Depois de passar cinco minutos com ela, Sam já sabia como iria manejá-la.
─ O que me deixa nervosa ─ confessou Tessie a Sam, na noite em que se conheceram ─ é pensar em como é que vou ficar naquela tela enorme. Já sou bastante feia em tamanho natural, certo? Todos os estúdios me dizem que me farão ficar bonita, mas acho tudo isso um monte de merda.
─ E é um monte de merda ─ disse Sam.
Tessie olhou para ele, surpresa.
─ Não deixe ninguém tentar mudar você, Tessie. Eles arruinarão você.
─ Ah, é?
─ Quando a MGM contratou Danny Thomas, Louie Mayer queria que ele fizesse uma plastica no nariz. Em vez disso, Danny deixou o estúdio Ele sabia o que tinha que vender, era ele mesmo. É isso que você tem que vender: Tessie Brand, não uma estranha feita com plástica.
─ Você é a primeira pessoa que foi franca comigo ─ disse Tessie. ─ Você é mesmo um Mensch*. Você é casado?
─ Não ─ disse Sam.
─ Você transa por aí?
Sam riu.
─ Nunca com cantoras... Não tenho ouvido.
─ Não precisa ter ouvido ─ Tessie sorriu. ─ Gosto de você.
─ Você gosta de mim o bastante para fazer alguns filmes comigo?
Tessie olhou para ele e disse:
─ Sim.
_____________
* Mensch: Do iídiche ─ um homem viril que também é sincero, carinhoso e agradável; doce e másculo. (N. do T.)
─ Ótimo. Vou preparar o contrato com seu empresário.
Ela acariciou o braço de Sam e disse:
─ Você tem certeza de que não transa por aí?
Os dois primeiros filmes de Tessie estouraram a bilheteira. Ela recebeu a indicação da Academia pelo primeiro e o Oscar pelo segundo. Plateias por todo mundo faziam fila nos cinemas para ver Tessie e ouvir sua voz incrível. Ela tinha tudo: era engraçada, sabia cantar e sabia representar. A sua feiúra acabou se tornando mais um recurso, porque o público se identificava com ela. Tessie Brand se tornou um paliativo para todos os feios, mal-amados e rejeitados do mundo.
Tessie casou-se com o ator principal do seu primeiro filme, divorciou-se depois das refilmagens de cenas e casou-se com o ator principal do filme seguinte. Sam tinha ouvido boatos de que aquele casamento também estava chegando ao fim, mas Hollywood era um antro de fofocas. Não deu atenção aos boatos, pois achava que não eram de sua conta.
Como viu depois, estava enganado.
Sam estava falando ao telefone com Barry Herman, o empresário de Tessie.
─ Qual é o problema, Barry?
─ É o novo filme de Tessie. Ela não está satisfeita, Sam.
Sam sentiu sua irritação ir aumentando.
─ Espere aí! Tessie aprovou o produtor, o diretor e o roteiro das filmagens. Mandamos construir os cenários e estamos prontos para filmar. Não há jeito de nos deixar na mão agora. Eu vou...
─ Ela não quer deixar vocês na mão.
Sam foi apanhado de surpresa.
─ Que diabo é que ela quer?
─ Ela quer um novo produtor no filme.
Sam berrou para o telefone.
─ Ela o quê?
─ Ralph Dastin não a compreende.
─ Dastin é um dos melhores produtores que existem. Tessie tem sorte de tê-lo no filme.
─ Estou de pleno acordo com você. Mas eles não combinam, Sam. Ela diz que não faz o filme a menos que ele saia.
─ Ela assinou um contrato, Barry.
─ Sei disso, coração. E, acredite-me, Tessie tem a intenção de cumpri-lo. Desde que esteja apta fisicamente. O negócio é que ela fica nervosa quando não está satisfeita, e parece que não consegue se lembrar das falas.
─ Voltarei a telefonar para você ─ disse Sam, furioso, e desligou o telefone com violência.
A cadelinha miserável! Não havia nenhuma razão para despedir Dastin e tirá-lo do filme. Provavelmente tinha se recusado a ir para a cama com ela, ou alguma coisa igualmente ridícula. Disse a Lucille:
─ Peça a Ralph Dastin para vir até aqui.
Ralph Dastin era um homem gentil de cerca de cinquenta anos. Tinha começado como escritor e acabara se tornando produtor. Seus filmes eram caracterizados pelo bom gosto e charme.
─ Ralph ─ começou Sam. ─ Não sei como...
Dastin levantou a mão.
─ Não precisa nem falar, Sam. Eu estava a caminho daqui para lhe dizer que estou demitido.
─ Que diabo está acontecendo? ─ perguntou Sam.
Dastin encolheu os ombros.
─ A nossa estrela está com uma coceira, e quer que uma outra pessoa a coce.
─ Quer dizer que ela já está com seu substituto para você escolhido?
─ Jesus, por onde foi que você andou, em Marte? Não lê as colunas de fofocas?
─ Não se eu puder evitar. Quem é ele?
─ Não é ele.
Sam sentou-se bem devagar.
─ Quê?
─ É a figurinista do filme. O nome dela é Barbara Carter... como aqueles comprimidos para o fígado.
─ Tem certeza disso? ─ perguntou Sam.
─ Você é a única pessoa do hemisfério ocidental que não está sabendo da novidade.
Sam sacudiu a cabeça.
─ Eu sempre pensei que Tessie fosse direita.
─ Sam, a vida é uma lanchonete. Tessie é uma menina com fome.
─ Bem, não estou disposto a pôr uma maldita de uma figurinista como encarregada de um filme de quatro milhões de dólares.
Dastin sorriu.
─ Você acabou de dizer a coisa errada.
─ Que é que isto quer dizer?
─ Quer dizer que metade da argumentação de Tessie é de que as mulheres não têm oportunidades iguais nesse negócio. A nossa estrelinha ficou muito feminista.
─ Eu me recuso a fazer isso ─ disse Sam.
─ Faça como quiser. Mas vou lhe dar um conselho: é a única maneira que você vai encontrar de fazer esse filme.
Sam telefonou para Barry Herman.
─ Diga a Tessie que Ralph Dastin se demitiu e não vai fazer o filme.
─ Ela vai ficar satisfeita em saber disso.
Sam rangeu os dentes, então perguntou:
─ Ela tinha alguém em mente para produzir o filme?
─ Para falar a verdade, tinha ─ disse Herman com suavidade. ─ Tessie descobriu uma moça muito talentosa que ela acha que está pronta para um desafio como este. Com a orientação de alguém brilhante como você, Sam...
─ Corte os comerciais ─ disse Sam. ─ Isso é definitivo?
─ Creio que sim, Sam. Sinto muito.
Barbara Carter tinha um rostinho bonito, um corpo bem-feito e, pelo que Sam podia dizer, era completamente feminina. Ele a observou enquanto se sentava no sofá de couro do seu gabinete e graciosamente cruzava as pernas longas e bem-feitas. Quando falou, sua voz pareceu um pouco rouca e grave, mas aquilo podia ser porque Sam estivera à procura de uma espécie qualquer de sinal. Ela o examinou com os olhos cinzentos claros e disse:
─ Parece que estou numa posição terrível, Sr. Winters. Eu não tinha intenção de tomar o emprego de ninguém. E no entanto ─ levantou as mãos num gesto de impotência ─ a Senhorita Brand diz que simplesmente não vai fazer o filme a menos que eu produza. Que é que acha que devo fazer?
Por um instante, Sam se sentiu tentado a lhe dizer. Em vez disso, perguntou:
─ Já teve alguma experiência no mundo dos espetáculos, além de ser figurinista?
─ Fui lanterninha, e vi uma porção de filmes.
"Fantástico!"
─ Que é que faz a Senhorita Brand pensar que a senhora poderia produzir um filme?
Foi como se Sam tivesse acionado uma mola oculta. De repente Barbara Carter se encheu de animação.
─ Tessie e eu conversamos muito a respeito desse filme.
Sam notou que não era mais Senhorita Brand.
─ Eu acho que há umas coisinhas erradas no script, e quando comentei com ela e as mostrei, concordou comigo.
─ Acha que sabe mais sobre como escrever um script do que um escritor premiado pela Academia que já fez meia dúzia de filmes de sucesso e não sei quantas peças na Broadway?
─ Oh, não, Sr. Winters! Eu apenas acho que sei mais sobre mulheres.
Agora os olhos cinzentos tinham uma expressão mais dura, a voz, um tom mais obstinado.
─ Não acha que é ridículo os homens estarem sempre escrevendo papéis femininos? Só nós é que sabemos realmente como nos sentimos. Isso não faz sentido?
Sam estava cansado do jogo. Sabia que ia contratá-la, e se odiava por fazê-lo, mas estava dirigindo um estúdio e sua função era tomar providências para que os filmes fossem concluídos. Se Tessie Brand quisesse que o esquilo de estimação produzisse aquele filme, Sam começaria a encomendar nozes. Um filme de Tessie Brand podia significar, brincando, um lucro de vinte a trinta milhões de dólares. Além disso, Barbara Carter não poderia fazer nada que realmente fosse prejudicar o filme. Naquela altura já não era possível fazer grandes mudanças.
─ Conseguiu me convencer ─ disse Sam, com ironia. ─ O emprego é seu.
Na manhã seguinte, Hollywood Reporter e Variety anunciaram com manchete de primeira página que Barbara Carter produziria o novo filme de Tessie Brand. Quando Sam ia jogar os jornais na lata de lixo, uma pequena notícia no canto inferior da página atraiu sua atenção: "Toby Temple contratado pelo Tahoe Hotel".
Toby Temple. Sam se lembrava do jovem cômico impetuoso que conhecera no Exército, e a lembrança lhe trouxe um sorriso no rosto. Tomou a resolução de ir ver o show de Temple se algum dia se apresentasse em Los Angeles.
Perguntou-se por que Toby nunca havia tentado entrar em contato com ele.
13
Estranhamente, Millie foi a responsável pela chegada de Toby ao estrelato. Antes do casamento, ele fora apenas mais um cômico promissor em princípio de carreira, um entre dezenas de outros. A partir do casamento, um novo ingrediente foi acrescentado: ódio. Toby havia sido forçado a um casamento com uma moça que desprezava, e havia tamanha raiva no seu íntimo que teria sido capaz de matá-la com as suas próprias mãos.
Embora Toby não se desse conta, Millie era uma ótima esposa. Ela o adorava, fazia tudo que podia para agradar-lhe. Decorou a casa em Benedic Canyon e o fez bem. Mas quanto mais Millie tentava agradar a Toby, mais ele a odiava. Era sempre extremamente educado com ela, tomando cuidado para nunca dizer ou fazer nada que pudesse aborrecê-la o bastante para chamar Al Caruso. Pelo resto da vida, Toby nunca se esqueceria da terrível agonia daquele macaco golpeando o seu braço, ou da expressão no rosto de Al Caruso quando dissera:
─ Se algum dia você fizer Millie sofrer...
Porque Toby não podia descarregar a sua agressividade sobre a esposa, desviou sua fúria para as plateias. Qualquer um que esbarrasse num prato, se levantasse para ir ao banheiro ou ousasse falar enquanto Toby estava no palco, era imediatamente objeto de uma violenta gozação. Toby o fazia com um encanto tão inocente e ingênuo que as plateias o adoravam, as pessoas choravam de rir. A combinação do rosto inocente e ingênuo com a língua maldosa e engraçada o tornava irresistível. Podia dizer as coisas mais ofensivas e se sair bem. Tornou-se uma honra ser escolhido para ser ridicularizado por Toby Temple. Nunca ocorreu às suas vítimas que ele realmente estivesse a levar a sério cada uma das palavras. Toby, que antes não passava de mais um jovem cômico promissor, agora tinha-se tornado o assunto do dia do mundo dos espetáculos.
Quando Clifton Lawrence voltou da Europa, ficou perplexo ao saber que Toby se casara com uma corista. Pareceu-lhe estranho, sem sentido, pelo que conhecia das atitudes de Toby, mas quando lhe perguntou, Toby o olhou bem nos olhos e disse:
─ Que é que há para se dizer, Clifton? Conheci Millie, me apaixonei por ela e isso foi tudo.
De alguma forma, não lhe soara verdadeiro. E havia uma outra coisa que intrigava o empresário. Um dia, no seu escritório,
Clifton disse a Toby:
─ Você está realmente ficando famoso. Acertei um contrato de quatro semanas no Thunderbird para você. Dois mil dólares por semana.
─ E aquela tournée?
─ Esqueça. Las Vegas paga dez vezes mais, e todo mundo vai ver o seu espetáculo.
─ Cancele Las Vegas. Quero fazer a tournée.
Clifton olhou para ele surpreso.
─ Mas Las Vegas é...
─ Quero fazer a tournée.
Havia um tom na voz de Toby que Clifton Lawrence nunca ouvira antes. Não era arrogância ou teimosia, era algo além disso, uma profunda raiva controlada.
O que o tornava assustador era que provinha daquele rosto que se havia tornado mais inocente e simpático do que nunca.
Daquela ocasião em diante, Toby esteve sempre viajando. Era a sua única forma de fugir de sua prisão. Apresentou-se em clubes noturnos, teatros e auditórios, e quando esse tipo de contratos não aparecia, pressionava Clifton para lhe arranjar apresentações em universidades. Qualquer coisa para ficar longe de Millie.
As oportunidades de ir para a cama com mulheres jovens, atraentes e ávidas eram ilimitadas. Era a mesma coisa em todas as cidades.
Elas o esperavam no camarim antes e depois das apresentações e ficavam de tocaia no vestíbulo do hotel.
Toby não ia para a cama com nenhuma delas. Pensava no homem castrado, no pênis em chamas, e em Al Caruso lhe dizendo:
─ Você é realmente bem-dotado. Eu não faria mal a você. Você é meu amigo. Desde que não faça Millie sofrer...
E Toby mandara andar todas as mulheres.
─ Estou apaixonado por minha mulher ─ dizia timidamente.
Acreditavam nele e o admiravam por isso, e a história se espalhou como ele queria que se espalhasse: Toby não pulava a cerca; era um verdadeiro homem caseiro.
Mas as adoráveis moças continuavam andando atrás dele, e quanto mais Toby as desprezava, mais elas o queriam. Estava tão faminto por uma mulher que sofria dores físicas constantes. Suas virilhas doíam tanto que às vezes sentia dificuldade de trabalhar. Começou a se masturbar de novo. Cada vez que o fazia; pensava em todas as lindas garotas, esperando para ir para a cama com ele, e amaldiçoava e se enfurecia com seu destino.
Só porque não podia tê-lo, o sexo não deixava sua mente. Sempre que voltava para casa depois de uma tournée, Millie estava esperando por ele, ávida e apaixonada. E no momento em que Toby a via, todo o seu desejo sexual desaparecia. Ela era o inimigo, e Toby a desprezava pelo que estava fazendo com ele. Obrigava-se a ir para a cama com ela, mas era a Al Caruso que estava satisfazendo. Sempre que Toby tinha relações com Millie, fazia-o com uma brutalidade selvagem que provocava arquejos de dor. Fingia pensar que eram expressões de prazer, e a penetrava cada vez mais profundamente, até que finalmente gozava numa explosão que despejava o seu sêmem venenoso dentro dela. Não estava fazendo amor.
Estava fazendo ódio.
Em junho de 1950, os norte-coreanos atravessaram o Paralelo 38 e atacaram a Coréia do Sul, e o Presidente Truman ordenou a intervenção das tropas americanas. Pouco se importando com o que o resto do mundo pensasse, Toby achou a Guerra da Coréia a melhor coisa que podia lhe acontecer.
No princípio de dezembro, saiu uma notícia no Daily Variety dizendo que Bob Hope estava se preparando para fazer uma excursão de Natal para se apresentar para as tropas em Seul. Trinta segundos depois de ter lido a notícia, Toby estava ao telefone, falando com Clifton Lawrence.
─ Você tem que conseguir me encaixar, Clifton.
─ Para quê? Você está com quase trinta anos. Acredite-me, caro rapaz, essas viagens não são brincadeira. Eu...
─ Pouco me importa se são ou não brincadeira ─ berrou Toby. ─ Aqueles soldados estão lá arriscando a vida. O mínimo que posso fazer é proporcionar-lhes umas boas gargalhadas.
Era uma faceta de Toby Temple que Clifton ainda não tinha visto. Ficou comovido e satisfeito.
─ OK. Se isso é tão importante para você, vou ver o que posso fazer ─ prometeu Clifton.
Uma hora depois ele telefonou para Toby.
─ Falei com Bob. Ele ficaria satisfeito em ter você. Mas se mudar de idéia...
─ Não há perigo ─ disse Toby e desligou.
Clifton Lawrence ficou sentado ali durante muito tempo, pensando em Toby. Estava orgulhoso dele. Toby era um ser humano maravilhoso, e Clifton Lawrence estava encantado de ser seu empresário, encantado por ser o homem que estava ajudando a dar forma àquela carreira em ascensão.
Toby apresentou-se em Taegu, em Pusan e em Chonju, e encontrou alívio no riso dos soldados. Millie foi desaparecendo de sua mente.
Então passou o Natal. Em vez de voltar para casa, Toby foi para Guam. Os rapazes o adoraram. Foi para Tóquio e se apresentou para os feridos no hospital do Exército. Mas finalmente chegou a hora de voltar para casa.
Em abril, quando Toby voltou de uma viagem de três semanas no meio-oeste, Millie estava esperando por ele no aeroporto. Suas primeiras palavras foram:
─ Querido, vou ter um bebê!
Olhou para ela, estupefato. Interpretando mal sua expressão, Millie pensou que fosse alegria.
─ Não é maravilhoso? ─ exclamou ela. ─ Agora, quando você estiver fora, terei o bebê para me fazer companhia. Espero que seja um menino para que você possa levá-lo aos jogos de beisebol e...
Toby não ouviu o resto das bobagens que ela estava falando. Era como se as palavras estivessem chegando a ele vindas de muito longe, através de um filtro. Em algum lugar, nos recantos de sua consciência, Toby tinha acreditado que algum dia, de alguma forma, haveria um jeito qualquer de escapar. Estavam casados há dois anos, e parecia uma eternidade. Agora aquilo. Millie nunca o deixaria.
Nunca.
O bebê devia nascer na época do Natal. Toby havia se comprometido a ir para Guam com um grupo de comediantes, mas não sabia se Al Caruso aprovaria o fato de ele estar longe quando Millie fosse ter o bebê. Só havia uma maneira de saber. Telefonou para Las Vegas.
A voz alegre e familiar de Caruso entrou na linha imediatamente e disse:
─ Olá, garotão. É bom falar com você.
─ Também estou satisfeito por falar com você, Al.
─ Ouvi dizer que você vai ser pai. Deve estar radiante.
─ Radiante não é bem a palavra ─ disse Toby, com sinceridade, deixando que sua voz adquirisse uma nota de cuidadosa preocupação. ─ É por isso que estou lhe telefonando, Al. O bebê vai nascer na época de Natal e ─ tinha que ser muito cuidadoso ─ eu não sei o que fazer. Quero estar aqui com Millie quando o menino nascer, mas me pediram para voltar para a Coréia, lá para Guam, para fazer apresentações para as tropas.
Houve uma longa pausa.
─ É uma posição difícil.
─ Não quero deixar os rapazes na mão, mas também não quero deixar Millie.
─ Sei.
Houve uma outra pausa.
─ Vou lhe dizer o que acho, garoto. Nós todos somos bons americanos, certo? Aqueles garotos estão lá lutando por nós, certo?
Toby sentiu o corpo se descontrair de repente.
─ Claro. Mas detesto ter que...
─ Vai estar tudo bem com Millie ─ disse Caruso. ─ Já faz um bocado de tempo que as mulheres têm filhos. Vá para a Coréia.
Seis semanas depois, na véspera de Natal, quando Toby deixava o palco sob estrondoso aplauso no acampamento militar de Pusan, entregaram-lhe um telegrama, informando que Millie morrera durante o parto e a criança nascera morta.
Toby estava livre.
14
No dia 14 de agosto de 1952, Josephine Czinski fez treze anos.
Foi convidada para uma festa por Mary Lou Kenyon, que fazia anos no mesmo dia. A mãe de Josephine a proibira de ir:
─ Essa gente não presta, é gente ruim. É melhor ficar em casa e ler a Bíblia.
Mas Josephine não tinha nenhuma intenção de ficar em casa. Seus amigos não eram ruins. Gostaria que houvesse alguma maneira de fazer com que a mãe compreendesse. Tão logo sua mãe saiu, Josephine apanhou cinco dólares que tinha ganho como babá e foi para o centro, onde comprou um lindo maiô branco. Então foi para a casa de Mary Lou. Tinha o pressentimento de que ia ser um dia maravilhoso.
Mary Lou morava na mais bonita de todas as casas da gente do petróleo. Era uma casa cheia de peças de época, tapeçarias que eram verdadeiras preciosidades e lindos quadros. A propriedade tinha bangalós para hóspedes, estábulos, uma quadra de ténis, uma pista de pouso particular e duas piscinas, uma enorme para os Kenyon e seus convidados e uma menor, nos fundos para os empregados.
Mary Lou tinha um irmão mais velho, David, que Josephine via de relance de vez em quando. Era o rapaz mais bonito que conhecera.
Parecia ter três metros de altura, seus ombros eram largos e os olhos cinzentos, intimidados. Era membro da equipe dos melhores jogadores de futebol americano e ganhava uma bolsa de estudos da Fundação Rhodes. Mary Lou também tinha uma irmã mais velha, Beth, que morrera quando Josephine era pequena.
Agora na festa, Josephine ficava olhando em volta, na esperança de ver David, mas ele não estava ali. No passado, ele havia parado para falar com ela várias vezes, mas em todas elas Josephine tinha corado e ficado imóvel, sem conseguir falar.
A festa foi um grande sucesso. Havia catorze rapazes e garotas. Tinham feito um grande almoço de churrasco de carne, galinha, salada de batata e limonada, servido no terraço por mordomos e copeiras uniformizados. Depois Mary Lou e Josephine abriram os presentes, enquanto os outros as rodeavam e faziam comentários sobre o que haviam ganho.
Mary Lou disse:
─ Vamos nadar um pouco.
Todos saíram correndo para as cabines próximas à piscina. Enquanto vestia o maiô, Josephine pensava que nunca havia se sentido tão feliz. Havia sido um dia perfeito, passado em companhia de seus amigos. Fazia parte do grupo, partilhando a beleza que os rodeava. Não havia nada maligno naquilo. Gostaria de poder fazer o tempo parar e imobilizar aquele dia de forma que nunca acabasse.
Josephine saiu para a luz ofuscante do sol. Enquanto caminhava para a piscina, percebeu que os outros a observavam, as meninas com franca inveja, os rapazes com olhares de cobiça mal disfarçada. Naqueles últimos meses, o corpo de Josephine havia amadurecido de maneira impressionante. Os seios firmes e cheios se delineando contra a malha do maiô, e os quadris insinuando as curvas generosas e sedutoras de uma mulher. Josephine mergulhou na piscina, juntando-se aos outros.
─ Vamos brincar de Marco Pólo ─ gritou alguém.
Josephine adorava aquela brincadeira. Adorava mover-se na água cálida, com os olhos bem fechados. Então gritava "Marco!" e os outros tinham que responder "Pólo!" Josephine mergulhava na direção do som das vozes antes que fugissem, até pegar alguém, que então tentaria pegar os outros.
Começaram a brincadeira com Cissy Topping. Ela saiu atrás do menino de quem gostava, Bob Jackson, mas não conseguiu apanhá-lo, e sim Josephine. Ela fechou os olhos e ficou tentando ouvir os outros se moverem na água.
─ Marco! ─ gritou.
Houve um coro de "Pólo!" Mergulhou em direção à voz mais próxima. Tacteou na água, não havia ninguém.
─ Marco! ─ gritou.
De novo, um coro de "Pólo!" Agarrou às cegas mas só apanhou ar. Josephine não se importava que eles fossem mais rápidos do que ela; queria que aquela brincadeira continuasse para sempre, da mesma forma que queria que aquele dia durasse uma eternidade.
Ficou imóvel, tentando ouvir alguém espadanar na água, uma risadinha, um murmúrio. Foi se movendo pela piscina, os olhos fechados, os braços estendidos, e alcançou os degraus. Subiu um degrau para silenciar seus movimentos.
─ Marco! ─ gritou.
E não houve resposta. Ficou parada ali, imóvel.
─ Marco!
Silêncio. Era como se estivesse num mundo cálido, molhado, deserto, sozinha. Estavam lhe pregando uma peça. Tinham resolvido que ninguém responderia. Josephine sorriu e abriu os olhos.
Estava sozinha na piscina. Alguma coisa fez com que olhasse para baixo. Seu maiô branco estava manchado de vermelho e havia sangue escorrendo entre suas coxas. As crianças estavam todas de pé em volta da piscina, olhando para ela. Josephine ergueu o olhar naquela direção, confusa.
─ Eu...
Parou sem saber o que dizer. Desceu os degraus depressa, entrando na água para esconder sua vergonha.
─ Nós não costumamos fazer isso na piscina ─ disse Mary Lou.
─ Mas polacas fazem ─ alguém deu uma risada zombeteira.
─ Ei, vamos tomar um banho de chuveiro.
─ Vamos! Estou com frio.
─ Quem vai nadar naquilo?
Josephine fechou os olhos de novo e os ouviu indo em direção aos vestiários, abandonando-a. Ficou parada ali, mantendo os olhos bem fechados, apertando as pernas para tentar deter aquele fluxo vergonhoso. Era a primeira vez que ficava menstruada. Fora completamente inesperado. Eles voltariam, em seguida, e lhe diriam que estavam apenas implicando com ela, que ainda eram seus amigos, que aquela felicidade não acabaria nunca. Voltariam e explicariam que era tudo brincadeira. Talvez já tivessem voltado, prontos para brincar. Com os olhos bem fechados, ela murmurou: "Marco!" ─ e o eco morreu no ar da tarde. Não tinha idéia de quanto tempo ficou parada ali, na água, com os olhos fechados.
─ Nós não costumamos fazer isso na piscina.
─ Mas polacas fazem.
Sua cabeça começou a latejar violentamente. Estava nauseada, e de repente começou a ter cólicas. Mas Josephine sabia que tinha que ficar ali de pé, com os olhos fechados. Só até que eles voltassem e lhe dissessem que era brincadeira.
Ouviu passos e um farfalhar de tecido, e de repente soube que estava tudo bem. Eles tinham voltado. Abriu os olhos e olhou para cima.
David, o irmão mais velho de Mary Lou, estava de pé na borda da piscina, com um robe de tecido aveludado na mão.
─ Peço desculpas por todos eles ─ disse ele, a voz séria, estendendo-lhe o robe. ─ Tome. Saia daí e vista isso.
Mas Josephine fechou os olhos e ficou ali, rígida. Queria morrer o mais rapidamente possível.
15
Era um dos bons dias para Sam Winters. As primeiras cópias do filme de Tessie Brand tinham ficado maravilhosas. Em parte, é claro, porque Tessie tinha se matado de trabalhar para compensar seu comportamento. Mas, de qualquer modo, Barbara Carter surgiria como a melhor nova produtora do ano. Ia ser um ano e tanto para figurinistas.
Os programas de televisão produzidos pela Pan-Pacific estavam indo bem, e My Man Friday era o grande sucesso. A companhia estava cogitando fazer um novo contrato de cinco anos para o seriado.
Sam já se preparava para ir almoçar quando Lucille entrou correndo e disse:
─ Acabaram de apanhar alguém tentando iniciar um incêndio no guarda-roupa. Estão trazendo o homem para cá agora.
O homem estava sentado numa cadeira diante de Sam, em absoluto silêncio, com dois guardas da segurança do estúdio de pé atrás dele. Sam ainda não havia se recuperado do choque.
─ Por quê? ─ perguntou. ─ Pelo amor de Deus... Por quê?
─ Porque não quero a porra da caridade de vocês ─ disse Dallas Burke. ─ Odeio você, este estúdio e todo esse negócio podre. Eu construi este negócio, seu filho da puta. Eu sustentei metade dos estúdios desta cidade nojenta. Todo mundo ficou rico às minhas custas. Por que é que você não me deu um filme para dirigir, em vez de tentar me subornar fingindo que estava comprando uma porra de um monte de contos de fadas roubados? Você teria comprado até um catálogo telefónico de mim, Sam. Eu não queria favores... eu queria um emprego. Você está fazendo com que eu morra como um fracasso, seu escroto, e nunca lhe perdoarei isso.
Muito tempo depois de terem levado Dallas Burke, Sam ainda estava sentado ali, pensando nele, lembrando as coisas fantásticas que ele fizera, dos filmes maravilhosos que tinha feito. Em qualquer outro ramo de negócios, ele seria um herói, o presidente do conselho, ou estaria aposentado com uma pensão generosa e coberto de glória.
Mas aquele era o maravilhoso mundo dos espetáculos.
16
No princípio da década de 50, o sucesso de Toby crescia. Apresentou-se nas casas noturnas de maior sucesso ─ Chez Paree, em Chicago; Latin Casino, em Filadélfia; Copacabana, em Nova York. Dava espetáculos beneficentes, apresentou-se em hospitais infantis e em chás de caridade ─ se apresentava para qualquer pessoa, em qualquer lugar, a qualquer hora. O público era o sangue que o mantinha vivo. Estava totalmente absorvido pelo mundo dos espetáculos. Acontecimentos importantes ocorriam no mundo inteiro, mas para Toby eram apenas assunto para as suas piadas.
Em 1951, quando o General MacArthur se aposentou e declarou:
─ Velhos soldados não morrem... eles apenas desaparecem gradualmente.
Toby disse:
─ Jesus... acho que nós usamos a mesma lavanderia.
Em 1952, quando a bomba de hidrogénio foi lançada, o comentário de Toby foi:
─ Isso não foi nada. Vocês precisavam ter visto a minha estreia em Atlanta.
Quando Nixon fez o seu famoso "discurso Checkers", Toby disse:
─ Votaria nele sem pensar duas vezes. Não no Nixon... no Checkers.
Ike foi eleito presidente, Stálin morreu, a América jovem usava chapéu estilo David Crockett e houve um boicote aos ónibus em Montgomery.
E tudo era material para as piadas de Toby.
Quando lançava seus dardos com aquela expressão infantil de inocência perplexa, a plateia gritava.
Mas havia uma inquietação profunda e violenta mo íntimo de Toby. Estava sempre buscando alguma coisa mais. Não conseguia se divertir nunca, porque temia sempre estar perdendo uma festa melhor em algum outro lugar, ou se apresentando para uma plateia melhor, ou beijando uma garota mais bonita. Trocava de namorada como trocava de camisas. Depois da experiência com Millie, tinha medo de se envolver mais seriamente com quem quer que fosse. Lembrava-se da época em que se apresentava no circuito dos banheiros e invejava os cômicos que tinham grandes limusines e mulheres bonitas. Tinha conseguido tudo aquilo, e estava tão sozinho quanto antes. Quem era mesmo que havia dito: "Quando a gente chega lá, o lá não existe"...
Estava decidido a se tornar o NÚMERO UM e sabia que conseguiria. A única coisa que lamentava era que sua mãe não estaria lá para ver sua previsão se tornar realidade.
A única recordação que lhe restava dela era seu pai.
A clínica em Detroit era um prédio feio de tijolos, pertencente a um outro século. Suas paredes abrigavam um fedor adocicado de velhice, de doença e de morte.
O pai de Toby havia sofrido um derrame, e agora era quase um vegetal, um homem de olhos apáticos e sem brilho, com uma mente que não se preocupava com nada, exceto as visitas do filho. Toby ficou parado no vestíbulo sujo, atapetado de verde, da clínica onde agora estava seu pai. As enfermeiras e os internos o rodeavam cheios de admiração.
─ Vi o senhor no show de Harold Hobson, na semana passada, Sr. Toby. Achei que estava maravilhoso. Como é que consegue inventar todas essas coisas incríveis para dizer?
─ Os meus escritores as inventam ─ disse Toby, e eles riram da sua modéstia.
Um enfermeiro vinha descendo pelo corredor, empurrando a cadeira de rodas do Sr. Temple. Ele estava recém-barbeado e o cabelo fora penteado. Tinha deixado que lhe vestissem um terno em honra à visita do filho.
─ Ei, é o Belo Brummel!* ─ exclamou Toby, e todo mundo se virou para olhar para o Sr. Temple com inveja, desejando ter um filho maravilhoso e famoso como Toby que viesse visitá-los.
Toby foi para junto do pai, inclinou-se e o abraçou.
─ Quem é que está querendo enganar? ─ perguntou Toby, apontando para o enfermeiro. ─ Você é quem devia estar empurrando esse cara, papai.
Todo mundo riu, guardando a anedota na memória para poder contar aos amigos o que tinha ouvido Toby Temple dizer. Eu estava com Toby Temple no outro dia, e ele disse... Eu estava de pé junto dele, assim como estou de você, e o ouvi dizer...
E ele ficou por ali, divertindo, insultando com gentilezas, e eles o adoravam. Fazia brincadeiras a respeito da vida sexual deles, da saúde deles, de seus filhos, e por um curto espaço
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Famoso dândi inglês, amigo de Jorged IV quando príncipe. (N. da T.)
de tempo conseguiram rir dos próprios problemas. Finalmente, Toby disse, pesaroso:
─ Detesto ter que deixá-los, são a plateia mais bonita que já tive em muitos anos ─ Eles também iam se lembrar daquilo, ─ mas preciso passar algum tempo a sós com meu pai. Ele prometeu que me daria umas piadas novas.
Eles sorriam e riam e o adoravam.
Toby estava sozinho na salinha de visitantes com seu pai. Até aquela sala tinha cheiro de morte, mas, entretanto, era daquilo que aquele lugar tratava, não era, pensou Toby. "Morte?" Estava cheio de pais e mães gastos, que haviam se tornado empecilhos no caminho dos filhos. Tinham sido tirados dos quartinhos dos fundos das casas, postos para fora de salas de jantar e salas de visitas, onde estavam se tornando fontes de embaraço sempre que havia convidados, e tinham sido mandados para aquela clínica geriátrica por seus filhos, sobrinhas e sobrinhos. "Acredite, é para o seu próprio bem, papai, mamãe, tio George, tia Bess. Vai estar com uma porção de gente adorável, da sua idade. Entendeu o que estou querendo dizer? Vai ter companhia o tempo todo." O que eles realmente queriam dizer era: "Estou mandando você para lá para morrer junto com todos os outros velhos inúteis. Estou cheio de ver você babando na mesa, contando as mesmas histórias seguidamente, infernizando a vida das crianças e molhando a cama". Os esquimós eram mais honestos a respeito daquilo. Mandavam os velhos para o gelo, e os abandonavam ali para morrer.
─ Estou realmente satisfeito por você ter vindo hoje ─ disse o pai de Toby, com sua dicção lenta. ─ Queria falar com você. Tenho boas notícias. O velho Art Riley aqui do lado morreu ontem.
Toby ficou olhando para ele espantado.
─ Chama isso de boa notícia?
─ Significa que eu posso me mudar para o quarto dele ─ explicou o velho. ─ É um quarto de solteiro particular.
E era aquilo que significava a velhice: sobrevivência, o apego às poucas coisas materiais que restavam. Toby tinha visto gente ali que estaria melhor se estivesse morta, mas que se agarrava à vida com ferocidade. "Feliz aniversário, Sr. Dorset. Como é que se sente completamente os seus noventa e cinco anos hoje?" "Quando penso na alternativa, sinto-me ótimo."
Finalmente, estava na hora de ir embora.
─ Volto para ver você assim que eu puder ─ prometeu Toby.
Deu algum dinheiro ao pai e distribuiu gorjetas generosas entre as enfermeiras e funcionários.
─ Cuidem bem dele, hein? Preciso do velho para o meu número.
E Toby foi embora. No momento em que passou pela porta, esqueceu-se de todos eles. Estava pensando no seu desempenho naquela noite.
Durante a semana não falariam de nada além da sua visita.
17
Aos dezessete anos, Josephine Czinski era a moça mais bonita de Odessa, Texas. Tinha a tez dourada, queimada do sol; os longos cabelos negros tinham um tom de cobre ao sol e os olhos castanhos profundos, minúsculas partículas douradas. O corpo era estonteante, com o busto cheio e arredondado, a cintura fina que se abria nas curvas dos quadris com suavidade, afilando-se nas longas pernas bem-feitas.
Josephine não se dava mais com a gente do petróleo. Agora ela saía com outros. Depois das aulas, trabalhava como garçonete no Golden Derrick, um drive-in muito popular. Mary Lou, Cissy Topping e seus amigos costumavam ir lá com seus acompanhantes. Ela sempre os cumprimentava com polidez; mas tudo havia mudado.
Josephine estava tomada de uma inquietação, uma ânsia pelo que nunca conhecera. Era indefinida, mas estava ali. Queria deixar aquela cidade feia e triste, mas não sabia para onde queria ir ou o que fazer. Ficar pensando durante muito tempo a respeito daquilo fazia as dores de cabeça começarem.
Saía com uma dúzia de rapazes e jovens diferentes. O predileto de sua mãe era Warren Hoffman.
─ Hoffman seria um bom marido para você. Frequenta a igreja regularmente, ganha muito bem como bombeiro e está maluco por você.
─ Ele tem vinte e cinco anos e é gordo.
A Sra. Czinski lançou um olhar crítico para Josephine.
─ Polonesas pobres não encontram cavaleiros de armadura brilhantes. Nem no Texas nem em nenhum outro lugar do mundo. Pare de se enganar a si mesma.
Josephine permitia que Warren Hoffman a levasse ao cinema uma vez por semana. Ele segurava-lhe a mão entre as palmas suadas e calejadas e a apertava durante o filme inteiro. Mas ela mal se dava conta dele. Estava entretida demais com o que estava acontecendo na tela. Aquilo que se passava lá na frente era uma extensão do mundo de gente e de coisas bonitas com as quais ela tinha crescido, só que era maior e ainda mais emocionante. Num recanto distante de sua mente, Josephine sentia que Hollywood poderia lhe dar tudo que desejava: beleza, diversão, riso e felicidade. A não ser que se casasse com um homem rico, ela sabia que não havia nenhuma outra maneira pela qual pudesse algum dia ter aquele tipo de vida. E os rapazes ricos eram todos conquistados por moças ricas.
Exceto um.
David Kenyon. Josephine pensava nele com frequência. Tinha roubado uma fotografia dele da casa de Mary Lou há muito tempo atrás. Estava escondida no seu armário e ela a tirava de vez em quando, para olhá-la sempre que se sentia infeliz. Fazia com que se lembrasse de David, de pé na borda da piscina, dizendo: "Peço desculpas por todos eles", e da mágoa e do sofrimento desaparecendo pouco a pouco, cedendo lugar à ternura. Só tinha visto David uma vez depois daquele dia terrível, na piscina, quando ele lhe trouxera um roupão. Tinha passado de carro, com toda a família, e Josephine depois soubera que iam para a estação ferroviária. Ele estava a caminho de Oxford, Inglaterra. Isto fora há quatro anos, em 1952. David havia voltado para as férias de verão e para o Natal, mas seus caminhos não se cruzaram.
Frequentemente ouvia outras moças falando a respeito dele. Além da fortuna que David tinha herdado do pai, sua avó havia lhe deixado um fundo de cinco milhões de dólares. Ele era realmente um bom partido. Mas não para a filha de uma costureira polonesa.
Josephine não sabia que David Kenyon tinha voltado da Europa. Numa noite de sábado, em julho, já bastante tarde, ela estava trabalhando no Golden Derrick e parecia-lhe que a metade da população de Odessa tinha decidido ir ao drive-in para combater a onda de calor com limonada, sorvete e refrigerante. O movimento estivera tão intenso que Josephine não pudera parar um só minuto.
Uma fileira de automóveis circulava ininterruptamente no drive-in iluminado por lâmpadas néon como animais metálicos enfileirados em torno de um bebedouro surrealista. Josephine entregou uma bandeja, com o que lhe parecia ser o milionésimo pedido de cheeseburger e Coca-Cola, puxou um cardápio e dirigiu-se para um carro esporte branco que tinha acabado de entrar.
─ Boa noite ─ disse Josephine num tom alegre. ─ Gostariam de ver o cardápio?
─ Alô, desconhecida.
Ao ouvir a voz de David Kenyon, seu coração disparou de repente.
Estava exatamente como ela se lembrava, só que ainda mais bonito. Agora havia uma maturidade, uma segurança, que havia adquirido vivendo no exterior. Cissy Topping estava sentada ao lado dele, com a aparência fresca e muito bonita num caro conjunto de saia e blusa de seda.
─ Oi, Josie. Você não devia estar trabalhando numa noite quente como esta, querida ─ disse Cissy.
Como se aquilo fosse alguma coisa que Josephine tivesse decidido fazer em vez de ir a um cinema com ar condicionado ou passear num carro esporte com David Kenyon.
Josephine respondeu sem se alterar:
─ Assim pelo menos não fico pelas ruas.
Viu que David sorriu para ela. Sabia que ele compreendia.
Muito tempo depois de terem ido embora, Josephine ainda estava pensando em David. Repetiu todas as palavras ─ Alô desconhecida... Quero uma panqueca com salsicha e uma cerveja ─ não, café em vez de cerveja. Faz mal tomar bebidas geladas numa noite quente... Você gosta de trabalhar aqui?... Pode me dar a conta... Fique com o troco... Foi bom ver você de novo, Josephine ─ em busca de significados ocultos, de nuances que pudesse ter deixado escapar. É claro que ele não podia ter dito nada com Cissy sentada ao lado, mas a verdade era que ele não tinha nada a dizer a Josephine. Estava surpresa até por ele ter se lembrado do seu nome.
Estava de pé, diante da pia da minúscula cozinha do drive-in, perdida em seus pensamentos, quando Paco, o jovem cozinheiro mexicano, chegou junto dela e disse:
─ Que se passa, Josita? Você está com aquele brilho nos olhos.
Gostava de Paco. Estava com vinte e tantos anos, era um homem magro, de olhos escuros, sempre com um sorriso e uma brincadeira simpática engatilhados para os momentos em que a pressão crescia e todo mundo ficava tenso.
─ Quem é ele?
Josephine sorriu.
─ Ninguém, Paco
─ Bueno. Porque há seis carros famintos enlouquecendo lá fora. Vamos!
Ele telefonou na manhã seguinte, e Josephine sabia quem era antes de tirar o telefone do gancho. Não tinha conseguido tirá-lo da cabeça a noite inteira. Era como se aquele telefonema fosse a continuação do seu sonho.
As primeiras palavras dele foram:
─ Vou dizer o que todo mundo deve dizer. Enquanto estive fora você cresceu e se tornou uma verdadeira beleza ─ e ela podia ter morrido de felicidade.
Levou-a para jantar fora naquela noite. Josephine estivera preparada para ir a um restaurante pouco frequentado, onde fosse improvável que David encontrasse seus amigos. Mas em vez disso foram ao clube, onde todo mundo foi até a mesa deles para dizer alô. Ele não se envergonhava de ser visto na sua companhia, ao contrário, parecia orgulhar-se dela. E ela o amava por aquilo, e por mais cem razões. Sua expressão, a gentileza e a compreensão, o prazer que era estar com ele. Nunca soubera que alguém maravilhoso como David Kenyon pudesse existir.
Todos os dias, depois que Josephine saía do trabalho, estavam juntos. Aprendera a repelir os avanços masculinos desde os catorze anos, pois havia nela uma sexualidade que era um desafio. Os homens estavam sempre querendo se encostar nela, agarrá-la, tentando passar a mão nos seus seios ou meter a mão debaixo da sua saia, achando que aquele era o meio de excitá-la, sem saber o quanto a repugnava.
David Kenyon era diferente. Ocasionalmente punha o braço no seu ombro ou tocava-a casualmente, e seu corpo inteiro correspondia. Nunca antes tinha sentido isso por alguém. Nos dias em que não via David não conseguia pensar em mais nada.
Enfrentou a realidade que estava apaixonada por ele. À medida que as semanas foram passando, e que passavam cada vez mais tempo juntos, Josephine se deu conta de que o milagre havia se realizado. David estava apaixonado por ela.
David discutia seus problemas com ela e lhe contava as suas dificuldades com a família.
─ Mamãe quer que eu assuma a direção dos negócios ─ disse-lhe David, ─ mas não tenho certeza de que quero passar o resto da minha vida fazendo isso.
Os negócios da família Kenyon incluíam, além de poços de petróleo e refinaria, um dos maiores ranchos de criação de gado do sudoeste, uma cadeia de hotéis, alguns bancos e uma grande companhia de seguros.
─ Você não pode simplesmente dizer a ela que não, David?
Ele suspirou.
─ Você não conhece minha mãe.
Josephine havia sido apresentada à mãe de David. Era uma mulherzinha minúscula (parecia impossível que David tivesse saído daquele corpinho frágil) que dera à luz três filhos. Estivera seriamente doente após cada gravidez e logo depois do terceiro parto teve um ataque cardíaco. Ano após ano, ela descrevia repetidamente os seus sofrimentos para os filhos, que cresceram com a crença de que a mãe havia arriscado deliberadamente a própria vida para ter cada um deles. Aquilo lhe dava um poderoso domínio sobre a família, que ela governava impiedosamente.
─ Quero ter a minha própria vida ─ disse David a Josephine ─ mas não posso fazer nada que vá ferir mamãe. A verdade é que... o Dr. Young acha que ela não continuará conosco por muito mais tempo.
Uma noite, Josephine falou a David de seu sonho de ir para
Hollywood e tornar-se uma estrela. Ele olhou para ela e disse baixinho:
─ Eu não vou deixar você ir.
Ela sentiu o coração bater loucamente. A cada vez que estavam juntos, o sentimento de intimidade entre eles crescia. O fato de Josephine vir de uma família pobre nada significava para David. Era uma pessoa desprovida de esnobismo. Isso fez com que um incidente ocorrido no drive-in, uma noite, ficasse ainda mais chocante.
Estava na hora de fechar, e David estava sentado no carro, esperando por ela. Josephine estava na cozinha com Paco, limpando apressadamente as últimas bandejas.
─ Encontro importante, hein?
Josephine sorriu.
─ Como é que você sabe?
─ Porque você está uma festa. Sua carinha bonita está radiante. Diga a ele por mim que é um hombre de sorte!
Josephine sorriu e disse:
─ Vou dizer. ─ Impulsivamente, ela se inclinou e deu um beijo no rosto de Paco. Um segundo depois, ouviu o rugido do motor de um carro e em seguida o cantar de pneus. Virou-se a tempo de ver o conversível branco de David amassar o pára-choque de outro carro e sair em disparada do drive-in. Ficou parada olhando, sem conseguir acreditar, para as luzes das lanternas traseiras desaparecerem na noite.
Às três horas da manhã, quando se virava de um lado para outro na cama, Josephine ouviu um carro estacionar lá fora. Correu até a janela para olhar. David estava sentado na direção do automóvel. Estava terrivelmente bêbado. Rapidamente Josephine vestiu um robe sobre a camisola e saiu.
─ Entre ─ disse David.
Josephine abriu a porta do carro e se sentou ao lado dele. Houve um silêncio longo e pesado. Quando David começou a falar, estava com a voz embargada, mas não apenas pelo uísque que tinha bebido. Havia uma raiva, uma fúria selvagem que fazia com que as palavras saíssem como pequenas explosões.
─ Eu não sou seu dono ─ disse David. ─ Você é livre para fazer o que quiser. Mas enquanto estiver saindo comigo, não quero que beije nenhum maldito mexicano. Entendeu?
Olhou para ele sem saber o que fazer, depois disse:
─ Quando beijei Paco, foi porque... ele tinha dito uma coisa que me deixou feliz. Ele é meu amigo.
David respirou fundo, tentando controlar as emoções que se agitavam no seu íntimo.
─ Vou lhe contar uma coisa que nunca contei a ninguém.
Josephine ficou sentada ali, perguntando-se o que viria a seguir.
─ Eu tenho uma irmã mais velha ─ disse David. ─ Beth. Eu... eu a adoro.
Josephine tinha uma vaga lembrança de Beth, uma beldade loura, de pele clara, que ela costumava ver quando ia brincar com Mary Lou. Josephine tinha oito anos quando Beth morreu. David devia estar com quinze anos mais ou menos.
─ Eu me lembro de quando Beth morreu.
─ Beth está viva.
Olhou para ele com incredulidade.
─ Mas, eu... todo mundo pensou...
Virou-se para olhar para ela, a voz inexpressiva.
─ Ela foi estuprada por um dos nossos jardineiros, um mexicano. O quarto de Beth ficava defronte ao meu, do outro lado do corredor. Ouvi os gritos e corri para o quarto dela. Ele tinha rasgado sua camisola e estava em cima dela e...
A voz de David ficou embargada pela lembrança.
─ Lutei com ele até que minha mãe apareceu e chamou a polícia. Eles finalmente chegaram e levaram o homem para a cadeia. Ele se suicidou na cela, naquela noite. Mas Beth tinha enlouquecido. Ela nunca vai sair daquele lugar. Nunca. Eu não posso lhe dizer o quanto a amo, Josie. Sinto tanta falta dela. Desde aquela noite, eu... eu... não... posso...
Ela pôs a mão sobre a dele e disse:
─ Sinto muito, David. Eu compreendo. Estou satisfeita por você ter me contado.
Estranhamente, o incidente serviu para uni-los ainda mais. Começaram a conversar sobre coisas de que nunca tinham falado. David sorriu quando Josephine lhe falou sobre o fanatismo religioso da mãe.
─ Eu tinha um tio que era assim ─ disse. ─ Ele foi para um monastério qualquer, no Tibet.
─ Vou fazer vinte e quatro anos no mês que vem ─ disse David um dia. ─ É uma velha tradição da família Kenyon que os homens se casem aos vinte e quatro anos ─ e o coração de Josephine deu um salto.
Na noite seguinte, David tinha comprado bilhetes para uma peça que estava em cartaz no Globe Theatre. Quando chegou para buscar Josephine, disse:
─ Vamos esquecer a peça e conversar sobre o nosso futuro.
No momento em que Josephine ouviu aquelas palavras, soube que tudo por que tinha rezado ia se tornar realidade. Podia vê-lo escrito nos olhos de David. Estavam cheios de amor e de desejo.
─ Vamos até o lago Dewey ─ disse ela.
Queria que fosse o pedido de casamento mais romântico do mundo, de forma que um dia se tornasse a história cheia de encanto que contaria a seus filhos. Queria se lembrar de cada minuto daquela noite.
O lago Dewey era uma pequena extensão de água a cerca de quarenta milhas de Odessa. A noite estava bonita e estrelada, com uma lua resplandecente, quase cheia. As estrelas dançavam na água e a atmosfera transbordava com os sons misteriosos seres invisíveis se amavam e consumiam e eram consumidos e morriam.
Josephine e David ficaram sentados no carro, em silêncio, ouvindo os sons da noite. Ela o observava, sentado na direção do automóvel, o rosto bonito sério e carregado de intensidade. Nunca o amara tanto como naquele momento. Queria fazer alguma coisa maravilhosa para ele, dar-lhe alguma coisa capaz de mostrar o quanto o amava. E de repente soube o que iria fazer.
─ Vamos nadar um pouco, David ─ disse ela.
─ Não trouxemos roupas de banho.
─ Não faz mal.
Ele se virou para olhá-la e começou a dizer alguma coisa, mas ela já tinha saído do carro e estava correndo para a praia na margem do lago. Quando começava a se despir, ouviu-o aproximar-se. Josephine mergulhou nas águas mornas do lago. Um minuto depois David estava ao seu lado.
─ Josie...
Ela se virou para ele, depois o abraçou, seu corpo inteiro ardendo de desejo, ansiando por ele, faminto. Seus corpos se uniram dentro d'água e Josephine sentiu a rigidez do membro ereto de David contra o seu corpo, e ele disse:
─ Nós não podemos, Josie.
Sua voz estava embargada pela intensidade com que a queria.
Josephine tomou o pênis de David nas mãos e disse:
─ Sim. Sim, David.
Voltaram para a praia e ele estava em cima dela e dentro dela e formando um todo com ela e eles eram ambos parte das estrelas e da terra e da noite aveludada.
Ficaram deitados lado a lado durante muito tempo, abraçados. Só muito mais tarde, depois de David tê-la deixado em casa, foi que se lembrou de que ele não fizera o pedido. Mas aquilo não tinha mais importância. O que tinham partilhado juntos era um elo mais forte do que qualquer cerimónia de casamento. No dia seguinte ele faria o pedido.
Josephine dormiu até ao meio-dia, no dia seguinte. Acordou com um sorriso no rosto. Ainda estava sorrindo quando sua mãe entrou no quarto trazendo um lindo vestido de noiva antigo.
─ Vá até a Brubaker e me traga dez metros de tule. A Sra. Topping acabou de me trazer seu vestido de noiva. Tenho que ajustá-lo na medida de Cissy até sábado. Ela e David Kenyon vão se casar.
David Kenyon tinha ido procurar a mãe logo depois de deixar Josephine em casa. Ela estava na cama, uma mulherzinha frágil, que outrora fora muito bonita.
Abriu os olhos quando David entrou no quarto, que estava na penumbra. Sorriu quando viu quem era.
─ Alô, meu filho. É tarde para você estar acordado.
─ Eu saí com Josephine, mamãe.
Ela não disse nada, apenas o observou com os olhos cinzentos inteligentes.
─ Vou me casar com ela ─ disse David.
Ela sacudiu a cabeça lentamente.
─ Não posso deixar você cometer um erro desses, David.
─ A senhora não conhece Josephine. Ela é...
─ Tenho certeza que ela é uma moça adorável. Mas não serve para ser a esposa de um Kenyon. Cissy Topping faria você feliz. Se você se casasse com ela, me faria muito feliz.
David tomou a mão frágil nas suas e disse:
─ Eu a amo muito mamãe, mas posso decidir isso por mim mesmo.
─ Pode mesmo? ─ perguntou ela num tom suave. ─ Você faz sempre a coisa certa?
David olhou para ela surpreso, e ela prosseguiu:
─ Pode-se realmente confiar em você, tem certeza de que vai agir corretamente, David? De que não vai perder a cabeça? De que não vai fazer coisas terríveis...
Ele puxou a mão com violência.
─ Você sempre sabe o que está fazendo, meu filho? ─ a voz dela estava ainda mais suave.
─ Mãe, pelo amor de Deus!
─ Você já fez bastante mal a esta família, David. Não me sobrecarregue ainda mais. Não creio que pudesse suportá-lo.
O rosto dele estava de uma palidez doentia.
─ Você sabe que não quis... eu não pude...
─ Você já está muito grande para ser mandado para longe outra vez. Agora você é um homem. Quero que aja como um homem.
A voz dele estava angustiada.
─ Eu... eu a amo...
Ela teve uma crise, e David chamou o médico. Mais tarde, o médico e ele tiveram uma conversa.
─ Creio que sua mãe não terá muito mais tempo de vida, David.
E assim a decisão foi tomada por ele.
Foi ver Cissy Topping.
─ Estou apaixonado por uma outra pessoa ─ disse David. ─ Minha mãe sempre pensou que você e eu...
─ E eu também, querido.
─ Eu sei que é uma forma terrível de se pedir, mas... você estaria disposta a se casar comigo até... até que minha mãe morra, e então me daria o divórcio?
Cissy olhou para ele e disse baixinho.
─ Se é o que você quer, David.
Teve a sensação de que um peso insustentável havia sido tirado de seus ombros.
─ Obrigado, Cissy, não posso lhe dizer o quanto...
Ela sorriu e disse:
─ Para que servem os velhos amigos?
No momento em que David saiu, Cissy Topping telefonou para a mãe dele. Tudo o que disse foi:
─ Está tudo arranjado.
A única coisa que David Kenyon não havia previsto era que Josephine fosse ouvir a notícia do casamento antes que ele pudesse lhe explicar tudo. Quando David chegou a sua casa foi recebido pela Sra. Czinski.
─ Eu gostaria de ver Josephine ─ disse ele.
Ela lhe lançou um olhar furioso, os olhos cheios de um triunfo maligno.
─ O Senhor Jesus vencerá e aniquilará os seus inimigos e os maus estarão condenados à danação eterna.
David repetiu pacientemente:
─ Eu gostaria de falar com Josephine.
─ Ela foi embora ─ disse a Sra. Czinski. ─ Ela foi embora!
18
O ónibus empoeirado da linha Odessa-El Paso-San Bernardino-Los Angeles entrou na estação rodoviária da Vine Street às sete horas da manhã, e em algum lugar, durante a viagem de mil e quinhentas milhas, dois dias de viagem, Josephine Czinski se tornara Jill Castle. Na aparência exterior ela era a mesma pessoa. Por dentro é que ela tinha mudado. Alguma coisa nela havia desaparecido. O riso tinha morrido.
No momento em que ouviu a notícia, Josephine soube que tinha que fugir. Começou a atirar as roupas para dentro da mala, sem pensar. Não tinha idéia de para onde iria ou o que faria quando lá chegasse. Sabia apenas que tinha que sair daquele lugar imediatamente.
Foi quando saía de seu quarto e viu as fotografias dos artistas de cinema na parede que soube de repente para onde iria. Duas horas depois estava no ónibus, a caminho de Hollywood. Odessa e todas as pessoas foram ficando para trás em sua mente, desaparecendo cada vez mais depressa à medida que o ónibus rapidamente a levava para o seu novo destino. Tentou obrigar-se a esquecer a terrível dor de cabeça. Talvez devesse ter consultado um médico para ver o que eram aquelas violentas dores. Mas agora não se importava mais. Aquilo era parte do passado, e tinha certeza de que desapareceriam. De agora em diante a vida ia ser maravilhosa. Josephine Czinski estava morta.
Longa vida para Jill Castle.
LIVRO
SEGUNDO
19
Toby Temple tornou-se um superastro por causa da improvável justaposição de uma ação de reconhecimento de paternidade, de um apêndice supurado e do presidente dos Estados Unidos.
O Clube da Imprensa de Washington estava oferecendo um jantar anual, e o convidado de honra era o presidente. Ia ser um evento de grande importância, com a presença do vice-presidente, dos senadores, membros do gabinete, juízes do Supremo e de quem quer que pudesse comprar, pedir ou roubar um convite. Como aquele acontecimento sempre recebia cobertura da imprensa internacional, a função do mestre-de-cerimónias havia se tornado uma láurea muito disputada Naquele ano, um dos maiores comediantes da América havia sido escolhido para ser o mestre-de-cerimónias do show. Uma semana depois de ele ter aceito, foi citado como réu numa ação de reconhecimento de paternidade envolvendo uma menina de quinze anos de idade. A conselho de seu advogado, o comediante imediatamente deixou o país, em férias por tempo indefinido. O comitê organizador do jantar voltou-se então para sua escolha número dois, um astro de cinema e televisão de grande popularidade. Ele deixou a Washington na noite anterior ao jantar. Na tarde seguinte, no dia do banquete, o seu agente telefonou para avisar que o ator principal estava no hospital, sendo submetido a uma operação de emergência de apêndice supurado.
Só faltavam seis horas para o jantar. O comitê examinou freneticamente uma lista de possíveis substitutos. Os mais importantes estavam ocupados, uns filmando, outros fazendo shows para a televisão, ou então longe demais para chegar a Washington a tempo. Um por um, os candidatos foram sendo eliminados e finalmente, quase no fim da lista, apareceu o nome de Toby Temple. Um dos membros do comitê balançou a cabeça.
─ Temple é um cômico de cabaré. Não tem nenhuma moderação. Não podemos nem sonhar soltá-lo diante do presidente.
─ Ele até que serviria se conseguíssemos dar uma burilada no seu material.
O presidente do comitê olhou à sua volta e disse:
─ Vou dizer a vocês o que é fantástico nele, amigos. Ele está em Nova York e pode estar aqui dentro de uma hora. O maldito jantar é hoje à noite!
Foi assim que o comitê escolheu Toby Temple.
Quando Toby correu o olhar pelo grande salão de banquetes, pensou que se uma bomba fosse lançada ali dentro, naquela noite, o governo dos Estados Unidos estaria sem líderes.
O presidente estava sentado no centro da mesa dos oradores, na plataforma. Meia dúzia de homens do serviço secreto estavam postados atrás dele. Na correria de último minuto para organizar tudo, ninguém tinha se lembrado de apresentar Toby ao presidente, mas ele não se importou. "O presidente vai se lembrar de mim", pensou. Recordou seu encontro com Downey, o presidente do comitê organizador do jantar. Downey havia dito:
─ Nós adoramos suas piadas, Toby. Você é engraçadíssimo quando ridiculariza as pessoas. Enquanto... ─ fez uma pausa para pigarrear ─ temos um grupo de pessoas muito... muito sensíveis aqui, hoje à noite. Não me compreenda mal. Não é que não possam suportar uma piadinha, mas tudo que for dito aqui hoje à noite será repetido pela imprensa no mundo inteiro. Naturalmente, nenhum de nós quer que seja dita alguma coisa capaz de expor ao ridículo o presidente dos Estados Unidos ou os membros do Congresso. Em outras palavras, queremos que você seja engraçado, mas não que deixe alguém zangado.
─ Pode confiar em mim.
E Toby havia sorrido.
As travessas do jantar estavam sendo retiradas, e Downey estava de pé diante do microfone.
─ Senhor presidente, ilustres convidados, tenho o prazer de apresentar-lhes o nosso mestre-de-cerimónia, um de nossos mais brilhante jovens comediantes, Sr. Toby Temple!
O público aplaudiu polidamente quando Toby se levantou e foi andando em direção ao microfone. Olhou para a plateia, depois virou-se para o presidente dos Estados Unidos.
O presidente era um homem simples e caseiro. Não acreditava no que chamava diplomacia de cartola.
─ De pessoa para pessoa, havia dito num pronunciamento à nação, ─ é desse tipo de diálogo que precisamos. Temos que acabar com essa história de viver na dependência de computadores e começar a confiar nos nossos instintos de novo. Quando me sento para conversar com os líderes de potências estrangeiras, gosto de negociar pelos fundilhos das minhas calças.
Esta frase tinha se tornado um dito popular.
Naquele momento Toby olhou para o presidente dos Estados Unidos e disse, com a voz embargada pelo orgulho:
─ Senhor presidente, não posso nem lhe dizer que emoção é para mim estar aqui no mesmo palco que o homem que tem o mundo inteiro diretamente ligado ao seu rabo.
Um murmúrio de horror percorreu a sala por um longo momento. Então o presidente sorriu, depois deu uma gargalhada, e a plateia explodiu de repente, rindo e aplaudindo. Daquele momento em diante, nada que Toby fizesse poderia ter maus resultados. Ele atacou os senadores presentes, a Suprema Corte, a imprensa. Eles adoraram. Gritavam, davam vivas e aplaudiam porque sabiam que Toby não estava falando sério nem por um segundo. Era extremamente engraçado ouvir aqueles insultos da boca daquele rapaz de rosto inocente e infantil. Havia representantes de países estrangeiros à festa, naquela noite. Toby dirigiu-se a eles num arremedo incoerente de seus idiomas, mas cujo som e ritmo eram tão plausíveis e verdadeiros que eles balançavam a cabeça, concordando. Ele era um sábio idiota, fazendo um discurso de insultos que os engrandecia, os repreendia, e o significado daquele louco linguajar inarticulado era tão popular que todas as pessoas presentes naquela sala compreendiam o que estava dizendo.
O público o aplaudiu de pé. O presidente foi até junto dele e disse:
─ Foi brilhante, realmente brilhante. Vamos oferecer um jantar na Casa Branca, na segunda-feira à noite, Toby , e eu ficaria encantado...
No dia seguinte, todos os jornais escreveram a respeito do triunfo de Toby. Seus comentários foram repetidos por toda a parte. Foi convidado a se apresentar na Casa Branca. Lá, causou ainda maior sensação. Convites importantes começaram a chover, vindos do mundo inteiro.
Toby apresentou-se no Paladium de Londres, deu um espetáculo particular para a rainha, foi convidado para ser mestre-de-cerimônias em concertos de caridade e fazer parte do comitê Nacional de Arte. Jogava golfe frequentemente com o presidente e era convidado para jantar na Casa Branca com regularidade. Toby conheceu legisladores, governadores e os homens que comandavam as maiores empresas americanas. Insultou todos eles, e quanto mais os atacava mais encantados ficavam. Adoravam ter Toby presente em suas reuniões, lançando o seu humor cáustico sobre seus convidados. A amizade de Toby tornou-se um símbolo de prestígio.
As ofertas que surgiam eram fenomenais. Clifton Lawrence estava tão entusiasmado com elas quanto Toby, e seu entusiasmo nada tinha a ver com negócios e dinheiro. Toby havia sido a coisa mais maravilhosa que lhe acontecera em anos, pois para ele era como se fosse seu filho. Tinha consagrado mais tempo à sua carreira do que à de qualquer outro cliente, mas valera a pena. O rapaz trabalhava seriamente, aperfeiçoado seu talento até que brilhasse como um diamante. E era reconhecido e generoso, coisa rara naquele ramo de negócio.
─ Todos os grandes hotéis de Las Vegas estão atrás de você ─ disse Clifton Lawrence a Toby. ─ Dinheiro não é problema. Eles querem você e ponto final. Tenho uma série de scripts na minha escrivaninha, da Fox, da Universal, da Pan-Pacific... em todos o papel principal. Você pode fazer uma tournée pela Europa, ou ter o seu show de televisão em qualquer uma das redes. Isso ainda lhe daria tempo para fazer a temporada de Las Vegas e faxer um filme por ano.
─ Quanto é que eu poderia ganhar com um show na televisão, Clifton?
─ Acho que posso fazê-los subir até doze mil por semana por uma hora de espetáculo de variedades. Terão que nos dar um contrato de dois anos, talvez três. Se realmente quiserem você, aceitarão.
Toby recostou-se no sofá, exultante. Dez mil por um show, digamos, quarenta shows por ano. Em três anos aquilo lhe renderia mais de um milhão de dólares, só para dizer ao mundo o que achava dele! Olhou para Clifton. O homenzinho estava tentando manter uma fachada impassível, mas Toby podia ver que ele estava ansioso. Queria que ele fizesse o negócio com a televisão. Por que não? Clifton recebia uma comissão de cento e vinte mil dólares ás custas do talento e do suor de Toby. Será que Clifton merecia uma quantia daquelas? Nunca tivera que trabalhar como um louco em boatezinhas imundas ou aguentar plateias de bêbados atirando garrafas de cerveja vazias, ou então procurar curandeiros gananciosos para se tratar de gonorréia, porque as únicas mulheres disponíveis eram as prostitutas ordinárias e doentes do circuito dos banheiros. Que é que Clifton Lawrence sabia dos quartinhos cheios de baratas, da comida gordurosa e da procissão interminável de viagens noturnas de ónibus, indo de um buraco infernal para outro? Ele nunca poderia compreender. Um crítico havia chamado Toby de sucesso passageiro, e Toby achara graça. Agora, sentado no escritório de Clifton Lawrence, ele disse:
─ Quero o meu show de televisão.
Seis semanas depois, o contrato foi assinado com a Consolidated Broadcasting.
─ A rede de tevê quer que um estúdio faça o financiamento dos custos da produção ─ disse Clifton Lawrence. ─ Gosto dessa idéia porque posso aproveitar a oportunidade para ver se negocio um contrato para um filme.
─ Qual é o estúdio?
─ Pan-Pacific.
Toby franziu o cenho.
─ Sam Winters?
─ Isso mesmo. Para mim, ele é o melhor executivo do ramo. Além disso, ele tem um negócio que eu quero ver se consigo para você, o script de The kid goes west.
─ Servi o Exército com Winters. Está bem. Mas ele fez uma sujeira comigo. Seja duro com ele!
Clifton Lawrence e Sam Winters estavam na sauna do Pan-Pacific Studios, respirando a essência do eucalipto do ar.
─ Isto é que é vida ─ o empresário baixinho suspirou. ─ Quem quer saber de dinheiro?
Sam sorriu.
─ Por que é que você não fala assim quando estamos tratando de negócios, Clifton?
─ Não quero mimar você, meu caro rapaz.
─ Ouvi dizer que você fechou um contrato para Toby Temple com a Consolidated Broadcasting.
─ Pois é. Foi o maior contrato que eles já fizeram.
─ Onde é que você vai fazer o financiamento da produção do show?
─ Por quê, Sam?
─ Isso poderia nos interessar. Eu poderia até juntar uma proposta de contrato de filmagem. Acabei de comprar uma comédia chamada The kid goes west. Ainda não foi anunciado. Acho que seria perfeito para o papel.
Clifton Lawrence franziu o cenho e disse:
─ Merda! Gostaria de ter sabido isso antes, Sam. Já negociei o contrato com a MGM.
─ Mas você já fechou?
─ Bem, praticamente. Eu dei a minha palavra...
Vinte minutos depois, Clifton Lawrence tinha negociado um contrato muito lucrativo para Toby Temple, segundo o qual a Pan-Pacific produziria o Toby Temple Shows, dando-lhe o papel principal no filme The kid goes west.
As negociações poderiam ter durado mais, mas a sala de vapor tornara-se insuportavelmente quente.
Uma das cláusulas do contrato estabelecia que Toby não teria que estar presente aos ensaios. Um substituto ensaiaria os quadros cômicos e os números de dança com os astros convidados e ele só aparecia para o ensaio final e para a gravação. Desta maneira, Toby fazia com que seu número se mantivesse interessante e divertido.
Na tarde da estréia do show, em setembro de 1959, Toby entrou no teatro da Vine Street onde o show seria gravado e sentou-se para assistir ao ensaio. Quando terminou, tomou o lugar de seu substituto. De repente, o teatro se encheu de eletricidade. O show ganhou vida, crepitou e soltou fagulhas. E quando depois de gravado foi para o ar, naquela noite, quarenta milhões de pessoas assistiram a ele. Era como se a televisão tivesse sido inventada especialmente para Toby Temple. Em closeup, ele era ainda mais adorável, e todo mundo o queria presente na sua sala. O show foi um sucesso imediato. Saltou direto para o primeiro lugar nos índices de audiência e ali permaneceu. Toby Temple não era mais um astro.
Ele tinha se tornado um superastro.
20
Hollywood era muito mais cheia de vida e de animação do que Jill Castle jamais podia imaginar. Ela fez excursões turísticas e viu as casas de alguns artistas. Sabia que um dia teria uma casa bonita em Bel Air ou em Beverly Hills. Enquanto isso não acontecia, morava numa velha pensão, um horrendo prédio de madeira que havia sido convertido numa casa de doze cómodos, ainda mais horrenda, com quartinhos minúsculos. O quarto era barato, o que significava que ela poderia fazer render os duzentos dólares que tinha economizado. A casa ficava no bairro de Bronson, a alguns minutos de Hollywood e da Vine Street, o coração de Hollywood, e era conveniente pela proximidade dos estúdios de cinema.
Havia um outro aspecto na casa que atraía Jill. Havia uma dúzia de pensionistas, e todos eles estavam tentando trabalhar em cinema ou já trabalhavam como extras ou em papéis secundários, ou então tinham se aposentado. Os mais antigos vagueavam pela casa com robes amarelados e rolinhos nos cabelos, ternos puídos e sapatos tão arranhados que nenhum graxa daria jeito neles. Os pensionistas tinham aparência acabada, cansada, pior que a velhice. Havia um salão de uso comum , com a mobília gasta e quebrada, onde todos se reuniam durante a noite para tagarelar e falar mal da vida alheia. Todos davam conselhos a Jill, a maioria deles contraditórios.
─ Querida, a melhor maneira de conseguir um papel num filme é arranjar um AD que goste de você ─ este ela ouviu de uma senhora de rosto azedo que havia sido recentemente despedida de uma série de televisão.
─ O que é um AD? ─ perguntou Jill.
─ Um assistente de direção ─ respondeu num tom que lamentava a ignorância de Jill. ─ É quem contrata os figurantes.
Jill estava embaraçada demais para perguntar o que eram figurantes.
─ Se você quiser ouvir o meu conselho, trate de arranjar um diretor de elenco. Um AD só poderá encaixar você no filme dele. Um diretor de elenco pode encaixar você em tudo ─ disse uma velha desdentada que devia estar com cerca de oitenta anos.
─ Ah, é? A maioria deles é bicha ─ disse um ator calvo.
─ Qual é a diferença? Isto é, se dá um empurrão na gente? ─ disse um rapazinho de óculos que ansiava desesperadamente tornar-se escritor.
─ E que tal começar como extra? ─ perguntou Jill. ─ A Central de Elenco...
─ Esqueça. Os livros da Central de Elenco estão fechados. Eles nem ao menos inscrevem você, a menos que você seja uma especialidade.
─ Des... desculpe, mas o que é uma especialidade?
─ Se, por exemplo, você tiver um membro amputado. Isto paga trinta e cinco e oitenta em vez dos vinte e um e cinquenta habituais. Ou se você tem trajes a rigor, ou sabe montar um cavalo, você recebe vinte e oito e trinta e três. Se você souber manipular bem as cartas ou os dados, isto paga trinta e três e cinqüenta e oito... a mesma coisa que um membro amputado. Se você souber jogar futebol americano ou beisebol, paga vinte e oito e trinta e três. Se souber montar um camelo ou um elefante, são cinquenta e cinco e noventa e quatro. Ouça meu conselho, esqueça essa história de ser extra. Tente conseguir uma ponta.
─ Não sei muito bem qual é a diferença ─ admitiu Jill.
─ Fazendo ponta você tem pelo menos uma frase para dizer. Os extras não têm direito a falar, exceto os onipresentes.
─ Os quê?
─ Os onipresentes... os que fazem os ruídos de fundo.
─ A primeira coisa que você tem que fazer é arranjar um empresário.
─ Como arranjo um?
─ Há uma lista com os nomes de todos eles na Screen Ator. É a revista do Sindicato dos Artistas de Cinema. Tenho um exemplar no meu quarto. Vou buscar.
Todos examinaram a lista com Jill, e finalmente a limitaram a uma dúzia de empresários de menor porte. A opinião unânime era que Jill não teria nenhuma chance numa agência maior.
Armada de sua lista, Jill começou a fazer as rondas. Os seis primeiros empresários nem quiseram recebê-la. Encontrou o sétimo quando ia saindo do escritório.
─ Com licença ─ disse Jill. ─ Estou procurando um empresário.
Ele a examinou um momento e disse:
─ Deixe-me ver seu portfolio.
Ela olhou para ele sem compreender.
─ Meu quê?
─ Você deve ter acabado de descer do ônibus. Não vai conseguir nada nesta cidade sem portfolio. Trate de tirar algumas fotografias. Em poses diferentes e atraentes. Mostrando os peitos e o traseiro.
Jill arranjou um fotógrafo em Culver City, perto dos Estúdios David Selznick, que fez seu portfolio por trinta e cinco dólares. Foi apanhar as fotografias uma semana depois e ficou muito satisfeita com elas. Estava bonita, todos os seus estados de espírito haviam sido capturados pela câmara. Estava pensativa... zangada... apaixonada... sexy. O fotografo havia reunido as fotos num livro, intercaladas com páginas de celofane.
─ Aqui na frente ─ explicou ─ você relaciona os trabalhos que já fez, a sua experiência.
Experiência profissional. Aquele era o próximo passo.
Ao fim das duas semanas que se seguiram, Jill já tinha visto ou tentado ver todos os empresários de sua lista. Nenhum estava nem remotamente interessado. Um deles lhe disse:
─ Você esteve aqui ontem, querida.
Ela sacudiu a cabeça.
─ Não, não estive.
─ Bem, ela era igualzinha a você. Este é que é o problema. Vocês são todas parecidas com Elizabeth Taylor ou com Lana Turner ou com Ava Gardner. Se estivesse em qualquer outra cidade, tentando arranjar outro tipo de emprego, logo contratariam você. É bonita, atraente e tem um belo corpo. Mas, em Hollywood, a beleza é como remédio à venda nas farmácias. Moças bonitas vêm para cá de todas as partes do mundo. Fizeram o papel principal na peça da escola secundária ou ganharam um concurso de beleza ou os namorados disseram que deveriam estar fazendo cinema... e pimba! Cá estão elas aos milhares, e são todas a mesma garota. Acredite-me, querida, você esteve aqui ontem.
Os pensionistas ajudaram Jill a fazer uma outra lista de empresários. Os escritórios eram menores, localizados nos bairros de aluguéis mais baratos, mas os resultados foram os mesmos.
─ Volte quando tiver alguma experiência, menina. Você tem estampa, e no que me diz respeito poderia ser o maior acontecimento desde a descoberta de Garbo, mas não posso perder o meu tempo tentando descobrir. Trate de arranjar alguma experiência na tela e serei seu empresário.
─ Como é que vou arranjar alguma experiência na tela se ninguém me dá um emprego?
Ele balançou a cabeça.
─ É isso aí. É esse o problema. Boa sorte.
Só restava uma agência na lista de Jill. Havia sido recomendada por uma garota ao lado de quem se sentara no bar Mayflower, no Hollywood Boulevard. A agência Dunning ficava num bangalozinho na altura de La Cienega, numa área residencial. Jill havia telefonado marcando uma entrevista e uma mulher lhe dissera que fosse às seis horas.
Jill entrou num pequeno escritório que fora outrora a sala de visitas de alguém. Havia uma velha escrivaninha toda arranhada e cheia de papéis, um sofá forrado com uma imitação de couro, remendado com esparadrapo branco, e três cadeiras espalhadas pelo aposento. Uma mulher alta, corpulenta, de rosto marcado pela varíola, saiu de um outro cómodo e disse:
─ Alô. Em que posso ajudá-la?
─ Sou Jill Castle. Tenho uma hora marcada para ver o Sr. Dunning.
─ Senhorita Dunning ─ disse a mulher. ─ Sou eu.
─ Oh ─ exclamou Jill, surpreendida. ─ Desculpe-me, eu pensei...
A mulher ri de maneira simpática e amistosa.
─ Não tem importância.
"Mas tem importância", pensou Jill, cheia de uma animação repentina. Por que é que não lhe havia ocorrido antes? "Uma empresária!" Alguém que passara por todos os traumas, alguém que compreenderia o que significava ser uma jovem querendo começar. Ela seria mais simpatia ao seu caso do que qualquer homem poderia ser.
─ Estou vendo que você trouxe seu portfolio ─ disse a Senhorita Dunning. ─ Posso examiná-lo?
─ É claro ─ disse Jill, entregando-o.
A mulher se sentou, abriu o portfolio e começou a virar as páginas, balançando a cabeça de maneira aprovadora.
─ A câmara gosta de você.
Jill não sabia o que dizer.
─ Obrigada.
A empresária examinou as fotografias de Jill em roupa de banho.
─ Você tem um ótimo corpo. Isso é importante. De onde você é?
─ Do Texas ─ disse Jill. ─ Odessa.
─ Há quanto tempo está em Hollywood, Jill?
─ Há cerca de dois meses.
─ Quantos empresários já procurou?
Por um instante Jill se sentiu tentada a mentir, mas só havia compaixão e compreensão nos olhos da mulher.
─ Cerca de uns trinta, acho.
A empresária riu.
─ Então você finalmente veio procurar Rose Dunning. Bem, poderia ter sido pior. Não sou MCA ou William Morris, mas a minha gente tem sempre trabalho.
─ Não tenho nenhuma experiência.
A mulher concordou, sem demonstrar surpresa.
─ Se você tivesse, estaria na MCA ou com William Morris. Eu sou uma espécie de porta de entrada. Dou um empurrão inicial nos jovens de talento e então as grandes agências os tomam de mim.
Pela primeira vez em semanas, Jill começou a sentir alguma esperança.
─ Acha... acha que estaria interessada em ser minha empresária? ─ perguntou.
A mulher sorriu.
─ Tenho clientes trabalhando que não têm nem a metade de sua beleza. Acho que posso conseguir trabalho para você. É a única maneira de conseguir um pouco de experiência, certo?
Jill sentiu-se tomada por gratidão.
─ O problema desta maldita cidade é que eles não dão uma oportunidade a gente jovem como você. Todos os estúdios vivem alardeando que estão loucos atrás de novos talentos e depois levantam um paredão e não deixam ninguém entrar. Bem, nós os enganaremos. Sei de três coisas que você poderia fazer. Um programa cômico vespertino, uma ponta no filme de Toby Temple e um papel secundário no novo filme de Tessie Brand.
A cabeça de Jill estava girando.
─ Mas acha que eles...
─ Se eu recomendar você, eles aceitarão. Eu não mando clientes que não servem. São apenas pontas, mas será um começo.
─ Nem posso lhe dizer como lhe ficaria grata ─ disse Jill.
─ Acho que tenho um script.
Rose Dunning se levantou com esforço e se dirigiu para outro aposento, fazendo sinal a Jill para segui-la.
O aposento era um quarto com uma cama de casal num canto, sob a janela, e um arquivo de metal do lado oposto. Rose Dunning foi até o arquivo, abriu uma gaveta, tirou o script e o levou até Jill.
─ Aqui está. O diretor de elenco é um bom amigo meu e, se você se sair bem nisso, ele a manterá ocupada.
─ Eu me sairei bem ─ prometeu Jill com fervor.
A mulher sorriu e disse:
─ É claro que não posso recomendar o que não conheço. Você se importa de ler isto para mim?
─ Não, é claro que não.
A empresária abriu a pasta com o script e sentou-se na cama.
─ Vamos ler esta cena.
Jill sentou-se na cama ao lado dela e olhou para o script.
─ Sua personagem é Natalie. É uma moça rica, casada com um fracote. Decidiu-se divorciar-se dele, mas ele não concorda. Você entra aqui.
Jill passou os olhos pela cena rapidamente, gostaria de ter tido a oportunidade de estudar o script durante a noite ou pelo menos por uma hora. Estava desesperadamente ansiosa para causar boa impressão.
─ Pronta?
─ Eu... eu acho que sim ─ disse Jill.
Fechou os olhos e tentou pensar como a personagem. Uma mulher rica. Como as mães das suas amigas com quem tinha crescido, que achavam natural ter tudo que quisessem na vida e que as outras pessoas estavam ali para atender às suas conveniências. As Cissy Topping do mundo. Ela abriu os olhos, olhou para o script e começou a ler.
─ Quero falar com você, Peter.
─ Não pode esperar? ─ era Rose Dunning, dando-lhe a deixa.
─ Acho que já esperei tempo demais. Vou apanhar o avião para Reno esta tarde.
─ Assim, sem mais nem menos?
─ Não, venho tentando apanhar este avião há cinco anos, Peter. Desta vez vou conseguir.
Jill sentiu a mão de Rose Dunning batendo de leve na sua coxa.
─ Está muito bom ─ disse ela em tom aprovador. ─ Continue lendo ─ e deixou a mão ficar na perna de Jill.
─ Seu problema é que você ainda não cresceu. Ainda vive brincando. Bem, de agora em diante, vai ter que brincar sozinho.
A mão de Rose Dunning acariciava a sua coxa. Era desconcertante.
─ Ótimo. Continue ─ disse ela.
─ Eu... eu não quero que você tente entrar em contato comigo nunca mais. Estou sendo bastante clara?
A mão acariciava mais rápido, subindo em direção à virilha de Jill. Ela baixou o script e olhou para Rose Dunning. O rosto da mulher estava corado, os olhos vidrados.
─ Continue lendo ─ disse ela com voz rouca.
─ Eu... eu não posso ─ disse Jill. ─ Se você...
A mão da mulher começou a se mover mais depressa.
─ Isso é para que você entre no estado de espírito certo. É uma briga ligada a sexo, sabe. Quero que você sinta o sexo em você.
Agora a mão dela estava pressionando com mais força, movendo-se entre as pernas de Jill.
─ Não! ─ Jill se levantou, tremendo dos pés à cabeça.
A saliva ia escorrendo pelo canto da boca da mulher.
─ Seja boazinha comigo e eu serei com você ─ a voz dela implorava. ─ Venha cá, querida ─ estendeu os braços, tentando agarrá-la, e Jill fugiu correndo.
Na rua, ela vomitou. Mesmo depois que os terríveis espasmos passaram e o estômago se acalmou, não se sentiu melhor. A dor de cabeça tinha começado de novo.
Não era justo. As dores de cabeça não lhe pertenciam, mas a Josephine Czinski.
Durante os quinze meses seguintes, Jill Castle se tornou um membro efetivo dos "sobreviventes", a tribo de pessoas que viviam à margem do mundo dos espetáculos, que passava anos e às vezes uma vida inteira tentando entrar no "negócio", trabalhando temporariamente em outros empregos. O fato de os empregos temporários durarem às vezes dez ou quinze anos não os desencorajava.
Como as tribos antigas que outrora se sentavam em volta da fogueira para contar e repetir sagas de feitos e atos de bravura, os sobreviventes se sentavam na Schwab's Drugstore, sempre repetindo os contos heroicos do mundo dos espetáculos, fazendo render xícaras de café frio enquanto trocavam as últimas fofocas e dicas de cocheira. Estavam fora do negócio e, no entanto, de alguma maneira misteriosa, estavam bem no âmago de tudo. Sabiam qual era a estrela que ia ser substituída, que produtor tinha sido apanhado dormindo com o diretor, que executivo ia ser promovido. Sabiam essas coisas antes de qualquer outra pessoa, através da sua espécie particular de tambores de selva. Pois o negócio era uma selva. Não tinham ilusões a respeito disso. As ilusões que tinham estavam voltadas para um outro rumo. Achavam que poderiam encontrar uma maneira de passar pelos portões dos estúdios, escalar os seus muros. Eram artistas, eram os "Escolhidos". Hollywood para eles era Jericó. Josué faria soar sua trombeta de ouro, os poderosos portões tombariam diante deles, seus inimigos seriam aniquilados e então a varinha de condão de Sam Winters se moveria e eles, de repente, estariam vestindo roupas de seda e seriam "astros de cinema" e seriam adorados para todo o sempre por um público agradecido, amém. O café da Schwab's era um inebriante vinho sacramental, e eles eram os "discípulos" do futuro, aconchegando-se uns aos outros em busca de conforto, aquecendo-se uns aos outros com seus sonhos, prestes a realmente conseguir. Tinham conhecido um assistente de direção, que lhes havia falado de um produtor, que tinha dito que um diretor de elenco havia prometido, e então, a qualquer momento, a realidade estaria ao alcance deles.
Nesse meio tempo, trabalhavam em supermercados, garagens, salões de beleza e lavadores de automóveis. Viviam uns com os outros e se casavam entre si e se divorciavam e nunca percebiam como o tempo os estava traindo. Não se davam conta das novas rugas que surgiam, das têmperas ficando grisalhas e de que era preciso mais meia hora, toda a manhã, para fazer a maquilagem. Tinham ficado gasto sem terem sido usados, envelhecido sem ter amadurecido, velhos demais para uma carreira em uma agência de modelos, velhos demais para ter filhos, velhos demais para aqueles papéis mais jovens, outrora tão cobiçados.
Agora eram atores que representavam personalidades típicas. Mas ainda sonhavam.
As moças mais jovens e mais bonitas estavam ganhando o que se chamava "dinheiro de colchão".
─ Por que se esgotar num empreguinho qualquer das nove às cinco quando tudo o que se tem de fazer é deitar alguns minutos e ganhar vinte dólares fáceis? E só até o empresário telefonar.
Jill não estava interessada. Seu único interesse na vida era sua carreira. Uma garota polonesa sem dinheiro nunca poderia se casar com David Kenyon. Agora ela sabia disso. Mas Jill Castle, a estrela de cinema, poderia ser qualquer pessoa e qualquer coisa que quisesse. A menos que não o conseguisse. Então voltaria a ser Josephine Czinski de novo.
Nunca deixaria que isso acontecesse.
O primeiro trabalho de Jill como atriz veio através de Harriet Marcus, uma sobrevivente que tinha um primo em terceiro grau, cujo ex-cunhado era subassistente de direção num seriado de televisão sobre médicos que estava sendo filmado nos Universal Studios. Ele concordou em dar uma oportunidade a Jill. O papel consistia em uma única linha, pela qual Jill receberia cinquenta e sete dólares, menos as deduções do seguro, impostos e contribuição para a Casa dos Artistas de Cinema. Jill ia desempenhar o papel de uma enfermeira. De acordo com o script, ela estava num quarto de hospital ao lado de um paciente, tomando-lhe o pulso quando o médico entrava.
MÉDICO: ─ Como vai ele, enfermeira?
ENFERMEIRA: ─ Acho que nada bem, doutor.
E isso era tudo.
Jill recebeu uma única folha mimeografada de script, numa segunda-feira à noite, e disseram-lhe que devia apresentar-se para fazer a maquilagem às seis horas da manhã seguinte. Ela ensaiou a cena dezenas de vezes. Desejava que o estúdio tivesse lhe mandado o script inteiro. Como é que esperavam que ela descobrisse como era a personagem através de apenas uma página? Jill tentou analisar que tipo de mulher a enfermeira poderia ser. Será que ela era casada? Solteira? Poderia estar secretamente apaixonada pelo médico. Ou quem sabe eles haviam tido um caso que chegara ao fim? Que é que ela sentia com relação ao paciente? Será que ela detestava a idéia de que ele fosse morrer? Ou isso seria uma bênção?
─ Acho que nada bem, doutor, ─ ela tentou dar uma nota de preocupação à sua voz.
Tentou de novo:
─ Nada bem, doutor. Acho ─ assustada. Ele ia morrer.
─ Acho que nada bem, doutor ─ acusadora. Era culpa do médico. Se ele não tivesse saído com a amante...
Jill passou a noite inteira acordada, preparando o papel, tensa demais para dormir, mas pela manhã, quando se apresentou no estúdio, sentia-se feliz e cheia de vida. Ainda estava escuro quando chegou à guarita do vigia à direita do Lankershin Boulevard, num carro emprestado por sua amiga Harriet. Jill deu seu nome ao vigia, ele consultou a lista e fez sinal para que entrasse.
─ Cenário Sete ─ disse ele. ─ Siga em frente, depois de dois quarteirões vire à direita.
O nome dela estava na lista de escalação. A Universal estava esperando por ela. Era como um sonho maravilhoso. Enquanto se ia dirigindo até o cenário, decidiu que discutiria seu papel com o diretor, deixaria que ele soubesse que era capaz de lhe dar a interpretação que quisesse. Jill entrou no grande estacionamento e foi para o cenário Sete.
O cenário estava cheio de gente apressada cuidando da iluminação, carregando equipamento elétrico, preparando as câmaras, dando ordens numa língua estrangeira que ela não compreendia.
"Mete o ma lho que eu não quero nem um furo aqui..." 'Aqui eu vou querer um rebu pra valer..." "Pode matar a criança..."
Jill ficou parada ali olhando, saboreando as imagens, os odores e os ruídos do mundo dos espetáculos. Aquele era o seu mundo, o seu futuro. Arranjaria uma maneira de impressionar o diretor, de mostrar-lhe que ela era alguém especial. Ele a conheceria como pessoa, não apenas como mais uma atriz.
O subassistente de direção levou Jill e mais uma dúzia de outras atrizes para o local onde ficavam as roupas, entregaram um uniforme de enfermeira a Jill e mandaram-na de volta para o cenário, onde foi maquilada junto com todos os outros figurantes e pontas num canto do cenário de gravação. Assim que acabaram, o assistente de direção chamou seu nome. Jill saiu apressada para o cenário de quarto do hospital onde o diretor estava de pé junto da câmara, falando com o astro da série. O nome do astro era Rod Hanson, e fazia o papel de um cirurgião cheio de compaixão e sabedoria. Quando Jill se aproximou deles, Rod Hanson estava dizendo:
─ Tenho um pastor alemão capaz de peidar um diálogo melhor do que esta merda. Por que é que os escritores nunca me dão um pouquinho mais de personalidade, pelo amor de Deus?
─ Rod, estamos no ar há cinco anos. Não se melhora um sucesso. O público adora você como é.
O câmara aproximou-se do diretor.
─ A iluminação está pronta, chefe.
─ Obrigado, Hal ─ disse o diretor, e virou-se para Rod Hanson. ─ Podemos fazer isso, amigo? Acabaremos essa discussão mais tarde.
─ Um dia desses, vou mandar este estúdio à merda ─ replicou Hanson, afastando-se furioso.
Jill virou-se para o diretor, que agora estava sozinho. Era a sua oportunidade de discutir a interpretação da personagem, de mostrar a ele que compreendia os seus problemas e que estava ali para ajudar a fazer com que aquela cena fosse magnífica. Abriu um sorriso terno e amistoso.
─ Sou Jill Castle ─ disse ela. ─ Faço o papel da enfermeira. Acho que realmente ela pode ser muito interessante e tenho algumas idéias sobre...
Ele balançou a cabeça distraído e disse:
─ Vá para junto da cama ─ e afastou-se para ir falar com o câmara.
Jill ficou parada olhando para ele, estupefata. O subassistente de direção, ex-cunhado do primo em terceiro grau de Harriet, aproximou-se depressa de Jill e disse em voz baixa:
─ Pelo amor de Deus, não ouviu o que ele disse? Vá para junto da cama!
─ Queria perguntar a ele...
─ Não estrague tudo! ─ murmurou num tom furioso. ─ Vá para lá!
Jill foi para junto da cama do paciente.
─ Muito bem, vamos fazer silêncio, todo mundo.
O assistente de direção olhou para o diretor.
─ Quer um ensaio, chefe?
─ Para isso? Vamos gravar logo.
─ Dê o sinal. Todo mundo quieto. Isso, direitinho. Estamos rodando. Agora!
Sem conseguir acreditar, Jill ouviu o toque. Olhou agoniada para o diretor, querendo perguntar como gostaria que ela interpretasse a cena, qual era o seu relacionamento com o homem moribundo, o que ela deveria...
Uma voz gritou:
─ Ação!
Estavam todos olhando para Jill cheios de expectativa. Ela se perguntou se teria coragem de pedir que parassem as câmaras só por um segundo, de forma que ela pudesse discutir a cena e...
O diretor berrou:
─ Jesus Cristo! Enfermeira! Isso não é um necrotério, é um hospital! Tome o pulso dele antes que ele morra de velhice!
Jill olhou cheia de ansiedade para o círculo de luzes brilhantes à sua volta. Respirou fundo e ergueu a mão do paciente para lhe tomar o pulso. Uma vez que não queriam ajudá-la, teria que interpretar a cena à sua maneira. O paciente era o pai do médico, os dois tinham brigado. O pai tinha sofrido um acidente e o médico acabava de saber do ocorrido. Jill olhou para cima e viu Rod Hanson vir se aproximando. Chegou junto dela e perguntou:
─ Como está ele, enfermeira?
Jill olhou bem nos olhos do médico e viu a preocupação presente neles. Queria dizer a verdade a ele, que seu pai estava morrendo, que era tarde demais para fazerem as pazes. Entretanto, tinha de fazê-lo de uma maneira que não fosse destruí-lo e...
O diretor estava gritando:
─ Corta! Corta! Corta! Que merda, essa idiota só tem uma fala e não consegue se lembrar. Onde foi que você a encontrou... nas Páginas Amarelas?
Jill virou-se para a voz que gritava na escuridão, enrubescida de constrangimento.
─ Eu... eu sei a minha fala ─ disse trémula. ─ Eu estava tentando...
─ Bem, pelo amor de Deus, se você sabe, será que se importaria de dizê-la? Dava para ter passado um trem naquela pausa que você fez. Quando ele lhe fizer a porra da pergunta, responda. OK?
─ Eu só estava querendo saber se...
─ Vamos lá outra vez, agora mesmo. Dê o sinal.
─ Lá vai. Um momento. Estamos rodando.
─ Câmara.
─ Ação.
As pernas de Jill estavam tremendo. Era como se ela fosse a única pessoa ali que se importasse com aquela cena. Tudo que quisera fazer fora criar alguma coisa bonita. As luzes quentes dos refletores estavam fazendo com que ficasse tonta, e podia sentir a transpiração lhe escorrendo pelos braços abaixo, estragando o uniforme impecável e bem-engomado.
─ Ação! Enfermeira!
Jill inclinou-se sobre o paciente e pôs a mão no pulso dele. Se errasse a cena de novo, eles nunca mais lhe dariam uma oportunidade. Pensou em Harriet e nos seus amigos da pensão e no que eles diriam.
O médico entrou e veio até junto dela.
─ Como está ele, enfermeira?
Ela não seria mais um deles. Seria motivo de piadas. Hollywood era uma cidade pequena. Sabia-se de tudo muito depressa.
─ Acho que nada bem, doutor.
Nenhum outro estúdio iria querê-la. Aquele seria o seu último trabalho, o fim de tudo, de todo o seu mundo.
O médico disse:
─ Quero que ponham este homem na unidade de tratamento intensivo imediatamente.
─ Ótimo! ─ exclamou o diretor. ─ Corte e mande para o laboratório.
Jill mal se deu conta das pessoas passando apressadas à sua volta, começando a desmontar o set para dar lugar ao seguinte. Tinha feito a sua primeira filmagem ─ e estivera pensando numa outra coisa o tempo todo. Não podia acreditar que tinha acabado. Perguntou-se se deveria procurar o diretor para agradecer a oportunidade, mas ele estava do outro lado, conversando com um grupo de pessoas. O subassistente de direção veio até junto dela, apertou-lhe o braço e disse:
─ Você se saiu muito bem, menina. Só que da próxima vez veja se aprende suas falas.
