— Pessoas como o senhor Rogers não comem carne assada.
— É mesmo? E comem o quê?
— Chateaubriand e crepes Suzette.
— Mas vamos ter carne assada.
— Está bem — murmurara Lucinda, obstinada. — Mas é o jantar errado.
Além da carne assada, ela preparara purê de batatas, legumes frescos e uma salada. E fizera uma torta de abóbora para sobremesa. Stanton Rogers comeu tudo o que foi posto em seu prato.
Durante o jantar, Mary e ele discutiram os problemas dos fazendeiros.
— Os fazendeiros do Meio-Oeste estão numa situação crítica, espremidos entre os preços baixos e o excesso de produção — comentou Mary. — São pobres demais para pintar e orgulhosos demais para caiar.
Falaram sobre a pitoresca história de Junction City, e Stanton Rogers finalmente levantou o problema da Romênia.
— Qual é a sua opinião sobre o governo do presidente Ionescu? — perguntou a Mary.
— Não há governo na Romênia, no verdadeiro sentido da palavra — respondeu Mary. — Ionescu é o governo. Ele mantém o controle total.
— Acha que haverá uma revolução no país?
— Não nas atuais circunstâncias. O único homem suficientemente poderoso para depor Ionescu é Marin Groza, que está exilado na França.
O interrogatório continuou. Ela era perita nos países da Cortina de Ferro e Stanton Rogers ficou visivelmente impressionado. Mary tinha a sensação desagradável de que ele passara a noite inteira a examiná-la sob um microscópio. Estava mais próxima da verdade do que imaginava.
Paul estava certo, pensou Stanton Rogers. Ela é de fato uma autoridade sobre a Romênia. E havia algo mais. Precisamos do oposto do americano feio. Ela é muito bonita. E junto com as crianças, será um pacote tipicamente americano que todos comprarão. Stanton descobriu-se cada vez mais animado com a perspectiva. Ela pode ser mais útil do que imagina.
Ao final da noite, Stanton Rogers disse:
— Vou ser franco, senhora Ashley. Inicialmente, fui contra a sua indicação para um posto tão delicado quanto a Romênia. E disse isso ao presidente. Conto-lhe agora por que mudei de idéia. Acho que pode ser uma excelente embaixadora.
Mary sacudiu a cabeça.
— Sinto muito, senhor Rogers. Não sou política. Sou apenas uma amadora.
— Como o presidente Ellison ressaltou, alguns dos nossos melhores embaixadores não eram profissionais. Isto é, a experiência deles não era no serviço diplomático. Walter Annenberg, nosso ex-embaixador no Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, era um editor.
— Eu não sou...
— John Kenneth Galbraith, nosso embaixador na Índia, era professor. Mike Mansfield começou como repórter, foi eleito senador e depois designado para a embaixada no Japão. Eu poderia dar mais uma dúzia de exemplos. Essas pessoas eram todas o que se chamaria de amadores. O que tinham, senhora Ashley, era inteligência, amor por seu país e boa vontade para com o povo do país em que foram servir.
— Fala como se fosse muito simples.
— Como provavelmente sabe, já a investigamos de maneira meticulosa. Foi aprovada em termos de segurança, não tem problemas com a Receita Federal, e não há conflito de interesses. Segundo o reitor Hunter, é uma excelente professora, além de profunda conhecedora dos problemas da Romênia. Tem uma boa base. E, por fim, mas nem por isso menos importante, apresenta a imagem que o presidente quer projetar nos países da Cortina de Ferro, onde sofremos muita propaganda adversa.
Mary escutava agora com expressão pensativa.
— Eu gostaria que o senhor e o presidente soubessem que agradeço tudo o que disseram a meu respeito. Mas eu não poderia aceitar. Tenho de pensar em Beth e Tim. Não posso desarraigá-los assim...
— Há uma excelente escola para filhos de diplomatas em Bucareste. Seria uma educação maravilhosa para Tim e Beth passar algum tempo em outro país. Aprenderiam coisas que nunca poderiam conhecer na escola aqui.
A conversa não estava transcorrendo como Mary planejara.
— Eu não... Pensarei sobre o assunto.
— Passarei a noite na cidade — informou Stanton Rogers. — Poderá me encontrar no All Seasons Motel. Pode estar certa, senhora Ashley, de que compreendo como a decisão lhe é importante pessoalmente. Mas este programa não é importante apenas para o presidente, mas também para o nosso país. Pense nisso.
Depois que Stanton Rogers se retirou, Mary subiu. As crianças estavam à sua espera, olhos arregalados, excitadas.
— Vai aceitar a embaixada, mamãe? — perguntou Beth.
— Precisamos conversar. Se eu resolver aceitar, vocês teriam que deixar a escola e todos os seus amigos. Viveriam em outro país cuja língua não falam, cursariam uma escola estranha.
— Tim e eu já conversamos sobre tudo isso — anunciou Beth. — E quer saber o que achamos?
— O quê?
— Que qualquer país teria muita sorte em ter você como embaixadora, mamãe.
Ela conversou com Edward naquela noite: Deveria ter ouvido como ele falou, querido. Deu a impressão de que o presidente precisava muito de mim. Provavelmente há um milhão de pessoas que poderiam fazer um trabalho melhor do que eu, mas ele foi muito lisonjeiro. Lembra que nós dois conversamos como seria emocionante? Pois tenho outra vez a chance e não sei o que fazer. Para dizer a verdade, estou apavorada. Este é o nosso lar. Como eu suportaria sair aqui? Há muita coisa de você aqui. Ela descobriu que estava chorando. Isto é tudo o que me restou de você. Ajude-me a decidir. Por favor, ajude-me...
Mary ficou sentada junto à janela, de penhoar, olhando para as árvores, prateadas, ao vento uivante e irrequieto.
Ao amanhecer, já tomara uma decisão.
Às nove horas da manhã Mary telefonou para o All Seasons Motel e pediu para falar com Stanton Rogers. Quando ele entrou na linha, Mary disse:
— Senhor Rogers, poderia fazer o favor de dizer ao presidente que eu me sentiria honrada em aceitar o posto de embaixadora?
11
Esta é ainda mais bonita do que as outras, pensou o guarda. Ela não parecia uma prostituta. Poderia ser uma atriz de cinema ou modelo. Tinha vinte e poucos anos, cabelos louros compridos e uma pele leitosa. Usava um vestido da maior elegância.
Lev Pasternak veio pessoalmente ao portão para conduzi-la à casa. A mulher, Bisera, era iugoslava, e aquela era sua primeira viagem à França. A visão de todos aqueles agentes de segurança armados deixava-a nervosa. Em que será que me meti? Tudo o que Bisera sabia era que seu cafetão lhe dera uma passagem de avião de ida e volta e dissera que ela receberia dois mil dólares por uma hora de trabalho.
Lev Pasternak bateu na porta do quarto, e a voz de Groza respondeu do interior:
— Entre.
Pasternak abriu a porta e introduziu a garota. Marin Groza estava parado ao pé da cama. Usava um robe, e Bisera percebeu que estava nu por baixo. Lev Pasternak apresentou:
— Esta é Bisera.
Ele não mencionou o nome de Marin Groza.
— Boa noite, minha cara. Entre.
Pasternak retirou-se, fechando a porta. Marin Groza ficou a sós com a mulher. Ela se adiantou, com um sorriso sedutor.
— Você parece muito à vontade. Posso me despir logo e ficamos os dois à vontade.
Ela começou a tirar o vestido.
— Não. Fique vestida, por favor. Ela fitou-o, surpresa.
— Não quer que eu...
Groza foi até o armário e escolheu um chicote.
— Quero que você use isto.
Um fetiche de escravo. Estranho. Ele não parecia o tipo. Nunca se sabe, pensou Bisera.
— Claro, meu bem. Qualquer coisa que o deixar com tesão.
Marin Groza tirou o robe e virou-se. Bisera ficou chocada com a visão de seu corpo coberto de cicatrizes. Eram vergões brutais. E havia alguma coisa na expressão do homem que a desconcertava; quando compreendeu o que era, ficou ainda mais perplexa. Era angústia. Ele estava sentindo um tremendo sofrimento. Por que queria ser açoitado? Ela o observou se encaminhar para um banco e sentar.
— Com força — ordenou ele. — Açoite-me com toda a força.
— Está bem.
Bisera pegou o comprido chicote de couro. Sadomasoquismo não era novidade para ela, mas desta vez havia alguma coisa diferente que ela não conseguia compreender. Mas não é da minha conta, pensou Bisera. Faça o que ele está pedindo, depois pegue o dinheiro e se mande.
Levantou o chicote e depois açoitou as costas nuas.
— Com mais força — insistiu o homem. — Com mais força.
Ele se encolhia de dor quando o couro atingia sua pele. Uma vez... duas... e outra... e outra... com mais força... com mais força... A visão que Marin Groza esperava surgiu diante de seus olhos. Cenas da esposa e da filha sendo estupradas deixaram seu cérebro em fogo. Era um estupro coletivo, e os soldados, rindo, passavam da mulher para a criança, as calças arriadas, esperando a vez na fila. Marin Groza comprimiu-se contra o banco, como se estivesse amarrado. Enquanto o chicote baixava e baixava, ele podia ouvir os gritos da esposa e da filha, suplicando por misericórdia, sufocando com os pênis de homens em suas bocas, sendo estupradas e sodomizadas ao mesmo tempo, até que o sangue começou a escorrer e seus gritos se extinguiram. E Marin Groza gemeu:
— Com mais força!
E a cada golpe do chicote ele sentia a lâmina afiada da faca cortando seus órgãos genitais, castrando-o. Ele estava tendo dificuldade para respirar.
— Pegue... pegue...
Sua voz era um rangido rouco. Sentia os pulmões paralisados. A mulher parou, o chicote suspenso no ar.
— Ei, está se sentindo bem? Eu...
Ela observou enquanto Marin Groza caía no chão, os olhos abertos, mas vidrados. Bisera desatou a gritar:
— Socorro! Socorro!
Lev Pasternak veio correndo, empunhando o revólver. Viu o corpo no chão.
— O que aconteceu? Bisera estava histérica.
— Ele está morto! Está morto! Eu não fiz nada! Apenas o açoitei como ele mandou! Juro!
O médico que vivia na villa estava no quarto poucos segundos depois. Olhou para o corpo de Marin Groza e abaixou-se para examiná-lo. A pele se tornara azulada, e os músculos estavam rígidos.
Ele pegou o chicote e cheirou-o.
— O que foi?
— Curare. É um extrato de uma planta sul-americana. Os incas o usavam em dardos para matar os inimigos. Todo o sistema nervoso fica paralisado em três minutos.
Os dois homens ficaram ali parados, olhando fixamente, impotentes, o seu líder morto.
A notícia da morte de Marin Groza foi transmitida para o mundo inteiro via satélite. Lev Pasternak conseguiu ocultar da imprensa os detalhes sórdidos. Em Washington, o presidente teve uma reunião com Stanton Rogers.
— Quem você acha que está por trás disso, Stan?
— Podem ser os russos ou Ionescu. Ao final, dá no mesmo. Eles não queriam que a situação atual fosse alterada.
— Portanto, teremos de lidar com Ionescu. Muito bem. Vamos providenciar a confirmação de Mary Ashley o mais depressa possível.
— Ela está vindo para cá, Paul. Não há problema.
— Ótimo.
Ao tomar conhecimento da noticia, Angel sorriu. Aconteceu mais cedo do que eu esperava.
Às dez horas da noite o telefone particular tocou e o Controlador atendeu.
— Alô?
Ele ouviu a voz gutural de Neusa Muñez:
— Angel viu o jornal esta manhã. Ele diz para depositar o dinheiro em sua conta no banco.
— Informe a ele de que tudo será providenciado imediatamente. E por favor, miss Muñez, comunique a ele que estou muito satisfeito. E também lhe diga que talvez eu torne a precisar de seus serviços muito em breve- Tem um telefone pelo qual eu possa fazer contato? Houve uma pausa prolongada.
— Acho que sim... Ela deu o número.
— Obrigado. Se Angel. . A linha ficou muda. Mas que vaca estúpida!
O dinheiro foi depositado na conta em Zurique naquela manhã, e uma hora depois de recebido, foi transferido para um banco saudita em Genebra. Uma pessoa não pode deixar de ser muito cuidadosa hoje em dia, pensou Angel. Os miseráveis banqueiros estão sempre procurando uma maneira de enganar a gente.
12
Era mais do que empacotar as coisas de uma família. Era empacotar toda uma vida. Era dar adeus a treze anos de sonhos, lembranças e amor. Era a despedida final a Edward. Aquele fora o lar que haviam partilhado e agora se tornaria outra vez apenas uma casa, ocupada por estranhos sem noção das alegrias e pesares, lágrimas e risos que haviam acontecido dentro daquelas paredes.
Douglas e Florence Schiffer estavam na maior satisfação porque Mary decidira aceitar o posto.
— Você vai ser fantástica — Florence garantiu a Mary. — Doug e eu sentiremos sua falta e das crianças.
— Prometa que irão à Romênia nos visitar.
— Prometo.
Mary estava sufocada pelos detalhes práticos que tinha de enfrentar, as incontáveis responsabilidades desconhecidas. Ela fez uma lista:
Ligar para o guarda-móveis e pedir que venham buscar as coisas pessoais que estamos deixando.
Cancelar o leiteiro.
Cancelar o jornal.
Fornecer ao carteiro o novo endereço para a correspondência.
Assinar o contrato de aluguel da casa.
Providenciar o seguro.
Providenciar a transferência das contas de luz e gás.
Pagar todas as contas.
Não entrar em pânico!
Uma licença por tempo indefinido fora acertada com o reitor Hunter.
— Arrumarei alguém para o seu lugar nos cursos normais. Não é problema. Mas os alunos dos seus seminários vão sentir sua falta. — Ele sorriu. — Tenho certeza de que nos deixará a todos muito orgulhosos, senhora Ashley. Boa sorte.
— Obrigada.
Mary tirou as crianças da escola. Havia providências para a viagem, era preciso comprar as passagens de avião. No passado Mary nunca se preocupara com as transações financeiras, porque Edward estava presente para cuidar de tudo. Agora não havia Edward, exceto em sua mente e coração, onde ele sempre estaria.
Mary estava preocupada com Beth e Tim. No início eles se mostraram entusiasmados com a idéia de viver em outro país, mas agora se confrontavam com a realidade e sentiam uma profunda apreensão. Foram procurar Mary, em separado.
— Não posso deixar todos os meus amigos, mamãe — disse Beth. — Talvez eu nunca mais torne a ver Virgil. Estou pensando se não seria o caso de ficar aqui até o fim do semestre.
Tim disse:
— Acabo de entrar no time. Se eu sair agora, eles arrumarão outro para o meu lugar como terceira base. Talvez possamos deixar para viajar depois do próximo verão, quando a temporada acabar. Por favor, mamãe!
Eles estão assustados. Como a mãe. Stanton Rogers fora muito convincente. Mas sozinha com seus medos, à noite, Mary pensou: Não sei nada sobre as funções de uma embaixadora. Sou apenas uma dona-de-casa do Kansas fingindo que é alguma espécie de estadista. Todos vão descobrir que não passo de uma fraude. Foi loucura concordar com isso.
Finalmente, milagrosamente, tudo estava pronto. A casa fora alugada para uma família que acabara de se mudar para Junction City.
Estava na hora de partir.
— Doug e eu levaremos vocês de carro até o aeroporto — insistiu Florence.
O aeroporto em que pegariam o avião de seis lugares para Kansas City, Missouri, ficava localizado em Manhattan, Kansas. Em Kansas City embarcariam num avião maior, que os levaria a Washington.
— Peço que me dêem só um minuto — disse Mary.
Subiu até o quarto que partilhara com Edward por tantos anos maravilhosos. Ficou parada no meio, dando uma última e longa olhada.
Estou partindo agora, meu querido. Queria apenas me despedir. Creio que estou fazendo o que você gostaria. Pelo menos espero que sim. A única coisa que realmente me incomoda é que tenho o pressentimento de que talvez nunca mais voltemos para cá. Sinto como se o estivesse abandonando. Mas você estará comigo onde quer que eu vá. Preciso de você agora mais do que já precisei em qualquer outra ocasião. Fique comigo. Ajude-me. Eu o amo muito. Penso às vezes que não poderei agüentar sem você. Pode me ouvir, querido? Está aí...?
Douglas Schiffer providenciou o despacho da bagagem no pequeno avião. Quando viu o avião pousado na pista, Mary estacou abruptamente.
— Deus do céu!
— Qual é o problema? — perguntou Florence.
— Eu... eu estava tão ocupada que esqueci por completo.
— Esqueceu o quê?
— De voar! Nunca entrei antes num avião, em toda a minha vida, Florence! Não posso conceber subir nessa coisinha!
— Mary, as chances são de uma em um milhão de que aconteça alguma coisa.
— Não gosto de chances — disse Mary firmemente. — Viajaremos de trem.
— Não pode fazer isso. Estão esperando você em Washington esta tarde.
— Viva. Não vou servir a ninguém morta.
Os Schiffer levaram quinze minutos para persuadir Mary a embarcar no pequeno avião. Meia hora depois, ela e os filhos estavam acomodados para o vôo 826 da Air Midwest. Enquanto os motores aceleravam e o aparelho começava a correr pela pista, Mary fechou os olhos e apertou com toda força os braços da poltrona. Segundos depois estavam no ar.
— Mamãe...
— Psiu! Não fale!
Ela ficou rígida, recusando-se a olhar pela janela, concentrando-se em manter o avião no ar. As crianças apontavam as paisagens lá embaixo, divertindo-se imensamente.
Crianças, pensou Mary, amargurada. O que podem saber?
No aeroporto de Kansas City, eles passaram para um DC-10 e seguiram para Washington. Beth e Tim sentaram juntos, e Mary ficou no outro lado do corredor. Uma mulher idosa sentou ao lado de Mary.
— Para ser franca, estou um pouco nervosa — confessou a companheira de viagem de Mary. — Nunca voei antes.
Mary afagou-lhe a mão e sorriu.
— Não há motivo para ficar nervosa. Só há uma chance em um milhão de acontecer alguma coisa.
LIVRO DOIS
13
Quando o avião chegou ao Aeroporto Dulles, em Washington, Mary e as crianças foram recebidas por um rapaz do Departamento de Estado.
— Seja bem-vinda a Washington, senhora Ashley. Meu nome é John Burns. O senhor Rogers pediu-me que viesse recebê-la e a levasse para o hotel. Já fiz reservas no Riverside Towers. Creio que todos ficarão muito bem lá.
— Obrigada.
Mary apresentou Beth e Tim.
— Se me der os tíquetes de bagagem, senhoia Ashley, cuidarei de tudo.
Vinte minutos depois eles estavam sentados numa limusine com motorista, seguindo para o centro de Washington. Tim olhava pela janela, aturdido.
— Ei, lá está o Memorial Lincoln! Beth estava olhando pela outra janela.
— Lá está o Monumento a Washington! Mary olhou para John Burns, embaraçada,
— Infelizmente, meus filhos não são muito sofisticados. É que nunca saíram de... — Mary olhou pela janela e seus olhos se arregalaram. — Puxa, olhem só! Lá está a Casa Branca!
A limusine subiu pela Pennsylvania Avenue, cercada por alguns dos pontos de referência mais emocionantes do mundo. Mary pensou, muito excitada: Esta é a cidade que domina o mundo. É aqui que está o poder. E, de uma forma mínima, também serei parte de tudo.
Enquanto a limusine se aproximava do hotel, Mary perguntou:
— Quando verei o senhor Rogers?
— Ele a procurará pela manhã.
Pete Connors, chefe da KUDESK, a seção de contra-espionagem da CIA, ficara trabalhando até tarde, e seu dia estava longe de terminar. Todas as madrugadas, às três horas, uma equipe se apresentava ao serviço para preparar o resumo diário de informações encaminhado ao presidente, compilado das mensagens recebidas durante a noite. O relatório, cujo nome em código era "Picles", tinha de estar pronto às seis horas da manhã, a fim de estar na mesa do presidente no início de seu dia de trabalho. Um mensageiro armado levava o relatório para a Casa Branca, entrando pelo portão oeste. Pete Connors tinha um renovado interesse nas mensagens que vinham do outro lado da Cortina de Ferro, porque muita coisa se referia à nomeação de Mary Ashley para embaixadora americana na Romênia.
A União Soviética estava preocupada com a possibilidade de o plano do presidente Ellison ser uma trama para se infiltrar em seus satélites, a fim de espioná-los ou seduzi-los.
Os comunas estão tão preocupados quanto eu, pensou Pete Connors, sombriamente. Se a idéia do presidente der certo, todo este pais vai se tornar uma casa aberta para os seus malditos espiões.
Pete Connors fora informado do momento em que Mary Ashley chegara a Washington. Vira fotografias da mulher e dos filhos. Ela será perfeita, pensou Connors, feliz.
O Riverside Towers, a um quarteirão do complexo Watergate, é um pequeno hotel familiar, com suítes confortáveis e bem decoradas.
Um empregado levou a bagagem para a suíte. Quando Mary começava a arrumar suas coisas, o telefone tocou. Ela atendeu.
— Alô?
Uma voz masculina perguntou:
— Senhora Ashley?
— Sou eu.
— Meu nome é Ben Cohn. Sou repórter de The Washington Post. Gostaria de saber se podemos conversar por alguns minutos.
Mary hesitou.
— Acabei de chegar e...
— Não levará mais de cinco minutos. Eu só queria cumprimentá-la.
— Ahn... acho que...
— Já estou subindo.
Ben Cohn era baixo e atarracado, um corpo musculoso e o rosto machucado de um pugilista. Parece um repórter esportivo, pensou Mary.
Ele sentou numa cadeira à sua frente e perguntou:
— É a primeira vez que vem a Washington, senhora Ashley?
— É, sim.
Mary notou que ele não estava com um bloco de anotações nem com um gravador.
— Não vou lhe fazer a pergunta estúpida. Ela franziu o rosto.
— Qual é a pergunta estúpida?
— Está gostando de Washington? Sempre que uma celebridade desembarca de um avião em qualquer lugar, a primeira coisa que lhe perguntam é: "O que acha da cidade?"
Mary riu.
— Não sou uma celebridade, mas acho que vou gostar muito de Washington.
— Era professora na Universidade Estadual do Kansas?
— Isso mesmo. Tinha um curso que se chamava Leste europeu. Hoje tem o nome de Política.
— Soube que o presidente conheceu-a através de um livro seu sobre a Europa Central e diversos artigos em revistas.
— É verdade.
— E o resto, como se costuma dizer, é história.
— Imagino que se trata de uma maneira excepcional de...
— Não é tão excepcional assim. Jeanne Kirkpatrick atraiu a atenção do presidente Reagan da mesma maneira, e ele a nomeou embaixadora na ONU. — Cohn sorriu. — Portanto, há um precedente. Essa é uma das palavras mais importantes em Washington. Precedente. Seus avós eram romenos?
— Meu avô. Isso mesmo.
Ben Cohn ficou na suíte por mais quinze minutos, obtendo informações sobre os antecedentes de Mary. Ela perguntou:
— Quando a entrevista vai sair no jornal? Queria saber para enviar exemplares a Douglas e Florence e outros amigos em Junction City. Ben Cohn levantou-se e respondeu, evasivo:
— Vou guardá-la para mais tarde. — Havia alguma coisa na situação que o deixava perplexo, mas não tinha certeza do quê. — Tornaremos a conversar em outra ocasião.
Depois que ele se retirou, Beth e Tim vieram à sala de estar da suíte.
— Ele foi simpático, mamãe?
— Foi, sim. — Mary hesitou, indecisa. — Acho que sim.
Stanton Rogers telefonou na manhã seguinte.
— Bom dia, senhora Ashley. Aqui é Stanton Rogers. Era como ouvir a voz de um velho amigo. Talvez seja
porque ele é a única pessoa que conheço na cidade, pensou Mary.
— Bom dia, senhor Rogers. Obrigada por ter mandado o senhor Burns nos esperar no aeroporto e providenciar o hotel.
— Está tudo a seu gosto?
— Está maravilhoso.
— Creio que seria uma boa idéia nos encontrarmos para discutir os procedimentos que terá de enfrentar.
— Tem razão.
— Por que não almoçamos hoje no Grand? Não fica longe de seu hotel. Uma hora está bom?
— Está sim.
— Estarei à sua espera no restaurante. Estava começando.
Mary providenciou para que servissem o almoço das crianças na suíte, e à uma hora da tarde um táxi deixou-a no Grand Hotel. Ela sentiu-se intimidada. O Grand Hotel é um centro de poder. Chefes de Estado e diplomatas do mundo inteiro se hospedavam ali, e é fácil compreender o motivo. É um prédio elegante, com um saguão imponente, o chão de mármore italiano e colunas graciosas, sob um teto circular. Há um pátio ajardinado, com um chafariz e uma piscina ao ar livre. Uma escada de mármore leva ao restaurante, onde Stanton Rogers estava à sua espera.
— Boa tarde, senhora Ashley.
— Boa tarde, senhor Rogers. Ele soltou uma risada.
— Estamos formais demais. Não seria melhor se nos tratássemos por Stan e Mary?
Ela ficou satisfeita.
— Seria ótimo.
Stanton Rogers parecia de certa forma diferente, e Mary tinha dificuldade para definir o que mudara. Em Junction City ele demonstrara indiferença, quase ressentimento contra ela. Agora, isso parecia ter desaparecido por completo. Ele se mostrava cordial e efusivo. A diferença é que ele me aceitou, pensou Mary, feliz.
— Gostaria de tomar um drinque?
— Não, obrigada.
Pediram o almoço. As entradas pareciam-lhe muito caras. Não é como os preços em Junction City. A suíte do hotel custava 250 dólares por dia. Nesse ritmo, meu dinheiro não vai durar muito, pensou Mary.
— Não quero parecer grosseira, Stan, mas pode me dizer quanto ganha um embaixador?
Ele riu.
— É uma pergunta justa. Seu salário será de 65 mil dólares por ano, mais uma verba de representação.
— Quando isso começa?
— Na hora em que prestar juramento.
— E até lá?
— Receberá 75 dólares por dia.
Mary sentiu um aperto no coração. Não daria sequer para pagar as contas do hotel, muito menos para as outras despesas.
— Ficarei em Washington por muito tempo? — perguntou ela.
— Cerca de um mês. Faremos todo o possível para acelerar a transferência. O secretário de Estado já telegrafou para o governo romeno, solicitando a aprovação de seu nome. Aqui entre nós, já houve discussões particulares entre os dois governos. Não haverá problemas com os romenos, mas ainda ficará na dependência da aprovação do Senado. Então o governo romeno vai me aceitar, pensou Mary, espantada. Talvez eu seja mais bem qualificada do que imaginava.
— Fiz uma consulta informal ao presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado. O próximo passo será uma audiência pública com todo o comitê. Farão perguntas sobre seus antecedentes, sua lealdade ao país, opiniões sobre o posto e o que espera realizar.
— E o que acontece depois disso?
— A comissão vota. Apresenta suas conclusões, e todo o Senado vota.
Mary disse, bem devagar:
— Já houve indicações rejeitadas no passado, não é?
— O prestígio do presidente está em jogo neste caso. Você terá todo o apoio da Casa Branca. O presidente está ansioso em ter sua confirmação o mais depressa possível. Por falar nisso, achei que você e as crianças gostariam de conhecer a cidade durante os próximos dias. Por isso, providenciei um carro com motorista, assim como uma excursão particular pela Casa Branca.
— Muito obrigada! Stanton Rogers sorriu.
— O prazer é todo meu.
A excursão particular pela Casa Branca foi na manhã seguinte. Um guia acompanhou-os. Passaram pelo Jardim Jacqueline Kennedy e o jardim em estilo do século XVIII em que havia um laguinho, árvores e uma plantação de ervas para uso na cozinha da Casa Branca.
— Bem à frente fica a Ala Leste — anunciou o guia. — Aloja os gabinetes militares, as ligações presidenciais com o Congresso, um escritório para visitantes e as salas da equipe da primeira dama.
Passaram pela Ala Oeste e deram uma olhada no Gabinete Oval do presidente.
— Quantos cômodos têm aqui? — indagou Tim.
— Há 132 cômodos, 69 closets, 28 lareiras e 32 banheiros.
— O pessoal deve ir muito ao banheiro.
— O presidente Washington ajudou a supervisionar uma boa parte da construção. Foi o único presidente que nunca residiu aqui.
— Não o culpo por isso — murmurou Tim. — A casa é grande demais.
Mary cutucou-o, o rosto vermelho.
A excursão demorou quase duas horas, e ao final a família Ashley estava impressionada e exausta.
Este é o lugar em que tudo começou, pensou Mary. E agora serei parte disso.
— Mamãe...
— O que é, Beth?
— Você está com uma cara engraçada.
O telefonema do gabinete do presidente ocorreu na manhã seguinte.
— Bom dia, senhora Ashley. O presidente Ellison gostaria de saber se estará disponível esta tarde para encontrá-lo.
Mary engoliu em seco.
— Ahn... claro, claro.
— Três horas seria conveniente?
— Está ótimo.
— Uma limusine irá buscá-la às quinze para as três.
Paul Ellison levantou-se quando Mary foi introduzida no Gabinete Oval. Ele se adiantou para apertar-lhe a mão, sorriu e disse:
— Peguei-a! Mary riu.
— Fico contente que isso tenha acontecido, senhor presidente. É uma grande honra para mim.
— Vamos sentar, senhora Ashley. Posso chamá-la de Mary?
— Por favor.
Sentaram no sofá. O presidente Ellison disse:
— Você vai ser meu doppelgänger. Sabe o que é isso?
— É uma espécie de um espírito idêntico ao de uma pessoa viva.
— Exatamente. É o nosso caso. Não dá para descrever como Fiquei excitado ao ler seu último artigo, Mary. Era como se estivesse lendo alguma coisa que eu mesmo escrevera. Há muitas pessoas que não acreditam que o nosso programa de povo-para-povo possa dar certo, mas você e eu vamos demonstrar que estão enganadas.
Nosso plano povo-para-povo. Nós vamos mostrar que os outros se enganam. Ele é um homem encantador, pensou Mary. Em voz alta, ela disse:
— Quero fazer tudo o que puder para ajudar, senhor presidente.
— Estou contando com você. E muito. A Romênia é uma espécie de campo de prova. Como Groza foi assassinado, seu trabalho será mais difícil. Se tivermos sucesso lá, podemos fazer com que dê certo nos outros países comunistas.
Os dois passaram os trinta minutos seguintes discutindo alguns dos problemas e depois Paul Ellison disse:
— Stan Rogers vai se manter em contato permanente com você. Ele se tornou um dos seus maiores fãs. — O presidente estendeu a mão. — Boa sorte, doppelgänger.
Stanton Rogers telefonou para Mary na tarde seguinte e avisou:
— Você tem um encontro amanhã de manhã, às nove horas, com o presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado.
O gabinete da Comissão de Relações Exteriores fica no Edifício Dirksen. Uma placa no saguão, no lado direito da porta, informa: COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES, SD-419.
O presidente da comissão era um homem rotundo, cabelos grisalhos, olhos verdes penetrantes, o comportamento descontraído de um político profissional. Cumprimentou Mary na porta.
— Charlie Campbell. É um prazer conhecê-la, senhora Ashley. Já ouvi falar muito a seu respeito.
Bem ou mal?, pensou Mary. Ele conduziu-a a uma cadeira.
— Aceita um café?
— Não, obrigada, senador.
Ela estava nervosa demais para conseguir segurar uma xícara.
— Sendo assim, vamos direto aos negócios. O presidente está ansioso em tê-la como nossa representante na Romênia. Claro que queremos lhe proporcionar um apoio total, por todos os meios possíveis. O problema é o seguinte: acha que está qualificada para ocupar o posto, senhora Ashley?
— Não, senhor.
A resposta pegou-o de surpresa.
— Como?
— Se está querendo saber se já tive alguma experiência diplomática no trato com outros países, então não estou qualificada. Contudo, fui informada de que um terço dos embaixadores americanos é constituído por pessoas que também não tinham experiência anterior. O que eu levaria para o meu posto é o conhecimento da Romênia. Estou a par de seus problemas econômicos e sociológicos, conheço-lhe os antecedentes políticos. Creio que poderia projetar uma imagem positiva de nosso país para os romenos.
Ora essa, pensou Charlie Campbell, surpreso. Eeu estava esperando uma mulher de cabeça vazia. A verdade era que Campbell tinha algum ressentimento contra Mary Ashley antes mesmo de conhecê-la. Recebera ordens superiores para* obter a aprovação de sua comissão para Mary Ashley, não importava o que pensassem dela. Havia muitos comentários desdenhosos nos corredores do poder sobre a gafe que o presidente cometera ao escolher uma caipira desconhecida de um lugar chamado Junction City, Kansas. Mas tenho a impressão de que a turma terá uma pequena surpresa, pensou Campbell. Em voz alta, disse:
— A audiência da comissão será realizada às nove horas da manhã de quarta-feira.
Mary entrou em pânico na noite anterior à audiência. Edward, quando me interrogarem sobre a minha experiência, o que direi a eles? Que em Junction City fui a rainha da escola e ganhei o concurso de patinação no gelo por três anos consecutivos? Estou em pânico, querido. Ah, como eu gostaria que você estivesse aqui comigo!
Mais uma vez, a ironia aflorou. Se Edward continuasse vivo, ela não estaria ali. Estaria segura e confortável em casa, com meu marido e meus filhos, o lugar a que pertenço.
Mary passou a noite inteira acordada.
A audiência foi realizada na sala da Comissão de Relações Exteriores do Senado, com todos os quinze membros presentes, sentados numa plataforma, na frente de uma parede em que havia quatro enormes mapas do mundo. No lado esquerdo da sala ficava a bancada da imprensa, repleta de repórteres; no meio havia cadeiras para duzentos espectadores. A sala estava lotada. Pete Connors sentava numa das últimas filas. Houve um súbito silêncio quando Mary entrou, acompanhada por Beth e Tim.
Ela usava um costume escuro e uma blusa branca. As crianças haviam sido obrigadas a abandonar as jeans e vestiam as melhores roupas dominicais.
Ben Cohn, sentado na bancada da imprensa, observou-os atentamente. Eles parecem uma gravura de Norman Rockwell, pensou.
Um atendente sentou as crianças na frente e conduziu Mary à cadeira das testemunhas, de frente para a comissão. Ela sentou sob o clarão de luzes ofuscantes, tentando disfarçar seu nervosismo. A audiência começou. Charlie Campbell sorriu para Mary.
— Bom dia, senhora Ashley. Agradecemos sua presença nesta comissão. Vamos iniciar as perguntas.
E começaram de forma bastante inocente.
— Nome...?
— Viúva...?
— Filhos...?
As perguntas eram gentis e encorajadoras.
— Segundo a biografia que nos foi fornecida, senhora Ashley, durante os últimos anos a senhora foi professora de ciência política na Universidade Estadual do Kansas. Isso é correto?
— É, sim, senhor.
— É natural do Kansas?
— Sou, sim, senador.
— Seus avós eram romenos?
— Meu avô era, senhor.
— Escreveu um livro e artigos sobre a reaproximação entre os Estados Unidos e países do bloco soviético?
— Escrevi, sim, senhor.
— O último artigo foi publicado em parte na revista Foreign affairs e atraiu a atenção do presidente?
— É o que presumo.
— Senhora Ashley, poderia fazer a gentileza de informar a esta comissão qual é a premissa básica de seu artigo?
O nervosismo estava desaparecendo depressa. Ela se encontrava em terreno seguro agora, discutindo um assunto sobre o qual tinha toda autoridade. Tinha a sensação de que estava conduzindo um seminário na escola.
— Existem no momento vários pactos econômicos no mundo. Como são mutuamente exclusivos, servem para dividir o mundo em blocos antagônicos e competitivos, em vez de o unirem. A Europa tem o Mercado Comum, o Bloco do Leste tem o COMECON, há ainda a OCDE, integrada pelos países de mercado livre, e o movimento não-alinhado dos países do Terceiro Mundo.
"Minha premissa é muito simples: eu gostaria que todas as diversas organizações fossem ligadas por vínculos econômicos. Indivíduos que estão empenhados numa sociedade proveitosa não se matam uns aos outros. Creio que o mesmo princípio se aplica a países. Gostaria que nosso país assumisse a vanguarda de um movimento para a criação de um mercado comum que incluísse tanto aliados quanto adversários. Hoje, para citar um exemplo, estamos gastando bilhões de dólares para armazenar excedentes de cereais, enquanto pessoas em dezenas de países passam fome. O mercado comum mundial poderia resolver esse problema. Poderia curar as desigualdades na distribuição, a um preço justo para todos. E eu gostaria de tentar ajudar para que isso se torne uma realidade."
O senador Harold Turkel, antigo membro da Comissão de Relações Exteriores e representante do partido de oposição, manifestou-se:
— Eu gostaria de fazer algumas perguntas à indicada. Ben Cohn inclinou-se para a frente. Lá vamos nós. O
senador Turkel era um homem na casa dos setenta anos, duro e impertinente, um notório rabugento.
— É a primeira vez que vem a Washington, senhora Ashley?
— É, sim, senhor. Acho que é uma das mais...
— Já viajou muito?
— Não. Meu marido e eu sempre planejamos viajar, mas...
— Já esteve em Nova York?
— Não, senhor.
— Califórnia?
— Não, senhor.
— Foi à Europa?
— Não. Como eu disse, planejávamos...
— Já tinha saído antes do Estado do Kansas, senhora Ashley?
— Já, sim. Fiz uma conferência na Universidade de Chicago e uma série de palestras em Denver e Atlanta.
Turkel disse, secamente:
— Deve ter sido muito emocionante no seu caso, senhora Ashley. Não posso me recordar de qualquer ocasião em que esta comissão tenha aprovado uma candidata menos qualificada para uma embaixada. Espera representar os Estados Unidos da América num sensível país da Cortina de Ferro e nos diz que todo o seu conhecimento do mundo provém de Junction City, Kansas, e de passar alguns dias em Chicago, Atlanta e Denver. É isso mesmo?
Mary estava consciente das câmaras de televisão focalizadas nela e fez um esforço para se controlar.
— Não, senhor. Meu conhecimento do mundo provém do muito que o estudei. Tenho um Ph.D. em ciência política e ensino na Universidade Estadual do Kansas há cinco anos, com ênfase nos países da Cortina de Ferro. Estou a par dos problemas atuais do povo romeno e do que seu governo pensa dos Estados Unidos e por quê. — A voz soava mais firme agora. — Tudo o que eles sabem deste país é o que lhes diz sua máquina de propaganda. Eu gostaria de ir até lá e tentar convencê-los de que os Estados Unidos não são um país ganancioso e propenso à guerra. Gostaria de mostrar-lhes como é uma típica família americana. Gostaria...
Ela parou de falar, temendo ter ido longe demais em sua raiva. E nesse instante, para sua surpresa, os membros da comissão começaram a aplaudir. Menos Turkel.
O interrogatório continuou. Uma hora depois, Charlie Campbell perguntou:
— Alguém tem mais alguma pergunta?
— Creio que a indicada se expressou de maneira bastante objetiva — comentou um senador.
— Concordo. Obrigado, senhora Ashley. A sessão está suspensa.
Pete Connors estudou Mary por um momento, pensativo, depois se afastou discretamente, enquanto os repórteres a cercavam.
— A indicação do presidente foi surpresa para a senhora?
— Acha que vão aprovar sua indicação, senhora Ashley?
— Acredita mesmo que dar aulas sobre um país qualifica alguém a...?
— Vire para este lado, senhora Ashley. Sorria, por favor. Mais uma vez.
— Senhora Ashley...
Ben Cohn se manteve a distância dos outros, observando e escutando. Ela é mesmo boa, pensou ele. Tem todas as respostas certas. Ah, como eu gostaria de também conhecer as respostas certas!
Quando Mary chegou ao hotel, emocionalmente esgotada, Stanton Rogers estava ao telefone.
— Olá, senhora embaixadora.
Mary sentiu-se tonta de alívio.
— Quer dizer que consegui? Oh, Stan, muito obrigada! Não tenho palavras para dizer como estou emocionada.
— Eu também estou, Mary. — A voz de Rogers estava impregnada de orgulho. — Eu também estou.
As crianças abraçaram-na quando Mary lhes contou.
— Eu sabia que você conseguiria! — gritou Tim. Beth perguntou, suavemente:
— Acha que papai sabe?
— Tenho certeza que sabe, querida. — Mary sorriu, — Eu não ficaria surpresa se soubesse que ele deu um pequeno empurrão na comissão...
Mary telefonou para Florence. Ao ser informada, a amiga começou a chorar.
— Fantástico! Espere só até eu espalhar a notícia pela cidade!
Mary riu.
— Terei um quarto na embaixada pronto para você e Doug.
— Quando você viaja para a Romênia?
— Primeiro, o Senado tem de aprovar minha designação. Mas Stan diz que é apenas uma formalidade.
— O que acontece em seguida?
— Tenho de passar algumas semanas recebendo instruções em Washington e depois as crianças e eu seguimos para a Romênia.
— Mal posso esperar o momento de ligar para o Daily Union! — exclamou Florence. — A cidade provavelmente vai erguer uma estátua para você. Tenho de desligar agora. Estou excitada demais para continuar a conversa. Tornarei a ligar amanhã.
Ben Cohn tomou conhecimento do resultado da audiência de confirmação quando voltou ao jornal. Ainda se sentia perturbado. E não sabia explicar o motivo.
14
Como Stanton Rogers previra, a votação do plenário do Senado foi uma mera formalidade. Mary foi aprovada por uma maioria tranqüila. Quando foi informado, o presidente Ellison disse a Stanton Rogers:
— Nosso plano está em andamento, Stan. Nada pode nos deter agora.
Stanton Rogers balançou a cabeça e murmurou, sorrindo:
— Nada mesmo.
Pete Connors estava em sua sala quando recebeu a notícia. No mesmo instante escreveu uma mensagem e codificou-a. Um dos seus homens estava de serviço na sala de comunicações da CIA.
— Quero usar o Canal Roger — disse Connors. — Espere lá fora.
O Canal Roger é o sistema de transmissão ultraprivativo da CIA, à disposição apenas de uns poucos executivos de alto nível. As mensagens são enviadas por um transmissor laser numa freqüência ultra-alta, em uma fração de segundo. Assim que ficou sozinho, Connors despachou a mensagem. Estava endereçada a Sigmund.
Durante a semana seguinte Mary visitou o subsecretário de Estado para assuntos políticos, o diretor da CIA, o secretário de Comércio, os diretores do Chase Manhattan Bank de Nova York e diversas organizações judaicas importantes. Cada um tinha avisos, conselhos e pedidos. Ned Tillin-gast, da CIA, mostrou-se entusiasmado.
— Será ótimo para o nosso pessoal voltar a agir por lá, senhora embaixadora. A Romênia tem sido um ponto cego para nós desde que nos tornamos personae non gratae. Destacarei um homem para a sua embaixada como um dos adidos. — Exibiu uma expressão sugestiva. — Tenho certeza de que dará a ele cooperação total.
Mary especulou o que isso significaria exatamente. É melhor não perguntar, decidiu.
A cerimônia de juramento dos novos embaixadores é normalmente presidida pelo secretário de Estado, e cerca de 25 a 30 candidatos participam ao mesmo tempo. Na manhã em que a cerimônia deveria ocorrer, Stanton Rogers telefonou para Mary.
— O presidente Ellison pediu que esteja na Casa Branca ao meio-dia, Mary. Ele presidirá o juramento pessoalmente. Traga Beth e Tim.
O Gabinete Oval estava repleto de representantes da imprensa. Quando o presidente Ellison entrou, acompanhado por Mary e seus filhos, as câmaras de televisão começaram a funcionar e os flashes espocaram. Mary passara a meia hora anterior com o presidente, que se mostrara afável e tranqüilizador.
— Você é perfeita para o posto, ou eu nunca a teria escolhido — garantira ele. — E você e eu vamos fazer com que o sonho se transforme em realidade.
E parece mesmo um sonho, pensou Mary, enquanto enfrentava a bateria de câmaras.
— Levante a mão direita, por favor. Mary repetiu as palavras do presidente:
— Eu, Mary Elizabeth Ashley, juro solenemente que sustentarei e defenderei a Constituição dos Estados Unidos contra todos os inimigos, externos e internos, que lhe concederei toda fé e lealdade, que assumo esta obrigação por livre e espontânea vontade, sem qualquer reserva mental ou propósito de evasão, que me desincumbirei fielmente dos deveres do cargo que estou prestes a assumir, pela vontade de Deus.
E estava consumado. Ela era a embaixadora na República Socialista da Romênia.
A rotina começou. Mary recebeu a ordem de se apresentar na Seção de Assuntos Europeus e Iugoslavos do Departamento de Estado. Ali, recebeu uma pequena sala, um autêntico cubículo, em caráter temporário, ao lado do setor romeno.
James Stickley, o chefe do setor romeno, era um diplomata de carreira, com 25 anos de serviço. Tinha cinqüenta e tantos anos, estatura mediana, rosto afilado, lábios pequenos e finos. Os olhos eram castanhos, muito claros e frios. Encarava com desdém os nomeados políticos que estavam invadindo seu mundo. Era considerado o maior perito do setor romeno; quando o presidente Ellison anunciara seu plano de designar um embaixador para a Romênia, Stickley ficara extasiado, certo de que o posto lhe seria concedido. A notícia sobre Mary Ashley fora um golpe amargo. Já era bastante terrível ter sido preterido, mas era mortificante perder para uma escolha política — uma mulher insignificante do Kansas.
— Pode acreditar numa coisa dessas? — perguntara ele a Bruce, seu maior amigo. — Metade dos nossos embaixadores é de nomeados políticos. Isso nunca poderia acontecer na Inglaterra ou França. Eles usam profissionais de carreira. O exército convidaria um amador para ser general? Pois as porras dos nossos embaixadores amadores no exterior são como generais.
— Você está bêbado, Jimbo.
— E vou ficar ainda mais bêbado.
Agora ele estudava Mary Ashley, sentada no outro lado de sua mesa.
Ela também estava estudando Stickley. Havia algo mesquinho naquele homem. Eu não gostaria de tê-lo como meu inimigo, pensou Mary.
— Sabe que está sendo enviada para um posto extremamente delicado, senhora Ashley?
— Claro. Eu...
— Nosso último embaixador na Romênia deu um passo errado e todo o relacionamento explodiu na nossa cara. Levamos três anos para voltar a abrir a porta. O presidente seria doido se estragasse tudo outra vez.
Se eu estragasse, é o que ele está querendo dizer, pensou Mary.
— Teremos de transformá-la numa especialista em assuntos romenos de um momento para o outro. Não temos muito tempo. — Entregou a Mary diversas pastas de arquivo. — Pode começar pela leitura desses relatórios.
— Dedicarei a manhã a isso.
— Não será possível. Dentro de trinta minutos deverá iniciar um curso de romeno. Geralmente leva-se meses para aprender a língua, mas tenho ordens para acelerar o processo.
