O gerente do clube apareceu a correr e disse a Melinda:
- Vais ter de sair da piscina. Não permitimos a entrada a judeus.
Quando Melinda chegou a casa lavada em lágrimas e contou ao pai o que se passara, este ligou para o gerente do clube.
- Está a ser injusto - Disse ele - A minha filha só é meio judia. Será que não há problema se ela entrar na piscina só até a cintura?
Groucho era casado com Éden Hartford, uma jovem atriz, e, uma noite, eu e Jorja íamos jantar com eles. Éden tinha que se levantar cedo para ir para o estúdio e Jorja também.
Groucho telefonou-me:
- Seremos só nos dois para jantar. Como queres que me vista? Respondi-lhe:
- Groucho, nós vamos a um restaurante chique, por isso, por favor, não me envergonhes.
- Está bem.
Quando o fui buscar a casa e toquei à campainha, ele abriu a porta vestido uma saia e blusa de Éden e sapatos de salto altos e a fumar um charuto. Eu nem liguei.
- Queres entrar e tomar um copo? Perguntou.
- Está bem. Respondi.
Entramos no escritório e Groucho preparou umas bebidas. A campainha da porta voltou a tocar. Ele tinha-se esquecido completamente que marcara um encontro com uns executivos de uma estação de televisão para falarem sobre o seu programa. Abriu a porta e convidou-os a entrar e ali ficámos um bocado sentados a conversar, até que eles saíram.
- Vou mudar de roupa. Disse Groucho. E saímos para jantar.
Toda a gente no mundo do espetáculo tem o mesmo problema, o que dizer a um amigo quando detestamos um trabalho feito por ele. Ao longo dos anos, algumas formas resultaram:
“Nunca estarás melhor...”
“Que peça...”
“Não tenho palavras...”
“Devias ter-te exposto mais...”
“Nunca vi nada semelhante...”
“As pessoas vão-se lembrar desta noite durante muito tempo...”
Dream Wife não seria distribuído pelos cinemas nos próximos meses, por isso decidi que era a altura ideal para levar Jorja para outras férias européias.
Ela estava tão excitada com a viagem como eu. Sentamos-nos e discutimos onde queríamos ir. Londres, Paris, Roma... A meio do nosso planejamento chegou um telefonema. Era Ladislau Bush-Fekete, que me ligava de Munique. Eu não tinha notícias dele desde o fecho de Alice in Arms, há cerca de dez anos. Desde então, Kirk Douglas transformara-se numa grande estrela. Sentia-me feliz por não lhe ter destruído a carreira.
- Sidney, como vai? Eu e Marika temos saudades tuas. Disse, com o seu forte sotaque húngaro.
- Nós estamos bem, Laci. Também eu tenho saudades vossas.
- Quando pensas vir à Europa?
- Por acaso, partimos para aí para a semana que vem.
- Excelente. Tens de vir a Munique visitar-nos. Podes fazê-lo? Pensei durante um segundo.
- Claro que sim. Gostava de vos apresentar a Jorja.
- Ótimo. Depois, diz-me quando chegas.
- Com certeza. Desliguei e contei a Jorja:
- Era o Ladislau Bush-Fekete. Ela olhou para mim.
Alice in Arms. Ri-me.
- Vais gostar dele e a mulher é um amor. E Munique é lindo. Vai ser divertido.
Quando estávamos para partir, Sam Spiegel telefonou.
Era uma das personagens mais extravagantes de Hollywood. Nascera na Áustria e viera para Hollywood para vender algodão egípcio. Estivera preso em Brixton por fraude. Em Hollywood, decidiu ser produtor e mudou o nome para S. P. Eagle. Tornou-se objeto de riso da cidade. Quando Darryl Zanuck teve conhecimento, comentou:
- Pois eu vou mudar o meu nome para Z. A. Nuck.
O riso depressa parou, pois Sam Spiegel acabou por produzir uma longa lista de filmes premiados pela Academia, como Lawrence d’Arábia, On the Waterfront e The Afrícan Queen.
Conheci-o numa das sumtuosas festas que costumava dar e nos tornamos amigos.
A seguir ao seu telefonema, eu e Jorja fomos jantar com ele.
- Ouvi falar de um filme estrangeiro que gostava de fazer. Se vão a Paris, ficaria muito grato se o fosses ver e me dissesses depois o que pensas.
Três dias mais tarde, voamos até Nova Iorque para passarmos uns dias a bordo do Queen Mary.
A Broadway estava com umas peças interessantes, The Cruable, Wonderful Town, Picnic, The Seven Yearltche Dial MforMurder. Ao entrar nos átrios dos vários teatros, tive sempre uma sensação de dejá vu. Alguns dos espetáculos estavam em cena em teatros onde eu e Ben Roberts tivemos nossas peças em exibição. Tanta coisa inacreditável se passara desde então. Mas o mais incrível de tudo era que um filme em que eu dirigira Cary Grant ia estrear no Radio City Music Hall.
Uma noite, fomos ver The Crucible, a nova peça de Arthur Miller. O elenco era composto por Arthur Kennedy, E. G. Marshall, Beatrice Straight e Madeleine Sherwood. Foi uma noite maravilhosa. A Jorja estava encantada.
Quando o pano desceu, perguntou-me:
- Quem foi que dirigiu esta peça?
- Jed Harris. Dirigiu Uncle Vanya, A Doll’s House, Ovr Town e The Heiress.
- Ele é incrível. Gostava de um dia poder trabalhar com ele. Disse.
- Seria a sorte dele. Respondi, pegando-lhe na mão.
CAPÍTULO 24
Na manhã seguinte, o barco partiu para Londres. Foi uma viagem perfeita, calma, e parecia descrever a forma como eu via a minha vida na altura. Estava casado com uma mulher que adorava, contratado por um estúdio importante a fazer o que gostava de fazer e a caminho da Europa numa segunda lua-de-mel.
Quando o barco atracou, apanhamos o comboio para Londres, passamos lá uns dias e em seguida partimos para Paris, onde nos instalamos no maravilhoso hotel Lancaster, na rua de Berri. O hotel tinha um jardim maravilhoso onde serviam bebidas e refeições.
A primeira coisa que fiz assim que nos instalamos foi ligar para o escritório da United Artists em Paris e falar com o senhor Berns, o gerente.
- O senhor Spiegel avisou-nos que ia ligar, senhor Sheldon. Quando quer ver o filme?
- Em qualquer altura.
- Amanhã, estaria bem para si? Digamos... por volta das dez horas?
- Com certeza.
Eu e Jorja passamos o dia num passeio turístico e fomos jantar ao Maxim’s.
Na manhã seguinte, enquanto me vestia, Jorja ainda estava na cama.
- Querida, temos o filme para ver às dez. É melhor despachares-te. Ela abanou a cabeça.
- Estou um pouco cansada. Por que você não vai? Eu fico aqui descansando. Depois, à noite, vamos jantar e ao teatro.
- Está bem. Não demoro.
O escritório da United Artists mandou uma limusine para me levar ao seu quartel general. Conheci o senhor Beins, um homem alto de rosto simpático, com a cabeça toda branca.
- Tenho muito gosto em conhecê-lo. Porque não vamos já para o teatro? Perguntou.
Caminhamos até ao grande teatro que a companhia usava para passar filmes. Só lá estava outra pessoa. Era um homem magro, baixo e pouco simpático. A única coisa digna de nota nele eram os olhos, brilhantes e de aspecto inquiridor. Fomos apresentados, mas não fixei o nome.
O filme começou. Era um filme de cowboys francês, muito mal feito, e tinha a certeza de que Sam Spiegel não ia querer fazê-lo.
Olhei para o outro lado da coxia e o senhor Berns e o desconhecido estavam embrenhados a conversar.
O desconhecido dizia:
-... E eu disse a Zanuck, isso nunca vai resultar, Darryl... Harry Warner tentou negociar comigo, mas ele é um filho da mãe... E ao jantar, o Daryl disse-me...
- Quem diabo era este homem?
Aproximei-me deles.
- Desculpe. - Disse ao estranho - mas não percebi o seu nome. Ele olhou para mim e acenou com a cabeça.
- Harris. Jed Harris.
Devo ter feito um sorriso de orelha a orelha.
- Eu sei de uma pessoa que o quer conhecer.
- Sim?
- Tem alguma coisa para fazer?
- Nada de especial. Respondeu, encolhendo os ombros.
- Importa-se de vir comigo até ao meu hotel? Gostava muito de lhe apresentar a minha mulher.
- Está bem.
Quinze minutos mais tarde, estávamos no jardim do Lancaster. Liguei à Jorja do átrio.
- Olá.
- Olá. Estás de volta. Então, que tal o filme?
- Decepcionante. Vem até cá abaixo, ao jardim. Vamos almoçar.
- Querido, ainda não estou vestida. Porque é que não comemos qualquer coisa no quarto?
- Não, não. Tens de vir cá abaixo. Tenho aqui alguém que vais gostar de conhecer.
- Mas...
- Não há mas!
Quinze minutos depois, Jorja apareceu.
- Esta é Jorja - Disse eu virando-me para Jed e olhando para Jorja - Jorja, apresento-te Jed Harris. Falei devagarzinho e fiquei a ver o rosto dela a iluminar-se.
Sentamo-nos. Jorja estava encantada por conhecer Jed Harris e falaram de teatro durante meia hora, antes de fazermos o pedido. Jed Harris foi absolutamente encantador. Era inteligente e divertido e extremamente bem educado. Senti que tínhamos acabado de fazer um amigo.
Durante a refeição, ele virou-se para mim e perguntou:
- Estou impressionado com o seu trabalho. Está interessado em escrever uma peça da Broadway para mim?
Escrever uma peça da Broadway para Jed Harris significava trabalhar com um mestre.
- Teria muito gosto. - Respondi, e em seguida hesitei - Mas, de momento, não tenho qualquer idéia para uma peça.
Ele sorriu.
- Mas eu tenho.
E começou a contar-me as várias tramas que tinha em mente. Eu ia ouvindo e no fim de cada uma delas dizia “não me diz nada” ou ”não creio que isso me pudesse interessar” ou ”parece-me demasiado familiar”.
Depois de ter ouvido seis sugestões, ele apresentou uma de que gostei. Era sobre uma consultora que quase destrói os funcionários da firma que vai examinar e que no final acaba por se apaixonar e muda completamente.
- Essa tem pernas para andar. Infelizmente, eu e a Jorja partimos amanhã. Vamos fazer uma viagem pela Europa.
- Não tem problema. Eu vou com vocês e podemos ir trabalhando na peça.
Fiquei espantado.
- Ótimo.
- E para onde vão primeiro?
- Vamos a Munique encontrar-nos com uns amigos. Ele é um dramaturgo húngaro chamado...
Detesto os húngaros. As peças deles não têm segundos atos, como as vidas deles.
Jorja e eu olhamos um para o outro.
- Então, Jed, se calhar era melhor não... Ele levantou a mão.
- Não, não. Não se preocupem. Quero avançar com a peça. Jorja olhou para mim e anuiu.
E ficou combinado.
Quando nós três nos instalamos no hotel em Munique, Laci e Marika já vinham a caminho para se encontrarem conosco, e eu fiquei um pouco apreensivo. Detesto os húngaros. As peças deles não têm segundos atos, como as vidas deles.
Acabei por verificar que não precisava de me preocupar com Jed. Foi o máximo do encanto.
Assim que Laci entrou, Jed colocou o braço sobre o ombro dele e comentou:
- Você é um excelente dramaturgo. Para mim, é mesmo melhor do que Moinar.
Laci quase corou.
- Vocês, os húngaros, têm um talento especial. É uma honra para mim conhecer-vos aos dois. Acrescentou.
Jorja e eu trocamos olhares. Laci estava feliz.
- Vou levar-vos a um famoso restaurante de Munique. Servem vinhos de quase todos os países do mundo.
- Ótimo.
Jed foi para o seu quarto mudar de roupa e Laci, Marika, eu e Jorja ficamos pôr a conversa em dia, falando sobre o que ele andara a fazer desde a última vez que nos tínhamos visto.
Meia hora mais tarde, entravamos num restaurante de aspecto elegante à beira do rio Isar. Sentamo-nos para jantar. O empregado deu-nos a carta. Estava repleto de vinhos de países de todo o mundo.
- Que tipo de vinho pretendem? Perguntou o empregado. Antes que alguém tivesse tempo para dizer qualquer coisa, Jed respondeu:
- Eu vou beber uma cerveja. O empregado abanou a cabeça.
- Desculpe, senhor, mas não servimos cerveja. Apenas servimos vinhos.
Jed olhou fixamente para ele e pôs-se de pé.
- Vamos, mas é embora daqui.
Eu não queria acreditar no que estava a ouvir.
- Mas, Jed...
- Vá. Vamos embora. Não estou disposto a comer num restaurante onde não servem cerveja.
Embaraçados, nos levantamos e saímos.
- Malditos alemães. Rosnou Jed.
Eu e Jorja estávamos horrorizados. Entramos todos para um táxi e regressamos ao hotel, onde jantamos. Laci pediu desculpa a Jed.
- Lamento muito que aconteceu. Conheço outro lugar onde servem uma excelente cerveja. Vamos lá amanhã.
No dia seguinte, eu e Jed trabalhamos na nova peça. Passamos uma parte do tempo a escrever no jardim e outra parte na nossa suite. Comecei a desenvolver cenas com base na premissa inicial e Jed ia fazendo sugestões aqui e ali.
Nessa noite, os Bush-Feket vieram buscar-nos.
- Vai gostar deste lugar. Garantiu Laci,
No restaurante, conduziram-nos à nossa mesa e o empregado entregou-nos a carta.
- Que gostariam de tomar?
- Eu vou beber vinho. Respondeu Jed. O empregado respondeu:
- Lamento muito, senhor, mas aqui só servimos cerveja. Temos cervejas de quase todos os países do...
Jed pôs-se de pé.
- Vamos, mas é embora daqui. Fiquei outra vez chocado.
- Mas, Jed, pensei que...
- Vamos embora. Não vou ficar numa porcaria de um restaurante onde não posso beber aquilo que quero.
E saiu porta fora e todos nós o seguimos. O Sr. Encanto estava a revelar-se um monstro.
No dia seguinte, Jed veio à nossa suíte para trabalhar na peça e foi como nada se tivesse passado.
De manhã, quando eu e Jorja descemos para tomar o pequeno almoço, o gerente do hotel veio ao nosso encontro.
- Senhor Sheldon, será que lhe posso dar uma palavrinha?
- Com certeza.
- O seu convidado é muito mal educado para as nossas empregadas de quarto e de limpeza. Estão muito perturbadas. Será que...
- Eu falo com ele. Respondi. Quando o fiz, a resposta dele foi:
- São muito sensíveis. Meu Deus, não passam de empregadas de limpeza.
A atriz dentro de Jorja andava encantada pelo talento de Harris. Passava o tempo a fazer-lhe perguntas sobre teatro. Uma noite ao jantar comentou:
- Sabe, há um momento no The Crucibk, quando Madeleine Sherwood faz uma saída de cena magnífica. Qual era a motivação dela? Em que é que lhe disse para pensar?
Ele olhou para ela e respondeu rudemente:
- No cheque do ordenado.
Esta foi a última vez em que se dirigiu a Jorja pelo primeiro nome.
No dia seguinte, partimos os três para Baden-Baden, uma luxuosa estância no meio de Baden-Wurtenberg, no sudoeste da Alemanha.
Jed odiou.
Daí partimos para a lindíssima Floresta Negra, um fantástico espaço montanhoso no sudoeste da Alemanha que se estende ao longo de cento e quarenta quilômetros, entre os rios Reno e Neckar, coberto por escuras florestas de pinheiros e cortado por profundos vales e pequenos lagos.
Jed odiou.
Eu estava farto. A nossa peça andava demasiado devagar para meu gosto. Em vez de criarmos uma linha para a história, Jed preferia concentrar-se numa cena que tinha escrito e via-a e revia-a vezes sem conta, mudando uma palavra aqui, outra ali, sem necessidade.
- Vamos voltar para Munique, mas sem ele. Disse eu a Jorja.
- Tens razão. Respondeu-me ela com um suspiro.
Analisei as notas que tinha feito na peça. Pareciam-me completamente banais.
Quando Jed entrou na minha suíte para trabalharmos, eu disse-lhe:
- Jed, eu e a Jorja vamos voltar para Munique. Vamos ter de deixar. Ele concordou.
- Está bem. De qualquer das maneiras não tencionava fazer a peça consigo.
Umas horas mais tarde, eu e Jorja estávamos no comboio a caminho de Munique.
Quando chegamos ao nosso hotel, estiquei-me para apanhar o telefone e ligar a Laci quando o meu disco deslocou-se. Caí ao chão, com uma dor terrível, incapaz de me mover.
- Vou chamar um médico. Disse Jorja, desesperada.
-Espera – Pedi - Isto já me aconteceu antes. Se me ajudares a subir para a cama, basta que fique deitado e, depois de um dia ou dois, isto desaparece sozinho.
Ela por fim lá me conseguiu meter na cama.
- Vou telefonar ao Laci.
Uma hora depois, Laci entrou no nosso quarto.
- Lamento muito tudo isto. Eu tinha tantos planos para nós.
- Mas eu posso ajudar. Disse ele olhando para mim.
- Como?
- Conheço um homem aqui, Paul Horn.
- E é médico?
- Não. É psicoterapeuta. Mas já trabalhou com algumas das pessoas mais famosas do mundo, que vêm cá para consultá-lo. Ele vai pôr-te bom.
Passei os dois dias seguintes na cama e, ao terceiro dia, Laci levou-me a uma sala no número 5 da Platenstrasse, onde era o consultório de Paul Horn. Este andava pelos quarenta anos, era alto, com um monte desgrenhado de cabelos.
- O senhor Bush-Fekete falou-me de si. Isto lhe acontece muitas vezes? Perguntou.
- Bom, de forma irregular. Por vezes acontece duas vezes por semana, em outras ocasiões não tenho nada durante anos. Respondi, encolhendo os ombros.
Ele fez um sinal de assentimento.
- Eu posso curá-lo.
Fiquei alarmado. Os médicos do Ceddars of Lebanon e da UCLA tinham-me dito que não havia cura para o meu mal. Adie a operação o mais possível. Só quando já não conseguir aguentar a dor é que o operamos. E este homem que me ia curar nem sequer era médico.
- Terá de ficar cá durante três semanas. Vou tratá-lo todos os dias. Sete dias por semana.
Não me parecia muito promissor.
- Bem... Não sei... - Disse eu - Talvez seja melhor esquecermos tudo isto. Eu vou consultar os meus médicos quando regressar e...
Laci virou-se para mim:
- Sidney, este homem tem trabalhado com governantes de países. Dá-lhe uma oportunidade.
Olhei para Jorja.
- Bom, veremos.
O tratamento começou na manhã seguinte. Eu entrava e ficava deitado numa mesa, com uma lâmpada de calor a aquecer-me as costas, durante duas horas. Depois descansava e repetia o processo. Durava o dia todo.
No segundo dia, algo de diferente foi acrescentado. Paul Horn ajudou-me a subir para uma espécie de rede suspensa criada por ele, que permitia aos músculos das costas relaxarem. Ficava ali deitado durante cinco horas. Todos os dias repetia o mesmo procedimento.
A sala de espera estava sempre cheia de pessoas de todo o mundo, algumas delas a falarem línguas que eu nem sequer conseguia identificar.
Três semanas depois, no último dia de tratamento, Paul Horn perguntou:
- Como se sente?
- Sinto-me bem.
Mas eu sabia que me teria sentido bem mesmo sem os tratamentos.
- Está curado. Disse ele, feliz.
Eu estava céptico. Mas ele tinha razão. Em todos os anos que se passaram desde essa altura, nunca mais tive um único ataque. Paul Horn, que não era médico, tinha-me curado.
Estava na hora de regressar a Hollywood. Regressar à MGM era como estar de volta a casa.
- Tem um presente de boas vindas! - Anunciou Dore - Vamos fazer a antevisão do Dream Wife no Egyptian Theatre.
Dore viu o meu sorriso de satisfação e disse:
- Este vai ser em grande.
Era habitual os jornais do ramo, o Variety e o Hollywood Repórter, fazerem as críticas dos filmes antes de as outras críticas saírem. Todos aguardavamos as críticas com ansiedade. Elas podiam fazer ou destruir um filme.
O Egyptian Theatre encheu-se com gente ansiosa por apreciar o que ia ser exibido. O filme começou a correr e olhávamos para o ecrã, felizes, enquanto ouvíamos as gargalhadas nos momentos certos.
Jorja apertou-me a mão.
- É maravilhoso.
Quando o filme terminou, soaram os aplausos. Tínhamos um êxito. Fomos ao Musso &Frank celebrar. As únicas críticas iam sair no Variety e no Hollywood Repórter. Fizemos apostas acerca de qual faria as melhores críticas e de manhã bem cedo saí e fui comprá-los.
Quando voltei, Jorja ainda estava na cama. Viu os jornais e sorriu.
- Leia as críticas em voz alta. Devagarzinho. Quero saboreá-las. Dei-lhe os jornais.
- Leia você.
Ela olhou para o meu rosto e começou a ler rapidamente as críticas.
- Primeiro da Variety...
Parte da crítica dizia “... uma peça de puro disparate cinematográfico. Os bons atores ajudaram a ultrapassar o disparate do argumento, mas Sidney Sheldon, o realizador, deixa que a ação caia demasiadas vezes em pura farsa. Esta incapacidade de controle reflete-se ocasionalmente nos desempenhos, principalmente no de Grant.”
“Dream Wife foi feito sob a supervisão pessoal de Dore Schary e Cary Grant consegue obter gargalhadas onde nem sempre é possível encontrá-las no texto. A mistura desequilibrada de humor sofisticado e de pura farsa consegue apenas criar uma simples comédia ligeira. Sidney Sheldon exagerou na busca de situações cômicas e não foi bem sucedido.”
A crítica do Hollywood Repórter ainda era pior. Fiquei devastado.
Howard Strickling, o chefe da publicidade da MGM chamou-me e disse:
- Sidney, tenho más notícias para ti. Tenho instruções para matar o filme.
Fiquei chocado.
- Que está dizendo?
- O Dore tirou o filme do Radio City Music Hall. Não lhe vamos fazer qualquer publicidade, vamos simplesmente deixá-lo morrer.
- Mas por que, Howard? Porque é que vão fazer uma coisa dessas?
- Porque tem o nome de Dore como produtor. Como diretor do estúdio, ele diz aos outros produtores o que devem ou não fazer. Não se pode dar ao luxo de ter o nome dele num fracasso. Vai deixar o Dream Wife desaparecer o mais depressa possível.
Fiquei furioso. Não haveria nem antevisões, nem marcações, nem entrevistas, nem merchandising. O barco afundara-se e o elenco e a equipa tinham-se afundado num mar de egos. Fora Dore quem sugerira pôr o nome dele no filme e, por causa disso, ia agora destruí-lo.
Liguei a Jorja e contei-lhe o que acontecera.
- Lamento muito. Isso é horrível para ti. Disse ela.
- Jorja, eu não posso trabalhar para um homem assim.
- O que vais fazer?
- Demitir-me. Estás de acordo?
- Para mim, querido, tudo o que fizer está bom.
Quinze minutos depois, eu entrava no escritório de Dore Schary.
O homem que, uns meses antes, dissera que não queria que eu saísse para ir dirigir outro estúdio, dizia agora:
- Muito bem. Vou falar com o departamento legal.
No dia seguinte, recebi uma ordem formal da MGM a libertar-me do contrato. Eu não estava preocupado com o emprego. Ao fim e ao cabo, eu tinha um Oscar e uma lista de créditos espetacular. Tinha a certeza de que qualquer estúdio da cidade teria o maior gosto em receber-me.
