— Como foi a escola? — perguntou Mary.

— Eu gostei — respondeu Beth. — Sabia que os alunos são de 22 países diferentes? Tem um garoto italiano lindo que passou a aula toda olhando para mim. É uma escola sensacional.

— Tem um laboratório de ciências que é uma beleza — acrescentou Tim. — Amanhã vamos dissecar algumas rãs romenas.

— Mas é muito esquisito — ressaltou Beth. — Todos falam inglês com sotaques engraçados.

— Lembrem-se de uma coisa — disse Mary aos filhos.

— Quando alguém tem um sotaque, isso significa que fala uma língua a mais do que vocês. Mas fico contente de que não tenham tido problemas.

— Mike cuidou da gente — comentou Beth.

— Quem?

— O senhor Slade. Ele nos disse para chamá-lo de Mike.

— O que Mike Slade tem a ver com a ida de vocês à escola?

— Ele não lhe contou? Mike nos levou à escola e apresentou aos professores. Conhece todos.

— E também conhece uma porção de garotos — informou Tim. — E nos apresentou a eles. Todo mundo gosta de Mike. É um cara sensacional.

Um pouco sensacional demais, pensou Mary.


Na manhã seguinte, quando Mike entrou em sua sala, Mary foi logo dizendo:

— Soube que você levou Beth e Tim à escola. Ele acenou com a cabeça.

— Não é fácil para os jovens tentarem se adaptar a um país estrangeiro. Eles são bons garotos.

Será que ele tinha filhos? Mary compreendeu de repente que sabia muito pouco a respeito da vida pessoal de Mike Slade. Provavelmente é melhor assim, concluiu ela. Afinal, ele quer que eu fracasse.

E ela queria ser bem-sucedida.


Na tarde de sábado, Mary levou as crianças ao Clube Diplomático, onde a comunidade se reunia para conversar. Correndo os olhos pelo pátio, Mary viu Mike Slade tomando um drinque com alguém. Quando a mulher se virou, ela constatou que era Dorothy Stone. E sentiu um choque momentâneo. Era como se sua secretária estivesse colaborando com o inimigo. Perguntou-se até que ponto Dorothy e Mike Slade seriam íntimos. Devo ter a cautela de não confiar demais nela, pensou Mary. Nem em qualquer outra pessoa.

Harriet Kruger estava sentada sozinha a uma mesa. Mary aproximou-se.

— Posso sentar com você?

— Terei o maior prazer. — Harriet tirou da bolsa um maço de cigarros americanos. — Aceita um cigarro?

— Não, obrigada. Não fumo.

— Uma pessoa não pode viver neste país sem o cigarro.

— Não entendi.

— Os maços de Kent fazem a economia funcionar. Literalmente. Se quer ver um médico, ofereça cigarros à enfermeira. Se quer carne do açougueiro, um mecânico para consertar seu carro ou um eletricista para dar um jeito numa lâmpada... suborne-os com cigarros. Tinha uma amiga italiana que precisava fazer uma pequena operação. Ela precisou subornar a enfermeira responsável para lhe arrumar uma lâmina nova ao prepará-la para a cirurgia. E teve de subornar também as outras enfermeiras para usarem ataduras novas depois que limparam o ferimento, em vez de usarem outra vez as ataduras antigas.

— Mas por quê...? Harriet Kruger explicou:

— Este país tem escassez de ataduras e de todos os outros medicamentos e suprimentos médicos que puder imaginar. O mesmo acontece em todos os países da Europa Oriental. No mês passado houve uma epidemia de botulismo na Alemanha Oriental. Precisaram importar o soro do Ocidente.

— E as pessoas não têm como se queixar — comentou Mary.

— Sempre dão um jeito. Nunca ouviu falar de Bula?

— Não.

— É um personagem mítico que os romenos usam para aliviar um pouco a pressão. Há uma história de pessoas na fila da carne durante um dia inteiro e a fila quase não anda. Depois de cinco horas de espera, Bula fica furioso e diz: "Vou ao palácio para matar Ionescu!" Ele volta à fila duas horas depois e os amigos perguntam: "O que aconteceu? Conseguiu matá-lo?" E Bula responde: "Não. A fila lá estava maior."

Mary riu. Harriet Kruger acrescentou:

— Sabe qual é um dos artigos mais procurados no mercado negro local? Videocassetes de nossos programas de televisão.

— Eles gostam de assistir a filmes americanos?

— Não. Interessam-se pelos comerciais. Todas as coisas que encaramos como banais... máquina de lavar roupa, aspirador de pó, aparelho de televisão, automóvel... estão fora do alcance dos romenos. E ficam fascinados pelos comerciais. Quando o filme recomeça, eles aproveitam para ir ao banheiro.

Mary virou a cabeça a tempo de ver Mike Slade e Dorothy Stone deixarem o clube. Ficou especulando para onde eles estavam indo.


Quando Mary chegava em casa à noite, depois de um dia comprido e árduo na embaixada, tudo o que queria era tomar um banho, trocar de roupa e esquecer o que fizera. Parecia que todos os seus minutos na embaixada estavam ocupados e nunca tinha tempo para sí mesma. Mas não demorou a descobrir que a situação era idêntica na residência. Onde quer que fosse, lá estavam os criados, e Mary tinha a sensação desagradável de que a espionavam.

Uma madrugada, às duas horas, ela desceu e foi à cozinha. Ouviu um barulho ao abrir a geladeira. Virou-se e deparou com Mihai, o mordomo, de chambre, e Rosica, Delia e Carmen ali de pé.

— Em que posso servi-la, senhora? — perguntou Mihai.

— Nada — respondeu Mary. — Eu só queria uma coisa para comer.

Cosma, a cozinheira, apareceu e disse, em voz magoada:

— Tudo o que a senhora precisava fazer era me dizer que estava com fome e eu providenciaria alguma coisa.

Todos a fitavam com expressões de reprovação.

— Acho que no fundo não estou com fome. Obrigada. E voltou quase correndo para seu quarto.

No dia seguinte relatou o incidente às crianças e comentou:

— Eu me senti como a segunda esposa em Rebeca!

— O que é Rebeca? — perguntou Beth.

— É um livro maravilhoso que você lerá um dia.


Quando chegou na embaixada, Mary encontrou Mike Slade à sua espera.

— Temos um garoto doente e seria bom você dar uma olhada — disse ele.

Mike conduziu-a a uma sala pequena no final do corredor. Um jovem fuzileiro estava estendido no sofá, muito pálido, gemendo de dor.

— O que aconteceu? — perguntou Mary.

— Meu palpite é apendicite.

— Enão é melhor levá-lo para o hospital imediatamente.

Mike virou-se e fitou-a.

— Não aqui.

— Como assim?

— Temos de mandá-lo de avião para Roma ou Zurique.

— Mas isso é um absurdo! — disse Mary asperamente, baixando a voz para que o rapaz não a ouvisse. — Não percebe como ele está passando mal?

— Absurdo ou não, ninguém de uma embaixada americana jamais vai para um hospital num país da Cortina de Ferro.

— Mas por quê?

— Porque somos vulneráveis. Ficaríamos à mercê do governo romeno e da Securitate. Podem nos fazer dormir com éter ou dar escopolamina... e podem nos arrancar todas as informações. É uma regra do Departamento de Estado... nós o mandamos de avião para tratamento em outro pais.

— Por que a embaixada não tem seu próprio médico?

— Porque somos uma embaixada da categoria C. Nosso orçamento não dá para um médico. Um médico americano nos visita de três em três meses. Nos intervalos, temos um farmacêutico para ajudar nos pequenos problemas. — Mike foi até uma mesa e pegou um pedaço de papel. — Basta assinar isto e ele partirá. Providenciarei um vôo especial.

— Está bem. — Mary assinou a autorização, depois se aproximou do jovem fuzileiro e pegou-lhe a mão, murmurando: — Não se preocupe. Você vai ficar bom.

Duas horas depois o fuzileiro estava num avião, a caminho de Zurique.

Na manhã seguinte, quando Mary lhe perguntou como estava o jovem fuzileiro, ele deu de ombros e disse, indiferente:

— Foi operado e vai ficar bom.

Que homem mais frio!, pensou Mary. Tenho dúvidas se alguma coisa é capaz de comovê-lo.

21

Não importava quão cedo Mary chegasse à embaixada pela manhã, Mike Slade sempre a precedia. Ela quase não o encontrava nas festas diplomáticas e tinha a impressão de que ele preferia suas diversões particulares todas as noites. Mike Slade era uma surpresa constante. Uma tarde Mary concordou em deixar Florian levar Beth e Tim para patinarem no gelo, no Parque Floreasca. Mary saiu mais cedo da embaixada para ir ao encontro deles, e quando chegou ao parque descobriu que Mike Slade estava com as crianças. Os três patinavam juntos, obviamente se divertindo muito. Ele ensinava pacientemente as crianças a fazerem oitos. Devo alertar as crianças contra ele, pensou Mary. Mas ela não sabia exatamente contra o que advertir.


Na manhã seguinte, assim que Mary chegou em sua sala, Mike entrou e anunciou:

— Uma decon vai chegar dentro de duas horas. Achei que...

— Decon?

— É o jargão diplomático para indicar uma delegação de congressistas. Quatro senadores, acompanhados pelas esposas e assessores. Esperam que vocês os receba. Marcarei uma audiência com o presidente Ionescu e pedirei a Harriet que cuide das compras e excursões turísticas.

— Obrigada.

— Quer um pouco do meu café?

— Boa idéia.

Ela observou-o passar pela porta de ligação entre as duas salas. Um homem estranho. Rude, grosseiro. E, no entanto, tinha uma imensa paciência com Beth e Tim. Quando ele voltou com as duas xícaras de café, Mary perguntou:

— Você tem filhos?

A pergunta pegou Mike Slade de surpresa.

— Tenho dois meninos.

— Onde estão?

— Sob a custódia de minha ex-esposa. — Ele mudou de assunto abruptamente. — Vamos ver se consigo a audiência com Ionescu.

O café estava delicioso. Mary se lembraria mais tarde que aquele fora o dia em que compreendera que tomar café com Mike Slade se tornara um ritual matutino.


Angel foi buscá-la à noite, em La Boca, perto do cais, onde ela fazia ponto, junto com as outras prostitutas, vestindo uma blusa bem justa e jeans cortada nas coxas, mostrando o que tinha para vender. Parecia não ter mais que quinze anos. Não era bonita, mas isso não incomodava Angel.

Vamonos, querida. Vamos nos distrair.

A garota morava num apartamento ordinário, num prédio sem elevador, ali perto. O cômodo imundo tinha uma cama, duas cadeiras, um abajur e uma pia.

— Tire as roupas, Estrelita. Quero ver você nua.

A garota hesitou. Havia alguma coisa em Angel que a assustava. Mas fora um dia fraco e precisava levar dinheiro para Pepe ou levaria uma surra. Lentamente, ela começou a se despir.

Angel ficou observando. Primeiro foi a blusa e depois a jeans. A garota não usava nada por baixo. O corpo era pálido e magro.

— Fique com os sapatos. Venha até aqui e se ajoelhe. A garota obedeceu.

— O que eu quero que você faça é o seguinte,

A garota escutou e levantou os olhos, apavorada.

— Nunca fiz...

Angel chutou-a na cabeça. Ela caiu no chão, gemendo. Angel levantou-a pelos cabelos e jogou-a em cima da cama. Quando ela começou a gritar, ele lhe desferiu um violento murro no rosto. Ela gemeu.

— Assim está melhor — disse Angel. — Quero ouvir você gemer.

Um punho enorme acertou no nariz da garota e quebrou-o. Quando Angel acabou, meia hora depois, a garota estava inconsciente. Ele sorriu para o corpo todo arrebentado e jogou alguns pesos na cama, murmurando:

Gracias.


Mary passava todos os momentos que podia com os filhos. Faziam muitos passeios turísticos. Havia dezenas de museus e igrejas antigas para visitar, mas o ponto alto para as crianças foi o castelo de Drácula, em Brasov, no coração da Transilvânia, a 150 quilômetros de Bucareste.

— O conde era na verdade um príncipe — explicou Florian, durante a viagem. — Príncipe Vlad Tepes. Foi um grande herói que conteve a invasão turca.

— Pensei que ele só gostava de chupar sangue e matar as pessoas — comentou Tim.

Florian balançou a cabeça.

— Infelizmente, depois da guerra o poder subiu à cabeça de Vlad. Ele se tornou um ditador e empalava os inimigos. E surgiu a lenda de que ele era um vampiro. Um dos seus conterrâneos, chamado Bram Stoker, escreveu um livro baseado nessa lenda. Um livro tolo, mas que fez maravilhas pelo turismo.

O castelo era um enorme monumento de pedra, no alto das montanhas. Todos estavam exaustos ao subirem os íngremes degraus de pedra que levavam ao castelo. Entraram numa sala de teto baixo, que continha armas e artefatos antigos.

— Era aqui que o conde Drácula assassinava suas vítimas e lhes bebia o sangue — disse o guia, em tom sepulcral.

A sala era úmida e assustadora. Tim roçou o rosto numa teia de aranha e disse à mãe:

— Não tenho medo de nada, mas podemos sair daqui?


A cada seis semanas um avião C-130 da Força Aérea Americana pousava num pequeno aeroporto, nos arredores de Bucareste. O avião vinha carregado de alimentos e muitos artigos que não se podia encontrar em Bucareste, encomendados pelo pessoal da embaixada americana, através do reembolsável militar em Frankfurt.

Uma manhã, quando tomava café com Mary, Mike Slade disse:

— Nosso avião de carga vai chegar hoje. Por que não vai ao aeroporto comigo?

Mary já se dispunha a dizer que não. Tinha muito trabalho e parecia um convite inútil. Só que Mike Slade não era um homem de desperdiçar tempo. A curiosidade acabou por prevalecer e ela respondeu:

— Está certo.

No caminho para o aeroporto eles discutiram diversos problemas da embaixada. A conversa foi mantida num nível frio e impessoal.

Ao chegarem ao aeroporto, um sargento dos fuzileiros, armado, abriu o portão para a limusine passar. Dez minutos depois eles observaram a aterrissagem do C-130. Por trás da cerca no perímetro da pista estavam reunidos centenas de romenos. Ficaram olhando, ansiosos, enquanto o avião era descarregado.

— O que aquela multidão está fazendo aqui?

— Sonhando. Contemplam algumas das coisas que nunca poderão ter. Sabem que estamos recebendo bife, sabonete e perfume. Há sempre uma multidão quando o avião chega. Parece que há uma espécie de telégrafo subterrâneo misterioso.

Mary estudou os rostos ávidos no outro lado da cerca.

— É incrível...

— Aquele avião é um símbolo para eles. Não é apenas a carga... representa um país livre que cuida de seus cidadãos.

Mary virou-se para fitá-lo.

— Por que me trouxe aqui?

— Porque não quero que se deixe impressionar pela conversa macia do presidente Ionescu. Esta é a verdadeira Romênia.


Todas as manhãs, ao chegar para o trabalho, Mary notava uma fila de pessoas à espera no portão, querendo entrar na seção consular da embaixada. Presumira que eram pessoas com pequenos problemas que o cônsul podia resolver. Mas naquela manhã em particular ela foi até a janela para um exame mais atento, e as expressões das pessoas levaram-na a ir à sala de Mike.

— Quem são aquelas pessoas que estão esperando na fila lá fora?

Mike foi com ela até a janela.

— Quase todos são judeus romenos. Estão esperando para apresentar pedidos de visto.

— Mas não existe uma embaixada israelense em Bucareste? Por que não vão para lá?

— Por dois motivos. Em primeiro lugar, acham que o governo dos Estados Unidos tem mais possibilidade de ajudá-los a chegar a Israel do que o governo israelense. Em segundo, eles acham que é menor o risco de a polícia de segurança descobrir suas intenções se vierem nos procurar. Estão enganados, é claro. — Mike apontou pela janela. — Há um prédio no outro lado da embaixada em que diversos apartamentos são ocupados por agentes que usam teleobjetivas para fotografar todo mundo que entra e sai daqui.

— Mas isso é terrível!

— É assim que eles agem. Quando os judeus de uma família solicitam um visto para emigrar, perdem os cartões verdes de trabalho e são expulsos de seus apartamentos. Os vizinhos recebem ordens para lhes dar as costas. O governo leva três ou quatro anos para dizer se os deixa ou não partirem, e a resposta quase sempre é não.

— Não podemos fazer nada a respeito?

— Estamos sempre tentando. Ionescu gosta de fazer um jogo de gato e rato com os judeus. Bem poucos recebem permissão para deixar o país.

Mary contemplou os rostos desesperados e murmurou:

— Tem de haver uma maneira.

— Não parta seu coração — recomendou Mike.


O problema de fuso horário era extenuante. Quando era dia em Washington, era o meio da noite em Bucareste. Mary era constantemente despertada por telegramas e telefonemas às três ou quatro horas da madrugada. Cada vez que chegava um telegrama noturno, o fuzileiro de plantão na embaixada ligava para o oficial de serviço, que mandava um assistente à residência oficial acordar Mary. Depois disso, ela ficava excitada demais para voltar a dormir.

É emocionante, Edward. Estou convencida de que posso me distinguir aqui. De qualquer forma, estou tentando. Não suportaria fracassar. Todos estão contando comigo. Eu gostaria que você estivesse aqui para dizer: "Você pode conseguir, menina. "Sinto muita saudade. Pode me ouvir, Edward? Está por aqui, em algum lugar, onde não posso vê-lo? Há ocasiões em que não saber a resposta para isso me deixa louca...


Estavam tomando o café da manhã.

— Temos um problema — anunciou Mike Slade.

— Qual é?

— Uma delegação de uma dúzia de dirigentes da igreja romena quer falar com você. Uma igreja de Utah convidou-os para uma visita. O governo romeno não quer conceder o visto de saída.

— Por que não?

— São bem poucos os romenos que recebem permissão para deixar o país. Há uma piada sobre o dia em que Ionescu assumiu o poder. Ele foi para a ala leste do palácio e observou o sol nascer. "Bom dia, camarada sol," disse Ionescu. "Bom dia," respondeu o sol. "Todos estão felizes porque você é o novo presidente da Romênia." Ao final do dia Ionescu foi para a ala oeste do palácio, a fim de observar o sol se pôr. E disse: "Boa noite, camarada sol." O sol não respondeu. "Como é possível que tenha me falado tão gentilmente esta manhã e agora não quer me dizer nada?" Ao que o sol declarou: "Estou no Ocidente agora. E quero que você se dane." Ionescu tem medo de que os dirigentes da igreja lhe digam para se danar depois que estiverem no Ocidente.

— Falarei com o ministro do Exterior e verei o que posso fazer.

Mike levantou-se.

— Gosta de dança folclórica?

— Por quê?

— Há uma companhia de dança romena estreando esta noite. Dizem que é excelente. Gostaria de ir?

Mary foi tomada de surpresa. A última coisa que podia esperar era um convite de Mike para saírem.

E um momento depois, o que era ainda mais inacreditável, ela se descobriu a dizer que sim.

— Ótimo. — Mike estendeu um pequeno envelope. — Aqui estão três ingressos. Pode levar Beth e Tim. Cortesia do governo romeno. Recebemos ingressos para a maioria das estréias.

Mary continuou sentada, o rosto afogueado, sentindo-se uma tola.

— Obrigada — murmurou ela, muito tensa.

— Mandarei Florian ir buscá-la às oito horas.


Beth e Tim não estavam interessados em ir ao teatro. Beth convidara uma colega de escola para jantar.

— É minha amiga italiana — explicou ela. — Não tem problema?

— Para ser franco, nunca gostei muito de dança folclórica — acrescentou Tim.

Mary soltou uma risada.

— Está bem. Vou deixar os dois escaparem desta vez. Imaginou se os filhos se sentiam igualmente solitários.

Pensou em quem poderia convidar para acompanhá-la. Repassou a lista mentalmente: coronel McKinney, Jerry Davis, Harriet Kruger? Não havia ninguém cuja companhia realmente desejasse. Irei sozinha, decidiu.


Florian estava à espera quando Mary passou pela porta da frente.

— Boa noite, senhora embaixadora.

Ele fez uma mesura e abriu a porta do carro.

— Parece muito alegre esta noite, Florian.

Ele sorriu.

— Estou sempre alegre, senhora. — Florian fechou a porta depois que ela embarcou e foi sentar ao volante. — Os romenos têm um ditado: "Beije a mão que não pode morder."

Mary resolveu correr um risco.

— Sente-se feliz em viver aqui, Florian?

— Devo lhe dar a resposta oficial, senhora embaixadora, ou quer a verdade?

— A verdade, por favor.

— Eu poderia ser fuzilado por dizer isso, mas nenhum romeno se sente feliz por viver aqui. Só os estrangeiros. Vocês têm liberdade para ir e vir, como quiserem. Nós somos prisioneiros. E não há quantidade suficiente de nada no país.

Eles estavam passando por uma fila comprida na frente de um açougue e Florian acrescentou:

— Está vendo aquilo? Eles vão esperar três ou quatro horas na fila para conseguir uma ou duas costeletas de carneiro, e metade ficará desapontada. O mesmo acontece com todas as outras mercadorias. Mas quer saber quantas casas Ionescu tem? Doze! Já conduzi muitas autoridades romenas a essas casas. Cada uma é um verdadeiro palácio. Enquanto isso, três ou quatro famílias são obrigadas a morar juntas num pequeno apartamento, sem aquecimento.

Florian parou de falar bruscamente, como se estivesse com medo de já ter dito demais.

— Não vai mencionar esta conversa a ninguém, não é?

— Claro que não.

— Obrigado. Eu não gostaria que minha esposa ficasse viúva. Ela é jovem. E judia. Temos aqui o problema do anti-semitismo.

Mary já sabia disso.

— Há uma história de uma loja que prometeu ovos frescos. Às cinco horas da manhã havia uma fila comprida à espera, sob um frio enregelante. Por volta das oito horas os ovos ainda não haviam aparecido e a fila aumentara. O dono da loja disse: "Não haverá ovos suficientes para todos. Os judeus podem sair da fila." Às duas horas da tarde os ovos ainda não haviam chegado e a fila era ainda mais comprida. O dono disse: "Os que não são do partido podem se retirar." À meia-noite a fila ainda esperava, no frio intenso. O dono trancou a loja e disse: "Nada mudou. Os judeus sempre levam a melhor em tudo."

Mary não sabia se ria ou chorava. Mas vou fazer alguma coisa a respeito, prometeu a sí mesma.


O teatro ficava na Rasodia Romana, uma rua movimentada, com estandes pequenos vendendo flores, barbatanas de plástico, blusas e canetas. Era um teatro pequeno e todo ornamentado, uma relíquia de dias mais tranqüilos. O espetáculo em sí foi maçante, os trajes de mau gosto e os dançarinos desajeitados. Parecia interminável, e quando finalmente acabou, Mary sentiu-se contente em escapar para o ar fresco da noite. Florian esperava junto à limusine, na frente do teatro.

— Lamento, senhora embaixadora, mas haverá um atraso. Um pneu furado. E um ladrão roubou o estepe. Já mandei buscar outro. Deverá estar aqui em menos de uma hora. Gostaria de esperar no carro?

Mary levantou os olhos para a lua cheia. Era uma noite clara e agradável. Ela compreendeu que não andava pelas ruas de Bucareste desde que chegara. E tomou uma súbita decisão.

— Acho que voltarei a pé para casa. — Ela balançou a cabeça. — É uma ótima noite para andar.

Mary virou-se e foi andando pela rua na direção da praça central. Bucareste era uma cidade exótica e fascinante. Havia placas misteriosas nas esquinas: tuten... piine... chimíst...

Ela desceu pela Calea Mosilor e virou na Strada Maria Rosetti, por onde passavam tróleis vermelhos e marrons, lotados. Mesmo àquela hora tardia, a maioria das lojas estava aberta e havia filas na frente de todas. Os cafés serviam gogoase, as deliciosas rosquinhas romenas. As calçadas estavam apinhadas de pessoas fazendo compras, carregando pungi, as bolsas de corda. Mary achou que as pessoas estavam sinistramente quietas. Pareciam observá-la atentamente, as mulheres invejando suas roupas. Ela passou a andar mais depressa.

Parou ao chegar à esquina da Calea Victoriei, sem saber direito que direção tomar. Ela pediu a um transeunte:

— Por favor, pode me indicar o caminho para...

O homem lançou-lhe um olhar rápido e assustado e tratou de se afastar, apressado.

Eles não devem falar com estranhos, lembrou Mary.

Como ela conseguiria voltar? Tentou visualizar o caminho que percorrera com Florian. Tinha a impressão de que a residência ficava em algum lugar para leste. Pôs-se a andar nessa direção. Logo estava numa pequena rua transversal, mal iluminada. A distância, podia divisar uma avenida larga e bem iluminada. Poderei pegar um táxi quando chegar lá, pensou Mary, aliviada.

Ouviu o som de passos por trás e se virou, involuntariamente. Um homem grande, de sobretudo, avançava em sua direção, a passos largos. Mary passou a andar mais depressa.

— Com licença — chamou o homem, num forte sotaque romeno. — Está perdida?

Mary experimentou um profundo alívio. Provavelmente era algum policial. Talvez a seguisse para cuidar que se mantivesse sã e salva.

— Estou, sim — respondeu ela, agradecida. — Quero voltar para...

Houve o súbito barulho de um motor e um carro correndo por trás dela, depois os pneus rangendo na parada. O homem de sobretudo agarrou Mary. Ela sentiu seu bafo quente e fétido, os dedos fortes lhe apertando o pulso. Ele começou a empurrá-la para a porta aberta do carro. Mary lutava para se desvencilhar...

— Entre no carro! — resmungou o homem.

— Não! — Ela estava gritando. Socorro! Socorro!

Um grito soou no outro lado da rua e um vulto começou a correr na direção deles. O homem parou, sem saber o que fazer. O estranho berrou:

— Largue-a!

Ele agarrou o homem de sobretudo e puxou-o para longe de Mary. Ela se descobriu subitamente livre. O homem ao volante estava saindo do carro para ajudar o cúmplice.

A distância, soava uma sirene se aproximando. O homem de sobretudo gritou alguma coisa para seu companheiro. Os dois entraram no carro e se afastaram a toda velocidade.

Um carro azul e branco com a palavra Militia do lado e uma luz azul faiscante no teto parou na frente de Mary. Dois homens uniformizados saltaram. Um deles perguntou, em romeno:

— Está bem? — E depois acrescentou, num inglês vacilante: — O que aconteceu?

Mary estava fazendo o maior esforço para se controlar.

— Dois homens... tentaram me forçar a entrar em seu carro... Se... se não fosse esse cavalheiro...

Ela virou-se.

O estranho desaparecera.

22

Ela lutou a noite inteira, debatendo-se para escapar dos homens, despertando em pânico, tornando a dormir, acordando outra vez. Reconstituía a cena de maneira interminável: os passos súbitos avançando depressa em sua direção, o carro parando, o homem tentando forçá-la a embarcar. Sabiam quem ela era? Ou apenas tentavam roubar uma turista que vestia roupas americanas?


Mike Slade estava à sua espera quando Mary chegou à embaixada. Entrou em sua sala com duas xícaras de café e sentou na frente da mesa, indagando:

— Como foi o teatro?

— Muito bom.

O que acontecera depois não era da conta de Mike Slade.

— Ficou machucada? Ela fitou-o, surpresa.

— Como?

— Quando tentaram seqüestrá-la — disse Mike, paciente. — Eles a machucaram?

— Eu... como soube?

A voz de Mike estava repleta de ironia:

— A Romênia, senhora embaixadora, é um segredo enorme e aberto. Não se pode tomar um banho sem que todos saibam. Não foi muito inteligente de sua parte sair para dar um passeio sozinha.

— Sei disso agora — respondeu Mary friamente. — Não acontecerá de novo.

— Ótimo. O homem levou alguma coisa?

— Não.

Mike franziu o rosto.

— Não faz sentido. Se quisessem o casaco ou a bolsa, poderiam arrancar na rua. Tentar forçá-la a entrar num carro significa que era um seqüestro.

— Quem poderia querer me seqüestrar?

— Não seriam os homens de Ionescu. Ele está tentando manter nossas relações em bom nível. Teria de ser algum grupo dissidente.

— Ou bandidos que queriam me manter por um resgate.

— Não há seqüestro por resgate neste país. Se pegassem alguém fazendo isso, não haveria nem julgamento... seria logo um pelotão de fuzilamento. — Ele tomou um gole do café. — Posso lhe dar um conselho?

— Estou escutando.

— Volte para casa.

— Como?

Mike Slade largou a xícara na mesa.

— Tudo o que precisa fazer é despachar uma carta de renúncia, pegar as crianças e voltar para o Kansas, onde estará segura.

Mary pôde sentir que seu rosto ficava vermelho.

— Cometi um erro, senhor Slade. Não foi o primeiro e provavelmente não será o último. Mas fui designada para este posto pelo presidente dos Estados Unidos, e até que ele me dispense não quero que você nem qualquer outra pessoa me diga para voltar para casa. — Fez um esforço para manter a voz sob controle. — Espero que as pessoas nesta embaixada trabalhem comigo, e não contra mim. Se acha que é pedir demais, por que você não volta para casa?

Mary estava agora tremendo de raiva. Mike Slade levantou-se.

— Providenciarei para que os relatórios da manhã lhe sejam encaminhados, senhora embaixadora.


A tentativa de seqüestro foi o único tema das conversas na embaixada naquela manhã. Como todos descobriram?, pensou Mary. E como Mike Slade descobriu? Ela gostaria de saber quem fora seu salvador, a fim de poder agradecer. No rápido vislumbre que tivera dele, ficara com a impressão de um homem atraente, talvez com quarenta e poucos anos, cabelos prematuramente grisalhos. Tinha um sotaque estrangeiro — talvez francês. Se fosse um turista, era possível que àquela altura já tivesse deixado a Romênia.


Uma idéia assediava Mary e era difícil descartá-la. Só conhecia uma pessoa que queria se livrar dela: Mike Slade. E se ele tivesse tramado o ataque, a fim de assustá-la e forçá-la a ir embora? Afinal, Mike lhe dera os ingressos para o teatro. Sabia onde ela estaria. Era uma possibilidade que se recusava a sair de seus pensamentos.


Mary debatera consigo mesma se deveria falar às crianças sobre a tentativa de seqüestro, e acabou decidindo que era melhor não contar nada. Não queria assustá-las. Mas daria um jeito para que nunca ficassem sozinhas.


Havia um coquetel na embaixada francesa naquela noite, em homenagem a uma pianista francesa que visitava o país. Mary estava cansada e nervosa, daria qualquer coisa para evitar o compromisso, mas sabia que tinha a obrigação de comparecer.


Tomou banho e escolheu um vestido. Ao pegar os sapatos, notou que um deles estava com o salto quebrado. Tocou a campainha, chamando Carmen.

— Pois não, senhora embaixadora?

— Carmen, quer fazer o favor de levar este sapato a um sapateiro e mandar consertá-lo?

— Claro, senhora. Mais alguma coisa?

— Não, obrigada. É só.


Quando Mary chegou, já havia muitos convidados na embaixada francesa. Ela foi recebida na porta pelo assessor do embaixador francês, a quem já conhecera numa visita anterior à embaixada. Ele pegou sua mão e beijou-a.

— Boa noite, senhora embaixadora. Foi muita gentileza sua ter vindo.

— Foi muita gentileza de vocês terem me convidado — respondeu Mary.

Os dois sorriram das frases vazias de cortesia.

— Permita que a acompanhe até o embaixador. Ele escoltou Mary pelo salão de baile apinhado, onde

ela avistou os rostos familiares com que vinha se encontrando há semanas. Ela cumprimentou o embaixador francês e trocaram algumas cortesias.

— Vai gostar de madame Dauphin. É uma pianista extraordinária.

— Estou ansiosa por conhecê-la — mentiu Mary. Um criado passou com uma bandeja de copos com

champanha. Mary já aprendera a beber apenas pequenos goles nas diversas embaixadas. Ao virar-se para cumprimentar o embaixador australiano, avistou o estranho que a salvara dos seqüestradores. Ele estava num canto, conversando com o embaixador italiano e seu assessor.

— Com licença, por favor — disse Mary. Atravessou o salão na direção do francês. Ele estava

dizendo:

— Claro que sinto saudade de Paris, mas espero que no próximo ano...

Parou de falar ao ver Mary se aproximar, e depois de um instante acrescentou:

— Ah, a dama em perigo...

— Já se conhecem? — perguntou o embaixador italiano.

— Ainda não fomos oficialmente apresentados — disse Mary.

— Senhora embaixadora, permita que lhe apresente o doutor Louis Desforges.

A expressão no rosto do francês mudou.

Senhora embaixadora? Peço perdão! Eu não tinha a menor idéia! — A voz era embaraçada. — Deveria tê-la reconhecido, é claro.

— Fez melhor do que isso — comentou Mary, sorrindo. — Você me salvou.

O embaixador italiano olhou para o médico e disse:

— Ah, então foi você! — Ele virou-se para Mary. — Já soube de sua lamentável experiência.

— Seria ainda mais lamentável se o doutor Desforges não tivesse aparecido. Obrigada.

Louis Desforges sorriu.

— Estou feliz por eu ter estado no lugar certo no momento certo.

O embaixador e seu assessor viram a chegada de um contingente inglês. O embaixador disse:

— Se nos derem licença, tem uma pessoa que preciso cumprimentar.

Os dois homens se afastaram apressadamente. Mary ficou a sós com o médico.

— Por que foi embora quando a polícia chegou?

Ele estudou-a por um momento.

— Não é boa política o envolvimento com a polícia romena. Eles têm o hábito de deter testemunhas e depois lhes arrancar todas as informações possíveis. Sou médico, adido à embaixada francesa aqui, não tenho imunidade diplomática. Mas sei de muita coisa que ocorre em nossa embaixada, e as informações poderiam ser valiosas para os romenos. — Ele sorriu. — Por isso, peço que me perdoe se dei a impressão de que a abandonei.

Ele tinha uma franqueza fascinante. De alguma forma que Mary não podia definir, fazia com que se lembrasse de Edward. Talvez porque Louis Desforges era médico. Não, era mais do que isso. Ele tinha a mesma sinceridade de Edward, quase o mesmo sorriso.

— Se me dá licença — disse o doutor Desforges —, tenho de ir para desempenhar meu papel de animal social.

— Não gosta de festas? Ele estremeceu.

— Detesto.

— E sua esposa gosta?

Ele fez menção de dizer alguma coisa e depois hesitou.

— Ela gostava. Muito.

— Não está aqui esta noite?

— Ela e nossos dois filhos morreram. Mary empalideceu.

— Oh, Deus, sinto muito! Como...? O rosto de Desforges estava rígido.

— A culpa foi minha. Vivíamos na Argélia. Eu pertencia ao movimento clandestino, lutando contra os terroristas. — As palavras saíam lentas e hesitantes. — Descobriram minha identidade e explodiram a casa. Eu estava ausente na ocasião.

— Sinto muito — repetiu Mary, sabendo que eram palavras inadequadas e inúteis.

— Obrigado. Há um clichê de que o tempo cura tudo. Não acredito mais nisso.

Sua voz era amargurada. Mary pensou em Edward e no quanto ainda sentia saudade. Mas aquele homem vivia com sua dor há mais tempo.

— Se me dá licença agora, senhora embaixadora... Ele afastou-se para cumprimentar um grupo de convidados que chegavam.


Ele me lembra um pouco você, Edward. Gostaria dele. É um homem corajoso. Sofre muito e acho que é isso o que me atrai nele. Também sofro muito, querido. Será que algum dia conseguirei superar a saudade que sinto de você? Eu me sinto muito solitária aqui. Não há ninguém com quem eu possa conversar. Quero desesperadamente ser bem-sucedida. Mike Slade está tentando fazer com que eu volte para casa. Não voltarei. Mas como preciso de você! Boa noite, meu querido.


Na manhã seguinte Mary falou pelo telefone com Stanton Rogers. Foi maravilhoso ouvir sua voz. É como um elo vital com o lar, pensou ela.

— Estou recebendo os melhores relatórios sobre você — disse Stanton Rogers. — A história de Hannah Murphy deu manchete aqui. Fez um excelente trabalho.

— Obrigada, Stan.

— Fale-me sobre a tentativa de seqüestro, Mary.

— Já conversei com o primeiro-ministro e o diretor da Securitate, e eles não têm qualquer pista.

— Mike Slade não lhe avisou para não sair sozinha? Mike Slade.

— Avisou, Stan.

Devo contar a ele que Mike Slade também me disse que era melhor eu voltar para casa? Não, decidiu Mary. Cuidarei sozinha do senhor Slade.

— Não se esqueça de que sempre estarei à sua disposição. A qualquer momento.

— Sei disso — respondeu Mary, agradecida. — E não tenho palavras para expressar o quanto isso significa para mim.

O telefonema fez com que ela se sentisse muito melhor.

— Temos um problema. Há um vazamento em algum lugar da embaixada.

Mary e Mike Slade estavam tomando um café, antes da reunião diária da equipe.

— E é sério?

— Muito sério. O adido comercial, David Victor, teve algumas reuniões com o ministro do Comércio romeno.

— Sei disso. Discutimos o assunto na semana passada.

— É verdade. Quando David voltou para a segunda reunião, eles já haviam antecipado todas as contrapropostas que apresentamos. Sabiam até que ponto exatamente estávamos dispostos a ir.

— Não é possível que eles apenas tenham calculado o que poderíamos propor?

— Claro que é possível. Só que discutimos algumas novas propostas e outra vez eles se anteciparam.

Mary ficou pensativa por um momento.

— Acha que é alguém da equipe?

— Não apenas alguém. A última reunião executiva foi realizada na Sala Bolha. Nossos peritos em eletrônica concluíram que o vazamento foi lá.

Mary ficou surpresa. Havia apenas oito pessoas que tinham permissão para realizar reuniões na Sala Bolha, os principais executivos da embaixada.

— Quem quer que seja, está usando um equipamento eletrônico, provavelmente um gravador. Sugiro que convoque uma reunião esta manhã para a Sala Bolha, com o mesmo grupo. Nossos instrumentos poderão indicar o culpado. Havia oito pessoas sentadas em torno da mesa na Sala Bolha. Eddie Maltz, o adido político e homem da CIA; Patrícia Hatfield, conselheira econômica; Jerry Davis, assuntos públicos; David Victor, adido comercial; Lucas Janklow, adido administrativo; e o coronel McKinney. Mary estava numa extremidade da mesa e Mike Slade na outra. Mary olhou para David Victor.

— Como foram suas reuniões com o ministro do Comércio romeno?

O adido comercial sacudiu a cabeça.

— Para ser franco, não foram tão bem quanto eu esperava. Eles parecem saber de tudo o que tenho a dizer, antes mesmo que eu comece a falar. Apareço com novas propostas e eles já prepararam os argumentos em contrário. É como se lessem meus pensamentos.

— Talvez isso esteja mesmo acontecendo — comentou Mike Slade.

— Como assim?

— Estão lendo os pensamentos de alguém nesta sala. — Mike pegou um telefone vermelho em cima da mesa. — Mande-o entrar.

Um momento depois a enorme porta foi aberta e um homem à paisana entrou, carregando uma caixa preta com um mostrador. Eddie Maltz disse:

— Ei, ninguém tem permissão... Mary não o deixou continuar:

— Está tudo bem. Temos um problema e este homem vai resolvê-lo. — Ela olhou para o recém-chegado. — Pode começar.

— Certo. Eu gostaria que todos continuassem sentados onde estão, por favor.

Enquanto o grupo observava, ele foi até Mike Slade e suspendeu a caixa. A agulha no mostrador permaneceu no zero. O homem passou para Patrícia Hatfield. A agulha continuou imóvel. Eddie Maltz foi o seguinte, depois Jerry Davis e Lucas Janklow. A agulha permaneceu imóvel. O homem passou para David Victor e finalmente para o coronel McKinney. A agulha não mexeu. Só restava Mary. Quando ele se aproximou dela, a agulha começou a tremer freneticamente. Mike Slade disse:

— Mas o que... — Ele se levantou e chegou perto do civil, perguntando-lhe: — Tem certeza?

A agulha parecia enlouquecida.

— Absoluta — respondeu o homem. Mary levantou-se, confusa.

— Importa-se de suspender a reunião? — perguntou Mike.

Mary virou-se para os outros.

— A reunião está suspensa por enquanto. Obrigada a todos.

Mike Slade disse para o técnico:

— Você fica.

Depois que os outros se retiraram, ele perguntou:

— Pode determinar onde está o microfone?

— Claro.

O homem foi descendo a caixa preta pelo corpo de Mary, lentamente. Ao chegar perto dos pés, a agulha se mexeu ainda mais depressa. Ele se empertigou.

— Está nos sapatos.

Mary fitou-o com expressão de incredulidade.

— Está enganado. Comprei estes sapatos em Washington.

— Importa-se de tirá-los? — pediu Mike.

— Eu...

Tudo aquilo era um absurdo. A máquina estava com defeito. Ou alguém tentava incriminá-la. Só podia ser a maneira que Mike Slade encontrara para se livrar dela. Comunicaria a Washington que ela fora descoberta espionando e fornecendo informações ao inimigo. Mas ele não ia escapar impune com aquela farsa.

Mary tirou os sapatos e largou-os nas mãos de Mike, dizendo, furiosa:

— Aí estão!

Ele examinou os sapatos.

— Este salto é novo?

— Não. É...

E foi nesse instante que Mary se lembrou. Carmen, quer fazer o favor de levar este sapato a um sapateiro e mandar consertá-lo?

Mike Slade estava abrindo o salto do sapato. Lá dentro havia um gravador em miniatura.

— Descobrimos nosso espião — disse ele, secamente.

— Onde foi que pôs este salto?

— Eu... eu não sei — balbuciou Mary. — Pedi a uma das criadas para cuidar disso.

— Maravilhoso — murmurou ele, em tom sardônico.

— No futuro, senhora embaixadora, todos lhe agradeceríamos se deixasse sua secretária cuidar dessas coisas.

Havia um telegrama para Mary.

"A Comissão de Relações Exteriores do Senado concordou com o empréstimo romeno que você solicitou. O anúncio será feito amanhã. Parabéns. Stanton Rogers."

Mike leu o telegrama e comentou:

— É uma ótima notícia. Negulesco ficará feliz.

Mary sabia que Negulesco, o ministro das Finanças romeno, se encontrava em situação difícil. O empréstimo o transformaria num herói aos olhos de Ionescu.

— Só vão anunciar amanhã. — Mary pensou por um momento. — Quero que marque uma reunião minha com Negulesco para esta manhã.

— Quer que eu a acompanhe?

— Não. Pode deixar que cuidarei de tudo sozinha. Duas horas depois Mary estava sentada na sala do ministro das Finanças romeno, que se mostrava radiante.

— Quer dizer que tem boas notícias para mim?

— Receio que não — respondeu Mary, em tom pesaroso, observando o sorriso do ministro se desvanecer.

— Mas como? Soube que o empréstimo era... como é mesmo que vocês costumam dizer?... líquido e certo!

Mary suspirou.

— Eu também pensava assim, ministro.

— O que aconteceu? O que saiu errado?

O rosto do romeno estava muito pálido. Mary deu de ombros.

— Não sei.

— Prometi a nosso presidente... — Ele parou de falar ao absorver todo o impacto da notícia. Observou Mary atentamente e acrescentou depois de um momento, a voz rouca: — O presidente Ionescu não vai gostar. Não há nada que possa fazer?

Mary declarou, ansiosa:

— Também estou desapontada, ministro, A votação estava correndo bem até que um senador soube que um grupo da igreja romena que fora convidado a visitar o Estado americano de Utah não obtivera o visto de saída. O senador é mórmon e ficou contrariado.

Um grupo da igreja? — A voz de Negulesco se alteara. — Está querendo dizer que o empréstimo foi recusado porque um...?

— É o que fui informada.

— Mas a Romênia é a favor das igrejas, senhora embaixadora! Elas podem existir aqui! Existe liberdade religiosa! Nós amamos as igrejas!

Negulesco foi sentar na cadeira ao lado de Mary.

— Senhora embaixadora... se eu puder dar um jeito para que esse grupo visite seu país, acha que o Comitê de Finanças do Senado aprovaria o empréstimo?

Mary fitou-o nos olhos.

— Posso garantir isso, ministro Negulesco. Mas eu precisaria de uma resposta até esta tarde.

Mary ficou sentada à sua mesa, esperando pelo telefonema. Negulesco ligou às duas e meia.

— Tenho notícias maravilhosas, senhora embaixadora! O grupo da igreja pode viajar quando quiser. E agora, tem boas notícias para mim?

Mary esperou uma hora e só depois ligou para o ministro.

— Acabo de receber um telegrama do Departamento de Estado. O empréstimo foi concedido.

23

Mary não conseguira tirar o doutor Louis Desforges de seus pensamentos. Ele salvara sua vida e depois desaparecera. Ficara contente por encontrá-lo de novo. Num súbito impulso, foi à American Dollar Shop, comprou uma linda tigela de prata para o médico, e mandou-a para a embaixada francesa. Era um pequeno gesto de agradecimento pelo que ele fizera. Naquela tarde, Dorothy Stone disse:

— Um certo doutor Desforges está ao telefone. Quer falar com ele?

Mary sorriu.

— Quero, sim. — Ela atendeu. — Boa tarde.

— Boa tarde, senhora embaixadora. — A frase parecia deliciosa no sotaque francês. — Liguei para agradecer por seu atencioso presente. Mas posso lhe assegurar que era desnecessário. Já tive o maior prazer por poder prestar-lhe algum serviço.

— Foi mais do' que algum serviço — disse Mary. — Eu gostaria que houvesse alguma maneira de poder demonstrar realmente a minha gratidão.

Houve uma pausa.

— Não gostaria...

Ele parou de falar e Mary estimulou-o:

— De quê?

— Nada, nada...

Ele parecia subitamente inibido.

— Fale, por favor.

— Está bem. — Houve uma risada nervosa. — Eu estava pensando se não gostaria de jantar comigo uma noite dessas... mas sei como deve estar sempre ocupada e...

— Eu adoraria — Mary se apressou em dizer.

— É mesmo?

Ela podia perceber a satisfação na voz de Desforges.

— Claro.

— Conhece o restaurante Taru? Mary já estivera lá duas vezes.

— Não.

— Ah, esplêndido! Então terei o prazer de apresentá-la. Por acaso está livre na noite de sábado?

— Tenho um coquetel às seis horas, mas podemos jantar depois.

— Maravilhoso! Soube que tem dois filhos pequenos. Não gostaria de levá-los?

— Agradeço sua gentileza, mas eles estão sempre ocupados nas noites de sábado.

Mary se perguntou por que mentira.


O coquetel foi na embaixada suíça. Era obviamente uma das embaixadas da classe A, porque o presidente Alexandros Ionescu estava presente. Assim que viu Mary, ele se aproximou.

— Boa noite, senhora embaixadora. — Ionescu pegou a mão de Mary e segurou-a por mais tempo do que o necessário. — Quero que saiba que estou muito satisfeito porque seu país concordou em nos conceder o empréstimo que solicitamos.

— E nós estamos muito satisfeitos que tenha permitido que o grupo da igreja visite os Estados Unidos, Excelência.

Ele acenou com a mão, como se isso não tivesse a menor importância.

— Os romenos não são prisioneiros. Qualquer um é livre para ir e vir, como quiser. Meu país é um símbolo de justiça social e liberdade democrática.

Mary pensou nas filas compridas esperando para comprar os alimentos escassos, a multidão no aeroporto e os refugiados querendo desesperadamente partir. Ionescu acrescentou:

— Todo poder na Romênia pertence ao povo.

Há gulags na Romênia que não temos permissão para ver. Mary disse:

— Com todo respeito, senhor presidente, há centenas de judeus, talvez milhares, que estão tentando deixar a Romênia. Seu governo não lhes concede o visto de saída.

Ele amarrou a cara.

— Dissidentes. Arruaceiros. Estamos fazendo um favor ao mundo ao mantê-los aqui, onde podemos vigiá-los.

— Senhor presidente...

— Em relação aos judeus, temos uma política mais tolerante que a de qualquer outro país da Cortina de Ferro. Em 1967, durante a guerra árabe-israelense, a União Soviética e todos os países do nosso bloco, à exceção da Romênia, romperam relações diplomáticas com Israel.

— Sei disso, senhor presidente, mas a verdade é que ainda há...

— Já provou o caviar? É beluga fresco.


O doutor Louis Desforges se oferecera para ir buscar Mary, mas ela acertara que Florian a levasse ao restaurante Taru. Ela telefonou para avisar ao doutor Desforges que chegaria alguns minutos atrasada. Tinha de passar pela embaixada para enviar um relatório sobre sua conversa com o presidente Ionescu.

Gunny estava de serviço. Bateu continência para ela e abriu a porta. Mary entrou em sua sala e acendeu a luz. E ficou na porta, paralisada. Alguém escrevera na parede, com spray vermelho: volte para casa antes de morrer. Ela recuou, muito pálida, e voltou à sala de recepção. Gunny assumiu posição de sentido.

— O que foi, senhora embaixadora?

— Gunny... quem esteve em minha sala?

— Ninguém, ao que eu saiba.

— Deixe-me ver a lista das pessoas que estiveram na embaixada.

Mary tinha de fazer o maior esforço para impedir que a voz tremesse.

— Pois não, senhora.

Gunny pegou a lista de visitantes e entregou-a. Ao lado de cada nome estava indicada a hora da entrada. Mary começou a partir de cinco e meia, a hora em que deixara o escritório. Havia uma dúzia de nomes depois. Ela olhou para o fuzileiro.

— As pessoas nesta lista... são sempre escoltadas até a sala que vão visitar?

— Sempre, senhora embaixadora. Ninguém sobe para o segundo andar sem estar acompanhado. Há alguma coisa errada?

Alguma coisa estava muito errada.

— Por favor, mande alguém à minha sala para apagar o que pintaram na parede.

Ela virou-se e foi embora, apressada, com medo de vomitar. Seu telegrama podia esperar até a manhã seguinte.


O doutor Louis Desforges esperava quando Mary chegou ao restaurante. Ele se levantou quando ela se aproximou da mesa.

— Desculpe o atraso — disse Mary, fazendo força para parecer normal.

Ele puxou a cadeira para que ela sentasse.

— Não foi nada. Recebi seu recado. Foi muita gentileza sua aceitar meu convite.

Mary gostaria agora de não ter aceitado. Estava muito nervosa e transtornada. Ela apertou as mãos, uma contra a outra, a fim de impedir que tremessem. Ele a observava atentamente.

— Está se sentindo bem, senhora embaixadora?

— Estou, sim. — Volte para casa antes de morrer. — Eu gostaria de tomar um uísque puro, por favor.

Ela detestava uísque, mas achava que poderia relaxá-la. Desforges pediu os drinques e depois comentou:

— Não deve ser fácil trabalhar como embaixadora... especialmente sendo uma mulher e neste país. Os romenos são machos chauvinistas.

Mary forçou um sorriso.

— Fale-me a seu respeito.

Qualquer coisa servia para afastar seus pensamentos da ameaça.

— Não há muita coisa emocionante para contar.

— Disse que lutou no movimento subterrâneo na Argélia. Isso parece emocionante.

Ele deu de ombros.

— Vivemos momentos difíceis. Creio que cada homem deve arriscar alguma coisa, a fim de que, ao final, não tenha de arriscar tudo. O problema terrorista é literalmente esse... aterrorizante. Devemos acabar com ele.

A voz do médico estava impregnada de paixão. Ele é como Edward, pensou Mary. Edward sempre foi apaixonado em suas convicções. O doutor Desforges era um homem que não podia ser facilmente dominado. Estava disposto a arriscar a vida pelas coisas em que acreditava. E ele estava dizendo:

— ... se eu soubesse que o preço da minha luta seriam as vidas de minha mulher e de minhas filhas... — Ele fez uma pausa. As articulações dos dedos das mãos estavam brancas contra a mesa. — Desculpe. Não vim aqui para falar de meus problemas. Recomendo o carneiro. Eles o preparam muito bem aqui.

— Boa idéia.

Desforges pediu o jantar e uma garrafa de vinho e ficaram conversando. Mary começou a relaxar, a esquecer a terrível advertência pintada em vermelho. Estava descobrindo que era surpreendentemente fácil conversar com aquele atraente francês. De uma estranha maneira, era como conversar com Edward. Era espantoso como ela e Louis partilhavam tantas convicções e sentiam da mesma forma sobre tantas coisas. Louis Desforges nascera numa pequena cidade na França, e Mary nascera numa pequena cidade no Kansas, separados por oito mil quilômetros — apesar disso, seus antecedentes eram muito parecidos. O pai dele era lavrador e economizara ao máximo para enviar o filho à faculdade de medicina em Paris.

— Meu pai foi um homem maravilhoso, senhora embaixadora.

— Senhora embaixadora parece muito formal.

— Senhora Ashley?

— Mary.

— Obrigado, Mary. Ela sorriu.

— O prazer é meu, Louis.

Mary se perguntou como seria sua vida pessoal. Ele era bonito e inteligente, podia ter todas as mulheres que quisesse. Estaria vivendo com alguém?

— Já pensou em casar de novo?

Ela não pôde acreditar que fizera mesmo tal pergunta. Desforges sacudiu a cabeça:

— Não. Se tivesse conhecido minha esposa, poderia compreender. Era uma mulher extraordinária. Ninguém jamais seria capaz de substituí-la.

É assim que me sinto em relação a Edward, pensou Mary. Ninguém jamais será capaz de substituí-lo. Ele fora muito especial. E, no entanto, toda pessoa precisava de uma companhia. Não era uma questão de substituir alguém que fora muito amado. Era descobrir alguém novo para partilhar as coisas. Louis estava dizendo:

— ... e quando me ofereceram a oportunidade, achei que seria interessante conhecer a Romênia. — Ele baixou a voz. — Mas confesso que sinto algo maligno neste país.

— É mesmo?

— Não no povo. O povo é maravilhoso. Mas o governo representa tudo o que desprezo. Não há liberdade para ninguém. Os romenos são praticamente escravos. Se querem ter uma alimentação decente e uns poucos confortos, têm de trabalhar para a Securitate. Os estrangeiros são sistematicamente espionados. — Ele olhou ao redor, a fim de se certificar de que ninguém podia ouvi-los. — Ficarei contente quando meu tempo de serviço terminar e puder voltar à França.

Sem pensar, Mary ouviu-se dizendo:

— Há algumas pessoas que acham que eu deveria voltar para casa.

— Como assim?

E de repente Mary descobriu-se contando toda a história do que acontecera na embaixada.

— Mas isso é horrível! — exclamou Louis. — Tem alguma idéia do responsável?

— Não.

— Posso fazer uma confissão impertinente? Desde que descobri quem você era, andei fazendo algumas indagações a seu respeito. Todos que a conhecem estão muito impressionados com você.

Mary escutava com um profundo interesse. Ele continuou:

— Parece que trouxe para cá a imagem de uma América que é bela, inteligente e afetuosa. Se acredita no que está fazendo, então deve lutar. Deve ficar. Não deixe que ninguém a amedronte.

Era exatamente o que Edward teria dito.


Mary não conseguiu dormir e ficou pensando no que Louis lhe dissera. Ele estava disposto a morrer pelas coisas em que acreditava. E eu? Não quero morrer. E ninguém vai me matar. Ninguém vai me assustar.

Ela continuou na cama, na escuridão total. Apavorada.


Na manhã seguinte Mike Slade entrou em sua sala com duas xícaras de café. Acenou com a cabeça para a parede já limpa e disse:

— Soube que alguém andou escrevendo coisas na sua parede.

— Já descobriram quem foi? Mike tomou um gole do café.

— Não. Verifiquei pessoalmente a lista de visitantes. Todos têm uma justificativa.

— O que significa que deve ter sido alguém da embaixada.

— Ou então alguém que conseguiu passar pelos guardas sem ser visto.

— Acredita mesmo nisso?

Mike pôs a xícara de café na mesa.

— Não.

— Nem eu.

— O que dizia exatamente?

— "Volte para casa antes de morrer." Ele não fez qualquer comentário.

— Quem poderia querer me matar?

— Não sei.

— Senhor Slade, eu agradeceria se me desse uma resposta franca. Acha que corro algum perigo?

Ele estudou-a com uma expressão pensativa.

— Senhora embaixadora, já assassinaram Abraham Lincoln, John Kennedy, Robert Kennedy, Martin Luther King e Marin Groza. Somos dos vulneráveis. A resposta à sua pergunta é sim.

Se acredita no que está fazendo, então deve lutar. Deve ficar. Não deixe que ninguém a amedronte.

24

Às oito e quarenta e cinco da manhã seguinte, quando Mary estava numa reunião, Dorothy Stone entrou correndo na sala e disse:

— As crianças foram seqüestradas! Mary levantou-se de um pulo.

— Deus do céu!

— O alarme da limusine acaba de disparar. Estão localizando o carro agora. Eles não conseguirão escapar.

Mary correu para a sala de comunicações. Meia dúzia de homens estavam parados em torno de um painel de controle. O coronel McKinney falava por um microfone.

— Entendido — disse ele. — Já anotei. Informarei à embaixadora.

— O que está acontecendo? — indagou Mary, a voz rouca, mal conseguindo falar. — Onde estão meus filhos?

O coronel disse, em tom tranqüilizador:

— Estão bem, senhora. Um deles tocou no botão de alarme da limusine por acidente. A luz de emergência no teto acendeu e foi emitido um sinal de SOS em ondas curtas. Antes que o motorista percorresse mais dois quarteirões, foi cercado por quatro carros da polícia, com as sirenes ligadas.

Mary cambaleou contra a parede, aliviada. Não sabia até aquele momento como era grande a sua tensão. E pensou: É fácil compreender por que os estrangeiros que vivem aqui acabam recorrendo aos tóxicos ou à bebida... ou a ligações amorosas.


Mary ficou com as crianças naquela noite. Queria estar o mais perto possível dos filhos. Contemplando-os, pensou: Será que meus filhos correm perigo? Estaremos todos em perigo? Quem poderia querer nos fazer mal? Ela não tinha as respostas.


Três noites depois Mary tornou a jantar com o doutor Louis Desforges. Ele parecia mais relaxado desta vez. Embora persistisse o fundo de tristeza que ela sentira desde o primeiro encontro, ele se empenhou em ser atencioso e divertido. Mary se perguntou se ele sentiria a mesma atração que ela experimentava em relação a ele. Não foi apenas uma tigela de prata que lhe mandei, admitiu para si mesma. Foi também um convite.

Senhora embaixadora é muito formal. Pode me chamar de Mary. Ela estaria mesmo dando em cima daquele homem? E, no entanto... Eu lhe devo muito, possivelmente minha vida. Mas estou racionalizando. Isso não tem nada a ver com o motivo pelo qual desejava vê-lo outra vez.

Eles jantaram cedo no restaurante do terraço do Intercontinental Hotel. Quando Louis a levou de volta à residência oficial, Mary perguntou:

— Não gostaria de entrar?

— Obrigado — respondeu ele. — Será um prazer. As crianças estavam lá embaixo, fazendo os deveres de casa. Mary apresentou-as a Louis. Ele se abaixou na frente de Beth e disse:

— Posso? — Abraçou-a por um instante e depois se empertigou. — Uma das minhas filhas era três anos mais moça do que você. A outra era mais ou menos de sua idade. Eu gostaria de pensar que cresceram para se tornarem tão bonitas quanto você, Beth.

Beth sorriu.

— Obrigada. Mas onde...? Mary apressou-se em dizer:

— Que tal tomarmos todos um chocolate quente? Eles sentaram na enorme cozinha, tomando o chocolate quente e conversando.

As crianças ficaram encantadas com Louis, e Mary pensou que nunca vira um homem com tanta ânsia nos olhos. Ele a esquecera. Estava inteiramente concentrado nas crianças, contando histórias sobre as filhas e anedotas, até que todos riam às gargalhadas.

Já era quase meia-noite quando Mary olhou para o relógio.

— Essa não! — exclamou ela. — Vocês já deveriam estar na cama há várias horas. Vão logo deitar!

Tim aproximou-se de Louis.

— Virá nos visitar de novo?

— Espero que sim, Tim. Depende de sua mãe. Tim virou-se para Mary:

— E então, mamãe?

Ela virou-se para Louis e murmurou:

— Claro que sim.


Mary acompanhou Louis até a porta. Ele pegou-lhe a mão.

— Não tentarei expressar o que esta noite significou para mim, Mary. Não há palavras para isso.

— Estou contente.

Ela fitava-o nos olhos e sentiu que ele se adiantava. Esticou os lábios.

— Boa noite, Mary. E ele se foi.


Na manhã seguinte, ao entrar em sua sala, Mary notou que a outra parede também fora pintada de novo. Mike Slade entrou com duas xícaras de café.

— Bom dia.

Ele pôs uma xícara na mesa.

— Alguém tornou a escrever na parede?

— Isso mesmo.

— O que dizia desta vez?

— Não tem importância.

— Não tem importância? — repetiu ela, furiosa. — Tem toda importância para mim! Que tipo de segurança tem esta embaixada? Não posso admitir que pessoas entrem sorrateiras nesta sala e escrevam ameaças contra a minha vida! O que dizia?

— Quer que eu diga literalmente?

— Quero.

— Dizia: "Pare agora ou morra." Mary arriou na cadeira, enfurecida.

— Pode me explicar como alguém é capaz de entrar nesta embaixada sem ser visto e escrever mensagens na parede da minha sala?

— Eu bem que gostaria de poder — respondeu Mike. — Estamos fazendo tudo o que é possível para descobrir.

— Pois "tudo o que é possível" obviamente não é suficiente. Quero um guarda postado à minha porta durante a noite. Entendido?

— Entendido, senhora embaixadora. Transmitirei a ordem ao coronel McKinney.

— Não precisa. Falarei com ele pessoalmente.

Mary ficou observando Mike Slade se retirar e de repente se perguntou se ele não saberia quem estava por trás daquilo.

E se perguntou se não seria o próprio Mike Slade.


O Coronel McKinney estava contrafeito.

— Pode estar certa, senhora embaixadora, que me sinto tão perturbado quanto a senhora. Dobrarei a guarda no corredor e determinarei que a porta de sua sala seja vigiada 24 horas por dia.

Mary não se sentiu apaziguada. Alguém dentro da embaixada era responsável pelo que estava acontecendo. E o coronel McKinney estava dentro da embaixada.


Mary convidou Louis Desforges para um pequeno jantar na residência oficial. Havia uma dúzia de outros convidados. Ao final da noite, quando os outros já haviam se retirado, Louis disse:

— Importa-se se eu subir para ver as crianças?

— Já devem estar dormindo a esta altura, Louis.

— Não vou acordá-los — prometeu ele. — Quero apenas dar uma olhada.

Mary subiu com ele e observou-o parar na porta e contemplar o vulto adormecido de Tim. Depois de algum tempo, ela sussurrou:

— O quarto de Beth é por aqui.

Mary levou-o pelo corredor até o outro quarto e abriu a porta. Beth estava enroscada em torno do travesseiro, as cobertas retorcidas por cima. Louis aproximou-se da cama sem fazer barulho e ajeitou gentilmente as cobertas. Ficou parado ali por um longo momento, os olhos fechados. Depois virou-se e saiu do quarto.

— São crianças lindas — murmurou ele, a voz rouca. Eles pararam, fitando-se nos olhos, o ar entre os dois

carregado. Ele estava vulnerável em sua carência.

Vai acontecer, pensou Mary. Nenhum dos dois pode evitar.

E os braços se enlaçaram, os lábios se encontraram. Ele afastou-se bruscamente.

— Eu não deveria ter vindo. Sabe o que estou fazendo, não é? Revivendo meu passado. — Louis ficou em silêncio por um instante. — Ou talvez seja meu futuro. Quem sabe?

Mary disse suavemente:

Eu sei.


David Victor, o adido comercial, entrou apressado na sala de Mary.

— Tenho péssimas notícias. Acabei de receber a informação de que o presidente Ionescu vai aprovar um contrato com a Argentina de um milhão e meio de toneladas de trigo e outro com o Brasil de meio milhão de toneladas de soja. Estávamos contando com essas vendas.

— Até que ponto as negociações já avançaram?

— Estão quase concluídas. Fomos excluídos. Eu já ia mandar um telegrama para Washington... com a sua aprovação, é claro.

— Espere mais um pouco — disse Mary. — Quero pensar no caso.

— Não conseguirá fazer com que o presidente Ionescu mude de idéia. Já tentei todos os argumentos possíveis.

— Então não temos nada a perder se eu fizer uma tentativa. — Ela chamou a secretária. — Dorothy, marque uma audiência minha com o presidente Ionescu o mais depressa possível.


Alexandros Ionescu convidou Mary para almoçar no palácio. Quando ela chegou, foi cumprimentada por Nicu, o filho de quatorze anos do presidente.

— Boa tarde, senhora embaixadora — disse ele. — Sou Nicu. Seja bem-vinda ao palácio.

— Obrigada.

Era um garoto bonito, alto para sua idade, lindos olhos pretos e uma pele impecável. Tinha o porte de um adulto.

— Ouvi falar coisas ótimas a seu respeito — comentou o garoto.

— Fico satisfeita com isso, Nicu.

— Vou avisar a meu pai que você já chegou.


Mary e Ionescu sentaram frente a frente na sala de jantar formal, apenas os dois à mesa. Mary imaginou onde estaria a esposa, que raramente aparecia, mesmo nas recepções oficiais.

O presidente andara bebendo e estava de bom humor. Acendeu um Snogov, o cigarro romeno de cheiro horrível.

— Soube que andou fazendo excursões turísticas com seus filhos.

— É verdade, Excelência. A Romênia é um lindo país, e há muita coisa para se ver.

Ele exibiu o que julgava ser um sorriso sedutor.

— Um dia desses você deve permitir que eu lhe mostre meu país. — O sorriso transformou-se numa paródia de malícia. — Sou um guia excelente, e poderia lhe mostrar muitas coisas interessantes.

— Tenho certeza que poderia — disse Mary. — Senhor presidente, eu queria encontrá-lo hoje porque tenho um assunto muito importante para discutir.

Ionescu quase soltou uma gargalhada. Sabia exatamente por que ela viera. Os americanos querem me vender trigo e soja, mas estão atrasados. A embaixadora americana sairia de mãos vazias daquela vez. O que era uma pena, já que se tratava de uma mulher tão bonita...

— O que é? — perguntou ele.

— Quero lhe falar sobre as cidades irmãs. Ionescu piscou os olhos, aturdido.

— Como?

— Cidades irmãs. Como San Francisco e Osaka, Los Angeles e Bombaim, Washington e Bangkok...

— Eu... eu não estou entendendo. O que isso tem a ver com...

— Senhor presidente, ocorreu-me que poderia obter manchetes no mundo inteiro se tornasse Bucareste uma cidade irmã de alguma cidade americana. Pense na emoção que isso despertaria. Atrairia quase tanta atenção quanto o programa de povo-para-povo do presidente Ellison. Seria um passo importante para a paz mundial. Uma ponte entre nossos países. Eu não ficaria surpresa se lhe concedessem o Prêmio Nobel da Paz.

Ionescu ficou em silêncio, tentando reorganizar seus pensamentos. Finalmente disse, cauteloso:

— Uma cidade irmã com os Estados Unidos? É uma idéia interessante. O que isso envolveria?

— Principalmente uma publicidade maravilhosa para a Romênia e seu governo. Faria uma visita à cidade. E uma delegação de Kansas City o visitaria.

— Kansas City?

— É apenas uma sugestão, é claro. Pensei que não gostaria de uma cidade grande como Nova York ou Chicago... são comerciais demais. E Los Angeles já é muito falada. Kansas City fica no centro dos Estados Unidos. Há lavradores lá, como os seus lavradores. Pessoas que têm valores simples, como o seu povo. Seria o ato de um grande estadista, senhor presidente. Seu nome estaria na boca de todo mundo. Ninguém na Europa jamais pensou em fazer isso.

Ionescu não disse nada por algum tempo.

— Eu... eu teria de pensar muito a respeito.

— Claro.

— Kansas City, Kansas, e Bucareste, Romênia. — Ele balançou a cabeça. — Somos uma cidade muito maior, é claro.

— Bucareste seria a irmã maior.

— Devo admitir que é uma idéia muito atraente.

Na verdade, quanto mais pensava a respeito, mais Ionescu gostava. Meu nome estará na boca de todo mundo. E servirá para impedir que o abraço do urso soviético se torne muito apertado.

— Existe alguma possibilidade de rejeição do lado americano? — perguntou Ionescu.

— Absolutamente nenhuma. Posso garantir. Ele refletiu por mais algum tempo.

— Quando isso entraria em vigor?

— Assim que estiver pronto para fazer o anúncio. Cuidarei de tudo do nosso lado. Já é um grande estadista, senhor presidente, mas isso o tornaria ainda maior.

Ionescu pensou mais um pouco.

— Poderíamos promover o intercâmbio comercial com nossa cidade irmã. A Romênia tem muitas coisas para vender. Diga-me... o que o Kansas cultiva?

— Entre outras coisas — respondeu Mary com um ar de inocência —, trigo e soja.


— Conseguiu mesmo fechar o negócio? — indagou David Victor, incrédulo. — Conseguiu enganá-lo?

— Claro que não — afirmou Mary. — Ionescu é esperto demais para ser enganado. Sabia o que eu estava querendo. Apenas gostou do pacote que lhe ofereci. Pode acertar os detalhes para fechar o negócio. Ionescu já está ensaiando seu discurso pela televisão.


Quando soube da notícia, Stanton Rogers telefonou para Mary.

— Você faz milagres — disse ele, rindo. — Já estávamos convencidos de que perdêramos o negócio. Como conseguiu?

— Pelo ego — respondeu Mary. — O dele.

— O presidente me pediu para lhe dizer que você está fazendo um grande trabalho aí, Mary.

— Agradeça a ele por mim, Stan.

— Claro. Por falar nisso, o presidente e eu viajaremos para a China na próxima semana. Se precisar de mim, pode fazer contato através de meu gabinete.

— Façam uma boa viagem.


As semanas foram passando depressa, e os ventos de março deram lugar à primavera e depois ao verão, as roupas grossas de inverno foram trocadas por trajes leves e frescos. As árvores estavam viçosas e as flores desabrochavam por toda parte, os parques se tornaram lindos. Junho estava quase terminando.


Era inverno em Buenos Aires. Neusa Muñez voltou ao seu apartamento de madrugada. O telefone estava tocando. Ela atendeu.

Sí?

— Miss Muñez?

Era o gringo dos Estados Unidos.

— Está falando com ela.

— Posso falar com Angel?

— Angel não está aqui, señor. O que deseja?

O Controlador descobriu que sua irritação era cada vez maior. Que tipo de homem se envolveria com uma mulher assim? Pela descrição que Harry Lantz lhe dera, antes de ser assassinado, ela não apenas era estúpida, mas também muito feia.

— Quero que dê um recado meu a Angel.

— Espere um instante.

Ele ouviu o telefone cair e ficou esperando. A mulher voltou ao telefone.

— Pode falar.

— Diga a Angel que preciso dele para um contrato em Bucareste.

— Budapeste?

Oh, Deus, aquela mulher era mesmo insuportável!

— Bucareste, Romênia. Diga a ele que é um contrato de cinco milhões de dólares. Ele deve estar em Bucareste ao final do mês. Daqui a três semanas. Já anotou tudo?

— Espere um instante. Estou escrevendo. Ele esperou, pacientemente.

— Muito bem. Quantas pessoas Angel tem de matar por cinco milhões de dólares?

— Uma porção...


As longas filas diárias na frente da embaixada continuavam a incomodar Mary. Ela tornou a discutir o assunto com Mike Slade.

— Deve haver alguma coisa que possamos fazer para ajudar essas pessoas a saírem do país.

— Já tentamos tudo — disse Mike. — Aplicamos pressão, oferecemos dinheiro... a resposta é sempre não. Ionescu se recusa a fazer qualquer negócio. Os pobres coitados estão perdidos. Ele não tem a menor intenção de deixá-los partir. A Cortina de Ferro não está apenas em torno do país... está no próprio país.

— Terei outra conversa com Ionescu.

— Boa sorte.


Mary pediu a Dorothy Stone para marcar uma audiência com o ditador. Poucos minutos depois a secretária entrou em sua sala.

— Lamento, senhora embaixadora, mas não haverá audiência.

Mary ficou surpresa.

— O que significa isso?

— Não sei direito. Alguma coisa estranha está acontecendo no palácio. Ionescu não recebe ninguém. Mais do que isso, ninguém pode sequer entrar no palácio.

Mary tentou imaginar o que poderia estar havendo. Ionescu estaria preparando algum comunicado de grande importância? Haveria um golpe iminente? Só podia ser algo da maior relevância. O que quer que fosse, Mary sabia que precisava descobrir.

— Dorothy, você tem contatos no palácio presidencial, não é?

Dorothy sorriu.

— Está falando da "rede das comadres"? Claro. Sempre conversamos.

— Eu gostaria de saber o que está acontecendo por lá...


Uma hora depois Dorothy tornou a entrar na sala.

— Descobri o que estava querendo saber. Estão abafando o caso.

— Abafando o quê?

— O filho de Ionescu está agonizante. Mary ficou consternada.

— Nicu? O que aconteceu?

— Ele está com botulismo. Mary se apressou em indagar:

— Há uma epidemia em Bucareste?

— Não, senhora. Lembra da epidemia que houve recentemente na Alemanha Oriental? Ao que parece, Nicu esteve lá e alguém lhe deu comida enlatada de presente. Ele abriu e comeu ontem.

— Mas há um soro de anticorpos para o botulismo!

— Não tem mais nenhum nos países europeus. A epidemia do mês passado consumiu tudo.

— Oh, Deus!

Dorothy se retirou e Mary ficou pensando. Talvez fosse tarde demais, mas ainda assim... Ela podia lembrar como o jovem Nicu era jovial e feliz. Tinha quatorze anos... apenas dois anos mais velho do que Beth. Ela apertou o botão do interfone e disse:

— Dorothy, ligue-me com o Centro de Controle de Doenças, em Atlanta, Georgia.

Cinco minutos depois ela estava falando com o diretor.

— Temos um soro de anticorpos para envenenamento por botulismo, senhora embaixadora, mas não recebemos notícia de qualquer caso nos Estados Unidos.

— Não estou nos Estados Unidos — informou Mary. — Estou em Bucareste, e preciso do soro imediatamente.

Houve uma pausa.

— Terei a maior satisfação em fornecer o soro, mas o efeito do botulismo é muito rápido. Quando chegar ai...

— Providenciarei para que chegue aqui o mais depressa possível. Basta aprontar tudo. E obrigada.


Dez minutos depois ela estava falando com o general Ralph Zukor, da Força Aérea Americana, em Washington.

— Bom dia, senhora embaixadora. É um prazer inesperado. Minha mulher e eu somos seus grandes fãs. Como está...

— Preciso de um favor, general.

— Não tem problema. Qualquer coisa que quiser.

— Preciso de seu jato mais rápido.

— Como?

— Preciso de um jato para trazer um soro a Bucareste imediatamente.

— Ahn...

— Pode dar um jeito?

— Claro. Vai precisar obter a aprovação do secretário de Defesa. E será necessário preencher alguns formulários de requisição. Uma cópia virá para mim e a outra será para o Departamento de Defesa. Mandaremos então...

Mary estava furiosa.

— General, pare de falar e trate de mandar o maldito avião levantar vôo. Se...

— Não é possível...

— A vida de um garoto está em jogo. E acontece que o garoto é o filho do presidente da Romênia.

— Lamento muito, mas não posso autorizar...

— Se o garoto morrer porque algum formulário não foi preenchido, general, juro que vou convocar a maior entrevista coletiva de todos os tempos. E deixarei que explique aos jornalistas por que deixou o filho de Ionescu morrer.

— Não posso autorizar uma operação assim sem aprovação da Casa Branca. Se...

Mary interrompeu-o bruscamente:

— Pois então trate de obtê-la. O soro estará à espera no aeroporto de Atlanta. E lembre-se de uma coisa, general... cada minuto conta.

Ela desligou e continuou sentada, rezando silenciosamente.


O ajudante-de-ordens do general Ralph Zukor perguntou:

— Qual era o problema, senhor?

— A embaixadora quer que eu mande um SR-71 levar um pouco de soro para a Romênia.

O ajudante sorriu.

— Tenho certeza de que ela não tem a menor idéia das implicações de uma operação dessas, general.

— Isso é evidente. Mas é melhor nos precavermos. Ligue-me com Stanton Rogers.

Cinco minutos depois o general estava falando com o assessor do presidente para política externa.

— Eu queria apenas comunicar que o pedido foi apresentado e recusei, como não podia deixar de ser. Se...

Stanton Rogers interrompeu-o:

— General, em quanto tempo pode fazer um SR-71 decolar?

— Em dez minutos. Mas...

— Faça-o.

O sistema nervoso de Nicu Ionescu fora afetado. Ele estava na cama, desorientado, pálido e suado, ligado a um respirador. Havia três médicos a atendê-lo. O presidente Ionescu entrou no quarto do filho.

— O que está acontecendo?

— Já nos comunicamos com todos os nossos colegas da Europa Oriental e Ocidental, Excelência. Não resta nenhum soro.

— E os Estados Unidos? O médico deu de ombros.

— Quando conseguíssemos providenciar que alguém trouxesse o soro de avião para cá... — Ele fez uma pausa, delicado. — Receio que seria tarde demais.

Ionescu aproximou-se e pegou a mão do filho. Estava úmida e pegajosa.

— Você não vai morrer — soluçou o presidente da Romênia. — Não vai morrer.


Quando o jato pousou no Aeroporto Internacional de Atlanta, uma limusine da força aérea esperava com o soro, acondicionado em gelo. Três minutos depois o jato estava outra vez no ar, seguindo para nordeste.

O SR-71, o mais veloz jato supersônico da Força Aérea Americana, voa a três vezes a velocidade do som. Diminuiu a velocidade só uma vez, para se reabastecer, no meio do Atlântico. Cobriu o percurso de cerca de oito mil quilômetros até Bucareste em pouco mais de duas horas e meia.

O coronel McKinney estava esperando no aeroporto. Uma escolta militar abriu o caminho até o palácio presidencial.

Mary permaneceu em sua sala durante a noite inteira, recebendo informações constantes sobre os acontecimentos. A última notícia chegou às seis horas da manhã, um telefonema do coronel McKinney:

— Deram o soro ao garoto. Os médicos dizem que ele vai viver.

— Graças a Deus!


Dois dias depois, um colar de diamantes e esmeraldas foi entregue a Mary na embaixada, com um bilhete:


Nunca terei palavras suficientes para lhe agradecer.

Alexandros Ionescu


— Puxa! — exclamou Dorothy, quando viu o colar. — Deve ter custado meio milhão de dólares!

— No mínimo — disse Mary. — Devolva-o.


Na manhã seguinte o presidente Ionescu mandou chamar Mary. Um assessor informou:

— O presidente está à sua espera no gabinete.

— Posso ver Nicu primeiro?

— Claro que sim.

Ele conduziu-a ao segundo andar. Nicu estava na cama, lendo. Levantou os olhos quando Mary entrou no quarto.

— Bom dia, senhora embaixadora.

— Bom dia, Nicu.

— Meu pai me disse que foi você quem conseguiu o soro. Desejo lhe agradecer.

— Eu não podia deixar você morrer — disse Mary. — Estou guardando-o para Beth.

Nicu soltou uma risada.

— Traga-a aqui e conversaremos sobre isso.

O presidente Ionescu esperava Mary lá embaixo. E foi logo dizendo, sem qualquer preâmbulo:

— Você devolveu meu presente.

— É verdade, Excelência, Ionescu indicou uma cadeira.

— Sente-se. — Ele estudou-a por um momento. — O que você quer?

— Não faço negócios com a vida de crianças.

— Salvou a vida de meu filho. Devo lhe dar alguma coisa.

— Não me deve nada, Excelência, Ionescu bateu com o punho na mesa.

— Não ficarei lhe devendo coisa alguma! Diga seu preço.

— Não há preço, Excelência. Tenho dois filhos. Sei como deve se sentir.

Ele fechou os olhos por um momento.

— Sabe mesmo? Nikos é meu único filho. Se alguma coisa lhe acontecesse...

Ele parou de falar, incapaz de continuar.

— Subi para visitá-lo. Ele parece estar bem. — Mary levantou-se. — Se não há mais nada, Excelência, tenho um compromisso na embaixada.

Ela fez menção de se retirar.

— Espere! Mary virou-se.

— Não quer aceitar um presente?

— Não. Já expliquei... Ionescu levantou a mão.

— Está bem, está bem. — Ele pensou por um momento. — Se pudesse exprimir um desejo, o que gostaria?

— Não há nada...

— Mas deve! Eu insisto! Um desejo. Qualquer coisa que quiser.

Mary ficou imóvel, estudando o rosto de Ionescu, pensando. E acabou dizendo:

— Eu gostaria que fossem suspensas as restrições à saída dos judeus da Romênia.

Ionescu continuou sentado, os dedos tamborilando sobre a mesa.

— Entendo... — Ele ficou imóvel por um longo tempo, depois levantou os olhos para Mary. — Será feito. Nem todos terão permissão para partir, é claro, mas... tornarei as coisas mais fáceis.


Quando houve o comunicado público, dois dias depois, Mary recebeu um telefonema do próprio presidente Ellison.

— Pensei que estava mandando para a Romênia uma diplomata e arrumei uma fazedora de milagres — disse ele.

— Apenas tive sorte, senhor presidente.

— É o tipo de sorte que eu gostaria que todos os meus diplomatas tivessem. Quero lhe dar os parabéns, Mary, por tudo o que você tem feito aí.

— Obrigada, senhor presidente. Ela desligou na maior felicidade.


— Julho está quase chegando — Harriet Kruger disse a Mary. — No passado o embaixador sempre oferecia uma festa no Quatro de Julho aos americanos que vivem em Bu-careste. Se prefere não...

— Acho a idéia ótima.

— Pode deixar que cuidarei de tudo. Muitas bandeiras, balões, uma orquestra... os fogos de artifício.

— Parece que será uma festa maravilhosa. Obrigada, Harriet.

Seria uma sangria e tanto na verba de representação, mas valeria a pena. A verdade é que sinto saudade dos Estados Unidos, pensou Mary.

Florence e Douglas Schiffer surpreenderam Mary com uma visita.

— Estamos em Roma — gritou Florence pelo telefone. — Podemos ir visitá-la?

Mary ficou emocionada.

— Quando podem chegar aqui?

— Amanhã está bom para você?


Quando os Schiffer chegaram ao Aeroporto Otopeni, no dia seguinte, Mary estava lá para recebê-los, com a limusine da embaixada. Houve uma excitada troca de abraços e beijos.

— Você está ótima! — exclamou Florence. — Ser embaixadora não a mudou nem um pouquinho.

Você ficaria surpresa se soubesse, pensou Mary.

Na viagem para a residência oficial, Mary foi apontando os principais pontos de atração, as mesmas coisas que ela vira pela primeira vez apenas quatro meses antes. Teriam sido mesmo apenas quatro meses? Parecia uma eternidade.

— É aqui que você mora? — perguntou Florence quando a limusine parou diante do portão da residência oficial, guardado por um fuzileiro. — Estou impressionada.

Mary mostrou toda a casa aos Schiffer.

— Mas que coisa! — exclamou Florence. — Uma piscina, um teatro, mil cômodos e o seu próprio parque!


Eles estavam sentados na sala de jantar, almoçando e conversando sobre os vizinhos em Junction City.

— Sente alguma saudade de lá? — indagou Douglas.

— Claro que sinto.

E mesmo enquanto falava, Mary compreendeu como estava longe do lar. Junction City representara paz e segurança, uma vida tranqüila. Ali, havia medo e terror, ameaças terríveis rabiscadas nas paredes de sua sala em tinta vermelha. Vermelho, a cor da violência.

— Em que está pensando? — perguntou Florence.

— Como? Ah, nada... Eu estava apenas sonhando. O que vocês estão fazendo na Europa?

— Participei de uma convenção médica em Roma — explicou Douglas.

— Continue... conte o resto — estimulou-o Florence.

— A verdade é que eu não tinha muita vontade de vir, mas estávamos preocupados com você e queríamos saber como passava. Por isso, estamos aqui.

— Fico agradecida por isso.

— Nunca imaginei que conheceria uma pessoa tão importante — comentou Florence, suspirando.

Mary soltou uma risada.

— Ser embaixadora não me transforma numa pessoa tão importante assim, Florence.

— Não é disso que estou falando.

— Do que é então?

— Quer dizer que não sabe?

— Não sei o quê?

— Mary, saiu uma matéria grande a seu respeito na revista Time na semana passada, com uma fotografia sua e das crianças. Está sendo notícia em todas as revistas e jornais dos Estados Unidos. Quando Stanton Rogers concede entrevistas sobre as relações exteriores, sempre usa você como um grande exemplo. O presidente fala de você. Está na boca de todos.

— Acho que estou meio desatualizada...

Mary lembrou o que Stanton dissera: O presidente ordenou a projeção.

— Por quanto tempo vocês podem ficar? — perguntou ela.

— Eu adoraria ficar para sempre, mas planejamos passar três dias aqui e depois voltar para casa.

— Como você está indo, Mary? — perguntou Douglas. — Não no trabalho, mas... em relação a Edward?

— Estou me sentindo melhor — respondeu Mary, lentamente. — Converso com ele todas as noites. Isso parece loucura?

— Não.

— Ainda sofro muito, mas tento... tento sempre.

— Você... ahn... já conheceu alguém? — indagou Florence, delicadamente.

Mary sorriu.

— Para ser franca, talvez eu tenha conhecido. Vão conhecê-lo esta noite, ao jantar.


Os Schiffer simpatizaram logo com o doutor Louis Desforges. Pensavam que os franceses eram altivos, esnobes e indiferentes, mas Louis demonstrou-se amável, simpático e extrovertido. Ele e Douglas conversaram muito sobre medicina. Foi uma das noites mais felizes de Mary desde que chegara a Bucareste. Por um momento, ela sentiu-se segura e relaxada.


Às onze horas os Schiffer subiram para o quarto de hóspedes que fora preparado para alojá-los. Mary estava lá embaixo, despedindo-se de Louis.

— Gostei muito de seus amigos — disse ele. — Espero tornar a vê-los.

— Eles também gostaram de você. Voltarão para o Kansas dentro de dois dias.

Louis estudou-a em silêncio por um instante.

— Mary... você não está pensando em ir embora também, não é?

— Claro que não. Vou ficar. Ele sorriu.

— Ótimo. — Um instante de hesitação e ele acrescentou: — Vou passar o fim de semana nas montanhas. Gostaria muito que você me acompanhasse.

— Está certo.

Foi mesmo simples assim.


Naquela noite, deitada no escuro, Mary conversou com Edward. Querido, sempre o amarei, mas não devo mais precisar de você. Está na hora de começar uma vida nova. Você sempre será uma parte dessa vida, mas tem de haver também outra pessoa. Louis não é você, mas é Louis. Ele é forte, gentil e corajoso. É o mais próximo que posso chegar de ter você. Por favor, Edward, compreenda. Por favor...

Ela sentou na cama e acendeu o abajur na mesinha-de-cabeceira. Ficou olhando para a aliança de casamento por longo tempo e depois, lentamente, tirou-a do dedo.

Era um círculo que simbolizava um fim, e um começo.


Mary levou os Schiffer para uma excursão relâmpago por Bucareste, cuidando para que seus dias fossem totalmente ocupados. Os três dias passaram depressa, e quando os Schiffer foram embora, ela sentiu uma pontada de intensa solidão, uma impressão de completo isolamento de suas raízes, a sensação de estar à deriva mais uma vez, numa terra estranha e perigosa.


Mary estava tomando o habitual café da manhã com Mike Slade, discutindo a agenda do dia. Quando acabaram, Mike disse:

— Tenho ouvido alguns rumores. Mary também ouvira.

— Sobre Ionescu e sua nova amante? Parece que ele...

— Sobre você.

Ela sentiu que ficava rígida.

— É mesmo? Que espécie de rumores?

— Parece que você anda se encontrando muito com o doutor Louis Desforges.

Mary experimentou um ímpeto de raiva.

— Com quem eu me encontro não é da conta de ninguém.

— Desculpe, mas tenho de discordar, senhora embaixadora. É da conta de todo mundo na embaixada. Temos regras rigorosas contra o envolvimento com estrangeiros, e o doutor é um estrangeiro. E acontece que ele é também um agente inimigo.

Mary estava quase atordoada demais para falar.

— Isso é um absurdo! — balbuciou ela. — O que você sabe sobre o doutor Desforges?

— Pense na maneira como o conheceu — sugeriu Mike Slade. — A dama em perigo e o cavaleiro de armadura reluzente. É o truque mais velho do mundo. Eu próprio já o usei.

— Não estou interessada no que você fez ou deixou de fazer. Ele vale uma dúzia de homens como você. Lutou contra os terroristas na Argélia e eles mataram sua esposa e filhas.

Mike comentou, suavemente:

— Isso é muito interessante. Estive examinando o dossiê do doutor Desforges. Ele nunca teve esposa ou filhas.

25

Eles pararam para almoçar em Timisoara, a caminho dos Montes Cárpatos. A estalagem se chamava Sexta-Feira dos Caçadores e era decorada no estilo de uma adega medieval.

— A especialidade da casa é a caça — informou Louis a Mary. — Sugiro a carne de veado.

— Está bem.

Mary nunca comera carne de veado. Era deliciosa. Louis pediu uma garrafa de Zghihara, o vinho branco local. Havia um ar de confiança em Louis, uma força tranqüila, que proporcionava a Mary uma sensação de segurança.

Ele fora buscá-la longe da embaixada, explicando:

— É melhor não deixar que ninguém saiba para onde está indo ou todos os diplomatas da cidade vão começar a comentar.

Tarde demais, pensara Mary, amargurada.

Louis tomara emprestado o carro de um amigo da embaixada francesa. Tinha as placas ovais, em preto e branco, do corpo diplomático.

Mary sabia que as placas eram um aviso para a polícia. Os estrangeiros recebiam placas que começavam com o número doze. As placas amarelas eram para as autoridades.

Recomeçaram a viagem depois do almoço. Passaram por lavradores em carroças primitivas de fabricação doméstica, feitas de galhos entrelaçados, e por caravanas de ciganos.

Louis era um motorista competente. Mary estudava-o enquanto ele guiava, pensando nas palavras de Mike Slade: "Estive examinando o dossiê do doutor Desforges. Ele nunca teve esposa ou filhas."

Ela não acreditava em Mike Slade. Todo seu instinto lhe dizia que ele estava mentindo. Não fora Louis quem se esgueirara em sua sala e escrevera aquelas palavras nas paredes. Fora alguém que a estava ameaçando. Confiava em Louis. Ninguém poderia simular a emoção que vi em seu rosto quando estava brincando com as crianças. Ninguém é tão bom ator.

O ar estava se tornando mais rarefeito e mais frio, os arbustos e carvalhos davam lugar aos freixos, abetos e pinheiros.

— A caça por aqui é maravilhosa — comentou Louis. — Pode-se encontrar javali, cabrito montês, lobo e o camurça preto.

— Nunca fiz uma caçada.

— Talvez um dia eu possa levá-la.

As montanhas à frente pareciam as gravuras que ela conhecia dos Alpes suíços, os picos cobertos por neblina e nuvens. Passavam por florestas e campinas verdejantes, salpicadas de vacas pastando. As nuvens geladas lá em cima eram da cor do aço, e Mary tinha a sensação de que se estendesse a mão e as tocasse elas ficariam grudadas em seus dedos, como metal frio.

A tarde já terminava quando chegaram a seu destino, Sioplea, uma adorável hospedaria na montanha, que parecia um chalé. Mary ficou esperando no carro enquanto Louis registrava os dois.

Um porteiro idoso conduziu-os à suíte. Tinha uma sala de estar confortável, de bom tamanho, mobiliada com simplicidade, um quarto, um banheiro e um terraço, com uma vista espetacular das montanhas.

— Pela primeira vez em minha vida — comentou Louis, suspirando —, eu gostaria de ser um pintor.

— É mesmo uma linda vista. Ele chegou mais perto de Mary.

— Não estou falando da vista. Eu gostaria de pintar você.

Mary descobriu-se pensando: Sinto-me como uma garota de dezessete anos em seu primeiro encontro. Estou nervosa.

Louis abraçou-a e apertou-a. Ela comprimiu a cabeça contra seu peito e no instante seguinte os lábios de Louis se encontraram com os seus. Ele começou a explorar seu corpo e empurrou-lhe a mão para a ereção masculina. Mary esqueceu tudo o mais, exceto o que estava lhe acontecendo agora.

Sentia uma necessidade frenética que ia muito além do sexo. Era a necessidade de que alguém a abraçasse, a tranqüilizasse, a protegesse, fizesse com que soubesse que não estava mais sozinha. Precisava que Louis estivesse dentro dela, estar dentro dele, se tornarem um só.

Estavam na cama de casal e ela sentiu a língua de Louis percorrer seu corpo nu. E depois ele a penetrou e Mary soltou um grito apaixonado, desvairado, antes de explodir em mil gloriosas Marys. E outra vez e outra vez, até que a felicidade tornou-se quase insuportável.

Louis era um amante incrível, ardente e exigente, terno e atencioso. Depois de um longo tempo, eles ficaram imóveis na cama, exaustos, satisfeitos. Mary aninhou-se em seus braços fortes e começaram a conversar.

— É muito estranho — disse Louis. — Eu me sinto inteiro outra vez. Desde que Renée e as crianças morreram, tenho sido como um fantasma, vagueando, perdido.

Eu também, pensou Mary.

— Senti sua falta em todas as coisas importantes e em outras que nunca imaginara. Eu não sabia cozinhar, lavar a roupa ou até fazer a cama direito. Os homens nem pensam nessas coisas.

— Eu também me senti desamparada, Louis. Edward era meu guarda-chuva. Quando começou a chover e ele não estava lá para me proteger, quase me afoguei.

Adormeceram.

Tornaram a fazer amor, agora devagar, com extrema ternura, o fogo abafado, a chama mais lenta, mais requintada.

Era quase perfeito. Quase. Porque havia uma pergunta que Mary queria fazer e sabia que não tinha coragem: Você teve mesmo uma esposa e filhas, Louis?

Tinha certeza de que tudo estaria acabado para sempre entre os dois no instante em que fizesse tal pergunta. Louis nunca a perdoaria por duvidar. Maldito Mike Slade!, pensou ela.

Louis a observava atentamente.

— Em que estava pensando?

— Nada, querido.

O que você estava fazendo naquela ruela escura quando aqueles homens tentaram me seqüestrar, Louis?


Jantaram naquela noite ao ar livre, no terraço. Louis pediu Cemurata, o licor de morango feito nas montanhas próximas.

No sábado subiram numa cremalheira ao pico de uma montanha. Voltaram ao hotel e tomaram banho na piscina coberta, fizeram amor na sauna particular e jogaram bridge com um idoso casal alemão em lua-de-mel.

À noite foram ao Eintrul, um restaurante rústico nas montanhas, onde jantaram numa sala grande, com uma lareira aberta, em que o fogo crepitava. Havia lustres de madeira pendurados do teto e troféus de caça na parede por cima da lareira. A sala era iluminada por velas, e através das janelas podiam contemplar os picos nevados. Um cenário perfeito, numa companhia perfeita.

E logo, muito cedo, estava na hora de partir.

É tempo de voltar ao mundo real, pensou Mary. E o que era o mundo real? Um lugar de ameaças e seqüestros, de coisas horríveis escritas nas paredes de sua sala.


A viagem de volta foi agradável e descontraída. A tensão sexual da ida fora substituída por um sentimento relaxado de união. Louis era uma excelente companhia.

Ao se aproximarem dos arredores de Bucareste, passaram por campos de girassóis, virados na direção do sol.

Eu sou assim, pensou Mary, feliz. Estou me virando para a luz do sol.


Beth e Tim aguardavam ansiosos a volta da mãe.

— Vai casar com Louis? — perguntou Beth. Mary ficou atordoada. Estavam traduzindo em palavras o que ela nem se atrevera a pensar.

— Vai ou não vai?

— Não sei — respondeu ela, com muito cuidado. — Vocês se importariam se eu casasse?

— Ele não é papai — disse Beth —, mas Tim e eu fizemos uma votação. Gostamos dele.

— Eu também — murmurou Mary, satisfeita. — Eu também.

Havia uma dúzia de rosas vermelhas com um bilhete: "Obrigado por você."

Mary leu o cartão. E se perguntou se ele também mandava flores para Renée. E se perguntou se houvera mesmo uma Renée e duas filhas. E odiou a sí mesma por isso. Por que Mike Slade inventaria uma mentira tão terrível? Não havia possibilidade de Mary confirmar. E foi nesse momento que Eddie Maltz, o adido político e homem da CIA, entrou em sua sala.

— Está com uma ótima aparência, senhora embaixadora. Teve um bom fim de semana?

— Tive, sim, obrigada.

Eles passaram algum tempo conversando sobre um coronel que procurara Maltz, revelando sua intenção de desertar.

— Ele seria um trunfo valioso para nós, pois trará algumas informações úteis. Estou enviando um telegrama preto esta noite, mas queria que estivesse preparada para enfrentar a pressão de Ionescu.

— Obrigada, senhor Maltz.

Ele se levantou para sair. Num súbito impulso, Mary acrescentou:

— Espere um instante. Eu... eu poderia lhe pedir um favor?

— Claro.

Ela descobriu de repente que era muito difícil continuar.

— É uma questão... pessoal e confidencial.

— Parece o nosso lema — comentou Maltz, sorrindo.

— Preciso de informações sobre um certo doutor Louis Desforges. Já ouviu falar dele?

— Já, senhora. Ele trabalha na embaixada francesa. O que gostaria de saber a seu respeito?

Seria ainda mais difícil do que ela imaginara. Afinal, era uma traição.

— Eu... eu gostaria de saber se o doutor Desforges foi casado e teve duas filhas. Acha que pode descobrir?

— Uma resposta em 24 horas é suficiente? — indagou Maltz.

— É, sim. Obrigada.

Por favor, Louis, perdoe-me.


Pouco tempo depois Mike Slade entrou na sala de Mary.

— Bom dia.

— Bom dia.

Ele pôs uma xícara de café na mesa. Alguma coisa em sua atitude parecia ter mudado sutilmente. Mary não sabia direito o que era, mas tinha a impressão de que Mike Slade sabia de tudo sobre o seu fim de semana. Ela se perguntou se ele teria espiões a vigiá-la, informando-o de todas as suas atividades.

Ela tomou um gole do café. Excelente, como sempre. Eis uma coisa que Mike Slade faz muito bem, pensou Mary.

— Temos alguns problemas — disse ele.

E pelo resto da manhã ficaram absorvidos numa conversa que incluía mais romenos que queriam emigrar para os Estados Unidos, a crise financeira romena, um fuzileiro que engravidara uma jovem romena e uma dúzia de outros problemas.

Ao final da reunião, Mary estava mais cansada do que o habitual. Mike Slade disse:

— O balé estréia esta noite. Corina Socoli vai dançar. Mary reconheceu o nome. Era uma das bailarinas mais

famosas do mundo.

— Tenho alguns ingressos, se estiver interessada.

— Não estou, não, mas obrigada.

Ela pensou na última vez em que Mike lhe dera ingressos para o teatro e o que acontecera. Além do mais, estaria ocupada. Fora convidada para jantar na embaixada chinesa e depois se encontraria com Louis na residência. Não era conveniente que fossem vistos juntos em público com muita freqüência. Ela sabia que estava violando as regras ao manter uma ligação casual com um membro de outra embaixada. Mas acontece que não se trata de uma ligação casual.


Ao se preparar para o jantar, Mary abriu o closet para pegar um vestido e descobriu que a criada o lavara com água, em vez de uma lavagem a seco. Estava estragado. Vou despedi-la, pensou Mary, furiosa. Só que não posso. As regras deles não permitem.

Sentiu-se subitamente exausta. Arriou na cama. Eu bem que gostaria de não precisar sair esta noite. Seria ótimo me deitar agora e dormir. Mas tem de sair, senhora embaixadora. Seu país conta com você.

Mary ficou deitada, fantasiando. Continuaria na cama, em vez de ir ao jantar. O embaixador chinês receberia os outros convidados, mas aguardaria ansioso a sua chegada. O jantar acabaria sendo anunciado. A embaixadora americana não viera. Era um insulto deliberado. A China fora ofendida. O embaixador chinês enviaria um telegrama preto e seu primeiro-ministro ficaria furioso quando o lesse. Telefonaria para o presidente dos Estados Unidos e apresentaria seu protesto. "Nem você nem qualquer outro pode obrigar minha embaixadora a comparecer a seus jantares," responderia o presidente Ellison. O primeiro-ministro gritaria: "Ninguém pode falar comigo assim. Já temos agora nossas bombas atômicas, senhor presidente." Os dois líderes apertariam os botões nucleares ao mesmo tempo e ambos os países seriam destruídos.

Mary sentou na cama e pensou, angustiada: É melhor eu ir à droga do jantar.

A noite foi uma confusão indistinta dos mesmos rostos familiares do corpo diplomático. Mary teve apenas uma vaga lembrança das outras pessoas à sua mesa. Mal podia esperar o momento de voltar para casa.

Enquanto Florian a conduzia para a residência, ela sorria, sonhadora. Será que o presidente Ellison sabe que evitei uma guerra atômica esta noite?


Na manhã seguinte, ao chegar à embaixada, Mary estava se sentindo pior. A cabeça doía e estava enjoada. A única coisa que a fez sentir-se melhor foi a visita de Eddie Maltz. O agente da CIA informou:

— Tenho as informações que pediu. O doutor Louis Desforges foi casado durante dez anos. O nome da esposa era Renée. Tinha duas filhas, de dez e doze anos, Phillipa e Genevieve. Foram assassinadas na Argélia por terroristas, provavelmente como um ato de vingança contra o doutor, que lutava no movimento clandestino. Precisa de mais alguma informação?

— Não — respondeu Mary, feliz. — Isso é suficiente. Obrigada.


Durante o café da manhã, Mary e Mike Slade discutiram a visita iminente de um grupo universitário.

— Eles gostariam de conhecer o presidente Ionescu.

— Verei o que posso fazer — disse Mary, a voz um pouco engrolada.

— Você está bem?

— Apenas me sinto um pouco cansada.

— O que precisa é de outro café. Vou preparar.


Ao final da tarde Mary estava se sentindo pior. Ligou para Louis e apresentou uma desculpa para cancelar o jantar marcado naquela noite. Estava passando muito mal para se encontrar com qualquer pessoa. Gostaria que o médico americano estivesse em Bucareste. Mas talvez Louis descobrisse o que ela tinha. Se eu não melhorar, vou chamá-lo. Dorothy Stone mandou a enfermeira buscar um analgésico na farmácia. Não adiantou. Ela estava preocupada,

— Está com uma aparência horrível, senhora embaixadora. Deveria ir para a cama.

— Já vou melhorar — murmurou Mary.


O dia tinha mil horas. Mary reuniu-se com os estudantes, algumas autoridades romenas, um banqueiro americano, um diretor da US1S — Serviço de Informações dos Estados Unidos — e participou de um jantar interminável na embaixada holandesa. Quando finalmente chegou em casa, caiu na cama, esgotada.

Não conseguiu dormir direito. Sentia-se quente, febril, e foi dominada por sucessivos pesadelos. Estava correndo por um labirinto de corredores, e cada vez que virava uma esquina deparava com alguém escrevendo na parede coisas horríveis, com sangue. Só podia ver a parte posterior da cabeça do homem. E depois Louis aparecia, uma dúzia de homens tentava arrastá-lo para um carro. Mike Slade vinha correndo pela rua, gritando: "Matem-no! Ele não tem família!"

Mary acordou suando frio. O quarto estava insuportavelmente quente. Ela jogou as cobertas para o lado e no mesmo instante sentiu-se enregelada. Os dentes começaram a bater. Oh, Deus, pensou ela, o que será que eu tenho?

Passou o resto da noite acordada, com medo de voltar a dormir, com medo dos sonhos.


Teve de recorrer a toda a sua força de vontade para se levantar e ir à embaixada na manhã seguinte. Mike Slade estava à sua espera. Ele fitou-a com uma expressão crítica e disse:

— Você não parece estar bem. Por que não voa para Frankfurt e consulta o médico que temos lá?

— Estou bem.

Seus lábios estavam ressequidos e rachados, ela sentia-se completamente desidratada. Mike entregou-lhe uma xícara de café.

— As novas cifras comerciais estão aqui. Os romenos vão precisar de mais cereais do que calculamos. Aqui está como podemos capitalizar...

Mary fez o maior esforço para prestar atenção, mas a todo instante a voz de Mike sumia e voltava.


De alguma forma, ela conseguiu se agüentar ao longo do dia. Louis telefonou duas vezes. Mary mandou a secretária dizer que ela estava em reunião. Tentava conservar todas as forças que lhe restavam para continuar a trabalhar.


Ao se deitar, naquela noite, Mary podia sentir que sua temperatura aumentara. O corpo todo doía. Estou realmente doente, pensou ela. Tenho a sensação de que vou morrer. Com um enorme esforço, ela se esticou e puxou o cordão da campainha. Carmen apareceu e olhou alarmada para Mary. -

— Senhora embaixadora! Mas o quê...? Mary balbuciou, a voz rouca:

— Peça a Sabina para ligar para a embaixada francesa. Preciso do doutor Desforges...

Mary abriu os olhos e piscou. Havia dois Louis indistintos parados à sua frente. Ele deslocou-se para o lado da cama, inclinou-se e examinou atentamente seu rosto afogueado.

— Santo Deus, o que está acontecendo com você? — Encostou a mão na testa de Mary. Estava muito quente. — Já tirou a temperatura?

— Não quero saber.

Até falar doía. Louis sentou na beira da cama.

— Há quanto tempo está assim, querida?

— Há poucos dias. Provavelmente é um vírus. Louis verificou a pulsação. Estava fraca e irregular. Ele

se inclinou para a frente e sentiu o bafo de Mary.

— Comeu alguma coisa com alho hoje? Ela sacudiu a cabeça.

— Não como nada há dois dias.

Sua voz era um mero sussurro. Ele tornou a se inclinar para a frente e levantou-lhe as pálpebras gentilmente.

— Sente muita sede? Ela balançou a cabeça.

— Dores, cãibras, náusea, vômito?

Tudo isso, pensou Mary, exausta. Em voz alta, ela disse:

— O que há comigo, Louis?

— Sente-se em condições de responder a algumas perguntas?

Ela engoliu em seco.

— Tentarei.

Ele segurou-lhe a mão.

— Quando começou a se sentir assim?

— No dia seguinte ao nosso fim de semana nas montanhas.

A voz era quase inaudível.

— Lembra-se de ter comido ou bebido alguma coisa que a fez sentir-se mal depois?

Mary sacudiu a cabeça.

— E continuou a se sentir pior a cada dia? Ela assentiu.

— Toma o café da manhã aqui com as crianças?

— Quase sempre.

— E as crianças estão passando bem? Ela assentiu.

— E costuma almoçar no mesmo lugar todos os dias?

— Não. As vezes almoço na embaixada, em outros dias tenho encontros em restaurantes.

— Existe algum lugar em que sempre costuma jantar ou come regularmente qualquer coisa?

Mary sentia-se cansada demais para continuar a conversa. Gostaria que ele fosse embora. E fechou os olhos. Louis sacudiu-a, gentilmente.

— Precisa ficar acordada, Mary. Preste atenção. — Havia um tom de urgência em sua voz. — Existe alguma pessoa com quem você come constantemente?

Ela piscou, sonolenta.

— Não. — Por que ele está Jazendo todas essas perguntas? — É um vírus, não é?

Ele respirou fundo.

— Não. Alguma coisa a está envenenando.

Mary teve a impressão de que uma corrente elétrica lhe percorria o corpo. Arregalou os olhos.

— O quê? Não posso acreditar! Louis estava com o rosto franzido.

— Eu diria que foi envenenamento por arsênico, só que não se encontra arsênico à venda na Romênia.

Mary experimentou um súbito tremor de medo.

— Quem... quem tentaria me envenenar? Ele apertou-lhe a mão.

— Precisa pensar direito, querida. Tem certeza de que não existe nenhuma rotina, algum lugar em que alguém lhe dê alguma coisa para comer ou beber todos os dias?

— Claro que não — protestou Mary, debilmente. — Já lhe disse, eu...

O café. Mike Slade. Meu café especial.

— Oh, não!

— O que é?

Ela limpou a garganta e conseguiu balbuciar:

— Mike Slade me serve café todas as manhãs. Está sempre à minha espera.

— Não... não pode ser Mike Slade. Que motivo ele teria para tentar matá-la?

— Ele... ele quer se livrar de mim.

— Falaremos sobre isso depois, querida. A primeira coisa que temos de fazer agora é tratar de você. Eu gostaria de levá-la para um hospital daqui, mas sua embaixada não permitiria. Vou buscar uma coisa para você. Voltarei dentro de poucos minutos.

Mary continuou deitada, tentando absorver o significado do que Louis lhe dissera. Arsênico. Alguém está me dando arsênico. O que você precisa é de outra xícara de café. Fará com que se sinta melhor. Vou preparar.

Ela resvalou para a inconsciência e foi despertada pela voz de Louis:

— Mary!

Fez um grande esforço para abrir os olhos. Ele estava ao lado da cama, tirando uma seringa de uma maleta.

— Olá, Louis — murmurou Mary. — Estou contente por você ter vindo.

Ele procurou uma veia no braço e mergulhou a agulha.

— Estou lhe aplicando uma injeção de BAL. É um antídoto para arsênico. E vou alternar com penicilina. Aplicarei outra dose pela manhã. Mary?

Ela estava dormindo.


Na manhã seguinte o doutor Louis Desforges aplicou outra injeção em Mary e mais outra à tarde. Os efeitos dos medicamentos foram milagrosos. Um a um, os sintomas começaram a desaparecer. No dia seguinte, a temperatura e as funções vitais de Mary estavam quase que completamente normais.


Louis estava no quarto de Mary, guardando a seringa num saco de papel, onde não seria vista por algum empregado curioso. Ela sentia-se esgotada e fraca, como se tivesse atravessado uma longa doença, mas toda dor e desconforto haviam desaparecido.

— Esta é a segunda vez que me salva a vida. Louis fitou-a com expressão solene.

— Acho que é melhor descobrirmos quem está tentando tirá-la.

— Mas como podemos fazer isso?

— Estive verificando em várias embaixadas. Nenhuma delas tem arsênico. Nada pude descobrir na embaixada americana. Gostaria que fizesse uma coisa para mim. Acha que se sentirá bastante bem para ir trabalhar amanhã?

— Acho que sim,

— Quero que vá à farmácia de sua embaixada. Diga que precisa de um pesticida. Explique que está com problemas de insetos em seu jardim. Peça Antrol. É uma droga com muito arsênico.

Mary estava aturdida.

— Para que tudo isso?

— Meu palpite é de que o arsênico veio de avião para Bucareste. Se existe em algum lugar, só pode ser na farmácia da embaixada. Qualquer pessoa que retira um veneno deve assinar um recibo. Quando assinar pelo Antrol, verifique os nomes na lista...


Gunny escoltou Mary pela porta da embaixada. Atravessou o corredor comprido até a farmácia, onde a enfermeira trabalhava, por trás de um guichê. Ela virou-se ao ouvir os passos de Mary.

— Bom dia, senhora embaixadora. Está se sentindo melhor?

— Estou, sim, obrigada.

— Posso ajudá-la em alguma coisa? Mary respirou fundo, bastante nervosa.

— Meu... meu jardineiro disse que está tendo problemas com insetos no jardim. Gostaria de saber se tem alguma coisa que possa ajudar... como Antrol?

— Claro. Temos até Antrol. — A enfermeira inclinou-se para uma prateleira atrás e pegou uma lata com um rótulo de veneno. — Uma infestação de formigas é muito comum nesta época do ano. — Ela pôs a lata na frente de Mary. — Terá de assinar um recibo, se não se incomoda, já que isso contém arsênico.

Mary olhava fixamente para a ficha que a enfermeira pusera no balcão. Havia apenas um nome ali.

Mike Slade.

26

Mary telefonou para Louis Desforges, a fim de informar o que descobrira, mas a linha estava ocupada. Ele estava falando com Mike Slade. O primeiro impulso do doutor Desforges fora denunciar a tentativa de homicídio, só que não podia acreditar que Slade fosse o responsável. E, por isso, Louis resolvera falar pessoalmente com ele.

— Acabei de deixar sua embaixadora — disse Louis Desforges pelo telefone. — Ela vai viver.

— Isso é uma ótima notícia, doutor. Mas por que ela não haveria de viver?

O tom de Louis era cauteloso.

— Alguém tentou envenená-la.

— Mas que história é essa?

— Pensei que você entenderia.

— Ei, espere um pouco! Está querendo dizer que acha que eu sou o responsável? Está redondamente enganado. E nós dois precisamos ter uma conversinha particular em algum lugar onde ninguém possa nos ouvir. Pode se encontrar comigo esta noite?

— A que horas?

— Estarei ocupado até nove horas. Por que não se encontra comigo alguns minutos depois na Floresta Baneăsa? Estarei à sua espera no chafariz e explicarei tudo então.

Louis Desforges hesitou.

— Está bem. Eu o verei no chafariz.

Ele desligou e pensou: Mike Slade não pode estar por trás disso.


Mary ligou de novo para Louis, mas ele já saíra. E ninguém sabia onde podia ser encontrado.


Mary e as crianças estavam jantando na residência.

— Você parece muito melhor, mamãe — comentou Beth. — Ficamos preocupados.

— Eu me sinto muito bem — assegurou Mary. E era verdade. Graças a Deus por Louis!

Ela não conseguia deixar de pensar em Mike Slade. Podia ouvir sua voz dizendo: "Aqui está seu café. Eu o fiz pessoalmente." Matando-a devagar. Estremeceu.

— Está com frio? — perguntou Tim.

— Não, querido.

Ela não devia envolver as crianças em seus pesadelos. Não seria melhor mandá-las de volta para casa por algum tempo?, pensou Mary. Ficariam com Florence e Doug. E um momento depois ela pensou: Eu poderia ir também. Mas isso seria covardia, uma vitória para Mike Slade e quem quer que estivesse trabalhando com ele. Só havia uma pessoa que poderia ajudá-la agora. Stanton Rogers. Ele saberia o que fazer com Mike.

Mas não posso acusá-lo sem provas... e que provas tenho eu? Que ele fazia café para mim todas as manhãs?

Tim estava falando com ela:

— ... e falamos que perguntaríamos a você se podemos ir.

— Desculpe, querido. O que foi mesmo que você disse?

— Nikolai convidou a gente para fazer um acampamento com ele e sua família no próxima fim de semana.

— Não! — A resposta saiu mais áspera do que Mary tencionava. — Quero que vocês dois fiquem na residência.

— E a escola? — perguntou Beth.

Mary hesitou. Não podia mantê-los prisioneiros ali e não queria alarmá-los.

— Está bem. Desde que Florian leve vocês até lá e vá buscar. Não admito mais ninguém.

Beth observava-a atentamente.

— Há alguma coisa errada, mamãe?

— Claro que não. Por que pergunta?

— Não sei. Há alguma coisa no ar.

— Dê uma folga a mamãe — interveio Tim. — Ela teve a gripe romena.

É uma expressão interessante, pensou Mary. Envenenamento por arsênico a gripe romena.

— A gente podemos assistir a um filme esta noite? — indagou Tim.

— A gente pode — corrigiu Mary.

— Isso significa que sim?

Mary não estava planejando projetar um filme, mas vinha passando tão pouco tempo com os filhos ultimamente que resolveu lhes dar aquele presente.

— Exatamente.

— Obrigado, senhora embaixadora! — exclamou Tim.

— Eu escolho o filme!

— Você não! — protestou Mary. — Escolheu o último. Podemos ver de novo American graffiti?

American graffiti. E subitamente Mary compreendeu qual era a prova que podia apresentar a Stanton Rogers.


À meia-noite, Mary pediu a Carmen que chamasse um táxi.

— Não quer que Florian a leve? — perguntou Carmen.

— Ele está...

— Não.

Quando o táxi chegou, poucos minutos depois, Mary embarcou e disse ao motorista:

— Vamos para a embaixada americana, por favor. O motorista respondeu:

— Está fechada a esta hora. Não há ninguém... — Ele virou-se no banco da frente e reconheceu-a. — Senhora embaixadora! É uma grande honra. — Ele deu a partida. — Eu a reconheci por todas as fotografias suas que saíram em nossos jornais e revistas. É quase tão famosa quanto o nosso líder.

Várias pessoas na embaixada já haviam comentado toda a publicidade que ela tinha na imprensa romena. O motorista continuava a falar:

— Gosto dos americanos. São pessoas de bom coração. Espero que o programa de povo-para-povo do seu presidente dê certo. Nós, romenos, somos todos a favor. Está na hora de o mundo ter um pouco de paz.

Mary não estava com o menor ânimo para conversar sobre isso.

Quando chegaram à embaixada, ela indicou uma placa que dizia: parcare cú lucuri rezervate.

— Pode me deixar ali, por favor. E venha me buscar dentro de uma hora. Voltarei para a residência.

— Pois não, senhora embaixadora. Um fuzileiro se aproximava do táxi.

— Não pode parar aí. É re... — Ele reconheceu Mary e bateu continência. — Desculpe. Boa noite, senhora embaixadora.

— Boa noite — murmurou Mary.

O fuzileiro acompanhou-a até a entrada e abriu a porta.

— Posso ajudá-la em alguma coisa?

— Não há necessidade. Vou ficar alguns minutos na minha sala.

— Está bem, senhora.

Ele ficou observando-a avançar pelo corredor. Mary acendeu as luzes de sua sala e olhou para as paredes em que haviam sido escritas as ameaças. Foi até a porta de ligação e entrou na sala de Mike Slade. Estava escura. Ela acendeu as luzes e olhou ao redor.

Não havia papéis em cima da mesa. Começou a revistar as gavetas. Estavam vazias, exceto folhetos, boletins e tabelas de horários. Coisas inocentes que não teriam o menor interesse para uma faxineira bisbilhoteira. Mary tornou a correr os olhos pela sala. Tinha de estar em algum lugar ali. Não havia outro lugar onde ele pudesse guardar e era improvável que circulasse com a coisa.

Ela tornou a abrir as gavetas e começou a verificar o conteúdo mais uma vez, devagar, com o máximo de atenção. Na gaveta do fundo sentiu alguma coisa dura por trás de uma massa de papéis. Tirou-a e levantou-a, olhando fixamente.

Era uma lata de spray vermelho.


Poucos minutos depois das nove horas da noite, o doutor Louis Desforges estava esperando na Baneăsa, perto do chafariz. Tinha dúvidas se não cometera um erro ao não denunciar Mike Slade imediatamente. Não, pensou. Primeiro devo ouvir o que ele tem a dizer. Se eu fizesse uma falsa acusação, isso iria destruí-lo.

Mike Slade emergiu subitamente da escuridão.

— Obrigado por ter vindo. Podemos esclarecer o assunto muito depressa. Você disse pelo telefone que achava que alguém estava envenenando Mary Ashley.

— Tenho certeza. Alguém estava lhe dando arsênico.

— E acha que sou o responsável?

— Poderia ter posto no café, um pouco de cada vez.

— E contou isso a alguém?

— Ainda não. Queria falar com você primeiro.

— Fico contente por isso.

Mike tirou a mão do bolso. Empunhava uma pistola Magnum, calibre 357. Louis ficou apavorado.

— Mas... mas o que está fazendo? Espere um pouco! Não pode...

Mike Slade puxou o gatilho e observou o peito do francês explodir numa nuvem vermelha.

27

Na embaixada americana, Mary estava na Sala Bolha, telefonando para Stanton Rogers pela linha segura. Era uma hora da madrugada em Bucareste e quatro horas da tarde em Washington.

— Gabinete do senhor Rogers.

— Aqui é a embaixadora Ashley. Sei que o senhor Rogers está na China, com o presidente, mas é um problema urgente. Preciso falar com ele o mais depressa possível. Há alguma maneira de eu poder fazer contato com ele lá?

— Lamento, senhora embaixadora, mas é impossível. O itinerário é bastante flexível. Não tenho um telefone em que possa localizá-lo.

Mary sentiu um aperto no coração.

— Quando terá um contato com ele?

— É difícil prever. Ele e o presidente estão com uma agenda muito movimentada. Talvez alguém no Departamento de Estado possa ajudá-la.

— Não, ninguém mais pode me ajudar — murmurou Mary, desesperada. — Obrigada.

Ficou sentada sozinha na sala, olhando para o nada, cercada pelos mais sofisticados aparelhos eletrônicos do mundo, só que nenhum podia ajudá-la. Mike Slade estava tentando matá-la. Ela tinha de avisar a alguém. Mas quem? Em quem poderia confiar? A única pessoa que sabia o que Slade estava tentando fazer era Louis Desforges.

Mary tentou outra vez falar com ele, mas ninguém atendeu o telefone em sua casa. Ela lembrou o que Stanton Rogers lhe dissera: "Se desejar me mandar alguma mensagem que não queira que mais ninguém leia, o código no alto do telegrama deve ser três xis."

Ela voltou à sua sala e escreveu uma mensagem urgente para Stanton Rogers. Colocou três xis no alto. Tirou o livro de código preto de uma gaveta trancada da escrivaninha e codificou com todo cuidado o que escrevera. Pelo menos se alguma coisa lhe acontecesse agora, Stanton Rogers saberia quem era o responsável.

Mary atravessou o corredor até a sala de comunicações. Eddie Maltz, o agente da CIA, estava lá.

— Boa noite, senhora embaixadora. Está trabalhando até tarde hoje.

— É verdade. Tenho uma mensagem que gostaria que fosse despachada imediatamente.

— Cuidarei disso pessoalmente.

— Obrigada.

Ela entregou a mensagem e encaminhou-se para a porta da frente. Queria desesperadamente ficar perto dos filhos.


Na sala de comunicações, Eddie Maltz estava decodificando a mensagem de Mary. Quando acabou, leu-a duas vezes, franzindo o rosto. Foi ao retalhador, jogou a mensagem lá dentro e observou-a se transformar em confete.

Depois, fez uma ligação para Floyd Baker, o secretário de Estado, em Washington. Codinome: Thor.

Lev Pasternak levou dois meses para seguir a tortuosa trilha que levava a Buenos Aires. A SIS e meia dúzia de outras agências de segurança de diversos países haviam ajudado a identificar Angel como o assassino. A Mossad lhe dera o nome de Neusa Muñez, a amante de Angel. Todos queriam eliminar Angel. Para Lev Pasternak, Angel se tornara uma obsessão. Porque ele fracassara, Marin Groza morrera, e Pasternak nunca poderia se perdoar por isso. Mas podia fazer uma reparação. E era essa a sua intenção. Não entrou em contato com Neusa Muñez diretamente. Localizou o prédio de apartamentos onde ela morava e ficou vigiando, na esperança de que Angel aparecesse. Depois de cinco dias, como não houvesse qualquer sinal de Angel, Pasternak entrou em ação. Esperou que a mulher saísse e quinze minutos depois subiu a escada, abriu a porta com uma gazua e entrou no apartamento. Revistou-o rápida e meticulosamente. Não havia fotografias, memorandos ou endereços que pudessem levá-lo a Angel. Pasternak encontrou os ternos no armário. Examinou as etiquetas de Herrera, tirou um dos paletós do cabide e meteu-o debaixo do braço. Um minuto depois havia saído, tão discretamente quanto entrara.


Na manhã seguinte Lev Pasternak entrou na alfaiataria. Os cabelos estavam desgrenhados, as roupas amarrotadas; recendia a uísque. O gerente se aproximou e perguntou, em tom de desaprovação:

— Posso ajudá-lo em alguma coisa, señor? Lev Pasternak sorriu contrafeito.

— Pode, sim. Para ser franco, fiquei completamente de porre ontem à noite. E me meti num jogo de cartas com alguns sul-americanos no meu quarto no hotel. Acho que todo mundo ficou um pouco bêbado. Um dos caras... não me lembro qual era o seu nome... deixou este paletó no quarto. — Lev levantou o paletó, a mão trêmula. — Tinha a sua etiqueta, e por isso calculei que podia me informar onde devolvê-lo.

O gerente examinou o paletó.

— Fizemos mesmo este paletó. Eu teria de localizar nossos registros. Onde poderei encontrá-lo?

— Não poderá — murmurou Lev Pasternak. — Estou a caminho de outro jogo de pôquer. Tem um cartão? Ligarei para você.

— Está bem.

O gerente entregou o cartão.

— Não vá roubar esse paletó, hem? — disse Lev, a voz engrolada.

— Claro que não! — protestou o gerente, indignado. Lev Pasternak deu-lhe um tapinha nas costas.

— É assim que eu gosto. Ligo para você esta tarde.


Naquela tarde, quando Lev telefonou do seu quarto no hotel, o gerente informou:

— O nome do cavalheiro para quem fizemos o paletó é señor H.R. de Mendoza. Ele tem uma suíte no Aurora Hotel. Suíte quatro-sete-um.

Lev Pasternak foi verificar se sua porta estava mesmo trancada. Tirou uma mala do armário, levou-a para a cama e abriu-a. Lá dentro havia uma pistola SIG Sauer, calibre 45, com um silenciador, cortesia de um amigo do serviço secreto argentino. Pasternak certificou-se de que a arma estava carregada e o silenciador bem ajustado. Tornou a guardar a mala no armário e foi dormir.


Às quatro horas da madrugada, Lev Pasternak avançava em silêncio pelo corredor deserto do quarto andar do Aurora Hotel. Ao chegar à suíte 417, olhou para um lado e outro, confirmando que não havia ninguém à vista. Enfiou um arame na fechadura. Ao ouvir o estalido, indicando que a porta estava destrancada, ele sacou a pistola.

Sentiu uma corrente de ar quando a porta no outro lado do corredor foi aberta. Antes que pudesse se virar, Pas-ternak sentiu alguma coisa dura e fria se comprimindo contra sua nuca.

— Não gosto de ser seguido — disse Angel.

Lev Pasternak ouviu o estalido do gatilho uma fração de segundo antes de a bala dilacerar seu cérebro.


Angel não sabia se Pasternak estava sozinho ou com alguém, mas sempre era sensato tomar precauções extras. O telefonema acontecera e estava na hora de se mexer. Mas, primeiro, Angel tinha de fazer algumas compras. Havia uma boa loja de lingerie na Pueyrredón, muito cara, mas Neusa merecia o melhor. O interior da loja estava fresco e tranqüilo.

— Gostaria de ver um negligê, algo cheio de babados — disse Angel.

A vendedora exibiu uma expressão de espanto.

— E uma calcinha com uma abertura na virilha — acrescentou Angel.

Quinze minutos depois Angel entrou na Frenkel. As prateleiras estavam cheias de bolsas de couro, luvas e pastas.

— Quero uma pasta, por favor. Preta.


El Aljibe, no Sheraton Hotel, era um dos melhores restaurantes de Buenos Aires. Angel foi sentar num canto e pôs a pasta nova em cima da mesa. O garçom aproximou-se.

— Boa tarde.

— Começarei com pargo e depois quero parrillado com poroto e verduras. Escolherei a sobremesa depois.

— Pois não.

— Onde fica o banheiro?

— Lá no fundo, passando pela porta, à esquerda. Angel levantou e encaminhou-se para os fundos do restaurante, deixando a pasta à vista, em cima da mesa. Havia um corredor estreito, com duas portas pequenas, uma delas indicada Caballeros e a outra Damas. Ao final do corredor havia uma porta dupla que dava para a cozinha barulhenta e cheia de vapor. Angel empurrou uma das portas e entrou. A atividade era frenética, cozinheiros e ajudantes correndo de um lado para o outro, tentando acompanhar o movimento intenso da hora do almoço. Garçons entravam e saíam com bandejas carregadas. Os cozinheiros gritavam com os garçons, os garçons gritavam com seus ajudantes.

Angel avançou, atravessando a cozinha e saindo pela porta dos fundos, que dava numa viela. Uma espera de cinco minutos para ter certeza de que ninguém estava em seu encalço.

Havia um táxi na esquina. Angel deu ao motorista um endereço na Humberto, saltou a um quarteirão de distância e fez sinal para outro táxi.

¿ Adónde, por favor?

Aeropuerto.

Havia uma passagem para Londres à sua espera ali. Classe turista. A primeira classe chamaria muita atenção.


Duas horas depois Angel observou a cidade de Buenos Aires desaparecer por baixo das nuvens, como um truque de algum mágico celestial. Concentrou-se na missão, pensando nas instruções que recebera.

Dê um jeito para que as crianças morram junto com ela. As mortes devem ser espetaculares.

Angel não gostava que lhe dissessem como executar um contrato. Somente os amadores eram bastante estúpidos para darem conselhos aos profissionais. Angel sorriu. Todos vão morrer, e será mais espetacular do que qualquer um poderia imaginar.

Angel dormiu, um sono profundo e sem sonhos.

O Aeroporto Heathrow de Londres estava apinhado de turistas, e a viagem de táxi para Mayfair levou mais de uma hora. O saguão do Churchill estava movimentado, com turistas entrando e saindo.

Um empregado pegou as três malas de Angel, que lhe disse:

— Leve para o meu quarto e deixe lá. Tenho algumas coisas a fazer agora.

A gorjeta foi modesta, nada de que o homem pudesse se lembrar mais tarde. Angel foi para o hall de elevadores, esperou um carro vazio e entrou.

Quando o elevador começou a subir, Angel apertou os botões do quinto, sétimo, nono e décimo andares. Saltou no quinto andar. Qualquer pessoa que estivesse observando do saguão ficaria confusa.

Uma escada de serviço nos fundos desembocava numa viela. Cinco minutos depois de se registrar no Churchill, Angel estava num táxi, voltando para Heathrow.

O passaporte dizia H.R. de Mendoza. A passagem estava no balcão da Tarom Airlines, para Bucareste. Angel mandou um telegrama do aeroporto.

CHEGANDO QUARTA-FEIRA

H.R. DE MENDOZA

Estava endereçado a Eddie Maltz.


No início da manhã seguinte, Dorothy Stone avisou:

— Há uma ligação do gabinete de Stanton Rogers.

— Vou atender. — Mary pegou o fone, ansiosa. — Stan?

Ela ouviu a voz da secretária e teve vontade de chorar de frustração.

— O senhor Rogers pediu para lhe telefonar, senhora embaixadora. Ele está com o presidente e não tem condições de fazer uma ligação no momento. Mas pediu-me que providenciasse qualquer coisa que precise. Se quiser me dizer qual é o problema...

— Não — respondeu Mary, fazendo um esforço para impedir que o desapontamento transparecesse em sua voz. — Eu... eu tenho de falar com ele pessoalmente.

— Creio que ele não estará disponível antes de amanhã. Pediu para avisá-la que ligará assim que puder.

— Obrigada. Ficarei esperando.

Ela desligou. Não havia mais nada a fazer, a não ser

esperar.

Mary continuou tentando falar com Louis em casa. Ninguém atendia. Ligou para a embaixada francesa. Não sabiam onde ele estava.

— Por favor, peçam a ele, quando aparecer, para me telefonar imediatamente.


Dorothy Stone informou:

— Há uma mulher na linha querendo lhe falar, mas se recusa em dizer seu nome.

— Vou atender. — Mary pegou o fone. — Aqui é a embaixadora Ashley.

Uma voz de mulher, suave, com sotaque romeno, disse:

— Aqui é Corina Socoli.

Mary reconheceu o nome no mesmo instante. Era uma linda jovem, de vinte e poucos anos, prima ballerina da Romênia.

— Preciso de sua ajuda — acrescentou a moça. — Decidi desertar.

Não posso cuidar disso hoje, pensou Mary. Não agora.

— Eu... eu não sei se posso ajudá-la.

Sua mente estava em disparada. Tentou se lembrar do que lhe haviam dito a respeito dos desertores.

"Muitos são infiltrações soviéticas. Nós os trazemos, eles nos transmitem algumas informações inócuas ou desinformações. Alguns se tornam toupeiras. Os grandes prêmios são os agentes secretos de alto nível e cientistas. Sempre podemos usá-los. Afora isso, porém, não concedemos asilo político, a menos que haja um motivo muito bom."

Corina Socoli estava chorando agora:

— Por favor, não estou segura continuando onde estou. Precisa mandar alguém me buscar.

"Os governos comunistas preparam armadilhas insidiosas. Alguém se apresenta como desertor, pedindo ajuda. Você leva a pessoa para a embaixada e ela declara que foi seqüestrada. Isso lhes dá uma desculpa para agirem contra alvos nos Estados Unidos."

— Onde você está? — perguntou Mary. Houve uma pausa.

— Acho que posso confiar em você. Estou na Estalagem Roscow, na Moldávia. Virá me buscar?

— Não posso — respondeu Mary. — Mas mandarei alguém procurá-la. Não torne a telefonar. E fique esperando onde está. Eu...

A porta se abriu e Mike Slade entrou. Mary fitou-o em choque. Ele avançava em sua direção. A voz no outro lado da linha estava dizendo:

— Alô? Alô?

— Com quem você está falando? — perguntou Mike.

— Com... com o doutor Desforges.

Foi o primeiro nome que lhe ocorreu. Ela desligou, aterrorizada.

Não seja ridícula, disse a si mesma. Você está na embaixada. Ele não se atreveria a fazer qualquer coisa aqui.

— Doutor Desforges? — repetiu Mike, lentamente.

— Isso mesmo. Ele... ele está vindo para cá.

Como ela gostaria que isso fosse verdade!

Havia uma expressão estranha nos olhos de Mike Slade. A lâmpada na mesa de Mary estava acesa, projetando a sombra de Mike contra a parede, tornando-o grotescamente grande e ameaçador.

— Tem certeza que se sente bastante bem para voltar a trabalhar?

A desfaçatez do homem!

— Estou muito bem.

Mary queria desesperadamente que ele se retirasse, a fim de poder escapar. Não devo deixar que ele perceba que estou apavorada. Mike se adiantou mais um pouco.

— Você parece tensa. Talvez devesse pegar as crianças e passar alguns dias no lago.

Onde serei um alvo mais fácil. Apenas fitá-lo deixava Mary com tanto medo que ela mal conseguia respirar. O interfone tocou. Era a salvação.

— Se me dá licença...

— Claro.

Mike Slade permaneceu imóvel por mais um instante, fitando-a atentamente, e depois saiu, levando sua sombra. Quase soluçando de alívio, Mary pegou o telefone.

— Alô?

Era Jerry Davis, o adido para assuntos públicos.

— Lamento incomodá-la, senhora embaixadora, mas tenho uma notícia terrível para lhe dar. Acabamos de receber um comunicado da polícia. O doutor Louis Desforges foi assassinado.

A sala começou a girar.

— Tem... tem certeza?

Memórias sensoriais a inundaram e uma voz pelo telefone estava dizendo: "Aqui é o xerife Munster. Seu marido acaba de morrer num acidente de automóvel." E todas as angústias passadas retornaram, dilacerando-a.

— Como... como aconteceu?

A voz de Mary estava estrangulada.

— Ele foi morto a tiros.

— Sabem quem foi?

— Não, senhora. A Securitate e a embaixada francesa estão investigando.

Mary largou o fone, a mente e o corpo entorpecidos. Recostou-se na cadeira, olhando para o teto. Havia uma rachadura. Devo mandar consertar, pensou Mary. Não podemos ter rachaduras em nossa embaixada. Lá está outra rachadura. Rachaduras por toda parte. Rachaduras em nossas vidas. E quando há uma rachadura, o mal penetra por ela. Edward está morto. Louis está morto. Ela não suportava pensar nisso. Procurou por mais rachaduras. Não posso passar outra vez pela mesma angústia, pensou Mary. Quem poderia querer matar Louis?

A resposta se sucedeu imediatamente à pergunta. Mike Slade. Louis descobrira que Slade estava dando arsênico a Mary. Slade provavelmente pensara que ninguém poderia provar coisa alguma contra ele com a morte de Louis.

Lembrou-se de repente de uma coisa e um novo terror a dominou. Com quem você está falando? Doutor Desforges. E Mike devia saber que o doutor Desforges estava morto.

Ela permaneceu em sua sala durante o dia inteiro, planejando o que faria agora. Não vou deixar que ele me amedronte. Não vou deixar que ele me mate. Tenho de detê-lo. Ela estava dominada por uma raiva que jamais conhecera antes. Ia se proteger e a seus filhos. E ia destruir Mike Slade.

Mary fez outra ligação para Stanton Rogers.

— Transmiti seu recado, senhora embaixadora. Ele ligará assim que puder.


Mary não podia aceitar a morte de Louis. Ele se mostrara tão afetuoso, tão gentil, agora estava estendido em algum necrotério frio, sem vida. Se eu tivesse voltado para o Kansas, pensou Mary, Louis estaria vivo hoje.

— Senhora embaixadora...

Mary levantou os olhos. Dorothy Stone estava estendendo um envelope em sua direção.

— O guarda no portão pediu-me que lhe entregasse isto. Disse que foi entregue por um garoto.

Estava escrito no envelope: pessoal — para os OLHOS DA EMBAIXADORA APENAS.

Mary abriu o envelope. O bilhete estava escrito em caligrafia impecável e dizia:


Prezada senhora embaixadora:

Aproveite bem o seu último dia neste mundo.


Estava assinado "Angel".

Outra das táticas de apavoramento de Mike, pensou Mary. Não vai funcionar. Eu me manterei longe dele.


O coronel McKinney estava estudando o bilhete. Sacudiu a cabeça.

— Há muitos malucos por aí. — Ele levantou os olhos para Mary. — Deve comparecer hoje à cerimônia de lançamento da pedra fundamental do novo anexo da biblioteca. Vou cancelar e...

— Não precisa.

— Senhora embaixadora, é muito perigoso para...

— Estarei segura. — Mary sabia agora onde estava o perigo e tinha um plano para evitá-lo. — Onde está Mike Slade?

— Está numa reunião na embaixada australiana.

— Por favor, avise-o de que quero falar com ele imediatamente.

— Queria falar comigo? — perguntou Mike Slade, em tom indiferente.

— Queria, sim. Há uma coisa que desejo que você faça.

— Estou às suas ordens.

O sarcasmo dele era como uma bofetada.

— Recebi um telefonema de uma pessoa que quer desertar.

— Quem é?

Ela não tinha a menor intenção de lhe dizer. Ele trairia a jovem.

— Isso não é importante. Quero que vá buscar essa pessoa.

Mike franziu o rosto.

— É alguém que os romenos querem manter?

— É, sim.

— Isso pode acarretar muita... Mary interrompeu-o bruscamente:

— Quero que vá à Estalagem Roscow, na Moldávia, e a traga para cá.

Ele fez menção de discutir, até ver a expressão no rosto de Mary.

— Se é isso o que você quer, mandarei...

— Não. — A voz de Mary era inflexível. — Quero que você vá pessoalmente. Mandarei dois homens em sua companhia.

Acompanhado por Gunny e outro fuzileiro, Mike não poderia fazer coisa alguma. Ela recomendara a Gunny para não perder Mike Slade de vista. Ele a estudava, perplexo.

— Já tenho uma agenda cheia. Talvez amanhã...

— Quero que parta imediatamente. Gunny está esperando em sua sala. Deve trazer a pessoa para cá.

O tom de Mary não permitia qualquer discussão. Mike acenou com a cabeça, lentamente.

— Está bem.

Mary observou-o partir com uma sensação de alívio tão intensa que se sentiu tonta. Com Mike longe, ela estaria segura. Ligou para o coronel McKinney e comunicou-lhe:

— Vou comparecer à cerimônia esta tarde.

— Aconselho com insistência a não fazer isso, senhora embaixadora. Por que haveria de querer se expor a um perigo desnecessário quando...?

— Não tenho alternativa. Estou representando nosso país. Qual seria a impressão se eu me escondesse cada vez que alguém fizesse uma ameaça contra a minha vida? Se eu fizer isso uma vez, nunca mais poderia erguer a cabeça. Seria melhor voltar para casa. E não tenho a menor intenção de voltar para casa, coronel.

28

A cerimônia de lançamento da pedra fundamental do novo anexo da biblioteca americana estava marcada para as quatro horas da tarde, na praça Alexandru Sahia, no enorme terreno vazio ao lado do prédio principal. Às três horas da tarde, uma vasta multidão já estava reunida ali. O coronel McKinney tivera um encontro com o capitão Aurel Istrase, diretor da Securitate.

— Claro que daremos à sua embaixadora o máximo de proteção — assegurara Istrase.

O diretor da Securitate cumprira sua palavra. Mandara retirar todos os veículos da praça, a fim de não haver qualquer perigo de um carro-bomba. A polícia estava postada em torno de toda a área e havia atiradores de escol no telhado do prédio da biblioteca.

Tudo estava pronto poucos minutos antes das quatro horas. Peritos em eletrônica haviam vasculhado toda a área e não encontraram qualquer sinal de explosivos. Depois que tudo estava verificado, o capitão Aurel Istrase disse ao coronel McKinney:

— Estamos prontos.

— Muito bem. — O coronel McKinney virou-se para um assessor. — Avise à embaixadora que pode vir.


Mary foi escoltada até a limusine por quatro fuzileiros, que a flanquearam quando ela embarcou. Florian estava radiante.

— Boa tarde, senhora embaixadora. A biblioteca nova vai ser grande e bonita, não?

— Claro.

Enquanto guiava, Florian não parava de falar, mas Mary não estava prestando atenção. Pensava no riso nos olhos de Louis, na ternura com que fizera amor. Cravou as unhas nos pulsos, tentando fazer com que a dor física predominasse sobre a angústia interior. Não devo chorar, disse a si mesma. O que quer que eu faça, não devo chorar. Não há mais amor, apenas ódio. O que está acontecendo com o mundo?

Quando a limusine chegou ao local, dois fuzileiros se adiantaram até a porta, olharam ao redor atentamente e um deles abriu a porta para Mary.

— Boa tarde, senhora embaixadora.

Enquanto Mary se encaminhava para o terreno em que a cerimônia seria realizada, dois agentes armados da Securitate seguiam à sua frente e outros dois iam atrás, protegendo-a com seus corpos. Do telhado, os atiradores de elite esquadrinhavam tudo lá embaixo.

Os espectadores aplaudiram quando a embaixadora foi para o centro do pequeno círculo aberto para a cerimônia. A multidão era formada por romenos, americanos e adidos de outras embaixadas em Bucareste. Havia uns poucos rostos familiares, mas a maioria era de estranhos.

Mary correu os olhos pela multidão e pensou: Como posso fazer um discurso? O coronel McKinney estava certo. Eu não deveria ter vindo. Estou angustiada e apavorada.

O coronel McKinney estava dizendo:

— Senhoras e senhores, é com o maior prazer que apresento a embaixadora dos Estados Unidos.

A multidão aplaudiu. Mary respirou fundo e começou:

— Obrigada...

Ela estivera tão absorta no turbilhão de acontecimentos da última semana que não preparara um discurso. Mas alguma fonte profunda de seu íntimo lhe ditou as palavras. Descobriu-se a dizendo:

— O que estamos fazendo hoje aqui pode parecer uma coisa pequena, mas é importante, porque se trata de mais uma ponte entre nosso país e todos os países da Europa Oriental. O novo prédio que será construído aqui estará repleto de informações sobre os Estados Unidos da América. Aqui, vocês poderão saber tudo sobre a história de nosso país, as coisas boas e as coisas ruins. Poderão ver imagens de nossas cidades, fábricas e fazendas.

O coronel McKinney e seus homens circulavam lentamente pela multidão. O bilhete dissera: "Aproveite seu último dia neste mundo." Quando terminaria o dia do assassino? Seis horas da tarde? Nove horas? Meia-noite?

— ... mas há uma coisa mais importante para vocês do que descobrir como parecem os Estados Unidos da América. Quando este novo prédio estiver pronto, poderão finalmente saber como sente a América. Vamos lhes mostrar o espírito do país.

No outro lado da praça, um carro passou em disparada pela barreira policial e parou no meio-fio com um ranger de pneus. Enquanto um surpreso guarda se adiantava, o motorista saltou do carro e começou a correr. Enquanto corria, tirou do bolso um artefato e apertou-o. O carro explodiu, enviando uma chuva de metal para cima da multidão. Nenhum fragmento chegou ao lugar em que Mary estava, mas os espectadores desataram a correr em pânico, tentando escapar do ataque. Um atirador no telhado apontou seu rifle e acertou uma bala no coração do homem em fuga antes que ele pudesse escapar. A seguir, disparou mais dois tiros, por medida de precaução.

A polícia romena levou uma hora para retirar a multidão da praça Alexandru Sahia e remover o corpo do assassino em potencial. Os bombeiros apagaram as chamas do carro. Mary foi levada de volta à embaixada, abalada.

— Tem certeza de que não prefere ir para a residência e descansar? — perguntou o coronel McKinney. — Acaba de passar por uma experiência terrível que...

— Não — insistiu Mary, obstinada. — Quero ir para a embaixada.

Era o único lugar onde podia falar em segurança com Stanton Rogers. Preciso falar com ele o mais depressa possível ou vou desmoronar por completo, pensou Mary.

A tensão de tudo o que estava lhe acontecendo era insuportável. Ela providenciara para que Mike Slade estivesse longe, mas mesmo assim houvera um atentado contra sua vida. O que significava que ele não estava trabalhando sozinho.

Mary desejava desesperadamente que Stanton Rogers telefonasse logo.


Às seis horas Mike Slade entrou na sala de Mary. Estava furioso.

— Levei Corina Socoli para um quarto lá em cima — disse ele, bruscamente. — Gostaria que tivesse me avisado quem era a pessoa que eu ia buscar. Cometeu um grande erro. Temos de devolvê-la. Ela é um tesouro nacional. Não há a menor possibilidade de o governo romeno permitir que ela saia do país. Se...

O coronel McKinney entrou apressado na sala. Estacou abruptamente ao deparar com Mike.

— Temos a identificação do corpo. É mesmo Angel Seu nome verdadeiro é H.R. de Mendoza.

Mike estava aturdido.

— Do que está falando?

— Esqueci — disse o coronel McKinney. — Você estava ausente durante toda a confusão. A embaixadora não lhe contou que alguém tentou matá-la hoje?

Mike virou-se para fitar Mary.

— Não.

— Ela recebeu uma mensagem de morte de Angel. Ele tentou assassiná-la durante a cerimônia esta tarde. Um dos atiradores de elite de Istrase matou-o.

Mike permaneceu cm silêncio, olhando para Mary. O coronel McKinney acrescentou:

— Parece que Angel estava na lista dos mais procurados de todo o mundo.

— Onde está o corpo? — perguntou Mike.

— No necrotério da policia.

O corpo estava estendido numa mesa de pedra, nu. Fora um homem de aparência comum, estatura mediana, feições indistintas, uma tatuagem naval num braço, nariz pequeno e fino, combinando com a boca mínima, pés bem pequenos e cabelos ralos. As roupas e pertences estavam empilhados numa mesa ao lado.

— Importa-se que eu dê uma olhada? O sargento da policia deu de ombros.

— De jeito nenhum. Ele também não vai se importar.

E riu da própria piada. Mike pegou o paletó e examinou a etiqueta. Era de uma loja de Buenos Aires. Os sapatos de couro também tinham uma etiqueta argentina. Havia pilhas de dinheiro ao lado das roupas, alguns lei romenos, uns poucos francos franceses, algumas libras inglesas e pelo menos dez mil dólares em pesos argentinos, uma parte nas notas novas de dez pesos e o restante nas notas desvalorizadas de milhões de pesos. Mike virou-se para o sargento.

— O que sabem sobre ele?

— Ele chegou de Londres pela Tarom Airlines há dois dias. Registrou-se no Intercontinental Hotel sob o nome de Mendoza. O passaporte indica que reside em Buenos Aires. É falsificado. — O policial adiantou-se para dar uma olhada melhor no cadáver. — Não acha que ele não parece um assassino internacional?

— Tem razão — concordou Mike. — Não parece nada.


A duas dúzias de quarteirões dali, Angel estava passando a pé pela residência oficial da embaixadora americana, bastante depressa para não atrair a atenção dos quatro fuzileiros armados que guardavam a entrada e devagar o suficiente para absorver cada detalhe do local. As fotografias que lhe haviam mandado eram excelentes, mas Angel sempre achava que devia verificar pessoalmente cada detalhe. Perto da porta da frente havia um quinto guarda, à paisana, segurando dois dobermans em correias.

Angel sorriu ao pensar na farsa encenada na praça. Fora brincadeira de criança contratar um viciado pelo preço de uma dose de cocaína. Pegue todo mundo de surpresa. Deixe-os sofrer. Mas o grande espetáculo ainda estava para acontecer. Por cinco milhões de dólares eles terão um espetáculo que nunca mais vão esquecer. Como é mesmo que as redes de televisão costumam chamar? Cenas sensacionais, espetaculares. Pois terão isso e muito mais, a cores e ao vivo.

"Haverá uma comemoração do Quatro de Julho na residência oficial," dissera a voz. "Haverá balões, uma banda de fuzileiros, artistas se apresentando." Angel sorriu e pensou: Um espetáculo de cinco milhões de dólares.

Dorothy Stone entrou apressada na sala de Mary.

— Senhora embaixadora, deve ir imediatamente para a Sala Bolha. O senhor Stanton Rogers está chamando de Washington.

— Mary, não consigo entender uma só palavra do que está dizendo. Fale mais devagar. Respire fundo e comece de novo.

Oh, Deus, estou balbuciando como uma criança histérica!, pensou Mary. Ela estava dominada por emoções tão violentas que mal conseguia pronunciar as palavras. Estava apavorada, aliviada e furiosa, tudo ao mesmo tempo, e a voz se manifestava numa sucessão de palavras estranguladas. Respirou fundo, tremendo toda.

— Desculpe, Stan... não recebeu meu telegrama?

— Não. Acabei de voltar. Não encontrei nenhum telegrama seu. O que está acontecendo por aí?

Mary fez um esforço para controlar a histeria. Por onde devo começar? Ela tornou a respirar fundo.

— Mike Slade está tentando me assassinar. Houve um silêncio chocado.

— Mary... você não pode realmente acreditar...

— É verdade. Tenho certeza. Conheci um médico da embaixada francesa... Louis Desforges. Fiquei doente e ele descobriu que eu estava sendo envenenada com arsênico. Mike é que estava me dando.

Desta vez a voz de Stanton Rogers soou mais ríspida:

— O que a faz pensar assim?

— Louis... o doutor Desforges... descobriu tudo. Mike Slade todas as manhãs me servia café com arsênico. Tenho provas de que ele se apoderou de um pesticida que contém arsênico. Ontem à noite Louis foi assassinado, e esta tarde alguém que trabalhava com Slade tentou me matar.

Desta vez o silêncio foi ainda mais prolongado. E quando Stanton Rogers tornou a falar, seu tom era urgente:

— O que vou lhe perguntar é muito importante, Mary. Pense com muito cuidado. Não poderia ser outra pessoa que não Mike Slade?

— Não. Ele vem tentando me despachar da Romênia desde o início.

— Muito bem. Vou informar tudo ao presidente. Pode deixar que cuidaremos de Slade. Enquanto isso, providenciarei uma proteção extra para você.

— Na noite de domingo, Stan, vou oferecer uma festa de Quatro de Julho na residência oficial. Os convites já foram feitos. Acha que devo cancelar?

Houve um momento de silêncio.

— Talvez até a festa seja uma boa idéia. Terá muitas pessoas ao seu redor. Não quero assustá-la mais do que já está, Mary, mas sugiro que não deixe as crianças longe de sua vista. Nem por um minuto. Slade pode tentar atingi-la por intermédio delas.

Mary sentiu um tremor percorrer seu corpo.

— O que há por trás de tudo isso? Por que ele está agindo assim?

— Eu bem que gostaria de saber. Não f az sentido. Mas pode estar certa de que vou descobrir. Enquanto isso, mantenha-se o mais distante possível de Slade.

Mary murmurou, sombriamente:

— Não se preocupe. Ele não chegará perto de mim.

— Ficarei em contato com você.

Quando Mary desligou, era como se um enorme peso tivesse sido removido de seus ombros. Tudo vai acabar bem, disse a si mesma. As crianças e eu não sofreremos nada.


Eddie Maltz atendeu ao primeiro toque da campainha. A conversa durou dez minutos.

— Pode deixar que providenciarei tudo — prometeu Eddie Maltz.

Angel desligou.

Eddie Maltz pensou: Eu gostaria de saber por que Angel precisa de todas essas coisas. Consultou o relógio. Faltam 48 horas.

Assim que terminou de falar com Mary, Stanton Rogers fez uma ligação de emergência para o coronel McKinney.

— Bill, sou eu, Stanton Rogers.

— Pois não, senhor. Em que posso servi-lo?

— Quero que pegue Mike Slade. Mantenha-o sob custódia vigiada até receber nova comunicação minha.

Havia um tom de incredulidade na voz do coronel quando disse:

— Mike Slade?

— Quero que ele seja detido e isolado. Provavelmente está armado e é perigoso. Não o deixe falar com ninguém.

— Está bem, senhor.

— Quero que ligue para mim na Casa Branca assim que o tiver detido.

— Certo, senhor.


O telefone de Stanton Rogers tocou duas horas depois. Ele atendeu no mesmo instante.

— Alô?

— Aqui é o coronel McKinney, senhor Rogers.

— Deteve Slade?

— Não, senhor. Há um problema.

— Que problema?

— Mike Slade desapareceu.

29

Sófia, Bulgária — Sábado, 3 de julho

Num prédio pequeno e indescritível na Prezviter Kozma, 32, um grupo discreto de membros do Comitê Oriental estava reunido. Sentados em torno da mesa estavam poderosos representantes da Rússia, China, Tchecoslováquia, Paquistão, Índia e Malásia. O presidente estava dizendo:

— Damos as boas-vindas a nossos irmãos e irmãs do Comitê Oriental que se juntaram a nós hoje. Estou feliz em anunciar que tenho excelentes notícias do Controlador. Tudo está agora em seus devidos lugares. A fase final do nosso plano está prestes a ser concluída com sucesso. Acontecerá amanhã à noite, na residência oficial da embaixadora americana em Bucareste. Já providenciamos a cobertura da imprensa internacional e da televisão.

Codinome Kali perguntou:

— A embaixadora americana e seus dois filhos...?

— Serão assassinados, juntamente com cerca de mais uma centena de convidados americanos. Todos estamos conscientes dos graves riscos e do holocausto que pode se seguir. Está na hora de fazer uma votação.

Ele começou pela extremidade da mesa.

— Brahma?

— Sim.

— Vishnu?

— Sim.

— Ganesha?

— Sim.

— Yama?

— Sim.

— Indra?

— Sim.

— Krishna?

— Sim.

— Rama?

— Sim.

— Kali?

— Sim.

— É unânime — declarou o presidente. — Devemos um voto especial de agradecimento à pessoa que tanto nos ajudou na consumação do plano.

Ele virou-se para o americano.

— O prazer foi meu — disse Mike Slade.


As decorações para a festa do Quatro de Julho foram levadas para Bucareste num Hércules C-120, ao final da tarde de sábado, sendo transferidas para um caminhão e transportadas diretamente para um armazém do governo dos Estados Unidos. A carga consistia de mil balões, vermelhos, brancos e azuis, empacotados em caixas, três cilindros de aço contendo hélio, para encher os balões, 250 pacotes de confete, bombinhas, uma dúzia de estandartes e seis dúzias de pequenas bandeiras americanas. A carga foi deixada no armazém às oito horas da noite. Duas horas depois chegou ao armazém um jipe com dois cilindros de oxigênio, com as insígnias do Exército dos Estados Unidos. O motorista levou-os para o interior do armazém.

À uma hora da madrugada, quando o armazém estava deserto, Angel apareceu. A porta do armazém fora deixada destrancada. Angel foi até os cilindros, examinou-os com todo cuidado e começou a trabalhar. A primeira providência era esvaziar os três tanques de hélio, até que cada um estivesse apenas com um terço. Depois, o resto seria simples.


Na manhã do Quatro de Julho a residência oficial da embaixadora americana estava mergulhada no caos. Os assoalhos estavam sendo lavados, os lustres limpos, os tapetes aspirados. Cada cômodo tinha os seus ruídos distintos. Havia marteladas na extremidade do salão de baile, onde estava se construindo um palanque para a banda, o zumbido dos aspiradores nos corredores, barulhos de preparo de comida na cozinha.


Às quatro horas da tarde, um caminhão do Exército dos Estados Unidos parou na entrada de serviço da residência. O guarda de serviço perguntou ao motorista:

— O que tem aí?

— Coisas para a festa.

— Vamos dar uma olhada.

O guarda inspecionou o interior do caminhão.

— O que tem dentro das caixas?

— Gás hélio, balões, bandeirolas, essas coisas.

— Abra as caixas.

Quinze minutos depois o caminhão passou pelo portão. Dentro da propriedade, um cabo e dois fuzileiros começaram a descarregar o equipamento, levando para uma sala de serviço grande, ao lado do salão de baile. Ao começarem a abrir as caixas, um dos fuzileiros comentou:

— Olhem só para todos esses balões! Quem vai encher tudo isso?

Eddie Maltz entrou nesse momento, acompanhado por uma pessoa estranha, que usava um macacão.

— Não se preocupem — disse Eddie Maltz. — Esta é a era da tecnologia. — Ele acenou com a cabeça para a pessoa. — Aqui está a pessoa que vai cuidar dos balões. Por ordem do coronel McKinney.

Um dos fuzileiros sorriu para a pessoa.

— Antes você do que eu.

Os dois fuzileiros se retiraram.

— Você tem uma hora — disse Eddie Maltz à pessoa. — É melhor começar a trabalhar logo. Tem muitos balões para encher.

Maltz acenou com a cabeça para o cabo e retirou-se. O cabo aproximou-se de um dos cilindros.

— O que tem aqui dentro?

— Hélio — respondeu a pessoa, bruscamente. Enquanto o cabo ficava observando, a pessoa pegou

um balão, encostou a ponta do bico de um cilindro por um instante; assim que o balão encheu, ele prendeu a ponta. Toda a operação não levou mais que um segundo.

— Mas isso é sensacional! — comentou o cabo, sorrindo.


Em sua sala na embaixada, Mary Ashley estava terminando alguns telegramas de ação que precisavam ser enviados imediatamente. Gostaria muito de que a festa pudesse ter sido cancelada. Haveria mais de duzentos convidados. Ela esperava que Mike Slade fosse apanhado antes de a festa começar.

Tim e Beth estavam sob constante vigilância na residência. Como Mike Slade pode lhes fazer algum mal? Mary se lembrava o quanto ele parecia gostar de brincar com as crianças. Ele não é normal.

Mary levantou-se para pôr alguns papéis no retalha-dor e parou de repente. Mike Slade estava entrando em sua sala, através da porta de ligação. Ela abriu a boca para gritar.

— Não!

Estava apavorada. Não havia ninguém bastante perto para poder salvá-la. Ele poderia matá-la antes que pudesse pedir socorro. E podia escapar da mesma forma por que entrara. Como conseguira passar pelos guardas? Não devo deixá-lo perceber como estou assustada.

— Os homens do coronel McKinney estão à sua procura — disse Mary, em tom de desafio. — Pode me matar, mas nunca conseguirá escapar.

— Tem escutado muitos contos de fada. Angel é que está tentando matá-la.

— Está mentindo. Angel morreu. Vi quando o mataram.

— Angel é um profissional da Argentina. A última coisa que ele faria seria andar com etiquetas argentinas nas roupas e pesos argentinos nos bolsos. O idiota que a polícia matou era um amador que serviu como isca.

Faça-o falar.

— Não acredito numa só palavra do que está dizendo. Você matou Louis Desforges. Tentou me envenenar. Nega isso?

Mike estudou-a em silêncio por um longo momento.

— Não. Não nego nada, mas é melhor você ouvir toda a história de um amigo meu. — Ele virou para a porta de sua sala. — Entre, Bill.

O coronel McKinney entrou na sala.

— Acho que está na hora de termos uma longa conversa, senhora embaixadora...


Na embaixada, a pessoa de macacão estava enchendo os balões sob a vigilância atenta do cabo dos fuzileiros.

Puxa, mas que coisa mais feia!, pensou o cabo.

Ele não podia compreender por que os balões brancos eram enchidos de um cilindro, os vermelhos de outro e os azuis do terceiro. Por que não usar cada cilindro até ficar vazio?, especulou o cabo. Sentiu-se tentado a perguntar, mas não queria iniciar uma conversa. Não com uma pessoa assim.

Através da porta aberta que dava para o salão de baile, o cabo podia ver as bandejas de hors d'oeuvres sendo trazidas da cozinha e arrumadas em mesas nos lados da sala. Vai ser uma festa e tanto, pensou o cabo.

Mary estava sentada em sua sala, de frente para Mike Slade e o coronel McKinney.

— Vamos começar pelo início — disse o coronel McKinney. — No dia da posse, quando anunciou que queria relações abertas com cada país da Cortina de Ferro, o presidente explodiu uma bomba. Há uma facção em nosso governo convencida de que os comunistas nos destruirão se nos envolvermos demais com a Romênia, Rússia, Bulgária, Albânia, Tchecoslováquia e os outros. No outro lado da Cortina de Ferro há comunistas que acreditam que o plano do presidente não passa de uma armadilha... um cavalo de Tróia para infiltrar nossos espiões capitalistas em seus países. Um grupo de homens poderosos dos dois lados formara uma aliança supersecreta chamada Patriotas pela Liberdade. Eles concluíram que a única maneira de destruir o plano do presidente era deixar que fosse iniciado e depois sabotá-lo, de uma maneira tão dramática que nunca mais seria tentado. Foi nesse ponto que você entrou em cena.

— Mas por que logo eu? Por que fui escolhida?

— Porque a embalagem era importante — explicou Mike. — Você era perfeita. Uma mulher linda e simpática, a americana média, com dois filhos maravilhosos... só faltava um cachorro maravilhoso c um gato maravilhoso. Era exatamente a imagem que eles precisavam... a embaixadora irresistível... a madame América, com dois filhos deslumbrantes. Estavam determinados a tê-la de qualquer maneira. Quando seu marido se interpôs, eles o assassinaram, dando a impressão de que fora um acidente, a fim de você não ficar desconfiada e recusar o posto.

— Santo Deus!

O horror do que Mike Slade estava dizendo era aterrador.

— A etapa seguinte foi a sua projeção. Através de sua rede, eles usaram suas ligações com a imprensa no mundo inteiro e providenciaram para que se tornasse a favorita de todos. Não havia quem não estivesse torcendo por você. Era a mulher linda que levaria o mundo pelo caminho da paz.

— E... e agora?

A voz de Mike tornou-se mais gentil:

— O plano é assassinar você e as crianças da maneira mais pública e chocante que for possível... deixando o mundo tão horrorizado que todos desistiriam de aprofundar as idéias de déteníe.

Mary estava num silêncio atordoado.

— O caso está descrito de maneira rude, mas acurada — disse o coronel McKinney. — Mike é da CIA. Depois que seu marido e Marin Groza foram assassinados, Mike começou a investigar os Patriotas pela Liberdade. Eles pensaram que Mike estava do seu lado e o convidaram a aderir. Conversamos a respeito com o presidente Ellison, que deu sua aprovação. O presidente tem sido informado de tudo. Sua maior preocupação era a sua proteção e a das crianças, mas não podia falar o que sabia com você ou qualquer outra pessoa, porque Ned Tillingast, diretor da CIA, advertira-o de que havia vazamentos nos mais altos níveis.

A cabeça de Mary parecia girar. Ela disse a Mike:

— Mas... mas você tentou me matar! Ele suspirou.

— Estive tentando salvar sua vida. E não me facilitou o trabalho. Tentei por todos os meios possíveis despachá-la de volta para casa, junto com as crianças, onde estaria segura.

— Mas você me envenenou?

— Não fatalmente. Queria que ficasse bastante doente para deixar a Romênia. Nossos médicos estavam à sua espera. Eu não podia lhe contar a verdade porque você revelaria toda a operação e perderíamos a oportunidade de agarrá-los. Mesmo agora, ainda não sabemos quem criou a organização. Ele nunca comparece às reuniões. É conhecido apenas como o Controlador.

— E Louis?

— O doutor era um deles. Era o apoio de Angel. Um perito em explosivos. Destacaram-no para servir em Bucareste, a fim de poder ficar perto de você. Foi encenado um falso seqüestro e você foi salva pelo cavaleiro andante. — Ele percebeu a expressão no rosto de Mary e acrescentou: — Você estava solitária e vulnerável e eles trabalharam esses pontos fracos. Não foi a primeira a cair sob o charme do bom doutor.

Mary lembrou-se de uma coisa. O motorista sorridente. Nenhum romeno é feliz, apenas os estrangeiros. Eu detestaria que minha esposa se tornasse uma viúva. Ela disse, lentamente:

— Florian estava envolvido. Ele usou o pneu furado como um pretexto para que eu abandonasse o carro.

— Teremos de pegá-lo. Uma coisa perturbava Mary.

— Mike... por que você matou Louis?

— Não tinha opção. O ponto principal do plano deles era assassinar você e as crianças de maneira tão espetacular quanto possível, à vista do mundo inteiro. Louis sabia que eu pertencia ao comitê. Ficou desconfiado quando descobriu que era eu quem estava envenenando você. Não era assim que você deveria morrer. Tive de matá-lo antes que ele me denunciasse.

Mary escutava consternada, enquanto as peças do quebra-cabeça se ajustavam em seus lugares. O homem de quem ela desconfiara a estava envenenando para mantê-la viva, enquanto o homem que pensara amar queria guardá-la para uma morte mais dramática. Ela e os filhos haviam sido usados. Fui a vítima de Judas, pensou Mary. Todo carinho que as pessoas demonstravam era falso. O único autêntico foi Stanton Rogers. Ou será que ele também... ?

— Stanton... — murmurou Mary. — Ele também...?

— Ele a tem protegido desde o início — assegurou o coronel McKinney. — Quando pensou que Mike estava tentando matá-la, ordenou que eu o prendesse.

Mary virou-se para Mike. Ele fora enviado a Bucareste para protegê-la, e durante todo o tempo ela o considerara o inimigo. Seus pensamentos eram um verdadeiro turbilhão.

— Louis nunca teve esposa e filhas?

— Nunca.

Mary lembrou-se de uma coisa.

— Mas... pedi a Eddie Maltz para verificar e ele me disse que Louis fora casado e tivera duas filhas.

Mike e o coronel McKinney trocaram um olhar.

— Cuidaremos dele — disse McKinney. — Mandei-o para Frankfurt. Providenciarei para que o prendam.

— Quem é Angel? — perguntou Mary. Foi Mike quem respondeu:

— É um assassino da América do Sul. Provavelmente o melhor do mundo. O comitê concordou em lhe pagar cinco milhões de dólares para matar você.

Mary estava incrédula. Mike continuou:

— Sabemos que ele está em Bucareste. Normalmente estaríamos vigiando tudo... aeroportos, estradas, estações ferroviárias... mas não temos nenhuma descrição de Angel. Ninguém jamais falou diretamente com ele. Tudo é acertado por intermédio de sua amante, Neusa Muñez. Os diferentes grupos do comitê funcionam de maneira tão isolada que nunca pude descobrir quem foi designado para ajudá-lo aqui ou qual é o plano de Angel.

— O que pode impedir que ele me mate?

— Nós — respondeu o coronel McKinney. — Com a ajuda do governo romeno, estamos tomando precauções extraordinárias para a festa de hoje. Cobrimos todas as possibilidades.

— O que vai acontecer agora? — indagou Mary. Mike respondeu com muito cuidado:

— Isso depende de você. Angel recebeu a ordem de executar o contrato em sua festa esta noite. Temos certeza de que podemos apanhá-lo, mas se você e as crianças não estiverem na festa...

Ele não concluiu a frase.

— Então Angel não tentará nada.

— Não hoje. Mais cedo ou mais tarde, ele tentará de novo.

— Estão me pedindo para servir como alvo. O coronel McKinney disse:

— Não precisa concordar, senhora embaixadora. Posso acabar com tudo isso agora. Voltaria para o Kansas com as crianças e deixaria esse pesadelo para trás. Recomeçaria minha vida anterior, voltaria a dar aulas, viveria como um ser humano normal. Ninguém quer assassinar uma simples professora. Angel me esqueceria.

Ela olhou para Mike Slade e o coronel McKinney e disse:

— Não quero expor meus filhos ao perigo.

— Posso dar um jeito para que Beth e Tim sejam retirados da residência discretamente e trazidos sob escolta para cá — sugeriu o coronel McKinney.

Mary ficou olhando em silêncio para Mike Slade por um longo momento, antes de murmurar:

— Que tal um vestido com um alvo no meio?

30

Na sala do coronel McKinney, na embaixada, duas dúzias de fuzileiros estavam recebendo ordens.

— Quero que a residência seja vigiada como o Forte Knox — declarou o coronel McKinney, em tom brusco. — Os romenos estão dando toda a cooperação. Ionescu determinou que seus soldados isolem completamente a praça. Ninguém poderá atravessar sem passe. Teremos os nossos postos de controle em todas as entradas da residência. Qualquer pessoa que entrar ou sair terá de passar por um detector de metal. O prédio e o terreno ficarão completamente cercados. Teremos atiradores de elite no telhado. Alguma pergunta?

— Não, senhor.

— Estão dispensados.


Havia no ar um grande sentimento de excitação. Imensos holofotes cercavam a casa, iluminando o céu. Policiais militares americanos e guardas romenos obrigavam a multidão a se movimentar. Investigadores à paisana misturavam-se com a multidão, procurando por qualquer pessoa suspeita. Alguns circulavam com cães da polícia treinados para farejar explosivos.

A cobertura da imprensa era total. Havia fotógrafos e repórteres de uma dúzia de países. Todos haviam sido cuidadosamente investigados e seus equipamentos examinados, antes de receberem permissão para entrar na residência.

— Uma barata não conseguiria entrar aqui esta noite — gabou-se o oficial dos fuzileiros no comando da segurança.


No depósito, o cabo dos fuzileiros já estava cansado de observar a pessoa que enchia os balões. Ele tirou um cigarro do bolso e ia acendê-lo quando Angel gritou:

— Apague isso!

O fuzileiro olhou para Angel, surpreso.

— Qual é o problema? Não está enchendo os balões com hélio? O hélio não é inflamável.

— Apague isso! O coronel McKinney disse que ninguém podia fumar aqui.

O fuzileiro resmungou:

— Mas que merda!

Ele largou o cigarro no chão e apagou-o com a sola do sapato. Angel observou para se certificar de que não restavam brasas, depois voltou a se concentrar no trabalho de encher cada balão de um cilindro diferente.

Era verdade que o hélio não era inflamável, só que nenhum dos cilindros continha apenas hélio. O primeiro tanque estava cheio de propano, o segundo, de fósforo branco, e o terceiro, de uma mistura de oxigênio c acetileno. Na noite anterior, Angel deixara bastante hélio nos cilindros para fazer com que os balões subissem.

Estava enchendo um em cada dez balões com propano, um em cada cinqüenta com oxigênio-acetileno, e um em cada cem com fósforo branco. Quando os balões explodissem, o fósforo branco agiria como um incendiado para a descarga inicial de gás, sugando o oxigênio, de tal forma que todas as pessoas num raio de cinqüenta metros ficariam completamente sem ar. O fósforo se transformaria no mesmo instante num líquido escaldante, caindo sobre todas as pessoas no salão de baile. O efeito térmico destruiria os pulmões e vias respiratórias, e a explosão demoliria a área de um quarteirão. Seria uma beleza.

Angel empertigou-se e olhou para os balões coloridos flutuando contra o teto do depósito.

— Já acabei.

— Está certo. Tudo o que temos de fazer agora é levar os balões para o salão de baile e deixar os convidados se divertirem. — O cabo chamou quatro guardas. — Ajudem-me a tirar estes balões daqui.

Um dos guardas abriu a porta para o salão de baile. Estava todo decorado com bandeiras americanas e faixas vermelhas, brancas e azuis. Na outra extremidade estava o palanque para a banda. O salão já estava cheio de convidados, servindo-se nas mesas do bufê, encostadas nas paredes, nos lados.

— É um lindo salão — comentou Angel. Dentro de uma hora estará repleto de cadáveres carbonizados. — Posso tirar uma fotografia?

O cabo deu de ombros.

— Por que não? Vamos, pessoal, comecem a trabalhar.

Os fuzileiros passaram por Angel e começaram a empurrar os balões cheios para o salão de baile, observando enquanto flutuavam para o teto.

— Mais cuidado — advertiu Angel. — Devagar.

— Não se preocupe — gritou um fuzileiro. — Não vamos furar os seus preciosos balões.

Angel ficou na porta, contemplando as cores exuberantes que subiam pelo salão. Não pôde deixar de sorrir. Mil daquelas belezas letais aninhadas contra o teto. Tirou uma câmara do bolso e avançou para o salão.

— Ei, você não tem permissão para entrar aí! — protestou o cabo.

— Só quero tirar uma foto para minha filha. Aposto que a filha deve ser também uma beleza, pensou o cabo, sardônico.

— Está bem. Mas não demore.

Angel olhou pelo salão para a entrada. A embaixadora Mary Ashley estava chegando, acompanhada pelos dois filhos. Angel sorriu. A ocasião mais oportuna.

Quando o cabo virou as costas, Angel rapidamente pôs a câmara sob uma mesa coberta por uma toalha, onde não poderia ser vista. O mecanismo de tempo automático estava armado para funcionar dentro de uma hora. Estava tudo pronto.

O fuzileiro estava se aproximando.

— Já acabei — disse Angel.

— Vou acompanhar você até a saída.

— Está bem.

Cinco minutos depois Angel estava fora da residência, afastando-se a pé pela rua Alexandru Sahia.


Apesar de ser uma noite quente e úmida, a área em torno da residência oficial da embaixadora americana se tornara um verdadeiro hospício. A polícia fazia o maior esforço para conter centenas de romenos curiosos que continuavam a chegar. Cada luz na residência estava acesa, e o prédio parecia arder contra o céu noturno.


Antes de a festa começar, Mary levara as crianças para o segundo andar.

— Precisamos ter uma reunião de família — disse ela, sentindo que tinha a obrigação de lhes contar a verdade.

Eles escutaram, com os olhos arregalados, enquanto a mãe explicava o que estava acontecendo e qual poderia ser o resultado final.

— Cuidarei para que vocês não corram qualquer perigo — acrescentou Mary. — Serão tirados daqui e levados para um lugar onde estarão seguros.

— Mas o que você vai fazer? — indagou Beth. — Alguém está tentando matá-la. Não pode ir com a gente?

— Não, querida. Não se quisermos apanhar o homem. Tim fazia a maior força para não chorar.

— Como sabe que eles conseguirão apanhá-lo? Mary pensou por um momento, antes de responder:

— Porque Mike Slade disse que vão agarrá-lo. Certo, pessoal?

Beth e Tim trocaram um olhar. Os dois estavam pálidos, apavorados. Mary sentia um aperto no coração. Eles são ainda muito jovens para passarem por isso, pensou. Qualquer um é jovem demais para passar por isso.


Vestiu-se com todo cuidado, imaginando se não estaria se aprontando para a sua morte. Escolheu um longo formal, de chiffon vermelho, com sandálias de saltos altos, também vermelhas. Contemplou-se no espelho. O rosto estava muito pálido.

Quinze minutos depois, Mary, Beth e Tim entraram no salão de baile. Foram andando, cumprimentando os convidados, tentando disfarçar o nervosismo. Quando chegaram ao outro lado do salão, Mary virou-se para os filhos.

— Vocês precisam fazer os deveres de casa — disse ela, em voz alta. — Voltem para seus quartos.

Ela observou-os se retirarem, com um caroço na garganta, pensando: Peço a Deus que Mike Slade saiba o que está fazendo.

Houve um estrondo alto e Mary teve um sobressalto. Virou-se no mesmo instante para ver o que estava acontecendo, o coração disparado. Uma garçom deixara cair uma bandeja e estava recolhendo os pratos quebrados. Mary tentou controlar as batidas do coração. Como Angel estava planejando assassiná-la? Correu os olhos pelo festivo salão de baile, mas não havia qualquer pista.


No momento em que deixaram o salão de baile, as crianças foram levadas pelo coronel McKinney para uma entrada de serviço. Ele disse aos dois fuzileiros armados que esperavam na porta:

— Leve-os para o gabinete da embaixadora. Não os deixem longe de suas vistas por um instante sequer.

Beth perguntou:

— Não vai mesmo acontecer nada com mamãe?

— Tudo vai acabar bem — prometeu McKinney.

E ele rezou para que assim fosse. Mike Slade observou Beth e Tim partirem, depois foi se encontrar com Mary.

— As crianças já estão a caminho — informou ele. — Tenho de verificar algumas coisas agora. Voltarei daqui a pouco.

— Não me deixe. — As palavras saíram antes que Mary pudesse se controlar. — Quero ir com você.

— Por quê?

Ela respondeu com toda sinceridade:

— Eu me sinto mais segura ao seu lado. Mike sorriu.

— Isto é uma mudança e tanto. Vamos.

Mary seguiu-o, logo atrás. A banda começara a tocar e muitas pessoas dançavam. O repertório era de canções americanas, quase todas de musicais da Broadway. Tocavam números de Oklahoma, South Pacific, Annie get your gun e My fair lady. Os convidados estavam se divertindo imensamente. Os que não dançavam se serviam das bandejas de prata com champanha que os garçons distribuíam ou pegavam comida nas mesas do bufê.

O salão parecia espetacular. Mary levantou a cabeça e lá estavam os balões — mil balões — flutuando contra o teto rosa. Era uma ocasião festiva. Se ao menos a morte não fosse parte do espetáculo, pensou ela. Seus nervos estavam tão tensos que ela estava pronta para gritar. Um convidado esbarrou nela e Mary se encolheu contra a picada de uma agulha letal. Ou será que Angel planejava matá-la a tiros na frente de toda aquela gente? Ou apunhalá-la? O suspense do que podia acontecer era insuportável. Estava encontrando dificuldade para respirar. No meio dos convidados conversando e rindo, ela sentia-se nua e vulnerável. Angel podia estar em qualquer lugar. Podia estar observando-a naquele mesmo instante.

— Acha que Angel está aqui neste momento? — perguntou ela.

— Não sei — respondeu Mike. E isso era o mais assustador. Ele viu a expressão de Mary e acrescentou: — Se quiser se retirar...

— Não. Você disse que sou a isca. Sem a isca, ele não vai dar o bote.

Mike acenou com a cabeça e apertou-lhe o braço.

— É verdade.

O coronel McKinney estava se aproximando.

— Realizamos uma revista meticulosa, Mike. Não encontramos nada. Isso não me agrada.

— Vamos dar outra olhada.

Mike fez um sinal para os quatro fuzileiros armados que estavam próximos e eles se adiantaram para junto de Mary. Ele acrescentou para ela:

— Voltarei num instante.

Mary engoliu em seco, nervosamente.

— Por favor.

Mike e o coronel McKinney, acompanhados por dois guardas com cães farejadores, revistaram todos os cômodos no segundo andar da residência.

— Nada — disse Mike.

Foram falar com o fuzileiro que estava vigiando a escada dos fundos.

— Algum estranho apareceu aqui?

— Não, senhor. É uma noite de domingo tranqüila e normal.

Nem tanto, pensou Mike, amargurado.

Foram para um quarto de hóspedes no final do corredor. Um fuzileiro armado estava de guarda ali. Bateu continência para o coronel e deu um passo para o lado, a fim de deixá-los entrar. Corina Socoli estava deitada na cama, lendo um livro em romeno. Jovem, bela e talentosa, o tesouro nacional romeno. Poderia ser uma infiltração? Poderia estar ajudando Angel? Corina levantou os olhos.

— Lamento não poder ir à festa. Parece muito divertida. Mas não tem problema, continuarei no quarto e acabarei o livro.

— Isso mesmo. — Mike fechou a porta. — Vamos dar outra olhada lá embaixo.

Eles voltaram à cozinha.

— O que acha de veneno? — sugeriu o coronel McKinney. — Ele não poderia usá-lo?

Mike sacudiu a cabeça.

— Não é suficientemente fotogênico. Angel está querendo uma grande explosão.

— Não há a menor possibilidade de alguém trazer explosivos para cá. Nossos peritos já examinaram tudo, os cachorros circularam... o lugar está limpo. Ele não pode nos atingir através do telhado, porque é à prova de bombas. É simplesmente impossível.

— Há uma maneira.

O coronel McKinney olhou para Mike.

— Qual?

— Não sei. Mas Angel sabe.


Eles tornaram a revistar a biblioteca e as salas. Nada. Passaram pelo depósito, onde o cabo e seus homens empurravam os últimos balões para o salão de baile, observando-os flutuarem para o teto.

— Bonito, hem? — disse o cabo.

— É mesmo.

Começaram a se afastar. Mike parou de repente.

— De onde vieram esses balões, cabo?

— Da base aérea dos Estados Unidos em Frankfurt, senhor.

Mike apontou para os cilindros de hélio.

— E aquilo?

— Do mesmo lugar. Foram escoltados até nosso armazém de acordo com suas instruções, senhor.

Mike disse ao coronel McKinney:

— Vamos verificar lá em cima mais uma vez. Eles se viraram para sair. O cabo disse:

— Ah, coronel, a pessoa que o senhor mandou esqueceu de deixar a ficha de serviço. Vai ser pago pela folha militar ou pela civil?

O coronel McKinney franziu o rosto.

— Que pessoa?

— A que autorizou a encher os balões. O coronel McKinney sacudiu a cabeça.

— Eu nunca... Quem disse que fui eu que autorizei?

— Eddie Maltz. Ele disse que o senhor...

O coronel McKinney não o deixou continuar.

Eddie Maltz? Ordenei que ele fosse para Frankfurt. Mike virou-se para o cabo, com um tom de urgência

na voz:

— Como era esse homem?

— Não era um homem, senhor. Era uma mulher. Para ser franco, achei-a muito esquisita. Gorda e feia. Tinha um sotaque engraçado. Era toda bexiguenta, o rosto inchado.

Mike disse a McKinney, muito excitado:

— Parece a descrição de Neusa Muñez que Harry Lantz forneceu ao comitê.

A revelação atingiu os dois ao mesmo tempo. Mike disse, lentamente:

— Santo Deus, Neusa Muñez é Angel! — Apontou para os cilindros. — Ela encheu os balões com esses tanques?

— Isso mesmo, senhor. E achei estranho. Acendi um cigarro e ela gritou para que eu apagasse. Eu disse "Hélio não é inflamável" e ela...

Mike levantou os olhos.

— Os balões! Os explosivos estão nos balões!

Os dois homens olharam para o teto alto, coberto pelos espetaculares balões vermelhos, brancos e azuis.

— Ela está usando alguma espécie de mecanismo de controle remoto para explodi-los. — Mike virou-se para o cabo. — Há quanto tempo ela foi embora?

— Acho que há cerca de uma hora.


Por baixo da mesa, sem ser visto, o mecanismo de tempo estava a seis minutos do prazo fatal.


Mike esquadrinhava freneticamente o imenso salão.

— Ela pode ter escondido em qualquer lugar. Pode entrar em ação a qualquer segundo. Jamais conseguiríamos encontrá-lo a tempo.

Mary estava se aproximando. Mike virou-se para ela.

— Tem de evacuar o salão. E depressa. Faça um anúncio. Vai parecer melhor se partir de você. Mande todo mundo lá para fora.

Mary estava espantada.

— Mas... por quê? O que aconteceu?

— Descobrimos o brinquedo de Angel. — Mike apontou para o teto, sombrio. — Aqueles balões. São letais.

Mary olhava com expressão horrorizada.

— Não podemos tirá-los?

Mike disse asperamente:

— Deve haver mil balões. Quando se começar a tirá-los, um a um...

A garganta de Mary estava tão ressequida que as palavras quase não saíram.

— Mike... conheço um meio.

Os dois homens a fitavam atentamente.

— A "loucura do embaixador". O teto. Pode-se abri-lo.

Mike tentou controlar seu excitamento.

— Como funciona?

— Há uma alavanca que...

— Não — disse Mike. — Não podemos usar nada elétrico. Uma centelha poderia explodir os balões. Não se pode abrir manualmente?

— É possível. — As palavras saíam se atropelando. — O teto é dividido ao meio. Há uma manivela em cada lado que...

Mary estava falando sozinha. Os dois homens subiram a escada, frenéticos. Chegando ao último andar, encontraram a porta que dava para o sótão e entraram. Uma escada de madeira levava a um passadiço por cima, que era usado pelos operários para limpar o teto do salão de baile. Havia uma manivela na parede.

— Deve haver uma manivela no outro lado — disse Mike.

Ele começou a avançar pelo passadiço estreito, abrindo caminho pelo mar de balões letais, fazendo um esforço para manter o equilíbrio, sem olhar para as pessoas lá embaixo. Uma corrente de ar empurrou uma massa de balões em sua direção e ele escorregou. Um pé deslizou para fora do passadiço. Começou a cair. Segurou-se nas tábuas, ficou pendurado. Lentamente, conseguiu subir. Estava encharcado de suor. Foi engatinhando pelo resto do caminho. Lá estava a manivela, presa à parede.

— Estou pronto — gritou Mike para o coronel. — Tome cuidado. Nada de movimentos bruscos.

— Certo.

Mike começou a girar a manivela, bem devagar.


Por baixo da mesa, o detonador estava a dois minutos do prazo fatal.


Mike não podia ver o coronel McKinney por causa dos balões, mas podia ouvir o barulho da outra manivela sendo girada. Devagar, bem devagar, o teto começou a se abrir. Uns poucos balões, levantados pelo hélio, subiram pelo ar noturno. À medida que a abertura aumentou, mais balões começaram a escapar. Centenas saíram pela abertura, dançando na noite estrelada, arrancando exclamações de admiração das pessoas que estavam no salão de baile e na rua, sem desconfiarem de nada.

Lá embaixo, restavam 45 segundos para o controle remoto ser acionado. Alguns balões prenderam na beira do teto, fora do alcance de Mike. Ele se esticou todo para a frente, tentando soltá-los. Balançavam pouco além das pontas de seus dedos. Com extremo cuidado, avançou pelo passadiço, sem ter nada em que se segurar, e estendeu-se para soltar os balões. Agora!

Mike ficou onde estava, observando os últimos balões escaparem. Foram subindo cada vez mais alto, pintando a noite suave com suas cores fortes, até que repentinamente o céu explodiu.

Houve um tremendo estrondo, e as línguas de fogo vermelhas e brancas se elevaram pelo céu. Era uma comemoração de Quatro de Julho como se nunca vira antes. Lá embaixo, todos aplaudiram.

Mike observava, esgotado, cansado demais para se mexer. Estava acabado.

As prisões foram marcadas para ocorrer simultaneamente, nos cantos mais distantes do mundo.

Floyd Baker, o secretário de Estado, estava na cama com a amante quando a porta foi arrombada. Quatro homens entraram no quarto.

— Mas o que estão fazendo...?

Um dos homens tirou a identificação do bolso.

— FBI, senhor secretário. Está preso. Floyd Baker olhou espantado para o homem.

— Você deve estar louco. Qual é a acusação?

— Traição, Thor.


O general Oliver Brooks, Odin, estava tomando o café da manhã em seu clube quando dois agentes do FBI se aproximaram da mesa e o prenderam.


Sir Alex Hyde-White, membro do Parlamento, Freyr, estava sendo homenageado com um brinde num jantar parlamentar quando o mordomo do clube aproximou-se e disse:

— Com licença, sir Alex, mas há alguns cavalheiros lá fora que desejam lhe falar...


Em Paris, na Chambre des Députés de la République Française, um deputado, Balder, foi chamado para fora do plenário e preso por agentes da DGSE.


No prédio do Parlamento, em Nova Delhi, o porta-voz do Lok Sabha, Vishnu, foi metido numa limusine e levado para a prisão.

Загрузка...