Ruby como revisor. Eram inseparáveis.


Anos mais tarde, quando já estavam ambos em Hollywood, saíram juntos, cada um com uma mulher, e falaram dos velhos tempos. Harry Cohn dirigia agora um estúdio e Harry Ruby era um compositor de sucesso.


- Os elétricos desapareceram como os dinossauros. - Disse Harry Ruby - Quando nós trabalhávamos neles, era bem divertido.


Harry Ruby virou-se para as jovens e acenou na direção de Cohn.


Ele ganhava dezoito dólares por semana e eu ganhava vinte. Cohn ficou vermelho.


- Eu ganhava vinte, tu é que ganhavas dezoito.


Rosnou. Harry Ruby nunca mais viu Harry Cohn.


Eu vira Harry Cohn em vários jantares. A primeira vez que nos encontramos, ele dizia coisas aviltantes sobre os escritores, e como eram preguiçosos.


- Eu obrigo os meus escritores a entrarem todas as manhãs às nove, tal como as secretárias.


- Se pensa que com isso vai conseguir bons argumentos, devia estar noutra profissão. Respondi.


- O que raio sabe o senhor acerca disso?


E começamos a discutir. Quando voltei a vê-lo numa festa, ele veio logo ter comigo. Gostava de discussões. Convidou-me para almoçar.


- Sabe, Sheldon, antes de contratar um produtor eu pergunto-lhe sempre qual é o handicapdele no golfe.


- Porque é que isso lhe interessa?


- Porque se o handicap dele for baixo eu não o quero. Só quero produtores que estejam apenas interessados em produzir para mim. Noutra ocasião, disse-me: Sabe quando é que eu contrato um produtor caro? Quando acabou de ter um fracasso O preço dele desce.


Um dia, quando eu estava no escritório de Harry Cohn, a voz do diretor de estúdio ouviu-se no intercomunicador:


- Harry, tenho a Donna Reed ao telefone. O regimento do Tony vai ser mandado para o estrangeiro e ela quer ficar com ele em São Francisco até a partida.


Tony Owen, marido da Donna, era produtor.


- Ela não pode ir.


Respondeu, e virou-se de novo para mim. Um minuto mais tarde, o diretor de estúdio voltou a ligar.


- Harry, a Donna está muito perturbada. Podem passar-se anos até ela voltar a ver o marido e neste momento nós não precisamos dela.


- A resposta é não. Respondeu.


O diretor de estúdio ligou uma terceira vez.


- Harry, a Donna está lavada em lágrimas. Diz que vai de qualquer forma.


Harry Cohn abriu um sorriso.


-Muito bem. Fica suspensa.


Fiquei a olhar para ele, sem palavras, e interroguei-me com que tipo de monstro é que eu estava a lidar.


Li um livro brilhante de George Orwell chamado 1984, o qual previa o futuro das ditaduras russas com trinta e cinco anos de antecedência. Era um cenário horrendo. Achei que podia ser uma peça maravilhosa para a Broadway. Escrevi a Orwell pedindo-lhe os direitos para o palco e ele nos cedeu.


Fui ter com Dore Schary e disse-lhe que ia fazer 1984. Dore, o liberal, respondeu:


- Já li o livro. É muito bom, mas é anti-russo. Não devia fazer uma peça dessas.


- Dore, esta pode ser uma peça muito importante.


- Porque é que não escreve a Orwell e lhe diz que não devia ser anti-russo, só anti-ditadura? Por outras palavras, de forma a que se possa adaptar a qualquer país.


Pensei nas palavras dele por um momento.


- Muito bem. Vou fazer isso. Escrevi a Orwell e ele respondeu-me:


Caro senhor Sheldon,

Muito obrigado pela sua carta de 9 de Agosto. Parece-me que a sua interpretação da tendência política do livro se encontra muito perto daquilo que eu pretendia dizer. Ele baseia-se acima de tudo no comunismo porque essa é a forma dominante de totalitarismo, mas o que eu pretendia era imaginar como seria o comunismo se este estivesse firmemente enraizado em países de expressão inglesa e não fosse mais uma mera extensão do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo. Acima de tudo, o que eu não pretendia é que fosse um ataque ao Partido Trabalhista inglês ou a qualquer economia coletivista em si. Não tenho dúvidas de que não preciso de lho dizer, mas chamo-lhe a atenção porque parte da imprensa americana tem usado este livro como um sermão, sobre aquilo a que o socialismo em Inglaterra vai conduzir”.

Dore manteve-me tão ocupado que acabei por ter de abandonar o meu projeto do 1984.

CAPÍTULO 21

Kenneth McKenna destacou-me para escrever Rich, Young and Pretty, um musical que tinha como estrelas Jane Powell, Danielle Darrieux, Wendell Corey e um jovem cantor chamado Vic Damone. Um elenco talentoso.


Contava a história de uma jovem que, durante uma viagem a Paris, se apaixona. Uma história que precisava de muito movimento e de um toque de leveza.


Uma manhã, Jules Stein telefonou-me:


- Eu e a Doris vamos jantar contigo esta noite. Importas-te que levemos alguém conosco?


- Claro que não. Respondi.


Mais uma pessoa não fazia a mínima diferença porque, de qualquer das maneiras, o espaço era sempre apertado.


Nessa noite, Jules e Doris chegaram acompanhados por um jovem elegante e com bom aspecto.


- Queremos apresentar-te o Fernando Lamas. Vai entrar no teu filme.


O Fernando tinha um sotaque da América do Sul e revelou-se não só um homem encantador como bastante inteligente. Uma vez, foi convidado para o Tonight Show do Johnny Carson e, quando este começou a fazer troça do seu sotaque, o Fernando o fez parar.


- Quando alguém tem sotaque - fez questão de informar a Carson - isso significa que fala mais uma língua do que você.


Os espectadores na sala aplaudiram.


