- Porque eu sou a médica dele. Mais alguma coisa? -Eu… hum… não. É tudo.

Kat saiu do gabinete.

Benjamin Wallace, abismado, manteve-se ali sentado.

Médicas!

Kat estava de serviço à noite quando recebeu uma chamada:

- Doutora Hunter, acho melhor vir ao trezentos e vinte.

- Vou já para aí.

A doente do quarto 320 era a Sra. Molloy, uma doente cancerosa com cerca de oitenta anos, de prognóstico muito fraco. Quando Kat se aproximava da porta ouviu vozes lá dentro, a discutirem alto, mas ela entrou no quarto.

A Sra. Molloy estava deitada, cheia de sedativos mas consciente. O filho e duas filhas encontravam-se no quarto.

O filho disse:

- Acho que devemos dividir os bens por três.

- Não! - afirmou uma das filhas. - Laurie e eu é que cuidámos da mamã.

Quem tem estado a limpar e a cozinhar para ela? Nós! Bem, temos direito ao dinheiro dela e…

- Sou tão carne e sangue dela como vocês! - gritou o homem.

A Sra. Molloy, indefesa, ouvia.

Kat estava furiosa:

- Com licença - disse ela.

Uma das mulheres olhou para ela:

- Venha mais tarde, enfermeira. Estamos ocupados.

Kat disse zangada:

- Esta é minha doente. Dou-vos dez segundos para saírem deste quarto.

Podem aguardar na sala de espera.

Agora saiam, antes que chame a segurança para os tirar daqui para fora.

O homem começou a dizer qualquer coisa, mas o olhar de Kat fê-lo interromper. Voltou-se para as irmãs e gesticulou:

- Podemos falar lá fora.

Kat ficou a ver os três abandonarem o quarto. Voltou-se para a Sra. Molloy e abanou a cabeça:

- Eles não quiseram dizer isso - disse Kat, gentilmente.

Sentou-se na borda da cama, pegou na mão da velha e ficou a vê-la chorar até adormecer.

“Todos nós estamos a morrer”, pensou Kat. “Esqueçam o que disse Dylan Thomas. O verdadeiro truque é entrar suavemente nesse sono eterno.”

Kat estava a tratar um doente quando um empregado entrou na sala.

- Há uma chamada urgente para si na secretaria, doutora.

Kat franziu as sobrancelhas:

- Obrigada. - Voltou-se para o doente, que tinha gesso em todo o corpo e as pernas suspensas por uma roldana: - Volto já. - No corredor, na área das enfermeiras, levantou o telefone: - Estou?

- Olá, mana!

- Mike! - Ficou eufórica ao ouvi-lo, mas a excitação transformou-se logo em preocupação: - Mike, disse-te para nunca me procurares aqui. Tens o número do apartamento se…

- Eh, desculpa. Isto não podia esperar. Tenho um pequeno problema.

Kat sabia o que ia ouvir.

- Pedi dinheiro a alguém para investir num negócio…

Kat nem quis saber que negócio era.

- E fracassou. Sim. E agora ele quer o dinheiro de volta.

- Quanto, Mike?

- Bem, se pudesses mandar cinco mil…

- O quê?

A enfermeira da secretaria olhava curiosamente para Kat.

Cinco mil dólares. Kat baixou a voz:

- Não tenho essa quantia. Posso… Posso enviar-te metade agora e o restante dentro de algumas semanas. Está bem assim?

- Acho que sim. Detesto aborrecer-te, mana, mas sabes como é.

Kat sabia exatamente como era. O irmão tinha vinte e dois anos e não raro envolvido em negócios misteriosos.

Estava sempre metido no meio de gangs e só Deus sabia o que faziam, mas Kat sentia uma grande responsabilidade para com ele. “É tudo por minha culpa”, pensou Kat. “Se não tivesse fugido de casa, abandonando-o…

- Não te metas em sarilhos, Mike. Gosto muito de ti.

- Também gosto de ti, Kat.

“De algum modo vou ter de arranjar esse dinheiro”, pensou.

“Mike é tudo o que possuo no mundo.

O Dr. Isler estava ansioso por trabalhar novamente com Honey Taft. Tinha perdoado o seu comportamento absurdo e, na realidade, sentia-se lisonjeado com a admiração que esta nutria por ele. Mas desta vez, de novo a fazer a ronda, Honey ficou atrás dos outros residentes e nunca tentou adiantar-se na resposta às perguntas dele.

Trinta minutos depois da ronda, o Dr. Isler estava sentado no gabinete de Benjamin Wallace.

- Qual é o problema? - perguntou Wallace.

- É a doutora Taft.

Wallace olhou para ele, verdadeiramente surpreendido:

- A doutora Taft? Tem as melhores recomendações que jamais vi.

- Isso é que me deixa intrigado - afirmou o Dr. Isler.

- Tenho recebido relatórios de alguns dos outros residentes.

Ela tem feito alguns diagnósticos errados e cometido alguns erros graves.

Quero saber que raio se passa aqui.

- Não compreendo. Ela frequentou uma ótima faculdade de medicina.

- Talvez fosse melhor ligar ao reitor da faculdade - sugeriu o Dr. Isler.

- É Jim Pearson. É um bom homem. Vou telefonar-lhe.

Alguns minutos mais tarde, Wallace falava ao telefone com Jim Pearson.

Conversaram de banalidades e depois Wallace disse:

- Liguei por causa de Betty Lou Taft.

Houve um breve silêncio:

- Sim?

- Estamos a ter alguns problemas com ela, Jim. Foi admitida aqui devido às suas maravilhosas recomendações.

- Exato.

- Para ser franco, tenho o teu relatório aqui à minha frente. Diz que ela foi uma das melhores alunas de sempre.

- Está correto.

- E que ela seria um louvor para a profissão médica.

- Sim.

- Houve alguma dúvida sobre…

- Nenhuma - disse o Dr. Pearson com firmeza.

- Nenhuma mesmo. Talvez seja um tanto nervosa. Ela é muito sensível, mas se lhe derem uma oportunidade, tenho a certeza que ficará bem.

- Bem, agradeço o conselho. Com certeza que iremos dar-lhe todas as oportunidades. Obrigado.

- De nada. - A linha caiu.

Jim Pearson ficou ali sentado, odiando-se pelo que acabara de fazer.

“A minha mulher e os meus filhos estão em primeiro lugar.”

Honey Taft teve a pouca sorte de ter nascido no seio de uma família de bem-sucedidos. O seu vistoso pai era o fundador e presidente de uma grande empresa de computadores de Mênfis, Tennessee, a sua bela mãe era uma cientista de genética e as irmãs gémeas mais velhas eram tão atraentes, inteligentes e ambiciosas como os pais. Os Tafts encontravam-se entre as famílias mais proeminentes de Mênfis.

Honey nascera inconvenientemente quando as irmãs tinham seis anos.

- Honey foi o nosso pequeno acidente -” dizia a mãe às amigas. - Eu quis fazer um aborto, mas Fred foi contra. Agora está arrependido.

Onde as irmãs eram espantosas, Honey era vulgar.

Onde elas eram brilhantes, Honey era mediana. As irmãs tinham começado a falar aos nove meses. Honey só disse a primeira palavra quase aos dois anos.

- Chamamos-lhe “a palerma” - troçava o pai. - Honey é o patinho feio da família Taft. Só que acho que ela nunca irá transformar-se num cisne.

Não é que Honey fosse feia, mas também não era bonita. Tinha um aspeto vulgar, com um rosto magro e comprido, cabelo alourado e um corpo pouco invejável.

O que Honey realmente possuía era uma extraordinária e doce disposição, qualidade não muito prezada numa família de pessoas competentes e bemsucedidas.

Honey lembrava-se que, desde muito cedo, o seu maior desejo era agradar aos pais e às irmãs, fazendo-os gostar dela. Foi um esforço fútil. Os pais estavam ocupados com as respectivas carreiras e as irmãs não tinham tempo para mais nada senão para concursos de beleza e bolsas de estudo.

Para agravar a situação, Honey era invulgarmente envergonhada.

Consciente ou inconscientemente, a família tinha-lhe incutido uma profunda sensação de inferioridade.

No liceu, Honey era conhecida como a Solitária. Ia sozinha aos bailes escolares e festas, sorria e procurava esconder as suas tristezas para não estragar a festa dos outros. Via as irmãs saírem com os rapazes mais populares do liceu e, em seguida, subia para o seu solitário quarto para se dedicar aos estudos.

E evitar chorar.

Nos fins-de-semana e durante as férias de Verão, Honey juntava algum dinheiro cuidando de crianças. Gostava de cuidar de crianças e estas adoravam-na.

Quando Honey não estava a trabalhar, saía de casa e ia sozinha explorar Mênfis. Visitou Graceland, onde Elvis Presley tinha vivido, e percorreu a Beale Street, onde os blues tiveram início. Visitou o Pink Palace Museum e o Planetarium, com o seu rugidor e assustador dinossauro.

Foi ao aquário.

E Honey estava sempre sozinha.

Não sabia que a sua vida estava prestes a sofrer uma mudança radical.

Honey sabia que muitas das suas colegas tinham encontros amorosos.

Falavam constantemente disso no liceu: -Já foste para a cama com o Ricky? Ele é o melhor…! -Joe é o máximo em orgasmos…

- Ontem à noite saí com o Tony. Estou exausta. Que animal! Logo à noite vou sair com ele outra vez…

Honey ali ficava a ouvir as conversas e sentia uma inveja doce-amarga e a sensação de que nunca iria saber como era o sexo. “Quem poderá quererme?,”, perguntava-se a si própria.

Numa sexta-feira, houve um baile no liceu. Honey não tencionava ir, mas o pai disse-lhe:

- Sabes, estou preocupado. As suas irmãs disseram-me que voce é uma solitária e que não vai ao baile por não conseguir arranjar um par.

Honey corou:

- Isso não é verdade - disse. - Tenho um par e vou. - “Não o deixes perguntar quem é o par,”, rezou Honey.

Ele não perguntou.

Assim, Honey viu-se no baile sentada no canto habitual, a ver os outros dançar e divertirem-se ao máximo.

Foi então que aconteceu o milagre.

Roger Merton, o capitão da equipa de futebol e o rapaz mais popular do liceu, estava na pista de dança a discutir com a namorada. Tinha estado a beber.

- Você é um parvalhão inútil e egoísta! - disse ela.

- E uma vagabunda.

- Vai-te foder.

- Não posso foder sozinho, Sally. Só posso foder alguém mais. Alguém que eu queira.

- Então vai! - Correu para fora da pista de dança.

Honey não pôde deixar de ouvir.

Merton viu-a olhar para ele:

- Para onde pensas que estás a olhar? - perguntou em tom zangado.

- Nada - respondeu Honey.

- Vou mostrar àquela puta! Julgas que não lhe mostro?

- Eu… sim.

- Podes ter a certeza. Vamos beber qualquer coisa.

Honey hesitou. Merton estava obviamente bêbedo.

- Bem, eu não…

- Ótimo. Tenho uma garrafa no carro.

- Acho que não devo…

Pegou no braço de Honey e puxou-a para fora da sala.

Ela seguiu-o, por não querer armar uma cena e deixá-lo embaraçado.

Lá fora, Honey tentou soltar-se:

- Roger, não penso que seja uma boa ideia. Eu…

- O que é que tens… medo?

- Não, eu…

- Então está bem. Vamos.

Levou-a até ao carro e abriu a porta. Honey manteve-se de pé por um momento.

- Entra.

- Só posso ficar um momento - disse Honey.

Entrou no carro porque não queria aborrecer Roger.

Ele sentou-se ao seu lado.

- Vamos mostrar àquela cabra estúpida, não vamos? - puxou de uma garrafa de uísque. - Toma.

Honey já uma vez tinha provado uma bebida alcoólica e detestara-a. Mas não quis magoar os sentimentos de Roger.

Olhou para ele e, com relutância, tomou um pequeno gole.

- Okay! - disse. - És nova no liceu, hem? Honey fazia parte de três das aulas dele:

- Não - respondeu. - Eu…

Roger inclinou-se e começou a brincar com os seios dela.

Espantada, Honey afastou-se.

- Eh! Vem cá. Não me queres agradar? - perguntou.

E essa foi a frase mágica. Honey queria agradar a todos, e se esta era a maneira de o fazer…

No desconfortável banco de trás do carro de Merton, Honey teve relações pela primeira vez e isso abriu um mundo incrivelmente novo para ela. Não sentiu muito prazer com o ato sexual, mas isso não foi importante.

O importante foi que Merton gostou. Na realidade, Honey ficou admirada com a forma como ele tinha gostado.

Parecia que o tinha deixado extasiado. Nunca vira ninguém gostar tanto de algo. “Então é assim que se satisfaz um homem…,”, pensou Honey.

Era uma manifestação divina.

Honey não conseguia esquecer o milagre que lhe tinha acontecido. Deitouse na cama, recordando a dureza do membro de Merton introduzido nela, movimentando-se cada vez mais depressa, e depois os gemidos: “Oh, sim, sim… Jesus, és fantástica, Sally…”

E Honey nem sequer se tinha importado com isso. Tinha agradado ao capitão da equipa de futebol! O rapaz mais popular do liceu! “E eu na realidade nem sequer sabia o que estava a fazer”, pensou ela. “Se eu soubesse bem como agradar a um homem…”

Foi então que Honey teve a sua segunda manifestação divina.

Na manhã seguinte, Honey dirigiu-se à Pleasure Chest, uma livraria pornográfica da Poplar Street, e comprou meia dúzia de livros eróticos.

Escondeu-os em casa e leu-os na privacidade do seu quarto.

Ficou espantada com o que lia.

Devorou as páginas de Jardim Perfumado e Kama Sutra, de Artes de Amar Tibetanas, de Alquimia do Êxtase e depois foi comprar mais. Leu as palavras de Gedun Chopel e os contos ocultos de Kanchinatha.

Estudou as fotografias excitantes das trinta e sete posições para fazer amor e aprendeu o significado da meia lua e do círculo, da pétala de lótus e dos pedaços de nuvem e a forma de se mexer.

Honey tornou-se perita nos oito tipos de sexo oral, nos caminhos dos dezeseis prazeres e no êxtase dos vários tipos de sexo. Sabia como ensinar um homem a fazer karuna para aumentar o prazer. Pelo menos teoricamente.

Honey achou que estava apa a pôr em prática os conhecimentos.

O Kama Sutra tinha vários capítulos sobre afrodisíacos para excitar um homem, mas uma vez que Honey não sabia onde obter Hedysarum gangeticum, a planta kshirika ou Xanthochymus pictorius, inventou os seus próprios substitutos.

Na semana seguinte, quando Honey encontrou Roger Merton na sala de aula, dirigiu-se a ele e disse:

- Gostei muito da outra noite. Podemos repetir? Só passado um momento, percebeu quem Honey era.

- Oh. Com certeza. Porque não? Os meus pais vão sair logo à noite. Porque não apareces lá por volta das oito horas? Nessa noite, quando Honey chegou a casa de Merton levava consigo um pequeno frasco de xarope de bordo.

- Para que é isso? - perguntou ele.

- Já te mostro - respondeu Honey.

E mostrou-lhe.

No dia seguinte, Merton contou aos colegas do liceu tudo sobre Honey.

- Ela é incrível - disse. - Não imaginam o que ela é capaz de fazer com um pouco de xarope morno!

Nessa tarde, meia dúzia de rapazes convidaram Honey para sair com eles.

Daí em diante, começou a sair todas as noites.

Os rapazes andavam satisfeitos e isso tornara Honey muito feliz.

Os pais dela estavam encantados com a súbita popularidade da filha.

- Foi preciso algum tempo para a nossa filha florescer - disse orgulhosamente o pai -, mas agora ela transformou-se numa verdadeira Taft!

Honey teve sempre notas baixas a matemática e sabia que o teste final lhe tinha corrido mal. O professor de matemática, o Sr. Janson, era solteiro e vivia perto do liceu. Uma tarde, Honey foi visitá-lo. Ao abrir a porta ficou admirado de a ver.

- Honey! O que fazes aqui?

- Preciso da sua ajuda - respondeu ela. - O meu pai vai matar-me se eu chumbar. Trouxe alguns problemas de matemática e venho perguntar-lhe se me pode ajudar a resolvê-los.

Ele hesitou um momento:

- Isto não é normal, mas… muito bem.

O senhor Janson gostou de Honey. Não era como as outras raparigas da sua turma. Estas eram ásperas e indiferentes, enquanto Honey era sensível e dedicada, sempre pronta a satisfazer. Desejou que ela tivesse mais apidões para matemática.

Janson sentou-se no sofá ao lado de Honey e começou a explicar as misteriosas complexidades dos logaritmos.

Honey não estava interessada em logaritmos. Enquanto o professor falava, Honey foi-se aproximando cada vez mais dele.

Começou a respirar para cima do pescoço e ouvido dele e, sem perceber o que estava a acontecer, o Sr. Janson deu com as calças desapertadas.

Ficou espantado a olhar para Honey:

- Que estás tu a fazer?

- Desejo-o desde o primeiro momento em que o vi - respondeu Honey.

Abriu a bolsa e retirou uma pequena lata de natas batidas.

- O que é isso?

- Já lhe mostro…

Honey obteve vinte valores em matemática…

Não foram somente os acessórios que Honey utilizava que a tornaram popular, mas também os conhecimentos que obteve de todos os livros antigos sobre erotismo que leu. Ela satisfez os parceiros com técnicas que eles nem sequer sonhavam, que tinham milhares de anos e estavam há muito esquecidas. Deu um novo significado à palavra “êxtase”.

As notas de Honey melhoraram substancialmente e, de um momento para o outro, tornou-se ainda mais popular do que as irmãs quando andavam no liceu. Honey foi convidada para jantar no Private Eye e no Bombay Bicycle Club, bem como no Ice Capades, em Memphis Mall. Os rapazes levaram-na a esquiar no Cedar Cliff e saltar de pára-quedas no Aeroporto Landis.

Os últimos anos de liceu foram igual e socialmente bem sucedidos. Uma noite, ao jantar, o pai disse:

- Em breve irás terminar o liceu. Está na hora de pensarmos no teu futuro.

Já sabes o que pretendes fazer da sua vida? Ela respondeu de imediato:

- Quero ser enfermeira.

O rosto do pai ficou vermelho:

- Queres dizer médica!

- Não, pai. Eu…

- Tu és uma Taft. Se queres seguir medicina, serás uma médica. Estamos entendidos?

- Sim, pai.

Quando disse ao pai que queria ser enfermeira, Honey dizia a verdade.

Gostava de cuidar das pessoas, de as ajudar e alimentar. Ficou assustada com a ideia de se tornar médica e ser responsável pela vida dos outros, mas sabia que não podia desapontar o pai. “Tu és uma Taft!, Conquanto as suas notas não fossem suficientemente boas para ingressar na faculdade de medicina, a influência do pai era-o, dado que se tratava de um dos principais contribuintes da Faculdade de Knoxville, Tennessee.

Reuniu-se com o reitor, Dr. Jim Pearson.

- Está a pedir-me um grande favor - disse Pearson -, mas digo-lhe o que vou fazer. Vou admitir Honey numa base experimental. Se no fim de seis meses julgarmos que não está qualificada para continuar, teremos de a mandar embora.

- É justo. Ela irá surpreender-vos.

Ele teve razão.

O pai de Honey organizou tudo de forma a que ela ficasse em Knoxville na casa de um primo seu, o reverendo Douglas Lipton.

Douglas Lipton era padre na Igreja de São João Bapista.

Tinha cerca de sessenta anos e era casado com uma mulher dez anos mais velha.

O padre ficou feliz por ter Honey em sua casa.

- Ela é como uma lufada de ar fresco - disse à esposa.

Nunca tinha visto ninguém tão ansioso por satisfazer.

Honey saiu-se razoavelmente bem na faculdade de medicina, mas faltavalhe a dedicação. Estava ali apenas para agradar ao pai.

Os professores simpatizavam com ela. Havia nela uma tal bondade genuína que os professores desejavam que tivesse êxito.

Por ironia, Honey era particularmente fraca em anatomia.

Duránte a oitava semana, o professor da disciplina mandou-a chamar.

- Receio ter de a chumbar - disse com ar infeliz.

“Não posso chumbar”, pensou Honey. “Não posso deixar o meu pai ficar mal. O que teria aconselhado Boccaccio?”, Honey aproximou-se do professor:

- Vim para esta escola por sua causa. Ouvi tanta coisa a seu respeito. - Aproximou-se ainda mais. - Quero ser como o senhor. - E ainda mais perto.

- Ser médica significa tudo para mim. - E mais perto ainda. - Por favor, ajude-me.

Uma hora mais tarde, quando Honey saiu do gabinete, tinha as respostas para o exame seguinte.

Antes de Honey terminar a faculdade de medicina, seduziu Vários dos seus professores. Havia em si um ar de desamparo tal que ninguém conseguia resistir. Todos tinham a impressão de que eram eles que a seduziam e sentiam-se culpados por abusarem da sua inocência.

O Dr. Jim Pearson foi o último a sucumbir a Honey.

Ficou intrigado com as informações que ouviu acerca dela; rumores sobre as suas extraordinárias habilidades sexuais. Um dia, mandou chamar Honey para conversarem sobre as notas. Esta levou consigo uma pequena caixa de açúcar em pó e, antes da tarde terminar, o Dr. Pearson estava tão engatado quanto os outros. Honey fê-lo sentir-se jovem e insaciável. Fê-lo pensar que era um rei que a tinha subjugado e tornado sua escrava.

Ele procurou não pensar na mulher e nos filhos.

Honey gostava genuinamente do reverendo Douglas Lipton e sentia-se aborrecida por a esposa ser uma mulher fria e frígida que estava sempre a criticá-lo. Honey sentiu pena do padre. “Ele não merece isso”, pensou.

“Precisa de conforto.

A meio da noite, quando a Sra. Lipton se encontrava de visita à irmã, Honey entrou no quarto do padre. Estava nua.

- Douglas…

Os olhos abriram-se:

- Honey? Sentes-te bem?

- Não - respondeu. - Posso conversar consigo?

- Claro. - Estendeu o braço para acender o candeeiro.

- Não acenda a luz. - Meteu-se na cama ao seu lado.

- O que se passa? Não te sentes bem?

- Estou preocupada.

- Com quê?

- Consigo. O senhor merece ser amado. Quero fazer amor consigo.

Ele ficou totalmente desperto:

- Meu Deus! - disse. - Ainda és uma criança. Não podes estar a falar a sério.

- Estou. A sua mulher não lhe dá amor…

- Honey, isto é impossível! É melhor regressares já para o teu quarto e…

Sentia o corpo dela contra o seu.

- Honey, não podemos fazer isto. Eu…

Os lábios dela estavam sobre os seus e o corpo em cima do seu, deixando-o completamente extasiado. Honey passou a noite na cama dele.

Às seis da manhã, a porta para o quarto abriu-se e a Sra.

Lipton entrou. Permaneceu ali, a olhar para os dois e seguidamente saiu sem dizer uma palavra.

Duas horas mais tarde, o reverendo Douglas Lipton suicidou-se na garagem.

Quando Honey soube da notícia, ficou devastada e incapaz de acreditar no que sucedera.

O xerife foi lá a casa e teve uma conversa com a viúva.

Quando terminou, foi procurar Honey:

- Por respeito à família, vamos declarar a morte do reverendo Douglas Lipton como “suicídio por razões desconhecidas”, mas sugiro que deixe imediatamente a cidade e nunca mais cá volte.

Honey foi para o Embarcadero County Hospital, em São Francisco.

Com as brilhantes recomendações do Dr. Jim Pearson.

Para Paige, o tempo tinha perdido todo o significado.

Não havia princípio nem fim e os dias e as noites sucediam-se no mesmo ritmo. O hospital tinha-se transformado em toda a sua vida. O mundo exterior não era mais do que um planeta estranho e distante.

O Natal chegou e passou, dando início ao Ano Novo.

No mundo exterior, as tropas americanas tinham libertado o Kuwait dos Iraquianos.

Nunca mais ouvira nada de Alfred. “Ele há-de descobrir que cometeu um erro”, pensou Paige. Há-de regressar para mim.” As irritantes chamadas telefônicas matinais tinham parado tão repentinamente como haviam começado. Paige sentia-se aliviada por nunca mais se ter visto envolvida em incidentes misteriosos ou ameaçadores. Era quase como se tivessem sido apenas um pesadelo… excepo, é claro, o fato de não ter sido assim.

A rotina continuou a ser frenética. Não havia tempo para conhecer melhor os doentes. Eram simplesmente vesículas ou fígados rebentados, fêmures fraturados e costelas partidas.

O hospital era uma selva cheia de demónios mecânicos - respiradores, monitores do ritmo cardíaco, equipamento de ecografia, raios X… E cada uma possuía o seu próprio som.

Havia apitos, campainhas e a conversa constante dos sistemas de altofalantes, todos eles misturando-se numa dissonância ruidosa e louca.

O segundo ano de residência foi um ritual de passagem. Os residentes começaram a ter tarefas mais exigentes e a vigiar o novo grupo, sentindo um misto de desprezo e arrogância para com estes.

- Pobres diabos - disse Kat a Paige. - Nem sonham o que lhe s espera.

- Em breve irão descobrir.

Paige e Honey começaram a ficar preocupadas com Kat. Estava a perder peso e parecia deprimida. A meio de uma conversa, deparoú-se-lhe s Kat a olhar para o vazio, semblante vazio. De tempos a tempos recebia uma chamada misteriosa e, após cada uma delas, a sua depressão parecia piorar.

Paige e Honey sentaram-se a fim de terem uma conversa com ela.

- Está tudo bem? - perguntou Paige. - Sabes que gostamos de ti e se tiveres algum problema gostaríamos de ajudar.

- Obrigada. Agradeço a vossa preocupação mas não há nada que possam fazer. É um problema de dinheiro.

Honey olhou para ela, surpreendida:

- Para que precisas de dinheiro? Nunca saímos. Não temos tempo para comprar nada. Nós…

- Não é para mim. É para o meu irmão. - Kat nunca lhe s dissera que tinha um irmão.

- Não sabia que tinhas um irmão - disse Paige.

- Vive em São Francisco? - perguntou Honey.

Kat hesitou:

- Não. Vive no leste. Em Detroit. Terão de conhecê-lo, um dia.

- Gostaríamos muito. O que é que ele faz?

- É uma espécie de empresário - respondeu Kat, vagamente.

- Neste momento anda com pouca sorte, mas Mike irá recompor-se. Ele consegue sempre. “Deus queira que esteja certa”, pensou ela.

Harry Bowman tinha sido transferido de um programa residencial de Iowa.

Era uma pessoa bem-humorada e sempre bem-disposta, que saíra da rota para ser agradável aos outros.

Um dia, disse a Paige:

- Amanhã à noite dou uma pequena festa. Se a senhora, e as doutoras Hunter e Taft estiverem livres, porque não aparecem por lá? Penso que irão divertir-se.

- Tudo bem - respondeu Paige. - O que devemos levar? Bowman deu uma gargalhada:

- Não tragam nada.

- Tem a certeza? - perguntou Paige. - Uma garrafa de vinho ou…

- Esqueçam! Vai ser no meu pequeno apartamento.

O pequeno apartamento de Bowman acabou por ser um apartamento de cobertura com 10 quartos e todo mobilado à antiga.

As três mulheres entraram e olharam surpreendidas.

- Meu Deus! - espantou-se Kat. - Donde veio isto tudo?

- Fui suficientemente esperto para ter um pai inteligente - respondeu Bowman. - Deixou-me todo o seu dinheiro.

- E você trabalha? - perguntou Kat, maravilhada.

Bowman sorriu:

- Gosto de ser médico.

O bufete era constituído por caviar Beluga Malossol, patê de campagne, salmão escocês fumado, ostras na concha, pernas de caranguejo, crudités com molho vinagrete e champanhe Cristal.

Bowman tivera razão. Na realidade, as três divertiram-se bastante.

- Nem sei como agradecer - disse Paige a Bowman ‘ no final da noite, quando estavam de saída.

- Estão livres no sábado? - perguntou.

- Sim.

- Tenho um pequeno barco a motor. Vou levá-las a dar um passeio.

- Parece ótimo - às quatro da manhã Kat foi acordada, quando dormia profundamente no quarto dos médicos de serviço.

- Doutora Hunter, sala de urgências três… Doutora Hunter, urgências três.

Kat levantou-se, tentando lutar contra o cansaço. Esfregando os olhos para afastar o sono, apanhou o elevador para baixo até à sala de urgências.

Um empregado cumprimentou-a à porta:

- Ele está ali no canto. Está cheio de dores.

Kat caminhou para o doente:

- Sou a doutora Hunter - disse, sonolenta.

Este resmungou:

- Jesus, doutora. Tem de fazer qualquer coisa. As minhas costas estão a matar-me.

Kat bocejou:

- Há quanto tempo tem dores?

- Desde há cerca de duas semanas.

Kat olhou para ele, confusa:

- Duas semanas? Porque não veio logo?

O doente tentou mexer-se e estremeceu:

- Para dizer a verdade, detesto hospitais.

- Então porque veio agora?

Com um ar mais alegre, respondeu:

- Vai haver um grande torneio de golfe e se não tratar das minhas costas não poderei estar presente.

Kat respirou profundamente:

- Um torneio de golfe.

- Sim.

Teve de se esforçar para se controlar:

- Vou dizer-lhe o que deve fazer. Vá para casa. Tome duas aspirinas e, se de manhã não estiver melhor, telefone-me.

- Voltou-se e saiu rapidamente da sala, deixando-o a gesticular.

O pequeno barco a motor de Harry Bowman era uma suave lancha-cruzeiro de quinze metros.

- Bem-vindas a bordo! - disse ele, quando cumprimentou Paige, Kat e Honey no cais.

As mulheres olharam com admiração para o barco.

- É lindo - disse Paige.

Deram um passeio pela baía durante três horas, saboreando o dia quente e solarengo. Era a primeira vez que qualquer uma delas descansava desde há semanas.

Enquanto estavam ancorados ao largo da ilha Angel, a comer um almoço delicioso, Kat disse:

- Isto é que é viver. Não vamos regressar para terra.

- Bem pensado - afirmou Honey.

Em resumo, tinha sido um dia divinal.

Quando regressaram ao cais, Paige disse:

- Não encontro as palavras para descrever o quanto me diverti hoje.

- O prazer foi meu - Bowman deu umas palmadinhas no braço dela. - Havemos de repetir. Em qualquer altura. Vocês as três são sempre bemvindas.

“Que homem encantador”, pensou Paige.

Honey gostava de trabalhar na obstetrícia. Era uma ala cheia de vida e esperança novas, num ritual alegre e interminável.

As novas mães estavam ansiosas e apreensivas. As veteranas ansiavam que tudo passasse.

Uma das mulheres que estava prestes a ter o bebê disse a Honey:

- Graças a Deus! Vou poder ver de novo os meus pés.

Se Paige tivesse um diário, teria marcado o dia quinze de Agosto como um dia especial. Foi o dia em que Jimmy Ford entrara na sua vida.

Jimmy era empregado do hospital, com o sorriso mais franco e a melhor disposição que Paige jamais vira. Era baixo e magro e parecia ter dezesete anos. Tinha vinte e cinco e movia-se pelos corredores do hospital como um alegre furacão. Para ele, nada representava um problema.

Passava a vida a fazer recados para todos. Não tinha qualquer sentido de condição social e tratava do mesmo modo médicos, enfermeiras e zeladores.

Jimmy Ford adorava contar anedotas.

- Sabe daquela sobre o doente com o corpo engessado? O doente da cama ao lado perguntou-lhe o que fazia para viver.

Ele respondeu: “Lavava as janelas do Empire State Building.” O outro perguntou: “Quando é que deixou de trabalhar?” - “Quando estava a descer.”

E Jimmy arreganhava os dentes e apressava-se a ajudar mais alguém.

Adorava Paige:

- Um dia serei médico. Quero ser como a senhora.

Levava-lhe pequenos presentes - chocolates e brinquedos insignificantes.

A cada um dos presentes juntava uma piada.