No fim, verificou-se que estava enganado. O elevador parara no fundo.
CAPÍTULO 25
Aluguei um escritório em Beverly Drive. Assim que Groucho teve conhecimento, perguntou-me:
- Que é que vais fazer? Vais ser dentista?
Liguei ao meu agente, disse-lhe que estava disponível e sentei-me à espera que as chamadas entrassem.
O telefone nunca tocou.
No teatro, um argumentista é avaliado pela sua melhor peça, independentemente dos vários fracassos que venha a ter depois. Em Hollywood, um argumentista é julgado pelo último filme, independentemente dos êxitos que possa ter tido antes. Eu estava a ser julgado por Dream Wife. Conseguira libertar-me do contrato com a MGM na pior altura possível, quando a indústria cinematográfica ia pelo cano abaixo. O fim da marcação em bloco estava a matar os estúdios.
A marcação em bloco era uma prática usada por todos os estúdios para colocarem os seus filmes nas salas. Quando saía um filme com uma estrela famosa, obrigavam as salas de cinema ansiosas por adquirirem esse filme a adquirir também quatro filmes menores do estúdio e, assim, havia sempre um bloco com cinco filmes. Quando os donos das salas de exibição foram para tribunal contra esta prática, o governo meteu-se no assunto e acabou com ela.
Mas havia outros problemas. Durante a guerra, as pessoas andavam sedentas de entretenimento. Agora que a guerra terminara já escolhiam mais. A televisão transformara-se num novo entretenimento e a sua popularidade começava a ficar cara às salas de exibição. Outro problema que surgiu tinha a ver com o rendimento estrangeiro, que representara sempre uma boa parte dos proventos de um filme. Nesta altura, a Inglaterra, a Itália e a França faziam os seus próprios filmes e isso reduzia a receita estrangeira dos estúdios de Hollywood.
Entrei numa profunda depressão. Ocasionalmente, Jorja fazia um programa de televisão, mas não chegava para cobrir as nossas despesas. Durante muito tempo não me preocupara com dinheiro, mas agora tinha uma mulher para sustentar e a situação era diferente. Quanto mais tempo estivesse sem trabalho, maior seria a pressão. As semanas arrastavam-se e não surgiam ofertas. Natalie teria dito:
- Hollywood não reconhece o talento quando o vê. O William Goldman dizia-o de forma diferente:
- Ninguém em Hollywood sabe nada de nada...
O Clark Gable foi recusado pela MGM, pela Fox e pela Warner Brothers.
Darryl Zanuck disse dele: “Tem umas orelhas demasiado grandes. Parece um macaco.”
Cary Grant foi rejeitado por vários estúdios porque “Tem o pescoço demasiado grosso.”
Sobre Fred Astaire, um diretor de casting comentou: “Não sabe representar, não sabe cantar, sabe um pouco de dança.”
Deanna Durbin foi despedida da MGM e passou para a Universal no mesmo dia em que Judy Garland foi despedida da Universal e passou para a MGM. Cada uma delas deu rios de dinheiro a ganhar aos seus novos estúdios.
Quando um diretor de uma televisão viu o Star Trek, o único comentário que fez foi:
- Livrem-se do idiota com as orelhas pontiagudas.
Um chefe de um estúdio tentou vender o filme High Noon porque em sua opinião “era um desastre”. Ninguém o quis. Acabou por vir a ser o filme de maior sucesso que a United Artists alguma vez teve.
Y. Frank Freeman, da Paramount, achava que Shane, com o Alan Ladd, seria um desastre. Tentou vendê-lo a outros estúdios. Ninguém o quis. Transformou-se num clássico.
Quando o telefone finalmente tocou, era Judy Garland.
- Sidney, vou fazer uma nova versão do A Star is Born e quero que escreva o argumento.
Eu tinha o coração aos saltos, mas tentei parecer descontraído.
- Excelente, Judy! Tenho muito gosto. - Hesitei uns segundos - Acabei de realizar um filme com o Cary Grant. Ia ter muito prazer em dirigir-te em A Star is Born.
- Seria interessante. Respondeu.
Fiquei nas nuvens. Isto ia fazer todos esquecerem o fracasso de Dream Wife. Liguei ao meu agente.
- A Judy Garland quer que eu escreva e realize A Star is Born. Vamos tratar do negócio.
- São boas notícias.
Comecei a planear o que ia fazer com o argumento. A Star is Born era um clássico feito anos antes com Frederic March e Janet Gaynor.
Dois dias mais tarde, como não tinha notícias do meu agente, resolvi ligar-lhe.
- Fechaste o negócio?
Fez-se um silêncio e em seguida ele respondeu:
- Não vai haver negócio. Sid Luff, o marido da Judy, acabou de contratar Moss Hart para escrever o argumento e George Cukor para realizar o filme.
Um escritor tem uma vantagem sobre um ator ou um realizador. Para que atores e realizadores possam trabalhar, alguém tem de contratá-los. Mas um escritor pode escrever em qualquer lado, em qualquer altura e sobre o que lhe apetecer. Só tem um problema, ele ou ela tem de ter confiança suficiente para acreditar que alguém lhe comprará a história. Eu perdera essa confiança. Hollywood estava cheio de escritores que trabalhavam, mas eu não era um deles. Ninguém estava interessado em mim.
Jorja tentou consolar-me.
- Você fez coisas ótimas, vai voltar a fazê-las. É um excelente escritor.
Mas a autoconfiança não pode ser instilada pelos outros. Eu estava paralisado, incapaz de escrever. Hollywood estava cheia de histórias de carreiras que tinham terminado. A nível emocional me encontrava num beco sem saída. Não fazia idéia de quanto tempo mais ia aguentar.
No dia 30 de Julho de 1953, cinco meses depois das críticas negativas da Variety e do Hollywood Repórter, Dream Wife estreou pelo país. Não tinham feito publicidade ao filme, as estrelas não tinham ido às estréias e ninguém tentara sequer arranjar reservas para o filme.
Vamos simplesmente deixá-lo morrer.
As críticas nacionais começaram a sair e fiquei perfeitamente espantado.
Bosley Crowther, do New York Times, dizia: “O filme mais divertido deste Verão... Belamente transposto para o cinema com a dose certa de inequívoco piscar de olho pela mão forte de Sidney Sheldon.”
A revista Time “Um alegre barbecue da Costela de Adão.”
St. Paul Minneapolis Dispatch: “Uma encantadora comédia, como nunca viu.”
Los Angeles Daily News: “O escritor/realizador Sidney Sheldon, cujo talento para comédias ligeiras nos desperta recordações de Ernst Lubitsch...”
Showmen’s Trade Review “Um filme muito bem feito que atrairá audiências a qualquer sala, independentemente do seu tamanho ou localização.”
Dream Wife foi nomeado para o Exhibitors Laurel Award, mas era tarde de mais para fazê-lo reviver. Estava morto. Dore matara-o. Como é que eu me sentia com estas críticas? Como se tivesse ganhado a lotaria e perdido a cautela.
Uma manhã, o telefone tocou e, antes de atendê-lo, interroguei-me que mais más notícias aí vinham. Era o meu agente.
- Sidney?
- Sim.
- Tens um encontro marcado com Don Hartman, o chefe de produção da Paramount, para amanhã de manhã às dez.
- Ótimo. Respondi, engolindo em seco.
- O Don é extremamente pontual, por isso não chegues atrasado.
- Atrasado? Vou já sair...
Don Hartman começara a carreira como escritor. Escrevera mais de uma dúzia de filmes, incluindo a série Road, com Crosby e Hope. Dois anos antes, Y. Freeman, o presidente da Paramount, colocara Hartman à cabeça do estúdio.
Cada estúdio tinha a sua aura própria. A Paramount pertencia ao topo. Além dos Road de Hope e Crosby, o estúdio produziu Sunset Boulevard, Going My Way e Calcutta.
Don tinha cinquenta e poucos anos, era vivo e cordial.
- Sidney, estou contente por ter vindo.
Ele não fazia a mínima idéia de como eu estava contente por ter ido!
- Já alguma vez viu um filme do Martin e do Lewis?
- Não.
Mas claro que sabia muito bem quem eles eram.
Dino Crocetti fora pugilista, croupieráe Blackjack, cantor e aspirante a comediante. Joseph Levitch fizera stand up em pequenos clubes nocturnos espalhados pelo país. Conheceram-se em 1945 e decidiram trabalhar juntos, mudando os nomes para Martin e Lewis. Individualmente, a carreira deles não tivera qualquer sucesso. Juntos eram magia. Eu vira um pequeno número com eles quando estavam a atuar no Paramount Theatre em Nova Iorque e as ruas estavam pejadas por grupos de admiradores aos gritos.
- Temos um filme para eles que gostaríamos que escrevesse. Chama-se You’re Never Too Young. Norman Taurog é o realizador.
Eu já trabalhara com ele em Rich, Young and Pretty.
Era maravilhoso voltar a trabalhar num estúdio. Voltava a ter uma razão para me levantar de manhã, sabendo que o trabalho que eu tanto amava me aguardava.
Nessa noite, quando voltei para casa, Jorja comentou:
- Parece outra pessoa.
A verdade é que me sentia outra pessoa. A frustração de estar sem trabalho durante tanto tempo era corrosiva.
A Paramount era um estúdio simpático e parecia-me que havia muito menos tensão do que na MGM.
You’re Never Too Young contava a história de um jovem assistente de barbeiro que se vê obrigado a disfarçar-se de miúdo de doze anos depois de se ter envolvido no roubo de uma joalharia. Era um remake de The Major and the minor, um filme de 1942 realizado por Billy Wilder, com Ginger Rogers e Ray Milland.
Assim que terminei o argumento, fizemos uma leitura em grupo com o elenco, o produtor e o realizador.
- Se acharem que alguma parte do texto vos incomoda, por favor, digam-me, pois terei todo o gosto em alterá-la. Disse eu a Dean e a Jerry.
- Excelente argumento. Adeus, tenho um jogo de golfe. Respondeu Dean, levantando-se e saindo pela porta fora.
- Bem, eu tenho algumas questões. Disse Jerry.
E nos sentamos durante duas horas enquanto ele fazia perguntas sobre os cenários, os ângulos da câmara, a abordagem a algumas das cenas e aquilo que me pareceu uma centena de perguntas. Era óbvio que os dois parceiros tinham prioridades muito diferentes.
Ninguém na altura o sabia, mas era uma previsão do que, anos mais tarde, os levaria a separar-se.
You’re Never Too Young estreou com boas críticas e muito bons resultados de bilheteira. Para comemorar o reiniciar da minha carreira, comprei uma linda casa em Bel Air, com uma piscina e belos jardins. Tudo estava bem de novo no mundo. Decidi que chegara a altura de eu e Jorja fazermos outras férias na Europa. O elevador estava a subir.
- O senhor Hartman quer falar consigo.
Quando entrei no escritório de Don, este me perguntou:
- Tenho um projeto que penso que vai gostar. Alguma vez viu o The Lady Eve?
Se vi. Era um filme de Preston Surges com Barbara Stanwyck e Henry Fonda, e contava a história de um vigarista e da sua bela filha que esfolam um ingénuo milionário durante um cruzeiro transatlântico. As complicações começam quando a filha se apaixona pela vítima.
- Vamos fazer uma nova versão com George Gobel e chamar-lhe The Eiras and the Bee. Explicou.
George Gobel era um jovem comediante que tivera um sucesso meteórico na televisão, usando um estilo discreto e apagado. A realização pertenceria a Norman Taurog.
A adaptação do argumento de Preston Sturges foi feita rapidamente. David Niven, um homem encantador e muito divertido, foi contratado para o papel de pai, Mitzi Gaynor para o papel da filha, e o filme entrou em produção.
No meio das filmagens, Don chamou-me ao seu escritório.
- Acabei de comprar o Anything Góes e quero que escreva o argumento. Informou.
Era um estrondoso êxito da Broadway, com música e letras de Cole Porter e libreto de P. G. Wodehouse e do meu antigo colaborador Guy Bolton.
A banda sonora era Cole Porter no seu melhor. O problema era o libreto. A história envolvia um grupo de pessoas que entram em contacto com o inimigo público número treze, que se esgueira para dentro do navio para fugir ao FBI. Sentia que o libreto estava antiquado e não me parecia que resultasse no cinema, e disse-o a Don.
Ele acenou com a cabeça.
- É por isso mesmo que aqui está. Para fazer com que resulte. Criei uma nova história acerca de dois sócios que produziam uma peça na Broadway. Cada um deles, sem dizer nada ao outro, conhecera uma atriz e prometera-lhe o papel principal na sua nova produção.
Mostrei-lhe o meu guião. Gostou.
- Muito bem. Isto vai resultar muito bem com o nosso elenco.
- Qual é o nosso elenco?
- Ah! Ainda não lhe disse? Bing Crosby, Donald O’Connor, Mitzi Gaynor e uma linda bailarina chamada Zizi Jeanmaire. É casada com o nosso coreógrafo, Roland Petit.
Bing Crosby! Toda uma geração crescera a ouvir as suas canções.
Bing Crosby começara num grupo coral e uma vez aparecera de tal forma bêbado numa estação de rádio que ficara proibido de voltar à rádio. Isso seria o suficiente para arrasar a carreira de qualquer cantor, mas ele não era qualquer cantor. Tinha um estilo muito pessoal que apelava às pessoas. Foi-lhe dada uma segunda oportunidade e disparou até ao topo. Antes do final da sua carreira, tinha vendido mais de quatrocentos milhões de discos e feito cento e oitenta e três filmes.
Fui ao camarim dele para conhecê-lo. Era o encanto em pessoa, simpático e de trato fácil, com uma forma de estar relaxada e discreta.
- Estou muito satisfeito por irmos trabalhar juntos. Disse ele. Ele não fazia idéia do satisfeito que eu estava. Era um sonho que se tornava realidade.
A filmagem do meu argumento para Anything Góes decorreu sem incidentes. Roland Petit era um coreógrafo mundialmente famoso e Zizi Jeanmaire fazia justiça ao trabalho dele. Donald O’Connor era incrivelmente talentoso. Parecia-me que podia fazer fosse o que fosse, e ele e Bing Crosby complementavam-se perfeitamente.
A produção correu sem sobressaltos. Quando o filme estreou, todos ficaram satisfeitos com o filme, incluindo os críticos.
Só muitos anos depois é que o lado negro de Bing Crosby foi conhecido. Dixie, a sua primeira mulher, que estava a morrer com um cancro nos ovários, contou aos amigos que Bing a abandonara. Depois da sua morte, Bing tornou-se pai solteiro e um disciplinador severo. Lindsay e Dennis, dois dos filhos, suicidaram-se.
Enquanto eu trabalhava em Anything Góes, Jorja estava na Twentieth-Century-Fox a contracenar com William Holden e Jennifer Jones em Love is a Many-bplendored Thing. Pouco depois de ter iniciado as filmagens, ela disse-me:
- Tenho notícias para ti.
- Sobre o filme?
- Não, sobre nós. Estou grávida.
As duas palavras mais excitantes da língua inglesa. Fiquei com um sorriso idiota de orelha a orelha, abracei-a e afastei-me logo. Não queria magoar o nosso bebê.
- E que vais fazer quanto ao filme? Perguntei. Lave is a Many-Splendored Thing estava a meio da produção.
- Avisei-os hoje de manhã. Responderam que podiam continuar a filmar e que não precisavam de me substituir.
Fiquei extático. Senti-me invadido por uma enorme sensação de bem estar.
Enquanto a data do parto se ia aproximando, ela ia preparando o quarto do bebê. Acabei por saber que era uma excelente decoradora, um talento que tempos mais tarde veio a dar imenso jeito, quando passávamos a vida a viajar entre Hollywood e Nova Iorque. Contratou também uma amorosa empregada afro-americana chamada Laura Thomas, a qual viria a desempenhar um papel importantíssimo nas nossas vidas.
Uma manhã, depois de ver as imagens não editadas de Anything Góes, Don Hartman perguntou-me:
Gostaria de escrever outro filme para o Dean e o Jerry?
- Me parece ótimo, Don. Eu gostara muito de trabalhar com eles.
- Compramos um western para eles, chamado Pardners. Acho que vai gostar.
Hesitei uns segundos.
- Se não vir inconveniente, gostaria de trazer uma pessoa para trabalhar comigo.
- Quem? Perguntou, espantado.
- Jerry Davis. Havia uns tempos que Jerry não trabalhava e esta era uma hipótese de o ajudar.
- Conheço o Jerry. Se é isso que quer, tudo bem.
- Muito obrigado.
Jerry ficou encantado com as notícias e eu fiquei satisfeito por tê-lo comigo. Estava sempre bem disposto e era muito divertido. As mulheres achavam-no atraente e, sempre que terminava uma relação com uma pessoa, permaneciam amigos.
Uma vez, uma ex-namorada dele chamada Diane telefonou-lhe para lhe dizer que se ia casar. Jerry, que era muito protetor, pediu:
- Fala-me dele.
- Bem, é escritor e vive em Nova Iorque.
- Diane, os escritores de sucesso não vivem em Nova Iorque. Vivem em Hollywood. Só pode ser um falhado. Como é que ele se chama?
- Neil Simon.
Jerry e eu começamos a trabalhar no argumento e tudo corria bem. O que ninguém sabia é que este seria um dos últimos filmes de Martin e Lewis juntos. Foram dadas várias razões para a separação, mas a verdade é que tinham personalidades completamente diferentes.
Eram constantemente inundados por convites de todo o país para aparecerem como convidados de honra em eventos de caridade e Lewis, que era muito gregário, dizia sempre que sim. Quando ele dizia a Dean o que iam fazer, este ficava sempre aborrecido. Preferia ir jogar golfe. Por fim, as diferenças entre eles levaram a uma ruptura final, mas, antes disso, concordaram em fazer o Pardners.
Pardners era uma comédia western e Dean e Jerry eram os atores ideais para ela. Paul Jones, um dos mais simpáticos homens do ramo, era o produtor. As críticas foram excelentes e o filme foi um sucesso de bilheteira.
Em 14 de Outubro de 1955, a nossa filha Mary Rowane Sheldon veio a este mundo. Por minha causa, Jorja quase que não chegava a tempo ao hospital. Inadvertidamente, transformei o grande acontecimento numa situação de verdadeira comédia.
Tudo começou anos antes quando liguei uma vez para as Informações e pedi a morada da biblioteca pública de Beverly Hills.
- Peço desculpa, mas nós não podemos dar moradas. Respondeu a telefonista.
Pensei que estava a brincar.
- Minha senhora, eu não estou a pedir a morada do quartel-general da CIA. Estou a falar da biblioteca pública.
- Lamento, mas não damos moradas.
Não queria acreditar. Era um desafio grande de mais para ignorá-lo. Decidi que me iam dar aquela morada.
Aguardei um bocado e liguei de novo para as Informações.
- Eu quero o número de telefone da biblioteca pública de Beverly Hills – Pedi - Fica em Beverly Drive.
A telefonista entrou outra vez na linha.
- Não temos nenhuma biblioteca pública em Beverly Drive. Há uma em North Crescent Drive.
- Não me parece que seja essa. Qual é a morada da North Crescent Drive? Perguntei.
- City Hall, 450 North Crescent Drive.
- Muito obrigado.
Eu recebera a informação que procurava.
Desde então, sempre que queria a morada de algum lugar, usava esta técnica e conseguia dar a volta à estúpida regra da companhia.
Na noite de 14 de Outubro, a minha trama virou-se contra mim. Ouvi Jorja a chamar e corri para o quarto.
- Está começando. Depressa! Pediu.
A mala estava pronta e à espera junto à porta. Eu tratara de tudo para que ela fosse admitida no hospital St. John, em Santa Mónica. O problema é que eu não tinha certeza de qual era a rua. Liguei para as Informações.
- Quero o número de telefone do hospital St. John, na Main Street. Escolhera uma rua ao acaso, para que ela me desse a rua correta. A telefonista reapareceu uns segundos mais tarde, com o número de telefone.
- E é na Main Street?
- É, sim. Foi a resposta.
Pelos vistos, acertara por acaso na rua. Meti Jorja no carro e dirigi-me velozmente a Santa Mónica, para o hospital. Ela gemia com dores.
- São só uns minutos até lá – Assegurei - Resista.
Cheguei a Main Street e virei para entrar na rua. Andei para cima e para baixo. Não se via qualquer hospital St. John. Comecei a entrar em pânico. A noite já ia avançada e as ruas estavam desertas. As bombas de gasolina estavam fechadas. Eu não fazia a mínima idéia do lugar para onde ia. Comecei a andar velozmente para cima e para baixo em todas as ruas que me apareceram até que, por fim, acabei por dar com o hospital, na rua Vinte e Dois com o Bulevar Santa Mónica, a mais de vinte quarteirões da Main Street. Duas horas depois, Mary nascia.
Tivemos um bebê saudável e maravilhoso. Era uma alegria incrível. Pouco depois de Mary ter nascido, eu e Jorja perguntamos ao Groucho se queria ser o padrinho. Quando concordou, ficamos encantados. Não imaginávamos ninguém mais perfeito.
Três dias depois, levamos Mary para casa e Laura, a nossa criada, tomou-a dos braços de Jorja.
- Eu tomo conta dela. Disse.
E, daí em diante, toda a gente tomou conta dela. Mary chorava a meio da noite e Jorja corria para o quarto dela para dar comigo sentado numa cadeira com Mary ao colo. Ou então era eu que ouvia o bebê a chorar e corria para o quarto e encontrava Jorja já sentada a embalá-la. De dia ou de noite, ao primeiro sinal de choro, corríamos para pegá-la em primeiro lugar. No momento em que a pegávamos ao colo, ela parava imediatamente de chorar.
Por fim, tive uma conversa com Jorja:
- Querida, nós estamos a estragá-la com mimos. Estamos a dar-lhe demasiado amor. Temos que reduzir.
Jorja olhou para mim e respondeu:
- Está bem. Reduz a tua parte. E foi o fim da conversa.
CAPÍTULO 26
Uma segunda-feira de manhã, a minha assistente ligou-me.
- Está aqui um senhor Robert Smith que lhe quer falar. Eu nunca ouvira falar nele.
- E o que é que ele quer?
- É um escritor. Diz que quer falar consigo.
Robert Smith andava pelos trinta anos, era baixo, tenso e nervoso.
- Em que é que o posso ajudar, senhor Smith?
- Eu tenho uma idéia. Respondeu.
Em Hollywood toda a gente tinha idéias e a maior parte delas eram péssimas. Fingi interesse.
- Sim?
- Porque não fazemos um filme sobre Buster Keaton? Fiquei imediatamente interessado.
Buster Keaton, o ”Grande Rosto de Pedra” do cinema mudo, era uma das estrelas mais importantes dessa época. A sua imagem de marca era um chapéu de aba lisa e revirada, sapatos uns tamanhos acima e nenhuma expressão no rosto. Era um ator baixo, magro, de rosto triste, que colaborara na produção e na direção dos seus filmes e que fora comparado a Chaplin.
Buster Keaton teve na sua época um enorme sucesso, mas, quando apareceu o cinema falado, o seu destino mudou. Fez vários filmes sem sucesso e cada vez tinha mais dificuldade em encontrar trabalho. Entrou em alguns filmes de curta metragem sem importância e por fim viu-se na iminência de criar cenas acrobáticas para os outros actores. Eu achava que a história dele era fascinante e suficientemente interessante para ser levada ao cinema.
- Nós dois podíamos produzi-la, eu escrevia o argumento e você realizava. Sugeriu Robert Smith.
Levantei a mão.
- Ei, espere aí. Deixe-me falar primeiro com Don Hartman. E nessa mesma tarde fui falar com ele.
- Que acontece?
- Um escritor chamado Bob Smith veio ter comigo com uma idéia de que gostei. Sugeriu que fizéssemos The Buster Keaton Story.
Ele nem hesitou.