O tempo tornou-se uma coisa indefinida, um turbilhão de atividade que deixava Mary exausta. Todas as manhãs ela e Stickley verificavam juntos os despachos diários do setor romeno.
— Lerei as mensagens que você enviar — informou Stickley. — Serão cópias amarelas para ação ou cópias brancas para informação. Duplicatas de seus despachos irão para os Departamentos de Defesa e Tesouro, CIA, USIA e uma dúzia de outros órgãos do governo. Um dos primeiros problemas para os quais se espera solução é dos americanos que se encontram em prisões romenas. Queremos que sejam libertados.
— De que foram acusados?
— Espionagem, tráfico de tóxicos, roubo... qualquer coisa de que os romenos quiseram acusá-los.
Mary se perguntou como seria possível revogar uma acusação de espionagem. Encontrarei um jeito.
— Certo — disse ela, incisiva.
— Não se esqueça... a Romênia é um dos países mais independentes da Cortina de Ferro. Temos de estimular essa atitude.
— Exatamente.
— Vou lhe entregar um pacote — acrescentou Stickley. — Não pode sair de suas mãos. E é a única pessoa que pode tomar conhecimento. Depois que ler e digerir, quero que me devolva, pessoalmente, amanhã de manhã. Alguma pergunta?
— Não, senhor.
Ele entregou a Mary um grosso envelope pardo, com um lacre vermelho.
— Assine o recebimento, por favor. Mary assinou.
Voltando para o hotel, Mary apertava o envelope no colo, sentindo-se personagem de um filme de James Bond. As crianças estavam arrumadas, à sua espera.
Oh, não!, pensou Mary, se lembrando. Prometi levá-las a um restaurante chinês e ao cinema!
— Houve uma mudança de planos, companheiros — declarou ela. — Teremos de deixar nossa excursão para outra noite. Hoje vamos ficar em casa e pedir que mandem o jantar para a suíte. Tenho um trabalho urgente a fazer.
— Claro, mamãe.
— Está bem.
E Mary pensou: Antes de Edward morrer, eles teriam gritado como desesperados. Mas amadureceram. Todos nós tivemos de crescer. Ela passou os braços pelos dois e prometeu:
— Podem deixar que vou compensá-los por isso.
O material que James Stickley lhe dera era inacreditável. Não é de admirar que ele queira isso de volta imediatamente, pensou Mary. Havia relatórios detalhados sobre todas as autoridades romenas, do presidente ao ministro do Comércio. Havia informações sobre seus hábitos sexuais, operações financeiras, amizades, características pessoais e preconceitos. Algumas coisas eram estarrecedoras. O ministro do Comércio, por exemplo, ia para a cama com a amante e seu motorista, enquanto a esposa mantinha ligação amorosa com uma criada.
Mary ficou acordada durante a metade da noite, memorizando nomes e os pecados das pessoas com as quais iria tratar. Será que conseguirei me manter impassível quando for apresentada a essa gente?
Pela manhã ela devolveu os documentos secretos. Stickley disse:
— Muito bem, agora você já conhece tudo que deveria saber sobre os líderes romenos.
— E mais alguma coisa — murmurou Mary.
— Há uma coisa que não deve esquecer: a essa altura, os romenos já conhecem tudo o que há para saber a seu respeito.
— Não vão chegar muito longe.
— Não mesmo? — Stickley recostou-se em sua cadeira. — Você é mulher e está sozinha. Pode estar certa de que já a classificaram como um alvo fácil. Vão jogar com a sua solidão. Cada movimento que fizer será observado e registrado. Haverá microfones secretos na embaixada e na residência. Nos países comunistas, somos obrigados a usar o pessoal local, e assim todos os criados na residência serão membros da polícia de segurança romena.
Ele está tentando me assustar, pensou Mary. Pois não vai dar certo.
Cada hora do dia de Mary parecia estar totalmente ocupada, assim como a maior parte das noites. Além das aulas de língua romena, sua programação incluía um curso no Instituto de Serviço Diplomático, em Rosslyn, instruções na Agência de Informações da Defesa, reuniões com o secretário da ASI — Agência de Segurança Internacional — e com diversos comitês do Senado. Todos tinham pedidos, conselhos, perguntas.
Mary sentia-se culpada em relação a Beth e Tim. Com a ajuda de Stanton Rogers, encontrou uma tutora para as crianças. Beth e Tim conheceram algumas outras crianças que também estavam no hotel e pelo menos tinham companhia de sua idade; mas, apesar disso, Mary continuava a detestar deixá-los sozinhos por tanto tempo.
Ela fazia questão de tomar o café da manhã com os filhos todas as manhãs, antes de partir, às oito horas, para o curso da língua no Instituto. O romeno era muito difícil. É surpreendente que os próprios romenos consigam falar uma língua assim. Ela estudava as frases em voz alta:
Bom dia
Bunã dimineata
Obrigado
Multumesc
Seja bem-vindo
Cu plãcere
Não compreendo
Nu înteleg
Senhor
Domnule
Senhorita
Domnisoarã
E nenhuma das palavras era pronunciada da maneira como se escrevia.
Beth e Tim ficavam observando sua luta com o dever de casa. Beth sorria e comentava:
— É a nossa vingança por nos obrigar a aprender a tabuada de multiplicação.
James Stickley comunicou:
— Quero apresentá-la a seu adido militar, senhora embaixadora. Este é o coronel William McKinney.
Bil McKinney estava à paisana, mas seu porte militar era como um uniforme. Era um homem alto, de meia-idade, o rosto vincado.
— Senhora embaixadora.
A voz era rude e meio rouca, como se a garganta estivesse machucada.
— Prazer em conhecê-lo — disse Mary.
O coronel McKinney era o primeiro membro de sua equipe, e conhecê-lo deixou Mary excitada. Parecia tornar bem mais próximo o seu novo posto.
— Estou ansioso em trabalhar ao seu lado na Romênia — disse o coronel McKinney.
— Já esteve na Romênia antes?
O coronel e James Stickley trocaram um olhar.
— Ele já esteve lá antes — respondeu Stickley.
Todas as tardes de segunda-feira eram realizadas sessões diplomáticas para os novos embaixadores, numa sala de conferências no oitavo andar do Departamento de Estado.
— Temos uma rigorosa cadeia de comando no serviço diplomático — disse o instrutor. — No topo, está o embaixador. Abaixo dele [abaixo dela, pensou Mary automaticamente], está o subchefe da missão. Abaixo dele [abaixo dela], estão os representantes consulares político, econômico, administrativo e de assuntos públicos. Há ainda o adido agrícola, o comercial e o militar. [Esse é o coronel McKinney, pensou Mary.] Quando estiverem em seus novos postos, gozarão de imunidade diplomática. Não podem ser presos por avançar um sinal, guiar embriagado, queimar uma casa ou até por assassinar alguém. Quando morrerem, ninguém pode tocar no corpo ou examinar qualquer bilhete que tenham deixado. Não precisam pagar suas contas... as lojas não podem processá-los.
Alguém da turma gritou:
— Não deixem minha mulher saber disso!
— Lembrem-se sempre de que o embaixador é o representante pessoal do presidente junto ao país a que está credenciado. Espera-se que se comportem de acordo. — O instrutor olhou para o relógio. — Antes de nossa próxima sessão, sugiro que estudem o Manual do serviço diplomático, volume dois, seção trezentos, que versa sobre os relacionamentos pessoais. Obrigado.
Mary e Stanton Rogers estavam almoçando no Watergate Hotel.
— O presidente Ellison gostaria que fizesse um trabalho de relações públicas para ele — disse Rogers.
— Que espécie de trabalho?
— Vamos fazer uma campanha nacional. Entrevistas com a imprensa, depoimentos no rádio e televisão...
— Se isso é importante, tentarei fazer o melhor possível.
— Ótimo. Teremos de providenciar um novo guarda-roupa. Você não pode se apresentar com o mesmo vestido duas vezes.
— Isso custaria uma fortuna, Stan. Além do mais, não tenho tempo para fazer compras. Estou ocupada do início da manhã ao final da noite. Se...
— Não há problema. Helen Moody.
— Como?
— Ela é uma das melhores compradoras profissionais de Washington. Deixe tudo aos seus cuidados.
Helen Moody era uma negra atraente e extrovertida, que fora modelo de sucesso antes de iniciar o seu serviço de compras pessoais. Apareceu na suíte de Mary no hotel uma manhã e passou uma hora examinando seu guarda-roupa.
— Muito bom para Junction City — disse ela, com toda a franqueza. — Só que precisamos agora conquistar Washington. Certo?
— Não tenho muito dinheiro para... Helen Moody sorriu.
— Sei onde se pode encontrar bons negócios. E teremos de providenciar tudo depressa. Vai precisar de um longo a rigor, um vestido de coquetel e recepções noturnas, um vestido para chás vespertinos e almoços, um costume para sair na rua ou usar no escritório, um vestido preto e um chapéu apropriado para funerais e lutos oficiais.
As compras se prolongaram por três dias. Quando acabaram, Helen Moody estudou Mary Ashley e declarou:
— Você é uma mulher bonita, mas acho que podemos melhorá-la ainda mais. Quero que procure Susan no Rain-bow para a maquilagem e depois eu a mandarei ao Billy no Sunshine para cuidar dos cabelos.
Poucas noites depois Mary encontrou com Stanton Rogers num jantar formal oferecido na Corcoran Gallery. Ele contemplou-a e sorriu.
— Você está absolutamente deslumbrante.
A blitz dos meios de comunicação começou. Foi comandada por Ian Villiers, assessor de imprensa do Departamento de Estado. Villiers tinha quarenta e tantos anos e era um dinâmico ex-jornalista que parecia conhecer todo mundo nos meios de comunicação.
Mary descobriu-se na frente das câmaras de Good morning, America, Meet the press e Firing line. Foi entrevista por The Washington Post, The New York Times e meia dúzia de outros importantes jornais diários. Concedeu entrevistas ainda ao London Times, Der Spiegel, Oggi e Le Monde. As revistas Time e People apresentaram reportagens sobre ela e os filhos. A fotografia de Mary Ashley parecia estar em toda parte. Sempre que acontecia alguma coisa que era notícia no outro lado do mundo, alguém da imprensa pedia seus comentários a respeito. Da noite para o dia, Mary Ashley e os filhos tornaram-se celebridades. Tim comentou:
— Mamãe, é fantástico ver as nossas fotografias nas capas de todas as revistas.
— Fantástico é mesmo a palavra — concordou Mary. Mas ela se sentia constrangida com toda a publicidade, e falou a respeito com Stanton Rogers.
— Considere como uma parte de seu cargo. O presidente está tentando criar uma imagem. Quando você chegar na Europa, todo mundo saberá quem você é.
Ben Cohn e Akiko estavam na cama, nus. Akiko era uma adorável japonesa, dez anos mais moça do que o repórter. Haviam se conhecido alguns anos antes, quando ele fazia uma matéria sobre modelos, e estavam juntos desde então. Cohn estava com um problema.
— O que há com você, meu bem? — indagou Akiko, suavemente. — Quer que eu trabalhe nele mais um pouco?
Os pensamentos de Cohn estavam longe dali.
— Não precisa. Já estou com o maior tesão.
— Não estou vendo — zombou Akiko.
— É na minha mente, Akiko. Estou com tesão por uma história. Há alguma coisa esquisita acontecendo nesta cidade.
— E qual é a novidade nisso?
— Agora é diferente. E não consigo entender.
— Quer falar sobre isso?
— É Mary Ashley. Eu a vi nas capas de seis revistas nas duas últimas semanas e ela ainda nem assumiu o posto! Akiko, alguém está dando uma projeção de estrela de cinema à senhora Ashley. E os dois filhos aparecem em todos os jornais e revistas. Por quê?
— E eu é que deveria ter a tortuosa mente oriental. Acho que você está complicando o que é muito simples.
Ben Cohn acendeu um cigarro e deu uma tragada furiosa.
— Talvez você tenha razão, Akiko. Ela se inclinou e acariciou-o.
— Que tal apagar esse cigarro e me acender...?
— Está havendo uma festa em homenagem ao vice-presidente Bradford — Stanton Rogers informou a Mary.
— Providenciei para que você fosse convidada. Será na noite de sexta-feira, na União Pan-Americana.
A União Pan-Americana era um prédio grande e sóbrio, com um enorme pátio, usado com freqüência para funções diplomáticas. O jantar para o vice-presidente foi requintado, com pratarias antigas e reluzentes copos de cristal Baccarat nas mesas. Havia uma pequena orquestra. A lista de convidados era formada pela elite da capital americana.
Além do vice-presidente e esposa, lá estavam senadores, embaixadores e celebridades de todos os setores da vida.
Mary correu os olhos pela fascinante reunião. Devo me lembrar de tudo, a fim de contar a Beth e Tim, pensou.
Quando o jantar foi anunciado, Mary descobriu-se a uma mesa com uma interessante mistura de senadores, altos funcionários do Departamento de Estado e diplomatas. As pessoas eram encantadoras, e o jantar estava excelente.
Às onze horas, Mary olhou para o relógio e disse ao senador à sua direita:
— Não sabia que já era tão tarde. Prometi às crianças que voltaria cedo.
Ela se levantou e acenou com a cabeça para as pessoas sentadas à sua mesa.
— Foi maravilhoso conhecer todos vocês. Boa noite. Houve um silêncio aturdido, e todos no vasto salão de
banquete se viraram para observar Mary atravessar a pista de dança e sair.
— Oh, Deus! — murmurou Stanton Rogers. — Ninguém avisou a ela!
Stanton Rogers foi tomar o café da manhã com Mary na manhã seguinte.
— Mary, esta é uma cidade que leva as regras muito a sério. Muitas são estúpidas, mas temos de viver de acordo com elas.
— Mas o que foi que eu fiz? Ele suspirou.
— Você violou a regra número um: Ninguém, absolutamente ninguém, jamais se retira de uma festa antes do convidado de honra. E ontem à noite o convidado de honra era o vice-presidente dos Estados Unidos.
— Meu Deus!
— Metade dos telefones de Washington está tocando sem parar.
— Sinto muito, Stan. Eu não sabia. De qualquer forma, prometi às crianças...
— Não há crianças em Washington... apenas jovens eleitores. Esta cidade funciona em torno do poder. Jamais se esqueça disso.
O dinheiro estava se tornando um problema. As despesas eram enormes. O preço de tudo em Washington parecia a Mary um absurdo. Ela entregou ao serviço do hotel algumas roupas para lavar e passar e ficou chocada quando recebeu as notas.
— Cinco dólares e meio para lavar uma blusa! — exclamou. — E um dólar e 95 por um sutiã!
Nunca mais, prometeu a si mesma. Daqui por diante, lavarei minhas roupas pessoalmente.
Ela encharcava a meia-calça em água fria e depois colocava no congelador. Durava muito mais assim. Lavava as meias, lenços e roupas de baixo das crianças, assim como seus sutiãs, na pia do banheiro. Abria os lenços no espelho para secar e depois dobrava com todo cuidado, a fim de não precisar passar. Fazia uma lavagem a vapor de seus vestidos e das calças de Tim pendurando-os no ferro da cortina do chuveiro, abrindo a água quente ao máximo e fechando a porta do banheiro. Uma manhã, quando abriu a porta do banheiro, Beth foi envolvida por uma nuvem de vapor.
— O que está fazendo, mamãe?
— Poupando dinheiro — respondeu Mary, altiva. — A lavanderia cobra uma fortuna.
— E se o presidente entrasse aqui neste momento? O que ele acharia? Pensaria que somos caipiras.
— O presidente não vai entrar. E feche a porta do banheiro, por favor. Está desperdiçando dinheiro.
Caipiras coisa nenhuma! Se o presidente entrasse e visse o que ela estava fazendo, certamente ficaria orgulhoso de sua iniciativa. Ela mostraria os preços da lavanderia do hotel e explicaria como estava poupando dinheiro com um pouco da engenhosidade ianque. Ele ficaria impressionado. "Se mais pessoas no governo tivessem a sua imaginação, senhora embaixadora, a economia deste país estaria em condições muito melhores. Perdemos o espírito pioneiro que tornou este país grande. Nosso povo se tornou mole. Confiamos demais nos aparelhos eletrodomésticos que ganham tempo e não o suficiente em nós mesmos. Eu gostaria de usá-la como um exemplo extraordinário para alguns dos perdulários de Washington que pensam que este pais é feito de dinheiro. Poderia ensinar a todos uma boa lição. Para dizer a verdade, tenho uma idéia maravilhosa. Mary Ashley, vou nomeá-la secretária do Tesouro."
O vapor estava saindo por baixo da porta do banheiro. Ainda sonhando, Mary abriu-a. Uma nuvem de vapor invadiu a sala. A campainha da porta soou neste momento. Um instante depois, Beth informou:
— Mamãe, James Stickley está aqui para falar com você.
15
— Tudo parece cada vez mais estranho — comentou Ben Cohn.
Ele estava sentado na cama, nu, tendo ao lado a jovem amante, Akiko Hadaka. Assistiam a Mary Ashley na televisão, no programa Meet the press. A nova embaixadora na Romênia dizia:
— Creio que a China continental está se encaminhando para uma sociedade comunista mais humana e individualista através da incorporação de Hong Kong e Macau.
— Mas que porra essa mulher sabe sobre a China? — Ben Cohn virou-se para Akiko. — Está olhando para uma dona-de-casa do Kansas que se tornou profunda conhece-dora de tudo da noite para o dia.
— Ela parece muito inteligente — comentou Akiko.
— Isso não tem a menor importância. Cada vez que ela dá uma entrevista, os repórteres vão à loucura. É como um frenesi trabalhado. Como ela conseguiu se apresentar em Meet the press? Vou explicar. Alguém decidiu que Mary Ashley tinha de se tornar uma celebridade. Quem? Por quê? Charles Lindbergh nunca teve essa projeção.
— Quem é Charles Lindbergh? Ben Cohn suspirou.
— Esse é o problema do abismo entre as gerações. Não há comunicação.
Akiko sugeriu, insinuante:
— Há outros meios de se comunicar.
Ela o fez deitar na cama, gentilmente, e postou-se por cima. Desceu devagar pelo corpo de Cohn, os cabelos compridos e sedosos roçando-lhe pelo peito, barriga e virilha. Observou-o ficar duro. Acariciou-o e murmurou:
— Olá, Arthur.
— Arthur quer entrar em você.
— Ainda não. Voltarei para ele.
Ela levantou-se e foi até a cozinha. Ben Cohn observou-a por um instante e depois tornou a olhar para a televisão. E pensou: Essa mulher me deixa invocado. Há muito mais por trás do que os olhos podem ver, mas juro que ainda vou descobrir tudo.
— Akiko! — gritou ele. — O que está fazendo? Arthur já está começando a dormir!
— Diga a ele para esperar. Já estou voltando. Pouco minutos depois ela apareceu com um prato cheio
de sorvete, creme e uma cereja.
— Pelo amor de Deus! — protestou Cohn. — Não estou com fome, mas sim com tesão!
— Deite-se.
Ela pôs uma toalha por baixo, tirou sorvete do prato e começou a espalhar em torno dos testículos.
— Ei, está frio!
— Fique quieto.
Akiko pôs o creme por cima do sorvete e depois enfiou o pênis na boca, até ele endurecer.
— Ahn... não pare... — gemeu Ben Cohn. Akiko pôs a cereja em cima do pênis, agora completamente rígido.
— Adoro banana split — sussurrou ela.
E começou a comê-lo. Ben experimentou uma mistura incrível de sensações, todas maravilhosas. Quando não pôde mais agüentar, virou Akiko e penetrou-a. Na televisão, Mary Ashley estava dizendo:
— Uma das melhores maneiras de evitar a guerra com os países que se opõem à ideologia americana é aumentar nosso comércio com eles...
Mais tarde, naquela noite, Ben Cohn telefonou para Ian Villiers.
— Oi, Ian.
— Benjie, meu garoto... o que posso fazer por você?
— Preciso de um favor.
— Pode falar e será atendido.
— Ouvi dizer que está como assessor de imprensa da nossa nova embaixadora na Romênia.
Uma reação cautelosa:
— E daí?
— Quem está por trás de toda essa projeção, Ian? Estou interessado em...
— Sinto muito, Ben. Isso é assunto do Departamento de Estado. Sou apenas um contratado. Se quiser saber alguma coisa, pode mandar um questionário para o secretário de Estado.
Desligando, Ben comentou:
— Por que ele simplesmente não me mandou à merda? — Cohn tomou uma decisão. — Acho que vou passar alguns dias fora da cidade.
— Para onde vai, meu bem?
— Junction City, Kansas.
No final das contas, Ben Cohn passou apenas um dia em Junction City. Levou uma hora conversando com o xerife Munster e um dos seus assistentes, depois seguiu num carro alugado para o Forte Riley, onde visitou o gabinete do DIC. Pegou um avião no fim da tarde para Manhattan, Kansas, onde embarcou em outro avião.
No momento em que o avião de Ben Cohn levantava vôo, houve um telefonema pessoal do Forte Riley para um número em Washington.
Mary Ashley avançava por um corredor comprido do Instituto de Serviço Diplomático, a caminho de uma reunião com James Stickley, quando ouviu uma voz masculina dizer às suas costas:
— Ora, ora, isso é o que eu chamo de um dez perfeito! Mary virou-se. Um estranho alto estava encostado na
parede, fitando-a, com um sorriso insolente. Tinha uma aparência rude, vestia jeans, camisa de malha e alpargatas; dava a impressão de estar precisando tomar um banho e fazer a barba. Havia rugas em torno da boca e os olhos eram de um azul-brilhante, zombeteiros. E tinha um ar de arrogância irritante. Mary virou-se e afastou-se, furiosa, consciente de que os olhos do estranho a acompanhavam.
A reunião com James Stickley durou mais de uma hora. Quando Mary voltou à sala que lhe fora destinada, encontrou o estranho sentado em sua cadeira, os pés em cima da mesa, examinando seus papéis. Sentiu o sangue subindo-lhe ao rosto.
— O que está fazendo aqui?
O homem lançou-lhe um olhar longo e indolente e levantou-se devagar.
— Sou Mike Slade. Meus amigos me chamam de Michael.
Ela disse friamente:
— Em que posso ajudá-lo, senhor Slade?
— Na verdade, em nada — respondeu o homem, jovial. — Somos vizinhos. Trabalho aqui, no departamento, por isso pensei em aparecer para lhe dar um alô.
— Já deu. E se trabalha mesmo no departamento, presumo que tem sua mesa. Assim, no futuro, não precisa sentar à minha mesa e bisbilhotar.
— Ei, mas que temperamento explosivo! Sempre ouvi dizer que os kansianos, ou como quer que vocês se chamem, eram pessoas cordiais.
Mary rangeu os dentes.
— Senhor Slade, dou-lhe dois segundos para sair de minha sala antes de eu chamar um guarda.
— Devo ter ouvido mal — murmurou ele para sí mesmo.
— E se realmente trabalha neste departamento, sugiro que vá para casa, faça a barba e ponha roupas mais apropriadas.
— Eu tinha uma esposa que falava assim. — Mike Slade suspirou. — Não tenho mais.
Mary sentiu que seu rosto ficava vermelho.
— Saia!
Ele lhe acenou com a mão.
— Até a vista, meu bem. Voltarei a vê-la. De jeito nenhum, pensou Mary. Você, não.
A manhã inteira foi uma sucessão de experiências desagradáveis. James Stickiey estava abertamente hostil. Ao meio-dia Mary estava transtornada demais para comer. Decidiu passar a hora do almoço passeando por Washington, descarregando a raiva do organismo.
Sua limusine estava encostada no meio-fio, na frente do Instituto do Serviço Diplomático.
— Bom dia, senhora embaixadora — cumprimentou o motorista. — Para onde deseja ir?
— Para qualquer lugar, Marvin. Quero apenas dar uma volta.
— Pois não, senhora. — O carro partiu suavemente. — Gostaria de ver a área das embaixadas?
— Está bem.
Qualquer coisa servia para tirar de sua boca o gosto amargo daquela manhã. O carro virou à esquerda na esquina e seguiu pela Massachusetts Avenue.
— Começa aqui — informou Marvin, entrando numa rua larga.
Ele diminuiu a velocidade e começou a indicar as diversas embaixadas. Mary reconheceu a embaixada japonesa por causa da bandeira do sol nascente na frente. A embaixada indiana tinha um elefante por sobre a porta.
Passaram por uma linda mesquita islâmica. Havia pessoas no pátio da frente, ajoelhadas em oração.
Chegaram à esquina da rua 23 e passaram por um prédio branco de pedra, com colunas nos lados dos três degraus.
— Aquela é a embaixada romena — disse Marvin. — Ao lado fica...
— Pare, por favor!
A limusine encostou no meio-fio. Mary olhou pela janela do carro para uma placa na fachada do prédio. Dizia: EMBAIXADA DA REPÚBLICA SOCIALISTA DA ROMÊNIA.
Num súbito impulso, ela disse:
— Espere aqui. Vou entrar.
Seu coração batia mais depressa. Aquele seria o seu primeiro contato real com o país sobre o qual vinham lhe ensinando tanta coisa — o país que seria seu lar durante os próximos anos.
Ela respirou fundo e apertou a campainha da porta. Silêncio. Experimentou a porta. Não estava trancada. Abriu-a e entrou. O vestíbulo estava escuro e frio. Havia um sofá vermelho numa reentrância na parede e ao lado duas cadeiras, na frente de um pequeno aparelho de televisão, Ela ouviu passos e virou-se. Um homem alto e magro descia apressadamente os degraus.
— O que deseja? — gritou ele. Mary exibiu um sorriso radiante.
— Bom dia. Sou Mary Ashley. Sou a nova embaixadora na Ro...
O homem bateu com a mão no próprio rosto.
— Oh, não!
Ela ficou aturdida.
— Qual é o problema?
— O problema é que não a estávamos esperando, senhora embaixadora.
— Sei disso. Eu estava passando de carro e resolvi...
— O embaixador Corbescue vai ficar profundamente transtornado!
— Transtornado? Mas por quê? Apenas pensei em apresentar meus cumprimentos e...
— Claro, claro. Perdoe-me. Meu nome é Gabriel Stoica. Sou o subchefe da missão. Por favor, deixe-me acender as luzes e ligar o aquecimento. Não estávamos esperando visitas, como pode perceber. Absolutamente ninguém.
Ele estava num pânico tão óbvio que a única coisa que Mary queria fazer era ir embora. Só que já era tarde demais. Observou Gabriel Stoica correr de um lado para outro, acendendo as luzes do teto e abajures, até que o vestíbulo ficou intensamente iluminado.
— Levará alguns minutos para o aquecimento funcionar — desculpou-se ele. — Tentamos economizar combustível sempre que possível. Washington é uma cidade muito cara.
Mary tinha vontade de desaparecer no chão.
— Se eu soubesse...
— Não, não! Não é nada, não é nada! O embaixador está lá em cima. Vou informá-lo de que se encontra aqui.
— Não precisa se incomodar...
Stoica já estava subindo a escada, correndo.
Ele voltou cinco minutos depois.
— Acompanhe-me, por favor. O embaixador está muito satisfeito com sua presença aqui. Encantado.
— Tem certeza que...
— Ele está à sua espera.
Stoica escoltou Mary ao segundo andar. No alto da escada havia uma sala de reuniões, com quatorze cadeiras em torno de uma mesa comprida. Encostado numa parede estava um armário com portas de vidro, em que se viam artefatos e esculturas romenos. Na parede havia um mapa em alto-relevo da Romênia. Por cima da lareira se destacava a bandeira romena. Adiantando-se para cumprimentá-la, ela viu o embaixador Radu Corbescue, em mangas de camisa, vestindo apressado um paletó. Era um homem alto e corpulento, de pele escura. Um criado acendia as luzes e ligava o aquecimento.
Senhora embaixadora! — exclamou Corbescue. — Que honra inesperada! Perdoe-nos por recebê-la de maneira tão informal. O Departamento de Estado não nos avisou de sua visita.
— A culpa é minha — murmurou Mary. — Eu estava passando e...
— É um prazer conhecê-la! Um prazer! Já a vimos muito na televisão, jornais e revistas. E estamos muito curiosos sobre a nova embaixadora em nosso país. Aceita um chá?
— Eu... ahn... se não for muito incômodo.
— Incômodo? Mas claro que não! Peço desculpas por não termos preparado um almoço formal. Perdoe-me! Estou tão embaraçado!
Eu é que estou embaraçada, pensou Mary. O que me levou a cometer esta loucura? Ah, como fui estúpida! Não vou contar nem às crianças. Será um segredo que levarei para o túmulo.
Quando o chá foi servido, o embaixador romeno estava tão nervoso que o derramou.
— Como sou desajeitado! Perdoe-me!
Mary gostaria que ele parasse de pedir perdão.
O embaixador tentou uma conversa amena, mas só serviu para piorar a situação. Era óbvio que ele estava totalmente contrafeito. Assim que pôde, Mary levantou-se.
— Muito obrigada, Excelência. Foi ótimo conhecê-lo. Adeus.
E tratou de fugir.
Quando Mary Ashley voltou ao escritório, James Stickley mandou chamá-la imediatamente.
— Senhora Ashley — disse ele friamente — pode me explicar exatamente o que pensava que estava fazendo?
Acho que não será um segredo que levarei para o túmulo, concluiu Mary.
— Está falando da embaixada romena? Eu... eu apenas pensei em aproveitar que estava passando por lá para cumprimentar e...
— Isto não é uma reunião de comadres em sua terra — protestou Stickley em tom ríspido. — Em Washington ninguém aproveita para uma visita só porque está passando por uma embaixada. Um embaixador só visita outro embaixador a convite. Deixou Corbescue embaraçado e furioso. Precisei conversar muito com ele para dissuadi-lo de apresentar um protesto formal ao Departamento de Estado. Ele acha que você foi lá para espioná-lo e pegá-lo desprevenido.
— Como? Mas tudo o que...
— Procure se lembrar que não é mais uma cidadã particular... é agora uma representante do governo dos Estados Unidos. Da próxima vez em que tiver um impulso menos pessoal do que escovar os dentes, verifique comigo primeiro. Falei claro... falei bem claro?
Mary engoliu em seco.
— Está certo.
— Ótimo. — Ele pegou o telefone e discou um número. — A senhora Ashley está comigo agora. Gostaria de vir até aqui? Certo.
Ele desligou. Mary continuou sentada em silêncio, sentindo-se uma garotinha que estava sendo repreendida. A porta foi aberta e Mike Slade entrou. Ele olhou para Mary e sorriu.
— Oi. Aceitei seu conselho e fiz a barba. Stickley olhou de um para outro.
— Vocês já foram apresentados? Mary olhava furiosa para Slade.
— Não é bem assim. Encontrei-o bisbilhotando em minha mesa.
James Stickley disse:
— Senhora Ashley, Mike Slade. O senhor Slade será o subchefe da missão.
Mary ficou aturdida.
— Como?
— O senhor Slade é da seção do Leste europeu. Geralmente trabalha fora de Washington, mas foi decidido destacá-lo para a Romênia como o seu subchefe.
Ela se levantou da cadeira de um pulo.
— Não! Isso é inadmissível! Mike sugeriu suavemente:
— Prometo fazer a barba todos os dias. Ela virou-se para Stickley.
— Pensei que uma embaixadora tinha permissão para escolher seu subchefe da missão.
— Isso é correto, mas...
— Então estou desescolhendo o senhor Slade. Não o quero.
— Em circunstâncias normais, seria um direito seu, mas não neste caso. Lamento, mas não tem opção. A ordem veio da Casa Branca.
Mary tinha a impressão de que não conseguia evitar Mike Slade. O homem estava em toda parte. Encontrou-o no Pentágono, no restaurante do Senado, nos corredores do Departamento de Estado. Estava sempre vestido de jeans e camiseta ou de roupa esporte. Ela se perguntava como ele podia andar assim num ambiente tão formal.
Um dia ela o viu almoçando com o coronel McKinney. Os dois estavam empenhados numa animada conversa. Imaginou até que ponto os dois seriam íntimos. Seria possível serem velhos amigos? E estarão planejando um complô contra mim? Acho que estou ficando paranóica, disse Mary a sí mesma. E ainda nem fui para a Romênia.
Charlie Campbell, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, ofereceu uma festa em homenagem a Mary na Corcoran Gallery. Quando chegou e viu todas as mulheres vestidas na maior elegância, Mary pensou: Nem sequer pertenço a este lugar. Todas elas parecem que já nasceram chiques.
Ela não tinha idéia de como estava atraente.
Havia mais de uma dúzia de fotógrafos presentes, e Mary foi a mulher mais fotografada. Dançou com meia dúzia de homens, alguns casados e outros não, e quase todos pediram seu telefone. Não se sentiu ofendida nem interessada.
— Sinto muito — disse a todos —, mas meu trabalho e minha família me mantêm muito ocupada para sair.
A idéia da companhia de outro homem que não Ed-ward era inconcebível. Nunca poderia haver outro homem para ela.
Ela sentou a uma mesa com Charlie Campbell e a esposa e diversas pessoas do Departamento de Estado. A conversa recaiu em anedotas de embaixadores.
— Há poucos anos, em Madri — recordou um dos convidados —, centenas de estudantes amotinados estavam clamando pela devolução de Gibraltar em frente à embaixada britânica. Quando pareciam prestes a invadir o prédio, um dos ministros do general Franco telefonou. "Sinto-me profundamente embaraçado com o que está acontecendo em sua embaixada," disse ele. "Devo mandar mais guardas?" Ao que o embaixador respondeu: "Não preciso. Basta mandar menos estudantes." Alguém perguntou:
— Não era Hermes que os antigos gregos consideravam o patrono dos embaixadores?
— Isso mesmo. E era também o protetor dos vagabundos, ladrões e mentirosos.
Mary estava gostando muito da noite. As pessoas eram inteligentes, espirituosas e interessantes. Poderia passar a noite inteira ali. O homem ao seu lado indagou:
— Não precisa levantar cedo para suas reuniões amanhã?
— Não — respondeu Mary. — É domingo. Posso dormir até tarde.
Pouco depois, uma mulher bocejou.
— Desculpem, mas tive um dia comprido.
— Eu também — comentou Mary, jovialmente. Teve a impressão de que o salão estava anormalmente
quieto. Olhou ao redor e todos pareciam observá-la. Mas o quê...? Olhou para o relógio. Eram duas e meia da madrugada. E com o maior horror ela se lembrou de repente de uma coisa que Stanton Rogers lhe dissera: Numa festa, o convidado de honra é sempre a primeira pessoa a se retirar. E ela era a convidada de honra. Deus do céu!, pensou Mary. Estou mantendo todo mundo acordado. Levantou-se e disse, a voz sufocada:
— Boa noite para todos. Foi uma noite maravilhosa. Virou-se e foi embora, apressada, ouvindo às suas costas os outros convidados se levantando para partirem.
Na manhã de segunda-feira ela encontrou com Mike Slade à entrada do Instituto. Ele sorriu e comentou:
— Soube que você manteve a metade de Washington acordada na noite de sábado.
O ar arrogante de Slade deixou-a furiosa.
Ela passou por ele e foi para a sala de James Stickley.
— Senhor Stickley, creio que os melhores interesses de nossa embaixada na Romênia não seriam atendidos se o senhor Slade e eu tentássemos trabalhar juntos.
Ele levantou os olhos do documento que estava lendo.
— É mesmo? E qual é o problema?
— É... é a atitude dele. Considero o senhor Slade grosseiro e arrogante. Para ser franca, não gosto dele.
— Sei que Mike tem suas pequenas idiossincrasias, mas...
— Idiossincrasias? Isso é demais! Estou pedindo oficialmente que mande outra pessoa em seu lugar.
— Já acabou?
— Já.
— Senhora Ashley, Mike Slade por acaso é o nosso melhor perito em ação nos assuntos da Europa Central. Sua função é fazer amizade com os locais. A minha é providenciar para que receba toda ajuda possível. E isso significa Mike Slade. Não quero mais ouvir falar sobre isso. Estou sendo bem claro?
Não adianta, pensou Mary. Não adianta mesmo.
Ela voltou à sua sala, frustrada e furiosa. Eu poderia falar com Stan, pensou ela. Ele compreenderia. Mas seria uma demonstração de fraqueza. Terei de cuidar pessoalmente de Mike Slade.
— Sonhando?
Mary levantou os olhos, surpresa. Mike Slade estava parado na frente de sua mesa, segurando uma pilha de memorandos.
— Isto a manterá longe de encrencas esta noite — disse ele, pondo os memorandos em cima da mesa.
— Bata na próxima vez em que quiser entrar na minha sala.
Os olhos de Slade tinham uma expressão zombeteira.
— Por que tenho a impressão de que você não é louca por mim?
Mary sentiu que sua raiva tornava a aflorar.
— Vou explicar por quê, senhor Slade. Porque o acho arrogante, impertinente, presunçoso...
Ele levantou um dedo.
— Está sendo tautológica.
— Não se atreva a zombar de mim!
Mary descobriu que estava gritando. Ele baixou a voz para um nível perigoso.
— Quer dizer que não posso me juntar aos outros? O que acha que todos em Washington estão comentando a seu respeito?
— Não me importo com o que os outros falam.
— Mas deveria. — Slade inclinou-se por cima da mesa. — Todos estão perguntando que direito você tem de ocupar uma embaixada. Passei quatro anos na Romênia. É uma banana de dinamite prestes a explodir, e o governo está mandando uma estúpida garota do interior para enfrentar a situação.
Mary continuou sentada, em silêncio, escutando e rangendo os dentes.
— Não passa de uma amadora, senhora Ashley. E se alguém quisesse homenageá-la, deveria fazê-la embaixadora no Pólo Norte.
Mary perdeu o controle. Levantou-se de um pulo e deu-lhe um tapa. Mike Slade suspirou.
— Você nunca fica sem resposta, hem?
16
O convite dizia: "O Embaixador da República Socialista da Romênia solicita sua presença para coquetéis e jantar na Embaixada, rua 23, 1607, N.W., às 7,30 da noite, traje rigor, RSVP 555-6593."
Mary pensou na última vez que visitara a embaixada e como bancara a tola. Isso nunca mais tornará a acontecer. Pertence ao passado. Sou parte do cenário de Washington agora.
Vestiu uma de suas roupas novas, um vestido preto de veludo, decotado, as mangas compridas. Usou sapatos pretos de salto alto e um colar de pérolas simples. Beth comentou:
— Está mais linda do que a Madonna. Mary abraçou-a.
— Estou irresistível. Vocês dois jantem no restaurante lá embaixo e depois podem subir para assistir televisão. Voltarei cedo para casa. Amanhã vamos todos visitar a casa do presidente Washington em Mount Vernon.
— Divirta-se, mamãe.
O telefone tocou. Era da recepção.
— Senhora embaixadora, o senhor Stickley está à sua espera no saguão.
Eu gostaria de poder ir sozinha, pensou Mary. Não preciso dele ou de qualquer outra pessoa para me manter fora de encrenca.
A embaixada romena parecia completamente diferente da última vez em que Mary a vira. Havia um ar festivo que faltava em sua primeira visita. Foram recebidos na porta por Gabriel Stoica, o subchefe da missão.
— Boa noite, senhor Stickley. É um prazer vê-lo. James Stickley acenou com a cabeça na direção de
Mary.
— Posso apresentá-la a nossa nova embaixadora em seu país?
Não houve qualquer sinal de reconhecimento no rosto de Stoica.
— É um prazer conhecê-la, senhora embaixadora. Acompanhem-me, por favor.
Enquanto atravessavam o vestíbulo, Mary notou que todos os aposentos estavam bem iluminados e aquecidos. Podia ouvir os acordes de uma pequena orquestra soando lá em cima. Havia vasos com flores por toda parte.
O embaixador Corbescue conversava com algumas pessoas quando viu James Stickley e Mary Ashley se aproximarem.
— Boa noite, senhor Stickley.
— Boa noite, embaixador. Posso apresentar-lhe a embaixadora dos Estados Unidos na Romênia?
Corbescue olhou para Mary e disse, em tom impassível:
— Estou feliz em conhecê-la.
Mary ficou esperando por um brilho nos olhos. Não houve.
Havia uma centena de pessoas no jantar. Os homens estavam a rigor e as mulheres usavam lindos vestidos Givenchy e Oscar de la Renta. A mesa grande que Mary vira lá em cima, na visita anterior, fora aumentada por meia dúzia de mesas menores ao redor. Criados de libré circulavam pela sala com bandejas de champanha.
— Não quer tomar um drinque? — perguntou Stickley.
— Não, obrigada — respondeu Mary. — Não bebo.
— É mesmo? É uma pena. Ela fitou-o, perplexa.
— Por quê?
— Porque faz parte do cargo. Haverá brindes em todos os jantares diplomáticos a que comparecer. Se não beber, ofenderá o anfitrião. Precisa tomar um gole de vez em quando.
— Não me esquecerei.
Mary correu os olhos pela sala e lá estava Mike Slade. Por um momento, não o reconheceu. Ele estava de smoking, e Mary teve de admitir que naqueles trajes ele não era um homem desgracioso. Enlaçava uma loura sensual, cujo vestido parecia prestes a cair. Uma mulher vulgar, pensou Mary. Típica do seu gosto. Quantas mulheres estarão à sua espera em Bucareste?
Mary lembrou-se das palavras de Mike: Não passa de uma amadora, senhora Ashley. Se alguém quisesse homenageá-la, deveria fazê-la embaixadora no Pólo Norte. Filho da mãe!
Enquanto Mary observava, o coronel McKinney, em uniforme de gala, aproximou-se de Mike. Ele pediu licença à loura e foi para um canto com o coronel. Terei de tomar cuidado com os dois, pensou Mary. Um criado estava passando com champanha.
— Acho que vou tomar uma taça — disse Mary. James Stickley observou-a tomar o champanha e depois disse:
— Muito bem. Está na hora de começar a trabalhar a sala.
— Trabalhar a sala?
— Muitos negócios são acertados nestas festas. É por isso que as embaixadas as oferecem.
Mary passou a hora seguinte sendo apresentada a embaixadores, senadores, governadores e algumas das personalidades políticas mais poderosas de Washington. A Romênia se tornara um país de destaque, e quase todas as pessoas importantes haviam conseguido um convite para o jantar na embaixada. Mike Slade aproximou-se de James Stickley e Mary, com a loura a tiracolo.
— Boa noite — disse ele jovialmente. — Gostaria de apresentá-los a Debbie Dennison. James Stickley e Mary Ashley.
Era uma bofetada deliberada. Mary disse, friamente:
— Sou a embaixadora Ashley. Mike bateu com a mão na testa.
— Desculpe, embaixadora Ashley. O pai da senhorita Dennison também é embaixador. Um diplomata de carreira, é claro. Serviu em meia dúzia de países nos últimos 25 anos.
Debbie Dennison comentou:
— É uma maneira maravilhosa de crescer. Mike Slade acrescentou:
— Debbie tem circulado muito.
— Não tenho a menor dúvida quanto a isso — arrematou Mary calmamente.
Mary rezou para não ficar sentada ao lado de Mike durante o jantar, e sua prece foi atendida. Ele foi para outra mesa, ao lado da loura seminua. Havia uma dúzia de pessoas à mesa de Mary. Alguns rostos eram familiares, já os vira em capas de revistas e na televisão. James Stickley ficou sentado em frente a Mary. O homem à esquerda de Mary falava uma língua misteriosa, que ela não foi capaz de identificar. À sua direita estava um louro alto e magro, de meia-idade, com um rosto atraente e sensível.
— Fico muito satisfeito por estar ao seu lado no jantar — disse ele a Mary. — Sou seu fã ardoroso.
Ele falava com um ligeiro sotaque escandinavo.
— Obrigada.
Mary não pôde deixar de especular: Meu fã por quê? Ainda não fiz nada.
— Sou Olaf Peterson, adido cultural da Suécia.
— Prazer em conhecê-lo, senhor Peterson.
— Já esteve na Suécia?
— Não. Para ser franca, nunca estive em parte alguma. Olaf Peterson sorriu.
— Então muitos lugares serão honrados com a sua visita.
— Talvez um dia eu e as crianças visitemos seu país.
— Quer dizer que tem filhos? Qual é a idade deles?
— Tim está com dez anos e Beth com doze. Vou lhe mostrar as fotos.
Mary abriu a bolsa e tirou as fotos das crianças. No outro lado da mesa, James Stickley sacudia a cabeça em desaprovação. Olaf Peterson examinou os retratos e exclamou:
— Mas que lindas crianças! Saíram à mãe.
— Têm os olhos do pai.
Eles costumavam discutir jovialmente sobre com qual dos dois as crianças pareciam.
Beth vai ser uma beldade, como você, dizia Edward. Não sei com quem Tim parece. Tem certeza de que ele é meu?
E a conversa provocante sempre acabava na cama.
Olaf Peterson estava lhe dizendo alguma coisa.
— Como?
— Eu disse que li a notícia da morte de seu marido num acidente de automóvel. Sinto muito. Deve ser bastante difícil para uma mulher ficar sozinha, sem um homem.
A voz estava impregnada de simpatia. Mary pegou o copo de vinho à sua frente e tomou um gole. Estava revigorante. Ela esvaziou o copo. Um garçom de luvas brancas, pairando por trás dos convidados, tornou a enchê-lo no mesmo instante.
— Quando vai assumir seu posto na Romênia? — indagou Peterson.
— Fui informada de que deveremos partir dentro de poucas semanas. — Mary pegou o copo de vinho. — A Bucareste.
Ela bebeu. O vinho era delicioso, e todos sabiam que vinho tinha um baixo teor alcoólico.
Quando o garçom se ofereceu para encher o copo outra vez, Mary acenou com a cabeça, feliz. Correu os olhos pela sala, para todos os convidados tão bem vestidos, falando em uma dúzia de línguas diferentes, e pensou: Não há banquetes assim na velha Junction City. Jamais. O Kansas é um lugar sem graça. Já Washington é tão divertido como... tão divertido como o quê? Ela franziu o rosto, procurando uma comparação.
— Você está bem? — perguntou Olaf Peterson. Mary apertou-lhe o braço.
— Estou ótima. Gostaria de tomar outro copo de vinho, Olaf.
— Pois não.
Ele acenou para o garçom, e o copo de Mary foi enchido mais uma vez.
— Nunca tomei vinho em casa — revelou Mary, em tom confidencial. Ela tomou um gole e acrescentou: — Para ser franca, nunca bebo nada... a não ser água, é claro.
Suas palavras começavam a engrolar. Olaf Peterson estudava-a, sorrindo. No centro da mesa, o embaixador romeno, Corbescue, levantou-se e disse:
— Senhoras e senhores... meus distintos convidados... eu gostaria de propor um brinde.
O ritual começou. Houve brindes a Alexandros Ionescu, o presidente da Romênia. Houve brindes a madame Alexandros Ionescu. Houve brindes ao presidente e ao vice-presidente dos Estados Unidos, à bandeira romena e à bandeira americana. Mary tinha a impressão de que eram milhares de brindes. Ela bebeu a cada um. Sou uma embaixadora, lembrou a sí mesma. É meu dever.
No meio dos brindes, o embaixador romeno disse:
— Tenho certeza de que todos gostaríamos de ouvir algumas palavras da encantadora nova embaixadora dos Estados Unidos na Romênia.
Mary levantou seu copo e começou a beber ao brinde quando compreendeu subitamente que estava sendo chamada a falar. Ainda ficou sentada por um instante, depois conseguiu se levantar. Teve de se apoiar na mesa. Olhou para a multidão e acenou.
— Oi para todos. Estão se divertindo?
Ela nunca se sentira tão feliz em toda a sua vida. Todos na sala eram amigos. Todos lhe sorriam. Alguns estavam até rindo. Ela olhou para James Stickley e sorriu.
— É uma grande festa. Estou feliz por todos terem vindo. — Ela arriou na cadeira e virou-se para Olaf Peterson. — Puseram alguma coisa em meu vinho.
Ele apertou-lhe a mão.
— Acho que você precisa de um pouco de ar fresco. Está muito abafado aqui.
— Tem razão, está abafado mesmo. Para dizer a verdade, estou me sentindo um pouco tonta.
— Deixe-me levá-la para fora.
Ele ajudou-a a se levantar. Mary descobriu, surpresa, que tinha alguma dificuldade para andar. James Stickley estava absorvido numa conversa compenetrada com seu vizinho à mesa e não viu Mary se retirar. Ela e Olaf Peterson passaram pela mesa de Mike Slade, que a observava com o rosto franzido, numa expressão de desaprovação.
Ele está com inveja, pensou Mary. Não pediram a ele para fazer um discurso. Ela disse a Peterson:
— Sabe qual é o problema dele, não é? Ele quer ser embaixador. Não suporta que eu tenha sido designada para o posto.
— De quem está falando?
— Não importa. Ele não tem a menor importância. Os dois saíram para o ar frio da noite. Mary sentia-se
grata pelo apoio do braço de Peterson. Tudo parecia enevoado.
— Tenho uma limusine em algum lugar por aqui — murmurou Mary.
— Vamos despachá-la — sugeriu Olaf Peterson. — Iremos para o meu apartamento e tomaremos um drinque.
— Chega de vinho.
— Claro. Apenas um pouco de conhaque para assentar seu estômago.
Conhaque. Nos livros, todas as pessoas sofisticadas be-biam conhaque. Conhaque e soda. Era um drinque ao estilo Cary Grant.
— Com soda?
— Claro.
Olaf Peterson ajudou Mary a entrar num táxi e deu o endereço ao motorista. Quando pararam, na frente de um enorme prédio de apartamentos, Mary olhou surpresa para Peterson.
— Onde estamos?
— Em casa.
Ele amparou Mary na saída do táxi, segurando-a quando ela começou a cair.
— Estou bêbada? — indagou Mary.
— Claro que não.
— Estou me sentindo meio esquisita.
Peterson levou-a pelo saguão do prédio e apertou o botão, chamando o elevador.
— Um pouco de conhaque dará um jeito em você. Entraram no elevador e ele apertou o botão do andar.
— Sabia que sou uma... uma abstêmia?
— Não, não sabia.
— Pois sou.
Peter acariciava o braço nu de Mary. A porta se abriu e Peterson ajudou Mary a sair do elevador.
— Alguém já disse que seu andar é todo irregular?
— Mandarei consertar — prometeu Peterson.
Ele amparou-a com uma das mãos, enquanto com a outra tirava do bolso a chave do apartamento e abria a porta. Entraram. O apartamento estava na semi-escuridão.
— Está escuro aqui — balbuciou Mary. Olaf Peterson abraçou-a.
— Gosto do escuro. Você não gosta? Ela gostava? Não tinha certeza.
— Sabia que é uma linda mulher?
— Obrigada. Você é um lindo homem.
Ele conduziu-a para o sofá e sentou-a. Mary sentia-se completamente tonta. Os lábios de Peterson comprimiram-se contra os seus e ela sentiu uma mão subir por sua coxa.
— O que está fazendo?
— Basta relaxar, querida. Vai ser maravilhoso.
E a sensação era mesmo maravilhosa. As mãos dele eram muito gentis, como as de Edward.
— Ele era um médico maravilhoso — disse Mary.
— Tenho certeza que era.
Peterson comprimiu o corpo contra o dela.
— É a verdade. Sempre que alguém precisava de uma operação, pedia por Edward.
Ela estava estendida no sofá, de costas, mãos suaves haviam levantado o vestido e a acariciavam. As mãos de Edward. Mary fechou os olhos e sentiu os lábios descendo por seu corpo — lábios suaves, uma língua gentil. Edward tinha uma língua tão gentil... Era a felicidade. E ela queria que nunca parasse.
— É tão gostoso, meu querido — murmurou ela. — Por favor, quero que me possua agora.
— É para já!
A voz era rouca. Subitamente áspera. Não era absolutamente a voz de Edward.
Mary abriu os olhos e deparou com o rosto de um estranho. E gritou, enquanto sentia o homem começar a penetrá-la:
— Não! Pare!
Ela saiu de baixo dele e caiu no chão. Levantou-se cambaleando. Olaf Peterson fitava-a com expressão aturdida.
— Mas...
— Não!
Mary correu os olhos pelo apartamento.
— Sinto muito — disse ela. — Cometi um erro. Não quero que pense que eu...
Ela se virou e correu para a porta.
— Espere! Deixe-me pelo menos levá-la em casa! Mas Mary já tinha ido embora.
Ela foi andando pelas ruas desertas, encolhendo-se contra o vento gelado, dominada por uma profunda e angustiante mortificação. Não havia explicação para o que fizera. E não havia desculpa. Desgraçara a sua posição. E de que maneira estúpida! Embriagara-se na frente da metade do corpo diplomático de Washington, fora para o apartamento de um estranho e quase permitira que ele a seduzisse. Pela manhã seria o alvo das zombarias de todos os colunistas sociais de Washington.
Ben Cohn soube da história através de três pessoas que haviam comparecido ao jantar na embaixada romena. Procurou a notícia nas colunas dos jornais de Washington e Nova York. Não havia qualquer alusão ao incidente. Alguém abafara a história. E só podia ser alguém muito importante.
Cohn sentou no pequeno cubículo que o jornal chamava de sala, pensando. Ligou para Ian Villiers.
— O senhor Villiers está?
— Está, sim. Quem deseja falar?
— Ben Cohn.
— Um momento, por favor. — Ela voltou à linha um minuto depois. — Lamento muito, senhor Cohn, mas o senhor Villiers acaba de sair.
— Quando posso falar com ele?
— Creio que ele está com o dia inteiro ocupado.
— Está bem.
Cohn desligou e telefonou para uma colunista de outro jornal. Nada acontecia em Washington sem que ela soubesse.
— Como vai a batalha diária, Linda?
— Plus ça change, plus c'est la même chose.
— Está acontecendo alguma coisa emocionante neste balneário deslumbrante?
— Nada demais, Ben. Anda tudo parado.
— Ouvi dizer que houve uma grande confusão na embaixada romena ontem à noite.
— É mesmo?
Havia uma súbita cautela na voz da colunista.
— É, sim. Não teve qualquer notícia sobre a nossa nova embaixadora na Romênia?
— Não. Preciso desligar agora, Ben. Tenho de atender uma ligação internacional.
E o telefone ficou mudo.
Ben Cohn ligou para um amigo no Departamento de Estado. Quando a secretária completou a ligação, ele disse:
— Olá, Alfred.
— Benjie! Quais são as novidades?
— Há muito tempo que nào nos encontramos. Pensei que poderíamos almoçar juntos.
— Boa idéia. Em que está trabalhando?
— Por que não espera para ouvir até nos encontrarmos pessoalmente?
— Está certo. Não tenho muitos compromissos hoje. Vamos nos encontrar no Watergate?
Ben Cohn hesitou.
— Por que não almoçamos no Mama Regina's, em Silver Springs?
— Não acha que é um pouco longe?
— Acho. Houve uma pausa.
— Ahn...
— Uma hora da tarde?
— Combinado.
Ben Cohn estava sentado a uma mesa no canto quando chegou seu convidado, Alfred Shuttleworth. O dono do restaurante, Tony Sergio, conduziu-o à mesa.
— Desejam um drinque, senhores? Shuttleworth pediu um martini.
— Eu não quero nada — respondeu Ben Cohn.
Alfred Shuttleworth era um homem pálido, de meia-idade, que trabalhava na seção européia do Departamento de Estado. Anos antes estivera envolvido num acidente de automóvel, em que guiava embriagado. Ben Cohn fizera a cobertura para seu jornal. A carreira de Shuttleworth estava em jogo. Cohn abafara a história, e Shuttleworth demonstrava seu agradecimento lhe dando informações de vez em quando.
— Preciso de sua ajuda, Al.
— Pode pedir.
— Eu gostaria de informações internas sobre a nossa nova embaixadora na Romênia.
Alfred Shuttleworth franziu o rosto.
— Como assim?
— Três pessoas me telefonaram para dizer que ela tomou um porre na festa do embaixador romeno ontem à noite e bancou a idiota na presença de todo mundo que é importante em Washington. Já viu os jornais matutinos de hoje ou as primeiras edições dos vespertinos?
— Já, sim. Falaram da festa na embaixada, mas não houve qualquer referência a Mary Ashley.
— Exatamente. "O curioso incidente do cachorro durante a noite."
— Não entendi.
— Sherlock Holmes. O cachorro não latiu. Ficou calado. E os jornais também. Por que os colunistas silenciariam com uma história tão suculenta? Alguém abafou o incidente. Alguém importante. Se fosse qualquer outra VIP que se desgraçasse, a imprensa teria um prato cheio.
— Não é tanto assim, Ben.
— Al, temos uma Cinderela que surge do nada, é tocada pela varinha de condão do nosso presidente e de repente se transforma numa Grace Kelly, princesa Di e Jacqueline Kennedy, tudo numa só pessoa. Reconheço que ela é bonita... mas não tão bonita assim. Ela é inteligente... mas não inteligente assim. Na minha humilde opinião, dar um curso de ciência política na Universidade Estadual do Kansas não qualifica qualquer pessoa a se tornar embaixadora num dos lugares mais delicados do mundo. E vou lhe contar outra coisa que não parece muito certa. Voei para Junction City e conversei com o xerife.
Alfred Shuttleworth tomou o resto de seu martini.
— Acho que vou querer outro. Você está me deixando nervoso.
— Está ficando como eu. Ben Cohn pediu outro martini.
— Continue — disse Shuttleworth.
— A senhora Ashley recusou o convite do presidente porque o marido não podia deixar sua clínica. E de repente ele morre num conveniente acidente de automóvel. Voilà! A mulher está em Washington, a caminho de Bucareste. Exatamente como alguém planejara desde o inicio.
— Alguém? Quem?
— Essa é a pergunta fundamental.
— O que está querendo sugerir, Ben?
— Não estou querendo sugerir nada. Deixe-me contar-lhe o que o xerife Munster sugeriu. Ele achou que era estranho que meia dúzia de testemunhas surgissem do nada numa madrugada gelada de inverno a tempo de testemunhar o acidente. E quer saber de uma coisa ainda mais estranha? Todas as testemunhas desapareceram. Sem exceção.
— Continue.
— Fui ao Forte Riley para conversar com o motorista do caminhão militar que matou o doutor Ashley.
— E o que ele tinha a dizer?
— Nada. Tinha morrido. Sofreu um infarto. Aos 27 anos de idade.
Shuttleworth estava mexendo na haste de seu copo.
— Posso presumir que há mais?
— Claro. Há muito mais. Procurei o oficial do DIC em Forte Riley, para entrevistar o coronel Jenkins, que estava no comando das investigações e também foi uma das testemunhas do acidente. O coronel não estava mais lá. Foi promovido e transferido. Agora é general, servindo em algum lugar no exterior. Parece que ninguém sabe ao certo onde.
Alfred Shuttleworth sacudiu a cabeça.
— Sei que você é um tremendo repórter, Ben, mas sinceramente acho que desta vez saiu dos trilhos. Está reunindo umas poucas coincidências para fazer um roteiro de Hitchcock. As pessoas morrem em acidentes de automóvel, sofrem infartos, são promovidas e transferidas. Está procurando por alguma conspiração onde não existe nenhuma.
— Já ouviu falar de uma organização chamada Patriotas pela Liberdade?
— Não. É alguma coisa parecida com a DAR? Ben Cohn respondeu suavemente:
— Não tem qualquer semelhança com a DAR. Estou ouvindo rumores a todo instante, mas não consigo descobrir nada de concreto.
— Que tipo de rumores?
— Dizem que é uma cabala de fanáticos de alto nível da extrema direita e da extrema esquerda, de uma dúzia de países dos dois lados. As ideologias são diametralmente opostas, mas são reunidos pelo medo. Os membros comunistas acham que o plano do presidente Ellison é uma trama capitalista para destruir o bloco do Leste. O pessoal da extrema direita está convencido de que o plano é uma porta aberta que permitirá que os comunistas nos destruam. Por isso, eles fizeram essa espantosa aliança.
— Não dá para acreditar.
— Há mais. Além dos VlPs, parece que há diversos grupos de várias agências internacionais de segurança envolvidos. Acha que poderia conferir isso para mim?
— Não sei. Mas tentarei.
— Sugiro que seja discreto. Se a organização existe mesmo, eles não ficarão muito satisfeitos por descobrirem alguém bisbilhotando.
— Procurarei você assim que souber de alguma coisa, Ben.
— Obrigado. Vamos pedir o almoço.
O espaguete à carbonara estava magnífico.
Alfred Shuttleworth estava cético sobre a teoria de Ben Cohn. Os repórteres estão sempre procurando por histórias sensacionalistas, pensou Shuttleworth. Ele gostava de Ben Cohn, mas não tinha a menor idéia de como obter informações sobre uma organização provavelmente mítica. Se de fato existia, devia estar em algum computador do governo. Ele próprio não tinha acesso aos computadores. Mas conheço alguém que tem, lembrou Alfred Shuttleworth. Falarei com ele.
Alfred Shuttleworth estava tomando o seu segundo martini quando Pete Connors entrou no bar.
— Desculpe o atraso — disse Connors. — Tive um pequeno problema na fábrica de picles.
Peter Connors pediu um uísque puro e Shuttleworth pediu outro martini.
Os dois se conheciam porque a namorada de Connors e a esposa de Shuttleworth trabalhavam para a mesma companhia e haviam se tornado amigas. Connors e Shuttleworth eram completamente opostos: um estava envolvido em jogos mortais de espionagem e o outro era um burocrata que não saía de uma escrivaninha. As diferenças é que fizeram com que gostassem da companhia um do outro, e de vez em quando trocavam informações úteis. Quando Shuttleworth o conhecera, Connors era um companheiro divertido e interessante. Em algum ponto do caminho, no entanto, tornara-se um homem azedo. Virara um reacionário amargo. Shuttleworth tomou um gole do martini.
— Preciso de um favor, Pete. Poderia procurar uma coisa para mim no computador da CIA? Talvez não haja nada, mas prometi a um amigo que tentaria descobrir.
Connors sorriu interiormente. O pobre coitado provavelmente quer descobrir se alguém está comendo sua esposa.
— Claro. Eu lhe devo alguns favores. Sobre quem você quer saber?
— Não é quem, mas o quê. E provavelmente nem existe. É uma organização chamada Patriotas pela Liberdade. Já ouviu falar?
Pete Connors pôs o copo na mesa com todo cuidado.
— Não posso dizer que sim, Al. Qual é o nome do seu amigo?
— Ben Cohn. Ele é repórter do Post.
Na manhã seguinte, Ben Cohn tomou uma decisão. Ele disse a Akiko:
— Ou descobri a história do século ou não tenho nada. Está na hora de descobrir com certeza.
— Graças a Deus! — exclamou Akiko. — Arthur vai ficar muito feliz.
Ben Cohn encontrou Mary Ashley em seu escritório.
— Bom dia, embaixadora. Sou Ben Cohn. Lembra de mim?
— Claro, senhor Cohn. Já escreveu aquela reportagem?
— É por isso que estou lhe telefonando, embaixadora. Fui a Junction City e obtive algumas informações que acho que poderão interessá-la.
— Que tipo de informações?
— Prefiro não falar pelo telefone. Não poderíamos nos encontrar em algum lugar?
— Estou com a agenda incrivelmente cheia. Deixe-me ver... Tenho meia hora livre na manhã de sexta-feira. Está bom?
Mais três dias.
— Acho que pode esperar até lá.
— Quer vir à minha sala?
— Há um café embaixo do prédio. Podemos nos encontrar lá?
— Está certo. Até sexta-feira.
Eles se despediram e desligaram. Um momento depois houve um terceiro clique na linha.
Não havia possibilidade de fazer um contato direto com o Controlador. Ele organizara e financiava os Patriotas pela Liberdade, mas nunca comparecia às reuniões do comitê e se mantinha completamente anônimo. Era apenas um número de telefone — que não se podia localizar (Connors já tentara) — e uma gravação que dizia:
— Tem sessenta segundos para deixar sua mensagem. O telefone só devia ser usado em casos de emergência.
Connors foi a uma cabine pública para fazer a ligação. Falou ao gravador.
A mensagem foi recebida às seis horas da tarde.
Eram oito horas da noite em Buenos Aires.
O Controlador escutou a mensagem duas vezes e depois discou um número. Esperou por três minutos antes de ouvir a voz de Neusa Muñez.
— Si?
O Controlador disse:
— Aqui é o homem que fez o acordo com você sobre Angel. Tenho outro contrato para ele. Podemos fazer contato imediatamente?
— Não sei.
A mulher parecia bêbada. Ele fez um esforço para reprimir a impaciência.
— Quando espera ter notícias dele?
— Não sei.
Mas que mulher desgraçada!
— Preste atenção. — Ele falou devagar, com todo cuidado, como se estivesse tratando com uma criança pequena. — Diga a Angel que quero que o trabalho seja feito imediatamente. Quero que ele...
— Espere um instante. Tenho de ir ao banheiro.
O Controlador ouviu-a largar o telefone. Ficou esperando, dominado pela frustração. A mulher voltou à linha três minutos depois, comentando:
— Muita cerveja deixa a gente com vontade de mijar. Ele rangeu os dentes.
— É muito importante. — Ele estava com medo de que a mulher não se lembrasse. — Quero que pegue lápis e papel e anote tudo. Falarei devagar.
Naquela noite Mary compareceu a uma festa oferecida pela embaixada canadense. Quando estava deixando o escritório, a fim de ir para o hotel e se vestir, James Stickley disse:
— Sugiro que desta vez tome apenas um gole nos brindes.
Ele e Mike Slade formam uma dupla maravilhosa.
Agora que se encontrava na festa, ela preferia estar em casa com Beth e Tim. Os rostos à mesa eram desconhecidos. À sua direita sentava um armador grego. À esquerda estava um diplomata inglês. Uma socialite de Filadélfia, carregada de diamantes, perguntou a Mary:
— Está gostando de Washington, madame embaixadora?
— Estou gostando muito.
— Deve estar emocionada por ter escapado do Kansas. Mary fitou-a sem entender.
— Escapado do Kansas? A mulher explicou:
— Nunca estive no Meio-Oeste americano, mas deve ser horrível. Só fazendeiros e plantações de trigo e milho. É surpreendente que tenha conseguido suportar por tanto tempo.
Mary sentiu um ímpeto de raiva, mas fez um esforço para manter a voz sob controle.
— O milho e o trigo de que está falando alimentam o mundo — comentou ela, polidamente.
O tom da mulher era condescendente.
— Nossos automóveis funcionam com gasolina, mas eu não gostaria de viver nos campos petrolíferos. Em termos culturais, acho que só se pode viver no Leste. Não concorda? Falando francamente, não há nada para fazer no Kansas, a não ser que se passe o dia inteiro trabalhando nas plantações, não é?
As outras pessoas à mesa acompanhavam a conversa com extrema atenção.
Não há realmente nada para fazer? Mary pensou nos passeios em carroças de feno em agosto, nas feiras do condado e nos emocionantes dramas clássicos apresentados no teatro da universidade. Os piqueniques dominicais no Milford Park e os torneios de beisebol, a pesca no lago de água limpa. A banda tocando no gramado e as reuniões na prefeitura, as festas de rua, os bailes em celeiros e a emoção da época da colheita... os passeios de trenó no inverno e os fogos de artifício no Quatro de Julho, criando um arco-íris no suave céu do Kansas. Ela disse à mulher:
— Se nunca esteve no Meio-Oeste americano, não sabe do que está falando, não é? Porque é lá que este país existe. A América não é Washington, Los Angeles ou Nova York. São milhares de pequenas cidades que você nunca viu nem ouviu falar que tornam grande este país. São os mineiros, os lavradores e os operários. E quero que saiba que no Kansas temos balés, sinfonias e teatro. Para sua informação, cultivamos muito mais do que apenas trigo e milho... também criamos seres humanos decentes.
— Você deve saber que insultou a irmã de um senador muito importante — James Stickley informou a Mary na manhã seguinte.
— Mas não o suficiente — respondeu Mary, em tom de desafio. — Não o suficiente.
Manhã de quinta-feira. Angel estava de mau humor. O vôo de Buenos Aires para Washington fora atrasado porque alguém ligara para as autoridades avisando que havia uma bomba a bordo. O mundo não é mais seguro, pensou Angel, irritado.
O quarto de hotel que lhe fora reservado em Washington era moderno demais, muito — qual era mesmo a palavra? — plástico. Era esse o problema. Em Buenos Aires, tudo era autêntico.
Cumprirei esse contrato e voltarei logo para casa. O trabalho é muito simples, quase um insulto ao meu talento. Mas o dinheiro é excelente. Preciso trepar esta noite. Gostaria de saber por que matar sempre me deixa com tesão.
A primeira visita de Angel foi a uma loja de equipamentos elétricos. Depois foi a uma loja de tintas e finalmente a um supermercado, onde comprou apenas seis lâmpadas. O resto do equipamento esperava no quarto do hotel, em duas caixas lacradas, marcadas com frágil — manuseie com cuidado. Na primeira caixa havia quatro granadas de mão militares, cuidadosamente acondicionadas. Na segunda caixa havia equipamento de solda.
Trabalhando devagar e com toda cautela, Angel cortou a parte superior da primeira granada, depois pintou-a da mesma cor que as lâmpadas. A segunda providência foi remover o explosivo da granada e substituí-lo por explosivo sísmico. Assim que ficou pronto, Angel acrescentou chumbo e estilhaços metálicos. Angel quebrou uma lâmpada na mesa, preservando o filamento e a base. Levou menos de um minuto para soldar o filamento a um detonador ativado eletricamente. A providência final foi inserir o filamento numa gelatina, a fim de mantê-lo instável, e inserir na granada pintada. Quando Angel acabou, o artefato parecia uma lâmpada comum.
Angel pôs-se então a trabalhar nas outras lâmpadas.
Depois, não tinha mais nada a fazer a não ser esperar pelo telefonema.
O telefone tocou às oito horas daquela noite. Angel atendeu e escutou, sem falar. Depois de um momento, uma voz disse:
— Ele saiu.
Angel desligou. Com cuidado, com muito cuidado, as lâmpadas foram acondicionadas numa caixa cheia de aparas de madeira, que foi metida numa valise, junto com os restos dos materiais descartados.
A viagem de táxi para o prédio de apartamentos levou dezessete minutos.
Não havia porteiro no saguão; se houvesse, no entanto, Angel estava preparado para lidar com o homem. O apartamento ficava no quinto andar, ao final do corredor. A fechadura era uma Schlage modelo antigo, uma brincadeira de criança. Em poucos segundos Angel estava no interior do apartamento escuro, imóvel, escutando. Não havia ninguém ali.
Foi um trabalho de poucos minutos substituir as seis lâmpadas na sala de estar. Depois, Angel seguiu direto para o Aeroporto Dulles, a fim de pegar o vôo de meia-noite para Buenos Aires.
Fora um dia comprido para Ben Cohn. Cobrira pela manhã a entrevista coletiva do secretário de Estado, fora ao almoço oferecido ao secretário de Interior que se aposentava e ainda obtivera informações confidenciais de um amigo do Departamento de Defesa. Passara em casa para tomar um banho de chuveiro e trocar de roupa, depois fora jantar com um editor sênior do Post. Já era quase meia-noite quando voltou para casa. Tenho de preparar as anotações para o encontro amanhã com a embaixadora Ashley, pensou Ben.
Akiko não estava na cidade e só voltaria no dia seguinte. Ainda bem. Posso aproveitar para descansar. Mas não resta a menor dúvida de que aquela mulher sabe comer uma banana split, pensou ele, sorrindo.
Enfiou a chave na porta do apartamento e abriu-a. Estava tudo escuro lá dentro. Ele estendeu a mão para o interruptor e o premiu. Houve um súbito clarão, e a sala explodiu como uma bomba atômica; fragmentos de seu corpo foram arremessados para as quatro paredes.
No dia seguinte a esposa de Alfred Shuttleworth comunicou que ele desaparecera. O corpo nunca foi encontrado.
17
— Acabamos de receber o comunicado oficial — anunciou Stanton Rogers. — O governo romeno aprovou-a como a nova embaixadora dos Estados Unidos.
Foi um dos momentos mais emocionantes da vida de Mary Ashley. Vovô teria ficado muito orgulhoso.
— Eu queria lhe dar a notícia pessoalmente, Mary. O presidente gostaria de vê-la. Eu a levarei à Casa Branca.
— Eu... eu não sei como lhe agradecer por tudo o que tem feito, Stan.
— Não fiz nada — protestou Rogers. — Foi o presidente que a escolheu. — Ele sorriu. — E devo dizer que fez uma escolha perfeita.
Mary pensou em Mike Slade.
— Há algumas pessoas que não concordam.
— Pois estão erradas. Você pode fazer mais por nosso país na Romênia do que qualquer outra pessoa que conheço.
— Obrigada. Tentarei corresponder às suas expectativas.
Ela sentiu-se tentada a levantar o problema de Mike Slade. Afinal, Stanton Rogers tinha muito poder. Talvez ele pudesse dar um jeito para que Slade permanecesse em Washington. Não, decidiu Mary. Não devo exigir demais de Stan. Ele já fez muita coisa.
— Tenho uma sugestão a fazer. Em vez de voarem direto para Bucareste, por que você e as crianças não passam antes alguns dias em Paris e Roma? A Tarom Airlines tem um vôo direto de Roma para Bucareste.
Ela fitou-o aturdida por um instante.
— Oh, Stan, isso seria o paraíso! Mas será que eu teria tempo?
Ele piscou um olho.
— Tenho amigos lá no alto. Tentarei dar um jeito. Impulsivamente, Mary abraçou-o. Ele se tornara um
amigo muito querido. Os sonhos de que ela e Edward haviam falado tantas vezes se convertiam em realidade. Mas sem Edward. Era um pensamento agridoce.
Mary e Stanton Rogers foram introduzidos na Sala Verde, onde o presidente Ellison os aguardava.
— Quero pedir desculpas pela demora em acertar tudo, Mary. Stanton já lhe disse que foi aprovada pelo governo romeno. Aqui estão suas credenciais.
O presidente entregou-lhe uma carta. Mary leu devagar:
A senhora Mary Ashley é por meio deste documento designada Representante do presidente dos Estados Unidos na Romênia e todos os funcionários do governo dos Estados Unidos nesse país estão sob a sua autoridade.
— Isto vai junto.
O presidente entregou um passaporte a Mary. Tinha a capa preta, em vez da azul habitual. Na frente, em letras douradas, estava escrito passaporte diplomático.
Mary estava esperando por aquilo há semanas, mas agora que o momento chegara mal podia acreditar.
Paris!
Roma!
Bucareste!
Parecia quase bom demais para ser verdade. E sem nenhuma razão, uma coisa que a mãe de Mary costumava dizer aflorou em sua mente: Se alguma coisa parece boa demais para ser verdade, Mary, então provavelmente é mesmo verdade.
Houve uma pequena notícia nos jornais da tarde, informando que o repórter Ben Cohn, do Washington Post, morrera numa explosão de gás em seu apartamento. A explosão foi atribuída a um vazamento do fogão,
Mary não leu a notícia. Quando Ben Cohn não apareceu para o encontro, ela chegou à conclusão de que o repórter esquecera ou então não estava mais interessado. Voltou ao escritório e retomou o trabalho.
O relacionamento entre Mary e Mike Slade tornava-se cada vez mais irritante para ela. Ele é o homem mais arrogante que já conheci, pensou Mary. Terei de falar com Stan a seu respeito.
Stanton Rogers acompanhou Mary e as crianças ao Aeroporto Dulles, numa limusine do Departamento de Estado. Durante a viagem, Stanton disse:
— As embaixadas em Paris e Roma já foram avisadas de sua chegada. Providenciarão para que os três sejam bem cuidados.
— Obrigada, Stan. Você tem sido maravilhoso. Ele sorriu.
— Não tenho palavras para descrever quanto prazer isso me proporcionou.
— Posso ver as catacumbas em Roma? — perguntou Tim.
Stanton advertiu:
— Lá embaixo é assustador, Tim.
— É por isso mesmo que quero ver.
No aeroporto, Ian Villiers estava à espera, com uma dúzia de fotógrafos e repórteres. Eles cercaram Mary, Beth e Tim, e fizeram as perguntas habituais. Depois de algum tempo, Stanton Rogers interferiu:
— Já chega.
Dois homens do Departamento de Estado e um representante da companhia aérea levaram o grupo para uma sala de espera particular. As crianças foram para a banca de revistas. Mary disse:
— Detesto sobrecarregá-lo com mais um problema, Stan, mas James Stickley disse que Mike Slade será meu subchefe da missão. Não há um jeito de mudar isso?
Ele fitou-a com expressão de surpresa.
— Está tendo algum problema com Slade?
— Para ser sincera, não gosto dele. E não confio nele... não sei explicar por quê. Não há alguém que possa substituí-lo?
Stanton Rogers disse, com um ar pensativo:
— Não conheço Mike Slade muito bem, mas sei que ele tem uma ficha excelente. Serviu de maneira brilhante em postos no Oriente Médio e Europa. Pode lhe proporcionar exatamente o tipo de experiência de que precisa.
Mary suspirou.
— Foi o que o senhor Stickley disse.
— Lamento, Mary, mas terá de ficar com ele. Slade é um solucionador de problemas.
Errado, pensou Mary. Slade é o problema em pessoa. E ponto final.
— Se tiver algum problema com ele, quero que me avise. Mais do que isso, se tiver problemas com qualquer pessoa, quero que me comunique imediatamente. Providenciarei para que receba toda ajuda que for possível.
— Fico agradecida.
— Só mais uma coisa. Sabia que todos os comunicados serão copiados e enviados para diversos departamentos em Washington?
— Sabia.
— Se tiver alguma mensagem que queira me enviar sem que ninguém mais leia, o código no alto da página é três xis. Serei então o único a receber a mensagem.
— Não esquecerei.
O Aeroporto Charles de Gaulle parecia algo saído da ficção científica, um caleidoscópio de colunas de pedra e o que pareceu a Mary centenas de escadas rolantes funcionando desenfreadas. O aeroporto estava apinhado de viajantes.
— Fiquem perto de mim, crianças — ordenou Mary. Quando saíram da escada rolante, ela olhou ao redor,
desamparada. Parou um francês que passava e perguntou, hesitante, recorrendo às poucas palavras de francês de que podia se lembrar:
— Pardon, monsieur, ou sont les baggages?
O homem respondeu implacável, com um forte sotaque francês:
— Desculpe, madame, mas não falo inglês.
E se afastou, deixando Mary a fitá-lo completamente atordoada. Nesse momento um jovem americano bem vestido aproximou-se de Mary e das crianças.
— Perdoe-me, senhora embaixadora! Recebi instruções para encontrá-la no avião, mas fui atrasado por um acidente de tráfego. Meu nome é Peter Callas. Sou da embaixada americana.
— Não pode imaginar como fico contente por vê-lo.
Estou me sentindo completamente perdida. — Mary apresentou as crianças. — Onde encontramos a bagagem?
— Não se preocupe — disse Peter Callas. — Cuidarei de tudo.
Ele cumpriu a palavra. Quinze minutos depois, enquanto os outros passageiros começavam a passar pela alfândega e pelo controle de passaporte, Mary, Beth e Tim se encaminhavam para a saída do aeroporto.
O Inspetor Henri Durand, diretor-geral da Segurança Externa, a agência de informações francesa, observou-os entrarem na limusine à espera. Depois que o carro se afastou, o inspetor foi até uma fileira de cabines telefônicas e entrou numa. Fechou a porta, inseriu um jeton e discou. Quando uma voz atendeu, ele disse:
— S'il vous plaît, dites à Thor que son paquet est arrivé en Paris.
A imprensa francesa esperava em massa quando a limusine parou na frente da embaixada americana. Peter Callas, contemplando a cena pela janela do carro, murmurou:
— Puxa, parece um motim!
O embaixador americano na França, Hugh Simon, aguardava-os lá dentro. Era um texano de meia-idade, com olhos inquisitivos num rosto redondo, encimado por uma cabeleira ruiva.
— Todos estão ansiosos em conhecê-la, senhora embaixadora. A imprensa está em cima de mim desde a manhã.
A entrevista coletiva de Mary prolongou-se por mais de uma hora. Ela estava exausta quando acabou. Foi levada para o gabinete do embaixador Simon, junto com as crianças.
— Estou contente que tenha acabado. Quando cheguei aqui para assumir o posto, acho que recebi apenas um parágrafo na última página do Le Monde. — Ele sorriu. — Claro que nào sou tào atraente quanto você.
O embaixador fez uma pausa, lembrando-se de alguma coisa.
— Recebi um telefonema de Stanton Rogers. Tenho instruções expressas da Casa Branca para providenciar que você, Beth e Tim se divirtam ao máximo durante a permanência em Paris.
— Instruções expressas? — indagou Tim. O embaixador Simon acenou com a cabeça.
— Exatamente. Ele gosta muito de vocês.
— Nós também gostamos dele — comentou Mary.
— Reservei uma suíte no Ritz. É um excelente hotel, junto à Place de Ia Concorde. Tenho certeza de que ficarão bem instalados.
— Obrigada. — Um momento de hesitação e Mary acrescentou, um pouco nervosa: — É muito caro?
— É, sim... mas não para você. Stanton Rogers providenciou para que o Departamento de Estado arque com todas as despesas.
— Ele é incrível — murmurou Mary.
— Segundo ele, você também é.
Os jornais da tarde e da noite publicaram notícias grandes sobre a chegada da primeira embaixadora do presidente dos Estados Unidos em seu programa povo-para-povo. O assunto recebeu ainda uma ampla cobertura dos noticiários noturnos da televisão e dos jornais da manhã seguinte.
O inspetor Durand contemplou a pilha de jornais e sorriu. Tudo estava correndo de acordo com o planejado. A projeção estava ainda melhor do que o previsto. Podia determinar o itinerário de Ashley durante os três dias seguintes. Eles visitarão todos os pontos turísticos sem sentido que os americanos gostam de ver, pensou.
Mary e as crianças almoçaram no restaurante Jules Verne, na Torre Eiffel, e depois foram visitar o Arco do Triunfo.
Passaram a manha seguinte conhecendo os tesouros do Louvre, almoçaram perto de VersaiUes e jantaram no Tour d'Argent.
Tim olhou pela janela do restaurante, para a Notre Dame e perguntou:
— Onde eles guardam o corcunda?
Cada momento em Paris foi uma alegria. Mary não parava de pensar no quanto gostaria que Edward estivesse ali.
No dia seguinte, depois do almoço, eles foram levados de carro para o aeroporto. O inspetor Durand observava quando se apresentaram para o vôo para Roma.
A mulher é atraente — pode-se dizer até que adorável. Um rosto inteligente. Corpo bonito, pernas bem torneadas, um lindo traseiro. Fico imaginando como será ela na cama. As crianças foram uma surpresa. Bem-comportadas para americanos.
Assim que o avião decolou, o inspetor Durand foi a uma cabine telefônica.
— S'il vous plaît, dites à Thor que son paquet est en route à Rome.
Em Roma, os paparazzi esperavam no Aeroporto Leonardo da Vinci. Ao desembarcarem, Tim disse:
— Olhe, mamãe, eles nos seguiram!
Mary teve mesmo a impressão de que a única diferença estava no sotaque italiano. A primeira pergunta que os repórteres italianos lhe fizeram foi a seguinte:
— O que está achando da Itália?
O embaixador Oscar Viner ficou tão perplexo quanto o embaixador Simon já ficara.
— Frank Sinatra não teve uma recepção tão grande. Existe alguma coisa a seu respeito que eu ignore, senhora embaixadora?
— Acho que posso explicar — respondeu Mary. — Não é em mim que a imprensa está interessada, mas sim no programa povo-para-povo do presidente. Teremos em breve representantes em todos os países da Cortina de Ferro. Será um passo enorme pela paz. Acho que é isso que atrai tanto a imprensa.
Depois de um momento de reflexão, o embaixador Vi-ner disse:
— Muita coisa depende de você, não é?
O capitão Caesar Barzini, chefe da polícia secreta italiana, também foi capaz de prever acuradamente os lugares que Mary e seus filhos visitariam durante a breve estada em Roma.
O capitão destacou dois homens para vigiarem os Ashley, e quando eles apresentavam o relatório, ao final de cada dia, era exatamente o que previra.
— Eles tomaram sorvete no Doney's, passearam pela Via Veneto e visitaram o Coliseu.
— Foram à Fonte de Trevi e jogaram moedas,
— Visitaram as Termas de Caracalla e depois as catacumbas. O garoto passou mal e foi levado de volta ao hotel.
— Passearam de carruagem pelo Parque Borghese e a pé pela Piazza Navona.
Divirtam-se, pensou o capitão Barzini, sardonicamente.
O embaixador Viner acompanhou Mary e as crianças ao aeroporto.
— Tenho uma bolsa diplomática para a embaixada na Romênia. Importa-se de levar junto com sua bagagem?
— Claro que não — respondeu Mary.
O capitão Barzini estava no aeroporto para observar o embarque da família Ashley no avião da Tarom Airlines que a levaria a Bucareste. Ele ficou até o avião decolar e depois deu um telefonema.
— Ho un messaggio per Balder. Il suo pacco è in via a Bucharest.
Só depois que o avião estava no ar é que a enormidade do que estava prestes a acontecer atingiu Mary Ashley. Era tão incrível que ela teve de dizer em voz alta:
— Estamos a caminho da Romênia, onde vou assumir meu posto como embaixadora dos Estados Unidos.
Beth fitava-a com expressão estranha.
— É verdade, mamãe. Sabemos disso. É o motivo pelo qual estamos aqui.
Mas como Mary podia explicar sua excitação aos filhos?
Quanto mais o avião se aproximava de Bucareste, mais sua excitação aumentava.
Serei a melhor embaixadora que eles já conheceram, pensou. Antes de eu morrer, os Estados Unidos e a Romênia serão grandes aliados.
O aviso de proibido fumar acendeu, e os eufóricos sonhos de estadista de Mary se dissiparam.
Não é possível que já estejamos prestes a pousar, pensou ela, em pânico. Acabamos de decolar. Por que o vôo é tão curto?
Ela sentiu a pressão em seus ouvidos enquanto o avião começava a descer. Poucos momentos depois as rodas tocaram na pista. Está realmente acontecendo, pensou Mary, incrédula. Não sou uma embaixadora. Sou uma impostora. Vou nos meter numa guerra. Deus nos ajude. Eu nunca deveria ter deixado o Kansas.
LIVRO TRÊS
18
O Aeroporto Otopeni, a quarenta quilômetros do centro de Bucareste, é moderno, construído para facilitar o fluxo dos viajantes dos países próximos da Cortina de Ferro, além de absorver os turistas ocidentais, menos numerosos, que visitam a Romênia todos os anos.
No interior do terminal havia soldados em uniformes marrons, armados com rifles e pistolas; havia também uma impressão de frieza que nada tinha a ver com a temperatura. Inconscientemente, Tim e Beth chegaram-se para mais perto de Mary. Então eles também sentem, pensou ela.
Dois homens se aproximaram. Um deles era esguio e atlético, parecia um americano, o outro era mais velho e vestia um terno amarfanhado de aparência estrangeira. O americano apresentou-se:
— Seja bem-vindo à Romênia, senhora embaixadora. Sou Jerry Davis, seu representante consular para assuntos públicos. Este é Tudor Costache, o chefe do protocolo romeno.
— É um prazer ter a senhora e seus filhos conosco — disse Costache. — Sejam bem-vindos a nosso país.
De certa forma, pensou Mary, vai ser meu país também.
— Multumesc, domnule — respondeu Mary.
— Você fala romeno! — exclamou Costache. — Cu plãcere!
Mary torceu para que o homem não se deixasse arrebatar. E apressou-se em ressaltar:
— Apenas umas poucas palavras. Tim disse:
— Bunãdimineata.
E Mary ficou tão orgulhosa que teve a sensação de que ia estourar.
Ela apresentou as crianças.
— A limusine está à sua espera, senhora embaixadora — disse Jerry Davis. — O coronel McKinney está lá fora.
O coronel McKinney. O coronel McKinney e Mike Slade. Perguntou-se se Slade também estaria ali, mas não falou nada.
Havia uma fila comprida esperando para passar pela alfândega, mas Mary e as crianças deixaram o prédio em poucos minutos. Havia repórteres e fotógrafos à sua espera, só que não eram turbulentos como os que Mary sempre encontrara antes, mas sim ordeiros e controlados. Quando acabaram, agradeceram a Mary e partiram em bloco.
O coronel McKinney, de uniforme, estava à espera na calçada. Estendeu a mão.
— Bom dia, senhora embaixadora. Fez boa viagem?
— Foi ótima, obrigada.
— Mike Slade queria estar aqui, mas precisou resolver um problema urgente.
Mary se perguntou se seria uma ruiva ou uma loura.
Uma limusine preta comprida, com uma bandeira americana no pára-lama dianteiro direito, parou junto ao meio-fio. Um homem de aparência jovial, num uniforme de motorista, abriu a porta.
— Este é Florian.
O motorista sorriu, exibindo lindos dentes brancos.
— Seja bem-vinda, senhora embaixadora, mister Tim, miss Beth. Terei o maior prazer em servir a todos.
— Obrigada — disse Mary.
— Florian estará à sua disposição 24 horas por dia. Pensei em seguirmos direto para a residência, a fim de que possa desfazer as malas e descansar. Talvez mais tarde queira dar uma volta pela cidade. E amanhã de manhã Florian a levará à embaixada americana.
— Está ótimo para mim.
Mary especulou outra vez onde estaria Mike Slade.
A viagem do aeroporto à cidade foi fascinante. Seguiram por uma estrada de duas faixas com tráfego intenso de caminhões e automóveis, mas a intervalos de poucos quilômetros os veículos praticamente tinham de parar por causa de carroças de ciganos que se arrastavam com lentidão. Nos dois lados da estrada havia fábricas modernas, entre cabanas antigas. O carro passou por uma fazenda depois de outra, com mulheres trabalhando nos campos, lenços coloridos na cabeça.
Passaram pelo Báneasa, o aeroporto de vôos domésticos de Bucareste. Mais além, a alguma distância da estrada, havia um prédio de dois andares, cinzento e azul, de aparência sinistra.
— O que é aquilo? — perguntou Mary. Florian fez uma careta.
— A prisão Ivan Stelian. É o lugar em que são encarceradas as pessoas que discordam do governo romeno.
Durante a viagem, o coronel McKinney apontou para um botão vermelho ao lado da porta.
— Este é um controle de emergência — explicou ele. — Se estiver numa situação crítica... for atacada por terroristas ou qualquer coisa parecida... basta apertar este botão. Ativa um transmissor de rádio no carro que é controlado na embaixada e acende uma luz vermelha na capota. Poderemos determinar sua posição em poucos minutos.
Mary comentou, em tom fervoroso:
— Espero nunca ter de usá-lo.
— É o que também espero, senhora embaixadora.
O centro de Bucareste era uma beleza. Havia parques, monumentos e chafarizes por toda parte. Mary se lembrou do comentário do avô:
— Bucareste é uma Paris em miniatura, Mary. Temos até uma réplica da Torre Eiffel.
E lá estava tudo. Ela se encontrava na pátria de seus antepassados.
As ruas enxameavam de pessoas, ônibus e bondes. Florian buzinava a todo instante, os pedestres saíam da frente apressados. O carro entrou numa rua pequena, arborizada.
— A residência fica logo à frente — informou o coronel. — A rua tem o nome de um general russo. Não é irônico?
Era uma casa antiga de três andares, grande e bonita, cercada por um lindo jardim.
Os empregados estavam formados na frente da casa, aguardando a nova embaixadora. Quando Mary saltou do carro, Jerry Davis fez as apresentações.
- Senhora embaixadora, aqui está o pessoal que vai servi-la. Mihai, o mordomo, Sabina, a secretária social, Rosica, a governanta, Cosma, a cozinheira, e Delia e Carmen, as criadas.
Mary foi avançando pela fila, recebendo as mesuras, enquanto pensava: O que vou fazer com toda essa gente? Em casa eu tinha apenas Lucinda, que aparecia três vezes por semana para cozinhar e fazer a faxina.
— Estamos muito honrados em conhecê-la, senhora embaixadora — cumprimentou Sabina, a secretária social.
Todos a fitavam atentamente; parecia que esperavam que ela dissesse alguma coisa. Mary respirou fundo.
— Bună ziua. Multumesc. Nu vorbesc...
O pouco de romeno que ela aprendera sumiu de sua cabeça. Ficou olhando para o pessoal, desamparada. Minai, o mordomo, adiantou-se e fez uma mesura.
— Todos nós falamos inglês, senhora. Nós lhe damos as boas-vindas e teremos a maior satisfação em atender a todas as suas necessidades.
Mary deixou escapar um suspiro de alívio.
— Obrigada.
Havia champanha gelado à sua espera na casa, assim como uma mesa repleta de comidas de aparência tentadora.
— Tudo parece delicioso! — exclamou Mary.
Todos a observavam, com expressões. Ela se perguntou se deveria lhes oferecer alguma coisa. Será que se fazia isso com a criadagem? Não queria começar a estada na Romênia cometendo gafes. "Já soube o que a nova embaixadora americana fez? Convidou os criados a comerem com ela. Eles ficaram tão chocados que foram embora."
"Já soube o que a nova embaixadora americana fez? Empanturrou-se na presença dos criados famintos e não lhes ofereceu coisa alguma."
— Pensando bem — acrescentou Mary —, não estou com fome neste momento. Eu... eu comerei alguma coisa mais tarde.
— Permita que eu lhe mostre a casa — sugeriu Jerry Davis.
Mary seguiu-o, aliviada.
Era uma linda casa, agradável e encantadora, ao estilo antigo. No térreo havia um vestíbulo, uma biblioteca cheia de livros, uma sala de música, uma sala de estar e uma sala de jantar grande, com uma cozinha e despensa ao lado. Todos os cômodos estavam bem mobiliados. Havia um terraço por toda a extensão da casa, além da sala de jantar, que dava para um enorme parque.
Quase nos fundos do terreno havia uma piscina coberta, com uma sauna e vestiário.
— Temos a nossa própria piscina! — exclamou Tim. — Posso dar um mergulho?
— Mais tarde, querido. Vamos nos instalar primeiro. A pièce de résistance no primeiro andar era o salão de
baile, perto do jardim. Era imenso. Havia candelabros de cristal Baccarat nas paredes, forradas com um papel felpu-do. Jerry Davis disse:
— É aqui que se realizam as festas da embaixada. Observe isto. — Ele apertou um botão na parede. Houve um rangido e o teto começou a se abrir no centro, até que o céu se tornou visível. — O mecanismo pode ser operado também manualmente.
— Mas é sensacional! — exclamou Tim.
— É conhecido como "a loucura do embaixador" — acrescentou Jerry Davis. — Faz muito calor para abrir no verão e é frio demais no inverno. Só usamos em abril e setembro.
— Mesmo assim é sensacional — insistiu Tim. Enquanto o ar frio invadia o salão de baile, Jerry Davis tornou a apertar o botão e o teto fechou.
— Vou mostrar agora os aposentos lá em cima. Eles subiram a escada atrás de Jerry Davis para um
grande hall central, com dois quartos separados por um banheiro completo. Mais adiante, pelo corredor, ficava o quarto principal, com uma sala de descanso, um quarto de vestir e um banheiro completo, depois um quarto menor com banheiro e uma sala de costura. Havia um terraço no telhado, com uma escada independente. Jerry Davis informou:
— No terceiro andar estão os aposentos dos criados, uma lavanderia e uma área para guardar coisas. No porão há uma adega e a área de refeições e descanso dos criados.
— É... é enorme — murmurou Mary.
As crianças corriam de um aposento para outro.
— Qual é o meu quarto? — perguntou Beth.
— Você e Tim podem escolher.
— Se quiser, pode ficar com este — ofereceu Tim. — É cheio de enfeites. As garotas gostam dessas coisas.
O quarto principal era adorável, com uma cama enorme, dois sofás na frente de uma lareira, uma poltrona, uma penteadeira com um espelho antigo, um armário, um banheiro suntuoso e uma vista espetacular do jardim.
Delia e Carmen já haviam arrumado a bagagem de Mary. Era cima da cama estava o malote diplomático que o embaixador Viner lhe pedira que trouxesse para a Romênia. Devo levá-lo para a embaixada amanhã de manhã, pensou Mary. Foi até a cama, pegou o malote e examinou-o. Os lacres vermelhos haviam sido rompidos e grudados de novo, de maneira desajeitada. Quando aconteceu isso?, especulou Mary. No aeroporto? Aqui? E quem fez isso?
Sabina entrou no quarto.
— Está tudo satisfatório, senhora?
— Está, sim. Nunca tive antes uma secretária social. Não sei exatamente quais são as suas funções.
— Meu trabalho é cuidar para que sua vida transcorra sem problemas, senhora embaixadora. Trato dos seus compromissos sociais, jantares, almoços e assim por diante. Também providencio para que a casa seja bem administrada. Com tantos criados, sempre há problemas.
— Tem razão — murmurou Mary, distraída.
— Deseja alguma coisa para esta tarde?
Poderia me falar sobre os lacres violados, pensou Mary. Em voz alta, ela disse:
— Não, obrigada. Acho que vou descansar um pouco. Sentia-se subitamente esgotada.
Mary ficou acordada durante a maior parte daquela primeira noite, dominada por uma solidão profunda e fria, misturada com um crescente excitamento pelo início de seu novo trabalho.
Tudo depende de mim agora, Edward. Não tenho mais ninguém em quem me apoiar. Eu gostaria que você estivesse aqui comigo, dizendo-me para não ter medo, dizendo-me que não vou fracassar. Não devo fracassar, querido.
Quando finalmente pegou no sono, ela sonhou com Mike Slade dizendo: "Detesto amadores. Por que não volta para casa?"
A embaixada americana em Bucareste, na Soseaua Kiseleff, 21, é um prédio branco de dois andares, semigótico, patrulhado por um guarda uniformizado, de capote cinza e quepe vermelho. Um segundo guarda fica na parte de dentro, numa cabine de segurança, ao lado do portão. Há uma porta-cocheira para os carros passarem e degraus de mármore rosa que levam ao saguão.
O saguão é todo ornamentado. Tem um piso de mármore, dois aparelhos de um circuito fechado de televisão numa mesa, guardada por um fuzileiro naval, e uma lareira com uma tela de proteção, na qual está pintado um dragão soprando fumaça. Os corredores estão revestidos com os retratos de presidentes dos Estados Unidos. Uma escada em curva leva ao segundo andar, onde estão localizados os escritórios e uma sala de conferências.
Um fuzileiro estava esperando por Mary.
— Bom dia, senhora embaixadora — cumprimentou ele. — Sou o sargento Hughes. Todos me chamam de Gunny.
— Bom dia, Gunny.
— Estão à sua espera na sala de conferências. Eu a acompanharei até lá.
— Obrigada.
Mary seguiu-o para uma sala de recepção no segundo andar, onde uma mulher de meia-idade estava sentada atrás de uma mesa. Ela se levantou.
— Bom dia, senhora embaixadora. Sou Dorothy Sto-ne, sua secretária.
— Como vai?
— Há uma verdadeira multidão à sua espera lá dentro. Dorothy abriu a porta, e Mary entrou na sala. Havia
nove pessoas sentadas em torno de uma enorme mesa de reuniões. Todos se levantaram quando a viram. Ficaram observando-a, e Mary sentiu uma onda de hostilidade quase palpável. A primeira pessoa que ela reconheceu foi Mike Slade. Pensou no sonho que tivera.
— Vejo que chegou aqui sã e salva — disse Mike. — Deixe-me apresentá-la a seus chefes de departamentos. Este é Lucas Janklow, conselheiro administrativo; Eddie Maltz, conselheiro político; Patrícia Hatfield, conselheira econômica; David Wallace, chefe da administração; Ted Thompson, especialista em assuntos agrícolas. Já conheceu Jerry Davis, seu conselheiro de assuntos públicos. Este é David Victor, conselheiro comercial. E também já conhece o coronel Bill McKinney.
— Sentem-se, por favor — disse Mary.
Ela foi para a cadeira à cabeceira da mesa e contemplou o grupo. A hostilidade vem em todas as idades, tamanhos e formatos, pensou.
Patrícia Hatfield tinha um corpo gordo e rosto atraente. Lucas Janklow, o membro mais moço da equipe, parecia e se vestia como um americano de família tradicional. Os outros eram mais velhos, cabelos grisalhos, calvos, magros, gordos. Vai levar algum tempo para definir a todos. Mike Slade estava dizendo:
— Todos nós estamos servindo a seu critério. Pode nos substituir a qualquer momento.
Isso é mentira, pensou Mary, furiosa. Tentei substituir você, mas não consegui.
A reunião durou quinze minutos. A conversa foi irrelevante. Mike Slade finalmente anunciou:
— Dorothy providenciará reuniões separadas para todos com a embaixadora ainda hoje. Obrigado.
Mary sentia-se ressentida porque ele assumira o comando. E perguntou, quando ficou a sós com Slade:
— Qual deles é o agente da CIA adido à embaixada? Ele fitou-a em silêncio por um momento e depois disse:
— Por que não vem comigo?
Slade saiu da sala. Mary hesitou por um instante e depois foi atrás. Seguiu-o por um corredor comprido, passando por uma sucessão de salas pequenas. Ele parou diante de uma porta em que um fuzileiro montava guarda. O fuzileiro deu um passo para o lado e Slade abriu a porta. Virou-se e gesticulou para que Mary entrasse.
Ela entrou e olhou ao redor. A sala era uma incrível combinação de metal e vidro, cobrindo o chão, as paredes e o teto. Mike Slade fechou a pesada porta.
— Esta é a Sala Bolha. Cada embaixada num país da Cortina Ferro possui uma sala assim. É o único lugar da embaixada em que pessoas estranhas não podem ouvir o que se fala.
Ele viu a expressão de incredulidade de Mary e acrescentou:
— Senhora embaixadora, não apenas a embaixada está repleta de microfones ocultos, mas pode também apostar até seu último dólar como o mesmo acontece com a residência oficial... e se for a um restaurante para jantar, haverá também um microfone oculto em sua mesa. Está em território inimigo.
Mary arriou numa cadeira.
— Como se pode resolver o problema? — indagou ela. — Quer dizer que nunca podemos falar livremente?
— Efetuamos uma varredura eletrônica todas as manhãs. Descobrimos os microfones que eles plantam e os tiramos. Eles os substituem e tornamos a removê-los.
— Por que se permite que romenos trabalhem na embaixada?
— É o campo deles. Formam o time da casa. Ou jogamos por suas regras ou estragamos a festa. Eles não podem plantar microfones aqui dentro porque há fuzileiros de guarda na porta durante as 24 horas do dia. E agora... quais são suas perguntas?
— Eu apenas gostaria de saber quem era o homem da CIA.
— Eddie Maltz, seu conselheiro político.
Mary tentou recordar como era Eddie Maltz. Cabelos grisalhos e corpulento. Não, esse era o homem dos assuntos agrícolas. Eddie Maltz... ah, sim, o homem de meia-idade, muito magro, um rosto sinistro. Ou será que ela só tinha essa impressão agora, porque fora informada que se tratava de um agente da CIA?
— Ele é o único homem da CIA na equipe? — É.
Havia hesitação em sua voz? Mike Slade consultou o relógio.
— Você deve apresentar suas credenciais dentro de trinta minutos. Florian está à sua espera lá fora. Leve a carta de credencial. Entregue o original ao presidente Ionescu e guarde uma cópia em nosso cofre.
Mary descobriu que estava rangendo os dentes de raiva.
— Já sei de tudo isso, senhor Slade.
— Ele pediu que você levasse as crianças. Mandei um carro buscá-las.
Sem consultá-la.
— Obrigada.
A sede do governo romeno é um prédio de aparência intimidativa, feito com blocos de arenito, no centro de Bucareste. É protegido por um muro de aço, com guardas armados na frente. Havia mais guardas na entrada do prédio. Um assessor escoltou Mary e as crianças ao segundo andar.
O presidente Alexandros Ionescu cumprimentou Mary e as crianças numa sala comprida e retangular. O presidente da Romênia era uma presença poderosa. Um homem moreno, de feições aquilinas e cabelos pretos crespos. Tinha um dos narizes mais imperiosos que Mary já vira. Os olhos eram brilhantes, hipnotizadores. O assessor disse:
— Excelência, posso apresentar a senhora embaixadora dos Estados Unidos?
O presidente pegou a mão de Mary e deu-lhe um beijo prolongado.
— É ainda mais bonita do que nas fotografias.
— Obrigada, Excelência. Estes são minha filha Beth e meu filho Tim.
— Crianças bonitas. — Ionescu fitou-a, expectante.
— Tem alguma coisa para mim?
Mary quase esquecera. Abriu apressada a bolsa e tirou a carta de credencial do presidente Ellison. Alexandros Ionescu deu uma olhada indiferente.
— Obrigado. Aceito em nome do governo romeno. É agora oficialmente a embaixadora americana em meu país.
— Ele parecia radiante. — Vou lhe oferecer uma recepção esta noite. Conhecerá algumas das pessoas com quem irá trabalhar.
— É muita gentileza sua — disse Mary. Ele tornou a pegar sua mão e disse:
— Temos um ditado a ;. "Um embaixador chega em lágrimas porque sabe que vai passar anos numa terra estranha, longe de seus amigos, mas quando parte está em lágrimas também, porque deve deixar seus novos amigos, num país que passou a amar." Espero que passe a amar nosso país, senhora embaixadora.
Ele apertou a mão de Mary.
— Tenho certeza de que isso acontecerá.
Ele pensou que sou apenas outro rostinho bonito, pensou Mary, desolada. Terei de fazer alguma coisa a esse respeito.
Mary mandou as crianças para casa e passou o resto do dia na embaixada, na grande sala de conferências, começando por uma reunião com os chefes de seções, os conselheiros político, econômico, agrícola, administrativo e comercial. O coronel McKinney estava presente como o adido militar.
Sentaram à mesa comprida e retangular. Contra as paredes escuras havia uma dúzia de funcionários subalternos dos diversos departamentos.
O conselheiro comercial, um homem pequeno e pomposo, apresentou uma fieira de fatos e dados. Mary olhava pela sala, pensando: Terei de me lembrar de todos os seus nomes.
Chegou a vez de Ted Thompson, o conselheiro para assuntos agrícolas.
— O ministro da Agricultura romeno sabe que a situação é mais crítica do que está disposto a admitir. Terão uma colheita desastrosa este ano, e não podemos deixar que afundem.
A conselheira econômica, Patrícia Hatfield, protestou:
— Já lhes demos bastante espaço, Ted. A Romênia está operando nos termos de um tratado de nação privilegiada. É um país SGP.
Ela olhou para Mary, discretamente. Essa mulher está fazendo isso de propósito, para me embaraçar, pensou Mary. Patrícia Hatfield acrescentou, condescendente:
— Um país SGP é...
— ...o que conta com um sistema geral de preferências — arrematou Mary. — Tratamos a Romênia como um país menos desenvolvido, a fim de que possa desfrutar de vantagens de exportação e importação. A expressão de Hatfield mudou.
— Isso mesmo. Já estamos dando as nossas reservas e...
David Victor, o conselheiro comercial, interveio:
— Não estamos dando nada... apenas tentando manter os canais abertos, a fim de podermos fazer negócios aqui. Eles precisam de mais crédito para comprarem milho de nós. Se não vendermos, eles comprarão da Argentina. — Victor virou-se para Mary. — Parece que vamos perder na soja. Os brasileiros estão tentando vender a preço inferior ao nosso. Eu agradeceria se conversasse com o primeiro-ministro o mais depressa possível e tentasse fechar um pacote, antes de sermos excluídos.
Mary olhou para Mike Slade, que estava sentado no outro lado da mesa, arriado na cadeira, rabiscando num bloco, aparentemente sem prestar a menor atenção à conversa.
— Verei o que posso fazer — prometeu Mary.
Ela fez uma anotação: enviar um telegrama ao chefe do Departamento do Comércio em Washington, pedindo permissão para oferecer mais crédito ao governo romeno. O dinheiro viria de bancos americanos, mas os empréstimos só se consumariam com a aprovação do governo.
Eddie Maltz, o conselheiro político, além de agente da CIA, disse:
— Tenho um problema um tanto urgente, senhora embaixadora. Uma estudante americana de dezenove anos foi presa ontem à noite por posse de drogas. É um crime muito sério aqui.
— Que tipo de drogas ela tinha?
— Marijuana. Apenas uns poucos gramas.
— Como é a moça?
— Inteligente, universitária, bonita.
— O que acha que farão com ela?
— A pena habitual é de cinco anos de prisão. Mike Slade disse, em voz indolente:
— Pode tentar envolver o chefe da segurança com seu charme. Ele se chama Istrase. Tem muito poder.
Eddie Maltz acrescentou:
— As outras garotas dizem que ela caiu numa armadilha. É bem possível. Ela foi bastante estúpida para ter uma ligação com um policial romeno. Depois que a fo... que a levou para a cama, o homem entregou-a.
Mary ficou horrorizada.
— Como é possível?
Mike Slade disse, secamente:
— Senhora embaixadora, aqui somos o inimigo... e não eles. A Romênia está brincando com a gente. Somos amigos, trocamos sorrisos, mãos estendidas através do oceano. Deixamos que nos vendam e comprem de nós a preços de barganha, porque queremos atraí-los para longe da Rússia. Mas quando chega no fundo, eles continuam comunistas.
Mary fez outra anotação.
— Muito bem. Verei o que posso fazer. — Ela virou-se para o conselheiro de assuntos públicos, Jerry Davis. — Quais são os seus problemas?
— Meu departamento está encontrando dificuldades em obter aprovação para os reparos nos apartamentos em que moram os funcionários da embaixada. Estão em condições lamentáveis.
— Não é possível fazer os reparos sem consultar ninguém?
— Infelizmente, não. O governo romeno tem de aprovar todos os reparos. Alguns dos nossos estão sem aquecimento, os banheiros não funcionam em diversos apartamentos e não há água corrente.
— Já protestou contra essa situação?
— Já, sim.., todos os dias, nos últimos três meses.
— Então por que...?
— É o que se chama de hostilidade — explicou Mike Slade. — Uma guerra de nervos que travam com a gente.
Mary fez outra anotação.
— Senhora embaixadora, tenho um problema da maior urgência — disse Jack Chancelor, o diretor da biblioteca americana. — Alguns livros de referências muito importantes foram roubados ontem da...
A embaixadora Ashley estava começando a ficar com dor de cabeça.
A tarde foi ocupada a ouvir uma série de queixas. Todos pareciam infelizes. E havia ainda a leitura. Em sua mesa estava uma pilha de papéis. Eram traduções para o inglês de notícias que haviam saído no dia anterior em jornais e revistas romenos. A maioria das notícias do jornal popular Scinteia Tineretului era sobre as atividades diárias do presidente Ionescu, com três ou quatro fotografias suas em cada página. O incrível ego de um homem, pensou Mary.
Havia outras condensações para ler: The Romania Libera, o semanário Flacara Rosie e Magafinul. E isso era apenas o começo. Havia também os telegramas e os resumos do que estava acontecendo nos Estados Unidos. Havia uma pasta com os textos integrais de discursos de importantes autoridades americanas, um volumoso relatório sobre negociações de controle de armamentos e uma síntese atualizada sobre a situação da economia americana.
Em um dia há material de leitura suficiente para me manter ocupada por anos e terei isso todas as manhãs, pensou Mary.
Mas o problema que mais a perturbava era a sensação de antagonismo da equipe. Era preciso encontrar uma solução imediata.
Ela chamou Harriet Kruger, a responsável pelo protocolo.
— Há quanto tempo trabalha aqui na embaixada? — perguntou-lhe Mary.
— Por quatro anos antes do rompimento com a Romênia e agora há três gloriosos meses.
Havia um tom de ironia em sua voz.
— Não gosta daqui?
— Sou uma garota de McDonald's e Coney Island. Como diz a canção, "Mostre-me o caminho de volta para casa".
— Podemos ter uma conversa particular?
— Não, madame. Mary esquecera.
— Por que não vamos para a Sala Bolha? — sugeriu.
Depois que sentou na Sala Bolha com Harriet Kruger, a porta fechada, Mary disse:
— Acaba de me ocorrer uma coisa. Nossa reunião de hoje foi realizada na sala de conferências. Não está grampeada?
— Provavelmente — respondeu Harriet Kruger, em tom jovial. — Mas não tem importância. Mike Slade não deixaria que fosse discutida qualquer coisa que os romenos já não soubessem.
Mike Slade de novo.
— O que acha de Slade?
— Ele é o melhor.
Mary resolveu não manifestar sua opinião.
— Eu queria conversar francamente com você porque tenho a impressão de que o moral aqui não é dos melhores. Todos estão se queixando. Ninguém parece feliz. Eu gostaria de saber se é por minha causa ou se sempre foi assim.
Harriet Kruger estudou-a em silêncio por um momento.
— Quer uma resposta sincera?
— Por favor.
— É uma combinação das duas coisas. Os americanos que trabalham aqui estão sob pressão permanente. Se violamos as regras, estamos perdidos. Temos receio de fazer amizade com romenos porque provavelmente acabaremos descobrindo que são da Securitate. Por isso, ficamos restritos aos americanos. O grupo é pequeno, e logo se torna aborrecido e incestuoso. — Ela deu de ombros. — O pagamento é péssimo, a comida ruim e o tempo horrível. Nada disso é culpa sua, senhora embaixadora. Seus problemas são dois. O primeiro é que se trata de uma nomeação política e está no comando de uma embaixada guarnecida por diplomatas de carreira. — Fez uma pausa. — Estou sendo muito forte?
— Não. Continue, por favor.
— A maioria era contra você antes mesmo de chegar aqui. O pessoal de carreira numa embaixada tende a não balançar o barco. Os designados políticos gostam de mudar as coisas. Você é uma amadora dizendo a profissionais como devem agir. O segundo problema é o fato de ser uma mulher. A Romênia devia ter um grande símbolo em sua bandeira: um porco chauvinista macho. Os americanos na embaixada não gostam de receber ordens de uma mulher, e os romenos são muito piores.
— Entendo. Harriet Kruger sorriu.
— Mas com toda certeza você tem um grande agente de publicidade. Nunca vi tantas reportagens de capa em revistas em toda a minha vida. Como conseguiu?
Mary não tinha resposta para isso. Harriet Kruger olhou para o relógio.
— Ei, você vai se atrasar! Florian está esperando para levá-la em casa, a fim de que possa trocar de roupa.
— Trocar de roupa para quê? — perguntou Mary.
— Não verificou a programação que pus em sua mesa?
— Infelizmente, não tive tempo. Tenho alguma festa para ir hoje?
— Festas. Três esta noite. No total, são 21 festas nesta semana.
Mary estava aturdida.
— É impossível. Tenho muita coisa para...
— É inerente ao cargo. Há 75 embaixadas em Bucareste, e numa determinada noite algumas sempre estão celebrando qualquer coisa.
— Não posso recusar os convites?
— Seria uma recusa dos Estados Unidos. Eles ficariam ofendidos.
Mary suspirou.
— Acho melhor eu ir logo para casa e trocar de roupa.
O coquetel naquela tarde foi realizado no Palácio do Governo da Romênia, em homenagem a uma autoridade visitante da Alemanha Oriental.
Assim que Mary chegou, o presidente Ionescu adiantou-se em sua direção. Beijou-lhe a mão e disse:
— Eu estava ansioso em tornar a vê-la.
— Obrigada, Excelência. Eu também.
Mary teve a impressão de que ele andara bebendo muito. Recordou o dossiê a seu respeito: Casado. Um filho de quatorze anos, o herdeiro presuntivo, e três filhas. É um conquistador. Bebe muito. Uma astuta mente de camponês. Encantador quando lhe é conveniente. Generoso com os amigos. Perigoso e implacável com os inimigos. Mary pensou: Um homem com quem se deve tomar cuidado.
Ionescu pegou o braço de Mary e conduziu-a para um canto deserto.
— Vai descobrir que nós, os romenos, somos muito interessantes. — Ele apertou o braço de Mary. — Um povo ardente.
Ele fez uma pausa, aguardando uma reação. Como nào houvesse nenhuma, acrescentou:
— Somos descendentes dos antigos dácios e seus conquistadores, os romanos, desde o ano 106 da era cristã. Durante séculos fomos o capacho da Europa. O país com fronteiras de borracha. Os hunos, godos, ávaros, eslavos e mongóis limparam seus pés em nós, mas a Romênia sobreviveu. E quer saber como?
Ionescu fez outra pausa, inclinando-se para mais perto de Mary, que pôde sentir seu bafo de álcool.
— Dando ao nosso povo uma liderança forte e firme. O povo confia em mim, e eu o governo bem.
Mary pensou em algumas das histórias que ouvira. As prisões durante a madrugada, os tribunais irregulares, as atrocidades, os desaparecimentos súbitos e inexplicáveis.
Enquanto Ionescu continuava a falar, Mary olhou por cima de seu ombro para as pessoas na sala apinhada. Havia pelo menos duzentas pessoas ali, e Mary tinha certeza de que representavam todas as embaixadas na Romênia. Conheceria a todos em breve. Dera uma olhada na lista de compromissos preparada por Harriet Kruger e descobrira que uma de suas primeiras funções deveria ser uma visita formal a cada uma das 75 embaixadas, Além disso, havia coquetéis e jantares em seis noites por semana.
Quando terei tempo para ser uma embaixadora?, especulou Mary. E mesmo enquanto pensava, compreendeu que tudo aquilo era parte dos deveres de uma embaixadora.
Um homem aproximou-se do presidente Ionescu e sussurrou algo em seu ouvido. A expressão de Ionescu tornou-se fria. Ele murmurou alguma coisa em romeno, o homem acenou com a cabeça e afastou-se apressado. O ditador tornou a se virar para Mary, outra vez o charme em pessoa.
— Preciso deixá-la agora. Mas aguardarei ansioso a próxima oportunidade em que nos encontraremos.
E Ionescu se foi.
19
A fim de aproveitar melhor o tempo nos dias movimentados que a esperavam, Mary determinou que Florian fosse buscá-la às seis e meia da manhã todos os dias. Durante o percurso até a embaixada, ela lia os relatórios e comunicados de outras embaixadas, entregues na residência durante a noite.
Ao atravessar o corredor, passando pela porta de Mike Slade, ela parou de repente, surpresa. Ele estava à sua mesa, trabalhando. Com a barba por fazer. Ela se perguntou se Slade teria passado a noite inteira ali.
— Chegou cedo — disse Mary. Ele levantou os olhos.
— Bom dia. Gostaria de falar com você.
— Está bem.
Ela começou a entrar.
— Não aqui. Na sua sala.
Ele seguiu Mary para a sala dela e foi até um instrumento que estava num canto.
— Isto é um retalhador — informou Mike.
— Sei disso.
— Sabe mesmo? Quando saiu ontem à noite, deixou alguns papéis em cima de sua mesa. A esta altura, já foram fotografados e enviados para Moscou.
— Oh, Deus! Devo ter esquecido. Que papéis eram?
— Uma lista de cosméticos, papel higiênico e outros artigos pessoais que queria encomendar. Mas isso não importa. A faxineira trabalha para a Securitate. Os romenos ficam felizes por qualquer fragmento de informação que consigam obter e são ótimos para juntar dois e dois. Lição número um: à noite, tudo deve ser guardado em seu cofre ou destruído.
— E qual é a lição número dois? — indagou Mary, friamente.
Mike sorriu.
— A embaixadora sempre começa seu dia tomando café com o subchefe da missão. Como prefere o seu?
Mary não tinha o menor desejo de tomar café com aquele filho da mãe arrogante.
— Eu... puro.
— Faz muito bem. É preciso tomar muito cuidado com a silhueta por aqui. A comida é do tipo que engorda. — Ele se levantou e se encaminhou para a porta que dava para a sua sala. — Preparo meu próprio café. Tenho certeza de que vai gostar.
Mary continuou sentada, furiosa com Slade. Tenho de tomar cuidado com a maneira de tratá-lo, pensou. Quero afastá-lo daqui o mais depressa possível.
Mike Slade voltou com duas canecas de café fumegante e colocou-as em cima da mesa.
— Como posso matricular Beth e Tim na escola americana aqui? — indagou Mary.
— Já providenciei tudo. Florian as levará pela manhã e irá buscar à tarde.
Ela ficou confusa.
— Ahn... obrigada.
— Deve visitar a escola quando tiver uma oportunidade. É pequena, com cerca de cem alunos. Cada turma tem oito ou nove estudantes. Vêm de todos os lugares... canadenses, israelenses, nigerianos... pode dizer qualquer um. Os professores são excelentes.
— Irei até lá.
Mike tomou um gole do café.
— Soube que teve uma boa conversa com nosso destemido líder ontem à noite.
— O presidente Ionescu? É verdade. Ele foi muito simpático.
— Sempre é. Um cara maravilhoso. Até que se irrita com alguém. E corta sua cabeça.
Mary disse, bastante nervosa:
— Não deveríamos falar sobre essas coisas apenas na Sala Bolha?
— Não há necessidade. Mandei fazer uma varredura eletrônica em sua sala esta manhã. Está limpa. Mas tome cuidado depois que os criados chegarem. Por falar nisso, não deixe que o charme de Ionescu a engane. Ele é um filho da puta irredutível. O povo o despreza, mas não pode fazer nada. A polícia secreta está em toda parte. É a KGB e a força policial reunidas numa coisa só. Os romenos têm ordens para não fazerem qualquer contato com estrangeiros. Se um estrangeiro quer jantar no apartamento de um romeno, o compromisso tem de ser aprovado primeiro pelo Estado.
Mary sentiu um calafrio percorrer seu corpo.
— Um romeno pode ser preso por assinar uma petição, criticar o governo, pichar paredes...
Mary lera artigos em jornais e revistas sobre a repressão nos países comunistas, mas viver no meio de tudo aquilo lhe dava uma sensação de irrealidade.
— Há julgamentos aqui — murmurou ela.
— É verdade. De vez em quando eles promovem julgamentos de demonstração e permitem a presença de repórteres do Ocidente. Mas a maioria dos presos sofre acidentes fatais quando se encontra sob a custódia da polícia. Há gulags na Romênia que não podemos conhecer. Ficam na área do Delta e no Danúbio, perto do mar Negro. Conversei com pessoas que os conheceram. As condições são terríveis.
— E não há lugar para onde possam escapar — disse Mary, pensando em voz alta. — Eles têm o mar Negro a leste, a Bulgária ao sul, a Iugoslávia, Hungria e Tchecoslováquia nas outras fronteiras. Estão bem no meio da Cortina de Ferro.
— Já ouviu falar do Decreto da Máquina de Escrever?
— Não.
— É a última idéia de Ionescu. Ordenou que toda máquina de escrever e copiadora do país fossem registradas. Assim que isso aconteceu, confiscou tudo. Agora Ionescu controla todas as informações que são disseminadas. Mais café?
— Não, obrigada.
— Ionescu aperta o povo onde mais dói. As pessoas têm medo de fazer greve, porque sabem que serão fuziladas. O padrão de vida aqui é um dos mais baixos da Europa. Há escassez de tudo. Se as pessoas deparam com uma fila na frente de uma loja, entram e compram qualquer coisa que esteja à venda, enquanto têm a chance.
— Parece-me que tudo isso oferece uma oportunidade maravilhosa para nós os ajudarmos — comentou Mary.
Mike Slade fitou-a em silêncio por um instante e depois disse, secamente:
— Tem razão. Uma oportunidade maravilhosa.
Naquela tarde, enquanto lia os telegramas chegados de Washington, Mary pensou em Mike Slade. Era um homem estranho. Arrogante e grosseiro, mas... Já providenciei a escola para as crianças. Florian as levará pela manhã e irá buscar à tarde. E parecia se importar realmente com o povo romeno e seus problemas. Talvez ele seja mais complexo do que imaginei, concluiu Mary. Ainda assim, não confio nele.
Foi por puro acaso que Mary tomou conhecimento das reuniões que se realizavam às suas costas. Ela deixou a embaixada para almoçar com o ministro da Agricultura romeno. Ao chegar ao ministério, foi informada de que ele fora convocado para um encontro inesperado com o presidente. Mary resolveu voltar à embaixada e ter um almoço de trabalho. Disse à sua secretária:
— Avise a Lucas Janklow, David Wallace e Eddie Maltz que quero falar com eles.
Dorothy Stone hesitou.
— Eles estão numa reunião, senhora.
Havia alguma coisa evasiva no tom da mulher.
— Numa reunião com quem? Dorothy Stone respirou fundo.
— Com todos os outros conselheiros. Mary levou um momento para compreender.
— Está querendo dizer que há uma reunião da equipe sem que eu tenha sido avisada?
— Isso mesmo, senhora embaixadora. Mas aquilo era uma afronta!
— E não é a primeira vez?
— Não, senhora, não é.
— O que mais está acontecendo por aqui que eu deveria saber e ignoro?
Dorothy Stone tornou a respirar fundo.
— Todos estão enviando telegramas sem sua autorização.
Esqueça a revolução fermentando na Romênia, pensou Mary. Há uma revolução aqui mesmo, na embaixada.
— Dorothy, convoque uma reunião de todos os chefes de departamentos para três horas da tarde... e todos mesmo.
— Pois não, senhora.
Mary estava sentada à cabeceira da mesa, observando os conselheiros entrarem na sala de conferências. Os mais categorizados sentaram à mesa, enquanto os outros ocupavam cadeiras encostadas nas paredes.
— Boa tarde — disse Mary, em tom firme. — Não vou levar muito tempo. Sei como todos andam muito ocupados. Chegou ao meu conhecimento que os membros mais categorizados da equipe têm se reunido sem o meu conhecimento e aprovação. Deste momento em diante, qualquer pessoa que comparecer a essas reuniões será imediatamente dispensada de suas funções.
Pelo canto dos olhos, ela podia ver Dorothy tomando anotações. E continuou:
— Também chegou ao meu conhecimento que alguns de vocês estão enviando telegramas sem me informarem. De acordo com o protocolo do Departamento de Estado, cada embaixador tem o direito de contratar e dispensar qualquer pessoa da equipe da embaixada, a seu critério. — Virou-se para Ted Thompson, o conselheiro para assuntos agrícolas. — Você enviou ontem um telegrama não-autorizado ao Departamento de Estado. Fiz reserva para você num avião que parte para Washington ao meio-dia de amanhã. Não pertence mais a esta embaixada.
Ela fez uma pausa, correndo os olhos pela mesa.
— Na próxima vez em que alguém nesta sala enviar um telegrama sem meu conhecimento ou deixar de me proporcionar seu apoio total, essa pessoa embarcará no primeiro avião para os Estados Unidos. Isso é tudo, senhoras e senhores.
Houve um silêncio atordoado. Depois, lentamente, as pessoas começaram a levantar e sair da sala. Mike Slade saiu com uma expressão intrigada.
Mary e Dorothy Stone ficaram a sós na sala. Mary perguntou:
— O que você achou? Dorothy sorriu.
— Perfeita, sem qualquer exagero. Foi a reunião da equipe mais curta e mais eficaz a que já assisti.
— Ótimo. E agora está na hora de esclarecer a situação na sala de telegramas.
Todas as mensagens enviadas de embaixadas na Europa Oriental são primeiro codificadas. São datilografadas numa máquina de escrever especial, lidas por um aparelho eletrônico na sala de códigos e automaticamente codificadas. Os códigos são mudados todos os dias e há cinco classificações: Ultra-Secreto, Secreto, Confidencial, Limitado ao Uso Oficial e Aberta. A sala de telegramas, nos fundos, gradeada, sem janelas, com os mais modernos equipamentos eletrônicos, era guardada com todo cuidado.
Sandy Palance, o funcionário encarregado, estava sentado por trás de um guichê na sala de telegramas. Levantou-se quando Mary se aproximou.
— Boa tarde, senhora embaixadora. Em que posso ajudá-la?
— Em nada. Eu é que vou ajudar você. Palance ficou aturdido.
— Como?
— Andou enviando telegramas sem a minha assinatura. Isso significa que eram telegramas não-autorizados.
Ele caiu na defensiva no mesmo instante.
— Os conselheiros disseram que...
— Daqui por diante, deve me levar imediatamente qualquer telegrama que alguém lhe peça para enviar sem a minha assinatura. Entendido?
A voz de Mary era fria e implacável. Palance pensou: Eles se enganaram com essa mulher.
— Claro, senhora. Entendido.
— Ótimo.
Mary virou-se e foi embora. Sabia que a sala de telegramas era usada pela CIA para enviar mensagens através de um "canal preto". Não havia meio de impedir isso. Ela se perguntou quantas pessoas na embaixada seriam da CIA e especulou se Mike Slade lhe contara toda a verdade a respeito. Tinha a impressão de que não.
Naquela noite, Mary escreveu anotações sobre os acontecimentos do dia e os problemas que precisava resolver. Deixou os papéis na mesinha-de-cabeceira. Pela manhã, foi tomar um banho de chuveiro. Depois que se vestiu, pegou as anotações. Estavam numa ordem diferente. Pode estar certa de que a embaixada e a residência são espionadas. Mary ficou imóvel por um instante, pensando.
Ao café da manhã, quando ela, Beth e Tim estavam sozinhos, Mary disse, em voz alta:
— Os romenos são maravilhosos. Mas tenho a impressão de que eles estão muito atrasados em relação aos Estados Unidos em algumas coisas. Sabiam que muitos dos apartamentos em que mora o pessoal da embaixada não têm aquecimento e água corrente e os banheiros não funcionam direito? — Beth e Tim fitavam-na com expressões estranhas. — Creio que teremos de ensinar aos romenos como consertar as coisas.
Na manhã seguinte, Jerry Davis disse:
— Não sei como conseguiu, mas os operários surgiram de repente para consertar nossos apartamentos.
Mary sorriu.
— Basta saber falar com eles.
Ao final de uma reunião da equipe, Mike Slade disse:
— Você tem muitas embaixadas que precisa visitar formalmente. É melhor começar hoje logo de uma vez.
Mary ficou ressentida com seu tom. Além do mais, não era da conta dele; Harriet Kruger era a responsável pelo protocolo e não estava na embaixada naquele dia. Mike acrescentou:
— É importante que você visite as embaixadas de acordo com a prioridade. A mais importante...
— ...é a embaixada russa. Sei disso.
— Eu aconselharia...
— Se eu precisar de algum conselho seu a respeito de minhas funções aqui, senhor Slade, pode deixar que lhe direi.
Mike deixou escapar um suspiro profundo.
— Está bem. — Ele se levantou. — Como achar melhor, senhora embaixadora.
Depois da visita à embaixada russa, Mary passou o resto do dia ocupada com entrevistas, com um senador de Nova York que queria informações confidenciais sobre os dissidentes romenos e numa reunião com o novo conselheiro para assuntos agrícolas.
Quando Mary já se preparava para ir embora, Dorothy Stone tocou o interfone e avisou:
— Há uma ligação urgente, senhora embaixadora. James Stickley, de Washington.
Mary pegou o telefone.
— Olá, senhor Stickley.
A voz de Stickley soou furiosa pela linha:
— Quer me explicar o que pensa que está fazendo?
— Eu... eu não sei do que está falando.
— Obviamente, O secretário de Estado acaba de receber um protesto formal do embaixador do Gabão sobre o seu comportamento.
— Ei, espere um pouco! — disse Mary. — Deve haver algum engano. Nem mesmo falei com o embaixador do Gabão.
— Exatamente — cortou Stickley, o tom ríspido. — Mas falou com o embaixador da União Soviética.
— É verdade. Fiz uma visita de cortesia esta manhã.
— Não sabia que as embaixadas estrangeiras têm prioridade de acordo com as datas em que apresentaram suas credenciais?
— Sabia, sim, mas...
— Para sua informação, na Romênia a embaixada do Gabão é a primeira, e a da Estônia a última, havendo entre as duas cerca de setenta outras embaixadas. Alguma pergunta?
— Não, senhor. Lamento muito se...
— Por favor, cuide para que isso não torne a acontecer.
Quando soube da notícia, Mike Slade foi à sala de Mary.
— Eu tentei avisá-la.
— Senhor Slade...
— Eles levam essas coisas muito a sério na diplomacia. Em 1661 os servidores do embaixador espanhol em Londres atacaram a carruagem do embaixador francês, mataram o postilhão, espancaram o cocheiro e estropiaram dois cavalos, só para terem certeza de que a carruagem espanhola chegaria na frente. Sugiro que mande um bilhete de desculpas.
Mary sabia que o jantar naquela noite seria amargo.
Mary sentia-se perturbada com os comentários que ouvia sobre a publicidade que ela e as crianças estavam obtendo. Saiu até uma matéria no Pravda, com uma fotografia dos três.
Fez uma ligação para Stanton Rogers, à meia-noite. Ele deveria estar chegando no escritório e atendeu no mesmo instante.
— Como está a minha embaixadora predileta?
— Estou bem, Stan. E você, como vai?
— Além de uma agenda que me ocupa 48 horas por dia, não tenho do que me queixar. Para ser franco, estou adorando cada minuto. Como está se saindo sozinha? Tem algum problema em que eu possa ajudá-la?
— Não chega a ser bem um problema. É apenas uma coisa que me deixa curiosa. — Ela hesitou, querendo formular o assunto de uma maneira que não permitisse qualquer mal-entendido. — Viu a fotografia min das crianças no Pravda da semana passada?
— Claro que vi! Está maravilhosa! Finalmente estamos conseguindo atingi-los!
— Os outros embaixadores recebem tanta publicidade quanto eu, Stan?
— Francamente, não. Mas o chefe decidiu promovê-la ao máximo, Mary. Você é o nosso mostruário. O presidente Ellison era sincero ao dizer que procurava o oposto do americano feio. Encontramos você e tencionamos exibi-la. Queremos que o mundo inteiro dê uma olhada no melhor do nosso país.
— Eu... eu me sinto lisonjeada...
— Continue a fazer um bom trabalho.
Eles trocaram amenidades por mais alguns minutos e depois se despediram.
Então é o presidente quem está por trás de toda essa projeção, pensou Mary. Não é de admirar que ele tenha conseguido tanta publicidade.
O interior da Prisão Ivan Stelian era ainda mais assustador que o exterior. Os corredores eram estreitos, pintados com um cinza opaco. Havia uma verdadeira selva de celas apinhadas, com grades pretas, no primeiro andar, e outra ala por cima, patrulhadas por guardas uniformizados, armados com metralhadoras.
Um guarda levou Mary a uma pequena sala para visitantes, nos fundos do prédio.
— Ela está aí dentro. Tem dez minutos para conversar.
— Obrigada.
Mary entrou na sala e a porta foi fechada. Hannah Murphy estava sentada a uma mesa pequena e escalavrada. Tinha algemas nos pulsos e usava o uniforme da prisão. Eddie Maltz referira-se a ela como uma linda estudante de dezenove anos. Só que ela parecia ser dez anos mais velha. O rosto era pálido e encovado, os olhos estavam vermelhos e inchados, os cabelos desgrenhados.
— Oi — disse Mary. — Sou a embaixadora americana. Hannah Murphy fitou-a e desatou a chorar de maneira incontrolável. Mary abraçou-a e murmurou:
— Calma, calma. Tudo vai acabar bem.
— Não vai, não — balbuciou a moça. — Serei condenada na próxima semana. Morrerei se tiver de passar cinco anos neste lugar. Juro que morrerei.
Mary apertou-a por mais um momento.
— Muito bem, agora quero que me conte o que aconteceu.
Hannah Murphy respirou fundo e depois disse:
— Conheci aquele homem... ele era romeno... e me sentia muito solitária. Ele foi gentil comigo e... fizemos amor. Uma amiga me dera dois cigarros de marijuana. Partilhei um com ele. Fizemos amor de novo e fui dormir. Quando acordei, de manhã, ele tinha sumido, mas a polícia estava lá. E eu estava nua. Eles ficaram parados ao redor, olhando enquanto eu me vestia. E me trouxeram para este inferno. — Ela sacudiu a cabeça, desamparada. — Disseram que eu ia pegar cinco anos.
— Não se eu puder evitar.
Mary pensou no que Lucas Janklow lhe dissera quando ela estava saindo para ir à prisão: "Não há nada que possa fazer por ela, senhora embaixadora. Já tentamos antes. Uma sentença de cinco anos é o normal para estrangeiros. Se ela fosse romena, provavelmente seria condenada à prisão perpétua. "Ela olhou agora para Hannah Murphy c prometeu:
— Farei tudo o que estiver ao meu alcance para ajudá-la.
Mary examinara o registro policial oficial sobre a prisão de Hannah Murphy. Estava assinado pelo capitão Aurel Istrase, chefe da Securitate. Era sucinto e não ajudava em nada, deixando evidente a culpa da moça. Terei de encontrar outro meio, pensou Mary. Aurel Istrase. O nome lhe parecia familiar. Ela recordou o dossiê confidencial que James Stickley lhe mostrara em Washington. Havia alguma coisa ali sobre o capitão Istrase. Algo a respeito... e de repente ela se lembrou.
Mary marcou uma reunião com o capitão para a manhã seguinte.
— Está perdendo seu tempo — disse-lhe Mike Slade, bruscamente. — Istrase é uma montanha. Não pode ser demovido.
Aurel Istrase era um homem baixo e trigueiro, o rosto coberto por cicatrizes, a cabeça calva e lustrosa, dentes manchados. No início de sua carreira alguém lhe quebrara o nariz, que não fora consertado direito. Istrase teve de ir à embaixada americana para o encontro. Estava curioso sobre a nova embaixadora.
— Desejava falar comigo, senhora embaixadora?
— Desejava, sim. Obrigada por ter vindo. Quero discutir o caso de Hannah Murphy.
— Ah, sim, a traficante de tóxicos. Temos leis rigorosas na Romênia para as pessoas que vendem tóxicos. Sempre vão para a cadeia.
— Isso é ótimo — disse Mary. — Fico satisfeita por saber. Gostaria que tivéssemos leis mais rigorosas de repressão aos tóxicos nos Estados Unidos. Istrase estava aturdido.
— Então concorda comigo?
— Claro. Qualquer pessoa que vende tóxicos merece a prisão. Hannah Murphy, no entanto, não vendia tóxicos. Ela apenas ofereceu um pouco de marijuana a seu amante.
— É a mesma coisa. Se...
— Não, capitão, não é a mesma coisa. O amante era um tenente de sua força policial. Ele também fumou marijuana. Foi punido?
— Por que deveria ser? Estava apenas obtendo provas de um ato criminoso.
— Seu tenente tem esposa e três filhos9 O capitão Istrase franziu o rosto.
— Claro. A americana seduziu-o para a cama.
— Capitão, Hannah Murphy é uma estudante universitária de dezenove anos. Seu tenente tem 45 anos. Quem seduziu quem?
— A idade não tem nada a ver com isso — insistiu o capitão, obstinado.
— A esposa do tenente tem conhecimento da aventura do marido?
O capitão Istrase fitava-a fixamente.
— Por que deveria ter?
— Porque me parece um caso óbvio de cilada. Acho melhor tornarmos pública a história. A imprensa internacional ficará fascinada.
— Não haveria sentido nisso. Mary jogou seu trunfo.
— Porque o tenente é seu genro?
— Mas claro que não! — protestou o capitão, furioso. — Quero apenas que se faça justiça.
— Eu também.
Segundo o dossiê que Mary lera, o genro se especializava em entrar em contato com jovens turistas — homens e mulheres — levando-os para a cama e sugerindo lugares em que podiam negociar no mercado negro ou comprar tóxicos, denunciando-os em seguida. Mary acrescentou, em tom conciliador:
— Não há necessidade de sua filha saber como o marido se comporta. Creio que seria melhor para todas as pessoas envolvidas se discretamente soltasse Hannah Murphy e a mandasse de volta para os Estados Unidos. O que acha, capitão?
Ele se manteve em silêncio por algum tempo, visivelmente irritado, antes de murmurar:
— É uma mulher muito interessante.
— Obrigada. E devo dizer que é também um homem muito interessante. Estarei esperando miss Murphy em meu gabinete esta tarde. Providenciarei para que ela embarque no primeiro avião que deixar Bucareste.
Ele deu de ombros.
— Verei o que posso fazer com a pouca influência que tenho.
— Tenho certeza de que se empenhará ao máximo, capitão Istrase. Obrigada.
Na manhã seguinte, uma agradecida Hannah Murphy estava a caminho dos Estados Unidos.
— Como foi que conseguiu? — perguntou Mike Slade, incrédulo.
— Segui o seu conselho. Usei meu charme.
20
No dia em que Beth e Tim deveriam começar a ir à escola Mary recebeu um telefonema da embaixada às cinco horas da manhã, comunicando que chegara uma mensagem urgente, que exigia resposta imediata. Foi o começo de um dia longo e movimentado. Quando ela voltou à residência, já passava de sete horas da noite, e as crianças estavam à sua espera.