Tinha participado de um filme; tinha a sua primeira experiência de trabalho.
"De agora em diante", pensou Jill, "terei trabalho o tempo todo."
O trabalho seguinte só apareceu treze meses depois, quando fez uma ponta para a MGM. Nesse meio tempo, teve uma série de empregos. Foi vendedora da Avon, trabalhou como balconista em um bar e ─ durante um curto espaço de tempo ─ foi motorista de táxis.
Começando a ficar sem dinheiro, Jill decidiu dividir um apartamento com Harriet Marcus. Era um apartamento de dois quartos e Harriet mantinha o seu em funcionamento ininterrupto. Trabalhava numa loja no centro da cidade como modelo; era uma moça atraente, de cabelos negros e curtos, olhos negros, corpo de adolescente e muito senso de humor.
─ Quando se vem de um lugar como Hoboken ─ disse ela a Jill ─ é melhor ter muito senso de humor.
No início, Jill tinha ficado um pouco intimidada com a fria auto-suficiência de Harriet, mas logo descobriu que debaixo daquela fachada sofisticada Harriet era uma criança terna e assustada. Estava sempre apaixonada. No dia em que Jill a conhecera, Harriet dissera:
─ Quero que você conheça Ralph. Vamos nos casar no mês que vem.
Uma semana depois Ralph havia partido com destino ignorado, levando consigo o carro de Harriet.
Alguns dias depois de Ralph ter partido, Harriet conheceu Tony. Trabalhava em importação e exportação e ela apaixonou-se perdidamente por ele.
─ Ele é muito importante ─ confidenciou Harriet.
Mas alguém obviamente não pensava assim, pois um mês depois Tony foi encontrado flutuando no rio Los Angeles, com uma maçã enfiada na boca.
Alex, foi a seguinte paixão de Harriet.
─ É a coisa mais bonita que você já viu ─ contou Harriet a Jill.
Alex era bonito. Vestia-se com roupas caras, dirigia um conversível vistoso e passava muito tempo nas corridas de cavalos. O romance durou até Harriet começar a ficar sem dinheiro. Jill ficava furiosa com a falta de bom senso de Harriet no que dizia respeito aos homens com quem se relacionava.
─ Não posso fazer nada ─ confessou Harriet. ─ Sinto-me atraída por homens com problemas. Acho que é o meu instinto maternal.
Sorriu e acrescentou:
─ Minha mãe era uma idiota.
Jill observava a procissão de noivos de Harriet ir e vir. Houve Nick, Bobby, John e Raymond, até que finalmente Jill não conseguia mais distingui-los.
Alguns meses depois de terem começado a viver juntas, Harriet anunciou que estava grávida.
─ Acho que é de Leonard ─ disse em tom de galhofa, ─ mas, você sabe... eles são todos parecidos no escuro.
─ Onde está Leonard?
─ Ele deve estar em Omaha ou então em Okinawa. Eu sempre fui péssima em geografia.
─ Que é que você vai fazer?
─ Vou ter meu bebê.
Por causa do seu corpo esguio, a gravidez de Harriet tornou-se evidente em poucas semanas e ela teve que desistir do emprego de modelo. Jill arranjou um emprego num supermercado, de maneira a poder sustentar Harriet e a si mesma.
Uma tarde, quando Jill voltou para casa depois do trabalho, encontrou um bilhete de Harriet, dizendo: "Sempre quis que o meu bebê nascesse em Hoboken. Estou voltando para a casa dos meus pais e para minha terra. Tenho certeza de que há um cara maravilhoso por lá, esperando por mim. Muito obrigada por tudo". Estava assinado: "Harriet, a freira".
O apartamento tinha se tornado, de repente, um lugar muito solitário.
21
Era um período inebriante para Toby Temple. Estava com quarenta e dois anos e era dono do mundo. Divertia-se com reis e jogava golfe com presidentes, mas seus milhões de fãs apreciadores de cerveja não se importavam, porque sabiam que Toby era um deles, o paladino que ordenhava todas as vacas sagradas, ridicularizava os grandes e poderosos e arrasava as fundações do sistema. Eles amavam Toby da mesma maneira que sabiam que ele os amava.
Toby lhes falava sobre sua mãe em todas as entrevistas, e ela ia ficando cada vez mais parecida com uma santa. Era a única maneira que achava de dividir seu sucesso com ela.
Toby adquiriu uma bela propriedade em Bel Air. A casa era estilo Tudor, com oito quartos e uma enorme escadaria e arcadas em madeira entalhada à mão vinda da Inglaterra. Tinha uma sala de projeção, uma sala de jogos, uma adega e, no terreno que a rodeava, uma enorme piscina, um quarto para o caseiro e dois chalés para hóspedes. Comprou uma casa muito luxuosa em Palm Springs, cavalos de corrida e contratou um trio de criados. Toby chama todos de "Mac" e eles o adoravam. Faziam todo o tipo de serviço, dirigiam seu carro, arranjavam garotas a qualquer hora do dia ou da noite, acompanhavam-no em viagens, e lhe faziam massagens. O que quer que o patrão desejasse, os três Macs estavam sempre ali para atendê-lo. Eram os bobos da corte do Bobo da Corte do País. Toby tinha quatro secretárias, duas apenas para atender ao enorme fluxo de correspondência dos fãs. A secretária particular era uma loura bonita, de vinte e um anos, chamada Sherry. Seu corpo havia sido desenhado por um maníaco sexual, e Toby insistia em que usasse saias curtas sem nada por baixo. Poupava um bocado de tempo a ambos.
A estréia do primeiro filme de Toby fora um sucesso extraordinário. Sam Winters e Clifton Lawrence estiveram presentes e depois foram todos ao Chasen's para conversar a respeito do filme.
Toby tinha gostado desse primeiro encontro com Sam depois de o contrato ter sido assinado.
─ Teria sido mais barato se você tivesse respondido aos meus telefonemas ─ disse Toby, e contou a Sam como havia tentado entrar em contato com ele.
─ Que falta de sorte a minha ─ disse Sam, com pesar.
Então, ainda sentados no Chasen's, Sam virou-se para Clifton Lawrence.
─ Se você não me tomar um braço e uma perna, gostaria de fazer um novo contrato para três filmes com Toby.
─ Só um braço. Eu lhe telefono amanhã de manhã ─ disse o empresário a Sam e olhou o relógio. ─ Tenho que ir embora.
─ Aonde é que você vai? ─ perguntou Toby.
─ Vou ver um outro cliente. Eu tenho outros clientes, meu caro rapaz.
Toby lançou-lhe um olhar estranho, depois disse:
─ Claro.
Os jornais estavam delirantes na manhã seguinte. Todos os críticos prediziam que Toby seria um grande astro no cinema, como já o era na televisão.
Toby leu todas as críticas, depois telefonou para Clifton Lawrence.
─ Meus parabéns, meu rapaz ─ disse o empresário. ─ Viu o Reporter e o Variety? Aquelas críticas eram cartas de amor.
─ Pois é. É um mundo de queijo fresco e eu sou um grande rato gordo. Será que ainda posso me divertir mais do que isso?
─ Eu lhe disse que um dia você seria dono do mundo, Toby, e agora você é. É todo seu. ─ Havia uma profunda satisfação na voz do empresário.
─ Clifton, gostaria de falar com você. Poderia vir até aqui?
─ Claro, estarei livre por volta das cinco horas e...
─ Quero dizer agora mesmo.
Houve uma breve hesitação, então Clifton disse:
─ Tenho compromissos até...
─ Oh, se você está muito ocupado, esqueça ─ e Toby desligou o telefone.
Um minuto depois a secretária de Clifton Lawrence telefonou e disse:
─ O Sr. Lawrence está a caminho para vê-lo, Sr. Temple.
Clifton Lawrence estava sentado no sofá da sala de Toby.
─ Pelo amor de Deus, você sabe que eu nunca estou ocupado demais para você. Não imaginava que fosse querer me ver hoje, senão não teria assumido outros compromissos.
Toby ficou sentado ali, olhando para ele, deixando que ele suasse no seu desconforto. Clifton pigarreou e disse:
─ Ora, vamos! Você é o meu cliente favorito. Não sabia disso?
"E era verdade", pensou Clifton. "Eu o fiz. Ele é criação minha. Estou gozando tanto o seu sucesso quanto ele mesmo."
Toby sorriu.
─ Sou mesmo, Clifton?
Podia ver a tensão ir deixando o pequeno corpo do empresário.
─ Estava começando a ter dúvidas.
─ Que é que está querendo dizer?
─ Você tem tantos clientes que às vezes eu acho que não me dá atenção suficiente.
─ Isso não é verdade. Passo mais tempo...
─ Eu gostaria que você só se ocupasse de mim, Clifton.
Clifton sorriu.
─ Você está brincando.
─ Não, estou falando sério. ─ Observou o sorriso deixar o rosto de Clifton. ─ Acho que sou suficientemente importante para ter o meu próprio empresário... e quando digo o meu próprio empresário não quero dizer alguém que esteja ocupado demais para mim porque tem que se ocupar de mais uma dúzia de pessoas. É como sexo em grupo, Clifton. Sempre sobra um de pau duro.
Clifton observou-o por um tempo, então disse:
─ Prepare-nos um drinque.
Enquanto Toby ia até o bar, Clifton ficou sentado ali, pensando. Sabia qual era o verdadeiro problema, e não era o ego de Toby, ou o seu sentimento de importância.
Tinha a ver com a solidão dele. Era o homem mais sozinho que Clifton jamais conhecera. Tinha visto Toby comprar mulheres às dúzias e tentar comprar amigos com presentes caros. Ninguém podia pagar uma conta quando ele estava por perto. Uma vez ouvira um músico dizer-lhe: "Você não precisa comprar amor, Toby. Todo mundo ama você sem precisar de nada disso". Toby piscara o olho e dissera: "Por que correu o risco?"
O músico nunca mais trabalhou em seu show.
Toby queria tudo de todo mundo. Tinha uma carência insaciável, e, quanto mais obtinha, mais sua carência crescia.
Clifton tinha ouvido dizer que ele às vezes chegava a ir para a cama com meia dúzia de garotas ao mesmo tempo, tentando saciar a ânsia que o roía. Mas, é claro, não adiantava. O que Toby precisava era de uma garota, e ele ainda não a encontrara. Assim continuava jogando nos números.
Tinha uma necessidade desesperada de ter gente à sua volta o tempo todo.
Solidão. O único momento que ela não estava presente era quando Toby enfrentava uma plateia, quando podia ouvir os aplausos e sentir a adoração. "Era tudo realmente muito simples", pensou Clifton. Quando não estava no palco, levava uma plateia consigo. Estava sempre rodeado por músicos, empregados, coristas, cômicos de todos os tipos, e qualquer outro tipo de pessoas que pudesse atrair para a sua órbita.
E agora ele queria Clifton Lawrence. Exclusivamente para si.
Clifton se ocupava de uma dúzia de clientes, mas o total da renda de todos eles reunidos não era muito maior que o que Toby recebia de clubes noturnos, televisão e cinema, pois os contratos que ele lhe conseguira eram fenomenais. Não obstante, Clifton não tomou sua decisão com base no dinheiro. Ele a tomou porque amava Toby Temple, e o rapaz precisava dele. Da mesma forma que ele precisava de Toby. Clifton se lembrava da monotonia de sua vida antes que Toby passasse a fazer parte dela: durante anos não houvera nenhum novo desafio e ele se limitara a desfrutar os antigos sucessos. Agora, pensava no entusiasmo eletrizante que circundava Toby, no divertimento, nos risos e na profunda camaradagem que os dois partilhavam.
Quando Toby voltou e entregou-lhe o drinque, Clifton levantou o copo num brinde e disse:
─ A nós dois, meu caro rapaz.
Era a temporada dos sucessos, diversões e festas e Toby estava sempre "na moda". As pessoas esperavam que ele as divertisse. Um ator sempre pode se esconder por trás das palavras de Shakespeare, Shaw ou Moière; um cantor pode contar com a ajuda de Gershwin, Rodgers e Hart ou Cole Porter; mas um comediante está sempre despojado. Sua única arma é o humor.
As tiradas de Toby Temple logo se tornaram famosas em Hollywood. Durante uma festa em homenagem ao idoso fundador de certo estúdio, alguém perguntou a Toby:
─ É verdade que ele tem mesmo noventa e dois anos?
─ No duro ─ respondeu ele. ─ Quando chegar aos cem, vão dividi-lo em dois.
Num jantar, certa noite, um famoso médico que tinha muitas estrelas entre seus clientes contou a um grupo de comediantes uma longa e complicada piada.
─ Doutor ─ implorou Toby, ─ não nos divirta, poupe-nos!
Em certa ocasião o estúdio usou leões num filme e ao vê-los passar num caminhão Toby berrou:
─ Cristãos! Dez minutos!
As brincadeiras de Toby tornaram-se lendárias. Um de seus amigos, católico, internou-se para uma pequena cirurgia. Certo dia, quando estava convalescendo, certa vez uma freira jovem e bonita parou ao lado de sua cama e passou-lhe a mão pela testa.
─ Você parece estar bem, descansando... Sua pele é tão macia.
─ Obrigado, irmã.
Ela se debruçou e começou a ajeitar os travesseiros, os seios roçaram no rosto do homem. Involuntariamente, o pobre coitado começou a ter uma ereção. Quando a freira passou a arrumar os cobertores, a mão dela tocou no seu membro, o homem estava mortificado de agonia.
─ Santo Deus ─ disse a freira. ─ Que é isso aqui?
Ela afastou as cobertas, deixando à mostra o pênis duro como pedra.
─ Eu... sinto... sinto muito, irmã ─ gaguejou o homem. ─ Eu...
─ Não peça desculpas. É um pau formidável ─ respondeu ela, enquanto se inclinava sobre o corpo dele.
Passaram-se seis meses até o amigo ficar sabendo que fora Toby quem lhe mandara a mulher.
Certo dia, quando Toby saía de um elevador, virou-se para um solene executivo de certa rede de televisão e disse:
─ A propósito, Will, como foi que você se saiu daquela acusação de atentado ao pudor?
A porta do elevador se fechou, deixando o homem entre meia dúzia de pessoas a encará-lo com olhares desconfiados.
Por ocasião da negociação de um novo contrato, Toby encomendou uma pantera treinada, a ser-lhe entregue no estúdio. Depois, abriu a porta do escritório de Sam Winters quando este se encontrava no meio de uma reunião e disse:
─ Meu agente quer falar com você. ─ Empurrou a pantera para dentro do escritório e fechou a porta.
Ao contar a história mais tarde, Toby disse:
─ Três dos caras que estavam lá dentro quase tiveram um enfarte. O pessoal levou um mês para livrar a sala do cheiro de mijo da pantera.
Havia uma equipe de dez redatores trabalhando para Toby, sob a direção de O'Hanlon e Rainger. Ele se queixava frequentemente do material produzido por esse pessoal. Certa vez, incluiu uma prostituta na equipe, mas, quando soube que os redatores estavam passando a maior parte do tempo no quarto, teve de despedi-la. Noutra ocasião, levou um tocador de realejo e seu mico para uma reunião. Foi uma situação humilhante e aviltrante, mas os redatores a aguentaram porque Toby transformou o material que haviam preparado em puro ouro. Ele era o melhor em seu gênero.
A generosidade de Toby era pródiga. Presenteava seus empregados e amigos com relógios e isqueiros de ouro, guarda-roupas completos e viagens à Europa. Andava sempre com enorme quantidade de dinheiro e pagava tudo em espécie, inclusive dois Rolls-Royce. Era um mão-aberta. Todas as sexta-feiras uma dúzia de parasitas de indústria cinematográfica fazia fila para uma distribuição de ajuda. Certa vez, Toby disse a um dos habituais frequentadores:
─ Ei, que é que você está fazendo aqui hoje? Acabei de ler no Variety que você arranjou trabalho num filme.
O homem olhou para Toby e disse:
─ Droga, então não tenho direito a aviso prévio de duas semanas?
Havia milhares de histórias sobre Toby e quase todas eram verdadeiras. Certo dia, durante uma reunião, um dos redatores chegou atrasado, pecado imperdoável.
─ Perdão pelo atraso ─ desculpou-se. ─ Meu filho foi atropelado por um carro esta manhã.
Toby olhou para o homem e perguntou:
─ Você trouxe as piadas?
Todos os presentes ficaram chocados. Após a reunião, um dos redatores disse a O'Hanlon:
─ Ele é o maior filho da puta deste mundo. Se você estivesse pegando fogo, ele lhe venderia água.
Toby mandou buscar um grande especialista em cirurgia cerebral para operar o menino e pagou todas as despesas do hospital. Ao pai do garoto, ele disse:
─ Se você contar isso a alguém, está no olho da rua.
O trabalho era a única coisa que fazia Toby esquecer sua solidão, a única coisa que lhe proporcionava alegria genuína. Se um espetáculo fazia sucesso, Toby era a companhia mais divertida do mundo; mas, se a coisa corria mal, transformava-se num demónio, atacando todo o alvo a seu alcance com o selvagem humor de que era dotado.
Era um possessivo. Certa vez, durante uma reunião, segurou a cabeça de Rainger com as duas mãos e proclamou para os presentes:
─ Isto aqui é meu. Isto me pertence.
Ao mesmo tempo, passou a odiar os redatores, porque precisava deles e não queria precisar de ninguém. Por isso, tratava-os com desprezo. No dia de pagamento, Toby fazia aviõezinhos com os cheques deles e lançava-os ao ar. Despedia-os pelas faltas mais insignificantes. Certo dia um deles apareceu queimado de sol e Toby mandou que fosse imediatamente dispensado.
─ Por que fez isso? ─ perguntou O'Hanlon. ─ Ele é um dos nossos melhores redatores.
─ Se estivesse trabalhando ─ respondeu Toby, ─ não teria tido tempo de pegar aquela cor.
Um novo redator apresentou uma piada sobre mães e foi despedido.
Se um dos convidados de seu show provocasse grandes gargalhadas, Toby exclamava:
─ Você é genial! Quero você no show toda a semana.
Olhava para o produtor e dizia:
─ Está me ouvindo? ─ e o produtor sabia que aquele ator jamais deveria participar do show outra vez.
Toby era um conjunto de contradições. Tinha ciúmes do sucesso de outros cômicos, mas certa vez teve uma atitude notável. Um dia, quando Toby saía de um ensaio, passou pelo camarim do antigo astro da comédia Vinnie Turkel, cuja carreira há muito entrara em declínio. Vinnie fora contratado para seu primeiro papel dramático numa peça ao vivo na televisão e tinha esperança de que isso viesse a marcar seu retorno. Nessa ocasião, espiando para dentro do camarim, Toby viu Vinnie no sofá, bêbado. O diretor do show aproximou-se e disse:
─ Deixe-o, Toby. Ele está acabado.
─ Que aconteceu?
─ Bom, você sabe que a marca registada de Vinnie sempre foi a voz aguda e trémula. Ele começou os ensaios e cada vez que abriu a boca e tentava parecer sério, todo mundo caía na gargalhada. Isso destruiu o velho.
─ Ele estava contando com esse papel, não estava? ─ perguntou Toby.
─ Todo ator sempre conta com todo papel ─ disse o diretor, dando de ombros.
Toby levou Vinnie Turkel para sua casa e fez-lhe companhia, obrigando-o a ficar sóbrio.
─ Esse é o melhor papel que você já teve na vida. Será que vai estragar tudo?
Vinnie abanou a cabeça, deprimido.
─ Já estraguei, Toby. Não posso fazê-lo.
─ Quem falou que não? ─ pressionou Toby. ─ Você pode fazer aquele papel melhor do que ninguém.
O velho sacudiu a cabeça:
─ Eles riram de mim.
─ Claro que riram. E sabe por quê? Porque você passou a vida fazendo-os rir. Eles esperam que você fosse engraçado. Mas, se continuar tentando, acabará convencendo-os. Você os liquidará.
Toby passou o resto da tarde restaurando a confiança de Vinnie. Nessa noite, telefonou para a casa do diretor.
─ Turkel está bem agora ─ disse Toby. ─ Você não precisa se preocupar.
─ Sei disso ─ retrucou o diretor. ─ Já o substituí.
─ Cancele a substituição ─ falou Toby. ─ Você tem de dar um estímulo a ele.
─ Não posso correr o risco, Toby. Ele vai se embriagar de novo e...
─ Sabe, vou fazer o seguinte ─ propôs Toby. ─ Ficarei com ele aqui. Se após o ensaio geral você ainda não quiser conservá-lo, assumirei o papel dele e trabalharei sem cobrar nada.
Houve uma pausa e o diretor disse:
─ Ei! Você está falando sério?
─ Pode apostar.
─ Negócio fechado ─ replicou o diretor apressadamente. ─ Diga a Vinnie que o ensaio é amanhã, às nove.
Quando o show foi ao ar, tornou-se o sucesso da temporada. E o trabalho que os críticos destacaram foi o de Vinnie Turkel. Ele ganhou todos os prêmios da televisão e se lançou numa nova carreira como ator dramático. Quando enviou um presente caro a Toby, para demonstrar sua gratidão, este o devolveu com um bilhete: "Não sou eu o responsável, é você". Assim era Toby Temple.
Poucos meses mais tarde, contratou Vinnie Turkel para um número em seu show. Vinnie invadiu uma de suas piadas e desse momento em diante Toby passou a lhe dar deixas erradas, destruiu suas piadas e humilhou-o diante de quarenta milhões de pessoas.
Isso também era Toby Temple.
Alguém perguntou a O'Hanlon como era realmente e a resposta foi:
─ Você se lembra do filme em que Charles Chaplim, encontrou o milionário? Quando o milionário fica bêbado, é amigão de Chaplim; quando está sóbrio, joga-o na rua. Assim é Toby Temple, só que sem a bebida.
Certa vez, numa reunião com os diretores de uma rede de televisão, um dos executivos pouco falou. Mais tarde, Toby disse a Clifton Lawrence:
─ Acho que ele não gostou de mim.
─ Quem?
─ Aquele garoto na reunião.
─ Que importância tem isso? Não passa de um assistentezinho qualquer.
─ Não me disse uma palavra ─ comentou Toby, deprimido. ─ Não gosta mesmo de mim.
Toby ficou tão impressionado que Clifton Lawrence teve de procurar o jovem executivo. Telefonou no meio da noite para o homem, que ficou estupefato, e perguntou:
─ Você tem alguma coisa contra Toby Temple?
─ Eu? Eu acho que ele é o cara mais engraçado do mundo!
─ Então, meu caro rapaz, será que você me faria um favor? Telefone para ele e diga isso.
─ Quê?
─ Telefone para Toby e diga que gosta dele.
─ Bom, claro. Telefonarei logo de manhã cedo.
─ Telefone agora.
─ São três horas da manhã!
─ Não tem importância. Ele está esperando.
Quando o executivo ligou para Toby, este atendeu imediatamente. O rapaz ouviu a voz de Toby dizendo: "Oi". Engoliu em seco e falou:
─ Eu... eu queria lhe dizer que acho você genial.
─ Obrigado, meu chapa ─ respondeu Toby e desligou.
O séquito de Toby aumentou. Às vezes ele telefonava para amigos no meio da noite, convidando-os para jogar cartas, ou acordava O'Hanlon e Rainger para discutir temas. Muitas vezes passava a noite em claro projetando filmes em casa, na companhia dos três Macs, Clifton Lawrence e meia dúzia de starlets e parasitas.
E quanto mais gente houvesse à sua volta, mais solitário se sentia.
22
Era novembro de 1963 e o sol do outono cedera lugar a uma luminosidade ténue e fria. As primeiras horas da manhã já eram nevoentas e geladas agora; haviam começado as primeiras chuvas de inverno.
Jill Castle ainda aparecia no Schwab's todas as manhãs, mas parecia-lhe que as conversas eram sempre as mesmas. Os sobreviventes falavam de quem perdera papéis e por quê; eles se deliciavam com as más notícias que apareciam e depreciavam as boas novas. Era a trenodia dos perdedores e Jill começou a imaginar se não estaria se tornando um deles. Ainda tinha certeza de que seria Alguém, mas ao examinar os rostos familiares à sua volta compreendeu que eles sentiam o mesmo a respeito de si próprios. Seria possível que todos tivessem perdido contato com a realidade, que todos apostassem num sonho que jamais se concretizaria? Ela não podia suportar tal idéia.
Jill se tornara confidente e conselheira do grupo. Os outros lhe traziam seus problemas, ela ouvia e tentava ajudar, com conselhos, uns poucos de dólares ou um lugar para dormir por uma ou duas semanas. Raramente saía com rapazes porque estava absorvida em sua carreira e não encontrara ninguém que a atraísse.
Sempre que conseguia economizar algum dinheiro, Jill o enviava à mãe juntamente com longas e animadas cartas contando seus sucessos. No começo a mãe respondera incitando Jill a se arrepender e tornar-se esposa do Senhor. Mas à medida que Jill começou a fazer um ou outro filme e mandar mais dinheiro para casa, sua mãe passou a mostrar um relutante orgulho pela carreira da filha. Já não rejeitava a idéia de vê-la atriz, mas insistia com ela para arranjar papéis em filmes religiosos. "Estou certa de que o Sr. DeMille lhe daria um papel se você lhe explicasse sua formação religiosa" ─ escreveu ela.
Odessa era uma cidade pequena. Sua mãe ainda trabalhava para a gente de petróleo e Jill sabia que ela falava a seu respeito, e que mais cedo ou mais tarde David Kenyon ficaria sabendo de seu sucesso. E por isso, nas cartas, Jill inventava histórias sobre as estrelas com quem trabalhava, cuidando sempre de usar seus primeiros nomes. Aprendeu o truque típico dos que fazem pontas: conseguir que o fotógrafo do set a fotografasse ao lado da estrela. O fotógrafo lhe dava duas cópias: Jill mandava uma para a mãe e guardava a outra. Nas cartas, dava a entender que estava a um passo do estrelato.
Como de costume, no sul da Califórnia, onde nunca neva, três semanas antes do Natal há uma parada pelo Hollywood Boulevard e todas as noites um carro alegórico de Papai Noel faz o mesmo percurso. Os habitantes de Hollywood levam tão a sério a comemoração do nascimento de Cristo quanto seus vizinhos do norte. Não é culpa deles se Noite feliz e outras canções natalinas se derramam pelos rádios em lares e carros onde a população está se derretendo numa temperatura de quarenta graus. Eles anseiam pelo tradicional Natal branco tão ardentemente quanto quaisquer outros norte-americanos patriotas de sangue quente, mas, como sabem que Deus não lhes proporcionará isso, aprenderam a criar seu próprio Natal. Engalanam as ruas com luzes coloridas e árvores de Natal plásticas, imagens de Papai Noel feitas de papier mâché, com trenó e renas. Estrelas e atores disputam o privilégio de participar da Parada Natalina; não porque estejam interessados em alegrar o clima da festa para os milhares de crianças e adultos que assistem ao desfile, mas porque este é sempre televisionado, de modo que seus rostos podem ser vistos de costa a costa.
Jill Castle estava numa esquina, sozinha, assistindo ao longo desfile de carros alegóricos levando as estrelas, que acenavam para os fãs admirando-as lá de baixo. Nesse ano, o mestre-de-cerimônias do desfile era Toby Temple. A multidão de adoradores aplaudia freneticamente a passagem de seu carro alegórico. Jill viu de relance o rosto exultante e inocente de Toby, que seguiu adiante.
Passou a Banda do Colégio de Hollywood tocando, seguida por um carro alegórico do Templo Maçônico e uma banda do corpo de fuzileiros navais. Depois vieram cavaleiros vestidos de cowboys; uma banda do Exército de Salvação, seguido por membros da seita Shriner; grupos que cantavam, levando bandeiras e flâmulas; um carro da Fazenda Knott Berry com animais e pássaros feitos de flores; carros de bombeiros; palhaços e bandas de jazz. Talvez não refletisse exatamente o espírito do Natal, mas tratava-se de um espetáculo puramente hollywoodiano.
Jill trabalhava com alguns atores que estavam nos carros alegóricos. Um deles acenou e gritou-lhe:
─ Ei, Jill! Tudo bem?
Na multidão, várias pessoas se viraram para olhá-la com inveja, o que deu a Jill uma deliciosa sensação de importância pelo fato de as pessoas saberem que ela fazia parte do negócio. Uma voz profunda e grave a seu lado falou:
─ Com licença, você é atriz?
Jill se virou. Era um rapaz alto, louro e bonito, aparentando vinte e poucos anos. Tinha o rosto bronzeado, dentes brancos e regulares. Vestia jeans velhos e um paletó de tweed azul com reforço de couro nos cotovelos.
─ Sou.
─ Eu também. Isto é, sou ator ─ ele sorriu e acrescentou: ─ Dando duro
Jill apontou para si mesma e disse:
─ Dando duro.
O rapaz riu:
─ Posso lhe oferecer um café?
Chamava-se Alan Preston e viera de Salt Lake City, onde seu pai era presbítero da Igreja Mórmon.
─ Fui criado com excesso de religião e falta de divertimento ─ confiou a Jill.
"É quase profético", pensou Jill. "Temos exatamente o mesmo tipo de formação."
─ Sou um bom ator ─ disse Alan com mágoa, ─ mas não resta dúvida de que esta cidade é dura. Na minha terra, todo mundo procura se ajudar. Aqui, parece que todos estão dispostos a passar por cima uns dos outros.
Os dois conversaram até a hora de a lanchonete fechar e a essa altura já se haviam tornado velhos amigos. Quando Alan perguntou: "Quer vir até minha casa?", Jill hesitou por um momento apenas antes de responder: "OK".
Alan Preston vivia numa pensão perto d Avenida Highland, a dois quarteirões de Hollywood Bowl. Ocupava um quarto pequeno nos fundos.
─ Este lugar devia se chamar "Os Rebotalhos" ─ disse Jill. ─ Você devia ver os tipos que moram aqui. Todos acham que vão vencer no show business.
"Tal como nós", pensou Jill.
A mobília do quarto de Alan consistia em cama, escrivaninha, cadeira e uma mesinha prestes a desmontar.
─ Estou só esperando até mudar para meu apartamento ─ explicou Alan.
─ É o meu caso também ─ disse Jill rindo.
Alan tentou abraçá-la e Jill resistiu.
─ Não, por favor.
Ele a olhou por um instante e disse gentilmente:
─ OK.
De súbito, Jill sentiu-se embaraçada. Afinal de contas, que estava ela fazendo no quarto desse homem? Sabia qual era a resposta: estava desesperadamente só. Ansiava por alguém com quem conversar, pela sensação de ser abraçada por um homem que a confortasse e lhe dissesse que tudo daria certo. Fazia tanto tempo. Ela pensou em David Kenyon, mas aquilo fazia parte de outra vida, outro mundo. Queria-o tanto que chegava a doer. Mais tarde, quando Alan Preston tornou a abraçá-la, Jill fechou os olhos: era David que a beijava, que a despia e com ela fazia amor.
Jill passou a noite com Alan e poucos dias depois ele se mudou para o pequeno apartamento em que ela morava.
Alan Preston era o homem menos complicado que Jill conhecera. Era despreocupado e tranquilo, vivendo cada dia tal como se apresentava, sem qualquer interesse pelo amanhã. Quando Jill argumentava com ele sobre essa maneira de viver, Alan dizia:
─ Ei, você se lembra de Encontro em Samarra? Se tem que acontecer, vai acontecer. O destino virá ao seu encontro, não precisa sair à procura dele.
Alan ficava dormindo enquanto ela saía para procurar emprego. Ao voltar, ela o encontrava numa poltrona, lendo ou tomando cerveja com amigos. Alan não ajudava nas despesas da casa.
─ Você é uma boba ─ disse a Jill uma de suas amigas. ─ Ele está usando sua cama, comendo sua comida, bebendo sua bebida. Livre-se dele.
Mas Jill não fez nada disso.
Pela primeira vez compreendeu Harriet, compreendeu todas as amigas que se agarravam, desesperadamente a homens que não amavam, homens que odiavam.
Era o medo da solidão.
Jill estava sem emprego. Faltavam poucos dias para o Natal e ela estava reduzida a seus últimos dólares, e tinha de mandar um presente para a mãe. Foi Alan quem resolveu o problema. Ele saíra cedo certa manhã, sem dizer aonde ia; ao voltar, disse a Jill:
─ Arranjei um emprego.
─ Que tipo de emprego?
─ De ator, é claro. Nós somos artistas, não somos?
Jill olhou para ele, cheia de uma súbita esperança.
─ Você está falando sério?
─ Lógico que estou. Encontrei um amigo meu que é diretor. Ele começa uma filmagem amanhã e há papéis para nós dois. Cem dólares para cada um por um dia de trabalho.
─ Que maravilha! exclamou Jill. ─ Cem dólares!
Com isso, poderia comprar uma peça de lã para a mãe fazer um casaco de inverno e ainda sobraria o suficiente para uma boa bolsa de couro.
─ É um filme à-toa. A filmagem é nos fundos de uma garagem.
─ Que é que nós temos a perder? ─ falou Jill. ─ É trabalho.
A garagem ficava no lado sul de Los Angeles, num bairro que, no espaço de uma geração, passava de exclusivo a classe-média e daí a lixo.
Os dois foram recebidos na porta por um sujeito baixo e moreno, que apertou a mão de Alan e disse:
─ Parabéns, meu chapa. Genial.
Virou─se para Jill e deu um assobio de admiração.
─ Sua descrição foi exata, malandro. Ela é um pedaço.
─ Jill, este é Peter Terraglio. Jill Castle ─ apresentou Alan.
─ Como vai? ─ disse Jill.
─ Peter é o diretor ─ explicou Alan.
─ Diretor, produtor, chefe dos lavadores de garrafas. Faço um pouco de tudo. Vamos entrar.
Ele os conduziu através da garagem vazia até uma passagem que levava ao que fora um dia os aposentos da criadagem. Havia dois quartos dando para o corredor e um deles tinha a porta aberta. À medida que se aproximavam, podiam ouvir vozes lá dentro. Jill espiou da porta e recuou subitamente, chocada, sem conseguir acreditar. No centro do quarto havia uma cama com quatro pessoas despidas; um negro, um mexicano e duas moças, uma branca e uma negra. Um cameraman acendia as luzes do cenário enquanto uma das moças praticava felação no mexicano. A garota fez uma pausa para tomar fôlego e disse:
─ Anda pau. Endurece.
Jill sentiu-se tonta. Virou-se para voltar ao corredor e sentiu que suas pernas perdiam as forças. Alan passou o braço em volta dela, apoiando-a.
─ Você está bem?
Jill não conseguiu responder. Sua cabeça começara a doer terrivelmente e ela sentia pontadas no estômago.
─ Espere aqui ─ ordenou Alan.
Ele voltou num minuto, com um vidro de pílulas vermelhas e um trago de vodca. Pegou duas pílulas e deu-as a Jill.
─ Isso vai fazer você melhorar.
Jill pôs as pílulas na boca, sentindo a cabeça latejar.
─ Engula isso ─ disse Alan entregando-lhe a bebida.
Ela obedeceu.
─ Aqui está ─ Alan deu-lhe outra pílula, que ela engoliu com vodca. ─ Você precisa descansar um pouco.
Conduziu Jill ao quarto vazio e ela se deitou na cama, movendo-se com lentidão. As pílulas estavam começando a fazer efeito. Ela já se sentia melhor. O gosto amargo de bílis desaparecera de sua boca.
Quinze minutos depois, a dor de cabeça começou a passar. Alan deu-lhe outra pílula e, sem pensar, Jill a engoliu. Tomou outra vodca. Era uma bênção o fato de aquela dor passar. Alan agiu de modo estranho, andando em volta da cama.
─ Fique quieto.
─ Estou quieto.
Jill achou graça e começou a rir. Riu até que as lágrimas lhe rolaram pelo rosto.
─ Que... que pílulas são essas?
─ Contra dor de cabeça, meu bem.
Terraglio espiou para dentro do quarto e perguntou:
─ Como vão as coisas? Todo mundo alegre?
─ Todo... todo mundo alegre ─ balbuciou Jill.
Terraglio acenou com a cabeça para Alan:
─ Cinco minutos ─ e saiu apressadamente.
Alan inclinou-se sobre Jill, afagou-lhe os seios e as coxas, levantou-lhe a saia e começou a acariciá-la entre as pernas. Era uma sensação maravilhosamente excitante e de repente Jill quis tê-lo dentro de si.
─ Olhe, meu bem ─ disse Alan, ─ eu não lhe pediria para fazer nada de mau. Você só tem de fazer amor comigo. É o que fazemos mesmo, só que desta vez seremos pagos. Duzentos dólares. E é tudo seu.
Ela abanou a cabeça, mas pareceu-lhe uma eternidade o tempo que levou para movê-la de um lado para outro.
─ Não posso fazer isso ─ falou indistintamente.
─ Por que não?
Jill teve de se concentrar para lembrar.
─ Porque eu... eu vou ser uma estrela. Não posso fazer filmes pornográficos.
─ Quer trepar comigo?
─ Oh, sim! Quero você, David.
Alan começou a dizer algo e então sorriu.
─ Claro, meu bem. Também quero você. Vamos lá.
Pegou a mão de Jill e ergueu-a da cama. Ela se sentiu como se estivesse voando. Estavam no hall, depois entrando no outro quarto.
─ OK ─ disse Terraglio ao vê-los. ─ Mantenham o mesmo cenário. Vamos injetar um pouco de sangue novo.
─ Quer que eu troque os lençóis? ─ perguntou um membro da equipa.
─ Que merda acha que nós somos, a Metro?
Jill estava agarrada a Alan.
─ David, aqui tem gente.
─ Eles vão sair ─ garantiu Alan. ─ Tome.
Pegou outra pílula e entregou-a a Jill; encostou a garrafa de vodca em seus lábios e ela engoliu-a. Desse momento em diante, tudo aconteceu como num nevoeiro. David a estava despindo dizendo palavras de conforto. Seu corpo nu aproximou-se dela. Surgiu uma luz ofuscante, cegando-a.
─ Ponha isso na boca ─ disse ele, e era David quem falava.
─ Oh, sim.
Ela o afagou carinhosamente e começou a pô-lo na boca, enquanto alguém no quarto dizia alguma coisa que Jill não conseguiu ouvir, e David se afastou, de modo que ela teve de virar o rosto para a luz e apertar os olhos por causa da claridade. Sentiu que a empurravam para que se deitasse de costas e de repente David estava dentro dela, fazendo amor, e ao mesmo tempo Jill sentiu o pênis dele em sua boca. Amava-o tanto. As luzes a incomodavam e também as conversas em segundo plano. Queria dizer a David que os fizesse parar, mas estava num êxtase delirante, com um orgasmo após outro, até sentir como se o corpo fosse se romper. David a amava, não a Cissy; voltara para ela e os dois estavam casados. Estavam vivendo uma lua-de-mel maravilhosa.
─ David... ─ disse ela.
Abriu os olhos e o mexicano estava sobre ela, passando a língua em seu corpo. Tentou perguntar-lhe onde estava David, mas não conseguiu articular as palavras. Fechou os olhos, enquanto o homem fazia coisas deliciosas em seu corpo. Quando tornou a abri-los, o homem havia de algum modo se transformado numa moça de longos cabelos ruivos e seios grandes que se arrastavam sobre o estômago de Jill. Então a mulher começou a fazer algo com a língua e Jill fechou os olhos e perdeu a consciência.
Os dois homens, de pé, olhavam para a figura na cama.
─ Ela vai ficar bem? ─ perguntou Terraglio.
─ Claro ─ disse Alan.
─ Você arranja umas ótimas ─ comentou Terraglio com admiração. ─ Ela é fantástica. A mais bonita de todas.
─ O prazer é meu ─ Alan estendeu a mão.
Terraglio tirou um maço de notas do bolso e separou duas.
─ Aqui está. Quer aparecer para um jantarzinho de Natal? Stella adoraria ver você.
─ Não posso ─ disse Alan. ─ Vou passar o Natal com a mulher e os garotos. Pego o próximo avião para a Flórida.
─ Isso aqui vai dar um filmaço ─ Terraglio balançou a cabeça em direção à moça inconsciente. ─ Como é que devemos apresentá-la?
Alan sorriu.
─ Por que não usam o verdadeiro nome dela? É Josephine Czinski. Quando o filme passar em Odessa, os amigos dela vão se divertir um bocado.
23
Eles haviam mentido. O tempo não era um amigo que curava todas as feridas, era o inimigo que devastava e mutilava a juventude. As temporadas se sucediam e cada uma trazia nova safra do "produto" para Hollywood. A competição pedia carona, chegava de moto, trem e avião. Todos com dezoito anos, tal como Jill tivera um dia. Tinham pernas longas, eram ágeis, com os rostos jovens, frescos e ávidos, sorrisos brilhantes que não precisavam de jaquetas. E à chegada de cada nova safra, Jill ficava um ano mais velha. Um dia ela olhou no espelho e era 1964. Já tinha vinte e cinco anos.
No começo, a experiência do filme pornográfico deixara-a apavorada. Vivera com o pavor de que algum diretor de elenco ficasse sabendo e lhe desse bilhete azul. Mas à medida que se passaram as semanas e os meses, Jill foi esquecendo seus terrores. Contudo, ela mudara. Cada ano que passara deixara-lhe uma marca, uma pátina de dureza, como os anéis que nas árvores marcam a passagem do tempo. Começou a odiar as pessoas que não lhe davam oportunidade de representar, que faziam promessas jamais compridas.
Havia embarcado numa interminável série de empregos monótonos e nada gratificantes. Foi secretária, recepcionista, cozinheira, baby-sitter, modelo, garçonete, telefonista, vendedora. Só enquanto esperava "a chamada".
Mas “a chamada” não veio nunca. E a amargura de Jill aumentou. De vez em quando fazia pontas e dizia uma frase, mas isso jamais levava a nada. Olhou no espelho e recebeu a mensagem do tempo: "Depressa". Ver sua própria imagem era como examinar camadas do passado: ainda havia sinais da jovem que chegara a Hollywood sete intermináveis anos atrás. Mas a jovem tinha pequenas rugas nos cantos dos olhos e linhas mais fundas das asas do nariz até o queixo, sinais de alerta do tempo que se escoava e do sucesso jamais alcançado, lembranças das incontáveis, terríveis, pequenas derrotas. "Depressa, Jill, depressa!"
E foi assim quando Fred Kapper, um dos diretores-assistente da Fox, de dezoito anos, disse a ela que lhe daria um bom papel se fosse para a cama com ele, Jill chegou à conclusão de que era hora de aceitar.
Encontrou Fred Kapper no estúdio, na hora do seu almoço.
─ Só tenho meia hora ─ disse ele. ─ Deixe-me pensar onde podemos ficar à vontade.
Parou um momento, concentrado, e então se animou:
─ A sala de som. Vamos.
A sala de som era uma cabine de projeção, à prova de som, onde as trilhas sonoras eram reunidas num único carretel.
Fred Kapper examinou a sala vazia e disse:
─ Merda! Costumava haver um sofazinho aqui ─ deu uma olhada no relógio. ─ Temos de nos arranjar assim mesmo. Tire a roupa, meu anjo. O pessoal do som estará de volta em vinte minutos.
Jill encarou-o por um momento, sentindo-se como uma prostituta. Mas não o demonstrou. Tentara à sua maneira e não deu certo. Agora, agiria à maneira deles. Tirou o vestido e a calcinha. Kapper não se deu ao trabalho de se despir; simplesmente abriu o zíper e expôs o pênis tumescente. Olhou para Jill e sorriu:
─ Que beleza de traseiro. Vire de costas.
Jill procurou algo em que se apoiar. Diante dela estava a máquina de gargalhadas, uma mesa sobre rodas com gravações de riso em fita, controlada por botões externos.
─ Vamos, incline-se.
Jill hesitou por um momento e então se inclinou, apoiada nas mãos. Kapper se aproximou por trás e ela percebeu seus dedos abrindo-lhe as nádegas. Um instante depois sentiu a pressão da cabeça do pênis contra seu ânus.
─ Espere ─ disse ela. ─ Assim não! Eu... eu não posso...
─ Grite para mim, querida!
E ele mergulhou o membro dentro dela, dilacerando-a com uma dor terrível. A cada grito, ele enfiava mais fundo e com mais força. Ela tentou desesperadamente escapar mas Fred segurava-lhe os quadris, entrando e saindo sucessivamente, apertando-a com firmeza. Jill perdeu o equilíbrio e, quando procurou se apoiar, seus dedos tocaram os botões da máquina de gargalhadas e imediatamente na sala ressoou um riso louco. Enquanto Jill se debatia numa agonia de dor, suas mãos socavam a máquina: uma mulher riu baixinho, um grupo de pessoas gargalhou, uma menina deu um riso idiota, uma centena de vozes grasnaram, cacarejaram e gargalharam, rindo de alguma piada secreta e obscena. O eco ressoou histericamente pelas paredes enquanto Jill gritava de dor.
De repente sentiu uma série de rápidos estremecimentos e um segundo depois a estranha carne foi retirada de dentro dela. Lentamente, os risos cessaram na sala. Jill ficou imóvel, os olhos cerrados, lutando contra a dor. Quando finalmente conseguiu se aprumar e virar-se, deu com Fred Kapper fechando o zíper.
─ Você foi sensacional, querida. Aqueles gritos realmente me excitaram.
E Jill imaginou que espécie de monstro seria ele quando tivesse dezenove anos.
Ao notar que ela sangrava, Fred disse:
─ Vá se limpar e venha ao palco 12. Você começa a trabalhar esta tarde.
Depois daquela primeira experiência, o resto foi fácil. Jill passou a trabalhar regularmente em todos os estúdios: Warner Brothers, Paramout, MGM, Universal, Columbia, Fox. Em toda a parte, de fato, menos no estúdio de Disney, onde não havia sexo.
A papel que Jill criou na cama era uma fantasia e ela representava com talento, como se estivesse desempenhando um papel. Leu livros sobre erotismo oriental, comprou afrodisíacos e estimulantes numa sex shop do Santa Monica Boulevard. Tinha uma loção trazida do Oriente por uma aeromoça, com um levíssimo toque de ervas. Aprendeu a massagear seus amantes, lenta e sensualmente. "Deite-se e pense no que estou fazendo em seu corpo", murmurava. Passava a loção no peito do homem, descendo pelo estômago até a virilha, em suaves movimentos circulares. "Feche os olhos e aproveite."
Seu dedo era leve como uma asa de borboleta, movendo-se pelo corpo do homem, acariciando-o. Quando a ereção começava, Jill segurava o pênis e afagava-o delicadamente, passando a língua entre as pernas do homem até fazê-lo torcer-se de prazer; depois continuava lentamente até os dedos dos pés. Em seguida fazia-o virar-se e começava tudo de novo. Quando o membro de um homem estava flácido, Ela o colocava entre os lábios da vagina e fazia-o penetrar lentamente, sentindo-o crescer e endurecer. Ensinou aos homens a técnica da cachoeira, como se excitar ao máximo e então parar imediatamente antes do orgasmo, para tornar a se excitar, repetidas vezes, e quando o orgasmo finalmente era atingido, vinha como uma explosão de êxtase. Os homens tinham seu prazer, vestiam-se e iam embora. Ninguém jamais ficava tempo suficiente para proporcionar a ela aqueles adoráveis cinco minutos do sexo, o calmo abraço de depois, o pacífico oásis nos braços de um amante.
Dar a Jill pequenos papéis nos filmes era um preço baixo a pagar pelo prazer que ela proporcionava aos diretores de elenco, aos assistentes de direção, diretores e produtores. Ela passou a ser conhecida na cidade como um "quente pedaço de traseiro" e todo mundo queria abocanhar sua parte. E Jill deixava. A cada vez que o fazia, havia nela menos amor e dignidade, mais ódio e amargura.
Não sabia como nem quando, mas tinha certeza de que um dia essa cidade lhe pagaria por tudo que lhe fizera.
Durante os cinco anos que se seguiram, Jill apareceu em dúzias de filmes, programas de televisão e comerciais. Era ela a secretária que dizia: "Bom dia, Sr. Stevens'; a baby-siter que assegurava "Não se preocupe, divirtam-se que eu porei as crianças para dormir"; a ascensorista que anunciava "Sexto andar" e a moça com roupas de esquiadora que afirmava "Todas as minhas amigas usam Daintie". Mas jamais aconteceu coisa alguma. Ela era um rosto sem nome na multidão. Fazia parte do Negócio mas ao mesmo tempo estava de fora, e não podia suportar a idéia de passar o resto da vida dessa maneira.
Em 1969 a mãe de Jill morreu e ela foi a Odessa para o funeral. Era fim de tarde e havia menos de uma dúzia de pessoas presentes ao serviço fúnebre, dentre os quais não se contava nenhuma das mulheres para quem a mãe de Jill trabalhava durante todos aqueles anos. Havia alguns beatos da igreja, aqueles agourentos. Mas fora entre eles que a mãe de Jill encontrara alguma espécie de consolo, o exorcismo dos demónios, fossem lá quais fossem, que haviam atormentado.