- Em Houston, um homem perguntou a um peão: “Qual é o caminho mais rápido para o hospital?” O outro respondeu: “Diga mal do Texas.”

As anedotas eram terríveis mas Jimmy contava-as de um modo engraçado.

Chegava de motorizada ao hospital ao mesmo tempo que Paige e aproximava-se rapidamente dela.

- O doente perguntou: “A minha operação é perigosa?,” E o cirurgião respondeu: “Não. Uma operação de dois mil dólares nunca é perigosa.”

E depois desaparecia.

Sempre que Paige, Kat e Honey estavam livres no mesmo dia, iam explorar São Francisco. Visitaram o Dutch Mill e o Japanese Tea Garden. Foram ao Fisherman’s Wharf e passearam de elétrico. Assistiram a peças de teatro no Curran Theater e jantaram no Maharani, na Post Street. Todos os empregados de mesa eram indianos e, para espanto de Kat e Honey, Paige falava como eles em hindi.

- Hum Hindustani baht bahut ocho bolta hi. - E, a partir desse momento, o restaurante era delas.

- Como diabo aprendeste tu a falar indiano? - perguntou Honey.

- Hindi - corrigiu Paige. Hesitou: - Nós… Vivi uns tempos na índia. - Lembrava-se claramente de tudo.

Ela e Alfred estavam em Agra, a olhar para o Taj Mahal.

“Shah Jahan construiu-o em memória da sua mulher.

A construção durou vinte anos, Alfred.”

“Vou construir-te um Taj Mahal. Não interessa o tempo que irei levar!”

“Esta é Karen Turner. Minha mulher.”

Ouviu o seu nome e voltou-se.

- Paige… - Havia um olhar de preocupação no rosto de Kat.

- Estás bem?

- Sim. Estou bem.

As horas impossíveis continuaram. Outra véspera de Ano Novo chegou e passou e o segundo ano deslizou para o terceiro sem nada ter mudado. O mundo exterior não afetava o hospital. As guerras, fomes e desastres de países longínquos nada eram em comparação com as crises de vida e morte que tinham de enfrentar vinte e quatro horas por dia.

Sempre que Kat e Paige se encontravam nos corredores do hospital, Kat sorria e dizia:

- Estás a divertir-te?

- Quando foi a última vez que dormiste? - perguntava Paige.

Kat suspirava:

- Quem se lembra disso?

Passaram os longos dias e noites a tentar vencer a incessante e exigente pressão, comendo sanduíches quando tinham tempo e bebendo café frio em copos de papel.

O assédio sexual parecia fazer parte da vida de Kat.

Havia as insinuações constantes, não só de médicos como também de doentes, que tentavam que ela se metesse na cama com eles.

Estes recebiam a mesma resposta que os médicos. “Não há homem no mundo que eu deixe tocar-me.”

E ela assim acreditava.

A meio de uma manhã movimentada, houve outra chamada de Mike.

- Olá, mana.

E Kat sabia o que vinha dali. Tinha-lhe enviado todo o dinheiro que conseguira poupar, mas, bem lá no fundo, sabia que tudo o que pudesse enviar nunca seria o suficiente.

- Detesto incomodar-te, Kat. Realmente detesto.

Mas meti-me num pequeno sarilho. - A voz soou constrangida.

- Mike… estás bem?

- Oh, sim. Não é nada de grave. Estou apenas a dever a alguém que me está a pedir já o dinheiro e eu pergunto…

- Vou ver o que posso fazer - respondeu Kat, saturada.

- Obrigado. Posso sempre contar contigo, não posso, mana? Gosto muito de ti.

- Também gosto de ti, Mike.

Um dia, Kat disse a Paige e Honey:

- Sabem do que é que todas nós precisamos?

- De um mês a dormir.

- De férias. É como deveríamos estar, a passear pelos Campos Elíseos, a ver todas aquelas montras caras.

- Exato. E sempre em primeira classe! - disse Paige, sorrindo. - Dormíamos o dia inteiro e à noite íamos divertir-nos.

Honey deu uma gargalhada:

- Soa-me bem.

- Dentro de alguns meses teremos umas pequenas férias - afirmou Paige. - Porque não planejamos as três uma ida a qualquer lado?

- É uma boa ideia - disse Kat, animadamente. - No sábado, vamos a uma agência de viagens.

Entusiasmadas, passaram os três dias seguintes a fazer planos.

- Estou ansiosa por ver Londres. Talvez me encontre com a rainha.

- Paris é para onde eu gostaria de ir. É suposto ser a cidade mais romântica do mundo.

- Eu quero passear ao luar numa gôndola em Veneza.

“Talvez passemos a nossa lua-de-mel em Veneza, Paige”, tinha dito Alfred.

“Gostarias?”, “Oh, sim!” Ficou a pensar se Alfred teria levado Karen a Veneza na lua-de-mel.

No sábado de manhã, as três foram à Corniche Travel Agency, na Powell Street.

A mulher atrás do balcão foi cortês:

- Que tipo de viagem vos interessa?

- Gostaríamos de ir à Europa: Londres, Paris, Veneza… - ótimo. Temos alguns pacotes económicos que…

- Não, não, não. - Paige olhou para Honey e sorriu: - Em primeira classe.

- Certo. Viagem aérea em primeira classe - acrescentou Kat.

- Hotés de primeira - juntou Honey.

- Bem, posso recomendar o Ritz em Londres, o Crillon em Paris, o Cipriani em Veneza e…

Paige disse:

- Porque não levamos algumas brochuras? Podemos estudá-las para depois nos decidirmos.

- Tudo bem - disse a agente de viagens.

Paige olhou para uma brochura:

- Também organizam o aluguel de iates?

- Sim.

- Muito bem. Talvez aluguemos um.

- Excelente. - A agente de viagens juntou algumas brochuras e entregou-as a Paige. - Quando estiverem prontas, digam-me e eu terei o prazer de vos fazer as reservas.

- Diremos alguma coisa - prometeu Honey.

Quando saíram, Kat deu uma gargalhada e disse:

- Não há nada melhor que sonhar alto, não acham?

- Não te preocupes - garantiu-lhe Paige. - Um dia havemos de poder ir a todos esses lugares.

Seymour Wilson, chefe de medicina do Embarcadero County Hospital, era um homem frustrado com um emprego impossível.

Havia doentes a mais, médicos e enfermeiras a menos e muito poucas horas por dia. Sentia-se como o comandante de um navio a afundar-se, a correr de um lado para o outro para tapar os rombos por onde a água entrava.

Nesse momento, a maior preocupação do Dr. Wilson era Honey Taft.

Enquanto alguns médicos pareciam gostar muito dela, os residentes e enfermeiras de confiança comunicavam constantemente que a Dra. Taft era incapaz de fazer o seu trabalho.

Por fim, Wilson foi ter com bem Wallace:

- Quero mandar embora uma das nossas médicas - disse. - Os residentes com quem faz as rondas dizem-me que ela é incompetente.

Wallace lembrou-se de Honey. Era aquela que obtivera notas extraordinariamente altas e recomendações brilhantes.

- Não estou a compreender - afirmou. - Deve haver algum erro. - Por momentos, ficou pensativo. - Vou dizer-te o que iremos fazer, Seymour.

Do teu pessoal, quem é o maior sacana?

- Ted Allison.

- Muito bem. Amanhã de manhã manda Honey Taft fazer a ronda com o doutor Allison. Manda-o fazer um relatório sobre ela. Se ele disser que é incompetente, mandá-la-ei embora.

- Estou plenamente de acordo - anuiu o Dr. Wilson.

- Obrigado, bem.

Ao almoço, Honey disse a Paige que tinha sido designada para fazer as rondas com o Dr. Allison na manhã seguinte.

- Conheço-o - disse Paige. - Tem uma reputação terrível.

- Foi isso que eu ouvi - disse Honey, pensativa.

Nesse momento, noutra área do hospital, Seymour Wilson conversava com Ted Allison. Este era um veterano inflexível de vinte e cinco anos. Tinha servido a marinha como oficial-médico e ainda sentia orgulho em “dar um pontapé no cu”.

Seymour Wilson dizia:

- Quero que vigie a doutora Taft. Se ela não servir, vai-se embora.

Compreendido?

- Compreendido.

Ficou ansioso pelo dia seguinte. Tal como Seymour Wilson, Ted Allison desprezava médicos incompetentes.

Além disso, estava fortemente convicto de que, se as mulheres queriam ter uma profissão médica, deviam ser enfermeiras. Se tinha sido suficientemente bom para Florence Nightingale, também o era para todas as outras.

Às seis da manhã do dia seguinte, os residentes reuniram-se no corredor para dar início às rondas. O grupo era constituído pelo Dr. Allison, Tom Benson, seu assistente-chefe, e cinco residentes, incluindo Honey Taft.

Nesse momento, quando Allison olhou para Honey, pensou: “Bem, irmã, vejamos o que sabes fazer.” Voltou-se para o grupo:

- Vamos.

O primeiro doente da ala um era uma adolescente que estava deitada e tapada com cobertores pesados. Dormia quando o grupo se aproximou dela.

- Bem - disse o Dr. Allison. - Quero que todos vocês vejam o gráfico dela.

- Os residentes começaram a estudar o gráfico da doente. O Dr. Allison virou-se para Honey: - Esta doente tem febre, calafrios, mal-estar geral e anorexia. Tem temperatura, tosse e pneumonia. Qual é o seu diagnóstico, doutora Taft? Honey permaneceu silenciosa, de sobrolho franzido.

- Então?

- Bem - diJse Honey, pensativamente. - Diria que provavelmente tem psitacose.

O Dr. Allison olhou para ela, surpreendido:

- O que… o que é que a faz dizer isso?

- Os sintomas são típicos da psitacose e reparei que ela trabalha em regime de tempo parcial numa loja de animais. A psitacose transmite-se através de papagaios infectados.

Allison anuiu lentamente:

- Muito… muito bem. Sabe qual é o tratamento?

- Sim. Tetraciclina durante dez dias, repouso absoluto e muitos líquidos.

O Dr. Allison voltou-se para o grupo:

- Ouviram bem? A doutora Taft tem toda a razão.

Avançaram para o doente seguinte.

O Dr. Allison disse:

- Se examinarem o gráfico, verão que tem tumores mesotélios, perda de sangue e fadiga. Qual é o diagnóstico? Um dos residentes disse, esperançoso:

- Parece uma forma de pneumonia.

Um segundo residente afirmou:

- Pode ser cancro.

O Dr. Allison virou-se para Honey:

- Qual é o seu diagnóstico, doutora?

Honey ficou pensativa:

- De imediato, diria que é uma pneumoconiose fibrosa, uma forma de envenenamento por inalação de partículas de amianto.

O gráfico mostra que ele trabalha numa fábrica de alcatifas.

Ted Allison não conseguiu esconder a sua admiração:

- Excelente! Excelente! Sabe por acaso qual é a terapia?

- Infelizmente, ainda não se sabe qual é a terapia.

Tornou-se tudo ainda mais impressionante. Nas duas horas seguintes, Honey diagnosticou um caso raro de síndroma de Reiter, policitemia deformada por osteíte e malária.

Quando as rondas chegaram ao fim, o médico apertou a mão de Honey:

- Não sou facilmente impressionável, doutora, mas quero dizer-lhe que tem um futuro fabuloso!

Honey corou:

- Obrigada, doutor Allison.

- E tenciono dizer isso a bem Wallace - disse, enquanto se afastava.

Tom Benson, assistente-chefe de Allison, olhou para Honey e sorriu:

- Querida, encontrar-me-ei contigo dentro de meia hora.

Paige procurou afastar-se do caminho do Dr. Arthur Kane “007”! Mas sempre que surgia uma oportunidade, Kane pedia que Paige o assistisse nas operações. E, em cada uma, tornava-se cada vez mais ofensivo.

- O que quer dizer, nunca sairá comigo? Deve estar a aprender com mais alguém. - E: - Posso ser pequeno, querida, mas não em tudo. Percebe o que quero dizer? Paige começou a temer as ocasiões em que tinha de trabalhar com ele.

Quanto mais tempo passava, mais Paige via Kane fazer operações desnecessárias e extirpar órgãos sãos.

Um dia, quando ela e Kane se dirigiam à sala de operações, Paige perguntou:

- Vamos fazer uma operação a quê, doutor? - à bolsa dele! - Reparou no olhar de Paige. - Estou a brincar, querida.

- Ele devia estar a trabalhar num talho - disse Paige mais tarde a Honey, zangada. - Não tem o direito de operar pessoas.

Após uma operação ao fígado particularmente absurda, o Dr.

Kane virou-se para Paige e, abanando a cabeça, disse:

- É pena. Não sei se ele se safa.

Paige não conseguiu conter a fúria por mais tempo.

Decidiu ter uma conversa com Tom Chang.

- Alguém deveria participar do doutor Kane - disse Paige.

- Está a assassinar os doentes dele!

- Tenha calma.

- Não consigo! Não é justo que deixem um homem destes fazer operações.

É criminoso. Devia ser denunciado à Ordem dos Médicos.

- O que ganharias com isso? Terias de arranjar outros médicos que testemunhassem contra ele e ninguém faria uma coisa dessas. Esta é uma comunidade fechada e todos nós temos de viver dentro dela, Paige. É quase impossível fazer com que um médico testemunhe contra outro. Todos somos vulneráveis e precisamos muito uns dos outros. Acalme-se. Venha comigo que eu pago-lhe o almoço.

Paige suspirou:

- Está bem, mas é um sistema repugnante.

Ao almoço, Paige perguntou:

- Como está você e Sye?

Levou um momento a responder:

- Eu… estamos a ter problemas. O meu trabalho está a destruir o nosso casamento. Não sei o que fazer.

- Tenho a certeza que irá solucionar-se - disse Paige.

Chang disse com firmeza:

- Será melhor que isso aconteça.

Paige olhou para ele.

- Matava-me se ela me deixasse.

Na manhã seguinte, Arthur Kane foi designado para fazer uma operação aos rins. O chefe da cirurgia disse a Paige:

- O doutor Kane mandou-a chamar, para o assistir na sala de operações quatro.

A garganta de Paige ficou subitamente seca. Odiava a ideia de estar perto dele.

- Não pode pedir a mais alguém para…? - pediu ela.

- Ele está à sua espera, doutora.

Paige suspirou:

- Okay…

Quando finalmente estava preparada, a operação já tinha começado.

- Dê-me uma ajuda aqui, querida - disse Kane a Paige.

O abdome do doente tinha sido pintado com uma solução de iodo e feita uma incisão no respectivo quadrante superior direito, logo abaixo da caixa torácica. “Até aqui, tudo bem”, pensou Paige.

- Bisturi! - A enfermeira-ajudante entregou um bisturi ao Dr. Kane, que levantou a cabeça: - Ponham música.

Um momento mais tarde, começou a tocar um CD.

O Dr. Kane continuou a cortar: - Vamos animar isto um pouco.

- Olhou para Paige. - Ligue o bovie, “doçura”.

“Doçura”. Paige cerrou os dentes e pegou num bovie - um cauterizador elétrico. Começou a cauterizar as artérias para reduzir a quantidade de sangue no abdome.

A operação estava a correr bem.

“Graças a Deus”, pensou Paige.

- Esponja.

A enfermeira-ajudante entregou uma esponja a Kane.

- Muito bem. Vamos fazer uma sucção. - Cortou em volta do rim até este ficar exposto. - Aqui está o malandro - disse ele. - Mais sucção. - Levantou o rim com o auxílio de fórceps.

- Bem. Vamos cosê-lo.

Por uma vez tudo correra bem e, contudo, algo preocupava Paige.

Examinou melhor o rim. Parecia são. Franziu o sobrolho e ficou a pensar se…

Quando o Dr. Kane começou a coser o doente, Paige correu para a radiografia colocada na moldura iluminada.

Estudou-a por momentos e disse baixinho:

- Oh, meu Deus!

A radiografia tinha sido ali colocada ao contrário.

O Dr. Kane tinha extirpado o rim errado.

Trinta minutos mais tarde, Paige encontrava-se no gabinete de bem Wallace.

- Ele extraiu o rim são e deixou o lesado! - A voz de Paige tremia. - O homem devia ir para a cadeia! Benjamin Wallace disse, apaziguadoramente:

- Paige, concordo que isto é lamentável. Mas com certeza que não foi intencional. Foi um erro e…

- Um erro? Esse doente vai ter de viver de diálise durante o resto da vida.

Alguém devia pagar por isso!

- Acredite-me, iremos fazer uma avaliação pormenorizada.

Paige sabia o que ele queria dizer: um grupo de médicos iria examinar o sucedido, mas isso iria ser feito confidencialmente. A informação nunca chegaria ao público e ao doente.

- Doutor Wallace…

- Você faz parte da nossa equipa, Paige. Terá de ser uma jogadora.

- Ele não devia trabalhar neste hospital, nem em nenhum outro.

- Deve examinar todo o quadro. Se fôssemos retirados, haveria uma má publicidade e a reputação do hospital ficaria afetada. Provavelmente teríamos de enfrentar muitas práticas erradas.

- E os doentes?

- Iremos vigiar melhor o doutor Kane. - Inclinou-se na cadeira. - Vou darlhe um conselho. Quando exercer medicina privada, irá necessitar da boa vontade de outros médicos para fornecerem referências. Sem isso, não irá a parte alguma e se tiver a reputação de ser desonesta e falar mal dos seus colegas, nunca obterá boas referências.

Garanto-lhe isso.

Paige levantou-se:

- Então não vai fazer nada?

- Já lhe disse, vamos fazer uma avaliação pormenorizada.

- Só isso?

- Só isso.

- Não é justo - disse Paige. Estava na cafetaria a almoçar com Kat e Honey.

Kat abanou a cabeça:

- Ninguém disse que a vida tinha de ser justa.

Paige olhou em volta da sala assépica de azulejos brancos.

- Tudo isto deixa-me deprimida. Toda a gente está doente.

- Ou não estariam aqui - sublinhou Kat.

- Porque não organizamos uma festa? - sugeriu Honey.

- Uma festa? De que é que estás a falar? Honey sentiu-se subitamente entusiasmada:

- Podíamos encomendar comida e algumas bebidas e fazer uma grande festa! Penso que todas nós precisamos de nos animarmos.

Por momentos, Paige ficou pensativa:

- Sabem - disse -, não é uma má ideia. Vamos a isso!

- Combinado. Eu trato de tudo - informou Honey.

- Fica para amanhã, depois das rondas.

Arthur Kane aproximou-se de Paige no corredor.

A voz soou gélida:

- Você tem sido malandra. Alguém devia ensiná-la a manter a boca fechada! - E afastou-se.

Paige olhou para ele incrédula. Wallace contou-lhe o que eu disse. Não devia ter feito aquilo. “Se tiver a reputação de ser desonesta e falar mal dos seus colegas…” “Tornarei a participar?”, ponderou Paige. “É claro que sim!”

A notícia da próxima festa espalhou-se rapidamente.

Todos os residentes contribuíram. Foi encomendado um grande menu ao Restaurante Ernie’s e as bebidas a um armazém próximo.

A festa foi marcada para as cinco horas, na sala de reuniões dos médicos. A comida e as bebidas chegaram às quatro e meia.

Foi um banquete: travessas de lagosta e camarão, uma variedade de patês, almôndegas suecas, massa quente, fruta e sobremesas.

Às cinco e um quarto, quando Paige, Kat e Honey entraram na sala, esta já estava cheia de residentes, internos e enfermeiras ansiosos, a comer e a divertir-se.

Paige virou-se para Honey:

- Foi uma ótima ideia!

- Obrigada - agradeceu Honey.

Ouviu-se uma voz no altofalante:

- Doutores Finley e Ketler para SU. Stat. - E os dois médicos, que ainda estavam a comer camarões, olharam um para o outro, suspiraram e abandonaram rapidamente a sala.

Tom Chang aproximou-se de Paige:

- Devíamos fazer isto todas as semanas - disse.

- Okay. É…

Ouviu-se de novo o altofalante:

- Doutor Chang… Quarto trezentos e dezesete…

Doutor Chang… Quarto trezentos e dezesete.

E um minuto mais tarde:

- Doutor Smythe… SU dois… Doutor Smythe para a SU dois.

O altofalante nunca mais parou. No espaço de trinta minutos, quase todos os médicos e enfermeiras tinham sido chamados para atender uma urgência. Honey ouviu chamarem pelo seu nome, depois foi Paige e a seguir Kat.

- Não acredito no que está a acontecer - disse Kat.

- Sabes o que se diz sobre a existência de um anjo-da-guarda? Bem, penso que nós as três encontramo-nos sob o domínio de um guarda demoníaco.

As palavras dela provaram ser proféticas.

Na manhã da segunda-feira seguinte, quando Paige saiu do trabalho e se dirigiu para o carro, verificou que dois dos pneus haviam sido furados.

Olhou para eles, incrédula.

“Alguém devia ensiná-la a manter a boca fechada!” Quando regressou ao apartamento, disse a Kat e a Honey:

- Cuidado com Arthur Kane. É doido.

Kat foi acordada pela campainha do telefone. Sem abrir os olhos, pegou no auscultador e encostou-o ao ouvido.

- EsTou?

- Kat? É Mike.

Sentou-se, com o coração a bater desordenadamente:

- Mike, estás bem? - Ouviu-o dar uma gargalhada.

- Nunca estive melhor, mana. Graças a ti e ao teu amigo.

- Meu amigo?

- O senhor Dinetto.

- Quem? - Kat tentou concentrar-se apesar de estar tonta de sono.

- O senhor Dinetto. Ele salvou-me mesmo a vida.

Kat não fazia ideia do que é que ele estava a falar.

- Mike…

- Lembras-te daqueles fulanos a quem devia dinheiro? O senhor Dinetto afastou-os de mim. Ele é um verdadeiro cavalhe iro. E pensa o melhor de ti, Kat.

Kat tinha-se esquecido do incidente com Dinetto, mas, subitamente, este veio-lhe à memória: “Lady, a senhora não sabe com quem está a falar. É melhor fazer o que o homem pede.

Este é o senhor Lou Dinetto.”

Mike continuou:

- Vou enviar-te dinheiro, Kat. O teu amigo arranjou-me um emprego.

Tenho um bom ordenado.

“O teu amigo.” Kat estava nervosa:

- Mike, escuta-me. Quero que tenhas cuidado.

Ouviu-o dar outra gargalhada:

- Não te preocupes comigo. Não te disse que tudo iria tornar-se num mar de rosas? Bem, assim aconteceu.

- Tem muito cuidado, Mike. Não…

A ligação foi cortada.

Kat não conseguiu voltar a adormecer. “Dinetto! Como é que ele soube de Mike e porque é que está a ajudá-lo?”

Na noite seguinte, quando Kat deixou o hospital, uma limusina preta estava à sua espera junto ao passeio.

O Sombra e Rhino estavam encostados ao automóvel.

Quando Kat se aproximou deles, Rhino disse:

- Entre, doutora. O senhor Dinetto quer vê-la.

Ela estudou o homem por um momento. Rhino tinha um aspecto assustador, mas foi o Sombra quem assustou Kat. Havia algo de mortífero na sua imobilidade. Noutras circunstâncias Kat nunca teria entrado no carro, mas o telefonema de Mike tinha-a deixado confusa. E preocupada.

Foi conduzida a um pequeno apartamento nos subúrbios da cidade e, quando lá chegou, Dinetto estava à sua espera.

- Obrigado por ter vindo, doutora Hunter - disse.

- Fico-lhe grato. Um amigo meu teve um pequeno acidente. Quero que o veja.

- Que está a fazer com Mike? - perguntou Kat.

- Nada - respondeu, inocentemente. - Soube que tinha um pequeno problema e procurei eliminá-lo.

- Como é que… como é que soube dele? Quero dizer, que era meu irmão e…

Dinetto sorriu:

- No meu negócio, todos somos amigos. Ajudamo-nos uns aos outros.

Mike envolveu-se com alguma gente má e, por isso, dei-lhe uma ajuda.

Devia estar agradecida.

- E estou - disse Kat. - Estou sinceramente.

- Muito bem! Conhece o ditado “Uma mão lava a outra”,? Kat abanou a cabeça:

- Não farei nada ilegal.

- Ilegal? - interrogou Dinetto. Parecia magoado.

- Nunca lhe pediria para fazer algo do género. Este meu amigo teve um pequeno acidente e detesta hospitais. Não se importa de o ver? “Onde é que me estou a meter?”, pensou Kat.

- Está bem.

- Ele está no quarto.

O amigo de Dinetto tinha levado uma grande tareia.

Estava deitado, inconsciente.

- O que é que lhe aconteceu? - perguntou Kat.

Dinetto olhou para ela e disse:

- Caiu pelas escadas abaixo.

- Devia levá-lo para o hospital.

- Como lhe disse, ele não gosta de hospitais. Posso arranjar-lhe todo e qualquer equipamento hospitalar de que necessite. Tive um médico que tratava dos meus amigos, mas este teve um acidente.

As palavras causaram um arrepio em Kat. Tudo o que queria era sair dali a correr e ir para casa e nunca mais ouvir falar de Dinetto, mas nada na vida era de borla. Kat despiu o casaco e começou a trabalhar.

No início do quarto ano de residência, Paige já tinha assistido a centenas de operações. Para ela, passaram a ser banais. Sabia quais os procedimentos cirúrgicos para a vesícula biliar, baço, fígado, apêndice e, mais entusiasticamente, o coração. Mas Paige sentia-se frustrada por não ser ela mesma a fazê-las. “O que aconteceu ao “Vigiar, fazer ensinar”?” pensou.

A resposta surgiu quando George Englung, chefe de cirurgia, a mandou chamar.

- Paige, amanhã vai haver uma operação a uma hérnia na sala três, às sete e meia.

Apontou no bloco:

- Certo. Quem vai fazer a operação?

- A senhora.

- Certo. Eu… - Subitamente, as palavras desapareceram. Eu?

- Sim. Algum problema?

O sorriso de Paige iluminou a sala:

- Não, senhor. Eu… muito obrigada!

- A senhora já está apa a isso. Penso que o doente tem sorte em tê-la a si.

Chama-se Walter Herzog. Está no trezentos e catorze.

- Herzog. Quarto trezentos e catorze. Certo. - E saiu.

Paige nunca se sentira tão entusiasmada. “Vou fazer a minha primeira operação! Vou ter nas minhas mãos a vida de um ser humano. E se eu ainda não estiver apa? E se eu cometer algum erro? As coisas podem correr mal. É a lei de Murphy.” Quando Paige acabou de discutir consigo própria, estava em estado de pânico.

Entrou na cafetaria e sentou-se para tomar uma chávena de chá. “Tudo irá correr bem”, procurou convencer-se.

“Já assisti a dúzias de operações à hérnia. Não existem grandes riscos. Ele tem sorte em ter-me.” Quando terminou o café, estava suficientemente calma para enfrentar o seu primeiro doente.

Walter Herzog era sexagenário, magro, calvo e muito nervoso.

Estava na cama a gemer quando Paige entrou com um ramo de flores.

Herzog levantou a cabeça.

- Enfermeira… Preciso de um médico.

Paige aproximou-se da cama e entregou-lhe as flores.

- Eu sou médica. Vou operá-lo.

Olhou para as flores e depois para ela:

- Você é o quê?

- Não se preocupe - disse Paige, tranquilizadoramente.

- Está em boas mãos. - Pegou no gráfico colocado aos pés da cama e estudou-o.

- O que é que diz? - perguntou ansioso o homem.

“Porque é que me trouxe flores?”,

- Diz que o senhor vai ficar bem.

Ele engoliu:

- Você vai mesmo fazer a operação?

- Sim.

- Você parece bastante… bastante jovem.

Paige deu-lhe uma palmadinha no braço.

- Ainda não perdi um doente. - Olhou em volta do quarto.

- Sente-se confortável? Quer qualquer coisa para ler? Um livro ou uma revista?

Ele ouvia, nervoso:

- Não, estou bem. - “Porque é que ela estava a ser tão simpática? Será que existia alguma coisa que ela não lhe queria dizer?” - Então, vê-lo-ei de manhã - disse Paige, alegremente.

Escreveu algo num pedaço de papel e entregou-lhe. - Aqui está o meu telefone. Ligue se precisar de mim esta noite. Ficarei ao lado do telefone.

Quando Paige saiu, Walter Herzog estava numa pilha de nervos.

Alguns minutos mais tarde, Jimmy encontrou Paige na sala de reuniões.

Aproximou-se dela com um grande sorriso:

- Parabéns! Soube que vai operar.

“A palavra espalha-se rapidamente”, pensou Paige.

- Sim.

- Quem quer que seja, tem sorte - disse Jimmy. - Se alguma vez me acontecer algo, a senhora é a única pessoa a quem eu deixaria operar-me.

- Obrigada, Jimmy.

E, é claro, com Jimmy havia sempre uma anedota.

- Já sabe daquela sobre o homem que tinha uma dor esquisita nos tornozelos? Era demasiado medroso para ir a um médico; então, quando o amigo lhe contou que tinha exatamente a mesma dor, disse: “Deves ir imediatamente ao médico. E conta-me tudo o que ele te disser. - No dia seguinte, soube que o amigo tinha morrido.

Correu para o hospital e gastou cinco mil dólares em exames e análises.

Não conseguiram encontrar nada de errado.

Ligou à viúva do amigo e perguntou: “Chester sofreu muito antes de morrer?” - “Não”, disse ela. “Nem sequer viu o camião que o atropelou!” - E Jimmy desapareceu.

Paige estava demasiado excitada para jantar. Passou o serão a treinar nós cirúrgicos nas pernas das mesas e candeeiros.

“Vou tentar passar uma boa noite de sono”, decidiu, “para estar bonita e fresca de manhã.”

Passou a noite acordada, revendo e tornando a rever mentalmente a operação.

Existem três tipos de hérnia: hérnia redutível, onde é possível voltar a colocar os intestinos no abdome; hérnia irredutível, onde as ligações impedem o retorno do conteúdo para o abdome; e hérnia estrangulada, a mais perigosa, onde o sangue que corre através dela é cortado, lesando os intestinos. A de Walter Herzog era uma hérnia redutível.

Às seis da manhã, Paige conduziu até ao parque de estacionamento do hospital. Um novo Ferrari vermelho encontrava-se ao lado do seu estacionamento. Em vão, Paige pensou de quem seria, mas quem quer que fosse tinha de ser rico.

Às sete horas, Paige já estava a ajudar Walter Herzog a tirar o pijama para vestir uma bata azul do hospital. A enfermeira já lhe tinha dado um sedativo para o acalmar enquanto esperavam pela maca que o iria levar para a sala de operações.

- Esta é a minha primeira operação - disse Walter Herzog.

“Minha também”, pensou Paige.

A maca chegou quando Walter Herzog já se dirigia para a SO três. Paige percorreu o corredor ao seu lado, com o coração a bater tão depressa que temeu que ele pudesse ouvir.

A SO três era uma das maiores salas de operações, albergando um monitor cardíaco, uma máquina cardiopulmonar e uma série de outros acessórios técnicos. Quando Paige entrou na sala, o pessoal já lá se encontrava a preparar o equipamento. Havia um médico-assistente, o anestesista, dois residentes, uma enfermeira-assistente e duas enfermeiras auxiliares.

O pessoal olhou esperançosamente para ela, ansiosos por ver como é que iria sair-se na sua primeira operação.

Paige aproximou-se da marquesa. Walter Herzog já tinha a virilha rapada e desinfectada. Tinham sido colocados panos esterilizados em volta da área a operar.

Herzog olhou para Paige e disse, sonolento:

- Não me vai deixar morrer, vai?

Paige sorriu:

- O quê? E estragar a minha reputação?

Olhou para o anestesista, que deu ao doente uma anestesia epidural, uma autêntica dose de cavalo. Paige respirou fundo e anuiu com a cabeça.

A operação começou.

- Bisturi.

Quando Paige estava prestes a fazer o primeiro corte na pele, a enfermeira auxiliar disse qualquer coisa.

- O quê?

- Quer música, doutora?

Era a primeira vez que lhe faziam semelhante pergunta. Paige sorriu:

- Certamente. Vamos ouvir Jimmy Buffett.

No momento em que Paige fez a primeira incisão, os nervos desapareceram. Era como se tivesse feito isto durante toda a vida.

Habilmente, cortou as primeiras camadas de gordura e músculo até chegar à hérnia. Contudo, prestava atenção ao som familiar que ecoava através da sala.

- Esponja…

- Dê-me um bovie…

- Aqui está…

- Parece que chegámos mesmo a tempo…

- Grampo…

- Sucção, por favor…

A mente de Paige estava totalmente concentrada naquilo que estava a fazer.

Localizar o saco hernial… libertá-lo… voltar a colocar os órgãos na cavidade abdominal… atar a base do saco… cortar o restante… anel inguinal… suturar…

Uma hora e vinte minutos após a primeira incisão, a operação chegou ao fim.

Paige devia sentir-se extenuada, mas, em vez disso, sentia-se terrivelmente animada.

Depois de Walter Herzog ter sido cosido, a enfermeira-assistente voltou-se para Paige e disse:

- Doutora Taylor…

Paige levantou a cabeça:

- Sim?

A enfermeira sorriu:

- Foi magnífica, doutora.

Era domingo e as três mulheres tinham o dia livre.

- Que vamos fazer hoje? - perguntou Kat.

Paige não fazia ideia:

- Está um dia tão bonito! Porque não vamos ao Tree Park? Podíamos arranjar qualquer coisa e fazer um piquenique ao ar livre.

- Soa-me bem - respondeu Honey.

- Vamos a isso! - concordou Kat.

O telefone tocou. As três olharam para ele.

- Jesus! - disse Kat. - Pensei que Lincoln nos tivesse liberado. Não atendam.

É a nossa folga.

- Não temos folgas - lembrou-lhe Paige.

Kat dirigiu-se ao telefone e levantou-o:

- Doutora Hunter. - Escutou por momentos e entregou o telefone a Paige. - É para si, doutora Taylor.

Paige anuiu, resignadamente:

- Está bem. - Pegou no auscultador e respondeu:

- Doutora Taylor… Olá, Tom… O quê?… Não, estava de saída… Entendi…

Está bem. Estarei aí dentro de quinze minutos. - Colocou o auscultador no lugar.

“Lá se vai o piquenique,”, pensou.

- É grave? - perguntou Honey.

- Sim, estamos prestes a perder um doente. Vou tentar estar de volta para jantar.

Quando Paige chegou ao hospital, dirigiu-se ao parque dos médicos e estacionou ao lado do Ferrari vermelho.

“Quantas operações terão sido precisas para comprar aquilo?,” Vinte minutos mais tarde, Paige dirigia-se à sala de espera das visitas. Um homem de fato escuro estava sentado numa cadeira a olhar pela janela.

- Senhor Newton?

Este levantou-se:

- Sim?

- Sou a doutora Taylor. Acabei de examinar o seu filhinho.

Deu entrada por estar a sofrer de dores abdominais.

- Sim. Vou levá-lo para casa.

- Creio que não. Peter tem uma rotura no baço. Necessita de uma transfusão imediata e de ser operado, ou morrerá.

Newton abanou a cabeça:

- Somos testemunhas de Jeová. Deus não deixará que ele morra e eu não vou permitir que o contaminem com o sangue de mais alguém. Foi a minha mulher quem o trouxe para aqui. Será castigada por isso.

- Senhor Newton, penso que não está a compreender bem a gravidade da situação. Se não operarmos imediatamente, o seu filho morrerá.

O homem olhou para ela e sorriu:

- A senhora não conhece os desígnios de Deus, conhece? Paige estava furiosa:

- Posso não saber muito acerca dos desígnios de deus, mas sei bastante sobre um baço rebentado. - Pegou numa folha de papel. - Ele é menor; por isso, terá de assinar este termo de responsabilidade. - E entregou-lhe a folha.

- E se eu não assinar?

- Porquê… então não poderemos operar.

Ele anuiu:

- Julga que os seus poderes são mais fortes do que os de Deus?

Paige olhou para ele:

- Não vai assinar, não é assim?

- Não. Um poder mais forte que o seu irá ajudar o meu filho.

Verá.

Quando Paige regressou à ala, o pequeno Peter Newton de seis anos tinha perdido a consciência.

- Não vai conseguir salvar-se - disse Chang. - Perdeu muito sangue. O que quer fazer?

Paige tomou a decisão:

- Levem-no para a sala de operações um. Stat.

Chang olhou para ela, surpreendido:

- O pai mudou de ideia?

Paige anuiu:

- Sim. Mudou de ideia. Toca a andar!

- Ainda bem para si! Falei com ele durante uma hora e não consegui convencê-lo. Disse que Deus iria cuidar do caso.

- Deus está a tratar do caso - garantiu-lhe Paige.

Duas horas e dois litros de sangue mais tarde, a operação tinha terminado com êxito. Todos os sinais vitais do rapaz eram fortes.

Paige afagou-lhe suavemente a testa:

- Vai ficar bom.

Um empregado entrou precipitadamente na sala de operações:

- Doutora Taylor? O doutor Wallace quer vê-la imediatamente.

Benjamin Wallace estava tão furioso que a voz lhe falhava:

- Como foi capaz de tomar uma atitude tão ultrajante? Fez-lhe uma transfusão de sangue e operou-o sem autorização? Foi contra a lei.

- Salvei a vida do rapaz!

Wallace respirou profundamente:

- Devia ter obtido uma autorização do tribunal.

- Não havia tempo - respondeu Paige. - Mais dez minutos e ele estaria morto. Deus estava ocupado noutro lugar.

Wallace caminhava para a frente e para trás:

- E agora, o que vamos fazer?

- Obter a ordem do tribunal.

- Para quê? A senhora já efetuou a operação.

- Atraso um dia a ordem do tribunal. Ninguém notará a diferença.

Wallace olhou para ela e começou a arfar:

- Jesus! - Franziu as sobrancelhas. - Isto poderá custar-me o emprego.

Paige olhou para ele durante um longo momento. Em seguida, voltou-se e avançou para a porta.

- Paige…

- Sim? - respondeu, parando.

- Nunca mais repita isto, ouviu bem?

- Só se não houver outra solução - garantiu-lhe Paige.

Todos os hospitais têm problemas com roubos de drogas. Por lei, cada narcótico retirado do dispensário tem de ser requisitado, mas, por mais severa que seja a segurança, os toxicodependentes quase invariavelmente descobrem uma maneira de o conseguírem.

O Embarcadero County Hospital estava a enfrentar um grande problema.

Margaret Spencer foi ter com bem Wallace.

- Não sei o que fazer, doutor. O nosso fentanil está sempre a desaparecer.

O fentanil é um narcótico que cria grande dependência e uma droga anestésica.

- Quanto é que desapareceu?

- Uma grande quantidade. Se fossem apenas alguns frascos poderia haver uma explicação inocente para o caso, mas está a acontecer com regularidade. Estão a desaparecer mais de uma dúzia de frascos por semana.

- Tem ideia de quem poderá estar a tirar?

- Não, senhor. Já falei com a segurança. Não sabem de nada.

- Quem tem acesso ao dispensário?

- Aí é que está o problema. Grande parte dos anestesistas têm acesso livre, para além da maioria das enfermeiras e cirurgiões.

Wallace ficou pensativo:

- Obrigado por me ter informado. Vou tratar do assunto.

- Obrigada, doutor. - E a enfermeira Spencer saiu.

“Só me faltava isto”, pensou Wallace, furioso. Estava a aproximar-se uma reunião da direão do hospital e já havia problemas suficientes para serem tratados. bem Wallace conhecia bem as estatísticas. Mais de dez por cento dos médicos dos Estados Unidos viciavam-se, numa ou noutra altura, em drogas ou álcool. O frágil acesso a drogas tornava-as tentadoras. Era fácil um médico abrir um armário, tirar a droga de que necessitava e utilizar um torniquete e seringa para a injetar. Um viciado poderia necessitar de uma quantidade fixa, de duas em duas horas.

Isso estava a acontecer também no seu hospital. Tinha de se fazer qualquer coisa antes da reunião. “Ficaria mal na minha ficha.” bem Wallace não sabia bem em quem confiar para o ajudar a encontrar o culpado. Tinha de ser cauteloso. Estava certo de que nem a Dra. Taylor nem a Dra. Hunter estavam envolvidas e, depois de muito pensar, decidiu servir-se delas.

Mandou-as chamar:

- Tenho um pedido para vos fazer - disse-lhe s. Explicou tudo sobre o desaparecimento do fentanil. - Quero que mantenham os olhos bem abertos. Se algum dos médicos com quem trabalham, a meio de uma operação, tiver de sair por momentos da sala ou apresentar sinais de vício, quero que me informem. Estejam atentas a quaisquer mudanças de personalidade… depressão ou alterações de disposição… atrasos ou faltas.

Peço-vos que mantenham isto estritamente confidencial.

Quando saíram do gabinete, Kat disse:

- Este hospital é enorme. Vamos precisar de Sherlock Holmes.

- Não, não vamos - respondeu Paige com ar infeliz.

- Sei quem é.

Mitch Campbell era um dos médicos favoritos de Paige. O Dr. Campbell era um cinquentenário de cabelos grisalhos, sempre bem-disposto e um dos melhores cirurgiões do hospital. Paige reparara que nos últimos tempos chegava sempre alguns minutos atrasado para uma operação e que tinha desenvolvido uma tremura notável.

Servia-se de Paige para o assistir sempre que possível e normalmente deixava-a fazer a maior parte da cirurgia. A meio de uma operação, as mãos começavam a tremer e entregava o bisturi a Paige.

- Não me sinto bem - murmurava. - Não se importa de continuar?

E abandonava a sala de operações.

Paige andava preocupada com o que pudesse estar a acontecer-lhe. Agora já sabia. Pensou no que havia de fazer.

Sabia que se desse essa informação a Wallace, o Dr. Campbell seria despedido, ou pior, a sua carreira ficaria destruída.

Por outro lado, se nada fizesse, colocaria em perigo a vida de alguns doentes. “Talvez seja melhor falar com ele”, pensou.

“Contar-lhe o que sei e insistir para que se trate. Discutiu o assunto com Kat.

- É um problema - concordou Kat. - É uma pessoa agradável e um bom médico. Se disseres alguma coisa acabarás com ele, mas se não o fizeres terás de pensar no mal que possa vir a fazer.

O que achas que irá acontecer se o confrontares?

- Provavelmente irá negá-lo, Kat. É o que geralmente acontece.

- Sim. É um caso difícil.

No dia seguinte, Paige tinha uma operação marcada com o Dr.

Campbell. “Queira Deus que esteja errada”, rezou Paige. “Não o deixes chegar atrasado e não permitas que saia durante a operação.”

Campbell chegou quinze minutos atrasado e a meio da operação disse:

- Por favor, Paige, pode continuar? Já volto.

“Tenho de falar com ele”, decidiu Paige. “Não posso destruir-lhe a carreira.

Na manhã seguinte, quando Paige e Honey estacionaram no parque dos médicos, Harry Bowman parou o Ferrari vermelho ao lado delas.

- Que carro tão bonito - disse Honey. - Quanto custará? Bowman deu uma gargalhada:

- Como resposta, digo-lhe que não é para a sua bolsa.

Mas Paige não estava a ouvir. Olhava para o carro e a I pensar no apartamento de cobertura, nas grandes festas e no barco. “Fui suficientemente esperto para ter um pai inteligente. Deixou-me todo o seu dinheiro.”, E, contudo, Bowman trabalhava num hospital estatal. Porquê?

Dez minutos mais tarde, Paige estava na seão de pessoal a falar com Karen, a secretária responsável pelas fichas.

- É capaz de me fazer um favor, Karen? Cá para nós, Harry Bowman convidou-me para sair e tenho o pressentimento de que é casado. Deixa-me dar uma vista de olhos na ficha dele?

- Com certeza. Que grandes filhos da mãe! Nunca ficam satisfeitos, não é?

Tenho todo o prazer em mostrar-lhe a ficha dele. - Dirigiu-se ao armário e retirou o que procurava.

Entregou alguns papéis a Paige.

E deu uma rápida vista de olhos. A candidatura do Dr. Harry Bowman mostrava que vinha de uma pequena universidade do Médio Oeste e que, segundo a ficha, tinha conseguido abrir caminho na faculdade de medicina.

Era anestesista.

O pai era barbeiro.

Honey Taft era um enigma para a maioria dos médicos do Embarcadero County Hospital. Durante as rondas da manhã, parecia não estar segura de si própria. Mas nas rondas da tarde, parecia uma pessoa diferente.

Surpreendentemente, sabia tudo sobre cada um dos doentes e era clara e eficiente nos diagnósticos.

Um dos residentes chefes falava dela com um dos colegas.

- Macacos me mordam se compreendo o caso - disse. - De manhã, as queixas sobre a doutora Taft são cada vez mais.

Comete demasiados erros. Conheces a anedota sobre a enfermeira que faz tudo errado? Um médico queixa-se de que lhe disse para dar três comprimidos ao doente do quarto quatro e ela deu quatro ao doente do quarto três e, quando estava a falar dela, vê-a a correr pelo corredor atrás de um doente nu, segurando nas mãos uma panela de água a ferver. O médico diz: “Olhe m para aquilo!

Mandei-a picar o furúnculo dele!”

O colega desatou a rir:

- Bem, esse é o retrato da doutora Taft. Mas, à tarde, ela é absolutamente brilhante. Os diagnósticos são corretos, os apontamentos são maravilhosos e responde sem a mínima hesitação. Deve tomar algum comprimido milagroso que atua somente à tarde. - Coçou a cabeça. - Estou bastante intrigado.

O Dr. Nathan Ritter era um pedante, um homem que vivia e trabalhava segundo as regras. Embora lhe faltasse o brilho da inteligência, era uma pessoa apa e dedicada que esperava ver as mesmas qualidades naqueles que trabalhavam com ele.

Honey teve o azar de ser designada para a sua equipa.

A primeira paragem foi numa ala que continha uma dúzia de doentes. Um deles estava a terminar o pequeno-almoço. Ritter olhou para o gráfico aos pés da cama.

- Doutora Taft, o gráfico diz que é seu doente.

- Sim - concordou Honey.

- Ele vai fazer uma broncoscopia esta manhã.

Honey afirmou, abanando a cabeça:

- Correto.

- E permite que ele coma? - perguntou o Dr. Ritter.

- Antes de uma broncoscopia?

Honey respondeu:

- O pobrezinho não come desde…

Nathan Ritter voltou-se para o assistente:

- Adie o exame. - Começou a dizer algo a Honey e depois controlou-se. - Vamos continuar.

O doente seguinte era um porto-riquenho que tossia muito. O Dr. Ritter examinou-o.

- De quem é este doente?

- Meu - disse Honey.

Franziu a sobrancelha:

- A infecção dele já devia ter melhorado. - Olhou para o gráfico. - Está a dar-lhe cinquenta miligramas de ampicilina quatro vezes ao dia?

- Exato.

- Não é nada exato. Está errado! É suposto ser quinhentos miligramas quatro vezes ao dia. Você cortou um zero.

- Peço desculpa, eu…

- Não é de admirar que o doente não esteja melhor! Quero que altere isso imediatamente.

- Sim, doutor.

Quando se aproximaram de outro doente de Honey, o Dr. Ritter disse impacientemente:

- Ele tem uma colonoscopia marcada. Onde está o relatório de radiologia?

- O relatório de radiologia? Oh. Esqueci-me de mandar fazer.

Ritter deitou um longo olhar especulativo a Honey.

A partir daí, a manhã correu normalmente.

O doente que viram a seguir lamentava-se de dores:

- Tenho tantas dores. O que se passa comigo?

- Não sabemos - respondeu Honey.

O Dr. Ritter olhou para ela:

- Doutora Taft, pode chegar um momento aqui fora? - No corredor, disse: - Nunca, nunca diga a um doente que você não sabe. A senhora é a pessoa que eles esperam que os ajude! E se não souber a resposta, invente uma.

Compreendeu?

- Não me parece justo…

- Não lhe perguntei se parecia justo. Faça apenas o que lhe foi dito.

Examinaram uma hérnia hiatal, um doente hepático, um doente que sofria da doença de Alzheimer e duas dúzias de outros.

Assim que a ronda terminou, o dr. Ritter dirigiu-se ao gabinete de Benjamin Wallace.

- Temos um problema - disse Ritter.

- O que se passa, Nathan?

- É um dos nossos residentes. Honey Taft.

“ Outra vez!” - O que há com ela?

- É um desastre.

- Mas teve tão boas recomendações! - bem, é melhor livrares-te dela antes que o hospital se envolva num problema grave; antes que ela mate um ou dois doentes.

Wallace pensou nisso durante um momento e depois tomou uma decisão.

- Certo. Vou mandá-la embora.

Paige esteve ocupada a operar durante quase toda a manhã.

Assim que ficou livre, foi ter com o Dr. Wallace a fim de o informar das suas suspeitas sobre Harry Bowman.

- Bowman? Tem a certeza. Quero dizer… Não vi sinais de vício.

- Ele não a usa - explicou Paige. - Vende-a. Vive como um milionário com um salário de residente. bem Wallace concordou:

- Muito bem. Vou verificar. Obrigado, Paige.

Wallace mandou chamar Bruce Anderson, chefe da segurança.

- Talvez já tenhamos identificado o ladrão da droga - disse-lhe Wallace. - Quero que vigie o doutor Harry Bowman.

- Bowman? - Anderson procurou esconder o espanto. O Dr.

Bowman estava sempre a oferecer charutos cubanos e outros pequenos presentes. Todos gostavam dele.

- Se ele entrar no dispensário, reviste-o quando sair.

- Sim, senhor.

Harry Bowman dirigia-se ao dispensário. Tinha ordens a cumprir. Muitas ordens. Tudo começara como um acidente oportuno. Trabalhara num pequeno hospital de Ames, Iowa, lutando para sobreviver com o salário de um residente. Gostava de champanhe e de cerveja e, por fim, o destino tinha-lhe sorrido.

Um dos seus doentes que recebera alta do hospital, telefonara-lhe uma manhã.

- Doutor, estou cheio de dores. Tem de me dar qualquer coisa.

- Quer baixar outra vez?

- Não quero deixar a minha casa. Não me pode trazer qualquer coisa?

Bowman pensou no caso:

- Está bem. Passarei aí quando sair.

Quando visitou o doente, levava um frasco de fentanil.

O doente agarrou nele:

- Que maravilha! - disse, sacando um maço de notas. - Tome.

Bowman olhou para ele, surpreendido:

- Não tem de me pagar nada.

- Está a brincar comigo? Isto aqui é como ouro. Tenho muitos amigos que lhe pagarão uma fortuna se lhe s trouxer disto.

E foi assim que tudo começou. No espaço de dois meses, Harry Bowman fazia dinheiro como jamais tinha sonhado ser possível.

Infelizmente, o diretor do hospital soubera do que se estava a passar.

Temendo um escândalo público, disse a Bowman que se ele saísse sem alarido nada ficaria registrado na sua ficha.

“Ainda bem que saí”, pensou Bowman. “São Francisco tem um mercado muito maior.”, Chegou ao dispensário. Bruce Anderson estava de pé no lado de fora. Bowman cumprimentou-o:

- Olá, Bruce.

- Boa tarde, doutor Bowman.

Cinco minutos mais tarde, quando Bowman saiu do dispensário, Anderson disse:

- Desculpe, mas vou ter de o revistar.

Harry Bowman olhou para ele:

- Revistar-me? De que é que estás a falar, Bruce?

- Peço desculpa, doutor. Temos ordens para revistar todos os que utilizam o dispensário - mentiu Anderson.

Bowman estava indignado:

- Nunca ouvi tal coisa. Recuso-me totalmente!

- Então terei de lhe pedir que me acompanhe ao gabinete do doutor Wallace.

- Tudo bem! Ele vai ficar furioso quando souber disto.

Bowman entrou de rompante no gabinete de Wallace:

- O que se passa, bem? Este homem quis revistar-me, maldito seja!

- E você recusou-se a ser revistado?

- Com certeza.

- Está bem. - Wallace pegou no telefone. - Vou permitir que seja a polícia de São Francisco a fazê-lo, se preferir. - E começou a discar.

Bowman entrou em pânico:

- Espere! Não é necessário. - O rosto ficou subitamente mais sereno. - Oh!

Já sei do que é que se trata! - Meteu a mão no bolso e tirou um frasco de fentanil. - Fui buscar isto para utilizar numa operação e…

Wallace disse calmamente:

- Esvazie os bolsos.

Um olhar de desespero surgiu no rosto de Bowman:

- Não há motivo para…

- Esvazie os bolsos!

Duas horas mais tarde, o gabinete de São Francisco dos Serviços de Combate à Droga recebia uma confissão escrita e osnomes das pessoas a quem Bowman tinha vendido drogas.

Quando Paige ouviu as notícias, foi ter com Mitch Campbell.

Este estava sentado num gabinete, a descansar.

Tinha as mãos sobre a secretária quando Paige entrou, podendo ver como estas tremiam.

Rapidamente, Campbell escondeu as mãos:

- Olá, Paige. Como está?

- Bem, Mitch. Quero falar consigo.

- Sente-se.

Sentou-se na cadeira em frente:

- Há quanto tempo sofre da doença de Parkinson? O rosto dele ficou branco:

- O quê?

- É isso, não é? Tem tentado esconder o fato.

Houve um silêncio pesado:

- Eu… eu… sim. Mas eu… não consigo abandonar a medicina. Não consigo mesmo. Isto é toda a minha vida.

Paige inclinou-se para a frente e disse com sinceridade:

- Não tem de abandonar a medicina, mas não devia fazer operações.

Subitamente, ele parecia ter envelhecido:

- Eu sei. Ia deixar de operar no ano passado. - E sorrindo afavelmente: - Penso que agora terei de deixar de operar, não é assim? Você vai informar o doutor Wallace?

- Não - respondeu Paige, gentilmente. - O senhor é que vai dizer ao doutor Wallace.

Paige estava a almoçar na cafetaria quando Tom Chang se juntou a ela.

- Soube o que aconteceu - disse. - Bowman! Incrível. Bom trabalho.

Ela abanou a cabeça:

- Quase que acusei a pessoa errada.

Chang sentou-se e ficou calado.

- Sente-se bem, Tom?

- Quer ouvir o “Sim, estou bem” ou quer saber a verdade?

- Somos amigos. Quero a verdade.

- O meu casamento foi pelo cano abaixo. - De repente, os olhos encheramse de lágrimas. - Sye foi-se embora. Regressou a casa dela.

- Lamento, sinceramente.

- Não é culpa dela. Há muito tempo que o casamento tinha terminado. Ela disse que eu estou casado com o hospital e tem razão. Passo toda a minha vida aqui a cuidar de estranhos, em vez de estar ao lado das pessoas que me são queridas.

- Ela há-de regressar. Vai ver que tudo se há-de solucionar - disse Paige, procurando confortá-lo.

- Não. Desta vez, não.

- Já pensaram em ouvir os conselhos de um advogado, ou…

- Ela recusa-se.

- Lamento, Tom. Se houver algo que eu… - Ouviu o seu nome a ser chamado.

- Doutora Taylor, quarto quatrocentos e dez…

Paige ficou subitamente alarmada:

- Tenho de ir - disse. Quarto 410. Era o de Sam Bernstein.

Era um dos seus doentes favoritos, um sepuagenário simpático que sofria de um inoperável cancro no estômago. Muitos dos doentes do hospital estavam sempre a queixar-se, mas Sam Bernstein era uma excepção.

Paige admirava a sua coragem e dignidade. A mulher e os dois filhos adultos visitavam-no regularmente e Paige simpatizava também com eles.

Estava ligado a sistemas de suporte de vida, com um aviso, NR - Não Ressuscitar - se o coração parar.

Quando Paige entrou no quarto, estava uma enfermeira ao lado da cama.

Esta levantou a cabeça quando ouviu Paige.

- Morreu, doutora. Não comecei os procedimentos de emergência porque…

- A voz começou a fugir-lhe.

- Agiu muito bem - disse Paige, lentamente. - Obrigada.

- Posso fazer qualquer…

- Não. Eu trato de tudo. - Paige permaneceu ao lado da cama e olhou para o corpo daquilo que havia sido um sorridente ser humano com vida, um homem com família e amigos, alguém que tinha passado a vida a trabalhar arduamente, a cuidar dos que lhe eram queridos.

E agora…

Aproximou-se da gaveta onde ele guardava os seus haveres.

Havia um relógio barato, um molho de chaves, quinze dólares em dinheiro, a dentadura e uma carta para a mulher. Tudo aquilo recordava a vida de um homem.

Paige não conseguia afastar a sensação de depressão que a oprimia.

- Era uma pessoa tão querida. Porquê…?

- Paige - interveio Kat -, não podes envolver-te emocionalmente com os teus doentes. Isso far-te-á mal.

- Eu sei. Tens razão, Kat. É que… tudo acabou tão repentinamente, sabes?

Esta manhã ele conversou comigo.

Amanhã é o seu funeral.

- Não estás a pensar ir, estás?

- Não.

O funeral teve lugar no Cemitério Hills of Eternity.

Na religião judaica, o enterro deve ser efetuado logo a seguir à morte e normalmente o serviço é celebrado no dia seguinte.

O corpo de Sam Berstein foi vestido com um takhrikhim, uma túnica branca, e envolto num talit. A família reuniu-se em volta da campa. O rabino entoava “Hamakom y’nathaim etkhem b’tokh sh’ar availai tziyon veeyerushalayim.” O homem que estava ao lado de Paige reparou na expressão confusa do rosto e traduziu: - “Que Deus te conforte com todos os pranteadores do Reino Unido dos Céus e de Jerusalém.” Para surpresa de Paige, os membros da família começaram a rasgar as roupas que vestiam, enquanto cantavam Kbaruch ata adonai elohainu melech haolam dayan há-met.” - O que…?

- Isso demonstra respeito - sussurrou o homem. - “Do pó vieste e para o pó regressaste, mas o espírito regressa a Deus, que foi quem to ofereceu.” A cerimónia tinha terminado.

Na manhã seguinte, Kat encontrou-se com Honey no corredor.

Esta parecia nervosa.

- O que é que aconteceu? - perguntou Kat.

- O doutor Wallace mandou-me chamar. Pediu-me para estar no gabinete dele às duas horas.

- Sabes porquê?

- Julgo que está relacionado com as rondas do outro dia. O doutor Ritter é um monstro.

- Pode ser - disse Kat. - Mas tenho a certeza que tudo irá correr bem.

- Queira Deus que sim, mas estou com um mau pressentimento.

Chegou ao gabinete de Wallace Benjamin às duas horas em ponto, levando na bolsa um pequeno pote de mel.

A recepcionista estava a almoçar. A porta do Dr. Wallace estava aberta.

- Entre, doutora Taft - convidou.

Honey entrou no gabinete.

- Feche a porta, por favor.

Honey fechou a porta.

- Sente-se.

Honey sentou-se à frente dele. Quase tremia.

Benjamin Wallace tinha suportado a situação o mais possível.

Olhou para ela e pensou: “É como escorraçar um cachorrinho.

Mas o que tem de ser feito, tem de ser feito.

- Lamento informá-la de que tenho uma má notícia para lhe dar - disse.

Uma hora mais tarde, Honey encontrou-se com Kat no solário.

Honey afundou-se numa cadeira próximo dela, a sorrir.

- Já falaste com o doutor Wallace? - perguntou Kat.

- Oh, sim. Tivemos uma longa conversa. Sabias que a mulher o deixou em Setembro? Foram casados durante quinze anos. Tem dois filhos adultos de um casamento anterior, mas pouco os vê.

O pobrezinho está muito solitário.

Era outra vez Ano Novo e Paige, Kat e Honey entraram em 1994 no Embarcadero County Hospital. Para elas, nada na vida tinha sofrido alterações, à excepção da identidade dos doentes.

Quando Paige atravessava o parque de estacionamento, lembrou-se de Harry Bowman e do seu Ferrari vermelho.

“Quantas vidas foram destruídas pelo veneno que Harry Bowman vendia?”, pensou. As drogas eram tão sedutoras. E no final, tão mortais.

Jimmy Ford surgiu com pequeno ramo de flores para Paige.

- Para que é isto, Jimmy?

Ele corou:

- Gostaria que ficasse com elas. Sabia que me vou casar?

- Não! Que maravilha. Quem é a sortuda?

- Chama-se Betsy. Trabalha numa loja de pronto-a-vestir.

Vamos ter meia dúzia de filhos. A primeira menina terá o nome de Paige.

Espero que não se importe.

- Eu, importar-me? Sinto-me lisonjeada.

Ele ficou embaraçado:

- Já sabe daquela sobre o médico que deu duas semanas de vida a um doente? “Não posso pagar-lhe já” disse o homem.

“Está bem, dou-lhe mais duas semanas.

E Jimmy desapareceu.

Paige estava preocupada com Tom Chang. Estava a sofrer violentas mudanças de temperamento, desde a euforia à depressão profunda.

Numa manhã, durante uma conversa com Paige, disse:

- Já percebeu que se não fôssemos nós, a maioria das pessoas daqui morreriam? Temos o poder de curar o corpo delas e de as tornar completas de novo. - E na manhã seguinte: - Estamos todos a enganar-nos a nós próprios, Paige. Os nossos doentes melhorariam mais depressa sem nós.

Somos hipócritas ao fingirmos que temos a resposta para todas as perguntas. Bem, não temos.

Paige estudou-o por momentos:

- Como está a Sye?

- Falei com ela ontem. Não quer voltar para cá. Vai pedir o divórcio.

Paige tocou-lhe no braço:

- Lamento, Tom.

Ele encolhe u os ombros:

- Porquê? Não me afeta nada. Agora já não me afeta.

Encontrarei outra mulher. - Sorriu. - E terei outro filho.

Verá.

Havia algo irreal na conversa.

Nessa noite, Paige disse a Kat:

- Estou preocupada com Tom Chang. Tens falado com ele ultimamente?

- Sim.

- Pareceu-te normal?

- Nenhum homem me parece normal - respondeu Kat.

Paige ainda continuava preocupada.

- Vamos convidá-lo para jantar amanhã à noite.

- Está bem.

Na manhã seguinte, quando Paige entrou ao serviço no hospital, recebeu a notícia de que um porteiro tinha encontrado o corpo de Tom Chang numa arrecadação da cave.

Morrera com uma dose excessiva de barbitúricos.

Paige ficou quase histérica:

- Eu podia tê-lo salvo - disse a chorar. - Esteve todo este tempo a pedir ajuda e eu não o ouvi.

Kat disse firmemente:

- De forma alguma o poderias ter ajudado, Paige. Tu não eras o problema e também não eras a solução. Ele não queria viver sem a mulher e a filha. É tão simples como isso.

Paige limpou as lágrimas:

- Maldito seja este lugar! - disse. - Se não fosse a pressão e os horários, a mulher nunca o teria deixado.

- Mas deixou - disse Kat, gentilmente. - Acabou.

Paige nunca assistira a um funeral chinês. Era um espetáculo incrível.

Começou muito cedo na Casa Mortuária da Green Street, em Chinatown, onde uma multidão começou a juntar-se no exterior. Foi organizado um cortejo com uma enorme banda musical e, à cabeça, pessoas enlutadas que transportavam uma fotografia ampliada de Tom Chang.

A marcha teve início com a banda a tocar alto enquanto atravessavam as ruas de São Francisco e o carro fúnebre na cauda do cortejo. A maioria dos enlutados ia a pé, mas os mais velhos iam de carro.

Para Paige, o cortejo parecia mover-se ao acaso pela cidade.

Estava confusa:

- Aonde vamos? - perguntou a um dos enlutados.

Este inclinou-se ligeiramente e disse:

- É nosso costume levar o falecido a alguns dos lugares que tiveram significado na sua vida… restaurantes onde comia, lojas que utilizava, lugares que visitava…

- Compreendo.

O cortejo terminou em frente ao Embarcadero County Hospital.

O enlutado voltou-se para Paige e disse:

- Foi aqui que Tom Chang trabalhou. Foi aqui que ele encontrou a felicidade.

“Errado”, pensou Paige. “Foi aqui que ele perdeu a felicidade.

Numa manhã, quando caminhava pela Market Street, Paige viu Alfred Turner. O coração começou a bater mais depressa. Não tinha conseguido esquecê-lo. Ele começava a atravessar a rua quando o sinal mudou. Assim que Paige chegou à esquina, o sinal mudou para vermelho. Ignorou-o e atravessou a correr, ignorando as buzinas e os insultos dos motoristas.

Paige chegou ao outro lado e aproximou-se rapidamente de Alfred. Pegoulhe na manga:

- Alfred…

O homem voltou-se:

- Como?

Era alguém totalmente estranho.

Agora que Paige e Kat já eram residentes há quatro anos, faziam operações numa base regular.

Kat trabalhava com médicos na neurocirurgia e não deixava de ficar admirada perante o milagre das centenas de milhões de complexos computadores digitais, chamados neurónios, que viviam no cérebro. O trabalho era entusiasmante.

Kat tinha um profundo respeito pela maioria dos médicos com quem trabalhava. Eram cirurgiões brilhantes e peritos. Havia alguns que a tinham feito passar um mau bocado. Tentaram sair com ela e quanto mais ela recusava, mais desafiadores se tornavam.

Ouviu um médico dizer:

- Ali vem a famosa calça-de-ferro.

Estava a ajudar o Dr. Kibler numa operação ao cérebro. Foi feita uma pequena incisão no córtex e o Dr. Kibler introduzia uma cânula de borracha no ventrículo lateral esquerdo, a cavidade central da metade esquerda do cérebro, enquanto Kat mantinha a incisão aberta com o auxílio de um pequeno retrator. Toda a concentração estava focada no que acontecia à sua frente.

O Dr. Kibler olhou para ela e, enquanto trabalhava, disse:

- Já sabe daquela sobre o bêbedo que entrou de rompante num bar e disse “Dê-me uma bebida, depressa!” - “Não posso”,, disse o empregado. “Você já está bêbedo”.

A broca cortava mais fundo. - “Se não me der uma bebida, mato-me.”, Começou a correr líquido cerebral do ventrículo e a sair pela cânula. - “Oiça o que vou fazer”, disse o empregado. “Tenho três desejos. Se me satisfizer os três, dar-lhe -ei uma garrafa.” Enquanto falava, foram injetados mililitros de ar no ventrículo e tiradas radiografias da vista ântero-posterior e da vista lateral. - “Vê aquele jogador de futebol? Não consigo tirá-lo daqui.

Quero que corra com ele. A seguir, tenho um crocodilo de estimação no meu escritório, que está com dores de dentes. É tão mau que não consigo que o veterinário se aproxime dele.

Por último, existe uma médica dos Serviços de Saúde que quer fechar este lugar. Foda-a e dar-lhe -ei a garrafa.

Uma enfermeira-assistente fazia sucção para reduzir a quantidade de sangue naquele local.

- O bêbedo corre com o jogador de futebol e entra no escritório onde estava o crocodilo. Sai quinze minutos depois, todo sujo de sangue e com a roupa rasgada, e diz: “Onde está a médica com dores de dentes?” Deu uma tremenda gargalhada: - Entendeu? Ele fodeu o crocodilo em vez da médica.

Se calhar foi uma experiência melhor! Kat permaneceu ali, furiosa, com vontade de lhe dar uma bofetada.

Quando a operação chegou ao fim, Kat dirigiu-se ao quarto dos médicos de serviço, para tentar acalmar-se.

“Não vou deixar que estes filhos da mãe me derrotem. Isso é que não.”

De tempos em tempos Paige saía com médicos do hospital, mas recusava envolver-se emocionalmente com qualquer deles. Alfred Turner tinha-a magoado profundamente e ela estava decidida a nunca mais passar pelo mesmo.

A maior parte dos dias e das noites eram passados no hospital. O horário era estafante, mas Paige fazia e gostava da cirurgia geral.

Uma manhã, George Englund, chefe da cirurgia, mandou-a chamar.

- Este ano vai começar a sua especialidade. Cirurgia cardiovascular.

Ela anuiu:

- Sim.

- Bem, tenho um pato para si. Já ouviu falar do doutor Barker?

Paige olhou para ele, surpreendida:

- O doutor Lawrence Barker?

- Sim.

- Claro que sim.

Todos tinham ouvido falar de Lawrence Barker. Era um dos mais famosos cirurgiões cardiovasculares do mundo.

- Bem, na semana passada regressou da Arábia Saudita, onde operou o rei.

O doutor Barker é um velho amigo meu e concordou em ceder-nos três dias por semana. Pro bono.

- Fantástico! - exclamou Paige.

- Vou colocá-la na equipa dele.

Por um momento Paige ficou muda:

- Eu… não sei o que dizer. Fico-lhe muito agradecida.

- É uma bela oportunidade para si. Pode aprender muito com ele.

- Tenho a certeza que sim. Obrigada, George. Fico-lhe bastante grata por isto.

- Irá começar as suas rondas com ele amanhã de manhã, às seis horas.

- Estou ansiosa por isso.

“Estou ansiosa por isso” foi uma forma incompleta de dizer o que sentia.

Paige tinha sonhado trabalhar com alguém como o Dr. Lawrence Barker.

“Que quero dizer com alguém como o Dr.

Barker? Só existe um Dr. Lawrence Barker.” Nunca tinha visto uma fotografia dele, mas imaginava o seu aspeto: devia ser alto e bonito, com cabelos cinza-prata, magro e mãos sensíveis. Um homem caloroso e gentil.

“Iremos trabalhar juntos”, pensou ela “e vou tornar-me absolutamente indispensável. Será que é casado?”

Nessa noite, Paige teve um sonho erótico com o Dr. Barker.

Ambos estavam nus a fazer uma operação.

A meio desta, o Dr. Barker disse: “Quero-a.” Uma enfermeira tirou o doente da marquesa e o Dr. Barker levantou Paige, deitou-a e fez amor com ela.

“ Quando Paige acordou, estava quase a cair da cama.

Às seis horas da manhã seguinte, Paige esperava nervosa no corredor do segundo andar, juntamente com Joel lips, o residente chefe, e cinco outros residentes, quando um homem baixo e carrancudo começou a dirigir-se a eles num passo curto e rápido. Caminhava inclinado para a frente, como se estivesse a lutar contra o vento.

Ele aproximou-se do grupo:

- Por que raio estão todos aqui parados? Vamos embora! Foi preciso um momento para Paige se recompor.

Correu para se juntar aos restantes elementos do grupo, Enquanto atravessavam o corredor, o Dr. Barker atirou:

- Todos vocês têm trinta a trinta e cinco doentes para cuidar por dia. Espero que tomem notas pormenorizadas de cada um deles. Entendido?

Houve um murmúrio de “Sim, senhor”.

Tinham chegado à primeira ala. O Dr. Barker aproximou-se da cama de um doente, um homem com cerca de quarenta anos. O ar rude e modos grosseiros de Barker desapareceram num instante.

Tocou suavemente no ombro do doente e sorriu:

- Bom dia. Sou o doutor Barker.

- Bom dia, doutor.

- Como se sente hoje?

- Dói-me o peito.

O Dr. Barker estudou o gráfico aos pés da cama e depois voltou-se para o Dr. Philips:

- O que mostra esta radiografia?

- Nenhuma alteração. Está a sarar bem.

- Vamos fazer outro CBC.

O Dr. Philips tomou nota.

O Dr. Barker deu uma palmadinha no braço do homem e sorriu:

- Tem bom aspeto. Vê-lo-emos sair daqui dentro de uma semana. - E, virando-se para os residentes, disse: - Mexam-se! Temos muitos doentes para ver.

“Meu Deus!”,, pensou Paige. “E há quem fale do Dr.

Jekyll e do Mr. Hyde!”

O doente seguinte era uma mulher obesa em que fora implantado um pacemaker. O Dr. Barker estudou o gráfico dela:

- Bom dia, senhora Shelby. - A voz era agradável - Sou o doutor Barker.

- Quanto tempo irão manter-me neste lugar?

- Bem, a senhora é tão encantadora que gostaria de a manter aqui para sempre, mas eu tenho mulher.

A Sra. Shelby deu uma risada reprimida:

- É uma mulher sortuda.

Barker examinou novamente o gráfico:

- Posso dizer que está quase a ir para casa.

- Que bom.

- Logo à tarde vê-la-ei outra vez. - Lawrence Barker virou-se para os residentes. - Avancem.

Seguiram obedientemente o médico até um quarto semiprivado onde um jovem guatemalense se encontrava deitado e rodeado pela família.

- Bom dia - disse calorosamente o Dr. Barker enquanto examinava o gráfico do doente. - Como se sente esta manhã?

- Sinto-me bem, doutor.

Virando-se para Philips, o médico perguntou:

- Alguma alteração nos eletrólitos?

- Não, doutor.

- Essa é uma boa notícia. - Tocou no braço do rapaz:

- Mantenha-se aí, Juan.

A mãe perguntou, ansiosamente:

- O meu filho vai ficar bem?

O Dr. Barker sorriu:

- Vamos fazer tudo o que pudermos por ele.

- Obrigada, doutor.

O Dr. Barker saiu para o corredor e os outros seguiram-no.

Parou.

- O doente sofre de miocardiopatia, tremuras de febre irregular, dores de cabeça e edema localizado. Pode algum de vocês, génios, dizer qual é a causa comum? Houve silêncio. Hesitando, Paige respondeu:

- Creio que é congénito… hereditário.

O Dr. Barker olhou para ela e anuiu encorajadoramente.

Satisfeita, Paige continuou:

- Salta… espere… - Procurou lembrar-se: - Salta uma geração e é transmitida através do genes da mãe. - Interrompeu, corou e sentiu-se orgulhosa.

O Dr. Barker olhou um momento para ela:

- Que disparate! É a doença de Chagas. Afeta os habitantes dos países latino-americanos. - Olhou desgostoso para Paige.

- Jesus! Quem foi que lhe disse que era médica? O rosto dela corou intensamente.

Para ela, o resto da ronda foi um castigo. Viram vinte e quatro doentes e Paige ficou com a impressão de que o Dr.

Barker tinha passado a manhã a tentar humilhá-la. Era sempre ela a quem fazia perguntas, testando-a. Quando respondia certo, nunca a elogiava.

Quando errava, dava-lhe um berro. A dada altura, quando Paige cometeu um erro, Barker resmungou:

- Nunca a deixaria operar o meu cão!

Quando finalmente a ronda chegou ao fim, o Dr. Philips, residente chefe, disse:

- Faremos outra ronda às duas horas. Peguem nos vossos blocos, tomem notas sobre cada um dos doentes e não deixem nada de fora.

Deitou um olhar piedoso a Paige, começou a dizer algo e depois virou as costas para se juntar ao Dr. Barker.

Paige pensou: “Nunca mais quero ver esse animal.

Na noite seguinte, Paige estava de serviço. Correu de uma crise para outra, procurando acudir prontamente à maré de desastres que inundou as salas de urgências.

À uma da manhã, finalmente adormeceu. Não ouviu o som estridente de uma sirena anunciando a paragem de uma ambulância à frente da entrada das urgências do hospital. Dois paramédicos abriram a porta da ambulância, passaram o doente inconsciente da maca para uma marquesa e atravessaram a correr as portas de entrada para a sala de operações um.

O pessoal tinha sido alertado através de radiofonia.

Uma enfermeira corria ao lado do doente, enquanto uma segunda esperava no topo da rampa. Sessenta segundos mais tarde, o doente foi transferido da marquesa para uma mesa de exame.

Era um jovem e tinha tanto sangue no rosto que mal se lhe viam as feições.

Uma enfermeira começou a trabalhar, cortando-lhe com uma tesoura grande as roupas rasgadas.

- Parece que tem tudo partido.

- Sangra como um porco no matadouro.

- Não sinto a pulsação.

- Quem está de serviço?

- A doutora Taylor.

- Chame-a. Se vier depressa, talvez ele ainda esteja vivo.

Paige foi acordada pela campainha do telefone.

- Está…

- Temos uma urgência na sala um, doutora. Penso que não se salva.

Paige sentou-se imediatamente:

- Está bem. Vou já para aí.

Olhou para o relógio de pulso. Uma e meia da manhã.

Saiu da cama e dirigiu-se ao elevador.

Um minuto mais tarde, estava a entrar na sala um.

A meio da sala, na mesa de exame, encontrava-se o doente coberto de sangue.

- Que temos aqui? - perguntou Paige.

- Um acidente de moto. Foi atropelado por um autocarro. Não trazia capacete.

Paige aproximou-se da figura inconsciente e, mesmo antes de lhe ver o rosto, sentia que sabia quem era.

Ficou subitamente bem desperta:

- Coloquem nele três linhas IV! - ordenou Paige.

- Dêem-lhe oxigénio. Mandem vir sangue para baixo stat.

Liguem para o arquivo para saber o grupo sanguíneo.

A enfermeira olhou para ela, surpreendida:

- Conhece-o?

- Sim. - Teve de se esforçar para falar. - Chama-se Jimmy Ford.

Paige passou os dedos pelos cabelos dele:

- Tem um edema profundo. Quero uma ecografia e radiografias à cabeça.

Vamos ter de fazer tudo por tudo.

Quero-o vivo!

- Sim, doutora.

Paige passou as duas horas seguintes a certificar-se de que se fazia tudo o que era possível por Jimmy Ford. As radiografias mostraram uma fratura no crânio, uma contusão cerebral, um úmero partido e diversas dilacerações.

Mas tudo teria de esperar até que ele estabilizasse.

Às três e meia Paige decidiu que, de momento, nada mais podia fazer. Ele respirava melhor e a pulsação era mais forte. Olhou para a figura inconsciente. “Vamos ter meia dúzia de filhos. A primeira menina irá chamar-se Paige. Espero que não se importe.” - Chamem-me se houver alguma alteração - disse Paige.

- Não se preocupe, doutora - disse uma das enfermeiras.

- Cuidaremos bem dele.

Paige regressou ao quarto dos médicos de serviço. Estava exausta mas demasiado preocupada com Jimmy para voltar a adormecer.

O telefone voltou a tocar. Mal tinha forças para o atender:

- Está.

- Doutora, é melhor vir ao terceiro andar. Stat. Acho que um dos doentes do doutor Barker está a sofrer um ataque cardíaco.

- Vou já - respondeu Paige. Um dos doentes do Dr. Barker.

Paige respirou fundo, saltou da cama, lavou a cara com água fria e correu para o terceiro andar.

Uma enfermeira esperava do lado de fora de um quarto privado:

- É a senhora Hearns. Parece que está a ter outro ataque cardíaco.

Paige entrou no quarto.

A Sra. Hearns era uma mulher de cerca de cinquenta anos. No rosto ainda se viam traços de uma antiga beleza, mas o corpo era gordo e inchado.

Tinha as mãos sobre o peito e gemia:

- Estou a morrer - disse. - Estou a morrer. Não consigo respirar.

- Vai ficar boa - disse Paige em tom confortante.

Virou-se para a enfermeira. - Fez-lhe um eletrocardiograma?

- Ela não me deixa tocar-lhe. Diz que está muito nervosa.

- Temos de fazer um ECG - informou Paige à doente.

- Não! Não quero morrer. Por favor, não me deixe morrer…

Paige disse à enfermeira:

- Chame o doutor Barker. Peça-lhe para vir aqui imediatamente.

A enfermeira desapareceu.

Paige colocou o estetoscópio no peito da Sra. Hearns.

Escutou. O ritmo cardíaco parecia normal mas Paige não podia correr riscos.

- O doutor Barker estará aqui dentro de instantes - disse a Mrs. Hearns. - Tente descansar.

- Nunca me senti assim tão mal. Sinto um peso tão grande no peito. Por favor, não me deixe sozinha.

- Não a vou deixar sozinha - prometeu Paige.

Enquanto esperava pelo Dr. Barker, Paige telefonou para a unidade de cuidados intensivos. Não havia alterações no estado de Jimmy. Ainda estava em coma.

Trinta minutos mais tarde, apareceu o Dr. Barker.

Obviamente, tinha-se vestido à pressa:

- O que se passa? - perguntou.

Paige respondeu:

- Penso que a senhora Hearns está a sofrer outro ataque cardíaco.

O médico aproximou-se da cama:

- Fez um ECG?

- Ela não nos deixa.

- Pulsação?

- Normal. Não tem febre.

O Dr. Barker colocou o estetoscópio nas costas da Sra.

Hearns:

- Respire fundo.

Ela assim o fez.

- Outra vez.

A Sra. Hearns deu um grande arroto.

- Perdão - sorriu. - Oh. Estou muito melhor.

Ele estudou-a por momentos:

- O que é que comeu ao jantar, senhora Hearns?

- Comi um hamburger.

- Só um hamburger? Só isso? Apenas um?

- Dois.

- Mais alguma coisa?

- Bem, sabe… cebolas e batatas fritas.

- E para beber?

- Um batido de chocolate.

O Dr. Barker olhou para a doente:

- O seu coração está bom. É com o seu apetite que temos de nos preocupar.

- Voltou-se para Paige. - O que vê aqui é um caso de azia. Quero falar consigo lá fora, doutora.

Quando se encontravam no corredor, resmungou:

- Que raio lhe ensinaram na faculdade de medicina? Nem sequer consegue distinguir a diferença entre azia e um ataque cardíaco?

- Pensei…

- A questão é que você não conseguiu! Se voltar a acordar-me a meio da noite por causa de um caso de azia, está feita comigo. Percebeu bem?

Paige ficou estática, com o rosto a arder.

- Dê-lhe um antiácido, doutora - disse Lawrence parker com sarcasmo -, e verá que fica curada. Vê-la-ei na ronda das seis e meia.

Paige ficou a vê-lo partir.

Quando voltou a deitar-se no quarto dos médicos de serviço, pensou: “Vou matar Lawrence Barker. Fá-lo-ei certamente.

Ficará muito doente. Terá uma dúzia de tubos metidos ao corpo.

Irá implorar-me para que acabe com o sofrimento, mas não o farei. Deixálo- ei sofrer e depois quando se sentir melhor… será então que o matarei!”

Paige estava a fazer a ronda da manhã com a Besta, como intimamente chamava ao Dr. Barker. Tinha-o assistido em três cirurgias cardiotorácicas e, apesar de não simpatizar com ele, não conseguia deixar de admirar as suas incríveis capacidades.

Olhou estupefata quando ele abriu um doente, substituiu habilmente o coração velho pelo de um dador e coseu. A operação demorou menos de cinco horas.

“Dentro de cinco semanas” pensou Paige, “esse doente poderá voltar a ter uma vida normal. Não é de admirar que os cirurgiões julguem ser deuses.

Ressuscitam mortos.” Hora após hora, Paige via um coração parar e transformar-se num pedaço de carne inerte. E então acontecia o milagre e o órgão sem vida começava a bater de novo e a enviar sangue para um corpo que tinha estado a morrer.

Uma manhã, tinha sido marcada uma pequena cirurgia para inserção de um balão intra-aórtico num doente. Paige estava na sala de operações a assistir o Dr. Barker.

Quando estavam prestes a começar, o Dr. Barker ordenou:

- Faça você!

Paige olhou para ele:

- Desculpe?

- É um processo simples. Acha que consegue fazê-lo? Notava-se um certo desdém na voz.

- Sim - respondeu Paige, timidamente.

- Bem, então comece.

Era uma pessoa enervante.

Barker viu como Paige inseria habilmente um tubo na artéria do doente e o introduzia no coração. Tudo correu perfeitamente. Barker manteve-se ali, sem dizer uma única palavra.

“Que vá para o inferno”, pensou Paige. “Nada do que faço ou possa fazer irá satisfazê-lo.”

Paige injetou um líquido radiopaco através do tubo.

Olharam para o monitor enquanto o líquido corria para as artérias coronárias. Surgiram imagens num ecrã fluoroscópico que mostraram o grau de bloqueio e a respetiva localização na artéria, enquanto uma câmara de filmar automática gravava as radiografias para um registo permanente.

O residente-chefe olhou para Paige e sorriu:

- Bom trabalho.

- Obrigada. - Voltou-se para o Dr. Barker.

- Foi demasiado lenta - resmungou.

E saiu.

Paige agradeceu os dias em que o Dr. Barker estava fora do hospital, a trabalhar na sua clínica privada. Disse a Kat:

- Estar um dia longe dele é como passar uma semana no campo.

- Tu odeia-lo mesmo, nãoé?

- É um médico brilhante, mas um ser humano miserável. Já notaste como os nomes encaixam tão bem em determinadas pessoas? Se o doutor Barker

[em inglês: que ladra”] não parar de ladrar para as pessoas, vai ter um enfarte.

- Vê bem as maravilhas que tenho de enfrentar - disse Kat a rir. - Todos pensam que são uma dádiva divina para as ratinhas. Que bom seria se não houvessem homens no mundo! Paige olhou para ela, mas não disse nada.

Paige e Kat foram examinar Jimmy Ford. Ainda estava em coma.

Não podiam fazer nada.

Kat suspirou:

- Merda. Porque é que isto acontece às pessoas boas?

- Quem me dera saber.

- Achas que se salva?

Paige hesitou:

- Fizemos tudo o que podíamos. Agora está tudo nas mãos de Deus.

- Engraçado. Pensei que éramos Deus.

No dia seguinte, quando Paige estava encarregue da ronda da tarde, Kaplan, um residente-chefe, encontrou-se com ela no corredor:

- Hoje é o seu dia de sorte - sorriu. - Vai ter um novo aluno de medicina por companhia.

- Verdade?

- Sim, o SI.

- SI? - “Sobrinho idiota”. A mulher do doutor Wallace tem um sobrinho que quer ser médico. Foi expulso das duas últimas faculdades. Vai ter de o suportar. Hoje é a sua vez.

Paige replicou:

- Não tenho tempo para isso. Estou cheia até…

- A opção é sua. Seja boazinha e o doutor Wallace tê-la-á em consideração.

- Kaplan retirou-se.

Paige suspirou e dirigiu-se ao lugar onde os novos residentes se encontravam reunidos para dar início à ronda.

“Onde está o SI?” Olhou para o relógio. Ele já estava atrasado três minutos. “Vou dar-lhe mais um minuto”, decidiu Paige - “depois que vá para o inferno.” Foi então que o viu, um homem alto e bem-parecido que corria na sua direão.

A arfar, aproximou-se de Paige e disse: - Desculpe.

O doutor Wallace pediu-me para…

- Está atrasado - respondeu friamente.

- Eu sei. Peço desculpa. Estava na…

- Não interessa. Como se chama?

- Jason. Jason Cunis. - Vestia um casaco desportivo.

- Onde está a sua bata branca?

- A minha bata branca?

- Ninguém lhe disse para vestir uma bata branca durante as rondas?

Ele ficou embaraçado:

- Não. Lamento mas eu…

Paige disse, irritada;

- Volte ao gabinete da enfermeira-chefe e peça-lhe uma bata branca.

Também não tem um bloco de apontamentos?

- Não.

“Sobrinho idiota” define-o bem.

- Venha ter connosco à ala um.

- Tem a certeza? Eu…

- Faça o que lhe disse! - Paige e os outros partiram, deixando Jason Curtis a olhar para eles.

Estavam a examinar o terceiro doente quando Jason Cunis surgiu a correr.

Vestia uma bata branca. Paige dizia:… os tumores do coração podem ser primários, e são raros, ou secundários, que são muito mais comuns. - Voltou-se para Curtis: - Pode dizer os nomes dos três tipos de tumores?

Olhou para ela:

- Lamento, mas não… não posso.

“É claro que não.” - Epicardial. Miocardial, Endocardial.

Olhou para Paige e sorriu:

- É muito interessante.

“Meu Deus!”, pensou Paige. “Com o Dr. Wallace ou sem o Dr.

Wallace, vou livrar-me dele o mais depressa possível.” Avançaram para o doente seguinte e, assim que Paige acabou de o examinar, levou o grupo para o corredor a fim de não serem ouvidos.

- Este é um caso relacionado com a tiróide, com febre e taquicardia extrema. Surgiu após a operação. - Virou-se para Jason Curtis. - Como trataria o doente?

Ficou momentaneamente pensativo. Depois disse:

- Suavemente?

Paige procurou controlar-se:

- Você não é a mãe dele, é o médico! Ele necessita de líquidos IV para combater a desidratação, bem como de iodo IV e de medicamentos antitiróide e sedativos para as convulsões.

Jason anuiu:

- Isso parece correto.

A ronda não melhorou. Quando chegaram ao fim, Paige chamou Jason Curtis:

- Posso ser franca consigo?

- Pode. Claro que pode - respondeu, agradavelmente.

- Agradeço-lhe muito.

- Procure outra profissão.

Ele franziu as sobrancelhas:

- Acha que não sirvo para isto?

- Muito honestamente, não. Você não gosta disto, gosta?

- Nem por isso.

- Então porque escolhe u a medicina?

- Para dizer a verdade, fui obrigado.

- Bem, diga ao doutor Wallace que está a cometer um erro. Acho que deve procurar fazer outra coisa na sua vida.

- Agradeço muito que me tenha dito isso - disse com sinceridade Jason Curtis. - Gostaria de saber se podíamos discutir isto mais profundamente.

Se não tiver nada para fazer ao jantar…

- Não temos mais nada para discutir - respondeu Paige, secamente. - Pode dizer ao seu tio…

Nesse momento apareceu o Dr. Wallace:

- Jason! - chamou. - Procurei-te por todo o lado. - Voltou-se para Paige. - Vejo que já se conhecem.

- Sim, já nos conhecemos - respondeu Paige, carrancuda.

- Muito bem. Jason é o arquiteto responsável pela nova ala que estamos a construir.

Paige ficou estática:

- Ele é…o quê?

- Sim. Ele não lhe disse?

Sentiu o rosto ficar vermelho. “Ninguém lhe disse para vestir uma bata branca durante a ronda? Porque escolhe u a medicina? Para dizer a verdade, fui obrigado.” Por mim!

Paige queria enfiar-se num buraco. Ele troçara dela.

Voltou-se para Jason:

- Porque não me disse quem era?

Olhou para ela, divertido:

- Bem, na verdade você não me deu essa oportunidade.

- Ela não te deu uma oportunidade para quê? - perguntou o Dr. Wallace.

- Se me permitem… - disse Paige, envergonhada.

- Que tal jantarmos esta noite?

- Eu não como. Estou ocupada. - E Paige desapareceu.

“Jason olhou para ela com admiração - Que grande mulher!

- É, não é? Que tal irmos para o meu gabinete e conversarmos sobre o novo projeto?

- Okay! - Mas o pensamento estava em Paige.

Era Julho, época do ritual que tinha lugar de doze em doze meses em todos os hospitais dos Estados Unidos, altura em que entravam novos residentes para iniciar o caminho para a vida de verdadeiros médicos.

As enfermeiras ansiavam pela chegada do novo grupo de residentes, provocando aqueles que julgavam poder vir a ser bons amantes ou maridos. Neste dia particular, assim que os novos médicos apareceram, quase todos os olhos femininos se fixaram no Dr. Ken Mallory.

Ninguém sabia porque é que Ken Mallory tinha sido transferido de um hospital totalmente privado de Washington.

Era residente há cinco anos e cirurgião geral. Havia boatos de que fora obrigado a deixar Washington à pressa devido a uma ligação com a mulher de um congressista.

Outro rumor afirmava que uma enfermeira se suicidara por sua causa e ele fora convidado a sair. A única certeza que as enfermeiras tinham era a de que Ken Mallory era, sem sombra de dúvida, o homem mais bonito que jamais viram. Era alto e tinha um físico atlético, cabelos loiros ondulados e feições que ficariam bem num ecrã de cinema.

Mallory integrou-se na rotina do hospital como se tivesse lá estado desde sempre. Era uma pessoa encantadora e, quase desde o início, as enfermeiras lutavam por chamar a sua atenção.

Noite após noite, os outros médicos viam Mallory desaparecer dentro- do quarto de serviço com uma enfermeira diferente. A sua reputação de garanhão estava a tornar-se lendária no hospital.

Paige, Kat e Honey conversavam sobre ele.

- Imaginas aquelas enfermeiras a atirarem-se a ele? - disse Kat a rir. - Na verdade lutam para serem o petisco da semana!

- Tens de admitir que ele é atraente - sublinhou Honey.

Kat abanou a cabeça - Não, não admito.

Uma manhã, estavam meia dúzia de residentes no vestiário dos médicos quando Mallory entrou.

- Estávamos mesmo a falar de si - disse um deles.

- Deve estar exausto - Mallory sorriu:

- Não foi uma noite má. - Tinha passado a noite com duas enfermeiras.

Grundy, um dos residentes, disse:

- Você está a fazer com que todos nós pareçamos eunucos, Ken. Existe alguém do hospital que não consiga engatar? Mallory deu uma gargalhada:

- Duvido.

Grundy pensou por momentos:

- Aposto que posso mencionar um nome.

- Verdade? Quem é?

- Uma das residentes chefe. Chama-se Kat Hunter.

Mallory concordou:

- A boneca negra. Já a vi. É muito atraente. O que é que o leva a pensar que não consigo seduzi-la?

- Porque todos nós já tentámos. Acho que ela não gosta de homens.

- Ou talvez ainda não tenha encontrado o certo - sugeriu Mallory.

Grundy abanou a cabeça:

- Não. Não terá hipóteses.

Era um desafio.

- Aposto que está errado.

Um dos outros residentes disse:

- Quer dizer que deseja fazer uma aposta? Mallory sorriu:

- Claro. Porque não?

- Está bem. - O grupo começou a juntar-se à volta de Mallory. - Aposto quinhentos dólares em como não consegue deitar-se com ela.

- Apostado.

- Eu aposto trezentos.

Um outro disse:

- Também entro nessa. Aposto seiscentos.

No final, a aposta era de cinco mil dólares.

- Qual é o tempo-limite? - perguntou Mallory.

Grundy pensou um momento:

- Digamos trinta dias. Chega?

- É mais do que suficiente. Não será preciso tanto tempo.

Grundy observou:

- Mas terá de prová-lo. Ela terá de admitir que foi para a cama consigo.

- Não há problema. - Mallory olhou para o grupo e sorriu:

- Malandros!

Quinze minutos mais tarde, Grundy estava na cafetaria onde Kat, Paige e Honey tomavam o pequeno-almoço.

Dirigiu-se à mesa delas:

- Posso juntar-me a vós, senhoras… doutoras… por um momento?

Paige levantou a cabeça:

- Claro que sim.

Grundy sentou-se. Olhou para Kat e disse em tom de desculpa:

- Odeio ter de vos dizer isto, mas estou furioso e penso que é justo que saibam…

Kat olhou para ele, confusa:

- Saibamos o quê?

Grundy suspirou:

- Aquele novo residente chefe que entrou… Ken Mallory?

- Sim. O que há com ele?

Grundy respondeu:

- Bem, eu… meu Deus, isto é embaraçoso. Apostei cinco mil dólares com alguns dos médicos em como irá conseguir convencê-la a ir para a cama com ele dentro dos próximos trinta dias.

Kat ficou roxa de raiva:

- Apostou, não foi?

Grundy respondeu submissamente:

- Não a condeno por ficar furiosa. Senti-me enojado quando soube. Bem, só quis avisá-la. Ele vai convidá-la para sair e achei ser meu dever contarlhe qual o motivo.

- Obrigada - respondeu Kat. - Agradeço que me tenha dito.

- Era o mínimo que podia fazer.

As três ficaram a ver Grundy ir-se embora.

No corredor, fora da cafetaria, os outros residentes esperavam por ele.

- Como é que correu? - perguntaram.

Grundy deu uma gargalhada:

- Perfeito. Ficou furiosa como tudo. O filho da puta está feito!

Na mesa, Honey dizia:

- Acho isso terrível.

Kat concordou:

- Alguém devia fazer-lhe uma “pilatomia”. Irão ter de esquiar no gelo do inferno para que eu saia com aquele filho da mãe.

Paige ficou pensativa. Pouco depois disse:

- Sabes uma coisa, Kat? Seria interessante que saísses mesmo com ele?

Kat olhou para ela, surpreendida:

- O quê?

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