A Rodada Final

— O que acha dela?

— Não gostaria de dizer — gaguejei.

— Fale no meu ouvido — disse a Sra. Havishman, inclinando-se para a frente.

— Acho que ela é muito orgulhosa — respondi, num sussurro.

— Mais alguma coisa?

— Acho que ela é muito bonita...

— … Mais alguma coisa?

— Acho que gostaria de ir para casa agora...

— … Você irá, em breve — garantiu a Sra. Havisham em voz alta. — Pode fazer o seu jogo...

CHARLES DICKENS, Grandes esperanças

39

PERGUNTA: Era uma vez quatro crianças chamadas Peter, Susan, Edmund e Lucy. Assim, começa o mais famoso trabalho de um acadêmico, escritor e defensor da fé cristã. Qual o nome do livro?

RESPOSTA: O leão, a feiticeira e o guarda-roupa.


O problema de conhecer pessoas famosas em carne e osso é que, muitas vezes, elas são muito menores do que parecem na tela da televisão. Mas, na vida real, Bamber Gascoigne é, na verdade, muito maior do que eu imaginava. Muito magro e sorridente, e bem bonito, como um personagem bem-intencionado de C. S. Lewis, prestes a levar a gente numa aventura incrível, mas com certo charme sedutor. Nós quatro ficamos na fila do estúdio de TV, aguardando, nervosos, e ele passa cumprimentando uma pessoa por vez, como se fosse o evento de gala anual da Família Real Britânica.

Alice fica me evitando, e é a primeira da fila. Por isso, não consigo ouvir o que está dizendo para Bamber, mas presumo que esteja tentando seduzi-lo. Depois, é a vez de Patrick, que, praticamente, se dobra em dois de tanta humildade, alardeando de modo teatral que ele e Bamber já tinham se conhecido numa ocasião anterior, nessa mesma época no ano passado, e agindo como se fossem grandes, grandes amigos, daqueles que passam as férias juntos ou algo assim. Bamber é encantador, sorri bastante e diz:

— Sim, sim, é claro que me lembro de você! — quando, na verdade, deve estar pensando quem diabo é esse idiota?

Depois, é a vez de Lucy, quieta e simpática como de costume, e daí é minha vez. A questão é: eu o chamo de Bamber ou de Sr. Gascoigne? Ele se aproxima, me cumprimenta com um aperto de mãos, e digo:

— Muito prazer em conhecê-lo, Sr. Gascoigne.

— Ah, por favor, me chame de Bamber — replica, com um sorriso largo, pegando na minha mão. — E o seu nome é...?

— Brian, Brian Jackson… — murmuro.

— …cursando?

— Lit. Ing.

— Perdão? — responde ele, curvando-se para a frente.

— Lit-eratura ing-lesa — falo alto, dessa vez articulando exageradamente as palavras, e noto que Bamber recua de maneira quase imperceptível e meu palpite é que sentiu o cheiro de álcool no meu hálito e percebeu que estou completamente bêbado e fora de mim.

Apesar dos melhores esforços das autoridades de licenciamento, permanece o fato de que, não importa o quanto seja tarde, você sempre consegue tomar um drinque se precisar mesmo de um.

Depois de sair correndo do quarto de Alice em Kenwood Manor, fiquei andando um tempo pelas ruas, tentando me acalmar e parar de tremer, até que me vi na porta do The Taste of The Raj, uma casa de comida indiana que também funciona como um bar clandestino: você pode beber a noite toda, desde que esteja sempre em um raio de três metros de uma cebola bhaji.

Aquela noite, logo após da meia-noite, o lugar estava vazio.

— Mesa para um? — perguntei ao único garçom.

— Sim, por favor — e ele me levou para um reservado bem no fundo do restaurante, perto da cozinha. Abri o menu e percebi que o The Taste of The Raj estava oferecendo um extra especial, amarga e ironicamente chamado Menu Para o Dia dos Namorados, para casais jantando fora num encontro romântico. Percebi que, mesmo com os preços amigáveis no menu, seria difícil conseguir engolir alguma coisa. Além do mais, não estava ali pela comida. Pedi uma caneca de cerveja, dois pães sírios, uma cebola bhaji e um gim-tônica.

— Nenhum prato principal, senhor?

— Talvez mais tarde — respondo. O garçom aquiesce, pesaroso, como se entendesse o modo por vezes brutal de funcionamento do coração humano, e vai pegar a minha bebida. Terminei a caneca de cerveja e o gim-tônica antes mesmo de ouvir o barulho do micro-ondas, na cozinha atrás de mim. O garçom deslizou a cebola bhaji requentada entre os meus cotovelos na mesa e eu devolvi os copos vazios.

— Outra caneca de cerveja e mais um gim, por favor. Sem tônica dessa vez — o garçom com olhos tristes aquiesce sabiamente, suspira e vai buscar meu pedido.

— E, por favor... — grito atrás ele. — O gim pode ser duplo? — Sem muita vontade, pego a casquinha da cebola bhaji e mergulho no doce e aguado iogurte de menta, e o garçom retorna com os meus drinques. Tomo um pouco da cerveja e jogo o gim dentro da caneca, mexo com o cabo do garfo e penso sobre todas as coisas que sei.

Sei a diferença entre um pterossauro e um pteranodonte, um pterodáctilo e um ranforrinco. Sei o nome em latim da maior parte dos pássaros domésticos britânicos. Sei as capitais de quase todos os países do mundo, e a maioria das bandeiras também. Sei que Magdalen College se pronuncia Maudlin College. Conheço todas as peças de Shakespeare, exceto Timão de Atenas, e as obras completas de Charles Dickens, menos Barnaby Rudge, e todos os livros de Nárnia, e a ordem em que foram escritos. Sei a letra de todas as músicas que Kate Bush já gravou, incluindo os lados B, assim como os rankings dos seus maiores sucessos. Sei todos os verbos irregulares em francês, e de onde vem a frase andar na linha, para que serve a vesícula, como lagoas são formadas, todos os monarcas britânicos em ordem, as esposas de Henrique VIII, bem como seus destinos, a diferença entre rochas ígneas, sedimentares e metamórficas, as datas das maiores batalhas da Guerra das Duas Rosas, o significado das palavras albedo, peripatético e lítotes, o número médio de cabelos numa cabeça humana, como fazer crochê, a diferença entre fusão e fissão nuclear, como soletrar desoxirribonucleico, as constelações das estrelas, a população da Terra, a massa da Lua, e como funciona o coração humano. E, ainda assim, as coisas mais básicas e importantes, como amizade, superar a morte do pai, amar alguém, ou simplesmente ser feliz, ser bom, honesto e digno parecem estar total e completamente além da minha compreensão. E me ocorre que não sou inteligente, de modo algum. Na verdade, sou, sem sombra de dúvidas, a pessoa mais ignorante, mais estúpida e desesperada do mundo inteiro.

Começo a me sentir um pouco triste, e, para me alegrar, peço outra caneca de cerveja e outro gim duplo. Misturo o gim com a cerveja, mexo com o cabo do garfo, mergulho um pedaço de pão sírio no chutney de manga, e a próxima coisa de que me lembro é acordar totalmente vestido às 6h30.

— Brian! Brian, acorde...

— Me deixa em paz... — resmungo, cobrindo a cabeça com o edredom.

— Brian, vamos, estamos atrasados... — alguém está me sacudindo pelos ombros. Empurro a mão para longe.

— Ainda está de noite. Vai embora.

— São 6h30, Brian, precisamos estar no estúdio às 9h30 e não vamos conseguir chegar a tempo. Vamos lá, levante... — Patrick arranca o edredom de cima de mim. — Você dormiu vestido?

— Não! — retruco, indignado, mas de modo nada convincente, pois é óbvio que ainda estava com as roupas do dia anterior. — Fiquei com frio no meio da noite. Só isso...

Patrick arranca completamente o edredom.

— Você ainda está de sapatos!

— Meus pés estavam frios!

— Brian, você andou bebendo?

— Não!

— Brian, achei que tínhamos um acordo: dormir cedo e nada de beber antes da partida...

— Eu não bebi! — respondo num murmúrio, esforçando-me para levantar e escutando o gim, a cerveja e a cebola bhaji se acomodando no meu estômago.

— Brian, eu estou sentindo o cheiro no seu hálito! Aliás, o que o seu colchão está fazendo no chão?

— Ele diz que é um almofadão — comenta Josh da porta, tremendo, só de cueca. Marcus espia por cima do seu ombro, piscando.

— Tive que acordar seus colegas para poder entrar — explica Patrick.

— Ooooops! Desculpe, Josh. Desculpa, Marcushhh...

— Não acredito! Você ainda está bêbado!

— Eu não estou bêbado! Cinco minutos! Me dá mais cinco minutos!

— Você tem três minutos. Vou esperar no carro lá embaixo — rosna Patrick, saindo todo empertigado, seguido por Josh e Marcus. Suspiro, esfrego a cara com as mãos e me sento na beira do almofadão.

Lembro de Alice.

Vou até o guarda-roupa e pego o paletó de veludo cotelê marrom do meu pai.

A viagem até Manchester é bem deprimente. Vamos no 2CV da Alice, que me dá um sorriso condescendente e sem ressentimentos, que finjo não ver enquanto entro no banco de trás do carro, pisando em pacotes de batatinha e estojos de fitas cassete. Puxo a porta pelo arame que se passa por uma maçaneta e o esforço me leva a um pequeno arroto, o ar sibilando pelos dentes bem apertados. A doutora Lucy Chang detecta o fato, faz seu diagnóstico e me dá o sorriso de hospital que aprendeu nas aulas. Apoio o casaco embaixo do queixo como um cobertor quando partimos e tento ignorar as guinadas do 2CV, que parece não ter suspensão alguma, dando a sensação de um carrossel num parque de diversões.

Desnecessário dizer que o bom e velho Patrick preparou algumas centenas de perguntas para a jornada, um aquecimento superdivertido, todas meticulosamente digitadas em cartões de 6 x 4. E ele insiste em gritar as questões bem alto, mais que o barulho do motor de cortador de grama do 2CV, enquanto sacudimos pela estrada a constantes 75 km/h. Decido não responder a nenhuma, só para dar uma lição. O truque para sobreviver hoje é manter a dignidade. Orgulho e Dignidade — esse é o segredo. Isso! — não vomitar em mim mesmo.

— Três questões bônus em batalhas. Em que ano foi travada a Batalha de Blenheim? Alguém? Ninguém? Lucy?

— Mil setecentos... e doze? — sugere Lucy.

— Não. Mil setecentos e quatro.

— Onde fica Bulge, como em a Batalha de Bulge? Alguém? Bulge? Alguém faz ideia? Bulge! Vamos lá! Pensem! Bulge, a Batalha de Bulge...

— Holanda! — murmuro debaixo do casaco, meio que para ele parar de falar Bulge.

— Nas Ardenas, na Bélgica — corrige Patrick, estalando a língua e meneando a cabeça. — Questão número três. Também conhecida como a Batalha dos Três Imperadores, a Batalha de Austerlitz foi lutada entre quais...

— Patrick, posso perguntar qual é a razão disso tudo? — questiono, inclinando-me para a frente. — Quer dizer... Você acha mesmo que, por algum milagre, alguma dessas perguntas vai ser feita no programa? Se não for por essa razão, é meio que uma perda de tempo pra todos, não é?

— Brian... — intervém Lucy, com a mão no meu braço.

— É um aquecimento, Brian! — guincha Patrick, virando-se no banco para ficarmos frente a frente. — Um aquecimento para os que estão bem-dispostos essa manhã... Ou talvez devessem estar!

— Não sei por que você está pegando no meu pé! — retruco, gritando. — Que horas você foi dormir ontem, Alice? — Ela crava os olhos em mim pelo retrovisor, furiosa, com seu olhar de monitora da escola, frio e cheio de desdém.

— Brian, depois nós falamos sobre isso, tá?

— Falar sobre o que depois? — pergunta Patrick.

— Nada... — disfarça Alice. — Nada mesmo...

— Estamos só nós quatro aqui hoje, Alice, ou você escondeu alguém no porta-malas do carro?

— O quê? — pergunta Patrick.

— Brian, aqui não, está bem? — sibila Alice.

— Alguém pode por favor me dizer o que está acontecendo...? — ordena Patrick, quase latindo.

— Ok, pessoal! Chega! Vamos... ouvir um pouco de música, tudo bem? — sugere Lucy, a apaziguadora.

Uma mão segura meu braço, de modo gentil, porém firme, e eu quase imagino uma seringa hipodérmica na outra mão. Depois, afundo-me no banco, cubro a cabeça com o casaco para tentar dormir um pouco ao som de uma fita cassete gasta e distorcida de The Look of Love, do ABC, várias e várias e várias vezes, o caminho todo até Manchester, até eu achar que iria começar a gritar.

Pouco depois de eu bafejar birita na cara de Bamber Gascoigne, ele desaparece dentro do escritório para passar as perguntas, sobrando para o nosso velho amigo Julian, o jovem pesquisador simpático, revelar quem seriam os nossos oponentes. É exatamente o que temíamos. Uma palavra. Oxbridge. Patrick força um grande sorriso, mas o som dos seus dentes rangendo uns contra os outros ecoou pelo estúdio.

Os quatro de Oxbridge atravessam o estúdio com passos lentos em nossa direção, alinhados como pistoleiros. Todos de paletó e gravata combinando, óculos e cachecóis da universidade, tentando nos intimidar mais ainda. A equipe inteira é composta por homens brancos, então suponho que podíamos, ao menos, nos parabenizar por marcar um ponto pela igualdade entre os sexos, já que temos duas mulheres no time, ainda que uma delas seja uma bruxa duas caras, depravada, falsa e manipuladora.

Claro que nossos rivais ainda não descobriram a verdadeira natureza de Alice. Por isso, todos vão direto até ela e se agrupam à sua volta, como que pedindo por um autógrafo, enquanto Patrick pula para cima e para baixo na beira do círculo, tentando, desesperadamente, apertar a mão de alguém, de qualquer um. O capitão, Norton, que cursa literatura clássica, é um sujeito galã, de ombros largos e cabelos macios, o tipo de bonitão canalha que deve remar para todo lado. Ele aperta a mão de Alice e se recusa a soltar.

— Ora... Você deve ser a mascote! — diz ele, de maneira arrastada e lasciva, o que me parece algo bem ofensivo e chauvinista de se dizer, e tenho um momento de indignação feminina em prol de Alice, mas daí me lembro da noite de ontem, do guarda-roupa. Além do mais, Alice não parece se incomodar, pois também está rindo e mordendo os lábios, com os olhos bem abertos aparentando inocência, jogando os cabelos recém-lavados para trás. E Norton joga seu adorável e lustroso cabelo para trás, e Alice joga o dela outra vez; ele faz o mesmo, ela repete o gesto — é como um ritual de acasalamento num programa de vida selvagem. Tenho vergonha de admitir que as palavras provocadora vulgar passaram pela minha cabeça, mas como a expressão é específica quanto ao gênero, além de misógina, eu a reprimo, preferindo me manter fora do grupo, sem apertar a mão de ninguém, só observando. Lucy Chang me vê, se aproxima, segura no meu braço e me apresenta Partridge, um garoto de 19 anos de Saffron Walden, já ficando calvo, com a pele de pêssego, que estuda história moderna. Eu sorrio, e sorrio, e converso, e sorrio e me pergunto se haveria algum lugar onde eu pudesse me deitar um pouco.

Mas não há tempo, pois o animado Julian nos conduz aos nossos lugares para um rápido ensaio, só por diversão, com ele no lugar de Bamber. Desnecessário dizer que Patrick determina a disposição dos lugares me deixando bem no fim, o mais longe possível dele e de Lucy, quase no outro estúdio, para falar a verdade. Alice senta-se entre nós, o que teria sido adorável 24 horas atrás, mas, agora, é pura infelicidade, e ficamos lá encarando o nada, em silêncio, com Julian nos lembrando que é só um pouco de diversão, só um jogo, que o importante é nos divertirmos. As mesas e as campainhas parecem malfeitas e improvisadas, como se alguém as tivesse montado numa aula de marcenaria. Dá até para ver as lâmpadas iluminando meu nome na frente do painel. Eu poderia desatarraxar uma se quisesse, talvez roubar depois do programa como souvenir, como se fosse um trote universitário. Penso em comentar isso com Alice, mas me lembro que não estamos nos falando e me sinto triste de novo. Julian, enquanto isso, está nos convidando para testar nossas campainhas, para pegarmos o jeito com elas. Todos apertam os botões, e me debruço na mesa de madeira para ver meu nome acendendo e apagando. Jackson. Jackson. Jackson...

— Enfim, meu nome escrito em luzes! — fala Alice. Não olho para ela, claro, mas, pela voz, sei que está com um sorriso desesperado. — Sempre pensei que a única maneira de conseguir meu nome escrito em luzes seria mudar de Alice Harbinson para Saída de Emergência! — graceja ela, porém não sorri, só tamborila um código Morse na campainha: ponto ponto ponto, traço traço traço...

— Estranho, não é? Estarmos aqui! Depois de todo esse tempo...!

Continuo não respondendo. Aí, ela estica o braço e tira minha mão da campainha.

— Brian, fale comigo, por favor — diz, dessa vez sem sorrir, depois sussurra: — Olha, desculpe por ontem à noite. Desculpe por achar que andei enrolando você, mas nunca fiz nenhuma promessa, Brian. Sempre fui honesta com você. Sempre fui muito, muito clara em relação ao que eu sentia. Fale comigo, Brian, por favor! Não aguento esse seu silêncio...

Viro-me para ela, que parece triste e linda, com marcas de cansaço em volta dos olhos.

— Desculpe, Alice, mas acho que não consigo. — Ela faz que sim com a cabeça, como se entendesse, e, antes de podermos dizer qualquer coisa, Julian começa a pigarrear. O ensaio já vai começar.

— A separação final entre as igrejas cristãs do Ocidente e do Oriente, também conhecida como a Cisão Leste-Oeste, aconteceu em que ano?

Acho que sei essa, e aperto a campainha.

— Mil quinhentos e dezessete?

— Não, desculpe... Talvez você tenha pensado na Reforma. Temo que isso implique uma penalidade de 5 pontos.

— Mil e cinquenta e quatro? — sugere Norton, o do cabelo macio, que cursa literatura clássica.

— Resposta certa — responde Julian, e Norton sorri, joga o cabelo para trás, vitorioso. — Bem, Norton, isso representa 10 pontos, e sua equipe ganha o bônus para responder a três perguntas sobre deuses romanos...

Ironicamente, claro, eu sabia todas as respostas.

Ao final dos 15 minutos de ensaio, que é apenas uma diversão, só para relaxar, lembrando que é apenas um jogo, nós perdemos por 115 pontos a 15. Nos bastidores do cenário, Patrick está tão furioso que mal consegue falar. Fica andando em pequenos círculos, abrindo e fechando os punhos, guinchando. Guinchando mesmo.

— Os caras são bons, não? — comenta Alice.

— Nada excepcionais. Tiveram sorte, só isso — diz Lucy. — É em Partridge que temos de ficar de olho...

— … Três anos eu esperei por isso. Três anos... — resmunga Patrick, andando em pequenos círculos.

— …Nós estamos um pouco nervosos. Só isso — continua Lucy. — Apenas precisamos relaxar um pouco! Começar a nos divertir, e relaxar!

De repente, preciso de um drinque. Será que há algum bar no prédio? — me pergunto.

— Talvez devêssemos ir a um bar, beber uma ou duas canecas de cerveja e descontrair um pouco — sugere.

Patrick para de andar.

— O quê? — sibila.

— Você não acha que é uma boa ideia?

— Brian, você respondeu a oito perguntas no começo da rodada durante o ensaio e errou seis. Isso resulta em menos 30 pontos...

— Isso não é verdade... — replico na defensiva. — É? — e olho para Lucy em busca de apoio, mas ela está contemplando os próprios sapatos. Patrick vira-se para ela.

— Lucia, dimmi, parli italiano?

Envergonhada, Lucy responde:

— Si, un pochino.

Depois para Alice:

— E tu Alice, dimmi, parli anche tu l‘italiano?

— Si, parlo l‘italiano, ma solo come una turista... — suspira Alice.

— Ele está perguntando se nós falamos ital... — sussurra Lucy.

— Eu sei o que ele está perguntando, Lucy! — respondo.

— Então, você fala italiano? — pergunta Patrick.

— Não! Não muito...

— E, ainda assim, Lucy fala, Alice fala e eu falo. E, no entanto, foi você, Brian Jackson, você, o único que não fala italiano na equipe, que se sentiu capaz de responder a uma pergunta no começo da rodada sobre termos musicais italianos...

— Ninguém mais apertou o botão. Então, pensei em tentar...

— Esse é o problema com você, não é, Brian? Com você, é só tentar, tentar, tentar, atirando no escuro, errando todas as vezes, mas tentando de novo, e de novo só errando, errando, errando, errando, errando, errando tudo e perdendo o jogo, arrastando todos nós junto. — O rosto dele fica cor de vinho, a mesma cor do seu moletom da universidade, a centímetros de distância do meu...

— O que é isso, turma? Foi só um ensaio — intervém Lucy, tentando se espremer entre nós, enquanto Alice permanece um pouco afastada, as mãos cobrindo o rosto, espiando entre os dedos.

— …Nem sei por que deixei você entrar para a equipe, em primeiro lugar! Você aparece bêbado, fedendo a álcool, e age como se soubesse tudo, quando não sabe nada. No que diz respeito a essa equipe, você é um completo peso morto... — As mãos dele estão no meu peito, os dedos abertos, e sinto o leve borrifo de sua saliva na minha bochecha... — Acho que estaríamos melhor com um cara qualquer da rua. Até mesmo com seu maldito amigo Spencer. Vocês são dois porcos ignorantes. É como dizem: você pode tirar o garoto de Essex, mas não pode tirar...

Acho que ele continuou a falar depois disso, pois a boca estava mexendo, mas não escutei mais nada. Porque só sei que ele puxou a lapela do paletó de veludo cotelê marrom do meu pai e me ergueu nas pontas dos pés. É nesse momento que tomo uma decisão, que algo se rompe — só que, na verdade, não se rompe, só estica — talvez por ele ter mencionado Spencer, ou os resquícios da bebida da noite anterior, mas, àquela altura, decido dar uma cabeçada em Patrick Watts. Dou um pequeno salto no ar, não um salto de jogador de basquete, nem de longe, apenas um impulso com os calcanhares, e desço a cabeça o mais forte que posso bem no centro da cara cor de vinho de Patrick. Sinto vergonha de admitir que tenho uma rápida, porém intensa, sensação de prazer e satisfação e vingança justa, antes de a dor percorrer o caminho até o meu cérebro e tudo ficar preto.

40

PERGUNTA: Em A canção de amor de J. Alfred Prufrock, de T. S. Eliot, A noite cai e já se estende pelo céu...?

RESPOSTA: ...Parecendo um doente adormecido a éter sobre a mesa.


— Como uma garota nascida e criada em Glasgow, acho seguro dizer que o que estamos observando aqui é um erro clássico de interpretação do princípio básico de uma cabeçada — disse Rebecca Epstein. — O propósito de uma cabeçada é bater a parte dura da testa com o máximo de força possível contra a parte macia do nariz do oponente. O que você fez aqui, Brian, foi bater a parte macia do seu nariz contra a parte dura da testa dele. Daí, o sangue e a perda de consciência.

Abro os olhos e percebo que estava deitado de costas em duas mesas de escritório colocadas lado a lado. Lucy Chang está ao meu lado, puxando para trás a franja que fica caindo nos meus olhos, mostrando três dedos e perguntando:

— Quantos dedos você está vendo?

— Se eu errar a resposta, nós vamos perder 5 pontos?

Ela sorri.

— Dessa vez, não.

— Então, a resposta é três.

— E a capital da Venezuela é...?

— Caracas?

— É isso aí, Sr. Jackson! — disse Lucy. — Acho que você vai ficar bem.

Parece que estamos uns dois andares acima, com vista para a parte de trás do estúdio de TV, na produção do Desafio Universitário. Há livros de referências espalhados por todos os lados e fotos de antigos ganhadores nas paredes. Viro a cabeça para o lado e vejo Rebecca, sentada na beirada de uma mesa em frente à minha, muito bonita. Não bonita, pois a palavra bonita é específica de gênero e reacionária, mas atraente, num vestido justo comprido e simples debaixo de uma jaqueta de brim preta, balançando os coturnos Doc Martens para trás e para a frente.

— Então, você veio?

— Ah, sim! E não teria perdido isso por nada no mundo. Lá estava eu, num micro-ônibus com um bando de Jovens Conservadores, todos bêbados, com seus cachecóis da universidade e seus irônicos ursinhos de pelúcia, e pagando 3 pratas pela gasolina, devo acrescentar, o que é um roubo se você fizer as contas, e penso: meu Deus, o que eu estou fazendo aqui!? Isso é o inferno! Então, chegamos, estamos fazendo um pequeno tour pelo estúdio antes do programa, e viramos uma esquina bem a tempo de ver você caído no chão, inconsciente, numa poça do próprio sangue, e eu pensei, bem, aí está, se isso já não vale 3 pratas, não sei o que mais pode valer.

Olho para baixo e vejo que estou usando apenas calça e colete, o mesmo colete que usei nas últimas 36 horas, salpicado de sangue na frente e com um cheiro forte de gim. Na verdade, é mais que um cheiro forte. São gases. Estou exalando gases.

— O que aconteceu com a minha roupa?

— Eu e Lucy nos aproveitamos de você enquanto estava inconsciente. Tudo bem, né?

Lucy fica vermelha.

— Alice está lavando sua camisa no banheiro e tentando usar o secador para mãos...

— Está tudo bem com o paletó?

— Tudo bem com o paletó...

— …Aquele paletó era do meu pai...

— Está tudo bem. De verdade...

Devagar, sento-me de lado na beira da mesa e sinto meu cérebro se mover junto, espremendo-se contra as laterais do crânio. Lucy segura um espelho do seu kit de maquiagem, eu respiro fundo e olho. Poderia ser pior, penso. Meu nariz não está mais inchado ou deformado que o normal, embora haja uma mancha escura que parece giz vermelho em cada narina.

— Como está Patrick? — pergunto a Lucy.

— Nenhum arranhão — responde ela.

— Que pena! — digo.

— Ei, agora chega! — ela responde, mas com um sorriso conspiratório. Depois, com uma expressão séria: — Mas tem um problema...

— O quê?

— Bom... Acho que não vão deixar você participar do programa.

— O quê? Você está brincando!

— Temo que não.

— Mas por que não?

— Bom... Você agrediu o capitão da nossa equipe.

— Não foi uma agressão! Eu bati nele uma vez! E ele me provocou, você viu aquilo. Ele estava me erguendo pela lapela! De qualquer maneira, sou eu quem está machucado! Como posso ser o agressor se eu é que estou machucado?

— E esse é o argumento da defesa, meritíssimo — comenta Rebecca.

— Eu sei, Brian, mas, mesmo assim, Patrick não está nada contente... Ele tem um amigo do departamento de economia preparado para entrar no seu lugar no último minuto...

— Você está brincando...

— Você não pode reclamar, Brian. Você aparece fedendo a álcool, erra um monte de perguntas e ainda tenta quebrar o nariz dele...

— Mas a minha mãe está aqui!

— É só um concurso bobo, Brian — diz Rebecca, ainda balançando os pés.

— Mas ela veio de Southend!... — Percebo minha voz falhar um pouco, o que é patético num homem de 19 anos, eu sei, mas eu queria tanto estar no programa... Tenho uma súbita visão de mim, tentando explicar para minha mãe por que eu não vou participar do programa. É como ser mandado mais cedo da escola para casa. Tão constrangedor, tão vergonhoso, que não consigo nem pensar na coisa.

— O que o Julian disse?

— Julian disse que cabe ao Patrick decidir. Estão juntos no momento, conversando...

— E o que você acha?

Lucy franze a testa por um instante e depois falou:

— Acho que, se vocês prometerem se comportar, e pararem de agir como crianças e concordarem em trabalhar juntos, como uma equipe, e forem com calma na campainha, acho que sim, que você poderia participar do programa...

— Bom, e você pode dizer isso pra ele por mim, Lucy? Por favor?

Ela suspira, olhou para o relógio, depois para a porta, e fala: — Vou ver o que posso fazer — e sai, deixando Rebecca e eu no escritório da produção, sentados na beira de mesas opostas, mais ou menos a 5 metros de distância um do outro, ambos balançando as pernas e tentando ignorar o que costumam chamar de um clima, eu acho. Quando o silêncio se torna desconfortável demais, Rebecca acena com a cabeça em direção à porta.

— Ela é legal.

— Quem?

— Lucy.

— Sim. É, sim. Muito, muito legal.

— E por que você não sai com ela?

— …Como?

— …Acho que ela parece legal. Só isso...

— …Porque eu não quero!...

— …Mas você acabou de dizer que ela é legal...

— …Muitas pessoas são legais...

— …Não é tão bonita pra você, é isso?

— …Não disse isso, disse?...

— …Não é tão sensual...?

— …Rebecca...

— …Porque você também não é nenhuma pintura a óleo, amigo...

— …Não, eu sei...

— …Sentado aí com esse colete manchado de sangue...

— …Tudo bem...

— …Que não está muito limpo, devo acrescentar. Dá pra sentir o cheiro daqui...

— …Obrigado, Rebecca...

— …Então, por que não?...

— …Porque ela nem deve gostar de mim!...

— …Como você sabe? Se você não perguntou... Você não viu como ela olhava pra você enquanto estava em coma...

— …Besteira...

— …Afastando a sua franja dos olhos e tudo o mais. Foi uma cena muito comovente...

— …Besteira!...

— …Enfiando papel higiênico nas suas narinas com o maior amor. Foi até erótico...

— …Rebecca...!

— …É verdade! Se eu não estivesse lá, acho ela teria tirado a sua calça também. E você nem ia saber...

— …Besteira!...

— …Então, por que está ficando corado...?

— …Não estou!...

— …Então, por que não pergunta pra ela?

— …Perguntar o que pra ela...?

— …Se ela não quer sair com você...

— …Porque eu não...

— …O quê?...

— …Eu não estou...

— …Vá em frente...

— …A... apaixonado por ela...

— …Do mesmo jeito que não está apaixonado por mim?

— …O quê?

— …Você ouviu...

— … Rebecca, será que a gente não pode...?

— …O quê?

— …Conversar sobre isso depois?

— …Por que não agora?

— Porque sim! — respondo, respirando fundo pela primeira vez em algum tempo. — Porque estou com muita coisa na cabeça, agora. Tudo bem?

— Tudo bem — concorda ela. — Ok, já entendi — e escorrega da mesa alta, puxando o vestido longo sem saber lidar com ele, atravessa o escritório e senta-se ao meu lado, na beirada da mesa.

— Isso que você está usando é uma túnica?

— Que túnica, que nada! É um vestido. Como está a cabeça?

— Ah... Um pouco dolorida.

Rebecca tira uma garrafa de uísque do bolso do casaco.

— Quer um pouco de remédio?

— É melhor não.

— Vamos lá... Veneno contra veneno.

— Foi um veneno diferente. Gim.

— Argh, isso é muito desagradável! Você sabe que gim é depressivo, não sabe?

— Acho que era por isso que estava tomando.

— Hummm, autopiedade e autorrejeição, uma combinação vencedora. Não me surpreende que as mulheres achem você irresistível. Você é o próprio Travis Bickle, de Taxi Driver. — Dá um gole da garrafa e me oferece outra vez. — Acredite em mim: uísque é o caminho a seguir.

— Eles vão sentir o cheiro no meu hálito — explico, e ela pega uma cartela de balas de menta extraforte do fundo do bolso. — Então, vamos nessa — concordo.

Rebecca me passa a garrafa e dou um longo gole, depois coloco uma bala na boca, deixando os gostos se misturarem, e olhamos um para o outro, sorrimos e ficamos sentados, como crianças na escola, balançando os pés na beira da mesa.

— Você sabe que Alice está saindo com outra pessoa, não é? — eu pergunto.

— Sei.

— Aquele cara, o Neil, que interpretou Ricardo III no semestre passado, sempre mancando pelo bar dos estudantes...

— O imbecil de muletas...

— Esse mesmo. Imagino que você sabia.

— Bem, eu vi o sujeito saindo do quarto dela umas vezes. Então, acho que tinha uma vaga ideia...

— E não foi uma mancada? — Ela me lança um olhar interrogativo. — Uma mancada, como Ricardo III...? Por que você não me contou?

— Não é da minha conta, é? A sua vida amorosa...

— Não. Talvez não seja. — Devo confessar que, mesmo depois de tudo o que aconteceu, com Alice, a cabeçada e tudo o mais, minha vontade é beijar Rebecca, empurrar a bala de menta para um canto da boca e dar um beijo nela, só para ver o que iria acontecer.

Mas o momento passa, e eu olho para o meu relógio.

— Eles estão demorando.

— Quem?

— O júri.

— Quer que eu vá dar uma olhada?

— Sim, seria ótimo. — Ela desce da mesa e anda em direção à porta. — Fale bem de mim — recomendo.

— Vou ver se consigo pensar em alguma coisa — responde ela, ajustando o vestido e saindo, e eu fico sozinho.

Sempre fico um pouco inquieto quando estou sozinho sem nada para ler, ainda mais usando colete, mas, felizmente, o escritório está cheio de livros, a maior parte de referência, mas, ainda assim, são livros. Então, pego o Dicionário Oxford de Citações, que foi usado como travesseiro para eu deitar, e é aí que eu vejo.

Na mesa.

Uma prancheta azul.

Com algumas fotocópias em papel A4. Tem o nome de Julian, o pesquisador, escrito à mão no topo. Por isso, imagino que sejam suas anotações de produção. Ele devia ter trazido quando me levaram para lá e deixado na mesa. As folhas A4 não são particularmente interessantes, só nomes dos membros das equipes, o mapa dos lugares de cada um, a lista de nomes do pessoal de produção, esse tipo de coisa. Mas, na frente das folhas, há um envelope, um envelope grosso e marrom que parece conter dois baralhos de cartas. Tiro o envelope da prancheta.

Não está lacrado. Ou está, mas só de leve, um restinho de cola mantendo fechado.

Cutuco a parte fechada, deslizando o envelope pela mesa com a ponta da unha.

Cutuco de novo, do jeito que a gente cutuca alguma coisa para ver se está morta.

Depois, pego num canto e o puxo na minha direção.

Levanto o envelope com as duas mãos e ponho no colo. Fico observando.

Depois, empurro o envelope pela mesa o mais longe possível do meu alcance.

Mas aí penso: ah, que se dane!, estendi o braço e abro o envelope.

41

PERGUNTA: James Hogg, Santo Agostinho, Jean-Jacques Rousseau e Thomas de Quincey têm que gênero literário em comum?

RESPOSTA: Todos escreveram Confissões.


Quando estava fazendo meu exame final no colégio, pouco antes da prova de múltipla escolha de química, tive um leve caso de gripe gástrica. Bem, foi assim que resolvi chamar a coisa, e como era contagiosa e eu estava com febre — bem, não febre, só um pouco quente —, me deixaram fazer a prova sem supervisão num pequeno escritório ao lado da sala dos professores, porque eu era esse tipo de garoto que, na escola, era absoluta e inteiramente confiável.

E eu colei.

Nada demais, veja bem. Eu só verifiquei se ninguém estava vindo, peguei meu livro e olhei bem rápido a tabela periódica para conferir a valência do potássio, ou do magnésio ou coisa assim, depois guardei de volta e foi isso.

E também, incidentemente, quando joguei palavras cruzadas à luz de velas com Alice em Suffolk, pouco depois do Natal, tirei um Z e um X e os troquei sorrateiramente por um M e um S. Formando, manha e espanto, palavras com pontuação tripla.

E minha experiência em trapacear se resume a isso. Não tenho orgulho de mim mesmo por nenhuma dessas ocasiões, mas, fora a vergonha e o que acho que Sartre chamaria de má-fé envolvida, a pior coisa foi a sensação irritante de que trapacear não era necessário. Eu teria ganhado de qualquer maneira, e tudo o que ganhei com a trapaça foi uma mancha na minha sensação de vitória. Como minha mãe e Sartre provavelmente diriam, você só está enganando a si mesmo.

Mas isso não é um jogo de palavras cruzadas, nem um exame, é muito mais importante. Isso é o Desafio, e há, pelo menos, oito boas razões que transformam uma trapaça numa ideia perfeitamente razoável. 1) É na televisão, para começar. Todo mundo que eu conheço ia assistir — Spence, Tone e Janet Parks, todos os meus antigos professores, o professor Morrison, aquele canalha do Neil MacIntyre; e, também, 2) a plateia do estúdio, minha mãe e Des, meu futuro padrasto, Rebecca e Chris, o hippie, e aquela vaca da Erin. E, depois, 3) meus colegas de equipe Patrick e Lucy, especialmente Lucy, que eu venho desapontando, que merecem tanto vencer; e 4) Alice, claro, que me acha um idiota e um bêbado e um peso morto e um tolo, e por quem penso que ainda possa estar apaixonado; e, além do mais, 5) posso nem mesmo estar na equipe. Então, toda essa discussão ética pode ser nula de qualquer modo; e 6) de certa maneira, essa situação sequer é minha culpa, é culpa do Julian, por colocar a tentação no meu caminho; e 7) qualquer um faria o mesmo nessas circunstâncias, qualquer um, e, além disso, 8) eu sou apenas homem.

É por isso que decido fazer o que faço, que é, tecnicamente, trapacear, mas atribuo um forte elemento do acaso. Vou olhar um cartão, só um, e isso é tudo, juro. Mas tem de ser rápido. Corro para a porta, abri uma fresta, olho para os lados, não vejo ninguém, corro de volta para a mesa e tiro os cartões do envelope.

Estão divididos em duas pilhas com elásticos, uma com as perguntas da rodada e outra com as questões bônus. Separo a pilha de perguntas da rodada, calculo mais ou menos dois terços da pilha e separo em duas pilhas, que deposito com cuidado na mesa, viradas para baixo, para poder devolvê-las exatamente no lugar certo. Fecho bem os olhos e escolho um cartão do alto da pilha exposta, segurando-o, mais ou menos, a um metro dos meus olhos fechados.

Sinto o sangue pulsando nas pálpebras fechadas.

Abro os olhos e vejo a pergunta, digitada com elegância...


PERGUNTA: Como é mais conhecido o personagem Philip Pirrip, de Dickens?

…e sinto uma pequena onda de irritação, porque essa eu sei, é fácil. É Pip, de Grandes esperanças. Qual é a graça de se debater com esse tipo de dilema ético se já sei a resposta? E, mesmo tendo feito um rígido trato com Deus, ou seja lá quem fosse, de que eu só veria um cartão e um cartão apenas, pego outro, o seguinte na pilha, e viro.

Essa, sim...

PERGUNTA: O estado da Califórnia faz divisa com três estados americanos e um estado mexicano. Quais são eles?

RESPOSTA: Oregon, Nevada, Arizona e o estado mexicano de Baja (Baixa) California.


Oregon, Nevada, Arizona, Baja California. Perfeito — difícil o bastante para impressionar, mas não difícil a ponto de parecer estranho que eu saiba. Oregon, Nevada, Arizona e Baja California. Mas isso é pronunciado Baja ou Baya? Não importa... Isso faria parte da minha resposta. Ensaiei dizer em voz alta, agindo com naturalidade — Oregon, hã, Nevada, Arizona? E Baja... (um pequeno sorriso, porque meu espanhol estaria um pouco enferrujado)... ou talvez fosse Baya California...?

Mas e se Lucy também souber a resposta? Aposto que ela sabe. Não importa, contanto que um de nós responda antes da outra equipe. Na verdade, seria melhor se Lucy respondesse, pois, assim, minha consciência ficaria limpa. Oregon, Nevada, Arizona e Baja California. Tenho que ser rápido, colocar os cartões de volta no lugar certo na pilha, enrolar o elástico uma, duas, três vezes, guardar as duas pilhas no envelope e lamber, mas não muito, só num dos lados, onde rompi o lacre, prender de volta na prancheta, botar a prancheta exatamente onde encontrei, e ensaiar de novo em voz alta:

— Oregon, hã, Nevada, Arizona e... é Baja California...?

Vou até a janela, olho para os telhados e chaminés de Manchester e penso no que é preciso fazer nesse momento. Primeiro, um pedido de desculpas a Patrick, sincero, humilde, mas não rastejante, reconhecendo que nos descontrolamos um pouco, mas ainda mantendo o Orgulho e a Dignidade. Depois, selar um tipo de paz temporária com Alice, mostrar que, sim, estou chateado, mas que ela está cometendo um erro terrível com esse tal de Neil, e é ela quem sairá perdendo. E, depois, só preciso mostrar o que ela está perdendo. Com estilo, graça e modéstia, e com Alice ao meu lado, vencer aquele jogo. Oregon, Nevada, Arizona e Baja California...

Alguém bate na porta e Patrick entra, com uma expressão sombria, mas flanqueado por Alice e Lucy, ambas tentando esconder os sorrisos.

— Patrick...

— Brian...

— Desculpe pelo que aconteceu.

— Desculpas aceitas — Ele limpa a garganta e Lucy lhe dá um cutucão de encorajamento nas costas. — Bem, hum, olha, estive conversando com Lucy e Alice, e decidimos que, talvez, todos nós tenhamos nos descontrolado um pouco, ficamos ansiosos demais, com as luzes do estúdio e tudo o mais, e decidimos que gostaríamos muito que você ficasse na equipe.

— Obrigado, Patrick — digo, fazendo uma pequena reverência solene com a cabeça.

— Obrigado, Brian — ele retribui a reverência.

Lucy pisca e ri para mim, fazendo um sinal com o polegar para cima, discretamente, no nível da cintura, e Alice está com minha camisa limpa e recém-passada e o paletó de veludo cotelê marrom do meu pai.

— OK, então — digo. — Vamos acabar com a raça daqueles caras!

42


PERGUNTA: No romance de E. M Forster, Howards End, como Leonard Bast chega a seu final infeliz?

RESPOSTA: Uma estante de livros cai em cima dele e seu coração não aguenta.


Mas, antes de partirmos para acabar com a raça deles, tomamos uma xícara de chá e comemos biscoitos, depois vou ao banheiro, lavo as axilas com sabão líquido e começo a me sentir um pouco melhor. Então, seguimos para camarins diferentes e nos aplicam um pouco de maquiagem. Quando você tem a pele ruim como eu, isso pode ser uma experiência constrangedora, mas uma garota legal chamada Janet trabalha bem no meu rosto, o que acaba resultando num belo caso de contenção de danos. Um pouco de base para cobrir as espinhas e um pouco de pó para impedir que as gotículas oleosas das minhas glândulas sebáceas brilhem debaixo das luzes do estúdio. O processo é rápido para três de nós: Patrick tem seu moletom da universidade passado e o cabelo preso debaixo de um capacete transparente de laquê; e Lucy se troca e veste uma camisa de botões bem limpa e arrumada, passa um pouco de batom e prende o cabelo para trás com um prendedor de borboleta. Ficamos por ali, no corredor, conversando amigavelmente, quando me dou conta do quanto Lucy está bonita, e tento pensar numa maneira de dizer isso sem parecer estranho quando Alice sai do camarim.

Ela está usando um vestido preto longo e justo, alto no pescoço e afinando perto dos tornozelos, com uma meia que parece uma rede de pesca e sandálias pretas de salto alto, mesmo que suas pernas vão ficar ocultas atrás da mesa. Parece uma atriz de cinema, radiante, resplandecente, e, de repente, me sinto enjoado de novo.

— Vocês acham que eu exagerei? — pergunta.

— De jeito nenhum, Alice, você está maravilhosa — responde Lucy. Julian vem nos buscar, agarrado à sua infame prancheta, e para por um instante quando vê Alice.

— OK, então, senhoras e senhores. Quando estiverem prontos... — Somos orientados pelo corredor até o estúdio. Fico atrás de Alice, para apreciar o seu andar.

A outra equipe já está ocupando seus lugares quando chegamos, e podemos ouvir os aplausos e gritos de sua torcida enquanto esperamos nos bastidores. Então, Julian acena para nós com a cabeça, e está na hora de entrarmos na arena de gladiadores. Sigo Alice enquanto andamos para nossos lugares e escuto um suspiro coletivo da plateia. A equipe de palco e o cameraman param e ficam olhando, sussurrando nos microfones, e um audível murmúrio de admiração se insinua nos aplausos e gritos da plateia. Ela levanta um pouco o vestido quando se senta atrás de nossa mesa, como se estivesse deslizando para dentro de uma limusine, e alguém na plateia chega a assobiar, o que, do ponto de vista político e sexual, eu não aprovo, mas provoca uma onda de risos pelo estúdio. Alice ri e segura nosso mascote, Eddie O Ursinho, na frente do rosto e é como minha mãe sempre diz: ela é linda... e sabe disso...

Acomodamo-nos em nossos lugares e sorrimos uns para os outros enquanto a agitação vai passando.

— Bandeira branca? — sugere Alice.

— Bandeira branca — aceito, e espiamos a plateia. Rose e Michael Harbinson estavam lá, e Rose dá um orgulhoso aceno com a mão.

— É bom ver os dois vestidos! — comento, e Alice me dá um tapa repreensivo no pulso. Minha mãe, na segunda fileira, bem atrás de Rebecca, acena com os dedos, levanta os polegares, e eu respondo de volta.

— Aquela é a sua mãe? — pergunta Alice.

— É.

— Ela parece legal. Gostaria de conhecê-la.

— Tenho certeza de que isso vai acontecer. Um dia...

— Quem é o homem com o bigode de Tom Selleck?

— O tio Des. Não é tio de verdade. É só modo de chamar. Aliás, ele vai se casar com minha mãe.

— Sua mãe vai se casar de novo?

— Vai...

— Que notícia maravilhosa! Você não me contou!

— Bom, eu ia contar, ontem à noite, mas...

— Sim. Ah... Sim, claro... Escute, Brian, aquela coisa com o Neil não está mesmo indo a lugar algum...

— Alice...

— É só um caso. Não quer dizer que você e eu não podemos... — mas ela não consegue terminar, pois Bamber entrou no palco. A plateia aplaude e vibra, Alice pega minha mão e a aperta forte. Meu coração começa a bater mais rápido, e está na hora de terminar com aquilo, de uma vez por todas.

E, claro, 18 minutos depois, nós já perdemos.

Ou, pelo menos, é o que tudo indica. Está 45 pontos a 90, mas Partridge, o cara da pele macia de pêssego que está ficando calvo, é um incrível mutante melhorado geneticamente, criado num laboratório secreto em algum lugar, pois consegue disparar respostas certas em todos os assuntos possíveis, uma atrás da outra — … Papa Pio XIII, Falha de San Andreas, Heródoto, 2n-1(2n-1) em que n e 2n-1 são números primos, nitrato de potássio, cromato de potássio, sulfato de potássio... — e tudo isso vindo de alguém que deveria estar cursando história moderna e parece ter 6 anos de idade. Nem é justo chamar de conhecimento geral, é conhecimento, puro e concentrado, e percebo que, em algum lugar na parte de trás da cabeça de Partridge, há um pequeno botão escondido que, se fosse apertado, a cara dele se abrirá, revelando diodos e circuitos integrados e leds piscantes. O capitão da equipe, Norton, de Canterbury, cursando literatura clássica, mal precisa fazer qualquer coisa além de transmitir as respostas certas para Bamber com sua adorável voz grave e bem modulada e depois se espreguiçar, recostado, brincando com seu adorável cabelo lustroso e lançando olhares cheios de vejo você depois para Alice.

Patrick começou a entrar em pânico. Uma camada de suor se acumula no moletom ao redor do pescoço. Ele começa a apertar demais a campainha e a cometer erros, erros terríveis, o dedo tremendo, cutucando o botão numa tentativa desesperada de recuperar alguma coisa.

Bzzz...

— George Stephenson? — tenta Patrick.

— Não, desculpe, menos 5 pontos.

— Brunel? — diz Partridge.

— Resposta certa! Dez pontos...

Bzzz...

— Os direitos do homem, de Thomas Paine? — suplica Patrick.

— Não, desculpe, menos 5 pontos...

— A era da razão, de Thomas Paine — responde Partridge.

— Resposta certa! Mais 10 pontos...

E assim vai. Enquanto isso, Alice e eu somos inúteis. Ela errou uma resposta, dizendo Lady Margot Fonteyn, quando deveria ser Lady Alicia Markova, e eu quase não abri a boca, limitando-me a fazer que sim com a cabeça para tudo o que Lucy dizia durante as consultas com a equipe. Na verdade, se não fosse pela maravilhosa Dra. Lucy Chang, nós estaríamos com o placar negativo àquela altura, pois, para cada resposta errada de Patrick, ela acerta uma, com seu jeito quieto e modesto.

— O estudo das abelhas?

— Resposta certa.

— Penso, logo existo?

— Resposta certa.

— Zadok, o sacerdote, de Hendel?

— Resposta certa.

Em dado momento, fico inclinado, olhando além de Alice e observando Lucy puxar seu lustroso cabelo para trás da orelha, olhando com modéstia para o chão enquanto a plateia aplaude, pensando no que Rebecca falou. Talvez eu devesse ter convidado Lucy para sair. Por que não havia pensado nisso? Talvez essa fosse a resposta. Quem sabe, se esse lance com a Alice não der certo...?

Mas no que eu estava pensando? Naquele momento, estávamos perdendo de 65 pontos a 100, e o garoto esquisito, Partridge, tinha respondido três questões seguidas sobre teorias matemáticas de Evariste Galois, algo completamente incompreensível, e continuei inerte, burro, encarando a nuca do nosso mascote. E estamos perdendo, perdendo, perdendo, e percebo que, mesmo com Oregon, Nevada, Arizona e Baja California na manga, a única maneira de ganharmos é alguém na plateia abater Partridge com um rifle de longa distância, como sugeriu Rebecca Epstein.

Então, aconteceu uma coisa impressionante, uma pergunta que eu sei a resposta.

— O amante de Porfíria, em que o protagonista estrangula sua amada com uma trança de seu cabelo, é um poema narrativo de qual poeta vitoriano?

Ninguém aperta a campainha. Ninguém, exceto eu. Aperto o botão e tento abrir a boca, que parece colada com uma pasta de farinha e água, mas consigo fazer com que as palavras saiam.

— Robert Browning?

— Resposta certa!

A plateia aplaude, aplaude mesmo, liderada pela minha mãe, devo admitir, mas, ainda assim, são aplausos, e temos uma chance com as perguntas bônus...

— …que são parte da estrutura das células das plantas!

Alice e eu gememos alto e afundamos de volta na cadeira. Mas não importa, porque a Dra. Lucy Chang estava ali, e o que a Dra. Lucy Chang só não sabe o que não vale a pena saber sobre a estrutura das células das plantas. Ela responde a todas, prontamente, sem pestanejar.

— … parênquima... colênquima... seria esclerênquima?

Ah, sim, é esclerênquima, e a plateia vibra de novo, porque voltamos ao jogo, com 90 a 115, e acordo outra vez, pois sei que eu — não, não eu, que nós, a equipe — podemos vencer afinal.

— Outra pergunta de início de rodada... O personagem Philip Pirrip, de Dickens, é...?

Eu sei.

Aperto a campainha.

— Pip, em Grandes esperanças — respondo, com clareza e confiança.

— Muito bem — diz Bamber, e plateia aplaude, alguém até assobia, acho que Rebecca, que consigo ver depois, radiante, na fileira da frente, e imagino que aquela deva ser a sensação de marcar um gol. Mas tento não sorrir. Aparento seriedade e confiança, minha cabeça está a mil, pois sei o que estava para vir. Oregon, hã, Arizona, hã, Nevada e Baja, ou será Baya, California? Mas o lance é ficar frio, continuar calmo. Primeiro as perguntas bônus, 15 pontos em potencial, mais os 10 que tinha acabado de ganhar, o suficiente para empatarmos com a outra equipe, 115 pontos no total. Mas tudo depende das questões bônus...

— E suas perguntas bônus serão todas sobre frases de abertura e encerramento de peças de William Shakespeare.

Siiiim!, penso, mas não falo nada, nem demonstro em meu rosto. Essas eu consigo responder, aposto que consigo responder. A equipe adversária pigarreia e se afunda nas cadeiras, pois sabe que acertaria essas perguntas, e Norton, o que cursava literatura clássica, joga o cabelo para trás, desesperado. Que azar, garotos, porque essas perguntas são nossas! Alice deve estar se sentindo confiante também, pois olha para mim, acena com a cabeça e sorri, como quem diz Vamos lá, Bamber, abra o seu saco de maldades, não importa. Brian e eu somos almas gêmeas e juntos podemos lidar com tudo o que você jogar contra nós. E lá vem a primeira pergunta bônus...

— Qual peça começa com a fala Fora daqui, mandriões! Hoje é feriado?/ Já todos para casa!?

Eu sei.

— Júlio César — sussurro para Patrick.

— Tem certeza? — perguntou ele.

— Absoluta. Caiu no meu exame.

— Júlio César — diz Patrick, convicto.

— Resposta certa! — confirma Bamber, e ouvem-se alguns aplausos, não muitos, só o suficiente antes da próxima pergunta ser feita.

— Que peça termina com a fala De bordo, escreverei para o senado, / relatando tudo isto, angustiado.

Eu sei. Otelo.

— É Hamlet? — cochicha Alice para Patrick.

— Não, acho que é Otelo — digo, delicado, porém com firmeza.

— Lucy? — pergunta Patrick.

— Desculpe. Não faço ideia.

— Eu tenho 99% de certeza que é Hamlet — repete Alice.

— Brian?

— Acho que Hamlet acaba com alguma coisa a respeito de corpos sendo levados e flechas sendo disparadas. O relato angustiado é a morte de Desdêmona e de Otelo. Por isso, estou bem certo de que é Otelo, mas, se você quer dizer Hamlet, Patrick, vá em frente e diga Hamlet.

Patrick olha para nós dois, Alice e eu, toma sua decisão, vira-se para o microfone e diz: — Seria... Otelo?

— É Otelo! — e a multidão vai à loucura. Patrick estende o braço e toca o meu de modo camarada, Lucy pisca para mim e Alice me lança um radiante olhar de gratidão, humildade e afeição genuína, um olhar que nunca tinha visto nela antes. Estende a mão por baixo da mesa e acaricia minha coxa, encontra minha mão e a aperta, passando o polegar por minha palma quente e úmida, e encosta sua sandália de tiras preta nos meus pés e esfrega o meu tornozelo; olhamos um para o outro pelo que deve ter sido um segundo, mas que pareceu uma eternidade, e os aplausos continuam, e continuam, e eu sorrio, apesar de mim mesmo, mas Bamber já estava falando de novo...

— Sua pergunta bônus final. Que peça termina com a fala cantada Mas isso é tudo, nossa peça termina, / E nos esforçaremos para agradá-los todos os dias?

Eu sei.

E, ainda de mãos dadas embaixo da mesa, em perfeito uníssono, Alice e eu sussurramos:

— Noite de reis!

— Noite de reis? — propõe Patrick.

— Correto, Noite de reis! — confirma Bamber, e a multidão aplaude, e, segurando a mão de Alice debaixo da mesa, vejo Rebecca na plateia, gritando e assobiando com os dedos na boca, batendo palmas com as mãos em cima da cabeça. Minha mãe está na fileira de trás, levantando os polegares, e Des também está aplaudindo, inclinado, sussurrando em seu ouvido Como é que o seu filho sabe todas essas coisas? Você deve estar orgulhosa! ou algo assim, imagino, e o som dos aplausos aumenta, e escuto Alice dizer algo como você é absolutamente incrível e Bamber volta a falar:

— Muito bem! Isso deixa as duas equipes empatadas, com quatro minutos restantes no relógio. Por isso, ainda há bastante tempo para os dois grupos. Aqui vamos nós, mão na campainha para a próxima pergunta da rodada valendo três pontos. O Estado da...

Eu sei.

Ainda segurando firme a mão de Alice debaixo da mesa, alcanço a campainha com a mão direita e aperto o botão, dizendo com toda a clareza:

— Oregon, Nevada, Arizona e Baja, ou se pronuncia Baya, California?

Depois, volto a encostar na cadeira e espero os aplausos.

Que não vêm.

Nada.

Nenhum aplauso. Só um terrível silêncio.

Eu.

Eu não.

Eu não entendo.

Olho para Alice em busca de uma explicação, mas ela me encara com um meio sorriso estranho e confuso no rosto, que, de início, interpreto como reverência pasma, uma franca reverência pasma ao meu brilhantismo, mas que muda na frente dos meus olhos e se torna algo muito, muito pior. Olho para o resto da mesa, e lá está novamente o mesmo olhar, de Lucy, Patrick, um tipo de desprezo... horrorizado. Olho para a plateia e vejo uma série de buracos pretos mudos de bocas pendendo abertas, sobrancelhas franzidas e confusas, menos Rebecca, que está debruçada para a frente na cadeira segurando a cabeça entre as mãos. Há um crescente murmúrio da plateia, alguém começa a rir alto e histericamente, e, com um súbito espasmo de dor e arrependimento, uma sensação de estar sendo puxado para o espaço, percebo o que fiz.

Respondi corretamente, mas antes de a pergunta ter sido formulada.

Bamber Gascoigne é o primeiro a quebrar o silêncio.

— Bem, é notável, esta é de fato a resposta certa, mas... — Ele está com um dedo no ouvido, consultando a sala de controle, e continua: — … mas acho que talvez seja melhor... pararmos... de gravar... por algum tempo?

Embaixo da mesa, Alice larga a minha mão.

Загрузка...