No primeiro dia de filmagens, eu estava no estúdio de Rich, Young and Pretty. O argumento fora escrito por mim e por Dorothy Cooper, uma maravilhosa escritora contratada. Era o primeiro filme de Vic Damone e ele estava compreensivelmente nervoso. O realizador era Norman Taurog, um velho profissional.


- Muito bem. Vamos a um take. Chamou ele. Vic Damone pediu nervosamente:


- Desculpe, senhor Taurog, posso beber primeiro um copo de água?


Norman Taurog olhou para ele e respondeu:


- Não. Comecem a filmar.


Rich, Young and Pretty começou a ser filmado.


O filme teve um relativo sucesso nas bilheteiras. Nesse mesmo ano escrevi também uma comédia musical chamada Nancy Góes to Rio, com Ann Sothern, Jane Powell e Barry Sullivan. Contava a história de uma mãe e uma filha que se apaixonam pelo mesmo homem. Quando terminei o argumento, escrevi o No Questions Asked, com Barry Sullivan, Arlene Dahl e George Murphy.


Um executivo do estúdio fez um dia uma viagem de avião e conheceu Pug Wells, uma assistente de bordo que o deixou fascinado. Era alegre e efervescente e, quando o executivo lhe começou a fazer perguntas sobre a vida privada dela, ficou ainda mais fascinado. No regresso aos estúdios, sugeriu a Dore fazermos um filme com base na personagem dela. Foi a minha tarefa seguinte.


Eu trabalhava com Ruth Brooks Flippen, uma das escritoras mais importantes do estúdio. O produtor era Armand Deutsch, que Dore trouxera com ele da costa leste. Armand, ou Ardie, como era conhecido, não tinha experiência de cinema, mas Dore ficara muito impressionado com o seu intelecto.


Quando conheci Ardie, gostei imediatamente dele. Em vez de ter a atitude contida da maior parte dos produtores, era um entusiasta.


Sentei-me para começar a escrever o argumento. Decidi complicar um pouco a vida da personagem Pug Wells, não com um homem, mas com três. E assim nasceu o meu título, Three Guys Named Mike.

No dia em que mostrei a Ardie o início do meu argumento, este desatou literalmente aos saltos de excitação. Claro que depois disso eu estava sempre ansioso por lhe mostrar mais trabalho. Era maravilhoso trabalhar com ele. Quando terminei o argumento, ele comentou:


- Este é um papel espetacular para a Jane Wyman.


- E os homens?


- Van Johnson, Howard Keel e Barry Sullivan. O meu elenco de sonho.


Ardie conseguiu o seu elenco de sonho. Começamos a filmar na Primavera de 1950 e o filme correu bem.


Por razões que agora me escapam, decidi que queria entrar como ator no filme e falei com Ardie acerca disso.


- Muito bem. E que papel queres tu? Perguntou.


- Ainda não o escrevi. Respondi.


Eu sabia como escrever um papel que não poderia ser cortado de um filme. O segredo residia em criar uma personagem que estava com o ator ou a atriz principal no momento em que ele ou ela é apresentado. Como não se podia cortar a cena da apresentação da estrela principal, também não se podia cortar a cena do outro ator. Escrevi para mim um papel bem curto como jardineiro na cena de apresentação de Barry Sullivan.


No dia seguinte, nas visualizações diárias, quando vi o meu desempenho, teria dado qualquer quantia de dinheiro para não o ter feito. Eu era horrível.


Fui destacado para Was This Once, uma idéia original de Max Trell muito engraçada. Tinha como base um perdulário que levava uma vida louca, gastando a herança que recebera. O executor do seu patrimônio estava tão preocupado que contratava um curador para controlar os gastos do homem. Só que o curador revelou-se uma bela jovem.


Quando terminei o argumento, pensei que seria ideal para Cary Grant. O estúdio enviou-lhe o guião, mas ele recusou-o.


O elenco foi formado com Peter Lawford, Janet Leigh e Lewis Stone, que fizera o papel de Juiz Hardy na famosa série Andy Hardy.

Um ano mais tarde, quando o filme finalmente estreou, Cary telefonou-me.


Sidney, só quero te dizer que cheguei à conclusão de que tinhas razão. Eu devia ter aceitado aquele papel


Até hoje, Was This Once continua a ser um dos meus filmes preferidos.


Em Fevereiro de 1952 Kenneth McKenna mandou-me chamar. Acabamos de comprar uma peça da Broadway chamada Remains to be Seen.

Eu lera as críticas. Era um sucesso da Broadway e fora escrito pela talentosa equipa de Howard Lindsay e Russel Crouse. Contava a história de uma cantora de uma banda de Nova Iorque que vai viver para a casa onde um seu tio rico fora assassinado. Assim que a jovem começa a suspeitar quem é o assassino, este decide matá-la.


- Vou destacar-te para esta peça. Disse ele. Assenti.


- Muito bem, Kenneth.


Ele não era, de forma nenhuma, um Ken.


- Vai à Nova Iorque ver o espetáculo e conhecer o produtor, Leland Hayward.


Leland Hayward! Fiquei com a cabeça a andar a roda. Ainda me lembrava da lista de clientes da Leland Hayward Agency, quando lá estava. Ben Hecht, Charles MacArthur, Nunnally Johnson.

Hayward produziria mais filmes de prestígio, The Old Man and The Sea, The Spirit of St. Louis e Mister Roberts.

No dia seguinte ao da minha chegada, almocei com Leland Hayward no hotel Plaza. Ele tinha a reputação de ser alguém que vivia bem e apreciava a vida. Fora casado com Pamela Churchill, Margaret Sullavan e Nancy Hawks, todas umas verdadeiras belezas. Era um homem carismático, com cabelo grisalho cuidadosamente tratado, e apresentava-se sempre elegantemente vestido.


Leland, que já estava sentado à mesa quando eu cheguei, levantou-se para me cumprimentar e disse:


- Tenho muito prazer em conhecê-lo.


Não achei que valesse a pena lembrar-lhe que doze anos antes fora um cliente de dezessete dólares por semana da agência dele. Começamos a almoçar e ele demonstrou-se um grande conversador, interessante e espirituoso.


- Falamos da peça.


- Já a li. Acho que é maravilhosa.


- Ótimo. Fico satisfeito que seja você a fazer o argumento.


Ele tratara de tudo de forma a que eu pudesse ver a peça nessa noite. O elenco era excelente, liderado por Jackie Cooper, Harry Shaw Lowe, Madeleine Morka e Janis Paige. Faziam parte do elenco dois atores relativamente desconhecidos que anos mais tarde acabaram por ter carreiras de sucesso Frank Campanella e Ossie Davis. A noite foi tão agradável quanto eu antecipara.


Voltei para Hollywood para escrever o argumento. Três meses depois, estava pronto. Entreguei-o ao produtor Arthur Hornblow.


- É muito bom. Vamos já pô-lo em produção. Disse ele.


- E tem algum elenco em mente?


- O estúdio vai assinar com June Allyson e Van Johnson.


- Excelente.


Dias mais tarde, Dore chamou-me ao escritório dele.


- O papel de Benjamin Goodman seria perfeito para Louis Calhem.


- Concordo. É um excelente ator. Respondi.


- Mas há um problema.


- Qual é?


- Ele recusou. Diz que o papel é muito pequeno. Pois, tem razão, pensei.


Dore continuou:


- Vocês os dois são amigos, não são?


- Sim, somos.


- Gostaria que o tentasse convencer a fazer este papel. Seria uma mais valia para o filme.


Assim que ouvi estas palavras, percebi que Dore estava cheio de razão.


Na noite seguinte, convidei Calhem para jantar num restaurante. Ele olhou em redor da sala e comentou:


- Só espero que ninguém nos veja juntos, isso ia estragar a minha reputação. Eu devia usar uma máscara.


- Ouvi dizer que recusaste o papel de Benjamin Goodman.


- Chamas àquilo um papel?- Desdenhou - A propósito, gostei do teu argumento.


Dei início ao meu ataque.


- Louie, aquele vai ser um grande filme e gostava que entrasses nele. A tua personagem é essencial para o desenrolar da história. O teu desempenho seria fundamental para o filme. E vai ajudar a catapultar a tua carreira para o topo. Seria muito bom para ti...


E assim continuei durante meia hora no meu papel de Otto e, quando acabei, ele respondeu:


- Tens razão. Vou aceitar.


As críticas e os resultados de bilheteira não foram nada de especial e o filme não catapultou a carreira de Calhem para o topo.


Uma vez por ano, os distribuidores internacionais e os donos das salas de exibição dos filmes da MGM eram convidados a ir a Culver City para conhecerem os futuros projetos. Era um período excitante para o estúdio. Os representantes de mais de uma dúzia de países de todo o mundo eram conduzidos a um enorme estúdio para ficarem a conhecer os filmes que iam sair. Dore dirigiu-se à assembléia:


- Este vai ser um dos melhores anos que alguma vez tivemos. Prometeu.


Depois de um curto discurso, começou a ler a lista dos filmes que iam estrear, dizendo os nomes dos atores principais, dos realizadores e dos argumentistas de cada um deles. Contaram-me mais tarde que, depois de ele ter falado de alguns filmes, chegou a um dos meus.


- Rich, Young and Pretty, escrito por Sidney Sheldon.


E, foi dizendo o nome de mais alguns filmes. Logo a seguir:


- Nancy Góes to Rio, escrito por Sidney Sheldon.


- No Questions Asked, escrito por Sidney Sheldon. Os assistentes começaram a rir.


Schary ergueu o olhar e comentou:


- Pelos vistos, Sidney Sheldon escreveu a maior parte dos filmes deste ano!


Nessa tarde, Dore chamou-me ao seu escritório.


- Gostaria de vir a ser produtor? Perguntou.


- Nunca me ocorreu semelhante idéia! Respondi, espantado.


- Bom, pense nisso porque a partir de hoje é produtor.


- Dore! Nem sei o que dizer!


- Você merece. Boa sorte.


- Obrigado.


Voltei para o meu gabinete e pensei: Tenho trinta e quatro anos, um Oscar e sou produtor no maior estúdio cinematográfico do mundo.

Era um daqueles momentos em que me devia sentir em êxtase, mas, em vez disso, sentia-me tomado por um sentimento de temor. Eu não sabia absolutamente nada sobre produção. Dore cometera um erro. Eu nunca seria capaz. Ia telefonar-lhe e dizer-lhe que não podia aceitar. O mais provável era ele despedir-me, e não tardava nada andaria a procura de emprego.


Nessa noite, tentei conciliar o sono, mas não consegui. À meia-noite, levantei-me e fui dar uma volta, a pensar em tudo o que me estava a acontecer. Lembrei-me da noite em que Otto me pedira que fosse dar uma volta com ele. Sidney, cada dia é uma página diferente que pode estar cheia de surpresas. Nunca saberás o que vem a seguir enquanto não virares a página. Mas eu detestaria que fechasses o livro tão cedo e perdesses a excitação que pode aparecer ao virar de uma página.

Na manhã seguinte, quando acordei, decidi que pelo menos ia experimentar fazer um filme. Se falhasse, podia sempre voltar a ser escritor.


Nessa manhã, quando entrei no estúdio, constatei que me tinham mudado para um gabinete bem maior. Também fiquei a saber que ser produtor na MGM era muito simples. O departamento de histórias, que tinha acesso a todos os editores, mandava aos produtores sinopses dos livros que iam sair, bem como das peças e das histórias originais que eram submetidas ao estúdio. Aquilo que o produtor tinha que fazer era escolher aquela que queria.


Os produtores recebiam uma lista de todos os escritores que estavam disponíveis para trabalharem nos seus projetos. Assim que os guiões estavam prontos, o departamento de audições começava a funcionar. Davam aos produtores uma lista de atores e realizadores.


Quem é que quer?


O último passo era Benny Thau, que fazia os negócios com os agentes dos escritores, dos atores e dos realizadores. Na Metro, os produtores limitavam-se literalmente a ficar sentados nos seus gabinetes e a carregar em botões. Ser produtor ia ser fácil.


Continuava a gostar de dar jantares em minha casa. Os amigos, os atores e os realizadores com quem trabalhava enchiam a minha humilde casa e nunca tive um momento aborrecido.


Uma vez, decidi fazer um serão musical e convidei um grupo dos mais talentosos músicos e compositores de Hollywood, todos eles já bem sucedidos e que continuaram a ter carreiras de sucesso. Entre os meus convidados estavam:


Alfred Newman, a quem chamávamos Pappy. Era baixo de estatura, mas grande em talento. Foi nomeado para mais Óscares do que qualquer outro compositor da história do cinema e ganhou nove vezes. Tinha uma lista de mais de duzentos filmes, incluindo Alexander’s Ragtime Band, Call me Madam e The KingandI.

Victor Young, que foi nomeado para vinte e dois Óscares. Escreveu a banda sonora dos filmes Wizard of Oz, The Quiet Man, Around the World in Eighty Days e Shane.

Dimitri Tiomkin, que escreveu a banda sonora de Lost Hanzon, It’s a Wonderful Life, High Noon e de muitos mais filmes.


Johnny Green, que escreveu mais de uma dúzia de canções de sucesso, incluindo I Cover the Waterfront, Out of Nowhere e You’re Mine. Compôs as bandas sonoras de filmes para todos os principais estúdios.


Bronislau Kaper, que escreveu a banda sonora de Three Guys Named Mike. Escreveu também a banda sonora de Green Mansions, Butterfield 8 e Auntie Mame.

André Previn, que encontrou fama como dirigente ou diretor musical de filmes que incluem Silk Stockings, Kiss me Kate, My Fair Lady, Porgy and Bess e Gigi.

Era um grupo impressionante. A minha acompanhante nessa noite era uma jovem atriz que estava instalada num motel do outro lado da rua. Depois do jantar, nos juntamos na sala de estar. Decidi diverti-los. Sentei-me à espineta e anunciei:


- Ando a ter lições de piano por correspondência. É um sistema novo, aprender a tocar por meio de números.


Comecei a tocar e senti um silêncio respeitoso instalar-se na sala. A meio do meu concerto, a minha acompanhante disse baixinho:


- Sidney, peço desculpa por ter de te interromper, mas amanhã tenho que me levantar cedo...


Ergui-me.


- Eu acompanho-te ao motel, Janet. E, virando-me para os meus convidados: Já venho.


Acompanhei a minha convidada até ao seu motel e não me demorei mais do que cinco minutos. Quando regressei, preparei-me para me sentar ao piano para terminar a canção. Não havia piano. Os meus convidados tinham-no mudado para o escritório.


Olhei em volta para os rostos sorridentes e tive pena deles.


A inveja é uma coisa terrível.

CAPÍTULO 22

Agora que eu era produtor, começou a chover no meu gabinete material literário, peças, guiões e histórias originais. Mas não aparecia nada que achasse excitante. Decidira que o primeiro filme que ia produzir seria algo de que me orgulharia. Três semanas mais tarde, depois de ter sido feito produtor, a secretária de Dore Schary ligou-me:


- O senhor Schary gostava que viesse ao escritório dele. Dez minutos depois eu estava na frente de Dore.


Este hesitou por uns segundos e em seguida disse:


- Harry Cohn ligou-me.


- Sim?


- Pediu autorização para negociar consigo a possibilidade de ir dirigir a produção da Columbia...


Fiquei sem saber o que dizer.


- Não fazia idéia que ele ia...


- Falei com o senhor Mayer e concluímos que vamos dizer que não. Por duas razões. Primeiro, porque estamos muito satisfeitos com o seu trabalho aqui. Segundo, porque temos ambos a sensação de que Harry Cohn o destruiria. Ele é um homem muito difícil com quem trabalhar. Liguei-lhe e disse-lhe qual era a nossa decisão. - E olhou para mim com um ar de expectativa - Agora é consigo.


Eu tinha muito em que pensar. Dirigir um estúdio importante era um dos trabalhos de maior prestígio em Hollywood. Por outro lado, provavelmente Schary e Mayer tinham razão quanto a trabalhar com Cohn. Lembrei-me da cena no escritório de Cohn.


“-Harry, tenho a Donna Reed ao telefone. O regimento do Tony vai ser mandado para o estrangeiro e ela quer ficar com ele em São Francisco até à sua partida.

-Ela não pode ir.”

Queria passar o resto dos meus dias a trabalhar com um homem assim? Tinha de tomar uma decisão.


- Eu sinto-me muito bem aqui, Dore. Dore sorriu.


- Muito bem. Nós não o queremos perder.


Quando voltei para o meu gabinete, Harris Katleman, um agente da MCA, a principal agência de Hollywood, estava à minha espera.


- Ouvi dizer que Harry Cohn quer que vá dirigir a Columbia. As notícias andam depressa, pensei.


- É verdade. Dore acabou de me dizer.


- Sidney, a nossa agência gostava muito de o poder representar. Podemos arranjar um excelente negócio e...


Abanei a cabeça.


- Muito obrigado, Harris, mas decidi que não vou aceitar esta oferta.


Ele pareceu espantado.


- Nunca ouvi falar de ninguém que alguma vez tenha recusado uma oferta para dirigir um estúdio.


- Pois agora já ouviu.


Ele ali ficou a tentar pensar em alguma coisa para dizer. Não havia nada.


Não consegui deixar de me interrogar o que teria sido a minha vida caso tivesse aceite a proposta de Cohn, e pensava no lugar onde já conseguira chegar. Lembrei-me do guarda à entrada da Columbia Studios.


- Quero ser escritor. Com quem devo falar?

- Tem hora marcada?

- Não, mas...

- Sendo assim, não vai ser recebido por ninguém.

- Mas, deve haver alguém que...

- Não, a não ser que tenha hora marcada.

“Harry Cohn quer que vá dirigir a produção da Columbia...”

Pouco tempo depois da minha conversa com Dore, estava a almoçar um dia na cantina do estúdio quando vi Zsa Zsa Gabor sentada numa mesa próxima acompanhada por uma morena muito interessante. Conhecera a Zsa Zsa Gabor vários meses antes e achava que era muito divertida. Ela e as suas irmãs, Eva e Magda, já eram lendas em Hollywood, famosas por serem famosas. Tinham vindo da Hungria, instalando-se rapidamente em Hollywood como mulheres excêntricas e talentosas. De momento, era a companheira de Zsa Zsa que me interessava. Assim que acabei de almoçar, dirigi-me à mesa delas.


- Querido... Era o seu cumprimento habitual para toda a gente, incluindo os desconhecidos.


- Olá, Zsa Zsa e trocámos o Hollywoodesco beijo no ar. Ela virou-se para a jovem que a acompanhava.


- Quero apresentar-lhe a Jorja Curtright. É uma atriz maravilhosa. Este é Sidney Sheldon.


Jorja acenou com a cabeça.


- Olá.


- Querido, sente-se. Sentei-me. Virei-me para Jorja.


- Então, é atriz? O que foi que já fez? Ela respondeu de forma vaga.


- Várias coisas.


Fiquei espantado. Normalmente as atrizes não perdiam a oportunidade de debitarem aos produtores todos os seus créditos.


Olhei para ela com mais atenção. Tinha algo de magnético. Era uma beldade, com traços clássicos e olhos castanhos, profundos e inteligentes, cheios de promessas veladas. A voz era rouca e diferente.


- Porque é que não vêm as duas ao meu gabinete depois do vosso almoço? Sugeri.


- Temos muito gosto, querido. Jorja não disse nada.


No caminho para o meu gabinete, parei para falar com Jerry Davis, o meu amigo pessoal, que era escritor contratado.


- Jerry, acabei de conhecer a mulher com quem me vou casar.


- E quem é ela? Quero conhecê-la.


- Ah, não, ainda não. Não quero competição.


Quinze minutos mais tarde, Zsa Zsa ejorja entravam no meu gabinete.


- Por favor, sentem-se. Pedi.


Conversamos disto e daquilo durante alguns minutos, por fim eu disse a Jorja:


- Se não anda a sair com ninguém, porque não jantamos juntos uma noite destas? - E peguei numa caneta. - Qual é o seu número de telefone?


- Desculpe, mas estou muito ocupada. Respondeu Jorja. Zsa Zsa olhou para ela, horrorizada.


- Querida, não seja tonta. O Sidney é produtor...


- Desculpe, -Insistiu Jorja - mas não estou interessada... Zsa Zsa adiantou-se e deu-me o número de telefone de Jorja. Ela olhou-a fixamente, obviamente aborrecida.


- É só um jantar disse eu a Jorja. Depois lhe telefono.


Ela levantou-se.


- Tive muito prazer em conhecê-lo, senhor Sheldon. Sentia-se o gelo na sala.


Fiquei a olhar enquanto as duas se afastavam. Isto não vai ser fácil, pensei para comigo.


Fui ver os créditos de Jorja Curtright. Eram impressionantes. Aparecera na televisão, em filmes e na Broadway. Acabara de fazer uma tournée desempenhando o papel de Stella, num êxito da Broadway chamado A Street Car Named Desire. As críticas eram entusiásticas.


O New York Times dizia:


”Como Stella, Jorja Curtright é soberba, enérgica e decidida na sua análise do papel, e brilha com afetividade, piedade e compreensão.”


Ela recebera também excelentes críticas pelo filme Whistle Stop e por uma dúzia de importantes programas de televisão.


Na manhã seguinte, telefonei a Jorja e convidei-a para jantar.


- Desculpe, mas estou muito ocupada. Respondeu. Telefonei-lhe nos quatro dias seguintes e tive sempre o mesmo resultado. No quinto dia, telefonei e disse:


- Na sexta-feira vou dar um jantar. Vão lá estar muitos produtores e realizadores importantes. Penso que seria bom para a sua carreira encontrar-se com eles.


Fez-se uma longa, longa pausa.


- Muito bem.


Fiquei com a sensação de que aceitara porque não estaríamos a sós.


Agora tinha de inventar um jantar com produtores e realizadores muito importantes.


Não sei como, mas consegui. Alguns dos produtores e realizadores que apareceram conheciam o trabalho de Jorja e foram muito simpáticos.


Quando a noite acabou, perguntei-lhe:


- Divertiu-se esta noite?


- Sim. Muito obrigada.


- Vou levá-la a casa.


Ela abanou a cabeça.


- Trouxe o meu carro. Muito obrigada por esta noite tão agradável.


E começou a dirigir-se para a porta.


- Espere aí. Quer jantar comigo uma destas noites? Perguntei. Pensou por uns segundos.


- Está bem.


Sentia-se uma notória falta de entusiasmo na voz dela.


Na manhã seguinte liguei-lhe de novo:


- Hoje à noite está livre para jantar? Pela primeira vez, ela respondeu:


- Estou.


- Passo para apanhá-la às sete e meia. E foi o início.


Jantamos no Chasen’s. Pela minha experiência, quando se estava com atrizes a conversa normalmente consistia em: “E então eu disse ao realizador que...” e ”Eu disse ao operador de câmara que...” e “O ator principal...” Jantar com uma atriz tinha sempre a ver com a indústria. Com Jorja, a indústria nem sequer foi mencionada. Ela falou da família e dos amigos. Vinha de uma terra pequena Mena, no Arkansas e mantinha as suas raízes de terra pequena. Era a antítese de qualquer actriz que alguma vez conheci.


Quando nos aproximávamos do fim do jantar, perguntei:


- Jorja, porque é que estava tão relutante em sair comigo?


Ela hesitou.


- Quer uma resposta honesta?


- Claro.


- Porque tem a reputação de sair com muitas mulheres e eu não tenho qualquer intenção de fazer parte da sua lista.


- A Jorja não é só mais uma na lista. Porque não me dá a possibilidade de lho demonstrar?


Estudou-me por momentos.


- Está bem. Veremos.


E comecei a sair com Jorja todas as noites. Quanto mais a via, mais sabia que estava apaixonado. Ela tinha um sentido de humor mordaz e rimo-nos imenso. Fomo-nos aproximando.


Ao fim de três meses, tomei-a nos meus braços e perguntei:


- Vamos casar.


Fugimos para Las Vegas no dia seguinte.


Consegui arranjar forma de Natalie e Marty virem a Hollywood e conhecerem Jorja e todos se deram lindamente. Natalie fez-lhe um milhão de perguntas e no fim concluiu que estava muito feliz por mim.


Planeei uma lua de mel à Europa. Comprara uma pequena casa perto de Coldwater Canyon, em Beverly Hills.


Otto e a mulher, Ann, viviam em Los Angeles e, quando lhe contei as novidades sobre Jorja, ele deu-me um abraço e disse:


- Isso é maravilhoso. Já sei o que vou fazer. Como presente de casamento, vou revestir a tua casa.


A última ocupação de Otto era revestir casas, forrando-as com alumínio. Era uma prenda generosa, porque o revestimento era muito caro.


- Que bom. Muito obrigado.


Informei Kenneth McKenna de que ia tirar três meses de licença e partimos para a Europa. Foi uma lua de mel de sonho, que incluiu uma visita a Londres, Paris, Roma e a um dos meus locais preferidos no mundo, Veneza. Jamais estivera tão feliz. A nuvem negra fazia parte do passado.


Por fim, chegou a altura de regressarmos a casa. Quando chegamos a Los Angeles, Otto estava à nossa espera. Seguíamos de carro a caminho de casa quando ele disse:


- Acho que vão adorar isto.


E tinha razão. A casa estava maravilhosa, completamente revestida por alumínio brilhante.


-... E eu digo-vos o que vou fazer - Acrescentou, magnânimo - Dou-vos isto a preço de custo.


Jorja fazia muita televisão. Parecia sair de um programa para outro.


Uma noite, sonhou que estava a fazer um discurso apaixonado para salvar um homem de uma multidão que o queria linchar. Acordou a meio da noite e sentou-se na cama. Gostou tanto do seu discurso que o terminou, já completamente acordada.


De volta à MGM, nos finais da primavera de 1952, encontrei um projeto de que gostei. Chamava-se Dream Wife e era um conto escrito por Alfred Levitt.


O argumento girava à volta da guerra entre os sexos. Um solteirão estava noivo de uma maravilhosa jovem funcionária do departamento de estado, que andava demasiado ocupada com uma crise no Médio Oriente para ter tempo para casar com ele. Farto, ele decide casar com uma maravilhosa princesa que conhecera no Médio Oriente. Devido à crise mundial do petróleo, começam a surgir as complicações.


Trouxe um ambicioso jovem escritor, Herbert Baker, para trabalhar comigo no argumento. A escrita corria bem. Tinha em mente Cary Grant para o principal papel masculino, mas sabia que ele estava sempre muito ocupado.


Quando me envolvia num projecto ficava tão absorvido que o tempo deixava de ter qualquer significado para mim. Uma noite em que fiquei a trabalhar até tarde no estúdio, tive de repente uma idéia para uma cena que me deixou excitado. Peguei no telefone e liguei para Herbert Baker:


- Podes vir aqui imediatamente? Tenho uma idéia que vais adorar. Desliguei o telefone e continuei a trabalhar.


Uma hora mais tarde ele ainda não aparecera. Voltei a ligar-lhe. Quando pegava no telefone, olhei por acaso para o relógio. Eram quatro da manhã.


Assim que o argumento de Dream Wife ficou pronto, eu estava pronto para começar a escolha dos atores.


- Quem é que pretende? Perguntaram do departamento de audições.


Nem sequer hesitei.


- O meu elenco de sonho seria Cary Grant e Deborah Kerr.


- Vamos ver o que se consegue.


O guião foi mandado a Cary Grant e, cinco dias depois, recebi uma resposta.


- O Cary gostou do guião. Aceitou fazer o filme. Fiquei entusiasmado.


- Ele deu-nos uma lista de realizadores com quem está disposto a trabalhar, vou começar já a verificar.


As más notícias chegaram no dia seguinte.


- Todos os realizadores de que Cary falou estão ocupados a dirigir outros filmes. Porque não fala com ele?


Marquei um almoço com Cary.


- Cary, estamos com um problema. Os realizadores que queres não estão disponíveis. Que queres que se faça?


Ele pensou.


- Eu sei quem devia realizar este filme. Fiquei mais aliviado.


- Quem?


- Tu.


Eu? Abanei a cabeça.


- Mas, Cary, eu nunca na vida realizei um filme!


- Eu sei como funciona a tua cabeça. Quero que sejas tu a fazê-lo. Fui ter com Dore Schary.


- O Cary Grant quer que seja eu a realizar o Dream Wife. Dore Schary concordou.


- Eu sei, ele ligou-me. Se é isso que ele quer, muito bem. Você será o realizador.


Era um milagre para mim. Poucos anos se tinham passado desde o tempo em que eu trabalhara como arrumador de cinema e via todas aquelas encantadoras e inacessíveis estrelas do cinema. E agora, escrevia para elas, produzia e dirigia-as, tocando as vidas delas da mesma forma como elas em tempos tinham tocado a minha.