Uma voz conhecida falou suavemente:
─ Alô, Josephine.
Ela se virou e deu com ele a seu lado. Olhou em seus olhos e foi como se nunca se tivessem separado, como se ainda pertencessem um ao outro. Os anos haviam deixado a marca da maturidade em seu rosto, acrescentando um toque cinza a suas têmporas. Mas ele não mudara, ainda era David, seu David. Entretanto, eram estranhos.
─ Sinto muito sobre sua mãe ─ dizia ele.
Jill ouviu-se responder:
─ Obrigada, David.
Era como se estivessem recitando as falas de uma peça teatral.
─ Quero falar com você. Pode se encontrar comigo esta noite?
Havia uma urgência de súplica na voz dele. Jill pensou na última vez em que haviam estado juntos, no desejo dele, na promessa e nos sonhos e respondeu:
─ Está bem, David.
─ No lago? Você tem carro?
Ela assentiu.
─ Encontrarei você lá, dentro de uma hora.
Cissy estava de pé diante do espelho, nua, prestes a se vestir para um jantar, quando David chegou em casa. Ele entrou no quarto e ficou olhando para ela. Podia avaliar a esposa com total frieza, pois não sentia qualquer emoção com relação a ela. Cissy era bonita; havia cuidado de seu corpo, mantendo-se em forma com dieta e exercícios. O corpo era seu principal triunfo e David tinha razões para crer que era liberal em partilhá-lo com outros, o treinador de golfe, o professor de esqui, o instrutor de pilotagem. Mas não podia culpá-la. Fazia muito tempo que não ia para a cama com ela.
No começo, realmente acreditara que lhe daria o divórcio quando Mamãe Kenyon morresse. Mas a mãe de David estava viva e saudável, e ele não tinha meios de saber se fora vítima de um truque ou se havia ocorrido um milagre. Um ano após o casamento, David dissera a Cissy:
─ Acho que está na hora de conversarmos sobre o divórcio.
─ Que divórcio? ─ respondera ela.
E ao ver a expressão de espanto no rosto dele, começara a rir.
─ Eu gosto de ser a Sra. David Kenyon, querido. Você acreditou mesmo que eu iria desistir de você por aquela prostitutazinha polonesa?
David dera-lhe um tapa.
No dia seguinte, fora conversar com seu advogado. Ao terminar o que tinha a dizer, o advogado falou:
─ Posso conseguir-lhe o divórcio. Mas se Cissy está disposta a segurar você, David, vai custar tremendamente caro.
─ Providencie-o.
Quando lhe entregaram os documentos do divórcio, Cissy trancou-se no banheiro e tomou uma dose excessiva de comprimidos para dormir. Foi preciso que David e dois empregados arrombassem a pesada porta. Durante dois dias, ela esteve entre a vida e a morte. David visitara-a na clínica particular para onde fora levada.
─ Sinto muito, David ─ dissera ela. ─ Não quero viver sem você. É simplesmente isso.
Na manhã seguinte, ele suspendeu o processo de divórcio.
Isso fora há quase dez anos e o casamento de David se transformara numa trégua inquietante. Ele assumira por completo o império Kenyon, devotando todas as suas energias à direção dos negócios. Encontrava alívio físico na série de garotas que tinha nas várias cidades do mundo às quais seus negócios o levavam, mas jamais esquecera Josephine.
David não sabia como ela se sentiria a seu respeito. Queria descobrir, mas tinha medo. Josephine tinha razões suficientes para odiá-lo. Ao saber da morte de sua mãe, fora ao funeral apenas para vê-la. Quando a avistou, percebeu que nada havia mudado. Não para ele. Num instante os anos se dissiparam e ele se viu tão apaixonado quanto antes.
"Quero falar com você... encontre-me esta noite..."
"Está bem. David..."
"No lago."
Cissy virou-se ao vê-lo observando-a pelo espelho alto.
─ É melhor apressar-se e trocar de roupa, David. Vamos nos atrasar.
─ Vou encontrar-me com Josephine. Se ainda me quiser, casarei com ela. Acho que já é tempo de pôr um fim nessa farsa, você concorda?
Ela ficou parada, olhando para David, sua imagem despida refletida no espelho.
─ Deixe eu me vestir.
David assentiu e saiu do quarto. Foi para a ampla sala de visitas, andando de um lado para outro, preparando-se para o confronto. Lógico que, após todos esses anos, Cissy não quereria se agarrar a um casamento que não passava de aparência. Ele estava pronto para dar-lhe tudo que ela...
David ouviu o carro de Cissy sendo ligado e em seguida o ranger dos pneus em sua arrancada em direção à rua. Ele correu para a porta da frente e olhou: o Maserati de Cissy voava para a estrada. David correu para seu próprio carro e acelerou atrás dela.
Ao atingir a estrada, viu o carro dela desaparecendo ao longe. Pressionou o acelerador com força. O Maserati era mais rápido que o Rolls de David. Pisou com mais e mais força: setenta... oitenta... noventa. O carro dela desaparecera ao longe.
David atingiu o topo de uma pequena elevação e o avistou, como um brinquedo distante, inclinando-se numa curva. O carro derrapava para o lado enquanto os pneus lutavam para manter-se colados ao leito da estrada. O Maserati oscilou para a frente e para trás, perdendo a direção na estrada. Então se aprumou e transpôs a curva. E de repente foi de encontro ao acostamento, lançou-se no ar, capotando várias vezes sobre os campos.
David arrastou Cissy, inconsciente, para fora do carro momentos antes que o tanque de gasolina explodisse.
Eram seis horas da manhã seguinte quando o cirurgião-chefe saiu da sala de operações e disse a David:
─ Ela vai sobreviver.
Jill chegou ao lago pouco antes de o sol se pôr. Levou o carro até bem perto da água. Desligando o motor, ficou escutando os ruídos do vento e aspirou o ar do lugar. "Não me lembro de quando estive tão feliz", pensou. Mas corrigiu-se em seguida: "Lembro sim. Foi aqui. Com David.". Recordou a sensação do corpo dele no seu e sentiu-se tonta de desejo. Qualquer que fosse o motivo que lhes destruíra a felicidade, já não existia mais. Sentira-o no momento em que vira David. Ele ainda a amava. Jill o sabia.
Contemplou o sol, rubro como sangue, mergulhando lentamente nas águas ao longe e a chegada da escuridão. Desejou que David chegasse logo.
Passou-se uma hora, depois duas e o ar ficou gelado. Jill ficou no carro, quieta. Observou a enorme lua branca flutuando no céu, ouviu os sons da noite à sua volta e disse a si mesma: "David está chegando".
Esperou a noite inteira e pela manhã, quando o sol começou a atingir o horizonte, ligou o carro e partiu para Hollywood.
24
Jill sentou-se diante da penteadeira e estudou seu rosto no espelho. Notou uma ruga quase invisível no canto do olho e fez uma careta. "É injusto", pensou. "O homem pode relaxar completamente, ficar grisalho, criar barriga e ter o rosto vincado como um mapa rodoviário e ninguém acha nada de mais. Mas se a mulher aparece com uma minúscula ruga..." Começou a aplicar a maquilagem. Bob Schiffer, o maior maquilador de Hollywood, ensinara-lhe algumas de suas técnicas. Jill passou uma base cremosa, em vez do pó que usava antigamente; a base em pó resseca a pele, enquanto a cremosa conserva a umidade. Em seguida concentrou-se nos olhos, usando sob as pálpebras inferiores uma maquilagem três ou quatro tons mais clara que a outra para atenuar as sombras. Passou um pouco de sombra nos olhos para colori-los e colocou cuidadosamente os cílios postiços sobre os seus próprios, inclinando-os nos cantos externos num ângulo de quarenta e cinco graus. Passou um pouco de adesivo Duo na face externa de seus cílios naturais e ligou-os aos postiços, fazendo os olhos parecerem maiores. Para aumentar o volume dos cílios, fez pequenos pontinhos na pálpebra inferior. Depois passou batom, pôs pó nos lábios e aplicou uma segunda camada. Passou blush e espalhou pó no rosto, evitando a região em torno dos olhos, onde ele acentuaria as pequenas rugas.
Jill recostou-se na cadeira e estudou o efeito no espelho. Estava linda. Algum dia teria de recorrer ao truque da fita adesiva, mas graças a Deus ainda faltava muito tempo para que isso fosse preciso. Conhecia algumas velhas atrizes que o usavam: prendiam pedacinhos de fita adesiva à pele, logo abaixo da linha de implantação dos cabelos; as fitas prendiam fios que elas amarravam em torno da cabeça e escondiam sob o cabelo. Dessa forma, a pele flácida do rosto ficava repuxada, produzindo um efeito de lifting sem a despesa e a dor da cirurgia. Uma variação do truque servia para disfarçar seios caídos. Um pedaço de fita adesiva preso ao seio e à pele mais firme acima do busto proporcionando uma solução temporária simples para o problema. Os seios de Jill ainda estavam firmes.
Ela terminou de pentear os cabelos negros e sedosos, deu uma última olhada no espelho, consultou o relógio e verificou que teria de se apressar.
Tinha um entrevista marcada para o Toby Temple Show.
25
Eddie Berrigan, diretor de elenco do show de Toby, era um homem casado. Tomara providencias de usar o apartamento de um amigo três vezes por semana; uma das tardes ficava reservado para sua amante e as outras duas para o que ele chamava de "velhos talentos" e "novos talentos".
Jill Castle era um novo talento. Vários amigos haviam dito que ela proporcionava uma fantástica "volta ao mundo" e ele estivera ansioso para experimentá-la. Agora, aparecera um papel num quadro que se prestava perfeitamente para ela: tudo que a personagem tinha a fazer era manter uma aparência sexy, dizer algumas linhas e sair de cena.
Jill fez a leitura para Eddie e ele ficou satisfeito. Não era nenhuma Kate Hepburn, mas o papel não exigia isso.
─ O papel é seu ─ disse ele.
─ Obrigada, Eddie.
─ Aqui está seu script. Os ensaios começam amanhã pela manhã às dez em ponto. Seja pontual e decore suas falas.
─ Claro. ─ Jill esperou.
─ Humm... que acha de nos encontrarmos esta tarde para um café?
Jill assentiu.
─ Um amigo meu tem um apartamento na Argyle, 9513. O Allerton.
─ Sei onde fica ─ disse Jill.
─ Apartamento seis. Às três horas.
Os ensaios correram sem problemas. Seria um bom show. Os talentos da semana incluíam uma espectacular equipe de dança argentina, um famoso grupo de rock-and-roll, um mágico que fazia tudo desaparecer e um cantor de sucesso. O único ausente era Toby Temple. Jill perguntou a Eddie Berrigan o que havia.
─ Ele está doente?
Eddie deu um muxoxo:
─ Doente coisa nenhuma. Os trabalhadores ensaiam enquanto o velho Toby se diverte. No sábado ele aparece para gravar o show e depois some.
Toby Temple apareceu na manhã de sábado, irrompendo no estúdio como um rei. De um canto do palco, Jill observou sua entrada em companhia de seus três "bobos", Clifton Lawrence e uma dupla de antigos comediantes. O espetáculo deixou Jill cheia de desprezo. Sabia tudo sobre Toby Temple, era um egomaníaco que, segundo os boatos, alardeava que já fora para a cama com todas as atrizes bonitas de Hollywood. Ninguém lhe dizia não. Sim, Jill sabia tudo sobre o Grande Toby Temple.
O diretor, um homem baixo e nervoso chamado Harry Durkin, apresentou o elenco a Toby, que já trabalhara com a maioria deles. Hollywood era uma cidade pequena e logo os rostos se tornavam familiares. Toby não conhecia Jill Castle. Ela estava maravilhosa num vestido de linho bege, distinta e elegante.
─ Qual é o seu papel, meu bem?
─ Estou no quadro do astronauta, Sr. Temple.
Ele lhe lançou um sorriso amável.
─ Meus amigos me chamam de Toby.
O elenco começou a trabalhar. O ensaio correu estranhamente bem e Durkin logo compreendeu por quê. Toby estava se mostrando para Jill. Já trepara com todas as outras moças do show e ela representava um novo desafio.
O quadro que Toby faria com Jill era o ponto alto do show. Ele lhe deu algumas linhas a mais e uma boa demonstração. Terminando o ensaio, disse a ela:
─ Que acha de um drinquezinho em meu camarim?
─ Obrigada, eu não bebo.
Jill sorriu e se afastou. Tinha um encontro com um diretor de elenco e isso era mais importante do que Toby Temple. Ele não passava de um "bico", enquanto o diretor significava trabalho regular.
Ao ser gravado naquela noite, o show foi um enorme sucesso, um dos melhores já feitos por Toby.
─ Mais um estouro ─ disse Clifton a Toby. ─ Aquele quadro do astronauta foi de primeira.
Toby sorriu.
─ É, eu gosto daquela garota. Ela tem alguma coisa.
─ Ela é bonita ─ disse Clifton.
Cada semana era uma garota diferente. Todas tinham alguma coisa, todas iam para a cama com Toby e, se transformavam no assunto de ontem.
─ Dê um jeito de ela vir cear conosco, Clifton.
Não se tratava de um pedido e sim de uma ordem. Há alguns anos, Clifton teria dito a Toby para fazê-lo, ele mesmo, mas agora, se Toby lhe mandasse fazer alguma coisa, ele faria. Toby era um rei e este era seu reino; quem não quisesse ser exilado tinha de conservar-lhe as suas boas graças.
─ Claro, Toby ─ disse. ─ Vou cuidar disso.
Clifton atravessou o hall até o vestiário das dançarinas e atrizes da equipe. Bateu uma vez na porta e entrou; na sala havia uma dúzia de moças em diferentes estágios de nudez, que não lhe deram a menor atenção, senão para cumprimentá-lo. Jill removera a maquiagem e estava trocando de roupa. Clifton aproximou-se.
─ Você esteve muito bem ─ disse.
Jill deu uma olhada nele pelo espelho, desinteressada.
─ Obrigada.
Noutros tempos, teria ficado entusiasmada ao ver Clifton Lawrence tão de perto. Ele lhe poderia ter aberto todas as portas de Hollywood. Agora, todo mundo sabia que Lawrence nada mais era que o bobo de Toby Temple.
─ Tenho boas notícias para você. O Sr. Temple deseja sua companhia para a ceia.
Jill ajeitou ligeiramente o cabelo com as pontas dos dedos e disse:
─ Diga-lhe que estou cansada. Vou dormir.
E saiu.
A ceia daquela noite foi uma tristeza, Toby, Clifton Lawrence e Durkin, o diretor, foram ao La Rue. Durkin sugerira convidar umas duas coristas, mas Toby rejeitara furiosamente a idéia. O maitre perguntou:
─ Quer fazer o pedido agora, Sr. Temple?
Toby apontou para Clifton e disse:
─ Quero. Para esse idiota aqui, traga capim.
Clifton riu junto com os outros, fingindo que Toby estava apenas brincando. Mas ele falou com raiva.
─ Pedi-lhe que fizesse algo muito simples: convidar uma garota para jantar. Quem lhe mandou assustá-la?
─ Ela estava cansada ─ explicou Clifton. ─ Disse que...
─ Nenhuma garota pode estar cansada demais para jantar comigo. Você deve ter dito alguma coisa que a chateou.
Toby levantou a voz e as pessoas ao lado voltaram-se para olhá-los. Toby lançou-lhe seu sorriso de garoto e disse:
─ Sabe, pessoal, este é um jantar de despedida. ─ Apontou para Clifton. ─ Ele doou seu cérebro ao zoológico.
Houve risos na outra mesa. Clifton forçou um sorriso, mas sob a mesa suas mãos estavam cerradas.
─ Querem saber até que ponto ele é idiota? ─ Toby perguntou às pessoas vizinhas. ─ Na Polônia, fazem piadas sobre ele.
Os risos aumentaram. Clifton tinha vontade de se levantar e sair, mas não ousava. Durkin estava quieto, era esperto demais para se intrometer. Toby atraíra a atenção de várias pessoas em volta; elevou novamente a voz, distribuindo seu sorriso cheio de charme.
─ Clifton Lawrence carrega a burrice honestamente. Quando nasceu, os pais tiveram uma briga por causa dele. A mãe jurara que o bebê não era dela.
Finalmente a noite acabou, mas no dia seguinte toda a cidade estava comentando as histórias sobre o pobre Clinton Lawrence.
Clifton ficou deitado aquela noite, sem conseguir dormir. Perguntava a si mesmo por que permitia que Toby o humilhasse e a resposta era simples: por dinheiro. A renda gerada por Toby Temple trazia-lhe mais de um quarto de milhões de dólares por ano. Clifton levava uma vida cara e abundante; não economizara um só centavo. Sem os outros clientes, precisava de Toby. Esse era o problema. Toby sabia disso e a brincadeira de atormentar Clifton se transformara num esporte sangrento. Clifton tinha de escapar antes que fosse tarde demais.
Mas sabia que já era tarde demais.
Caíra na armadilha dessa situação por causa de sua afeição por Toby: gostava realmente dele. Vira Toby destruir outras pessoas, mulheres que se apaixonaram por ele, comediantes que tentavam competir com ele, críticos que emitiam opiniões negativas a seu respeito. Mas esses eram os outros. Clifton jamais acreditara que Toby se voltaria contra ele. Os dois eram íntimos demais, Clifton fizera demais por ele.
Tinha horror de pensar no que lhe reservava o futuro.
Normalmente, Toby não olharia duas vezes para Jill Castle. Mas não estava habituado a ter nenhum de seus desejos negado e a recusa da Jill serviu apenas como estimulante. Ele a convidou para jantar novamente, ante a recusa, Toby afastou a idéia, acreditando tratar-se de algum jogo idiota que ela estivesse fazendo, e resolveu esquecê-la. A ironia estava no fato de que se fosse um jogo, Jill não poderia enganar Toby, porque ele compreendia demais as mulheres. Não, ele sentiu que Jill realmente não queria sair em sua companhia e a idéia o atormentava. Não conseguia parar de pensar nela.
De maneira casual, disse a Eddie Berrigan que talvez fosse boa idéia usar Jill no show outra vez. Eddie telefonou para ela e Jill respondeu que estava ocupada fazendo uma ponta num faroeste. Quando Eddier deu a notícia a Toby, ele ficou furioso.
─ Diga─lhe para cancelar seja lá o que for que estiver fazendo. Pagaremos mais. Santo Deus, este é o show de maior sucesso na televisão. Que é que há com aquela garota doida?
Eddie tornou a ligar para Jill e contou-lhe sobre a atitude de Toby.
─ Ele realmente quer tê-la de novo no show, Jill. Pode dar um jeito?
─ Sinto muito ─ disse. ─ Tenho um papel na Universal, não posso abandoná-lo.
Nem tentaria. Nenhuma atriz progredia em Hollywood se abandonasse um estúdio. Toby Temple nada significava para ela além de um dia de trabalho. Na noite seguinte, o Grande Homem em pessoa ligou para ela. No telefone, sua voz soava cálida e atraente.
─ Jill? Aqui é seu velho companheiro de cena, Toby.
─ Oi, Sr. Toby.
─ Ei, que é isso? Por que o "senhor"?
Não houve resposta.
─ Você gosta de beisebol? Tenho cadeiras de camarote para assistir ao...
─ Não, não gosto.
─ Nem eu ─ Toby riu. ─ Estava testando você. Ouça, que tal jantar comigo no sábado à noite? Roubei o chefe de cozinha do Maxim's de Paris. Ele...
─ Sinto muito, tenho um compromisso, Sr. Toby ─ não havia a menor nota de interesse na voz dela.
Toby sentiu que segurava o telefone com mais força.
─ Quando é que você está livre?
─ Sou uma moça que trabalha duro. Não saio muito. Mas obrigada pelo convite.
E a linha emudeceu. A cadela batera o telefone, uma puta de uma atrizinha de pontas batera-lhe o telefone! Toby jamais conhecera uma mulher que não fosse capaz de dar um ano de vida para passar uma noite com ele, e essa idiota fodida lhe dera um fora! Estava estourando de raiva e descarregou em todos que o cercavam. Nada estava direito. O script era uma droga, o diretor um idiota, a música horrível e os atores podres. Ordenou que Eddie Berrigan, o diretor de elenco, viesse a seu camarim.
─ Que é que você sabe sobre Jill Castle? ─ perguntou.
─ Nada ─ disse Eddie imediatamente.
Não era bobo. Tal como todo o resto do pessoal do show, sabia exatamente o que estava acontecendo. Fossem quais fossem as consequências, Eddie não tinha a menor intenção de se envolver.
─ Ela anda trepando por aí?
─ Não, senhor ─ disse Eddie com firmeza. ─ Se andasse, eu saberia.
─ Quero que você a investigue ─ ordenou Toby. ─ Descubra se tem namorado, aonde vai, o que faz. Você sabe o que eu quero.
─ Sim, senhor ─ respondeu Eddie gravemente.
Às três horas da manhã seguinte Eddie foi acordado pelo telefone da mesinha de cabeceira.
─ Que foi que você descobriu? ─ perguntou uma voz.
Eddie sentou-se na cama, piscando, tentando acordar.
─ Diabos, que é que...
De súbito compreendeu quem estava ao telefone.
─ Eu verifiquei ─ disse apressadamente. ─ A ficha de saúde dela é limpa.
─ Não lhe pedi a merda do atestado de saúde dela ─ falou Toby irritado. ─ Ela anda trepando com alguém?
─ Não, senhor. Não há ninguém. Conversei com meus amigos por aí; todos gostam de Jill e lhe dão papéis porque ela é boa atriz.
Eddie falava depressa, ansioso por convencer o homem do outro lado da linha. Se Toby Temple viesse a saber que Jill fora para a cama com ele, que o preferia a Toby Temple, Eddie jamais tornaria a trabalhar naquela cidade. De fato falara com seus amigos diretores de elenco e todos se encontravam na mesma posição. Ninguém queria ter Toby Temple como inimigo e assim combinaram uma conspiração de silêncio.
─ Ela não anda com ninguém.
A voz de Toby se acalmou.
─ Entendo. Imagino que seja uma garota meio doida, hein?
─ Acho que sim ─ respondeu Eddie aliviado.
─ Ei! Espero não tê-lo acordado.
─ Não, não, tudo bem, Sr. Temple.
Mas Eddie ficou acordado por muito tempo, imaginando o que poderia acontecer-lhe caso a verdade um dia viesse à luz.
Porque aquela cidade pertencia a Toby Temple.
Toby e Clifton Lawrence estavam almoçando no Hillcrest Country Club, que fora fundado porque poucos clubes de campo elegantes de Los Angeles permitiam a entrada de judeus. Essa política era tão regidamente comprida que Melinda, de dez anos, filha de Groucho Marx, fora expulsa da piscina de um clube ao qual fora levada por uma amiga não judia. Quando Groucho ficou sabendo do fato, telefonou para o gerente do clube e disse:
─ Ouça, minha filha é apenas meio judia. Será que você a deixaria entrar na piscina até a cintura?
Em consequência de incidentes desse tipo, um grupo de judeus ricos apreciadores de golfe, tênis, baralho e "malhação" de anti-semitas se reuniu e fundou um clube próprio, cujos títulos só podiam ser comprados por judeus. O Hillcrest foi construído num belo parque, a poucas milhas do centro de Beverly Hills, e logo se tornou famoso por ter o melhor bufê e as conversas mais interessantes da cidade. Os gentios queriam por força ser admitidos e, num gesto de tolerância, a diretoria determinou que uns poucos não judeus teriam permissão para se filiar ao clube.
Toby sempre se sentava à mesa dos comediantes, onde as inteligências de Hollywood se reuniam para trocar piadas e competir umas com as outras. Mas nesse dia Toby pensava em outras coisas. Levou seu empresário para uma mesa de canto e disse:
─ Preciso de seus conselhos, Clifton.
O pequeno agente levantou os olhos para ele, surpreso. Fazia muito tempo que Toby não lhe pedia conselhos.
─ É claro, meu rapaz.
─ Trata-se daquela moça ─ começou Toby, e imediatamente Clifton entendeu tudo.
Metade da cidade já estava sabendo da história. Era a maior piada do momento em Hollywood; um colunista chegara mesmo a dar a notícia sem citar nomes. Toby lera e comentara: "Quem será o palhaço?" O grande amante estava amarrado a uma garota que lhe dera um fora. Só havia uma maneira de abordar essa situação.
─ Jill Castle ─ disse Toby. ─ Lembra-se dela? Aquela garota que participou do show.
─ Ah, sim, uma moça muito atraente. Qual é o problema?
─ Não tenho a menor idéia ─ admitiu Toby. ─ É como se ela tivesse alguma coisa contra mim. Cada vez que a convido para um programa, levo um fora. Faz com que me sinta um lixo qualquer de Iowa.
Clifton arriscou:
─ Por que não pára de convidá-la?
─ Aí é que entra a parte mais louca, meu chapa. Não consigo. Aqui entre nós e o meu pau, nunca na vida desejei tanto uma garota. Está ficando de um jeito que não consigo pensar em outra coisa.
Sorriu embaraçado, e acrescentou:
─ Eu lhe disse que era loucura. Você tem experiência, Clifton. Que devo fazer?
Por um temerário momento Clifton sentiu-se tentado a dizer a verdade. Mas não podia contar a Toby que a garota com quem ele sonhava trepava pela cidade com qualquer assistente de direção de elenco que lhe proporcionasse um dia de trabalho. Não, se quisesse conservar Toby como cliente.
─ Tenho uma idéia ─ sugeriu. ─ Ela encara a carreira com seriedade?
─ Encara. É ambiciosa.
─ Muito bem; nesse caso faça-lhe um convite que ela tenha de aceitar.
─ Que quer dizer?
─ Dê uma festa em sua casa.
─ Mas acabei de lhe dizer que ela simplesmente não...
─ Deixe-me terminar. Convide chefes de estúdio, produtores, diretores, gente que de algum modo poderia ajudá-la. Se ela está mesmo interessada em se tornar uma atriz, morrerá de vontade de conhecer todos eles.
Toby discou o número de Jill.
─ Alô, Jill?
─ Quem fala? ─ perguntou ela.
O país inteiro conhecia sua voz e ela perguntava quem estava falando.
─ Toby. Toby Temple.
─ Oh! ─ foi um som que poderia significar qualquer coisa.
─ Ouça, vou dar uma pequena festa em minha casa na quarta-feira e... ─ ouviu-a começar a recusar e se apressou: ─ estou convidando Sam Winters, chefe da Pan-Pacific, e alguns outros chefes de estúdio, além de uns produtores e diretores. Pensei que talvez fosse bom para você conhecê-los. Poderia ir?
Houve uma pausa mínima e Jill Castle falou:
─ Quarta-feira à noite. Sim, posso ir. Obrigada, Toby.
E nenhum dos dois sabia que se tratava de um "encontro em Samarra".
No terraço uma orquestra tocava, enquanto garçons de libré faziam circular bandejas de hors d'oeuvres e taças de champanha.
Quando Jill chegou, com quarenta e cinco minutos de atraso, Toby correu nervosamente até a porta para cumprimentá-la. Usava um vestido simples de seda branca e o cabelo negro batia-lhe suavemente nos ombros. Estava deslumbrante. Toby não conseguia tirar os olhos dela. Jill sabia que estava maravilhosa; tinha lavado o cabelo e penteara-se com cuidado, além de gastar um tempo enorme com a maquilagem.
─ Há muitas pessoas aqui que quero lhe apresentar.
Toby pegou-a pela mão e conduziu-a através do grande saguão até a sala de visitas. Jill parou na porta, olhando os convidados. Conhecia quase todos os rostos ali presentes; vira-os nas capas de Times, Life, Newsweek, Paris─Match, Oggi ou na tela. Esta era a verdadeira Hollywood. Eram estes os fabricantes de filmes. Jill imaginara mil vezes esse momento: estar com estas pessoas, conversar com elas. Agora a realidade estava presente, era difícil para ela aceitar que estava mesmo acontecendo.
Toby entregou-lhe uma taça de champanha. Tomou-lhe o braço e levou-a até um homem cercado por um grupo de pessoas.
─ Sam, quero lhe apresentar Jill Castle.
Sam se virou e disse amavelmente:
─ Alô, Jill Castle.
─ Jill, este é Sam Winters, chefe dos Pan-Pacific Studios.
─ Sei quem é o Sr. Winters ─ disse.
─ Jill é atriz, Sam, uma ótima atriz. Você poderia dar-lhe um papel: um pouco de classe para sua espelunca.
─ Lembrarei disso ─ falou Sam polidamente.
Toby pegou a mão de Jill, segurando-a com firmeza.
─ Venha, meu bem. Quero apresentá-la a todos.
Antes do fim da noite, Jill conheceu três chefes de estúdios, meia dúzia de produtores importantes, três diretores, alguns autores, vários colunistas de jornais e televisão e uma dúzia de estrelas. No jantar, sentou-se à direita de Toby. Ficou ouvindo as conversas, saboreando a sensação de estar por dentro pela primeira vez.
─... o problema com esses filmes épicos é que, se um fracassa, pode acabar com o estúdio. A Fox está na corda bamba à espera do resultado de Cleópatra.
─... você já viu o último filme de Billy Wilder? Sensacional.
─ É mesmo? Gostava mais dele quando trabalhava com Brackett. Brackett tem classe.
─ Billy tem talento.
─... então, mandei o script do filme de mistério para o Peck na semana passada e ele o adorou. Disse que me dará uma resposta definitiva dentro de um ou dois dias.
─... recebi o convite para conhecer esse novo guru, Krishi Pramananda. Bom, meu caro, acontece que eu já o conheci; fui ao bar mitzvah dele.
─... o problema quanto a calcular o orçamento de um filme em dois milhões é que, quando você põe o resultado no papel, o custo da inflação, mais os malditos sindicatos, já o fizeram subir para três ou quatro.
"Milhões", pensou Jill excitada. "Três ou quatro milhões." Recordou as intermináveis e pobres conversas na Schwab's, quando os parasitas, os sobreviventes, lançavam avidamente uns para os outros migalhas de informação sobre o que faziam os estúdios. Bem, as pessoas naquelas mesas eram os verdadeiros sobreviventes, os responsáveis por tudo que acontecia em Hollywood.
Eram essas as pessoas que haviam mantido os portões fechados para ela, que se haviam recusado a dar-lhe uma chance. Qualquer um dos presentes à mesa poderia tê-la ajudado, poderia ter modificado sua vida, mas nenhum dispusera de cinco minutos para dispensar a Jill Castle. Ela deu uma olhada para o produtor que estava fazendo sucesso com um grande e novo filme musical: ele se recusara a marcar uma entrevista com ela.
Na outra extremidade da mesa um famoso diretor de comédias conversava animadamente com a estrela de seu último filme. Também ele se recusara a recebê-la.
Sam Winters conversava com o chefe de outro estúdio. Jill lhe mandara um telegrama pedindo que observasse seu trabalho num programa de televisão. Ele jamais se dignara responder.
Eles pagariam pelas humilhações e insultos, eles e todo o mundo nessa cidade que a tratara com desprezo. Agora, ela nada significava para as pessoas presentes, mas iria significar. Ah, sim. Um dia significaria muito.
A comida estava magnífica, mas Jill estava preocupada demais para reparar no que comia. Terminado o jantar, Toby levantou-se e disse:
─ É melhor nos apressarmos senão eles começam o filme sem nós.
Segurando Jill pelo braço, abriu caminho em direção à grande sala de projeção onde seria exibido o filme.
A sala estava preparada para que sessenta pessoas pudessem assistir ao filme confortavelmente instaladas em sofás e poltronas. Num dos lados da entrada havia um compartimento aberto cheio de doces e do outro, uma máquina de pipocas.
Toby sentou-se ao lado de Jill. Ela percebeu que durante toda a projeção seus olhos se voltaram mais para ela do que para o filme. Terminada a sessão, acenderam-se as luzes e foram servidos café e bolo. Meia hora mais tarde os convidados começaram a se despedir. A maioria tinha que estar cedo nos estúdios na manhã seguinte.
Toby estava junto à porta da frente despedindo-se de Sam Winters, quando Jill se aproximou, de casaco.
─ Aonde vai? ─ perguntou Toby. ─ Vou levar você em casa.
─ Eu estou de carro ─ respondeu com delicadeza. ─ Obrigada pela noite encantadora, Toby.
Toby ficou lá parado, sem poder acreditar, olhando-a afastar-se. Fizera planos fantásticos para o resto da noite. Levaria Jill para cima, até o quarto, e... chegara mesmo a escolher as fitas que tocaria! "Qualquer uma das mulheres que estiveram aqui esta noite agradeceria a oportunidade de se deitar na minha cama", pensou ele. E eram estrelas, não faziam pontas mudas. Jill Castle era burra demais para saber o que estava recusando. Pelo que dizia respeito a Toby, estava tudo terminado. Aprendera a lição.
Jamais voltaria a falar com ela.
Toby ligou para Jill às nove horas da manhã seguinte. Uma voz gravada atendeu ao telefone: "Alô, aqui fala Jill Castle. Sinto muito não estar em casa no momento. Se deixar seu nome e telefone, ligarei quando voltar. Aguarde, por favor, até ouvir o sinal. Obrigada". Seguiu-se um som agudo.
Toby ficou parado com o fone na mão e depois desligou com força, sem deixar nenhum recado. Claro que não iria conversar com uma voz mecânica. Um minuto depois tornou a ligar. Ouviu de novo a gravação e então falou: "Você tem a voz mais bonita da cidade. Devia embalá-la e vendê-la. Não costumo telefonar novamente para garotas que jantam comigo e saem correndo, mas no seu caso resolvi fazer uma exceção. Quais são seus planos para o jantar desta..." O telefone emudeceu. Ele falara demais para a maldita gravação. Ficou imóvel, sem saber o que fazer, sentindo-se um idiota. Estava furioso por ter de ligar novamente, mas discou pela terceira vez e disse: "Como dizia antes de o rabino me cortar, que tal jantarmos esta noite? Espero seu telefonema". Disse seu número e desligou.
Toby esperou inquieto o dia inteiro mas Jill não ligou. Às sete da noite, ele pensou: "Vá para o inferno. Foi sua última chance, baby". E dessa vez estava falando sério. Pegou o caderno de endereços e começou a folheá-lo. Não havia ninguém que lhe interessasse.
26
Foi o mais extraordinário papel da vida de Jill.
Não fazia menor idéia da razão pela qual Toby a queria tanto, já que podia ter qualquer moça em Hollywood, mas a razão não importava. O fato é que ele a queria. Durante vários dias ela não conseguiu pensar em outra coisa senão no jantar e no jeito como as pessoas ─ toda aquela gente importante ─ paparicava Toby.
Fariam qualquer coisa por ele. De algum modo, Jill tinha de dar um jeito para que ele fizesse qualquer coisa por ela. Sabia que teria de ser muito esperta: sua reputação era de homem que levava uma garota para a cama e depois perdia totalmente o interesse por ela. Gostava de caça, do desafio. Jill pensou muito em Toby e na maneira como o apanharia.
Ele lhe telefonava diariamente e ela deixou passar uma semana até concordar com um jantar. Toby ficou tão eufórico que todo o pessoal do elenco e da equipe comentou. A respeito
─ Se esse bicho existisse ─ disse Toby a Clifton ─ eu diria que é amor. Cada vez que penso em Jill tenho uma ereção.
Riu e acrescentou:
─ E quando tenho uma ereção, meu chapa, é como colocar um cartaz no Hollywood Boulevard.
Na noite em que saíram pela primeira vez, Toby pegou Jill em casa e disse:
─ Temos uma mesa reservada no Chasen.
Estava certo de que seria uma aventura para ela.
─ Oh!
Havia uma nota de desapontamento em sua voz. Ele piscou.
─ Você prefere ir a outro lugar?
Era sábado, mas Toby sabia que poderia conseguir mesa em qualquer lugar: no Perino's, no Ambassador, no Derby.
─ É só dizer.
Jill hesitou e disse:
─ Você vai rir.
─ Não, não vou.
─ Ao Tommy's.
Toby submetia-se a uma massagem ao lado da piscina, sob os cuidados de um dos Mac, enquanto Clifton Lawrence lhe fazia companhia.
─ Você não acreditaria ─ contava Toby entusiasmado. ─ Ficamos vinte minutos naquela espelunca de lanchonete. Sabe onde é o Tommy's? No centro de Los Angeles. Só bêbados vão ao centro de Los Angeles. Ela é louca. Eu pronto a torrar cem dólares de champanha e tudo o mais com ela e a noite acaba me custando dois dólares e quarenta centavos. Queria levá-la ao Pip's depois. Sabe aonde fomos? Fomos andar pela praia de Santa Monica. Meu Gucci ficou cheio de areia. Ninguém passeia pela praia à noite. Os mergulhadores assaltam a gente ─ sacudiu a cabeça, admirado. ─ Jill Castle. Você acredita nela?
─ Não ─ respondeu Clifton secamente.
─ Não quis vir à minha casa para um cochilo, de modo que pensei em dar a trepada no apartamento dela, certo?
─ Certo.
─ Errado. Não me deixou passar da porta. Ganhei um beijo no rosto e voltei para casa sozinho. Agora, que espécie de noite é essa para Charlie-Superstar?
─ Vai vê-la de novo?
─ Ficou demente? Pode apostar seu doce traseiro como vou!
Desde então, Toby e Jill se encontraram quase todas as noites. Quando ela se recusava a vê-lo porque estava ocupada ou tinha compromisso cedo na manhã seguinte, ele ficava desesperado. Telefonava-lhe uma dúzia de vezes por dia.
Levou-a aos mais elegantes restaurantes e aos clubes particulares mais fechados da cidade. Por sua vez, Jill levou-o ao velho passeio de tábuas na praia de Santa Monica, ao Trancas Inn, ao pequeno restaurante pertencente a uma família francesa, o Taix, ao Papa De Carlos e a todos os lugares estranhos frequentados por uma aspirante a atriz sem dinheiro. Toby não se importava com os lugares, desde que Jill estivesse junto.
Era a primeira pessoa que conhecera capaz de fazer desaparecer seu sentimento de solidão.
Toby quase temia ir para a cama com Jill agora, receando que a magia pudesse desaparecer. Contudo, desejava-a mais do que desejara qualquer outra mulher em sua vida. Certa vez ao fim de uma noite, enquanto Jill lhe dava um leve beijo de boa noite. Toby passou a mão entre suas pernas e disse:
─ Por Deus, Jill, vou enlouquecer se não tiver você.
Ela se afastou e disse com firmeza:
─ Se é isso o que você quer, pode comprar em qualquer parte da cidade por vinte dólares.
Bateu a porta no rosto dele. Mais tarde, encostou-se na porta tremendo, com medo de ter ido longe demais. Passou a noite em claro, preocupada.
No dia seguinte Toby lhe enviou uma pulseira de diamantes e Jill percebeu que estava tudo bem. Devolveu o presente com um bilhete cuidadosamente pensado: "Seja como for, obrigada. Você faz com que eu me sinta maravilhosa".
─ Custou-me três mil ─ disse Toby a Clifton com orgulho. ─ E ela me devolve! ─ Balançou a cabeça incrédulo. ─ Que se pode pensar de uma garota assim?
Ele poderia ter dito exatamente o que pensava, mas limitou-se a comentar:
─ Não resta dúvida de que ela é fora do comum, caro rapaz.
─ Fora do comum! ─ exclamou Toby. ─ Toda garota desta cidade agarra o que pode deitar as mãos em cima. Jill é a primeira moça que conheço que não dá a mínima para coisas materiais. Você me culpa por estar louco por ela?
─ Não ─ disse Clifton.
Mas começava a se preocupar. Sabia tudo sobre Jill e se perguntava se não devia ter falado antes.
─ Eu não me oporia se você quisesse aceitar Jill como cliente ─ falou Toby. ─ Aposto que ela poderia se tornar uma grande estrela.
Clifton escapou com habilidade, mas firmemente:
─ Não, obrigado, Toby. Uma superestrela nas mãos é suficiente ─ respondeu rindo.
Naquela noite, Toby repetiu esse comentário a Jill.
Depois da fracassada tentativa com Jill, Toby teve o cuidado de não abordar mais aquele assunto. Na realidade, orgulhava-se dela por recusá-lo; todas as outras moças com quem saíra haviam se comportado como capachos. Jill, não. Quando Toby fazia algo que ela achava errado, ela lhe dizia. Certa noite ele ofendeu um homem que o aborrecia pedindo autógrafos. Mais tarde, Jill lhe disse:
─ Quando você é sarcástico no palco, Toby, é engraçado, mas aquele senhor ficou ofendido.
Toby voltou e pediu desculpas ao homem.
Jill disse que achava que Toby bebia demais e que isso não lhe fazia bem. Toby passou a beber menos. Fez um comentário casual sobre suas roupas e ele mudou de alfaiate. Toby permitia que ela lhe dissesse coisas que ele não toleraria de ninguém no mundo. Ninguém jamais ousava dar-lhe ordens ou criticá-lo.
Com exceção, é claro, de sua mãe.
Jill recusava-se de aceitar dinheiro ou presentes caros, mas Toby sabia que ela não podia ter muito dinheiro e seu comportamento corajoso fez com que ele se sentisse ainda mais orgulhoso dela. Certa noite, no apartamento de Jill, enquanto Toby esperava que ela acabasse de se preparar para jantar, ele notou uma pilha de contas na sala. Toby pôs todas no bolso e no dia seguinte mandou que Clifton as pagasse. Sentiu-se vitorioso, mas queria fazer algo de grande por ela, algo importante.
E de súbito compreendeu o que seria.
─ Sam, vou lhe fazer um tremendo favor!
"Cuidado com estrelas que trazem presentes", pensou Sam Winters maldosamente.
─ Você tem andado louco à procura de uma garota para o filme de Keller, certo? ─ perguntou Toby. ─ Bem, arranjei a garota para você.
─ Alguém que eu conheça? ─ perguntou Sam.
─ Você a conheceu na minha casa. Jill Castle.
Sam lembrava-se de Jill, rosto e corpo lindos, cabelos negros. Velha demais para o papel da adolescente no filme de Keller. Mas se Toby Temple queria que fosse testada para o papel, Sam faria sua vontade.
─ Mande-a vir falar comigo esta tarde ─ disse.
Sam cuidou para que o teste de Jill Castle fosse bem trabalhado. Designou um dos melhores camaramen do estúdio e encarregou o próprio Keller da direção do teste.
No dia seguinte, Sam examinou o copião. Como pensara, Jill era madura demais para o papel da adolescente. Fora isso, não era má, mas faltava-lhe carisma, a magia que emana da tela.
Ligou para Toby Temple.
─ Examinei o teste de Jill esta manhã, Toby. Ela fotografa bem e sabe dizer as falas, mas não é grande atriz. Poderia ganhar um bom dinheiro em papéis secundários, mas, se está decidida a ser estrela, acho que está no negócio errado.
Naquela noite Toby apanhou Jill para levá-la a um jantar em homenagem a um famoso diretor inglês recém-chegado a Hollywood. Ela queria muito ir.
Jill abriu a porta para Toby e, no momento que ele entrou, percebeu que havia algo errado.
─ Você tem notícias do meu teste ─ disse ela.
Ele assentiu, hesitante.
─ Conversei com Sam Winters.
Disse a ela a opinião de Sam, tentando suavizar o choque.
Jill ficou parada ouvindo sem dizer uma palavra. Estivera tão certa. O papel parecera tão bom. Vinda de lugar nenhum, surgiu-lhe a lembrança da taça de ouro na vitrina da loja. A garotinha sofrera com a dor do desejo e da perda; agora, ela experimentava a mesma sensação de desespero.
─ Olhe, querida, não se preocupe com isso. Winters não sabe o que está falando ─ dizia Toby.
Mas acontece que Winters sabia. Ela jamais conseguiria. Toda a agonia, a dor e a esperança havia sido em vão. Era como se sua mãe estivesse com a razão: um Deus vingativo parecia estar punindo-a por algo que ela desconhecia. Podia ouvir a voz do pregador gritando: "Vêem aquela menina? Ela arderá no inferno por seus pecados se não entregar a alma a Deus e pedir perdão". Chegara a Hollywood com amor e sonhos, mas a cidade a degradara.
Foi tomada por um insuportável sentimento de tristeza e só percebeu que estava soluçando quando sentiu o braço de Toby a enlaçá-la.
─ Calma, está tudo bem ─ disse ele, e seu carinho a fez chorar mais ainda.
Ficou parada nos braços de Toby e contou-lhe sobre o pai, que morrera na hora do seu nascimento, sobre a taça de ouro, sobre os Holy Rollers, as dores de cabeça e as noites cheias de terror, enquanto ela esperava que Deus lhe enviasse a morte. Contou sobre os cansativos e deprimentes empregos que tivera de aceitar para conseguir tornar-se atriz, sobre a série de fracassos. Algum instinto profundamente enraizado impediu-a de mencionar os homens de sua vida. Embora tivesse começado fazendo um jogo com Toby, agora já não podia mais fingir. Foi nesse momento de total vulnerabilidade que ela o alcançou: tocou numa profunda fibra de seu ser, jamais antes atingida por ninguém.
Ele pegou o lenço no bolso e secou-lhe as lágrimas.
─ Ei, se acha que sua vida foi dura ─ falou, ─ escute só isso. Meu velho era açougueiro e...
Conversaram até as três da manhã. Pela primeira vez na vida, Toby conversou com uma garota como ser humano. Ele a compreendia, como não compreender, se era ele próprio?
Nenhum dos dois jamais soube quem deu o primeiro passo. O que começara como um conforto suave e cheio de compreensão transformou-se lentamente num desejo sensual, primitivo. Beijaram-se com sofreguidão, Toby abraçava-a fortemente. Jill sentiu a pressão do membro contra seu corpo. Precisava dele e ele se despia, ela o ajudava e de repente lá estava ele nu a seu lado, na escuridão, e havia uma sensação de avidez nos dois. Deitaram-se no chão. Toby a penetrou e Jill soltou um gemido ao sentir o tamanho do membro dele; ele começou a se afastar e ela o puxou para mais perto de si, segurando-o tenazmente. Então ele começou a fazer amor com ela, penetrando-a, completando-a, fazendo de seu corpo um todo. Foi delicado e cheio de amor a princípio, tornando-se depois desenfreado e exigente. Foi um êxtase, um arrebatamento insuportável, um acasalamento animal, inconsciente, e Jill gritava: "Ame-me, Toby! Ame-me, ame-me!" Seu corpo vibrante estava sobre ela, dentro dela, era parte dela, e os dois se transformaram numa só pessoa.
Amaram-se a noite inteira e conversaram e riram e foi como se sempre houvessem pertencido um ao outro.
Se Toby pensava, antes, que gostava de Jill, agora estava absolutamente louco por ela. Deitaram-se na cama e ele a abraçou, protegendo-a, enquanto pensava, admirado: "É isso que é amor". Virou-se para olhá-la: Jill parecia cálida, desarrumada e surpreendentemente bonita. Toby jamais amara alguém tanto assim e disse:
─ Quero me casar com você.
Era a coisa mais natural do mundo. Ela o abraçou com força e respondeu:
─ Oh, sim, Toby!
Amava-o e ia casar-se com ele.
E foi somente horas depois que Jill se lembrou do porquê de tudo isso. Ela havia desejado o poder de Toby. Quisera dar a retribuição a todos que a haviam usado, ferido, degradado. Queria vingança.
E agora a teria.
27
Clifton Lawrence estava numa encrenca. De certa forma, supunha, era sua culpa ter deixado que as coisas chegassem a esse ponto. Estava sentado no bar com Toby e ele lhe dizia:
─ Pedi-a em casamento esta manhã, Clifton, e ela aceitou. Sinto-me como um garoto de dezesseis anos.
Clifton tentou impedir que seu rosto traísse o choque. Teria de ser extremamente cuidadoso na maneira de enfrentar o assunto. De uma coisa estava certo: não podia deixar a vagabundazinha se casar com Toby Temple. No momento em que o casamento fosse anunciado, todos os machões de Hollywood viriam à luz para proclamar que já tinha provado a sua parte. Era um milagre que Toby ainda não tivesse descoberto a verdade sobre Jill, mas isso teria de acontecer um dia. Quando ficasse sabendo, mataria alguém. Descarregaria sua raiva sobre todo o mundo à sua volta, todos que tinham deixado que tal coisa acontecesse, e Clifton Lawrence seria o primeiro a sentir o ímpeto de sua ira. Não, não podia deixar esse casamento acontecer. Sentiu-se tentado a frisar que Toby era vinte anos mais velho que Jill, mas controlou-se; olhou para ele e falou cautelosamente: