VIII O mito orgota da criação

As origens deste mito são pré-históricas. Ele tem sido registrado de diferentes formas. Esta versão bastante primitiva foi transcrita de um texto datado do períodopré-yomesh, encontrado nas cavernas santuárias de Isenpeth, nos desertos de Gobrin.


No começo nada existia a não ser o sol e o gelo. Du­rante longos anos, o sol a brilhar abriu uma grande fissura no gelo. Nos seus flancos apareceram grandes formas ge­ladas, e não se via o fundo. Gotas d’água se derretiam dessas estruturas e caíam dentro do abismo.

Uma destas formas falou: “Eu sangro”. Outra acres­centou: “Eu choro”. E a terceira exclamou: “Eu suo”. Estas formas geladas conseguiram galgar o abismo e foram para a planície gelada. Aquela que falara “eu sangro” foi até o sol e das suas entranhas arrancou matéria, que moldou e com a qual formou os vales e as montanhas do planeta. Aquela que falara “eu choro” soprou no gelo e, derretendo-o, fez os mares e os rios. A que falara “eu suo” juntou as águas e as terras e fez plantas, árvores, grãos, animais e os homens. As plantas cresceram no solo e no mar; os animais se multi­plicaram na terra e nadaram no mar, mas os homens não despertaram. Eles eram trinta e nove. Estavam adormecidos no gelo e não tinham vida.

As três figuras de neve se sentaram encurvadas, com os joelhos encolhidos para junto do corpo, e deixaram-se derreter pelo sol. Dissolveram-se em leite, que escorreu para a boca dos que dormiam e eles despertaram. Este leite só é sugado pelos filhos dos homens, e, sem ele, jamais acordam para a vida.

O primeiro a acordar foi Edondurath. Era tão alto que, quando se ergueu, sua cabeça rachou o céu e deste caiu a neve. Ele viu os outros homens mexendo-se e acordando; então teve medo e os matou, um a um, com um soco de seu punho.

Entretanto, um deles, o penúltimo, conseguiu escapar. Chamava-se Haharath. Escapando da morte, fugiu para lon­ge, sobre as planícies de gelo e as terras degeladas. Edondurath corria atrás dele e conseguiu, finalmente, alcançá-lo, abatendo-o. Haharath morreu. Edondurath, então, voltou ao local do seu nascimento, nos gelos de Gobrin, onde jaziam os outros mortos. Enquanto ele perseguia Haharath, outro havia escapado com vida. Edondurath construiu um abrigo com os corpos congelados de seus mortos e aí aguardou que o fugitivo retornasse.

Cada dia um dos cadáveres perguntava:

— Ele arde? Ele arde?

Ao que os outros respondiam com suas línguas geladas:

— Não… Não…

Passa-se o tempo e Edondurath entra em kemmer. Dor­mindo, movia-se e falava em voz alta. Quando acordou, os cadáveres estavam todos dizendo:

— Ele arde! Ele arde!

E o mais jovem dos mortos, ao ouvi-los dizer isto, en­trou na casa dos cadáveres e lá se acasalou com Edondurath. Desta união provieram as nações de homens, oriundas da carne de Edondurath, geradas no ventre de Edondurath. O nome do jovem morto, pai dos homens, nunca se soube. Cada criança que nascia tinha uma mancha de sombra que a seguia para onde fosse, à luz do dia. Edondurath indagou:

— Por que meus filhos são acompanhados pelas trevas?

Seu kemmering respondeu:

— Porque nasceram em casa de carne humana, e, assim, a morte está sempre nos seus calcanhares. Estão no meio do tempo. No começo havia sol e gelo, não havia sombra. No fim, quando nos extinguirmos, o sol vai se consumir e a sombra engolirá a luz e nada restará a não ser o gelo e as trevas.

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