Eu estava em êxtase. Ia fazer parte da lista de talentosos realizadores que tinham trabalhado com Cary, Alfred Hitchcock em Suspicion e Notarimis, George Cukor em Holiday e The Philadelphia Story, Leo McCarey em The Awful Truth e Once Upon a Honeymoon, e Howard Hawks em Bringing up Baby e His Girl Friday.

Levantei-me para sair.


- Sidney, espere um minuto. Assim, vai ser argumentista, realizador e produtor. Não precisa de todos esses créditos.


Me virei e fiquei a olhar para ele.


- O que é que tem em mente?


- Posso pôr o meu nome como produtor – Alvitrou - Para mim, não me fazia qualquer diferença.


- Muito bem. Concordei.


Foi uma decisão que quase destruiu a minha carreira.


Começamos a fazer o casting. Walter Pidgeon foi escolhido, mas estávamos com dificuldade em encontrar a princesa do Médio Oriente. Ouvi falar numa atriz chamada Betta St. John, que estava em Londres a fazer o filme South Pacific.

Voei até Londres para lhe fazer um teste. Era perfeita para o papel e contratei-a imediatamente. Quando regressei ao estúdio, tinha um recado a dizer que Harry Cohn me telefonara. Devolvi-lhe o telefonema.


- Sheldon, ouvi dizer que vai dirigir um filme com Cary Grant.


- É verdade.


- Tenha cuidado.


- Que quer dizer com isso?


- Cary Grant é um matador. Gosta de ser ele a dirigir as coisas. Porque é que acha que ele o escolheu para realizar o filme?


- Porque acha que eu...


- Ele está a tramá-lo. Está a pensar que com um realizador novato consegue escapar com os seus truques. Lembre-se do que lhe estou a dizer, Sheldon. Só pode haver um diretor no estúdio de filmagens. Diga-lhe isso mesmo.


Eu não tinha qualquer intenção de lho dizer.


- Obrigado, Harry.


Cary vinha à minha casa almoçar no dia seguinte.


Quero agradecer-te por seres tão meu amigo... Quero agradecer-te por teres tido fé em mim... Quero agradecer-te por me teres dado uma oportunidade destas... Conto contigo para me dares toda a tua ajuda. Sei que não vais permitir que eu faça figura de idiota... Trabalhar contigo vai ser maravilhoso...

Cary entrou a sorrir.


- Já sei que encontraste a tua princesa em Londres. Disse.


- É verdade. Ela vai ser ótima. Cary sentou-se e dei por mim a dizer:


- Cary, preciso falar contigo. Num filme só pode haver um realizador. Gostava que isso ficasse claro antes de começarmos. Estás de acordo?


Eu não tivera qualquer intenção de dizer isto a uma das maiores estrelas do mundo, que por acaso também era meu amigo. De vez em quando, sem qualquer aviso, perderá o controle das suas palavras e dos seus atos. Cary, se quisesse, punha-me fora daquele filme em dois segundos.


Ele ficou sentado a olhar para mim, sem dizer uma palavra. Ao fim de alguns momentos, surpreendeu-me, dizendo:


- Certo. Errado.

Os problemas começaram ainda nem tínhamos começado a filmar. Uma manhã, Cary entrou no estúdio de filmagens e parou em frente de um dos cenários. Abanou a cabeça.


- Se eu soubesse que isto ia ser assim, nunca teria concordado em fazer este filme.


Quando cortei três linhas desnecessárias do texto dele, comentou:


- Se eu soubesse que ias cortar essas linhas nunca teria aceitado fazer este filme.


Viu o guarda roupa que ia usar.


- Se eu soubesse que estavam à espera que eu vista estas roupas nunca teria concordado em fazer o filme.


Uma noite antes de iniciarmos as filmagens, Deborah Kerr telefonou-me.


- Sidney, queria que soubesses que o Gary veio ter comigo para me convencer que nos devíamos unir contra você. Eu respondi-lhe que não contasse comigo.


- Obrigado, Deborah.


Em que é que eu estava metido?

Na manhã seguinte, quando as filmagens começaram, Cary enganou-se na primeira cena.


- Corta! Disse eu, e Cary virou-se para mim:


- Nunca mais digas ”corta” quando eu estiver no meio de uma cena.


Todos no estúdio o ouviram. De então em diante, a hostilização continuou e ao fim da tarde comentei para o meu diretor assistente:


- Esta é a última cena. Eu desisto.


-Não podes fazer isso. Dá-lhe mais uma chance. O Cary vai acabar por se acalmar.


Cary acabou por se acalmar, mas todos os dias conseguia de alguma forma pôr-me à prova.


Numa cena entre ele e Deborah, esta explicava-lhe que não podiam jantar juntos porque ela tinha de partir para o Médio Oriente em trabalho para o Departamento de Estado. Deborah começou a dizer o seu texto e de repente desatou a rir.


- Corta! Vamos tentar outra vez. Disse eu. A câmara recomeçou a rolar.


- Desculpa, mas não posso jantar contigo. Tenho de ir... E desatou outra vez a rir.


- Corta! Aproximei-me deles.


- Qual é o problema?


Cary respondeu com ar inocente:


- Nada.


- Está bem. Faz a cena comigo. Pedi.


Cary olhava para mim com um olhar tão penetrante que eu próprio comecei a rir.


- Cary – Pedi - por favor, não faças isso. Vamos lá filmar a cena. Ele concordou.


- Está bem.


Dali em diante a cena prosseguiu sem problemas.


Acabamos o dia de filmagens e fiquei satisfeito com o resultado. Deborah era extraordinariamente talentosa e os dois juntos eram maravilhosos.


Cary era casado com uma jovem atriz chamada Betsy Drake, com quem fizera um filme. Todas as noites, depois de um dia de filmagens, quando os dois saiam do estúdio de filmagens, Jorja e Betsy estavam lá fora à nossa espera. Cary tomava o braço de Jorja e começava a queixar-se do que eu fizera durante o dia. Eu tomava o braço de Betsy e queixava-me do comportamento dele.


Um dia, enquanto filmava uma cena com Walter Pidgeon, Cary moveu as sobrancelhas para cima e para baixo como Groucho Marx.


- Corta! Cary, o que está fazendo?


- Estou representando a cena. Respondeu ele com o ar mais inocente do mundo.


- Represente sem as sobrancelhas.


- Muito bem.


- Ação.


A cena recomeçou e os movimentos das sobrancelhas continuaram. Eram tão ridículos que eu próprio não me aguentei. Estava por detrás da câmara e não queria estragar a cena, por isso optei por morder a minha mão para evitar rir às gargalhadas. Eu não emitira qualquer som, mas, no meio da cena, Cary, que estava de costas para mim, virou-se e disse:


- Sidney, se continuar a rir dessa maneira, eu não conseguirei fazer a cena.


Nós dois acabamos chegando a um entendimento. A verdade é que gostávamos demasiado um do outro para conseguirmos manter uma guerra durante muito tempo.


Um dia, Elvis Presley veio ao estúdio para assistir às filmagens. Estava no auge da popularidade e eu não sabia o que esperar. Ele revelou-se uma pessoa extraordinariamente educada e modesta. Era “Senhor Sheldon” e “Sim, senhor” e “Não, senhor”. Todos ficaram encantados com ele.


O que lhe aconteceu mais tarde foi horrível. Tomava drogas, arruinou a voz e ficou gordo e feio.


Quando morreu, houve um cínico qualquer que disse:


- Foi bom para a carreira dele!


Quando terminamos as filmagens, eu e Cary nos encontramos para almoçar.


- Sidney, na próxima vez que me quiseres dirigir noutro filme, basta dizeres. Nem sequer preciso ler o argumento.


Isto era extremamente lisonjeiro, vindo de uma estrela desejada por todos os estúdios de cinema.


Dore e os outros executivos viram o filme acabado e ficaram extasiados.


- Tenho excelentes notícias. O Radio City Music Hall aceitou o filme. Disse ele.


Fiquei entusiasmado. O sonho de qualquer realizador era ter o seu filme no Radio City Music Hall e eu conseguira-o com o primeiro que dirigira.


- Estou muito orgulhoso de si. Fez um excelente trabalho. Comentou Dore.


Eddie Mannix falou:


- Senhores, temos um êxito em mãos.


Howard Strickling, chefe da publicidade, concordou:


- Este pede uma grande campanha publicitária.


- Vamos a ela. Respondeu Dore.


O elevador estava no topo. Nada podia correr mal.

CAPÍTULO 23

Uma noite, num jantar, fiquei sentado ao lado de Groucho Marx. Cumprimentei-o e apresentei-me:


- O meu nome é Sidney Sheldon.


Ele virou-se e olhou fixamente para mim.


- Não.


E voltou a atenção para o seu cocktail de camarão. Fiquei intrigado.


- Não, o quê?


- Você é uma fraude. Eu conheço o Sidney Sheldon. É mais atraente e mais alto do que o senhor e é um grande malabarista. Você é malabarista?


- Não.


- Está a ver?


- Senhor Marx...


- Não me chame senhor Marx.


- Como é que gosta que lhe chamem?


- Sally. Já li algumas das coisas que escreveu.


- Leu?


- Li. Devia ter vergonha! - E olhou outra vez para mim - Você é demasiado magro. Seja lá quem for, você e a sua mulher deviam vir a minha casa amanhã à noite para jantar. Às oito horas. E não chegue outra vez atrasado.


Apresentei Jorja a Groucho e ficaram imediatamente ligados. Foi o início da nossa relação de uma vida com ele.


Nos jantares que dava, havia sempre algumas frases suas para os convidados citarem:


“Acho que a televisão é muito educativa. Cada vez que alguém a liga, eu vou para outra sala e leio um livro.”


“Fora do cão, um livro é o melhor amigo do homem. Dentro de um cão, está muito escuro para se ler.”


“Passei uma noite muito agradável, mas não foi esta.”


“O casamento é uma instituição maravilhosa, mas quem é que quer viver numa instituição?”


Uma vez ele teve de ir ao médico. Uma bela e jovem enfermeira aproximou-se e disse:


- O senhor doutor já o vai receber. Siga-me, por favor. Groucho olhou para as ondulantes ancas dela e respondeu:


- Se eu conseguisse segui-la, não precisaria de nenhum médico.


Estávamos com Groucho muitas vezes e, à medida que o fomos conhecendo, apercebi-me de que, de fato, as pessoas não o compreendiam. Quando as insultava, achavam-no divertido. Sentiam orgulho em ser o alvo escolhido por ele. Só não percebiam que ele dizia exatamente o que pensava. Era um misantropo e completamente honesto nos seus sentimentos.


Tivera uma infância difícil. Fora tirado da escola aos sete anos e posto a trabalhar no palco com os irmãos. Os Irmãos Marx fizeram catorze filmes juntos. Groucho fez mais cinco sozinho. Um dia, caminhávamos os dois ao longo de Rodeo Drive e um homem aproximou-se a correr e disse-lhe:


- Groucho, lembra-se de mim?


Típico da sua atitude para com as pessoas, ele perguntou:


- E o que foi que alguma vez fez, para que eu me lembre de si?


Groucho tinha um programa de televisão de sucesso que esteve no ar durante uns incríveis onze anos. Chamava-se Bet Your Life. Era um sucesso porque ninguém sabia o que é que ele ia dizer a seguir. Uma noite, um concorrente disse-lhe que tinha dez filhos.


- Por que tantos? Perguntou Groucho.


- Eu gosto da minha mulher.


- Bom, eu gosto muito do meu charuto, mas de vez em quando tenho de largá-lo. Foi a resposta.


Um dia, Melinda, a filha de Groucho, que na altura tinha oito anos, foi convidada por uma colega da escola para ir a um clube de campo. Vestiram os fatos de banho e dirigiram-se para a piscina.

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