- É uma ótima idéia. Gostava de saber por que é que nunca ninguém se lembrou disso antes.
- Bob e eu produzimos e eu realizo. Ele concordou.
- Vou começar a trabalhar para adquirir os direitos. E em quem estava a pensar para o papel de Buster?
- Ainda nem tive tempo para pensar nisso!
- Eu digo-lhe quem era ideal para esse papel, Donald O’Connor. Comentou.
Fiquei entusiasmado.
- O Donald seria maravilhoso. Trabalhei com ele no Anything Góes. Tem imenso talento.
- Mas há um problema. - Don Hartman hesitou - Donald tem outro filme marcado para o princípio do ano. Para ficarmos com ele, temos de começar a filmar dentro de dois meses.
Esse era um grande problema. Nós nem sequer tínhamos uma linha para a história. Mas eu queria O’Connor.
- Acha que consegue ter o argumento pronto a tempo?
- Claro.
Eu queria mostrar-me mais confiante do que estava realmente. Fazer um argumento a correr para conseguir um determinado ator é sempre contraproducente. O público não quer saber quanto tempo demorou a escrever o argumento, só lhe interessa o que vê no ecrã. Eu acabara de criar para mim e Bob um prazo impossível de cumprir.
Obter os direitos sobre a vida de Buster Keaton revelou-se fácil.
Começamos imediatamente a trabalhar no argumento. Havia imenso material de trabalho porque a vida de Buster fora dramática. Nascera numa família disfuncional e atravessara vários divórcios e uma luta contra o alcoolismo. Eu vira-o nos seus primeiros clássicos The General, The Navigator e The Boat. Estavam recheados de cenas acrobáticas, extremamente perigosas, e ele insistira sempre em fazê-las pessoalmente. Liguei a Don Hartman:
- Gostávamos de falar pessoalmente com Buster. Podia tratar disso?
- Com certeza.
Eu estava ansioso por este encontro.
Quando Buster Keaton entrou no meu gabinete, era como se tivesse acabado de sair do ecrã. Era o mesmo homenzinho de rosto triste que encantara o mundo com o seu humor sombrio. Depois das apresentações, perguntei:
- Buster, gostaríamos que fosse o consultor técnico deste filme. O que me diz?
Ele quase quebrou a tradição ao sorrir.
- Acho que me aguento!
- Ótimo. Vamos filmar muitas das suas cenas acrobáticas. Vou-lhe arranjar uma caravana e pô-la aqui no estúdio e quero que esteja cá sempre que estivermos a filmar.
Ele olhou para mim como se estivesse a fazer um esforço para não chorar, mas fiquei sem saber se não seria imaginação minha.
- Cá estarei.
- Muito obrigado.
- Eu e Bob estamos a trabalhar no argumento. Queremos que seja o mais fiel possível. Tem algumas situações caricatas que gostasse de nos contar para usarmos no filme?
- Não.
- Talvez alguma coisa especial que lhe tenha acontecido na vida e que considere excitante?
- Não.
- Alguma coisa dos seus casamentos ou dos seus romances?
- Não.
Toda a reunião decorreu assim. Quando saiu, virei-me para Bob:
- Esqueci-me de dizer uma coisa. Se queremos o Donald O’Connor, temos de começar a filmar daqui a dois meses. Ele ficou a olhar para mim.
- Está brincando?
- Nunca falei tão a sério. Ele suspirou.
- Vamos lá ver a que velocidade conseguimos escrever um argumento.
Eu e Bob vimos os velhos filmes do Buster. As cenas de acrobacia eram fantásticas. Selecionei as que queria usar, pois sabia que Buster estaria no estúdio para me mostrar como eram feitas.
Donald O’Connor veio ver-me.
- É um papel estupendo. Buster Keaton é um dos meus ídolos. Comentou.
- Meu também.
- O ”Grande Rosto de Pedra”. Isto vai ser maravilhoso.
Havia um problema. Nós precisávamos de mais tempo para trabalhar no argumento e não o tínhamos. Já havia uma data marcada para o início das filmagens, que tínhamos de respeitar, por isso começamos a trabalhar dia e noite.
Por fim, chegou a altura de dar início à produção.
Mantivemos a maior fidelidade possível à história da vida de Buster Keaton, mas, para aumentar o drama, tomamos algumas liberdades. Mostrei a Buster o guião e, quando ele acabou de o ler, perguntei-lhe:
- Tem algum problema com o que aí está?
- Não.
E foi tudo o que ele disse.
Os cenários foram construídos e a produção começou.
As filmagens corriam bem. O elenco era maravilhoso. Além de Donald O’Connor, tínhamos Peter Lorre, Rhonda Fleming, Ann Blyth, Jackie Coogan e Richard Anderson. A química era óptima.
Havia uma cena em que entrava um velho realizador. Ainda não tínhamos actor para ele. O assistente de realização veio ter comigo.
- Gostaria que fosse o velhote a desempenhar o papel? Fiquei intrigado.
- Qual velhote?
- O senhor DeMille.
Cecile B. DeMille era sem sombra de dúvida um dos realizadores mais importantes de Hollywood. Entre outros, os seus filmes mais recentes incluíam Samson and Dalilah, The Greatest Show on Earth e The Ten Commandements.
Era uma lenda e as histórias a seu respeito corriam pela cidade. Era conhecido por ser implacável e exigente. Aterrorizava os atores. Corria a história de que uma vez, quando filmava uma cena de um dos seus épicos, em pé no cimo de uma plataforma e a olhar para baixo para as centenas de figurantes, começara a explicar o que pretendia quando viu duas jovens figurantes na conversa. Parou de falar.
- Ei! Vocês as duas aí! - Chamou alto - Cheguem-se aqui à frente.
As duas mulheres olharam uma para a outra, horrorizadas.
- Quem? Nós?
- Sim! Vocês as duas. Venham cá. Nervosas, chegaram-se à frente.
- Muito bem. - disse ele em voz forte - Como é óbvio que acham que aquilo que estavam dizendo é muito mais importante do que o que eu estava, acho que deviam dizê-lo alto, para todos possam ouvir.
As mulheres ficaram embaraçadas e aterrorizadas.
- Senhor DeMille, nós não dizíamos nada...
- Estavam, sim. E eu quero que todos ouçam o que era. Uma delas falou e disse em tom de desafio:
- Pois muito bem. O que eu dizia era: ”Quando é que aquele filho da mãe vai mandar parar para almoço?”
Fez-se um silêncio de choque por todo o estúdio. DeMille olhou para ela durante longos segundos e em seguida disse alto:
- Parar para almoço!
- Está louco. - Respondi ao meu assistente - O DeMille não vai fazer este papel. São quatro linhas de texto!
- Quer que fale com ele?
- Claro.
Eu sabia que não havia qualquer hipótese. Mais tarde, o assistente do director veio ter comigo.
- Vamos filmar a cena amanhã. Ele vem. Fiquei sem palavras.
- Ele vai fazer a cena?
- Sim.
- Eu vou dirigir o Cecil B. DeMille?
- Exatamente.
No dia seguinte, estava filmando uma cena principal com Donald e Ann Blyth. Quando terminei a cena, ia passar à filmagem de um ângulo mais perto. O meu assistente de realização aproximou-se.
- O senhor B. DeMille está a caminho do estúdio. Vamos para o outro lado do palco, onde vai ser filmada a cena dele.
- Agora não posso fazer. - Respondi - Tenho de fazer um close-up primeiro.
Ele olhou para mim por uns segundos.
- O senhor DeMille está a caminho do estúdio. Sugiro que vamos para ali, onde ele vai fazer a cena.
Percebi a mensagem.
- Vamos já. E dei ordem para parar.
Uns minutos depois, Cecil B. DeMille entrou com o seu séquito. Chegou junto de mim e estendeu a mão.
- Sou Cecil B. DeMille.
Era mais alto do que eu imaginara, mais largo do que eu imaginara e tinha muito mais carisma do que eu imaginara.
- Eu sou Sidney Sheldon.
- Se me disser o que tenho de fazer...
Eu ia mostrar a Cecil B. DeMille o que ele tinha de fazer?
- Sim, com certeza. É sobre...
- Eu sei. Li o meu texto.
- Excelente.
Montei a cena e disse:
- Câmara... ação...
A cena terminou, mas achei que a podia melhorar. Como é que se diz a Cecil B. DeMille que não foi suficientemente bom? Ele virou-se para mim:
- Quer que eu faça a cena outra vez? Acenei, grato.
- Seria ótimo.
- Porque não dispo o casaco?
- Boa idéia.
- E vou ser um pouco mais enérgico.
- Boa idéia.
Filmamos outra vez a cena e ficou perfeita. Só havia uma coisa de que eu não tinha bem a certeza. Fora eu que dirigira Cecil B. DeMille ou fora Cecil B. DeMille que me dirigira a mim?
As cenas acrobáticas que Buster Keaton criou para os seus filmes mudos eram incríveis. Uma em especial parecia ser absolutamente impossível. A cena abria com Buster perseguido pela polícia a correr ao longo de uma vedação de madeira. De pé junto da vedação, e de costas para ela, estava uma mulher forte, que tinha vestida uma saia bastante rodada. Buster parou na frente dela, viu que os polícias se aproximavam e mergulhou por entre as pernas da mulher para o outro lado da vedação. A mulher deslocou-se de seguida para o lado, mostrando que a vedação era sólida.
Tinha um efeito fantástico.
- Como raio é que fez aquilo? Perguntei.
Ele quase sorriu.
- Já lhe mostro.
O segredo era simples, quando se sabia. Diretamente atrás da mulher, três ou quatro painéis da vedação tinham dobradiças que lhes permitia deslizarem para trás, criando um ângulo de quarenta e cinco graus. No momento em que Buster mergulhava entre as pernas da mulher, os membros da equipa, que estavam do outro lado da vedação, subiam rapidamente os painéis, que estavam ocultos da visão dos espectadores pela saia da mulher, criando uma abertura por detrás dela. Ele limitava-se a mergulhar sob a saia dela e atravessava rapidamente a abertura na vedação. Uma vez do outro lado, os homens repunham apressadamente os painéis, fechando a abertura. Ela afastava-se rapidamente, revelando aos espectadores uma vedação intacta e que Buster desaparecera. Tudo isto era feito numa fração de segundos e era fantástico, quando bem feito.
Donald fez a cena de forma soberba.
Outra cena que aparecia mais tarde no filme era mais um clássico de Buster Keaton. Passava-se nas docas e fomos para o litoral para a filmarmos. Era o bota abaixo de um barco e Donald estava orgulhosamente de pé na proa do barco enquanto este descia pela rampa.
A proa foi entrando devagarzinho pela água, cada vez mais fundo, e Donald ali permaneceu, sem qualquer expressão, enquanto ia submergindo lentamente, até que a certa altura já só se via o seu chapéu a flutuar.
Durante as filmagens percebi como Buster era tímido. Eu e Jorja o convidamos e a mulher, Eleanor, para um jantar. Entre os convidados havia um dirigente de um estúdio, alguns realizadores e vários atores e atrizes conhecidos.
Eu sabia que Buster já lá estava em casa, mas ainda não o vira. Entrei no escritório. Ele estava ali sozinho a ler um jornal.
- Buster, está tudo bem? Ele olhou para mim.
- Está tudo ótimo. E continuou a ler o seu jornal.
Quando o filme ficou pronto, Buster disse-me:
- Quero agradecer-lhe.
- Agradecer o quê?
- Pude comprar uma casa.
Todos no estúdio estavam muito satisfeitos. The Buster Keaton Story era o meu último filme sob o meu contrato com a Paramount, mas já estavam a falar com o meu agente sobre um contrato novo. A minha vida nunca fora tão boa.
Discuti com Don Hartman uma idéia que tive para um filme de suspense chamado Zone of Terror, que seria filmado na Europa.
Em Abril de 1957 saiu um artigo no Daily Variety:
Onde ir em Abril? Este é o problema com que Sidney Sheldon se debate.
Buster Keaton, que ele dirigiu, co-produziu e co-escreveu para a Paramount, estréia no mês que vem. No dia 27 de Abril, a sua peça Alice in Arms estréia em Viena. Na mesma altura começam em Nova Iorque os ensaios para a versão revista por ele de The Merry Widow, com os Kiepuras, com estréia prevista para meados de Maio. Sheldon trabalha presentemente no seu próximo projeto, Zone of Terror, previsto para iniciar as filmagens na Alemanha, para o ano que vem.
Eu sabia como é que ia passar o meu tempo no mês de Abril. Ia levar Jorja e Mary até a Europa para celebrar.
The Buster Keaton Story estreou com boas críticas a Donald O’Connor, Ann Blyth, Peter Lorre e ao resto do elenco. O argumento já não foi tão bem recebido. A maior parte dos críticos atacaram-no, dizendo que devia ter mais cenas de Buster e menos história.
”O argumento é um arranjo de demasiados velhos filmes de Hollywood.”
Tinham razão. Tínhamos escrito depressa demais. O filme estreou bem porque as pessoas sentiam imensa curiosidade em relação ao nome de Buster Keaton. Mas a palavra de boca em boca espalhou-se rapidamente e, pouco tempo depois, o filme desaparecia das bilheteiras.
O meu agente telefonou-me.
- Acabei de falar com Don Hartman. O estúdio não vai renovar o teu contrato.
Eu sabia onde é que o jornalista do Vanety me ia poder encontrar em Abril. Na fila do desemprego.
Relutante, cancelei as nossas reservas na Europa. Ligava para o meu agente uma vez por semana e tentava parecer otimista.
- Então, que se passa na frente de batalha?
- Nada de especial, Sidney, não tem aparecido nada.
Era uma mentira bondosa. Havia sempre coisas para fazer, só que não eram para mim. Tal como fora prematuramente condenado pelo Dream Wife, estava agora a ser julgado pelo The Buster Keaton Story. Mais uma vez me sentia traumatizado pelo pensamento de que nunca mais ia conseguir voltar a trabalhar. Durante todas as vezes que estive sem trabalho, os amigos iam e vinham, mas Groucho esteve sempre comigo com uma palavra amiga.
Aguardei por um telefonema que nunca chegou, as semanas passaram, depois os meses, e em breve eu estava com um grave problema de dinheiro.
Eu gostava de viver bem, mas nunca tivera interesse no dinheiro em si. A minha filosofia em relação ao dinheiro era uma combinação da poupança de Natalie e dos modos esbanjadores do Otto. Tinha dificuldade em gastar dinheiro comigo, mas não tinha qualquer problema em gastá-lo para ajudar os outros. Como consequência, nunca conseguira poupar nada.
A casa de Bel Air tinha uma hipoteca e eu tinha ainda de pagar os ordenados a um jardineiro, a um rapaz que cuidava da piscina e a Laura. A nossa situação financeira deteriorava-se rapidamente.
Jorja começou a ficar preocupada.
- O que vamos nós fazer?
- Vamos ter de começar a economizar. E, depois de respirar fundo, acrescentei: Vamos ter de despedir a Laura. Não nos podemos dar ao luxo de continuar a ter uma criada.
Foi um momento terrível para nós os dois.
- Diga você. - Pediu Jorja - Eu não sou capaz.
Laura fora maravilhosa. Estava sempre alegre e ajudava muito. Adorava Mary e Mary adorava-a.
- Isto vai ser muito difícil. Chamei Laura à biblioteca.
- Laura, infelizmente, tenho más notícias. Olhou para mim, alarmada.
- O que foi? Alguém está doente?
- Não, estamos todos bem. Mas é que... vou ter de a dispensar.
- O que é que quer dizer com isso?
- Laura, eu não lhe posso pagar o seu ordenado. Ela olhou para mim, chocada.
- Quer dizer que me está a despedir?
- Infelizmente, sim. Lamento muito. Ela abanou a cabeça.
- Não pode fazer isso!
- Não está a perceber. Eu já não lhe posso pagar e...
- Eu fico.
- Laura...
- Eu fico.
E saiu da sala.
Eu e Jorja fomos obrigados a cortar a nossa vida social e raramente saíamos. Havia peças que queríamos ver, mas eram demasiado caras. Laura ouvia Jorja e eu conversarmos a esse respeito.
Quando debatíamos a possibilidade de sairmos uma noite, Laura chegou junto de nós e estendeu-me uma nota de vinte dólares:
- Tome.
- Eu não posso aceitar. Respondi.
- Depois paga-me.
Eu estava quase a chorar. Ela trabalhava muito, não recebia ordenado e ainda por cima estava a dar-me dinheiro. Chegou o dia em que eu já não tinha dinheiro para pagar a prestação da casa.
- Perdemos a casa. Disse a Jorja. Ela viu bem a minha dor.
- Querido, não se preocupe. Já escreveste muitos sucessos antes, e vai escrevê-los de novo.
Ela não compreendia.
- Não vou não, nunca mais.
Lembrei-me da primeira casa que a minha família alugou, na rua Marion, em Denver. Eu vou casar aqui e os meus filhos vão crescer aqui... Nessa altura, contando as casas, apartamentos e hotéis, eu mudara-me treze vezes.
Na semana seguinte, desistimos da casa com a piscina e os maravilhosos jardins e aluguei um apartamento. Eu estava a viver a vida de Otto, numa montanha russa que me levava da prosperidade à pobreza num ciclo que parecia não ter mais fim. Sentia-me outra vez com tendências suicidas. Mantivera os pagamentos de uma apólice de um seguro de vida que chegaria para a Jorja e a Mary viverem. Elas estão melhores sem mim, decidi. E comecei a pensar no assunto.
Eu sabia que nunca mais ia ter a vida que tivera. Nunca mais teria a Europa, as festas maravilhosas, os sucessos. Ia sentir saudades de tudo isso e perguntava-me se seria melhor ter tido sucesso e tudo ter perdido ou nunca ter provado o sabor do sucesso de forma que nunca lhe sentiria a falta. Estava extremamente deprimido e o suicídio era a única saída que conseguia imaginar para aquela crise. Senhor Sheldon, está a sofrer de uma psicose maníaco depressiva... Em média, um em cada cinco pessoas que sofrem de psicose maníaco depressiva acabam por se suicidar.
Vivia um pesadelo que sentia nunca mais ter fim. Estava a ponderar seriamente o suicídio?
Tentei pensar em todos os sucessos que tivera, em vez dos fracaços, mas de nada serviu. Esta misteriosa química que existia dentro do meu cérebro não o ia permitir. Eu era incapaz de controlar as minhas emoções.
Mas, quanto mais pensava nisso, mais me apercebia de que não conseguia aceitar a idéia de deixar Jorja e Mary. Eu tenho de criar alguma coisa, pensei. Era óbvio que os estúdios cinematográficos não queriam nada comigo. E a televisão?
O meu programa preferido era o I Love Lucy, uma comédia brilhante que Lucille Bali e o marido, o produtor Desi Arnaz, punham no ar todas as semanas. Era a comédia mais popular da televisão. Talvez eu pudesse escrever qualquer coisa que interessasse Desi Arnaz. Pensei num título e numa ideia, Adventures of a Model. Seria uma comédia romântica, com todas as situações em que uma modelo maravilhosa se veria envolvida.
Levei uma semana a escrever o guião piloto. Marquei uma entrevista com Desi Arnaz.
- Muito prazer em conhecê-lo. - Disse ele - Tenho ouvido falar de si.
- Senhor Arnaz, tenho uma idéia para um piloto. E tirei para fora o manuscrito e dei-lho.
Assim que leu o título, o rosto dele iluminou-se.
- Adventures of a Model. Soa muito bem. Levantei-me.
- Quando tiver uma oportunidade para o ler, ficava-lhe muito grato que me dissesse qualquer coisa.
- Não, não. - Sente-se pediu - Vou lê-lo já.
Fiquei a observá-lo enquanto lia. Sorriu o tempo todo. Um bom sinal, pensei. Eu nem respirava.
Leu a última página e olhou para mim.
- Adorei. Vamos fazê-lo. Disse.
Eu já podia voltar a respirar. Senti-me como se um enorme peso tivesse sido tirado de cima do meu coração.
- A sério?
- Vai ser um êxito. Não há nada deste género no ar. E ainda o podemos fazer esta temporada disse ele. A CBS tem um espaço livre no horário. Vamos ver se o conseguimos apanhar.
CAPÍTULO 27
Eu não precisava de um carro para me levar até casa. Andava nas nuvens. Quando cheguei, Jorja estava à minha espera à porta. Olhou para a minha cara e perguntou:
- Boas notícias?
- Excelentes notícias. O Desi Arnaz vai produzir Adventures of a Model.
Abraçou-me.
- Isso é maravilhoso.
- Tu fazes idéia do que significa ter uma série de sucesso na televisão? Pode durar anos.
- E quando é que tens uma resposta?
- Dentro de um ou dois dias.
Dois dias mais tarde, recebi um telefonema do Desi.
- Estamos nisto. A CBS deu-nos o último espaço que tinha no horário.
- Hoje vamos sair para comemorar. Disse a Jorja. Laura, que ouvira a conversa, estava com ar radiante.
- Vocês os dois vão divertir-se. Deu-me outra nota de vinte dólares. Eu pago.
- Não posso. A Laura já foi...
- Pode sim. Abracei-a.
- Muito obrigado.
- Eu sempre soube que ia conseguir.
Saímos e fomos jantar a um restaurante italiano e tivemos um jantar maravilhoso.
- Eu nem posso acreditar - Disse eu - Estamos na CBS. Eu vou produzir o programa e escrever os guiões.
A caminho de casa, Jorja comentou:
- Estou tão orgulhosa de ti, querido. Eu sei o que passaste e como tem sido difícil, mas agora tudo acabou.
Desi telefonou-me na manhã seguinte.
- Pode vir ao meu escritório? Eu sorri.
- Claro que sim.
- Cheguei lá trinta minutos depois.
- Sente-se. Pediu.
- Certo. Quando é que começamos? Ele estudou-me por uns instantes.
- Sidney, a CBS tinha um espaço livre e nós o aproveitamos. Cancelaram o The Dick Van Dyke Show e puseram-nos no mesmo período. Danny Thomas, que é o dono do The Dick Van Dyke Show e de outros programas na CBS, pressionou-os e insistiu que dessem mais um ano ao The Dick Van Dyke Show. A estação acabou por ceder. Voltaram a pô-los no horário. Nós saímos.
Fiquei sentado, sem me mexer, incapaz de falar.
- Lamento muito. Talvez para a próxima temporada. Disse ele.
Eu estava outra vez perante a mesma escolha, desistir ou tentar de novo. Diabos me levassem se ia desistir.
Precisava de outro projeto, e sentei-me a criá-lo. Sentei-me no meu escritório durante uma semana, pondo de lado idéia atrás de idéia. Por fim, tive uma que me pareceu poder resultar. Não havia espetáculos na Broadway sobre ciganos. Eu tinha um título, King of New York. Seria sobre uma família cigana, com uma filha lindíssima que se apaixonava por um não cigano e todas as situações a que isso podia levar.
Eu não sabia nada sobre ciganos e tinha de fazer alguma pesquisa. Onde é que poderia aprender coisas sobre eles? Liguei para a polícia e pedi para falar com um detetive.
- Em que lhe posso ser útil?
- Gostava de fazer entrevistas a uns ciganos. Por acaso sabe onde posso encontrar alguns?
Ele riu.
- Sei. Normalmente temo-los presos na cadeia. De momento estão todos na rua. Posso dar-lhe o nome do homem que se intitula ”o rei”.
- Perfeito.
O homem chamava-se Adams e o detetive disse-me onde podia entrar em contacto com ele. Liguei-lhe e expliquei-lhe quem era e convidei-o para vir ao meu apartamento. Era um homem alto, corpulento, com cabelo negro e uma voz funda e grave.
- Gostava de falar consigo sobre os costumes dos ciganos. - Disse eu - Quero saber tudo sobre a forma como vivem.
Ele ficou ali sentado, em silêncio.
- Eu lhe pago. Se conversar comigo e me explicar tudo o que preciso saber, eu lhe pago... - E hesitei - cem dólares.
O rosto dele iluminou-se.
- Muito bem. Pode dar-me o dinheiro já e... E eu sabia que nunca mais o veria.
- Não. Quero que venha cá uma vez por semana e conversamos e eu dou-lhe dinheiro cada vez que vier durante uma hora.
Encolheu os ombros.
- Está bem.
- Bom, então comece a falar.
Ele falava e eu tomava apontamentos. Eu queria conhecer os seus hábitos, como viviam, como se vestiam, como falavam, como pensavam. Ao fim de três semanas já sabia o suficiente para poder começar a escrever a peça. Quando a terminei, mostrei-a a Jorja.
- Está ótima. A quem é que a vais levar? Eu já decidira o que fazer.
- A Gower Champion.
Ele acabara de dirigir um êxito da Broadway chamado ByeBye Birdie. Fui ver Gower. Fora uma estrela musical na MGM, passara para a Broadway como diretor e tivera um enorme sucesso.
- Tenho uma peça que gostava que lesse. Disse eu.
- Muito bem. Parto hoje para Nova Iorque. Levo-a comigo e leio-a no avião.
Estupidamente, eu imaginara que ele ia fazer a mesma coisa que Desi Arnaz, lê-la imediatamente.
- Muito obrigado.
Quando cheguei a casa, Jorja perguntou:
- O que foi que ele disse?
- Disse que ia lê-la. O problema é que eu ouvi dizer que ele tem uma série de outros projectos em mãos. Mesmo que esteja interessado, pode levar ainda muito tempo até que a comece.
Gower Champion ligou-me na manhã seguinte.
- Sidney, eu acho que é excelente. Vai dar um musical maravilhoso. Nunca houve nada disto na Broadway. Vou ligar a Charles Strouse e a Lee Adams, que escreveram a banda sonora do Bye Bye Birdie, e trazê-los para trabalhar conosco.
Por qualquer razão, não me senti excitado. Tivera demasiados desapontamentos. Tentei soar um pouco entusiasmado.
- Que bom, Gower.
Desliguei o telefone e pensei em todos os sonhos que nunca se tinham tornado realidade.
Esperei por voltar a ter notícias de Gower e, cinco dias mais tarde, ele ligou. Parecia zangado.
- Está tudo bem? Perguntei.
- Não. Disse ao Strouse e ao Adams que queria que fizessem a música para esta história e estão a pedir uma percentagem maior. São uns ingratos filhos da mãe. Respondi-lhes que não cedia.
- Então, quem é que nós...?
- Não vou fazer a peça.
Um ano depois, outra pessoa estreou uma peça na Broadway chamada Bajour. Era sobre ciganos que viviam em Nova Iorque.
Numa altura em que eu devia estar deprimido, sentia-me feliz. Lembrei-me do que o Doutor Marmer me dissera sobre a psicose maníaco depressiva. É um desvio do cérebro que envolve episódios de mania e de depressão sérios, onde a disposição muda da euforia ao desespero... é um importante fator em trinta mil suicídios por ano. Eu estava eufórico. Sentia que algo de maravilhoso me ia acontecer.
Chegou por via de um telefonema.
- Quero falar com Sidney Sheldon, por favor.
- Sou eu próprio.
- Daqui fala Robert Fryer.
Era um produtor da Broadway muito conhecido.
- Diga, senhor Fryer.
- A Dorothy e o Herbert Fields pediram-me para lhe telefonar. Estão a escrever um musical para mim chamado Redhead e querem saber se estaria interessado em trabalhar com eles. Está interessado?
Se eu estava interessado em voltar a trabalhar com Dorothy e Herbert Fields? Se estava! Tentei parecer calmo.
- Sim, estou interessado.
- Ótimo. Então quando é que pode vir para Nova Iorque? Queremos começar o mais depressa possível.
Duas semanas mais tarde, Jorja, Mary e eu nos mudamos para Manhattan para um apartamento alugado. O nosso único desapontamento foi Laura não poder viajar conosco. Eu pagara-lhe todos os ordenados que lhe devia mais um bônus avultado. Foi uma despedida muito emotiva.
- Senhor Sheldon, eu não posso abandonar a minha família. Vou sentir saudades vossas e rezar por vocês. Esta era a Laura.
Robert Fryer andava pelos quarenta e tal anos e era um homem bem parecido, muito bem vestido, com uma paixão pelo teatro. Encontramos-nos no escritório dele, na rua Quarenta e Cinco.
- O Redhead vai ser um espetáculo grande. - Disse, entusiasmado - Estou muito satisfeito por vir trabalhar conosco.
- Também eu. Fale-me do espetáculo.
- A Dorothy está a escrever as letras das canções. A música está a ser escrita por Albert Hague. Você e o Herbert vão escrever o argumento. A peça tem lugar no virar do século, em Londres. A nossa figura principal é uma jovem que faz modelos em cera que são exibidos na câmara dos horrores de um museu de cera. Um assassino em série está à solta e não deixa pistas. Quando ele assassina a sua última vítima, a nossa heroína vê-o e faz um modelo dele. Ele fica determinado em matá-la. É uma mistura de mistério, suspense e canções e danças.
- Parece excitante.
Encontramos a Dorothy na casa dela.
Depois dos cumprimentos, ela disse:
- Vá, vamos trabalhar.
Ela e Herbert tinham criado uma trama de sonho. Não os voltara a ver depois de Annie Get Your Gun e era um prazer trabalhar outra vez com eles.
Os Fields apresentaram-me a Albert Hague, o compositor que fizera meia dúzia de espetáculos na Broadway. Era um brilhante músico.
Hague ficou famoso mais tarde no papel de Benjamin Shorofsky, na série de televisão Fame.
Como a idéia base dos Fields era tão excitante, escrever o argumento foi fácil. O Herbert e a Dorothy eram profissionais que trabalhavam em horário de escritório. Trabalhávamos das nove da manhã às seis da tarde e depois íamos todos para casa. Pensei nos dias frenéticos em que eu e Ben trabalhávamos vários espetáculos ao mesmo tempo até às primeiras horas da madrugada.
Arranjamos uma ama para Mary e, quando não estava a trabalhar, explorávamos Nova Iorque. Fomos aos teatros e aos museus e a alguns restaurantes. O primeiro a que levei Jorja foi o Sardi’s, e Vincent Sardi ainda lá estava, caloroso como sempre. Comemos uma refeição maravilhosa, acompanhada por uma garrafa de champanhe oferecida.
Eu e Herbert terminamos o primeiro esboço do libreto ao mesmo tempo em que Dorothy e Albert acabavam a banda sonora. Quando terminamos, nos unimos no escritório de Robert Fryer e verificamos o argumento e a banda sonora.
- Muito bom. É exatamente aquilo que esperava. Bom, e agora quem vamos escolher para o elenco? A quem é que damos o papel principal? Perguntou Fryer.
Precisávamos de uma artista que fosse atraente, simpática e que conseguisse cantar e representar comédia ao mesmo tempo. Não era uma combinação fácil de encontrar. Vimos a lista das atrizes e por fim chegamos a um nome de que todos gostávamos, Bea Lillie. Era uma estrela do palco inglesa, que representava comédia, cantava e dançava.
- Seria perfeita. Vou mandar-lhe o argumento e a banda sonora. Disse Fryer e rezar.
Cinco dias depois estávamos de volta ao escritório de Fryer. Ele sorria.
- A Bea Lillie adorou. Vai entrar.
- Que bom.
- Agora precisamos de um coreógrafo e estamos prontos a começar.
Mas ainda não era desta. Bea Lillie queria que fosse o namorado a dirigir o espetáculo.
Vimos outra vez a lista das atrizes disponíveis.
- Esperem aí. E que tal Gwen Verdon? Sugeriu Dorothy. A sala iluminou-se.
- Porque não pensamos nela antes? Ela é perfeita. É uma atriz belíssima, musical e cheia de talento... e é ruiva. Vou mandar-lhe a peça amanhã.
Desta vez a espera foi só de dois dias.
- Ela aceitou - Disse Robert Fryer, e suspirou - Mas temos um problema.
Olhamos para ele.
- Qual?
- Ela quer que o namorado a dirija.
- Quem é o namorado?
- Bob Fosse.
Bob Fosse era um coreógrafo espetacular. Acabara de coreografar dois sucessos, The Pajama Game e Damn Yankees.
- Ele alguma vez dirigiu alguma coisa? Perguntei.
- Não, mas é extremamente talentoso. Se todos estiverem de acordo, eu estou disposto a arriscar.
- Não me apetece nada perder a Gwen Verdon. Disse eu.
- Então, não a vamos deixar fugir. - Respondeu Dorothy e olhou para Robert Fryer - Vamos lá então falar com o Bob Fosse.
Bob Fosse andava pelos trinta e poucos anos, era um homem baixinho, intenso, e fora bailarino e actor em vários filmes de Hollywood. Passara a coreógrafo e tinha um estilo próprio muito excitante. A sua marca pessoal, quando dançava, era usar chapéu e luvas. Os chapéus serviam para disfarçar o fato de que começava a ficar careca. Dizia-se que usava as luvas porque não gostava das mãos.
Encontramos-nos num salão de ensaios fora da Broadway. Ele sabia exatamente o que queria fazer com o espetáculo. Estava cheio de excitantes idéias e, quando a reunião terminou, estávamos todos encantados por tê-lo. Era um negócio duplo. Ele ia fazer a coreografia e dirigir.
Complementamos o elenco com Richard Kiley e Leonard Stone e os ensaios começaram. Bem como os problemas.
Bob Fosse, como todos os bons coreógrafos, era um ditador. Tinha uma visão muito pessoal do especáculo. O libreto estava escrito, os cenários em construção, o guarda-roupa encomendado e Fosse estava constantemente desagradado com tudo. Emitia opiniões e era teimoso e estava a pôr-nos a todos com os nervos em franja. Porque aguentávamos tudo isto? Porque ele era um gênio. A coreografia dele era suficientemente brilhante para dar, só por si, vida ao espetáculo. Mas, quando ele tentou reescrever o argumento, isso não permiti. Herbert concordou comigo. Decidimos deixá-lo trazer outro escritor, David Shaw.
Os ensaios tinham um aspecto maravilhoso. Gwen era espantosa. As danças eram espetaculares e o argumento funcionava às mil maravilhas. Sustive a respiração à espera do que ia correr mal.
Natalie e Marty vieram a Nova Iorque para a estréia e Richard e a mulher, Joan, vieram de avião. Sentaram-se na platéia comigo e com Jorja. Desta vez ninguém saiu desapontado.
Estreamos no 46 Street Theatre em Nova Iorque, no dia 5 de Fevereiro de 1959, e as críticas foram unânimes nos elogios. Estavam encantados com a Gwen, adoraram as canções e as danças e gostaram do argumento.
”Melhor comédia musical da temporada...”, Watts, New York Post.
”O triunfo musical do ano, talvez de vários anos...”, Aston, New York Tekgram and Sun.
”Até agora, o melhor musical da temporada!...”, McClain, New York Joumal-Amertcan.
”Um musical de primeira!...”, Chapman, New York Times.
”Um vibrante sucesso...”, Kerr, New York Herald Tribune.
Nesse ano, Redhead recebeu sete nomeações para o Tony e ganhou cinco. Escusado será dizer que estávamos todos extasiados.
Três anos depois, Gwen Verdon e Bob Fosse casaram-se.
O elevador estava outra vez no topo e decidi que era a altura de regressar a Hollywood. Não ia ficar à espera que um estúdio me contrate. Escreveria uma peça que os estúdios quereriam comprar.
Era muito fácil ter um sucesso na Broadway. Eu sempre me interessara pela percepção extra-sensorial. Os filmes e as peças feitas sobre o tema eram sempre muito sérios. Imaginei que seria divertido escrever uma comédia romântica sobre uma maravilhosa jovem médium. Escrevi a peça e dei-lhe o nome de Roman Candle. O meu agente enviou-a a vários estúdios e aos produtores da Broadway e a excitação que se gerou deixou-me espantado. Recebi propostas de quatro produtores da Broadway.
Moss Hart, um dos principais diretores da Broadway, queria dirigi-la. Acabara de dirigir o sucesso da Broadway My Fair Lady. E queria o produtor com quem trabalhara, Herman Levin, para Roman Candle. Sam Spiegel também a queria produzir.
Audrey Wood, a minha agente, era uma mulher baixinha, dinâmica, e uma das agentes mais proeminentes da Broadway. Trabalhava com Bill Liebling, o marido, e os dois representavam alguns dos mais importantes dramaturgos, incluindo Tenessee Williams e William Inge.
- Esta vai ser uma peça importante. -Disse Audrey - Sam Spiegel ligou outra vez, está pronto para fazer o negócio. É amigo de Moss Hart e Moss vai dirigir para ele.
Fiquei encantado. Não havia ninguém melhor. Audrey ligou-me outra vez:
- Tenho mais notícias para ti. O William Wyler leu a tua peça e quer realizar o filme.
William Wyler era um importante realizador de Hollywood. Realizou, entre outros clássicos, Mrs. Miniver, Em Hur, The Best Years of Our Lives e Roman Holidays. Trabalhava com a Mirisch Company, que ia produzir o filme. Também queria investir na peça da Broadway. Eu tinha de fazer uma escolha, Sam Spiegel e Moss Hart ou William Wyler e a Mirisch Company?
- Como Moss quer fazer a peça, porque não pomos o Sam Spiegel a produzi-la e o Moss a dirigi-la e o filme é feito pelo William Wyler e a Mirisch Company? Perguntei a Audrey.
Ela abanou a cabeça.
- Duvido muito que Sam esteja interessado em produzir a peça se não puder ficar com os direitos do filme.
- Experimente. Pedi.
No dia seguinte, ela respondeu:
- Eu tinha razão. O Spiegel quer também os direitos do filme. Mas tenho um produtor que poderá ser excelente para esta peça. Acabou de produzir um êxito, Candide. Chama-se Ethel Linder Reiner.
Conheci Ethel Linder Reiner. Andava pelos cinquenta anos, tinha o cabelo grisalho e era muito agressiva.
- Gosto muito da sua peça. Vamos ter um êxito estrondoso. Disse.
Ouvira dizer que Alan Lerner e Frederick Loewe tinham escrito um espetáculo para a Broadway sobre um médium e que este estava pronto para ser produzido. Fora interrompido por causa do Roman Candle. Nos filmes e na televisão, um sucesso rapidamente gera imitações, mas na Broadway, a originalidade é a chave do sucesso. Lerner e Loewe não queriam montar um espetáculo sobre um médium quando um sobre o mesmo tema acabara de ser feito por outra pessoa. Estavam à espera para ver o que acontecia com Roman Candle.
Eu conhecera Alan quando estávamos na MGM e gostava dele. Ele e Frederick Loewe eram extraordinariamente dotados e lamentava que tivessem perdido tempo e gasto o seu talento num espetáculo que nunca iria ser levado à cena. Todos diziam que íamos ter um grande sucesso. Com Moss Hart a dirigir Roman Candle, ia ser um êxito.
- És capaz de ligar ao Moss e dizer-lhe que vamos avançar? Pedi à Audrey.
- Claro. – Respondeu - Quanto mais depressa iniciarmos esta peça, melhor.
No dia seguinte, tive uma reunião com Audrey Wood e Ethel Linder Reiner.
- Recebi um telegrama de Moss.
E Audrey leu-o em voz alta. ”Querida Audrey, recebi o teu ultimato, mas eu estou a meio de uma autobiografia chamada Act One e vou demorar ainda uns seis meses até a acabar e poder dirigir a peça do Sidney.” Ela olhou para mim.
- Vamos arranjar outro diretor.
Era o momento de eu dizer alguma coisa. Não há diretor melhor que Moss Hart. Não temos pressa para estrear a peça. Esperemos por ele. Mas eu detestava confrontos. Desde pequeno que, por ter ouvido as amargas discussões entre Natalie e Otto, fugia sempre às discussões. Assim, concordei:
- Como queiram.
Foi um dos maiores erros da minha vida. Verificou-se que Ethel Linder Reiner era uma diletante. Não percebia nada da Broadway, nem de Hollywood. Quando a apresentei a William Wyler, que ia realizar o filme, o comentário dela foi: “Adorei o Sunset Boulevard”, um clássico que, claro, fora dirigido pelo Billy Wilder.
Começamos a fazer os testes para a peça. Ela escolheu Inger Stevens, uma jovem e belíssima actriz que fizera alguns programas de televisão, Robert Sterling e Julia Meade. O director era o David Pressman, que tinha muito pouca experiência. Como dramaturgo da peça, eu tinha o direito de aprovar o diretor e os atores, mas eu não queria criar ondas. Inger Stevens e Robert Sterling voaram para Nova Iorque e os ensaios começaram.
William Wyler telefonou-me.
- Sidney, estamos com um problema. Respirei fundo.
- O que foi que aconteceu?
- A Audrey Hepburn e a Shirley MacLaine leram a tua peça. Ambas querem fazer o filme.
- Willie... que todos os problemas sejam esses!
A peça começa com uma belíssima médium que vai a Nova Iorque porque viu na capa da revista Time a fotografia do homem com quem se vai casar. Ele é um cientista que está noivo da filha de um senador. As complicações começam. O Exército não ficou nada satisfeito com o facto de um cientista andar metido com uma mulher que afirma ser médium.
Os ensaios correram bem. A peça estreou fora da cidade e as críticas podiam ter sido escritas pela Natalie.
Em Filadélfia: “A alegre comédia de Sidney Sheldon é uma fonte de deleite puro. Hilariante...”.
Em New Haven, ”Roman Candlede Sidney Sheldon foi responsável por inúmeras gargalhadas no Schubert Theatre ontem à noite...”
TheJournalEvenning, de Wilmington, no Delaware: ”Roman Candle é a mais encantadora comédia sobre as forças armadas desde No Time for Sargeants...”
John Chapman: ”Roman Candle é uma farsa alegre e cheia de anedotas sobre as nossas forças armadas e uma bela médium.”
Em todos os teatros em que atuamos, as paredes ressoavam com as gargalhadas dos espectadores.
- Esta peça vai estar anos em cena. Comentou a Audrey.
Tentei controlar o meu entusiasmo. Em todas as cidades em que atuamos recebemos excelentes críticas. Continuei a trabalhar na peça, a melhorá-la, a afiná-la. As cenas funcionavam maravilhosamente. Estávamos quase prontos para ir para Nova Iorque. Todos estavam entusiasmados e com razão. Tínhamos uma peça que as audiências adoravam. Estava na hora de estrear em Manhattan. Tínhamos conseguido o Cort Theatre, que era perfeito para a peça. As brilhantes críticas das outras cidades tinham-nos precedido. As páginas culturais dos jornais de Nova Iorque estavam cheias de fotografias do elenco e de artigos a proclamar-nos como um estrondoso sucesso. Os telegramas de felicitações choviam da família, dos amigos, da Broadway e de Hollywood. Todos estavam excitados. Começamos a fazer apostas.
- Aposto que vai estar em cena dois anos. Dizia o produtor.
- Com as tournées pode estar três anos, talvez até mesmo quatro. Comentou Audrey.
Viraram-se para mim. Eu já recebera demasiadas lições bem amargas.
- Há muito tempo que deixei de apostar no teatro. Foi a minha resposta.
A noite de estréia correu bem e a audiência apreciou o espetáculo. Ao fim da noite lemos as primeiras críticas.
New York Times: “Tem menos graça que uma corrida de bicicletas de seis dias...”
Variety: “As personagens são espantosamente descoloridas.”
New York Hemld Tribune: “Não fique com a impressão de que o espetáculo é pretensioso. Não é. Romam Candleé uma peçazinha sem interesse, modesta e teimosa.”
QMagazine: “Os actores tornam o palco do Cort Theatre mais vivo e mais excitante do que o guião permite.”
Afeal York Daily News: “A trama de Roman Candle avança, mas não consegue manter o ritmo.”
Um especialista disse um dia que um crítico é alguém que espera que estréie uma peça com problemas para lhe dar um tiro e a abater.
Roman Candle saiu de cena ao fim de cinco espetáculos.
Pouco depois de termos saído de cena, Lerner e Loewe puseram em produção o seu espetáculo sobre uma médium. Chamava-se On a Clear Day You Can See Forever.
Foi um êxito.
O meu agente telefonou-me de Hollywood.
- Lamento muito isto da peça.
- Também eu.
- Receio ter más notícias para ti.
Pensei que estas eram as más notícias.
- Há mais. Wiliam Wyler decidiu que não vai realizar o filme. Este foi o golpe final.
Era muito fácil quase ter um êxito na Broadway.
CAPÍTULO 28
Um dia, deu-se um incêndio numa ravina perto de nossa casa. Se o fogo se espalhasse, dúzias de casas seriam destruídas. Um bombeiro apareceu à nossa porta.
- O fogo está a avançar muito depressa. Comecem a evacuar.
Jorja correu ajuntar as coisas de que precisava, eu peguei em Mary, que na altura estava com cinco anos e levei-a rapidamente para o carro. Tinha de decidir o que ia levar comigo. No escritório tinha uma coleção de prêmios, uma prateleira cheia de primeiras edições de livros, papéis de pesquisas, roupas de desporto e os meus tacos de golfe favoritos. Mas havia algo muito mais importante para eu levar.
Corri para casa, agarrei num punhado de canetas e em meia dúzia de blocos de papel amarelo que podia perfeitamente comprar numa loja qualquer por três vinténs porque, algures dentro de mim, pensei que talvez tivéssemos de passar algumas semanas num hotel e soube instintivamente que não podia interromper a minha escrita. Foi tudo o que tirei de casa.
- Estou pronto.
Felizmente, os bombeiros conseguiram controlar o fogo e a nossa casa nada sofreu.
Ouvi uma voz conhecida ao telefone.
- Os críticos estão doidos. Li o argumento de Roman Candle e adorei. Era Don Hartman.
- Obrigado, Don. É muito simpático. Não mandem flores.
- Tenho um projeto que quero que escreva para mim. Chama-se Al´s in a Night Work. O Dean Martin e a Shirley MacLaine são os artistas principais. O Hal Wallis vai produzir. O argumento é bom mas tem de ser rescrito para as nossas estrelas.
Eu gostei muito de trabalhar com Dean.
- Ótimo. Quando é que pode começar?
- Infelizmente, não posso começar já. Preciso pelo menos de uns quinze minutos.
Ele riu.
- Vou falar com o seu agente.
Era bom estar de volta à Paramount. Proporcionara-me excelentes recordações. Continuava a haver uma série de caras conhecidas, produtores, realizadores, escritores, secretárias. Sentia-me como se tivesse regressado a casa.
Tive uma reunião com Hal Wallis. Conhecera-o a nível social, mas nunca trabalhara com ele. Ele produzira uma série de filmes de prestígio, entre eles Littk Caesar, The Rainmaker, lama Fugitive from a Chain Gange The Rose Tattoo. Hal era baixo, de constituição compacta e com ar sério. Já nos setenta anos, estava mais ativo do que nunca.
Quando entrei no seu gabinete, ele ergueu-se:
- Pedi-o expressamente a si porque acho que este filme é o seu gênero.
- Estou ansioso por começar a trabalhar.
Discutimos o filme e ele contou-me a sua visão. Quando me vinha embora, ele disse:
- A propósito, li o Roman Candle. É uma excelente peça. Tarde de mais, Hal
- Obrigado.
Estava na hora de voltar ao trabalho.
Edmund Beloin e Maurice Richlin tinham escrito o argumento e era excelente, mas Don tinha razão. Precisava ser moldado para Dean e Shirley. Eles eram personalidades tão distintas que a adaptação seria fácil, e comecei a escrever.
Uma noite, quando regressava a casa vindo do estúdio, Jorja estava à minha espera com um enorme ramo de flores. Tinha um ar de satisfação.
- Feliz dia do Pai. Olhei para ela, espantado.
- Mas... hoje não é...
Mas logo percebi onde ela queria chegar. Tomei-a nos braços e abracei-a.
- Queres um menino ou uma menina? Perguntou.
- Dois de cada.
- Pois, para ti É fácil dizer. Abracei-a com mais força.
- Querida, isso não interessa. Vamos só esperar que o bebê seja tão maravilhoso como Mary.
- Mary tinha cinco anos. Como se sentiria ela com um irmão ou uma irmã?
- Dizes-lhe tu ou digo-lhe eu?
- Já lhe disse.
- E como foi que reagiu?
- Bom, respondeu que estava muito contente, mas, uns minutos depois, vi-a a contar os passos entre o nosso quarto e o quarto dela e os passos do nosso quarto ao quarto que vai ser do bebé.
Ri.
- Ela vai adorar ser irmã mais velha.
- Que nome vamos dar ao bebê? Perguntei.
- Se for rapariga, gostaria de lhe chamar Alexandra.
- É um nome bonito. Se for um rapaz, chamamos-lhe Alexandre. Significa defensor da humanidade.
- Parece-me bem. Respondeu Jorja a sorrir. Conversamos toda a noite sobre os nossos planos para Mary e o bebê. De manhã, estava exausto, mas feliz. Incrivelmente feliz.
O argumento para Al in a Night’s Work corria bem. Conversei várias vezes com Hal Wallis e os comentários dele ajudaram bastante. Os cenários estavam a ser construídos e foi contatado um realizador chamado Joseph Anthony.
Cliff Robertson e Charles Ruggles foram acrescentados ao elenco. Embora já tivesse trabalhado antes com Dean, nunca conhecera Shirley MacLaine. Só sabia que era uma atriz cheia de talento e que acreditava que já tinha vivido vidas anteriores. Talvez fosse verdade. Mas, quando a conheci nesta sua vida atual, revelou-se uma ruiva cheia de dinamismo com uma extraordinária energia.
- Sidney Sheldon.
Ela olhou-me atentamente.
- Shirley MacLaine. Tenho muito gosto em conhecê-lo, Sidney.
Interroguei-me se nos teríamos conhecido numa vida prévia. Assim que me viu, Dean sorriu.
- Ainda não se fartou de mim?
- Nunca.
Dean não mudara em nada. Era o mesmo homem descontraído e de trato fácil que eu conhecera, completamente intocado pelo seu estatuto de estrela.
Depois de se terem separado, Jerry fez mais quarenta filmes e dedicou-se a angariar dinheiro para crianças com distrofia muscular. Dean continuou a fazer filmes e entrou em programas de televisão de sucesso.
A televisão adequava-se perfeitamente ao estilo de vida de Dean. O seu contrato com a cadeia de televisão dizia que ele não precisava ensaiar. Dean entrava, fazia o programa e desejava as boas noites. E o programa era um sucesso.
Eu e Jorja dávamos jantares e éramos convidados. De forma a não emular a tendência de Otto para usar os seus amigos, eu exagerava em fazer exatamente o oposto e, sem querer, acabava por magoar pessoas maravilhosas. Eddie Lasker era o herdeiro da fabulosa agência de publicidade Lord &Thomas. A mulher, Jane Greer, era uma bela e bem sucedida atriz. Convidavam-nos frequentemente para casa deles e as festas que davam eram suntuosas. Jorja e eu gostávamos muito de estar com eles.
Uma noite, Eddie disse:
- Nós divertimo-nos tanto juntos, porque é que não marcamos um encontro para todas as semanas?
E eu pensei: Eu não tenho dinheiro para festas tão caras como estas. Estaria a aproveitar-me deles. Por isso respondi:
- Eddie, vamos nos encontrar sempre que for possível, está bem? Vi na cara dele que ficara magoado.
Outro casal de quem gostávamos muito era Arthur Hornblow e a mulher, Lenore. Ele era um produtor de sucesso.
- Tenho um projecto que penso que vais gostar. Disse Arthur certo dia.
Ele é bem sucedido e eu preciso de um emprego, mas não me quero aproveitar. Assim, respondi:
- Arthur, vamos manter as coisas num nível social, está bem? E eu perdi um amigo.
Al in a Night’s Work estava terminado e pouco tempo depois Jorja estava pronta para dar à luz o nosso segundo bebé. Desta vez, eu estava preparado. Sabia onde era o hospital e partimos cedo para que não houvesse correrias de última hora. Deram-nos um quarto e agora não havia mais nada a fazer senão esperar pela chegada do nosso menino ou menina. Não importava o que viesse.
O obstetra, o doutor Blake Watson, já estava no hospital.
À uma da manhã, a Alexandra chegou. Eu estava à espera do lado de fora da sala de partos quando o doutor Watson e duas enfermeiras apareceram, apressados. O Doutor Watson tinha o bebé nos braços, embrulhado num cobertor.
- Doutor, como está...?
Ele passou apressadamente por mim. Entrei em pânico. Um momento mais tarde, Jorja surgiu numa cama com rodas vinda da sala de partos para ser levada para o quarto. Parecia muito pálida.
- Está tudo bem? Perguntou. Peguei-lhe na mão.
- Está tudo bem. Já vou ter contigo.
E fiquei a olhar enquanto a levavam pelo corredor fora. Em seguida, apressei-me à procura do doutor Watson.
Quando passei em frente da unidade de cuidados intensivos de recém-nascidos, vi-o através da janela. Ele e outros médicos estavam em volta de um berço em acesa discussão. O meu coração começou a bater descompassadamente. Eu queria entrar na sala, mas obriguei-me a esperar. Quando o doutor Watson olhou para cima e me viu, disse qualquer coisa aos colegas. Todos se viraram e olharam para mim. Eu estava com dificuldade em respirar. O doutor Watson saiu para o corredor.
- O que é que se passa? - Perguntei - O que é... o que é que está errado? Eu mal conseguia falar.
- Receio que tenha más notícias para si, senhor Sheldon.
- O bebê morreu!
- Não. Mas... - Ele estava com dificuldade em falar - O seu bebê nasceu com espinha bífida.
Eu queria abaná-lo.
- E o que é isso? Explique-me isso em inglês.
- A espinha bífida é um defeito congênito. Durante os primeiros meses da gravidez, a espinha não fecha adequadamente. Quando o bebê nasce, só tem uma fina camada de pele sobre a espinha. A espinal medula está muito protuberante pelas costas. É uma das mais...
- Então, por amor de Deus, trate disso! Eu estava a gritar.
- Não é assim tão simples. É preciso que um especialista...
- Então mande vir os especialistas. Está-me a ouvir? Já! Quero-os aqui já!
Eu gritava, completamente descontrolado. Ele olhou para mim por segundos, acenou com a cabeça e afastou-se apressadamente.
Tive de dar a notícia a Jorja. Foi provavelmente o momento mais difícil da minha vida.
Assim que entrei no quarto, ela olhou para a minha cara e perguntou:
- O que se passa?
Vai correr tudo bem - Garanti-lhe - A Alexandra nasceu com um... um problema. Mas já vêm uns especialistas a caminho para tratar disso. Tudo se vai arranjar.
As quatro da manhã chegaram dois médicos e o doutor Watson levou-os à unidade de cuidados intensivos. Eu fiquei lá fora durante um bocado a olhar os rostos deles, a rezar para que acenassem com a cabeça, que sorrissem para me acalmar. Por fim, não aguentei mais. Voltei para perto de Jorja. Sentei-me com ela e ali ficamos à espera, em silêncio.
Meia hora mais tarde, o doutor Watson entrou. Olhou para Jorja e para mim durante uns segundos e disse pausadamente:
- Dois dos maiores especialistas em tratamento de espinha bífida examinaram sua bebê. Concordaram que existem poucas probabilidades de ela sobreviver. Se o fizer, provavelmente terá hidrocefalia, uma acumulação de líquido no cérebro.
Cada palavra dele era como um martelo.
- Terá também problemas de bexiga e de intestinos. A espinha bífida é uma deficiência congênita permanente.
- Mas é possível que ela viva? Perguntei.
- Sim, mas...
- Então nós levamo-la para casa. Vamos ter enfermeira vinte e quatro horas e todo o equipamento...
- Senhor Sheldon, não. Ela precisa ser colocada num centro de cuidados onde estão habituados a lidar com este problema. Recomendamos um local perto de Pomona, onde lidam com estes casos.
Jorja e eu olhamos um para o outro.
- Isso quer dizer que a podemos visitar. Disse a Jorja.
- Seria melhor que não o fizessem. Demorou um bocado até percebermos.
- Quer dizer que...
- Ela vai morrer. Lamento muito. A única coisa que vos resta é rezar.
Como é que uma pessoa reza para que o filho morra?
Li tudo o que encontrei em revistas de medicina sobre espinha bífida. O prognóstico não era bom. Quando Mary perguntou onde estava a Alexandra, respondemos que estava doente e que não podia vir ainda para casa.
Eu não conseguia dormir. Tinha visões de Alexandra deitada num berço cheia de dores, num lugar desconhecido sem ninguém para lhe pegar ao colo, ninguém para amá-la. Acordei várias vezes a meio da noite e encontrava Jorja no quarto vazio do bebê, a chorar. Mas havia esperança. Os registros mostravam que algumas crianças com espinha bífida viviam até à idade adulta. Alexandra precisaria de cuidados especiais, mas nós podíamos dar-lhos, íamos tentar tudo. O doutor Watson estava errado. Os milagres clínicos aconteciam todos os dias.
Quando apanhava um artigo sobre um medicamento miraculoso, mostrava-o a Jorja.
- Olha. Isto ontem nem sequer estava no mercado. Agora vai salvar milhares de vidas.
E Jorja procurava artigos sobre descobertas médicas.
- Aqui diz que há novas descobertas científicas prestes a mudar a face da medicina. Não há nenhuma razão que impeça que descubram alguma coisa que salve o nosso bebé.
- Podes crer. Ela tem os nossos genes. É uma sobrevivente. Só precisa de aguentar durante algum tempo. Hesitei e acrescentei: Acho que a devemos trazer para casa.
Os olhos de Jorja estavam rasos de lágrimas.
- Concordo contigo.
Vou ligar ao doutor Watson logo de manhã. E apanhei-o no consultório.
- Doutor Watson, eu queria falar consigo sobre a Alexandra. Eu e a Jorja pensamos que...
- Senhor Sheldon, eu ia agora mesmo ligar-lhe. A Alexandra morreu esta noite.
Se existe um inferno na terra, ele existe para um pai que perde um filho. É uma dor inexplicável que nunca desaparece completamente. Não conseguíamos parar de pensar em Alexandra e Mary a crescerem juntas, com uma vida maravilhosa e feliz, protegidas pelo nosso amor.
Mas Alexandra nunca veria um pôr do sol, nem passearia por um maravilhoso jardim. Nunca veria o voo de uma ave nem sentiria a quente brisa de verão. Nunca saborearia um cone de gelado, nem apreciaria um filme ou uma peça de teatro. Nunca usaria um vestido bonito, nem guiaria um automóvel. Nunca conheceria a alegria de se apaixonar, nem de ter uma família. Nunca, nunca, nunca.
Diz-se que, à medida que o tempo passa, a dor diminui. A nossa dor aumentava. As nossas vidas estavam num limbo. O único conforto que tínhamos era Mary, e a Jorja e eu demos por nós a sermos ridiculamente protetores.
Um dia, perguntei-lhe:
- Que acha de adotarmos uma criança?
- Não, ainda não.
Uns dias mais tarde, ela chegou junto de mim e disse:
- Se calhar deveríamos. A Mary precisa de um irmão.
Falamos com o doutor Watson sobre adotarmos uma criança. Ele acabara de ser abordado por uma estudante universitária que estava grávida e que rompera a ligação com o namorado. Queria entregar o bebê para adoção.
- A mãe do bebê é inteligente e atraente e vem de um bom ambiente familiar. Acho que dificilmente encontrariam melhor. Comentou.
Jorja, a nossa filha de seis anos e eu reunimos numa conferência de família.
- Tu tens o voto decisivo. Gostarias de ter um irmão ou irmã? Perguntamos.
Ela pensou por um momento.
- Não vai morrer, pois não?
Eu e Jorja olhamos um para o outro:
- Não, não vai morrer. Ela acenou com a cabeça.
- Então, está bem. E ficou combinado. Tratei da parte financeira.
Três semanas mais tarde, à meia noite, o doutor Watson ligou:
- Vocês têm uma menina saudável.
A chamamos de Elizabeth April, e o nome assentava-lhe que nem uma luva. Era maravilhosa, saudável, de olhos castanhos. Eu achava que ela tinha um sorriso fantástico, mas Jorja informou-me que deviam ser gases.
Assim que nos foi permitido, levamos Elizabeth April para casa e a vida recomeçou. Eu e Jorja começamos a sonhar e a planear para ela o que planeáramos para Alexandra. No que nos dizia respeito, Elizabeth April era da nossa carne e sangue, uma parte das nossas vidas, íamos mandá-la para as melhores escolas e deixá-la escolher a carreira que quisesse. Mary adorava-a.
Demos a Elizabeth os maravilhosos fatinhos que tínhamos comprado para Alexandra. Compramos pincéis e um cavalete, para o caso de ela ter uma inclinação para artista. As lições de piano viriam depois.
À medida que os meses passavam, era óbvio que Elizabeth April adorava a sua irmã mais velha. Sempre que esta se aproximava do berço, Elizabeth April soltava risinhos. Iam crescer juntas e amar-se.
Quando faltava uma semana para Elizabeth April fazer seis meses, o doutor Watson telefonou.
- Doutor, fez uma excelente escolha. Nunca vi um bebê tão feliz. Não tenho palavras para lhe expressar a nossa gratidão.
Fez-se um longo silêncio.
- Senhor Sheldon, acabei de receber um telefonema da mãe do bebê. Ela quer a filha de volta.
O meu sangue gelou.
- De que raio está para aí a falar? Nós adotamos a Elizabeth April e...
- Infelizmente, há uma lei neste estado que diz que a mãe que dá um filho para adoção pode mudar de idéias nos primeiros seis meses. A mãe e o pai da bebê decidiram casar e ficar com a filha.
Quando dei as notícias a Jorja, ela ficou pálida, e pensei que ia desmaiar.
- Eles... eles... eles não nos podem tirar o nosso bebê... Mas a verdade é que podiam.
Elizabeth April foi levada no dia seguinte. Eu e Jorja não podíamos acreditar no que estava a acontecer.
Mary soluçava e, por entre lágrimas, disse:
- Ela foi boa enquanto durou.
Não sei muito bem como conseguimos superar a terrível dor dos meses que se seguiram, mas de alguma forma lá o fizemos. Encontramos apoio na Igreja da Ciência Religiosa, uma não denominacional combinação racional de religião e ciência. A sua filosofia de paz e de bondade era exatamente aquilo de que precisávamos. Fizemos vários cursos gerais durante um ano e depois mais um segundo. Foi uma extraordinária experiência de conciliação. Continuamos a sentir o vazio nas nossas vidas, mas, preparados ou não, a vida continua.
CAPÍTULO 29
Perguntou-se uma vez ao famoso letrista Sammy Gahn o que vinha primeiro, a música ou a letra. A resposta dele foi:
“Nem uma nem outra. Primeiro vem o telefonema.” O telefonema veio de Joe Pasternak.
- Sidney, a MGM acabou de me comprar o Jumbo. Queremos que escrevas o argumento. Estás disponível?
Eu estava disponível. Jumbo, de Billy Rose, estreou na Broadway em 1935. Billy Rose, um dos principais produtores da Broadway, não era pessoa para fazer as coisas de forma discreta. Instalara-se no imenso Hippodrome Theatre, na rua Quarenta e Três, e recriara uma enorme tenda de circo, com os espectadores a olharem para baixo, para a ”arena”. Jimmy Durante e Paul Whiteman entravam no espetáculo, Ben Hecht e Charley MacArthur escreveram o guião, Rodgers e Hart fizeram a banda sonora e George Abbot dirigira. A creme de la creme em todos os sentidos.
Quando o espetáculo estreou, as críticas foram excelentes, mas havia um problema.
A produção era tão cara que era impossível pagar os custos, quanto mais ter lucro. Saiu de cena ao fim de cinco meses.
Já se tinham passado perto de dez anos desde que eu estivera na MGM, mas parecia-me que tudo estava na mesma. Depressa saberia como estava enganado.
Joe Pasternak não mudara em nada. Continuava com a mesma maravilhosa exuberância.
- Já contratei a Doris Day, a Martha Raye e o Jimmy Durante. Para conseguir a Doris tive de pôr o marido dela, o Marty Melcher, como produtor. O teu velho amigo, Chuck Walters, vai dirigir.
Eram boas notícias. Não via Chuck desde que trabalhamos no Easter Parade.
- E quem vai ter o papel masculino principal? Pasternak hesitou.
- Ainda não temos ninguém, mas há um ator que está a representar o Camelot na Broadway que parece ideal para o papel.
- Como é que se chama?
- Richard Burton. Quero que vás com o Walters a Nova Iorque e o vejam.
- Com todo o prazer.
Foi nesse dia, quando entrei na cantina para almoçar, que tive um choque. Pauline, a mesma empregada, continuava lá a trabalhar. Nos cumprimentamos e, quando ela me indicou uma mesa, perguntei:
- Qual é a mesa dos escritores?
- Não há mesa dos escritores.
- Muito bem. Então vamos dar início a uma. Ela olhou para mim por momentos.
- Senhor Sheldon, receio que se vá sentir muito sozinho. O senhor é o único escritor aqui dentro.
De cento e cinquenta escritores para ”O senhor é o único escritor aqui dentro”. Demonstrava bem como Hollywood se alterara nos últimos dez anos.
Passei os dias que se seguiram a trabalhar numa linha para adaptar a história de Jumbo ao cinema. Na sexta-feira, Charles Walters e eu voamos até Nova Iorque para ver Richard Burton em Camelot.
Era uma gigantesca produção com Julie Andrews e Robert Goulet. A direção era de Moss Hart. Burton era brilhante.
O estúdio tratara de tudo para que ceássemos com Burton depois do espetáculo. Quando ele chegou ao Sardi’s, já lá estávamos à espera. Era maior do que a vida aberto, gregário, cheio do encanto galês. Era culto, inteligente e tinha uma mente viva. Não era uma grande estrela, mas em breve o seria.
Como eu não tivera tempo para escrever as linhas gerais da minha história, disse:
- Ainda não tenho nada em papel, mas gostava de lhe poder contar a história.
- Adoro histórias. Avance. Respondeu ele a sorrir.
Jumbo era uma romântica história de amor, passada num ambiente de rivalidade entre dois circos. Assim que acabei de contar a história, Burton mostrou-se entusiasmado.
- Adoro. E adoraria trabalhar com a Doris Day. Ligue para o meu agente e diga-lhe para fazer o acordo. Pediu.
Eu e Chuck olhamos um para o outro. Tínhamos o nosso homem. Tudo estava a postos.
Na manhã seguinte, regressamos a Hollywood. Joe Pasternak disse a Benny Thau para fechar o negócio do Burton, Thau ligou para Hugh French, o agente de Burton em Hollywood, e marcou uma reunião.
Depois de trocarmos cumprimentos, Hugh French começou a falar:
- Richard telefonou-me. Gostou muito do projeto. Está ansioso por fazê-lo.
- Muito bem. Vamos tratar dos contratos.
- Por quanto? Perguntou Hugh French.
- Duzentos mil dólares. Foi o acordado no último filme dele.
- Nós queremos duzentos e cinquenta mil. Respondeu o agente. Thau, que era um negociador duro, mostrou-se indignado.
- E porque é que devemos dar-lhe um aumento? Ele não é assim tão importante. Este papel é uma oportunidade para ele.
- Benny, tenho de lhe dizer o seguinte. Ele tem uma oferta para fazer outro filme. E esses estão dispostos a pagar os duzentos e cinquenta.
Muito bem. Eles que paguem. Nós arranjamos outro respondeu Thau teimosamente.
E foi assim que, em vez entrar em Jumbo, Richard Burton fez o Cleopatra, conheceu Elizabeth Taylor, apaixonou-se por ela e, juntos, criaram um excitante novo CAPÍTULO nos mexericos amorosos de Hollywood. A minha teoria é que se Thau tivesse pagado os cinquenta mil dólares a mais, Richard Burton teria feito o jumbo e ter-se-ia casado com Martha Raye.
Contratamos Stephen Boyd para o principal papel masculino e o filme estava pronto para iniciar as filmagens. O elenco era brilhante. Doris Day era perfeita para o papel de Kitty Wonder. Stephen Boyd era excelente e Martha Raye uma delícia. Mas o meu preferido era Jimmy Durante.
Durante começara como pianista. Abrira um clube noturno e criara um número com dois outros artistas, Jackson e Clayton. Quando decidiu trabalhar sozinho, manteve os seus dois anteriores parceiros na sua lista de pagamentos. Adorava contar histórias sobre o passado e jamais o ouvi dizer uma palavra menos agradável sobre quem quer que fosse.
O meu argumento foi aprovado e a produção iniciou-se. Durante as filmagens, tudo correu sobre rodas. Quando o filme estreou, Jumbo foi nomeado para o prêmio da Writers Guild para o melhor musical americano do ano.
Sam Weisbord, o meu agente, ligou-me.
- Sidney, acabamos de vender o Patty Duke à ABC:
Claro que eu conhecia aquele nome. Com doze anos, Patty Duke conseguira o papel de Helen Keller na peça Th eMiracle Workere conquistara a Broadway, e depois, com o filme, recebera um Oscar.
Sam prosseguiu:
- Já temos um horário. As quartas-feiras, oito da noite. Vamos chamar ao programa The Patty Duke Show. Está tudo a andar. Mas temos um problema.
- Não percebo. Se tudo funcionar, qual é o teu problema?
- É que não temos programa.
Eles tinham vendido só o nome de Patty Duke.
- Queremos que cries um.
- Lamento muito, Sam, mas a resposta é não.
No início dos anos sessenta, as pessoas que trabalhavam no cinema olhavam com desdém as que trabalhavam na televisão. Quando a televisão estava na sua infância, as estações de televisão foram aos estúdios e disseram: “Temos uma nova e espetacular forma de distribuição, mas não sabemos como criar entretenimento. Porque não nos tornamos sócios?”
A resposta era simples. Os estúdios tinham os seus próprios meios de distribuição. Chamavam-se salas de cinema e a maior parte dos estúdios possuía as suas próprias cadeias. Não lhes interessava envolver-se com uma tecnologia nova que consideravam uma moda passageira. Os estúdios eram tão anti-televisão que não permitiam sequer que as suas estrelas fossem vistas na televisão a assistirem a uma estreia.
Eu fora condicionado por esta atitude e lembrava-me da minha experiência com Desi, por isso foi natural para mim responder ”Lamento muito, Sam, mas não faço televisão.”
Fez-se uma pausa.
- Muito bem. Compreendo. Mas, só por delicadeza, importas-te de almoçar com a Patty Duke?
Não havia qualquer mal nisso. A verdade é que até tinha curiosidade em a conhecer.
Combinamos almoçar no Brown Derby. A Patty vinha acompanhada por quatro agentes do escritório da William Morris. Na altura tinha dezesseis anos, era mais baixinha do que eu a imaginara e muito vulnerável. Sentou-se a meu lado na nossa mesa.
- Tenho muito prazer em conhecê-lo, senhor Sheldon.
- E eu tenho muito prazer em conhecê-la, menina Duke.
Durante o almoço, fomos conversando e a timidez dela pareceu desaparecer, mas a vulnerabilidade permaneceu. Ela segurou na minha mão durante o almoço e era óbvio para mim que estava esfomeada por amor.
Patty vinha de uma família terrível. Assemelhava-se a um conto de Charles Dickens. A mãe era psicótica. O pai um bêbedo que abandonara a família. Aos sete anos, Patty fora viver com o seu empresário, John Ross, e Ethel, a mulher deste, que viviam num pobre apartamento. Patty nunca tivera uma família.
Antes do The Patty Duke Show, John Ross era um pequeno empresário que se debatia para sobreviver. A sua clientela era composta por pequenos atores. Entre eles havia um chamado Ray Duke.
Um dia, Duke chegou junto de Ross e perguntou-lhe se ele estava disposto a representar a sua irmã, Anna, que até a altura ainda não tivera nenhum papel como atriz. Ross conheceu a miúda de sete anos e concordou em representá-la.
Uns meses mais tarde, quando a vida em casa de Anna se tornou insuportável, os Ross concordaram que ela fosse viver com eles e imediatamente mudaram o seu nome para Patty. A ordem viera de Ethel Ross, que declarou: “A Anna Mane morreu. Agora se chama Patty.”
John Ross lera que uma peça chamada The Miracle Worker ia ser produzida na Broadway e decidiu que Patty Duke seria ideal para o papel de Helen Keller, uma menina cega, surda e muda. Preparou-a durante meses. Quando ela finalmente competiu contra uma centena de outras miúdas e ganhou o papel, as suas vidas mudaram completamente. No dia que se seguiu ao da estréia da peça, a sua jovem e desconhecida cliente tornara-se uma estrela da noite para o dia.
Ross começou a receber propostas de milhares de dólares por semana. Em vez de bater à porta dos produtores e de lhes pedir que contratasse a sua cliente, Ross começou a ser assediado por produtores, realizadores e executivos dos estúdios. Nem podia acreditar na sua boa estrela.
Quando o almoço acabou, apercebi-me de como ficara cativado por Patty. Achava-a irresistível.
- Gostaria de vir hoje à noite a minha casa e jantar comigo e com a minha mulher Jorja? Perguntei.
Ela ficou radiante.
- Com todo o gosto.
Jorja ficou tão encantada com ela quanto eu. Era esperta e viva e manteve-nos a rir durante toda a noite.
A certa altura, eu e a Jorja estávamos a conversar quando, de repente, me apercebi que Patty se levantara da mesa. Levantei-me e fui à procura dela. Estava na cozinha a lavar a louça. Foi isso que me fez tomar uma decisão.
- Patty, eu vou escrever um espetáculo para ti. Recebi um enorme abraço e ela disse-me baixinho:
- Muito obrigada.
Decidi que, se ia ter o meu nome num programa de televisão, queria poder ser eu a controlar a qualidade. Tive a minha primeira reunião com os produtores.
- Sidney, estamos encantados por aceitar fazer o programa.
- Muito obrigado.
- Além de ser o criador, será o editor da história e supervisionará os outros escritores.
- Eu não quero outros escritores. Ficaram a olhar para mim.
- Como?
- Se vou fazer este programa, quero ser eu a escrevê-lo.
- Sidney, isso é impossível. Temos uma encomenda para trinta e nove programas, um por semana.
- Tenho a intenção de escrever todos eles.
Eles olharam uns para os outros, horrorizados. Só mais tarde é que soube porquê. Ninguém no mundo da televisão jamais escrevera todos os guiões para uma comédia de meia hora.
- Isto é negociável?
- Não! Respondi.
- Muito bem. Está contratado.
Só muitos meses depois descobri que, no dia em que assinei o contrato, eles tinham contratado quatro outros escritores para escreverem os guiões, para, no caso de eu um dia chegar junto deles e dizer que não tinha nenhum guião para a semana seguinte eles poderem dar-me os outros e dizer ”Aqui tem”.
Como Patty era menor de idade e as leis no estado da Califórnia sobre o trabalho infantil eram muito severas, decidimos filmar o programa em Nova Iorque, onde os jovens podem trabalhar tantas horas quantas o produtor entender.
Jorja, Mary e eu nos mudamos para Nova Iorque.
Criar um espetáculo de televisão para Patty Duke era um desafio, porque ela era tão extraordinariamente talentosa que eu não queria desperdiçar as suas capacidades. Resolvi optar por pô-la a representar dois papéis, o de duas irmãs gêmeas. Uma viva e animada rapariga de Nova Iorque, a outra mais calma e bem comportada, da Escócia, que tinha sido separada da irmã à nascença.
Bill Asher foi contratado para produzir e realizar e sugeriu que fizéssemos delas primas em vez de irmãs, para explicar o facto de viverem a tão grande distância uma da outra. Por mim estava perfeito.
The Patty Duke Show foi produzido num velho estúdio de televisão na rua Vinte e Seis, a doze quarteirões do teatro onde trabalhei como arrumador e anunciante. Não era a vizinhança ideal. Um dia, contratamos uma secretária que começava a trabalhar às nove da manhã. Às dez, uma enorme ratazana passou a correr sobre o pé dela. Ao meio dia, ela foi abordada quando ia almoçar e à uma da tarde demitiu-se.
Eu já tinha escrito meia dúzia de programas adiantados. Estava na altura de começar o casting. Tivemos sorte.
O estúdio contratou Wiliam Schallert para o papel de pai da Patty, Jean Byron para fazer de mãe, Paul CTKeefe para o papel de irmão e Eddie Aplegate para o pretendente de Patty.
No primeiro dia de produção, Patty deu início a um ritual que persistiu até ao final do programa. Todas as manhãs, antes das filmagens começarem, toda a equipe e o elenco alinhavam-se e cantavam: “Bom dia pra você. Bom dia pra você. Estamos todos prontos, com sorrisos de felicidade.”
Era interessante ver os membros da equipe, pessoas batidas, de barba por fazer, a maior parte em t-shirts, todos alinhados e a cantarem esta canção infantil. A Patty parecia ser uma das estrelas mais felizes da televisão. Só três anos mais tarde é que fiquei a conhecer a verdade.
Corre-se um enorme risco quando um ator representa dois papéis. Se os espectadores não conseguirem perceber qual delas é que está em cena, a confusão pode ser fatal. Para evitar que isso acontecesse, vestimos Patty com roupas informais e fizemos as de Cathy muito mais formais. Para garantir que não havia mesmo lugar a qualquer confusão, dei a Patty diálogos e atitudes próprias de uma jovem ativa e extrovertida, e a Cathy diálogos muito mais reservados e polidos.
Quando vi as filmagens do primeiro dia, percebi que todas as precauções tinham sido desnecessárias. Patty não dependia das roupas nem dos diálogos. Ela tornava-se cada uma das personagens.
Eu estava com um problema com a estação de televisão. Tinham contratado um jovem ambicioso, a quem chamarei Todd, para estabelecer a ligação com a ABC. Todas as segundas-feiras de manhã, ele vinha ao meu gabinete e o seu cumprimento era sempre o mesmo:
- Li o seu último guião. É péssimo. Está a criar um desastre para a estação.
A última gota veio quando estávamos no estúdio de gravação de som a gravar a música para o primeiro programa. O estúdio contratara o talentoso e premiado pela Academia Sid Ramin para compor e fazer as adaptações. Quando a primeira música foi gravada, eu e ele estávamos a conversar a um canto do estúdio. Olhei e vi que Todd se aproximava apressadamente de nós. Ele parou em frente do Sid e disse bem alto:
- A sua música é a única coisa boa deste programa. Nessa noite, liguei para um dos executivos da estação. Na manhã seguinte, Todd desaparecera da minha vida.
CAPÍTULO 30
Quando John Ross fez o acordo para Patty protagonizar a série de televisão, arranjou forma de ser incluído na lista de pagamentos como produtor associado. Quando lhe perguntaram quais eram as suas funções, ele foi vago.
Os produtores disseram:
- A função dele é manter Patty feliz e não perturbar o trabalho de ninguém.
Um dia, Ross entrou pelo meu gabinete quase a chorar.
- O que se passa? - Perguntei- O que foi que aconteceu?
- A revista Life vem hoje ao estúdio para fazer a cobertura do ensaio.
- E isso é bom, não é?
- Não. - Ele tentava conter as lágrimas - Agora a revista Life descobrirá que não tenho uma secretária.
À medida que se aproximava a data de ida para o ar do Patty Duke Show, tivemos um problema. Bill Asher, o nosso produtor-realizador, era um homem que gostava de estar envolvido em vários projetos diferentes ao mesmo tempo. Como resultado, estava atrasado no nosso programa. Nenhum dos episódios estava acabado.
O Bill chegou e disse-me:
- Ed Scherick, o chefe da ABC, quer dar hoje uma vista de olhos ao nosso piloto. Não sei bem de qual deles é que vai gostar mais, se de ”The French Teacher” se o ”House Guest”.
Em ”The French Teacher” entrava o actor Jean-Pierre Aumont e Patty apaixonava-se por ele e fazia planos para o futuro como sua mulher. No ”House Guest”, uma tia excêntrica mudava-se para Lane e dava com todos em doidos.
- Passa os dois episódios para Scherick ver e deixa-o decidir de qual gosta mais.
- Muito bem. Concordei.
Na manhã seguinte, preparamos uma mostra para Scherick e vários outros executivos da ABC. Ele trouxera com ele a mulher e a irmã e todos foram apresentados de forma muito cordial.
As luzes apagaram-se e o episódio foi apresentado. ”The French Teacher” ainda não fora editado nem cortado porque Bill Asher andava sempre muito ocupado e vários efeitos especiais ainda não tinham sido incluídos. ”House Guest” ainda não foi editado nem cortado e vários dos efeitos especiais também não constavam. O efeito geral foi horrível.
Quando as luzes se acenderam, Scherick pôs-se de pé, olhou fixamente para mim e rosnou:
- Não quero saber qual deles vão apresentar primeiro.
E ele e os acompanhantes saíram a toda a velocidade da sala.
Fiquei ali sentado, sem forças. Talvez Todd tivesse razão.
A noite de estréia aproximava-se e precisávamos tomar uma decisão. Asher trabalhava agora dia e noite para terminar os dois episódios. Como a estação já não queria saber do programa, cabia-nos a nós decidir qual o primeiro a apresentar.
As coisas estavam tão caóticas que, na noite da estreia do The Patty Duke Show, ”The French Teacher” foi para o ar na costa oeste e ”House Guest” na costa leste.
Na manhã de quarta-feira, dia em que o programa devia ir para o ar, atravessava o átrio do estúdio quando Eddie Aplegate apareceu a correr. Dirigiu-se a uma cabina pública, remexeu nos bolsos e virou-se para mim em pânico:
- Tens por acaso uma moeda?
- Claro. Que se passa? Perguntei enquanto tirava uma moeda do bolso.
- Tenho de ligar ao presidente.
- Ao presidente? Por que, Eddie?
- Porque acabei de saber que o programa em que eu entro vai para o ar na costa leste e os meus pais estão na costa oeste.
Levei algum tempo a perceber.
- Você quer pedir ao presidente da ABC que mude os programas para que os seus pais possam te ver?
- Quero.
Voltei a meter a moeda no bolso.
- Eddie, é natural que ele hoje esteja ocupado com outras coisas. Acho melhor desistires.
No dia seguinte, as críticas eram, na generalidade, favoráveis. Típico das críticas era o Hollywood Repórter.
Dizia: ”Este pode ser finalmente o programa de entretenimento que as adolescentes e os pais têm estado à espera... um cativante clique.”
Mais importante que tudo, as audiências foram maiores do que estávamos à espera. Ficamos entusiasmados.
No dia seguinte, o Daily Variety trazia um anúncio da ABC que ocupava duas páginas. Dizia: ”As meninas bonitas chegam primeiro. Sempre soubemos que Patty Duke ia ser um sucesso.”
Pois.
O primeiro ano de filmagens do The Patty Duke Show passou-se sem grandes problemas. Achei que seria boa idéia usar artistas convidados. A ideia funcionou bem. Escrevi guiões para Frankie Avalon, Troy Donahue, Sal Mineo e outros.
Durante um intervalo, eu e a Jorja decidimos levar Mary num cruzeiro. Como regra, quando estou a trabalhar num projeto e vou viajar, levo sempre comigo todos os guiões, para o caso de aparecer algum problema. Mas neste caso achei que não seria necessário. Todos os programas para o primeiro ano já tinham sido filmados.
Erro.
Uma manhã recebi um telegrama a bordo do navio, em que me pediam para ligar imediatamente para o estúdio. Não imaginava qual seria o problema.
Quando alguém da produção me atendeu, perguntei:
- O que é que se passa?
- Temos um minuto a menos no The Green-Eyed Monster, três minutos a menos no Pratice Mahes Perfect, dois no Simon Says e um minuto e meio no Patty, the Organizer. Precisamos que aumentes as cenas e precisamos disso rapidamente.
Agora, já sabia qual era o problema, só que não tinha solução para ele. Quando escrevo um argumento, concentro-me nele, mas, assim que o termino e passo ao seguinte, esqueço mais ou menos tudo sobre o primeiro. Como consequência, não fazia a mínima idéia do que tratavam os argumentos.
Voltei para a nossa cabina e expliquei a Jorja o que se passava.
- Não faço idéia do que vou fazer. Provavelmente terei de voltar para Nova Iorque e olhar para os argumentos para refrescar a memória.
Mary, o nosso gênio de oito anos, falou:
- Não, papá, não precisas. Eu lembro-me das histórias. E começou a contá-las cena a cena.
Nessa noite, pude mandar por telégrafo as novas páginas para o estúdio.
Perto do final do primeiro ano do The Patty Duke Show, recebi um telefonema de Hollywood.
- A Screen Gems quer que cries uma série para eles.
A Screen Gems era uma subsidiária da Columbia Pictures.
- Estás interessado?
- Claro que estou.
A minha atitude em relação à televisão mudara completamente.
- Querem que tenhas uma idéia para um programa e que te encontres com eles em Hollywood. Quando é que achas que o podes fazer?
- Que tal segunda-feira?
Eu tive uma idéia para um programa com um gênio. Sabia que já tinham sido feitos programas com gênios, mas eram sempre com um gigante, como Burl Ives, que saía de um frasco e dizia: “Que posso fazer por si, meu amo?”.
Pensei que seria engraçado substituir o gênio por uma bela e núbil jovem que dissesse: ”Que posso fazer por si, meu amo?” Foi este o projeto que criei para a Screeen Gems.
O meu agente levara o que eu dissera à letra e marcara uma reunião para segunda-feira na Screen Gems. Estávamos numa sexta. Sábado de manhã telefonei para uma secretária e comecei a ditar uma sinopse do argumento do gênio. No entanto, à medida que ia avançando, comecei a incluir mais diálogo e ângulos de câmara e, pouco depois, achei que o melhor mesmo era ditar o argumento completo. No sábado à noite estava pronto. Mesmo a tempo para correr para o aeroporto e apanhar o avião para Los Angeles.
A reunião na Screen Gems correu bem. Reuni-me com Jerry Hyams, um dos executivos principais, Chuck Fries e Jackie Cooper, um antigo ator infantil que era agora diretor da Screen Gems. Ficaram entusiasmados com a idéia.
- Que acha de ter a sua própria empresa e poder produzir aqui? Perguntou Jerry Hyams.
Pensei no The Patty Duke Show. Nunca ninguém me dissera que não podia fazer dois programas ao mesmo tempo.
- Não há problema. Respondi. O negócio foi fechado.
Quando regressei a Nova Iorque, tinha uma mensagem da Screen Gems à minha espera a dizer que já tinham feito negócio com a NBC para I Dream of Jeannie. Agora, ia passar a ter duas comédias semanais no ar. Comecei a viver entre as duas costas.
Jerry Hyams fez-me ver o piloto de um novo programa que estava prestes a ir para o ar. Adorei-o. Achei que era encantador e que seria um sucesso.
- Gostaria de produzi-lo? Perguntou.
Abanei a cabeça. Em vez de dizer que sim, que era o que eu queria fazer, respondi que não. De vez em quando, sem qualquer aviso, perderá o controle das suas palavras e dos seus atos.
Bewitched acabou por ser um estrondoso êxito.
Estávamos a filmar o The Patty Duke Show em Nova Iorque e íamos filmar I Dream of Jeannie em Hollywood. Como eu produzia Jeannie e estava muito envolvido, comecei a contratar alguns escritores para o The Patty Duke Show. Dei por mim praticamente todos os fins de semana a voar para Hollywood. Passava o tempo no avião a trabalhar nos argumentos do Patty Duke e três dias por semana preparava a Jeannie. O Beverly Hills Hotel tornou-se a minha casa longe de casa.
Numa dessas viagens à Califórnia foi o fim do mundo. Mort Werner, o dirigente da NBC, mandou-me chamar. Tinha um ar sombrio.
- Sheldon, tenho aqui um memorando do nosso departamento de padrões e costumes.
E atirou o papel na minha direção.
Assim que o comecei a ler, percebi imediatamente qual era o problema. A estação percebera que, naquela época de forte censura, tinham comprado um programa sobre uma jovem núbil e semi-nua, que vivia sozinha com um solteiro e perguntava constantemente “O que posso fazer por si, meu amo?” Entraram em pânico. O memorando tinha dezoito páginas e ordens do género:
Eles nunca se devem tocar.
Temos de ver Jeannie a ir para a sua garrafa dormir sozinha.
Temos de ver Tony a ir para a cama dormir sozinho.
Jeannie jamais deve entrar no quarto de Tony. Nunca deixar Tony entrar na garrafa de Jeannie.
E assim continuava durante dezoito páginas. Quando acabei de ler, Mort Werner perguntou:
- E o que é que vai fazer a este respeito? Esta estação não se pode dar ao luxo de apresentar um programa destes. A palavra ”cancelamento” pairava no ar.
Respirei fundo.
- Eu estou a fazer uma comédia. E não tenho qualquer intenção de torná-la titilante. Não haverá quaisquer alusões sexuais nem duplos sentidos.
Ele olhou para mim durante um bom bocado.
- Veremos. Barreira número um.
Barreira número dois: um memorando de um dos vice-presidentes da NBC:
”Discuti o seu guião piloto com várias pessoas do meu departamento criativo. Todos chegamos à conclusão que não vai resultar. É um programa de uma única piada, o que significa que vai durar pouco”.
Comecei a interrogar-me porque é que a estação o comprara. Mandei de volta a minha resposta:
”Têm razão. Jeannie é um programa de uma única piada e é exatamente por isso que resultará. I Love Lucy é um programa de uma única piada. The Beverly Hillibillies é um programa de uma única piada. The Honeymooners é um programa de uma única piada. O truque em todos estes programas consiste em variar de forma divertida a piada todas as semanas. Espero que a Jeannie dure tanto tempo quanto I Love Lucy, The Honeymooners e The Beverly Hillibilies.
Nunca mais me falaram do assunto.
Estava na hora de começarmos o casting. Para mim, esta era a pior parte de se ser produtor. Tinha dificuldade em dizer não a um ator que fazia o teste para o papel. Todos eles sentiam que cada audição seria finalmente a abertura que mereciam. Passavam a noite da véspera sem dormir, levantavam-se bem cedo de manhã, tomavam banho, vestiam-se com cuidado e tentavam ser otimistas.
Eu vou conseguir o papel.
Eu vou conseguir o papel.
Eu vou conseguir o papel.
E entravam na audição com mãos úmidas e sorrisos falsos.
O casting para o papel de Jeannie era de primordial importância, porque Jeannie tinha de ser sedutora sem ser obviamente sexy, e agradável com um toque de comicidade. Tivemos muita sorte, porque a primeira e última pessoa que vimos para o papel foi a Barbara Éden. Era perfeita.
Tinha um ar simpático e ingênuo que ia cativar as audiências, bem como um maravilhoso sentido de comediante. Barbara era casada com o ator Michael Ansara.
A segunda parte do casting era para o papel de Anthony Nelson, o seu amo astronauta. Testamos uma meia dúzia de atores antes de Larry Hagman aparecer. Hagman, filho de Mary Martin, uma estrela da Broadway, fizera em Nova Iorque uma telenovela chamada The Edge of Night e ainda não era conhecido. O teste com câmara foi brilhante e contratámo-lo imediatamente.
Precisávamos de um confidente para ele e fizemos testes a dúzias de atores. Escolhi um comediante de cabaré chamado Bill Daily que nunca atuara na televisão nem no cinema.
Tivemos longas discussões quanto aos realizadores. Norman Jewison, que mais tarde realizou o êxito The Russians are Corning, leu o meu argumento. Mandou o agente à Screen Gems para fazer o negócio, mas, quando o agente insistiu que Jewison recebesse uma percentagem do programa, tivemos de procurar outro realizador.
Gene Nelson, que entrara em filmes musicais na Warner Brothers e realizara The Andy Gríffith Show e outros programas de televisão, veio falar comigo. Passamos uma hora a conversar sobre o programa e senti que era a pessoa indicada. Foi contratado.
Mil novecentos e sessenta e cinco era o ano em que todos os programas da televisão passaram a ser a cores. Ou seja, todos os programas exceto I Dream of Jeannie. Perguntei a Jerry Hyams porque é que Jeannie não seria filmado a cores.
- Porque cada programa custaria mais quatrocentos dólares.
- Mas Jerry, este programa tem de ser a cores. Eu pago a diferença do meu bolso.
Ele olhou para mim e respondeu:
- Sidney, não seu dinheiro pela janela.
O que ele queria dizer é que ninguém estava à espera que Jeannie durasse mais do que o primeiro ano.
Em 1965, enquanto o estúdio preparava o piloto de Jeannie para ir para o ar, fui por uns dias a Nova Iorque para ver como iam as coisas no Patty Duke, que estava a terminar a segunda época.
John e Ethel estavam decididos a não permitir que nada os separasse da sua galinha dos ovos de ouro. Sempre que o The Patty Duke Show tinha um intervalo, levavam Patty de férias com eles. Tratavam de tudo para que ela jamais tivesse qualquer hipótese de conhecer um jovem. Sempre que ela era convidada para um acontecimento social ou de caridade, eles também iam e mantinham-na debaixo de olho. Estava virtualmente prisioneira deles.
Trabalhava no programa um assistente de realização com vinte e cinco anos, um jovem de bom aspecto e agradável, chamado Harry Falk. Quando os Ross perceberam que a Patty passava o tempo com ele no estúdio, tudo fizeram para que fosse imediatamente despedido. Patty ficou tristíssima, mas não disse nada.
Pouco tempo antes do seu aniversário, a companhia planeou uma festa para ela no estúdio. Patty veio ver-me ao meu gabinete.
- Sidney, queria pedir-lhe um favor.
- Com certeza, Patty. O que é que posso fazer por ti?
- Gostava de convidar Harry Falk para a minha festa de anos. Importa-se de fazê-lo por mim?
- Com todo o gosto.
No dia da festa, à tarde, Harry Falk apareceu no estúdio. John e Ethel ficaram visivelmente perturbados, mas Patty ignorou-os. Dirigiu-se a Falk para cumprimentá-lo e passaram juntos a maior parte do tempo. As repercussões não se fizeram esperar.
CAPÍTULO 31
Completamos o elenco de Jeannie com Hayden Rorke para o papel de psiquiatra e Barton MacLane como general Peterson.
Eu achava que o programa devia abrir com desenhos animados que contassem a história da descoberta de Jeannie por um astronauta. Um dos melhores animadores de Hollywood era Friz Freleng, mas trabalhara principalmente para o cinema e não fizera quase nada para a televisão. Mandei-lhe o guião do piloto e perguntei-lhe se estava interessado em fazer a animação da sequência de abertura. Ele estava e criou uma abertura maravilhosa.
Contratei Dick Wess, um compositor cheio de talento para escrever a música para a primeira época, mas, depois de ouvi-la, achei que não se adequava ao tipo de programa. Em vez disso, usei uma melodia alegre e suave escrita pelo Hugo Montenegro para tema de Jeannie.
A garrafa que escolhi como casa da Jeannie era uma garrafa de cristal para vinho da Jim Beam que pintamos em cores berrantes.
O primeiro dia de ensaios correu sobre rodas. Tivemos uma leitura do guião piloto com o elenco e com o nosso realizador, o Gene Nelson, e aproveitei para perguntar aos atores se precisavam de alguma alteração ou se estavam satisfeitos com os seus textos. Queria ter a certeza que todos estavam satisfeitos porque não queria improvisações quando começássemos a filmar. Estavam todos satisfeitos.
I Dream of Jeannie estava pronto para iniciar a sua magia.
De manhã, menos de uma hora depois da produção do piloto ter começado, a minha secretária disse:
- O senhor Nelson está a ligar do estúdio de gravação. Eu estava ansioso por ouvir as boas notícias.
- Gene...
- Eu demito-me. Arranje outro. Lamento. E ia a desligar.
- Ei! Espere! Espere lá! Estava em pânico. Não saia daí. Eu vou já para aí.
Três minutos depois, estava no estúdio. Chamei Gene à parte.
- O que foi que aconteceu?
- Nada. Esse é que é o problema. Não posso trabalhar com atores que não sabem o texto. Larry Hagman não sabe o texto e Bill Daily não sabe o texto dele, e...
- Deixe-se estar aqui. Eu estava furioso. Chamei Larry à parte.
- Como é que se atreve a vir para este estúdio no primeiro dia de filmagens sem saber o seu texto?
Ele olhou para mim, espantado.
- De que é que está a falar? Eu sei o meu texto.
- O realizador diz que não sabe.
- Bem, eu só resolvi aumentá-lo um pouco. Tive umas idéias e limitei-me a acrescentar umas coisas aqui e ali...
- Larry! Ouça-me com atenção. Nós temos um plano de trabalho extremamente apertado. Temos montes de páginas para filmar todos os dias. Você vai dizer o seu texto exactamente como está escrito. Percebeu?
Ele encolheu os ombros.
- OK, tudo bem. Chamei Bill Daily à parte.
- Que desculpa tem para não saber o seu texto?
- Desculpe, Sidney. Eu... eu nunca tive de aprender texto antes. Sempre trabalhei em clubes como o The Improv. Eu fazia um número de comédia... Respondeu ele.
- Isto não é o The Improv – Lancei - Se quer continuar neste programa, tem de aprender o seu texto de cor.
Ele engoliu em seco.
- Muito bem.
Voltei para junto de Gene Nelson.
- Gene, houve aqui uma pequena confusão. Creio que a partir daqui vai correr tudo bem. Gostava que ficasse no programa. Larry vai ser genial. Eu vou gravar o diálogo do Bill e mandá-lo ouvir no carro, para que o aprenda. Dá-lhes outra oportunidade?
- Vou tentar, mas... Respondeu depois de uma longa pausa.
- Muito obrigado.
A cena de abertura do piloto foi filmada em Zuma Beach, quarenta e cinco quilômetros a noroeste de Los Angeles. A cena iniciava-se com Larry como astronauta, perdido numa ilha deserta devido a problemas na sua nave espacial. Vê uma garrafa, destapa-a e encontra lá dentro um génio. Como ele a libertou, segundo as regras de um génio, é agora o seu amo. Ela faz aparecer um navio para salvá-lo e ele pensa que se viu livre dela, mas Jeannie não tem qualquer intenção de deixá-lo.
A cena correu bem, o dia também e estávamos todos satisfeitos.
No caminho de regresso ao estúdio, numa limusine da empresa, apercebi-me pela primeira vez da ambição de Larry Hagman. Paramos num sinal vermelho ao lado de uma viatura cheia de turistas. Larry abriu a janela e, em voz alta, gritou-lhes:
- Um dia, todos vão saber quem eu sou.
Larry tinha alguns problemas de ordem emocional com que lidar. A mãe, Mary Martin, era uma superestrela da Broadway, com quem ele tinha uma relação difícil. Ela estivera sempre muito ocupada com a sua carreira, por isso Larry fora criado no Texas por Ben, o pai.
Durante algum tempo, viveu com a avó materna e viajava frequentemente para Nova Iorque para visitar a mãe. Ele queria demonstrar-lhe que também podia ser uma estrela. Um dia, todos vão saber quem eu sou.
Quando o piloto estava pronto, mas ainda não fora para o ar, recebi um telefonema de Mary Martin.
- Sidney, gostava muito de poder ver o piloto. Há alguma hipótese de o ver?
- Claro.
Eu estava a caminho do leste para trabalhar no The Patty Duke Show, por isso arranjei as coisas para que o piloto de Jeannie lhe fosse mostrado em Nova Iorque.
Na sala de projeção estavam a Mary Martin, alguns executivos da Screen Gems e John Mitchell, o chefe de vendas da Screen Gems.
Antes da projecão começar, Mary Martin foi ter com John Mitchell, pegou-lhe na mão e disse:
- Ouvi dizer que é o melhor vendedor do mundo. Vi-o nitidamente a ficar mais alto.
- Ouvi tanto falar em si. - Continuava ela - Dizem que é um gênio.
John Mitchell tentou não corar.
- A Screen Gems tem muita sorte em tê-lo.
Ele mal conseguiu gaguejar as palavras:
- Muito obrigado, menina Martin.
A projeção começou. Quando o filme acabou, as luzes acenderam-se. Mary Martin virou-se para John Mitchell e disse:
- Qualquer um é capaz de vender isto. E vi o John a encolher.
A Jeannie estreou e recebeu críticas mistas. A maior parte dos críticos ignoraram o programa mas a audiência não. O programa teve, desde o início, espectadores fiéis, cujo número foi aumentando com o passar do tempo.
Decidi usar artistas convidados também nesta série. Farrah Fawcett fez um segmento, assim como Dick Van Patten, Richard Mulligan, Don Rickles e Milton Berle.
Escrevi um guião sobre uma cartomante vigarista, ao qual chamei Bigger than a Bread Box e Better than a Genie. Pedi a Jorja que fizesse o papel de cartomante. Estávamos na Primavera e Natalie vinha fazer-nos uma visita.
- Por que não pedes à Natalie para entrar no programa? Ela podia fazer o papel de uma das personagens da cena da sessão. Sugeriu.
Eu dei uma gargalhada.
- Acho que ela ia gostar.
Quando Natalie chegou, perguntei-lhe:
- Que é que achas de aparecer na televisão?
- Não me importava. Respondeu, descarada.
- A Jorja vai fazer o papel de uma cartomante e tu podias ser uma das personagens da sessão.
- Está bem. Concordou.
Estava muito calma em relação à sua estréia na televisão nacional.
Escrevi umas linhas de texto para Natalie ler e entreguei-lhas. Enquanto eu trabalhava no estúdio, a Jorja ensaiava com ela.
Na manhã seguinte fiz um teste a Queenie Smith, uma atriz maravilhosa. Decidi que ficaria ela com o texto da Natalie e escrevi outras linhas para lhe dar quando chegasse a casa à noite.
Ela leu-as e respondeu:
- Não. Fiquei intrigado.
- Não o quê?
- Eu não posso dizer isto.
- Porque não?
- Porque a minha personagem jamais diria uma coisa destas. Isto, vindo de uma mulher de setenta anos, que vendia vestidos em Chicago.
Ainda argumentei, mas não lhe consegui tirar o texto, por isso tive de escrever outro para a Quennie Smith.
A cena correu bem. Nesse episódio, o coronel Chuck Yeager fez o papel dele próprio. Natalie trabalhou tão bem que nunca ninguém suspeitou que não era uma atriz profissional.
Larry conhecera-a ao jantar, por isso, quando soube que ela ia entrar no programa, comentou a brincar:
- Ah! Será que vejo aqui um pouco de nepotismo?
- Tem razão, Larry. – Respondi - Para ser justo, quando a tua mãe vier cá, tenho todo o gosto em tê-la no programa.
A estação passara Jeannie de sábado à noite para segunda-feira. Era só o princípio. No ano seguinte passou para a terça. No outro ano para segunda e no seguinte para terça. Felizmente, a nossa audiência era suficientemente leal para nos procurar.
Mais tarde, depois de Natalie regressar a Chicago, Bigger than a Bread Box foi para o ar. No dia seguinte, ela ligou-me:
- Muito obrigado, querido.
- Por quê? Perguntei.
- Passei a manhã a receber telefonemas. Agora sou uma estrela.
Tínhamos filmado uma dúzia de episódios e o estúdio e a estação estava satisfeitos com eles. Um dia, estava jantando com Jorja em casa de uns amigos quando recebi um telefonema de Barbara Éden.
- Sidney, preciso falar consigo.
- Muito bem, Barbara. Estarei no estúdio amanhã de manhã e...
- Não. Tem de ser hoje à noite.
- Passa-se alguma coisa?
- Eu conto-lhe assim que o vir. Dei-lhe a morada.
Ela chegou uma hora depois. Levei-a para o escritório. Estava à beira das lágrimas.
- Vai ter de me substituir.
- Por quê? Perguntei, espantado.
- Estou grávida.
Levei um pouco a perceber.
- Parabéns.
- Lamento tanto estar-lhe a fazer isto.
- Você não me está a fazer nada. Continua no programa. Olhou, espantada, para mim.
- Mas... Como...?
- Não se preocupe. Eu vou arranjar uma solução. Respondi. Na manhã seguinte, chamei Gene Nelson ao meu gabinete.
- Gene, temos um problema.
- Já sei. A Barbara está grávida. O que vamos fazer?
- Vamos subir um pouco a câmara. Vamos filmá-la da cintura para cima, cobri-la com mais véus e filmar de longe. Havemos de nos arranjar. Não a quero substituir.
Ele ficou pensativo durante uns segundos.
- Nem eu.
E conseguimos terminar a série, filmando desde a terceira semana até ao oitavo mês de gravidez.
No leste, adivinhavam-se nuvens negras no horizonte, por isso voei até Nova Iorque para ver se conseguia acalmar as coisas.
John e Ethel tinham descoberto que Patty e Harry Falk continuavam a ver-se em segredo. Decididos a não permitir que o romance avançasse, conseguiram mudar o programa, na sua terceira época, para a Califórnia. Para mim era bom, porque deixava de precisar andar entre as duas costas. Mas isso significava que havia problemas latentes.
Quando voltei para a Califórnia, encontrei uma casa maravilhosa em Thousand Oaks para nós alugarmos. Sabia que a Patty e os Ross andavam à procura de uma casa, por isso sugeri que vissem esta que eu queria alugar e, se gostassem, eu deixaria que ficassem com ela. Gostaram e mudaram-se para lá.
A NASA foi muito prestável com a produção de Jeannie. Fizemos uma visita à base aérea de Edwards e ao centro espacial Kennedy, na Florida, e conhecemos muitos astronautas. Muitos deles viam o nosso programa e eram fãs. Deixaram-nos usar as instalações em Edwards, onde fiz um voo num simulador Gemini e provei comida liofilizada. Era péssima.
As audiências de Jeanne permaneceram altas no primeiro ano, mas nem tudo corria bem no estúdio. O problema era Larry Hagman. Eu planeava usar mais artistas convidados, mas Larry criava sempre problemas com eles. Amuava e ignorava-os e passava o tempo fechado no camarim.
Queria ser a estrela e queria sê-lo naquele momento. Era a Barbara que tinha as entrevistas e as capas de revista. Larry queria mostrar ao mundo que conseguia ser tão bom quanto a mãe. O resultado é que se punha a ele e a todos sob uma enorme tensão.
Na altura não me apercebi do problema, mas descobri que Larry abria todas as manhãs uma garrafa de champanhe e começava a beber. Isso nunca afetou o seu desempenho. Sabia sempre o texto e estava sempre perfeito. Mas a tensão começava a fazer-se sentir.
Uma manhã, depois de um ensaio, perguntei aos atores se havia algum problema. Todos me responderam que estavam satisfeitos. Quando regressei ao meu gabinete, recebi um telefonema de Gene Nelson.
- Preciso da sua ajuda, Sidney. O Larry está no camarim a chorar. Recusa-se a sair.
Fui ao camarim dele e falamos durante muito tempo. Por fim, disse-lhe:
- Larry, eu vou fazer tudo que me for possível para te ajudar. Vou escrever argumentos onde a história se desenrole à tua volta.
E assim, comecei a escrever argumentos para aumentar a personagem de Larry e dar-lhe maior visibilidade. Mas quando um ator está numa série com uma atriz escassamente vestida e tão bela e atraente quanto a Barbara Éden, é muito difícil ser-se a estrela.
Larry estava cada vez mais infeliz e isso perturbava todos no estúdio. Barbara tinha imensa paciência com ele. Por fim, tive outra conversa com ele.
- Larry, tu gostas deste programa?
- Claro.
- Mas não se sente feliz em fazê-lo.
- Não.
- Por quê?
- Não sei. Respondeu, depois de ter hesitado.
- Claro que sabe. Você quer estar num espetáculo onde você seja a estrela.
- Talvez seja isso.
- Larry, tu és uma peça muito importante deste programa. Mas, se queres permanecer nele, vais ter de aliviar a tensão que tens em cima. Acho que devias ir ver um psiquiatra. E, se fosse eu, não perdia tempo.
- Tem razão. É o que vou fazer. Concordou.
Pouco tempo depois me disse que tinha consultas regulares com um psicólogo. Isso o ajudou de certa forma, mas a tensão permanecia.
CAPÍTULO 32
Pouco depois do início da segunda época, Jeannie passou a ser a cores. Eu contratara outros escritores para me ajudarem, mas não estava contente com a maior parte dos argumentos que me eram apresentados. Muitos escritores pensavam que a melhor abordagem era juntar fantasia com mais fantasia. Queriam que Barbara conhecesse um marciano ou outra personagem fantástica. Eu, pelo meu lado, pensava que o sucesso do programa dependia de uma forte base de realidade, a incongruência que resultava de colocar Jeannie perante situações normais do dia a dia.
Por exemplo, escrevi um guião com a seguinte premissa:
“Tony está a trabalhar e um homem do IRS vai a casa dele e é recebido pela Jeannie. Para impressionar o visitante, Jeannie encheu as paredes com originais de Rembrandt, Picasse, Monet e Renoir.
- Está a ver. - Dizia a um atônito fiscal das finanças - O meu amo é muito rico.
Tony teve de desembrulhar a situação”.
Noutra sequência, Tony convidara o doutor Bellows para jantar. Jeannie achou que a casa era demasiado pequena, por isso criou uma imensa sala de baile, uma sala de jantar cheia de decorações, um enorme jardim e uma piscina imensa. Tony teve de explicar esta transformação ao doutor Bellows.
De Fevereiro de 1966 a Abril do ano seguinte, escrevi trinta e oito episódios seguidos sob o meu nome. Em Hollywood, os créditos num ecrã são o critério pelo qual se reconhece a existência de um escritor. Todos lutam para conseguir um crédito, porque é o passaporte para um trabalho seguinte. Eu estava com um problema. Achava que estava a ficar com créditos a mais. No jeannie, os meus créditos diziam: ”Produção de Sidney Sheldon... Criado por Sidney Sheldon... Produzido por Sidney Sheldon... Escrito por Sidney Sheldon... Direitos de Sidney Sheldon”. Parecia-me uma bebedeira de ego. Liguei para o Writers Guild e informei-os de que ia começar a escrever para o programa sob três pseudônimos diferentes: Christopher Golato, Allen Devon e Mark Rowane. Dali em diante, os meus doppelgãngers escreveram a maior parte dos guiões e eu tinha um crédito a menos.
Depois do primeiro ano de Jeannie, Gene Nelson teve outras ofertas e decidiu deixar o programa. Eu sabia que ia sentir a falta dele. Usei uma série de realizadores, principalmente Cláudio Guzmán e Hal Cooper, e o programa continuou.
Uma noite, o Sammy Davies Júnior veio jantar a nossa casa.
- Sammy, alguma vez viu o programa I Dream of jeannie?
- Não perco um. Adoro.
- Estás interessado em aparecer num deles?
- Conta comigo. Liga ao meu agente. Na manhã seguinte, liguei ao agente dele.
- O Sammy quer entrar no I Dream of Jeannie. Podemos marcar?
- Claro. E quanto pagam?
- Mil dólares. É o que pagamos aos nossos convidados. Ouvi um som de troça.
- Deve estar a brincar. Isso é o que Sammy dá de gorjeta à manicura. Esqueçam.
Ligue para Sammy. Uma hora depois, o telefone tocou.
- Quando é que o querem?
Sammy fez o episódio e foi maravilhoso.
Também usamos Michael Ansara, o marido da Barbara, no papel de Blue Djinn.
Um dia, o Groucho Marx telefonou-me.
- É uma pena que não tenhas olho para o talento. Eu conheço um tipo que seria espantoso para o programa. É jovem, e bonito, e brilhante.
- Em quem é que está pensando, Groucho? Perguntei.
- Quem é que havia de ser? Eu.
- Porque é que não me lembrei disso?
Uma semana depois, escrevi um episódio para o Groucho chamado The Greatest Invention in the World, Como de costume, ele foi um sucesso.
Uma noite em que Mary entrava numa peça da escola, eu e Jorja fomos vê-la. Perguntei a Groucho se queria vir conosco e, para meu grande espanto, respondeu que sim.
Depois do espetáculo, Mary convidou alguns dos colegas da escola para irem à nossa casa. Todos ficaram fascinados com Groucho. Uma das melhores recordações que tenho dele é de o ver sentado numa cadeira no meu escritório, com os miúdos e as miúdas em volta, todos sentados num círculo no chão, a ouvirem-no, enquanto lhes falava sobre o mundo do espectáculo.
- O primeiro ano de vida do Jeannie foi um sucesso e o merchandising, fabuloso. Havia bonecas Jeannie e garrafas Jeannie. Jeannie até tinha a sua própria revista, The Blink. O correio dos fãs era imenso, mas a maior parte era dirigido a Barbara Éden. Larry mal conseguia disfarçar a raiva.
Jeannie ia bem, mas eu passava o tempo a apagar fogos. Entretanto, havia enormes problemas emocionais no estúdio do The Patty Duke Show. Patty chegara ao ponto de já não permitir que os Ross a controlassem. As fricções entre os três eram constantes.
Uma noite, tiveram uma discussão tão grande que Patty saiu de casa e arranjou um apartamento.
Harry voou para a Califórnia e casaram-se. Foi o fim do controle dos Ross sobre ela.
No entanto, os conflitos no estúdio continuavam e tornaram-se tão incomodativos que, no final do ano, embora os níveis de audiência fossem favoráveis, a estação optou por cancelar o programa.
Em 1967, durante a segunda época de Jeannie, fui nomeado para um Emmy. Na cerimônia de entrega dos prêmios, conheci Charles Schulz, que também fora nomeado por ter escrito o Charlie Brown. Eu era grande fã dele e do seu amigo, Charlie Brown. Começamos a conversar e ele revelou-se um homem caloroso e engraçado. Confessou que era fã da Jeannie.
Mencionei que o meu Peanuts favorito era aquele em que o Snoopy escreve na sua máquina: Esta é uma história que tem de ser contada. A seguir aparece outro desenho onde ele parece estar a pensar. Logo a seguir, escreve: Bom, talvez não e atira o papel fora.
Pouco tempo depois dos Emmys, chegou um pacote vindo do Charles. Era a tira original, autografada para mim. Ainda a tenho pendurada na parede do meu escritório.
“A propósito, nenhum de nós ganhou nesse ano.”
Em Setembro de 1967, recebi um telefonema alarmante do hospital Cedars Sinai, em Los Angeles. Otto tivera um poderoso ataque cardíaco. À porta do seu quarto do hospital, o médico disse-me que ele tinha poucas hipóteses de sobreviver. Entrei no quarto e fiquei junto da cama. Estava pálido e senti que toda a sua vitalidade desaparecera.
Ele fez-me sinal para me aproximar e, quando me debrucei sobre a sua cama, disse:
- Dei o meu carro ao Richard. Podia ter-lho vendido.
Foram as suas últimas palavras para mim.
Durante a quarta época de Jeannie, o programa que aparecia a seguir ao nosso estava a ter imenso sucesso. Era um programa de uma hora chamado Rowan &Martin’s Laugh-In. Chamei Mort Werner, o chefe da NBC, e sugeri-lhe que por uma noite combinássemos os dois programas. Eu ia escrever um guião para o Jeannie com as personagens do Laugh-In e logo a seguir o elenco de Jeannie apareceria no Laugh-In. Achou que era uma boa idéia.
Escrevi um guião chamado The Biggest Star in Hollywood, Judy Carne, Art Johnson, Gary Owens e George Schlatter (o produtor executivo do Laugh-In) apareceram no meu programa a interagir com as personagens de Jeannie.
Em seguida, o George Schlatter mostrou-me o guião que os escritores do Laugh-In tinham arranjado para o nosso elenco. Na cena de abertura, Barbara Éden, vestida de Jeannie, descia vagarosamente as escadas, com um foco a brilhar no umbigo. Comentei com o George que não me parecia de bom gosto e recusei-me a permitir que o elenco de Jeannie aparecesse no Laugh-In.
Assim, acabamos com o grupo do Laugh-In no nosso programa mas sem ninguém do nosso elenco no programa deles.
I Dream of Jeannie completava o seu quarto aniversário, pronto para entrar no quinto. Ainda não tínhamos recebido o contrato oficial para o quinto ano. Recebi um telefonema de Mort Werner.
- Acho que a Jeannie e o Tony se devem casar. Fiquei sem palavras.
- Mas, Mort, isso vai destruir a série. A história era engraçada devido à tensão sexual entre a Jeannie e o seu amo. Se os casares, isso desaparece. Não tens nada com que trabalhar.
- Eu quero que eles se casem.
- Mort! Isso não faz sentido. Se eles...
- Queres o contrato para o programa por mais um ano? Fez-se um longo silêncio. Eu estava a ser chantageado, mas a verdade é que a estação era dele.
- Podemos conversar sobre isso?
- Não.
- Assim sendo, eu caso-os.
- Ótimo. Estás no ar no ano que vem.
Assim que o elenco soube da notícia, ficaram todos horrorizados.
- Os tipos dos negócios não deviam ser autorizados a tomar decisões criativas. Comentou Larry.
Todos os membros do elenco telefonaram a Mort, mas não serviu de nada. Ele achava-se mais esperto que qualquer um deles. Sabia o que era bom para o programa.
Para o quinto ano da Jeannie, escrevi uma cena de casamento.
Filmamos o casamento em Cape Kennedy e vários elementos da Força Aérea assistiram à cerimônia. Tentei tornar o guião o mais interessante possível, mas depois do casamento, a relação entre eles mudou tanto que a maior parte do divertimento desaparecera. No final do quinto ano, I Dream of Jeannie foi cancelado. Mort Werner pegara num programa de sucesso e destruíra-o.
Tínhamos produzido cento e trinta e nove episódios. No seu sexto ano, Jeannie entrou em reposição. Isto se passou em 1971. Esteve no ar durante mais cinco anos.
Hoje, quarenta anos depois de Jeannie ter ido para o ar pela primeira vez, a série tem sido reavivada e transmitida por todo o mundo, fazendo rir milhões de telespectadores. A cores. A Columbia está a pensar fazer dela um filme.
Na altura em que estava a produzir a Jeannie, tive uma idéia que me pareceu excitante. Era sobre um psiquiatra que alguém tentava assassinar. O que me intrigava era que, tanto quanto ele soubesse, não tinha inimigos. Mas, se era um bom psiquiatra, teria de ser capaz de perceber quem é que o queria matar e por quê.
O problema da idéia é que a achava demasiado introspectiva. Havia que entrar na cabeça do psiquiatra para perceber como é que ele resolvia os problemas. Concluí que era impossível pôr a história em forma dramática. Teria de ser uma espécie de romance, onde os pensamentos mais íntimos pudessem ser explicados ao leitor. Mas eu sabia que não era capaz de escrever um romance, por isso resolvi pôr a idéia de lado.
Groucho telefonou-me para me dizer que ia estrear na Broadway, no Imperial Theatre, uma peça de teatro chamada My’s Boys, sobre os irmãos Marx e a mãe deles. Perguntou-me se eu e a Jorja queríamos ir com ele ver a peça. Embora na altura estivesse muito ocupado com produções, disse que sim. Voamos para Nova Iorque e vimos a peça que estava muito bem feita e fomos à festa do elenco depois da sessão.
Na manhã seguinte, fomos para o aeroporto para apanhar um avião de volta a casa. Os controladores de tráfego aéreo estavam em greve. O avião começou a taxiar e ouviu-se no alto falante a voz do piloto a anunciar que teríamos uma hora de atraso devido à greve. Taxiamos de volta para a porta de embarque e, duas horas mais tarde, o piloto voltou a anunciar que havia um atraso de três horas.
Groucho tocou a campainha para chamar a assistente de bordo.
- Posso ajudá-lo, senhor Marx?
- Sim. Têm algum padre a bordo?
- Não faço idéia. Por quê?
- Alguns dos passageiros estão a ficar cheios de tesão.
O grande poeta T. S. Eliot era putativamente anti-semita. Groucho tinha uma fotografia emoldurada de Eliot numa das paredes da sua casa.
Quando lhe perguntei qual a razão, respondeu-me:
- Eliot escreveu-me a pedir uma fotografia autografada. Mandei-lhe uma e ele me devolveu. Queria uma em que eu estivesse com o meu charuto.
Eliot respeitava tanto Groucho que deixou escrito no testamento que queria que ele presidisse às suas exéquias, o que Groucho respeitou.
Shecky Greene era outro dos comediantes que encontrávamos nos famosos jantares em casa de Groucho. Uma vez perguntei-lhe qual a diferença entre um cômico e um comediante.
- Um cômico abre portas divertidas. Um comediante abre portas de forma divertida. Foi a resposta.
Shecky era um dos mais famosos números dos clubes noturnos do país. O mais interessante é que ele não tinha qualquer número. Nunca fazia dois espetáculos iguais. Entrava em palco e improvisava durante uns histéricos quarenta e cinco minutos.
Uma noite, quando estávamos a assistir a um dos seus espetáculos no hotel Sands, em Las Vegas, contou à audiência:
- O Frank Sinatra salvou-me a vida. Quando saí pela porta do palco em direção ao parque de estacionamento, três matulões começaram a bater-me. Ao fim de algum tempo, o Frank disse: ”Muito bem. Já chega”.
Depois do espetáculo, fomos até ao camarim dele nos bastidores. Eu estava intrigado.
- O que foi aquilo do Frank Sinatra?
- Sabes, eu atuo sempre antes dele. Há umas noites, contei umas piadas sobre a família dele. Depois do espetáculo, ele veio ter comigo e disse: “Shecky, nunca mais voltes a fazer isso.” Bem, vocês conhecem-me. Eu não gosto que ninguém me diga o que devo ou não devo fazer. Por isso, no espetáculo seguinte, contei mais umas piadas sobre a família dele. Quando terminei o espetáculo, fui para o parque de estacionamento e três matulões começaram a bater-me. Por fim, Frank disse: ”Já chega.” E eles desapareceram.
Conheci Frank em 1953, antes de ser famoso, quando estava na mó de baixo. O seu contrato com o estúdio terminou, o acordo com a editora discográfica fora cancelado e ninguém o queria contratar para nada. Mas, com o talento que tinha, depressa conseguiu voltar a erguer a sua carreira.
Frank Sinatra vivia segundo as suas próprias regras. A verdade é que havia vários Frank Sinatras e nunca se sabia qual deles é que se iria encontrar. Ele podia ser simpático e um amigo generoso, e podia ser um inimigo terrível.
Sinatra esteve noivo de Juliet Prowse, uma talentosa atriz e bailarina, e quando o ela mencionou a um jornal, Sinatra desfez o noivado.
Quando o letrista Sammy Cahn voou até Los Angeles e se registrou no hotel Beverly Hills, Sinatra mandou que transferissem toda a bagagem dele para a sua casa. Durante uma entrevista, Sammy Cahn mencionou o nome de Sinatra e pouco depois constatou que as suas malas tinham sido devolvidas ao hotel Beverly Hills.
Frank nunca conheceu George C. Scott, mas admirava muito o seu trabalho. Quando Scott teve um ataque cardíaco, foi Frank quem providenciou os cuidados médicos e pagou todas as contas. Ele também era extremamente generoso nas suas contribuições para obras de caridade.
Sinatra casou e posteriormente divorciou-se de Ava Gardner, mas nunca a esqueceu completamente.
Uma vez, Cari Cohn, o gerente do hotel Sands, e eu estávamos no apartamento de Sinatra a preparar-nos para ir jantar e festejar o aniversário dele. Ava estava em África a filmar Mogambo.
Frank não parecia querer sair. Por fim, perguntei:
- Frank, são dez da noite. Eu e o Cari estamos cheios de fome. De que estamos à espera?
- Estava com esperança que a Ava me telefonasse a desejar um feliz aniversário.
Durante anos, todas as quintas-feiras à noite, um grupo que se auto-intitulava ”As águias” juntava-se em minha casa para jantar e desfrutar de umas horas de conversa interessante. Todas as semanas éramos os mesmos, acompanhados pelas nossas mulheres. Sid Caesar, Steve Allen, Shecky Greene, Cari Reiner e Milton Berle. Ao longo dos anos tive o prazer de ver as carreiras deles dispararem. Aqueles eram gigantes da comédia e, à medida que as décadas passavam, percebi que estavam todos a ficar menos jovens. Em breve, estas vozes teriam desaparecido, como se nunca tivessem existido. Mas eu tive uma idéia.
Ocorreu-me preservar a imagem de todo este incrível talento aproveitando ao mesmo tempo para ajudar faculdades com problemas financeiros. Eu estivera em tempos envolvido na educação e servira como porta voz da ”Coligação para a Literacia”, por isso aquilo que me ocorreu parecia-me um plano excitante.
Expus a minha idéia ao grupo, uma noite, ao jantar.
- Meus amigos. - Disse eu - Gostava de montar um espetáculo com todos vocês, acerca do futuro da comédia. Eu serei o interlocutor. Vamos viajar a faculdades de todo o país, vendemos os bilhetes para o nosso espetáculo e doamos o produto final às faculdades. Quem está interessado em participar?
As mãos começaram a erguer-se. Sid Caesar... Steve Allen... Shecky Greene... Cari Reiner...
- Ótimo. Vou tratar de tudo.
Decidi que faríamos a primeira apresentação em Hollywood, como teste, e a cidade de Beverly Hills mostrou-se encantada por nos receber. O primeiro painel de discussão da Future of Comedy teve lugar no dia 17 de Julho de 2000, no teatro da Writers Guild, perante uma multidão de espectadores.
A recepção foi fabulosa e percebi que a minha idéia podia ser bem sucedida. Sid, Steve, Shecky, Cari e eu divertimo-nos imenso, assim como os espectadores. As gargalhadas eram ininterruptas. Os membros do painel interrompiam-se uns aos outros com as suas tiradas. Tínhamos ali, de fato, qualquer coisa e estávamos todos entusiasmados com a idéia desta aventura.
Mas, pouco depois dessa noite, o destino intrometeu-se e tudo se começou a desintegrar. Steve Allen morreu, Sid Caeser deixou de poder fazer viagens longas, Shecky Green teve uns problemas de ordem emocional e Cari Reiner andava ocupado com uns filmes. Não estava escrito.
Mas jamais me esquecerei da generosidade dos meus amigos.
Em 1970, criei outro programa de televisão e chamei-lhe Nancy. Contava a história da filha do presidente dos Estados Unidos, uma jovem sofisticada que, quando vai de férias para uma fazenda, conhece e apaixona-se por um jovem veterinário. Casam-se. E os guiões eram baseados nas enormes diferenças entre os dois estilos de vida.
Os atores que escolhi para os papéis principais eram muito bons, Celeste Holme, Renne Jarrett e John Fink. O piloto foi mostrado à NBC, que o comprou.
A série era uma comédia doce e romântica e o elenco deu-lhe vida de forma maravilhosa. A estação cancelou-a ao fim de dezessete episódios. Na altura em que foi cancelada, ocupava o décimo sétimo lugar nas taxas de audiências, o que é mais do que suficiente para manter um programa no ar. Não faço idéia se a Casa Branca não gostou do programa ou se houve pressão política, mas sei que o cancelamento deixou-nos a todos surpreendidos.
CAPÍTULO 33
Vários anos mais tarde, decidi que queria fazer um programa elegante, com gente sofisticada, em cenários sofisticados. Criei Hart to Hart, que foi para o ar em 1979, com Aaron Speling e o Leonard Goldberg como produtores. Tivemos a sorte de conseguir Robert Wagner e Stephanie Powers como protagonistas. O programa foi um sucesso e esteve no ar durante cinco anos.
No meio de várias outras coisas que fiz, a idéia acerca do psiquiatra nunca me abandonou. Parecia que não me conseguia ver livre dele. Era como se a personagem exigisse vida. Eu não tinha confiança na minha capacidade para escrever um romance, mas, para tirar o psiquiatra da cabeça, decidi que ia escrever a história dele.
De manhã, ditava o romance a uma das minhas secretárias, de tarde, enfiava o chapéu de produtor e trabalhava em outros projetos. O romance estava quase terminado e eu não tinha idéia do que fazer com ele. Não conhecia nenhum agente literário.
Telefonei a um querido amigo meu, o talentoso romancista Irving Wallace.
- Irving, tenho aqui o manuscrito de um romance. A quem é que mando isto?
- Deixe me ler primeiro. Pediu.
Mandei-lho e aguardei pelo telefonema a dizer: “Não o mande a ninguém.”
Em vez disso, ele ligou-me e disse:
- Eu acho que é ótimo. Manda-o ao meu agente em Nova Iorque. Eu digo-lhe para estar preparado.
O romance chamava-se A outra face e foi recusado por cinco editoras. O sexto que o leu foi Hillel Black, um editor da William Morrow. O meu agente ligou-me.
- A William Morrrow quer editar o teu livro. Dão-te mil dólares de avanço.
De repente fiquei entusiasmado. Ia ter um livro editado. A Wiliam Morrow não fazia idéia, mas de bom grado lhes teria pago eu os mil dólares.
- Excelente. Foi a minha resposta.
Hillel quis umas pequenas alterações e eu tratei delas rapidamente.
O romance foi publicado em 1970. No dia em que A Outra Face foi posto à venda, entrei em pânico. Tinha a certeza que ia bater todos os recordes da publicação: o de não vender um único exemplar. Tinha tanta certeza disso que fui a uma livraria em Beverly Hills e comprei um exemplar, uma tradição que mantenho até hoje. Quando um livro é editado, é hábito o autor viajar pelo país para lhe fazer publicidade, fazendo o público ver que o livro se encontra à venda nas livrarias. Os autores aparecem em programas de televisão, vão a festas de promoção e a almoços literários para os publicitar. Liguei para Hillel Black.
- Só queria que soubesse que estou à disposição para fazer uma viagem de promoção. Faço todos os programas de televisão que conseguir marcar e...
-Sidney, não vale a pena mandá-lo numa viagem dessas.
- O que quer dizer com isso?
-Fora de Hollywood, ninguém sabe quem você é. Nenhum dos programas estará interessado na sua presença. Esqueça.
Mas não esqueci. Liguei para uma relações públicas e expliquei-lhe a situação.
- Não se preocupe. Vou tratar de tudo respondeu.
E ele marcou-me para o The Tonight Show, com o Johnny Carson, The Merv Griffin Show e o The David Frost Show, assim como mais uma meia dúzia deles.
Também conseguiu que eu fosse a um almoço literário no hotel Huntington, em Pasadena, na Califórnia. Segundo o plano previsto, os autores falariam durante um curto espaço de tempo sobre os seus livros, depois haveria um almoço e seguidamente os presentes poderiam comprar os livros, que estavam ao fundo da sala, e dirigir-se ao palco montado num estrado, onde os autores lhes assinariam o livro.
A meu lado no estrado nesse dia estavam Wíll e Ariel Durant, dois escritores que tornaram popular a história mundial e que passaram toda uma vida a escrever The Story of Civilization; Francis Gary Powers, que escrevera um livro sobre a sua experiência de ser abatido num U-2; Gwen Davis, uma romancista famosa e Jack Smith, que assinava uma coluna muito popular no Los Angeles Times.
Durante o almoço, cada um de nós foi apresentado e falamos brevemente sobre os nossos livros.
Quando o almoço terminou, os membros da assistência compraram os livros ao fundo da sala e em seguida formaram fila em frente dos seus autores preferidos. Havia uma fila em frente do Will e da Ariel Durant que ia até ao fundo da sala. A fila em frente de Jack Smith era quase tão longa. Gary Powers tinha uma fila comprida, assim como Gwen Davis.
Não havia uma única pessoa em fila para o meu livro. Corado, tirei para fora um caderno de apontamentos e fingi que estava atarefado a escrever. Como gostaria de poder sair dali para fora. As filas em frente dos outros autores estavam cada vez mais longas e eu ali sentado a escrever gatafunhos.
Ao fim de um tempo que me pareceu uma eternidade, ouvi uma voz a perguntar:
- Senhor Sheldon?
Olhei para cima. Uma senhora de idade baixinha estava parada na minha frente.
- Como se chama o seu livro? Perguntou.
- A Outra Face. Disse eu. Ela sorriu e disse.
- Está bem. Vou comprar um. Era um ato de misericórdia.
Foi o único exemplar que vendi nesse dia.
Umas semanas mais tarde, voei para Nova Iorque e encontrei-me com Larry Hughes, o presidente da William Morrow.
- Tenho boas notícias para si. Vendemos dezessete mil exemplares de A Outra Face e vamos fazer a 2ª edição. Disse.
Olhei para ele durante um longo momento.
- Senhor Hughes, eu tenho no ar um programa de televisão que é visto, todas as semanas, por vinte milhões de pessoas. Não fico exatamente excitado com a idéia de vender dezessete mil cópias seja lá do que for.
Quando as críticas do livro saíram, fiquei agradavelmente surpreendido. Eram praticamente todas favoráveis, e a melhor era a do New York Times. O crítico dizia “A Outra Face é, sem dúvida, a melhor estréia policial do ano.” E, para cúmulo, no fim do ano, recebi uma nomeação para o Edgar Allen Poe Award.
Quando regressei a Hollywood, continuei a trabalhar no Nancy, mas não conseguia parar de pensar em escrever outro livro. A Outra Face não foi um sucesso financeiro. A verdade é que eu gaste mais em publicidade do que o livro rendera. Mas havia um elemento muito mais importante envolvido na escrita de um livro. Eu sentira uma enorme liberdade criativa que nunca antes conhecera.
Quando se escreve um argumento para o cinema ou para a televisão, ou uma peça para o teatro, é sempre um esforço de colaboração. Mesmo quando se escreve sozinho, está-se a trabalhar com um elenco, um realizador, um produtor e músicos.
O romancista é livre de escrever aquilo que ele ou ela quer. Não há ninguém para dizer:
“Vamos mudar o cenário para as montanhas em vez de ser no vale...”
“Há demasiados cenários...”
“Vamos cortar os diálogos e criar a atmosfera com música...”
O romancista é o elenco, o produtor e o realizador. O romancista é livre de criar mundos, de andar para trás e para frente no tempo, de dar aos seus personagens exércitos, servos, mansões. Não existe limite a não ser a própria imaginação.
Decidi que ia escrever outro romance, mesmo sem qualquer expectativa de que pudesse ser financeiramente melhor sucedido que O Rosto Nu. Eu precisava de uma boa idéia e lembrei-me de uma história minha que Dore Schary recusara comprar à RKO, o Orchids for Virgínia. Decidi que essa era a história que eu queria contar. Transformei o argumento de filme num romance elaborado e mudei o nome para O Outro Lado da Meia Noite.
O livro foi editado um ano mais tarde e mudou a minha vida. Esteve na lista de best-sellers do New York Times durante cinquenta e duas semanas. O Outro Lado da Meia Noite transformou-se num fenômeno, um extraordinário best-seller internacional.
A previsão de Bea Factor de que me ia tornar mundialmente famoso transformara-se numa realidade.
POSFÁCIO
De tudo o que escrevi ao longo dos anos cinema, teatro, televisão, livros prefiro os romances. São um mundo completamente diferente, um mundo da mente e do coração. Num romance podemos criar personagens e dar-lhes vida. A transição de argumentista e guionista para romancista foi mais fácil do que imaginei. E as vantagens!
Um romancista viaja pelo mundo para fazer pesquisa, conhece pessoas interessantes e vai a sítios interessantes. Se as pessoas são afetadas por alguma coisa que escrevemos dizem-nos. Recebo muito correio extremamente emotivo.
Recebi uma vez uma carta de uma mulher que tivera um ataque cardíaco e estava no hospital, e que não deixava que os pais ou o namorado a vissem. Escreveu-me a dizer que só queria morrer. Tinha vinte e um anos. Alguém deixara um exemplar do O Outro Lado da Meia Noite na sua mesa de cabeceira. Começou a folheá-lo. Curiosa, voltou ao início e leu o livro. Quando acabou, estava tão entusiasmada com as personagens e os seus problemas que esqueceu os dela, e estava pronta a encarar de novo a vida.
Outra mulher escreveu-me a dizer que o último pedido da filha moribunda foi que queria ter os meus livros todos espalhados em cima da cama, e que morreu feliz.
Em A Fúria dos Anjos, um rapazinho morre e comecei a receber correio negativo. Uma mulher escreveu-me da costa leste, deu-me o número de telefone dela e disse:
“Telefone-me. Eu não consigo dormir. Porque foi que o deixou morrer?”
Recebi tantas cartas deste gênero que, quando fiz a mini-série, o deixei viver.
Algumas mulheres disseram-me que são advogadas graças a Jennifer Parker, a heroína de A Ira dos Anjos.
Os meus romances são vendidos em cento e oito países e estão traduzidos em cinquenta e uma línguas. Em 1997 o Guiness Book of World Records listou-me como autor mais traduzido do mundo. Vendi mais de trezentos milhões de exemplares. Se existe uma razão para o sucesso dos meus livros acredito que se deve ao fato de as personagens serem bem reais para mim e, por isso, bem reais para os meus leitores. Os leitores estrangeiros identificam-se com os meus livros porque o amor, o ódio e o ciúme são emoções universais que todos compreendem.
Quando me tornei romancista, uma das coisas que mais me impressionou foi o faco de um romancista ser muito mais respeitado do que um argumentista que trabalhe em Hollywood. Jack Warner disse um dia:
“O que são os escritores senão uns convencidos com máquinas de escrever?”
Um sentimento que é partilhado pela maior parte dos dirigentes dos estúdios de cinema.
Um dia, na altura em que escrevi o Easter Parade, estava no escritório de Arthur Freed quando entrou o seu corretor de seguros. Estávamos a conversar e a secretária dele anunciou que as filmagens do dia estavam prontas para ser visualizadas. Freed virou-se para o corretor e disse:
- Vamos lá ver isso.
Levantaram-se os dois e saíram da sala, deixando-me ali sozinho enquanto iam ver um filme que eu escrevera. Não demonstra grande respeito.
Gosto muito de viajar pelo mundo fora para fazer pesquisa para os meus livros e divirto-me imenso com isso. Uma vez fui a Atenas fazer pesquisa para o meu livro O Outro Lado da Meia Noite. Jorja estava comigo. Passamos à porta de um posto da polícia e eu disse:
- Vamos entrar.
Entramos. Havia um polícia atrás do balcão, que perguntou:
- Em que posso ajudar?
- Há aqui alguém que me ensine como fazer um carro ir pelos ares?
Trinta segundos depois estávamos fechados numa cela. Jorja estava em pânico.
- Explica-lhe quem somos. Disse ela.
- Não te preocupes. Temos imenso tempo.
A porta abriu-se e entraram quatro polícias armados.
- Com que então quer fazer explodir um carro. Por quê?
- O meu nome é Sidney Sheldon e estou a fazer pesquisa para um livro.
Felizmente, eles sabiam quem eu era e ensinaram-me a fazer explodir um carro.
Fui à África do Sul fazer pesquisa para o meu romance A Herdeira, que tem a ver com diamantes. Entrei em contacto com a casa DeBeers e perguntei se seria possível descer a uma das suas minas. Deram-me autorização e passei pela invulgar experiência de explorar uma mina de diamantes.
Posteriormente, um executivo da DeBeers falou-me de uma das suas minas, uma praia onde os diamantes estavam espalhados sobre a areia, à vista de todos, protegida pelo oceano de um lado e patrulhas e vedações do outro. Senti que era um desafio e imaginei uma maneira de uma das minhas personagens entrar e roubar os diamantes.
Para Se houver amanhã, verifiquei a segurança do Museu do Prado em Madrid. Disseram-me que era inexpugnável, mas uma das minhas personagens conseguiu imaginar uma forma de roubar um dos seus bem valiosos quadros.
Para Um Capricho dos Deuses, fui à Romênia, um dos cenários do meu livro. Na altura, Ceaucescu ainda estava vivo e havia um sentimento de paranóia no ar. Fui à Embaixada Americana e estava no gabinete do embaixador quando, a certa altura, lhe disse:
- Queria fazer-lhe uma pergunta. Ele levantou-se.
- Venha comigo.
Levou-me por um átrio até uma sala guardada por fuzileiros vinte e quatro horas por dia, e perguntou:
- O que é que quer saber?
- Acha que o meu quarto está sob escuta? Perguntei.
- Não só o seu quarto do hotel está sob escuta, como, se for a um clube noturno, eles arranjam maneira de o porem sob escuta.
Três noites mais tarde, eu e Jorja fomos a um clube noturno. O ar condicionado estava mesmo por cima de nós e levantamo-nos, pois queríamos mudar de lugar. O chefe de mesa veio a correr e voltou a sentar-nos na primeira mesa. Era óbvio que essa é que estava sob escuta.
No dia seguinte, almocei com o embaixador em casa dele e disse:
- Gostava de lhe fazer uma pergunta. Ele levantou-se.
- Porque não vamos dar um passeio pelo jardim?
Na Romênia, até a casa do embaixador estava sob escuta.
Para As Areias do Tempo, fui até Espanha para conhecer o movimento separatista basco. Pedi ao motorista que seguisse por duas estradas que seriam usadas pelas freiras no livro que eu estava a escrever. Terminamos em San Sebastian. Quando o motorista encostou em frente do hotel, disse:
- Bom, agora vou-me embora.
- Não se pode ir embora. Estou no meio da pesquisa para o meu livro. Retorqui.
- Não está a perceber. Este é o quartel general dos bascos. Assim que virem pela placa que o carro é de Madrid, fazem-no ir pelos ares.
Conheci alguns bascos e ouvi a sua versão da história. Sentiam-se cidadãos deslocados. Queriam a terra deles de volta, bem como a sua língua e autonomia.
Estas são algumas das minhas experiências. Sinto-me muito grato por elas. Adoro escrever e tenho a sorte de poder trabalhar em algo de que gosto muito. Acredito que ninguém deve aceitar o crédito do seu talento, seja ele qual for. O talento é um dom, quer seja para a pintura, a música ou a escrita, e devíamos ser gratos pelo que nos foi dado e trabalhá-lo bem.
O que eu mais aprecio é o processo de escrever. Um dia, o meu gestor financeiro ofereceu-me lições de tênis no valor de quinhentos dólares como presente de aniversário. Um profissional vinha a minha casa uma vez por semana e dava-me uma lição.
Um dia ele perguntou: