Os olhos de Paige brilhavam:

- Porque não? Já que ele quer jogar, vamos ajudá-lo… só que irá fazer o nosso jogo.

Kat inclinou-se para a frente:

- Continua.

- Ele tem trinta dias, certo? Quando ele te convidar, serás calorosa, amorosa e carinhosa. Quero dizer, mostrar-te-ás totalmente louca por ele.

Vais deixá-lo doido de alegria: A única coisa que não irás fazer, que Deus te abençoe, é ir para a cama com ele. Iremos dar-lhe uma lição de cinco mil dólares.

Kat lembrou-se do padrasto. Era uma forma de se vingar.

- Gosto disso - replicou.

- Quer dizer que aceitas? - perguntou Honey.

- Sim.

E Kat não fazia ideia de que, com essa palavra, assinara a sua sentença de morte.

Jason Curtis não tinha conseguido tirar Paige da cabeça.

Telefonou à secretária de bem Wallace:

- Olá. Sou Jason Curtis. Preciso do telefone de casa da doutora Paige Taylor.

- Com certeza, senhor Curtis. Só um momento. - Deu-lhe o número.

Honey atendeu o telefone:

- Doutora Taft.

- Sou Jason Curtis. A doutora Taylor está?

- Não, não está. Está de serviço no hospital.

- Oh, que pena.

Honey percebeu o desapontamento na voz dele:

- Se for alguma urgência, eu…

- Não, não.

- Posso dar-lhe o recado e ela liga para si.

- Muito obrigado. - Jason deu-lhe o número de telefone.

- Dar-lhe -ei o recado.

- Obrigado.

- Jason Curtis telefonou - disse Honey quando Paige regressou ao apartamento. - Pareceu-me simpático.

Está aqui o telefone dele.

- Queima-o.

- Não lhe vais telefonar?

- Não. Nunca.

- Ainda estás presa a Alfred, não estás?

- Claro que não.

E foi tudo o que Honey conseguiu obter dela.

Passados dois dias, Jason tornou a ligar.

Desta vez foi Paige quem atendeu o telefone:

- Doutora Taylor.

- Olá! - disse Jason. - Sou o doutor Jason Curtis.

- Doutor…?

- Talvez não se lembre de mim - disse Jason, lentamente - mas fiz a ronda consigo no outro dia e convidei-a para jantar. Você respondeu…

- Que estava ocupada. Ainda estou. Adeus, senhor Curtis. - E desligou o telefone.

- O que foi tudo isto? - perguntou Honey.

- Nada.

Às seis da manhã do dia seguinte, quando os residentes se juntaram a Paige para a ronda da manhã, apareceu Jason Curtis.

Vestia uma bata branca.

- Espero não ter chegado atrasado - disse alegremente.

- Tive de ir buscar uma bata branca. Sei que fica aborrecida quando não visto uma.

Paige respirou fundo, furiosa:

- Chegue aqui - disse. Empurrou Jason para dentro do vestiário dos médicos. - O que está aqui a fazer?

- Para dizer a verdade, tenho estado preocupado com alguns dos doentes que vimos no outro dia - respondeu com sinceridade. - Vim ver se estavam todos bem.

O homem estava a enfurecê-la:

- Porque não está antes a construir qualquer coisa? Jason olhou para ela e disse baixinho:

- Estou a tentar. - Tirou do bolso um monte de bilhe tes.

- Veja, não sei do que gosta, por isso comprei bilhe tes para esta noite para o jogo dos Giants, teatro, ópera e um concerto. Escolha.

Estava a pô-la fora de si:

- Deita sempre fora o seu dinheiro desta forma?

- Só quando estou apaixonado - respondeu Jason.

- Alto a…

Ele estendeu-lhe os bilhe tes:

- Escolha.

Paige arrancou-os todos da mão:

- Obrigada - respondeu, afável. - Vou dá-los aos meus doentes externos. A maioria deles não tem a possibilidade de ir a um teatro ou ópera.

Ele sorriu: - ótimo! Espero que se divirtam. Janta comigo?

- Não.

- De qualquer modo, tem de comer. Não muda de ideia? Paige ficou um tanto envergonhada por causa dos bilhe tes:

- Penso que não seria muito boa companhia. Ontem à noite estive de serviço e…

- Faremos um serão mais cedo. Palavra de escuteiro.

Ela suspirou:

- Está bem, mas…

- Maravilha! Onde posso apanhá-la?

- Saio daqui às sete.

- Então, apanho-a aqui - afirmou a sorrir. - Agora vou para casa e volto para a cama. Que hora tão perversa para estar de pé! O que a obriga a fazêlo?

Paige viu-o afastar-se e não pôde evitar um sorriso.

Às sete horas dessa tarde, quando Jason chegou ao hospital para apanhar Paige, a enfermeira-chefe disse:

- Penso que encontrará a doutora Taylor no quarto dos médicos de serviço.

- Obrigado. - Jason atravessou o corredor para o quarto de serviço. A porta estava fechada. Bateu. Ninguém respondeu.

Tornou a bater e depois abriu a porta e olhou para dentro.

Paige estava deitada, a dormir profundamente. Jason aproximou-se da cama e permaneceu ali muito tempo, a olhar para ela. “Vou casar contigo, lady, pensou. Saiu nas pontas dos pés e, sem fazer barulho, fechou a porta atrás de si.

Na manhã seguinte, Jason estava numa reunião quando a secretária entrou com um pequeno ramo de flores.

No cartão lia-se: “Desculpe. RIP. Jason deu uma gargalhada.

Telefonou para Paige, no hospital:

- É o seu parceiro quem fala.

- Peço desculpa por ontem à noite - disse Paige.

- Estou envergonhada.

- Não esteja. Mas tenho uma pergunta.

- Sim?

- RIP significa “Repouse em Infinita Paz ou “Rip van Winkle?

Paige riu:

- Escolha.

- A minha escolha é jantar logo à noite. Podemos tentar de novo?

Ela hesitou: “Não quero envolver-me. Ainda estás presa a Alfred, não estás?

- Está? Está aí?

- Sim. - “Uma noite não faz mal a ninguém, decidiu Paige.

- Sim. Podemos jantar.

- Maravilha!

Nessa noite, enquanto Paige se vestia, Kat observou:

- Parece que vais sair com alguém muito importante.

Quem é?

- É um médico-arquiteto - respondeu Paige - Um quê? Paige contou-lhe a história.

- Parece divertido. Estás interessada nele?

- Nem por isso.

A noite passou alegremente. Paige achou que Jason era uma pessoa agradável. Falaram de tudo um pouco e as horas pareceram voar:

- Fala-me de ti - pediu Jason. - Onde cresceste?

- Não vais acreditar em mim.

- Prometo que vou.

- Está bem. No Congo, índia, Birmânia, Nigéria, Quénia…

- Não acredito em ti.

- É verdade. O meu pai trabalhava para a OMS.

- Quem? Desisto. Vai ser uma reposição de Abbott e Costello.

- Organização Mundial de Saúde. Ele era médico.

Passei a infância a viajar com ele para a maior parte dos países do Terceiro Mundo.

- Deve ter sido difícil para ti.

- Era entusiasmante. A parte mais difícil era que eu nunca podia ficar o tempo suficiente para fazer amizades. - “Não precisamos de mais ninguém, Paige. Teremos sempre um ao outro…

Esta é a minha mulher, Karen. Afastou as lembranças:

- Aprendi muitas línguas estranhas e costumes exóticos.

- Por exemplo?

- Bem, por exemplo, eu… - pensou por momentos.

- Na índia acreditavam na vida depois da morte e que a vida seguinte depende de como se comporta nesta. Se foste mau, voltarás sob a forma de animal. Lembro-me que, numa aldeia, tivemos um cão e eu costumava pensar em quem ele fora e que teria feito de tão mau.

Jason interrompeu:

- Provavelmente ladrou para a árvore errada.

Paige sorriu:

- E depois havia o gherao.

- O gherao?

- É uma forma poderosa de castigar. Uma multidão rodeia um homem. - Calou-se.

- E?

- É tudo.

- É tudo?

- Não dizem nem fazem nada. Mas ele não consegue mexer-se nem fugir.

Fica encurralado até aceder àquilo que eles pretendem. Tudo pode durar muitas e muitas horas. Ele permanece no meio do círculo, mas a multidão faz turnos. Uma vez vi um homem a tentar escapar do gherao. Deram-lhe uma tareia de morte.

A lembrança do caso fez Paige estremecer. As pessoas normalmente pacíficas tinham-se transformado numa multidão enfurecida. “Vamo-nos afastar daqui”, dissera Alfred.

Abraçara-a e levara-a para uma rua sossegada.

- Isso é terrível - disse Jason.

- No dia seguinte, fomo-nos embora.

- Quem me dera ter conhecido o teu pai.

- Era um médico maravilhoso. Poderia ter tido muito êxito na Park Avenue, mas não estava interessado em dinheiro. O seu único interesse era ajudar os outros. - “Tal como Alfred”, pensou.

- O que é que lhe aconteceu?

- Foi morto numa guerra tribal.

- Lamento.

- Ele gostava de fazer o que fez. No início, os nativos lutavam contra ele.

Eram muito supersticiosos. Nas aldeias indianas mais afastadas todos têm um jatak, um horóscopo feito pelo astrólogo da aldeia, e vivem de acordo com ele - sorriu.

- Gostei muito de ter um só para mim.

- E disseram-te que ias casar com um jovem e belo arquiteto?

Paige olhou para ele e respondeu com firmeza:

- Não. - A conversa estava a tornar-se demasiado íntima.

- Tu és arquiteto, por isso irás gostar disto. Cresci em cabanas feitas de adobe, com solos de terra batida e telhados de palha, onde ratos e morcegos gostavam de habitar. Vivi em tukuls, com telhados de capim e sem janelas.

O meu sonho era viver um dia numa casa confortável de dois pisos, com varanda, um jardim relvado e uma vedação branca, e… - Paige calou-se. - Desculpa. Não pretendia continuar deste modo, mas tu perguntaste.

- Ainda bem que perguntei - disse Jason.

Paige olhou para o relógio:

- Não pensei que fosse tão tarde.

- Podemos repetir? “Não quero alimentar-lhe as esperanças,”, pensou Paige.

“Isto não vai resultar em nada.” Lembrou-se de algo que Kat lhe tinha dito. “Estás presa a um fantasma. Solta-o.” Olhou para Jason e disse:

- Sim.

Na manhã seguinte, muito cedo, chegou um mensageiro com um pacote.

Paige abriu-lhe a porta.

- Tenho uma coisa para a doutora Taylor.

- Sou a doutora Taylor.

O mensageiro olhou para ela, surpreendido:

- É médica?

- Sim - respondeu Paige, pacientemente. - Sou médica.

Importa-se?

Ele encolhe u os ombros:

- Não, senhora. De modo algum. Importa-se de assinar aqui, por favor?

O pacote era surpreendentemente pesado. Curiosa, Paige transportou-o para a mesa da sala e desembrulhou-o. Era uma miniatura de uma bonita casa de dois pisos com varanda.

Enfrente da casa havia um pequeno jardim relvado, rodeado por uma vedação branca. “Deve ter passado toda a noite acordado para fazer isto.”

Havia um cartão onde se lia: minha ()

Nossa ()

Por favor, coloca uma cruz.

Ficou muito tempo sentada a olhar para a casa. Era a casa certa, mas o homem errado.

“O que é que se passa comigo?,”, perguntou-se a si própria.

“Ele é inteligente, atraente e encantador.” Mas sabia qual era o problema.

Ele não era Alfred.

O telefone começou a tocar.

Era Jason.

- Recebeste a sua casa? - perguntou.

- É linda! - respondeu Paige. - Muitíssimo obrigada.

- Gostaria de te construir a verdadeira. Colocaste a cruz?

- Não.

- Sou um homem paciente. Estás livre ao jantar?

- Sim, mas devo avisar-te que vou fazer operações durante todo o dia e, à noite, estarei exausta.

- Jantaremos cedo. A propósito, vai ser em casa dos meus pais.

Paige hesitou um momento:

- Oh?

- Contei-lhe s tudo sobre ti.

- Está bem - disse Paige. As coisas estavam a andar depressa de mais. Isso deixava-a nervosa.

Quando Paige desligou, pensou: “Não devia estar a fazer isto. Logo à noite estarei demasiado cansada para fazer o que quer que seja a não ser dormir.”

Sentiu vontade de ligar a Jason e cancelar o jantar. “Já é tarde para isso.

Jantaremos cedo.”

Nessa noite, enquanto Paige se vestia, Kat observou:

- Pareces exausta.

- E estou.

- Porque vais sair? Devias ir para a cama. Ou isso é redundante?

- Não. Hoje não.

- Outra vez Jason?

- Sim. Vou conhecer os pais dele.

- Ah! - Kat abanou a cabeça.

- Não é nada disso - disse Paige. “Realmente não é”.

Os pais de Jason moravam numa antiga e encantadora casa, no distrito de Pacific Heights. O pai era um sepuagenário de aspecto aristocrático. A mãe era uma mulher simpática e realista. Fizeram com que Paige se sentisse instantaneamente em casa.

- Jason falou-nos tanto de si - disse a Sra. Curtis.

- Mas não nos disse que era assim tão bonita.

- Obrigada.

Foram para a biblioteca, que estava repleta de miniaturas de construções que Jason e o pai tinham desenhado.

- Cá entre nós, julgo que Jason, o avô e eu somos os responsáveis por grande parte da paisagem de São Francisco - disse o pai de Jason. - O meu filho é um génio.

- É isso que eu estou sempre a dizer a Paige.

Paige riu:

- Acredito. - Os olhos começaram a pesar e ela lutava por mantê-los abertos.

Jason olhava para ela, preocupado:

- Vamos jantar - sugeriu.

Foram para uma ampla sala de jantar. Estava revestida com painéis de madeira e mobilada com antiguidades atrativas e retratos pendurados na parede. Uma criada começou a servir.

O pai de Jason disse:

- Aquela pintura além é o avô de Jason. Todos os edifícios que construiu foram destruídos no terramoto de mil novecentos e seis. É pena. Eram relíquias. Depois do jantar, mostrar-lhe -ei algumas fotografias se…

A cabeça de Paige tombara sobre a mesa. Dormia profundamente.

- Ainda bem que não servi a sopa - disse a mãe de Jason.

Ken Mallory tinha um problema. Assim que se soube no hospital do dinheiro apostado em Kat, as apostas subiram rapidamente para dez mil dólares. Mallory estava tão confiante no êxito que apostara mais do que poderia pagar.

“Se falhar, estou metido num grande sarilho. Mas não.

Chegou o momento de o mestre entrar em aão.” Kat estava a almoçar na cafetaria com Paige e Honey, quando Mallory se aproximou da mesa.

- Posso juntar-me a vocês, doutoras? “Nem senhoras nem meninas. Doutoras. O tipo sensibilizante”, pensou Kat, cinicamente.

- Com certeza. Sente-se - respondeu.

Paige e Honey trocaram olhares.

- Bem, tenho de ir embora - disse Paige.

- Eu também. Até logo.

Mallory viu Paige e Honey retirarem-se.

- Uma manhã muito movimentada? - perguntou.

Disse-o de maneira a parecer que estava preocupado.

- Não são todas? - Kat fez um sorriso acolhe dor e prometedor.

Mallory tinha planejado cuidadosamente a estratégia.

“Vou fazer com que saiba que estou interessado nela como pessoa e não apenas como mulher. Elas detestam que as considerem objeto sexual.

Conversarei com ela sobre medicina. Tenho de levar isto com calma.

Tenho um mês inteiro para a meter no papo.” - Soube da autópsia da senhora Turnball? - começou Mallory.

- A mulher tinha uma garrafa de Coca-Cola no estômago! Imagina como…?

Kat inclinou-se para a frente:

- Tem algum compromisso no sábado à noite, Ken? Mallory foi totalmente apanhado de surpresa:

- O quê?

- Pensei que gostasse de me levar a jantar fora.

Ele quase corou. “Meu Deus!”,, pensou. Venham pedir-me para dar um tiro num peixe dentro de um barril! Ela não é lésbica. A malta diz isso só porque não foi capaz de se meter nela. Bem, eu serei. Na verdade, ela está mesmo a pedir isso! Tentou lembrar-se da pessoa com quem tinha um compromisso no sábado. Sally, a pequena enfermeira da SO. Mas ela pode esperar.” - Nada de importante - disse Mallory. - Gostaria muito de a levar a jantar fora.

Kat poisou uma mão sobre a dele:

- Maravilha! - disse suavemente. - Ficarei ansiosa por isso.

Ele sorriu:

- Eu também. - “Nem sabes quanto, querida. Vales dez mil dólares!”

Nessa tarde, Kat contou tudo a Paige e Honey.

- Ficou de boca aberta! - disse Kat a rir. - Deviam ter visto a cara dele!

Parecia o gato que engoliu o canário.

Paige disse:

- Lembra-te, tu és o gato (kat, em inglês). Ele é o canário.

- Que vais fazer no sábado à noite? - perguntou Honey.

- Alguma sugestão?

- Eu tenho - respondeu Paige.

Eis que No sábado à noite, Kat e Ken Mallory jantaram no Emilio’s,,um restaurante da baía.

Tinha-se arranjado cuidadosamente para ele, usando um vestido de algodão branco a cair pelos ombros.

- Estás sensacional - disse Mallory. Teve o cuidado de dar a entoação certa. “Aprecia mas não pressiones.

Admira mas não sejas sugestivo.”, Mallory estava determinado a ser o mais encantador possível, mas tal não era necessário.

Cedo se tornou óbvio que Kat tencionava impressioná-lo.

Enquanto tomavam uma bebida, Kat disse: -Todos falam da maravilha de médico que tu és, Ken.

- Bem - disse Mallory, modestamente. - Tive um ótimo treino e preocupome muito com os meus doentes. São muito importantes para mim. - A voz soou sincera.

Kat poisou a mão sobre a dele:

- Tenho a certeza disso. Donde és? Quero saber tudo sobre ti. O teu verdadeiro eu.

“Jesus!,”, pensou Mallory. “Essa é a frase que eu emprego.” Não conseguia acreditar o quão fácil iria ser. Era perito em matéria de mulheres. O seu radar conhecia todos os sinais que elas utilizavam. Podiam dizer sim com um olhar, um sorriso, um tom de voz. Os sinais de Kat interferiam no seu radar.

Ela inclinou-se mais para ele e a voz soou rouca:

- Quero saber tudo.

Ele falou de si durante o jantar e, sempre que quis mudar de assunto, Kat dizia:

- Não, não. Quero saber mais. Tiveste uma vida tão fascinante!

Hestá louca por mim”, decidiu Mallory. Nesse momento desejou ter aceite mais apostas. “Se calhar saio vencedor esta noite”, pensou. E teve a certeza disso quando, no momento em que tomavam o café, Kat convidou:

- Queres subir ao meu apartamento para uma última bebida? Bingo!

Mallory pegou-lhe no braço e disse suavemente:

- Gostaria muito.

KA malta estava toda doida”,, decidiu Mallory. “É a maior puta que jamais conheci.,” Tinha a sensação de que estava prestes a ser violado.

Trinta minutos mais tarde entravam no apartamento de Kat.

- Bonito - disse Mallory, olhando em volta. - Muito bonito.

Vives sozinha?

- Não. As doutoras Taylor e Taft vivem comigo.

- Oh! - Pode ouvir o tom desgostoso na voz dele.

Kat fez-lhe um enorme sorriso:

- Mas só chegarão a casa muito mais tarde.

Mallory sorriu:

- Ainda bem.

- Queres beber alguma coisa?

- Gostaria muito. Uísque com água gaseificada, por favor.

- Olhou para Kat enquanto esta se dirigia ao pequeno bar e preparava duas bebidas. “Tem um belo rabo” - pensou Mallory.

“E é muito bonita e eu vou receber dez mil dólares para a meter debaixo de mim.” Riu alto.

Kat voltou-se:

- Qual é a piada?

- Nada. Estava a pensar na sorte que tenho em estar aqui sozinho contigo.

- Eu é que tenho sorte - disse Kat, calorosamente.

Entregou-lhe a bebida.

Mallory ergueu o copo e começou a dizer: - à tu…

Kat interrompeu: - à nossa! - disse.

- Brindo a isso - concordou ele.

Ia dizer “Que tal um pouco de música?”, mas, assim que abriu a boca, Kat perguntou:

- Gostarias de ouvir música?

- Sabes ler o pensamento.

Kat cqlocou um velho disco de Cole Porter. Sorrateiramente, olhou para o relógio e voltou-se para Mallory;

- Gostas de dançar?

Mallory aproximou-se mais dela:

- Depende da pessoa com quem danço. Gostaria de dançar contigo.

Kat meteu-se nos braços dele e ambos começaram a dançar ao som da música lenta e romântica. Ele sentiy o corpo de Kat contra o seu e que estava a excitar-se.

Apertou-a mais e Kat sorriu.

“Chegou o momento da machadada final”, pensou.

- És um amor, sabes? - disse Mallory em voz rouca.

- Quero-te desde o primeiro momento em que te vi.

Kat olhou-o nos olhos:

- Também senti o mesmo em relação a ti, Ken. - Os lábios dele aproximaram-se dos dela, dando-lhe um beijo quente e apaixonado.

- Vamos para o quarto - disse Mallory. Subitamente, estava cheio de pressa.

- Oh, sim!

Pegou no braço de Kat e ela começou a conduzi-lo para o quarto. Nesse momento, a porta de entrada abriu-se e Paige e Honey entraram.

- Olá, pessoal! - disse Paige. Olhou surpreendida para Ken Mallory. - Oh, doutor Mallory! Não esperava vê-lo aqui.

- Bem, eu… eu…

- Fomos jantar fora - disse Kat.

Mallory estava roxo de fúria. Procurou controlar-se.

Voltou-se para Kat e disse:

- Tenho de ir embora. Já é tarde e amanhã tenho muito trabalho.

- Oh. Que pena - disse Kat. Havia um mundo de promessas nos seus olhos.

Mallory perguntou:

- Que tal sairmos amanhã à noite?

- Gostaria muito… - ótimo! - mas não posso.

- Oh! Bem, e na sexta-feira?

Kat franziu as sobrancelhas:

- Deixa ver. Lamento, mas na sexta também não pode ser.

Mallory começava a ficar desesperado:

- Sábado?

Kat sorriu:

- Sábado está ótimo.

Ele concordou, aliviado:

- Muito bem. Então fica para sábado. - Voltou-se para Paige e Honey: - Boa noite.

- Boa noite.

Kat acompanhou Mallory até à porta.

- Sonhos cor-de-rosa - disse suavemente. - Vou sonhar contigo.

Mallory apertou-lhe a mão:

- Acredito em tornar os sonhos realidade. Havemos de compensar o dia de hoje no sábado à noite.

- Mal posso esperar.

Nessa noite, Kat deitou-se na cama a pensar em Mallory.

Odiava-o. Mas, para sua surpresa, tinha gostado da noite.

Estava certa de que Mallory também tinha gostado, apesar do fato de tudo ter sido um jogo. “Se, pelo menos, isto fosse realmente verdade”, pensou Kat, “e não um jogo.” Não fazia ideia o quão perigoso era o jogo.

“Talvez seja do tempo”, pensou Paige, fatigada. Lá fora estava frio e escuro e caía uma chuva cinzenta que deprimia os espíritos. O dia dela tinha começado às seis horas da manhã e estava repleto de problemas constantes.

O hospital parecia estar cheio de smsus e todos se queixavam ao mesmo tempo. As enfermeiras estavam mal-humoradas e desatentas. Tiraram sangue a doentes errados, perderam radiografias que eram urgentes e responderam rudemente aos pacientes. Além disso, havia falta de pessoal, devido a uma epidemia de gripe. Era um daqueles dias.

A única coisa boa foi a chamada telefônica de Jason Curtis.

- Olá - disse alegremente. - Achei que devia telefonar para saber como vão todos os nossos doentes.

- Sobrevivem.

- Há alguma possibilidade para o nosso almoço? Paige riu:

- Que almoço? Se tiver sorte, poderei comer uma sanduíche por volta das quatro da tarde. Isto aqui está bastante agitado.

- Está bem. Não te empato mais. Posso telefonar-te mais tarde?

- Está bem. - “Não há nada de mal nisso.” - Adeus.

Paige trabalhou até à meia-noite sem descansar um só momento e, quando por fim teve sossego, estava demasiado cansada para se mexer. Pensou em ficar no hospital e dormir no quarto dos médicos de serviço, mas era tentadora a lembrança da sua própria cama acolhe dora. Mudou de roupa e dirigiu-se ao elevador.

O Dr. Peterson foi ter com ela.

- Meu Deus! - disse. - Onde está o gato que a encurralou? Paige forçou um sorriso:

- Tenho um aspeto assim tão mau?

- Pior - sorriu Peterson. - Vai agora para casa? Paige abanou a cabeça.

- Tem sorte. Eu entrei agora.

O elevador chegou. Paige manteve-se ali, meio a dormir.

Peterson disse com suavidade:

- Paige?

Ela deu um salto:

- Sim?

- Vai conseguir chegar a casa?

- Claro - murmurou Paige. - E quando lá chegar, vou dormir vinte e quatro horas seguidas.

Dirigiu-se ao parque de estacionamento e entrou no carro.

Manteve-se algum tempo sentada, inerte, pois estava demasiado cansada para ligar a ignição. “Não posso dormir aqui. Vou dormir a casa.”

Paige saiu do estacionamento e dirigiu-se ao apartamento.

Não percebeu que estava a conduzir desordenadamente, até um condutor lhe gritar:

- Eh, sai da estrada, puta bêbeda!

Procurou concentrar-se. “Não posso adormecer… Não posso adormecer.”

Ligou o rádio e subiu o volume.

Quando chegou ao edifício, manteve-se muito tempo sentada no carro até retomar forças suficientes para subir.

Kat e Honey estavam deitadas, a dormir. Paige olhou para o relógio da mesa-de-cabeceira. “Uma da manhã.

Entrou no quarto e começou a despir-se, mas o esforço era excessivo para ela. Deixou-se cair na cama, vestida, e num instante dormia profundamente.

Foi acordada pela campainha insistente de um telefone que parecia estar num planeta muito distante. Paige procurou continuar a dormir, mas a campainha parecia agulhas a penetrarem no cérebro. Ainda tonta, sentou-se e levantou o telefone: - ‘Tá?

- Doutora Taylor?

- Sim. - A voz era apenas um murmúrio.

- O doutor Barker quer que o venha assistir na sala de operações quatro, stat.

Paige engoliu em seco:

- Deve haver um engano - murmurou. - Acabei de sair de serviço.

- Sala de operações quatro. Ele está à espera. - E a linha caiu.

Ainda tonta, Paige sentou-se na borda da cama com a mente nublada pelo sono. Olhou para o relógio da mesa-de-cabeceira.

Quatro e um quarto. Porque é que o Dr. Barker a chamava a meio da noite?

Havia apenas uma resposta. Tinha acontecido algo a um dos seus doentes.

Paige enfiou-se na casa de banho e lavou a cara com água fria. Olhou-se ao espelho e pensou: “Meu Deus! Parece que tenho oitenta anos.

Dez minutos mais tarde, Paige dirigia-se ao hospital.

Ainda estava meio a dormir quando apanhou o elevador até ao quarto andar para ir à SO quatro. Entrou no vestiário e mudou de roupa, depois desinfectou-se e entrou na sala de operações.

Estavam três enfermeiras e um residente a assistirem o Dr.

Barker.

Este levantou a cabeça quando Paige entrou e gritou:

- Por amor de Deus, vestiu uma bata do hospital! Ninguém lhe informou que deve vestir roupa desinfetada numa sala de operações?

Paige ficou abismada, totalmente desperta, de olhos esbugalhados:

- Escute-me - disse, furiosa. - É suposto estar fora de serviço. Vim fazerlhe um favor. Eu não…

- Não discuta comigo - disse o Dr. Barker, bruscamente.

- Chegue aqui e segure neste retrator.

Paige aproximou-se da mesa de operações e olhou para baixo.

Não era seu o doente que ali se encontrava. Era um estranho.

“Barker não tinha motivos para me chamar.

Está a tentar obrigar-me a deixar o hospital. Bem, raios o partam se saio!”

Deitou-lhe um olhar de ódio, pegou no retrator e começou a trabalhar.

Tratava-se de uma operação urgente de enxerto de bypass na artéria coronária. A incisão cutânea já tinha sido feita no centro do tórax até ao esterno, o qual fora separado a meio com uma serra elétrica. O coração e principais vasos sanguíneos estavam expostos.

Paige inseriu o retrator metálico entre os lados cortados do esterno, obrigando-os a afastarem-se. Viu como o Dr. Barker abria habilmente o saco pericárdico, expondo o coração.

Ele apontou para as artérias coronárias:

- Aqui está o problema - disse Barker. - Vamos fazer um enxerto.

Já tinha retirado um longo pedaço de veia de uma perna.

Coseu uma das extremidades à artéria principal que sai do coração. Ligou a outra a uma das artérias coronárias para além da área obstruída, enviando sangue através do enxerto e desviando-o da obstrução.

Paige via um mestre a trabalhar. “Se pelo menos não fosse tão filho da mãe!”, Quando chegou ao fim, Paige estava apenas meio consciente. Assim que a incisão foi cosida, o Dr. Barker virou-se para o pessoal e disse:

- Quero agradecer a todos vós. - Não olhou para Paige.

Esta cambaleou para fora da sala sem dizer uma palavra e dirigiu-se ao gabinete do Dr. Benjamin Wallace.

Wallace acabava de chegar:

- Parece exausta - disse. - Devia ir descansar.

Paige respirou fundo para controlar a fúria:

- Quero ser transferida para outra equipa cirúrgica.

Wallace estudou-a por momentos:

- A senhora foi designada para assistir o doutor Barker, certo?

- Certo.

- Qual é o problema?

- Pergunte-lhe a ele. Odeia-me. Só ficará satisfeito quando me vir daqui para fora. Assistirei qualquer outro médico. Um qualquer.

- Terei uma conversa com ele - respondeu Wallace.

- Obrigada.

Paige deu meia volta e saiu do gabinete. “É melhor que me afastem dele.

Se o vir de novo, mato-o!”

Paige foi para casa e dormiu doze horas seguidas.

Acordou com a sensação de que tinha acontecido algo maravilhoso e depois lembrou-se. “Nunca mais tornarei a ver a Besta!” Conduziu até ao hospital, a assobiar.

Quando Paige percorria o corredor, um empregado aproximou-se dela:

- Doutora Taylor…

- Sim?

- O doutor Wallace quer vê-la no gabinete.

- Obrigada - agradeceu Paige. Tentou imaginar quem seria o novo cirurgião-chefe. “Qualquer um seria um melhoramento”, pensou. Entrou no gabinete de Benjamin Wallace.

- Bem, tem um aspecto muito melhor, Paige.

- Obrigada. Sinto-me muito melhor. - E era verdade.

Sentia-se ótima, com uma enorme sensação de alívio.

- Falei com o doutor Barker.

Paige sorriu:

- Obrigada. Agradeço sinceramente.

- Ele não a liberta.

O sorriso desapareceu:

- O quê?

- Diz que foi designada para a equipa dele e, por isso, terá de permanecer lá.

Não conseguia acreditar no que ouvia:

- Mas porquê? - Ela sabia a resposta. O sádico filho da mãe precisava de um bode expiatório, de alguém a quem humilhar.

- Não vou ficar impávida e serena.

O Dr. Wallace afirmou com tristeza:

- Lamento, mas não tem outra escolha possível. A não ser que queira deixar o hospital. Quer pensar nisso? Paige não precisava de pensar:

- Não. - Não ia deixar que o Dr. Barker a obrigasse a desistir. Esse era o plano dele. - Não - repetiu lentamente.

- Eu fico.

- Muito bem. Então é assunto arrumado.

“Não por muito tempo”, pensou ela. “Hei-de descobrir uma maneira de o fazer pagar por isto.”

No vestiário dos médicos, Ken Mallory preparava-se a iniciar a ronda.

Entrou o Dr. Grundy e três outros.

- Eis o nosso homem! - disse Grundy. - Como vai, Ken?

- Bem - respondeu Mallory.

Grundy voltou-se para os outros:

- Não tem ar de ter estado em cima de alguém, tem? - E, voltando-se de novo para Mallory: - Espero que tenha o nosso dinheiro de lado. Estou a pensar comprar um carro pequeno.

Um outro médico acrescentou:

- Eu vou comprar roupas novas.

Mallory abanou piedosamente a cabeça:

- Eu não contaria com isso, seus palermas. Preparem-se para me pagar!

Grundy estudou-o e perguntou:

- O que quer isso dizer?

- Se ela é lésbica, eu sou eunuco. Ela é a maior puta que eu conheci. Na outra noite, quase tive de a afastar de mim! Os homens olharam uns para os outros, preocupados.

- Mas já a meteste na cama?

- A única razão por que não o fiz, meus amigos, foi porque fomos interrompidos a caminho do quarto. Vou sair com ela no sábado à noite e é assunto arrumado. - Mallory acabou de se vestir. - Agora, cavalhe iros, se me permitem…

Uma hora mais tarde, Grundy encontrou-se com Kat no corredor.

- Tenho andado à sua procura - disse. Parecia zangado.

- Alguma coisa errada?

- É aquele filho da mãe do Mallory. Está tão seguro de si que diz a todos que vai conseguir levá-la para a cama no sábado à noite.

- Não se preocupe - disse Kat, implacavelmente.

- Ele vai perder.

Nesse sábado à noite, quando Ken Mallory foi buscar Kat, ela usava um vestido curto que acentuava o seu corpo volupuoso.

- Estás linda - disse com admiração.

Colocou os braços à volta dele:

- Quero estar bonita para ti - disse, colando-se a ele.

“Meu Deus, ela quer mesmo!” Quando Mallory falou, a voz soou rouca:

- Olha, Kat. Tive uma ideia. Antes de irmos jantar, porque não vamos para o quarto e…

Ela tocava-lhe no rosto:

- Oh, querido, quem me dera podermos. Paige está em casa.

Na verdade, a amiga estava no hospital, a trabalhar.

- Oh.

- Mas depois do jantar… - Deixou que a sugestão pairasse no ar.

- Sim?

- Podíamos ir para sua casa.

Mallory abraçou-a e beijou-a:

- Que bela ideia!

Levou-a ao Iron Horse, onde jantaram deliciosamente.

Apesar de tudo, Kat estava a divertir-se muito. Ele era encantador, divertido e muito atraente. Parecia genuinamente interessado em saber tudo sobre ela. Sabia que a estava a adular, mas o olhar fazia com que os elogios parecessem reais.

“Se eu não soubesse bem…”, Mallory mal tocou na comida.

Só conseguia pensar: “Dentro de duas horas ganharei dez mil dólares…

Dentro de uma hora ganharei dez mil dólares…

Dentro de trinta minutos…”

Terminaram o café.

- Estás pronta? - perguntou Mallory.

Kat poisou a mão sobre a dele:

- Nem sabes como, querido. Vamos.

Apanharam um táxi até ao apartamento de Mallory.

- Estou louco por ti - murmurou ele. - Nunca conheci ninguém como tu.

E ela lembrou-se de Grundy: “Está tão seguro de si que diz que a vai meter na cama no sábado à noite.” Quando chegaram ao apartamento, Mallory pagou ao taxista e conduziu Kat até ao elevador. Teve a sensação de que este nunca mais chegava ao seu apartamento. Abriu a porta e disse impacientemente:

- Chegámos.

Kat entrou.

Era um vulgar apartamento de solteiro, que necessitava desesperadamente do toque de uma mulher.

- Oh, é bonito - suspirou Kat. Virou-se para Mallory. - É a sua pessoa.

Ele sorriu:

- Vou mostrar-te o nosso quarto. Vou pôr música.

Quando se aproximou da aparelhagem de som, Kat olhou para o relógio. A voz de Barbra Streisand encheu a sala.

Mallory pegou na mão dela e disse:

- Vamos, querida.

- Espera um pouco - disse Kat, suavemente.

Olhou confuso para ela:

- Para quê?

- Quero apenas aproveitar este momento contigo.

Percebes, antes de…

- Porque não aproveitamos no quarto?

- Gostaria de beber qualquer coisa.

- Beber? - Tentou esconder a impaciência. - Tens razão, o que preferes?

- Um vodca com água tónica, por favor.

Ele sorriu:

- Acho que se pode arranjar - disse, dirigindo-se ao pequeno bar e, apressadamente, preparou duas bebidas.

Kat olhou de novo para o relógio.

Mallory regressou com as bebidas e entregou uma a Kat.

- Aqui está, querida. - Ergueu o copo: - Ao nosso encontro.

- Ao nosso encontro - disse Kat, molhando os lábios na bebida. - Oh, meu Deus.

Olhou para ela, abismado:

- Qual é o problema?

- Isto é vodca!

- Foi o que pediste.

- Pedi? Desculpa. Detesto vodca! - E afagou-lhe o rosto.

- Posso beber um uísque com água gaseificada?

- Claro. - Engoliu em seco e foi de novo até ao bar para preparar outra bebida.

Kat olhou outra vez para o relógio.

Ken Mallory regressou:

- Toma.

- Obrigada, querido.

Deu dois goles. Mallory tirou-lhe o copo da mão e poisou-o na mesa.

Colocou os braços em volta dela e abraçou-a com força, permitindo que ela sentisse que estava excitado.

- Bem - disse Ken, suavemente -, vamos fazer história.

- Oh, sim! - disse Kat. - Sim!

Deixou-se conduzir até ao quarto.

“Consegui!”, regozijou-se Mallory. “Consegui! Aqui vão as muralhas de Jericó!” Voltou-se para Kat.

- Despe-te, querida.

- Despe-te tu primeiro, querido. Quero ver-te a despir. Isso excita-me.

- Sim? Bom, está bem.

Enquanto Kat ficou a vê-lo, Mallory tirou lentamente a roupa. Primeiro o casaco, depois a camisa e a gravata, a seguir os sapatos e as meias e por fim as calças. Possuía a figura típica de um atleta.

- Isto excita-te, querida?

- Oh, sim. Agora tira as cuecas.

Lentamente, Mallory deixou cair a cueca para o chão.

Tinha uma ereão túrgida.

- Que beleza - disse Kat.

- Agora é a sua vez.

- Certo.

E nesse momento o telebip de Kat começou a tocar.

Mallory ficou espantado:

- Que raio…

- Estão a chamar-me - disse Kat. - Posso usar o teu telefone?

- Agora?

- Sim. Deve ser uma urgência.

- Agora? Isso não pode esperar?

- Querido, conheces bem as regras.

- Mas…

Sob o olhar de Mallory, Kat aproximou-se do telefone e discou um número.

- Doutora Hunter. - Calou-se. - Verdade? Claro.

Vou já para aí.

Mallory olhava para ela, estupefato:

- O que é que se passa?

- Tenho de ir ao hospital, meu anjo.

- Agora?

- Sim. Um dos meus doentes está a morrer.

- Ele não pode esperar até…?

- Desculpa. Faremos isto uma outra noite.

Ken Mallory permaneceu ali, completamente nu, a ver Kat deixar o seu apartamento e, quando a porta se fechou, pegou no copo dela e atirou-o contra a parede. “Puta… puta… puta…”.

Quando Kat regressou ao apartamento, Paige e Honey estavam ansiosas à sua espera.

- Como é que correu? - perguntou Paige. - Cheguei a tempo? Kat deu uma gargalhada:

- Chegaste na hora agá!

Começou a descrever a noite. Quando chegou ao momento referente a Mallory, todo nu no quarto, ereto, desataram a rir até às lágrimas.

Kat teve a tentação de lhe s contar que realmente gostara de Ken Mallory, mas sentiu que seria uma tolice. Afinal, ele só tinha saído com ela para ganhar uma aposta.

Por qualquer razão, Paige pareceu ter percebido o que Kat estava a sentir.

- Tem cuidado com ele, Kat.

Kat sorriu:

- Não te preocupes. Mas admito que se não tivesse sabido da aposta… Ele é venenoso, mas o seu veneno é agradável.

- Quando vais voltar a vê-lo? - perguntou Honey.

- Vou dar-lhe uma semana para acalmar os ânimos.

Paige estudou-a e perguntou:

- A ele ou a ti?

A limusina preta de Dinetto esperava por Kat, à frente do hospital. Desta vez, o Sombra estava sozinho. Kat desejou que Rhino lá estivesse. Havia algo n’o Sombra que a deixava petrificada. Nunca sorria e raramente falava, mas transpirava perigo.

- Entre - disse quando Kat se aproximou do carro.

- Olhe - disse Kat, indignada -, diga ao senhor Dinetto que ele não me pode dar ordens. Não trabalho para ele. Só porque lhe fiz um favor uma vez…

- Entre. Pode dizer-lhe isso pessoalmente.

Kat hesitou. Seria fácil afastar-se e não se envolver mais, mas até que ponto isso iria afetar Mike? Kat entrou no carro.

Desta vez a vítima tinha sido muito espancada e chicotiada com uma corrente. Lou Dinetto estava ali com ele.

Kat olhou para o doente e disse:

- Têm de o levar imediatamente para o hospital.

- Kat - disse Dinetto -, tem de o tratar aqui.

- Porquê? - perguntou Kat. Mas sabia a resposta e isso deixava-a aterrorizada.

Era um daqueles belos dias de São Francisco em que corria magia no ar. O vento noturno tinha afastado as nuvens de chuva, produzindo uma bonita e radiosa manhã de domingo.

Jason tinha combinado ir buscar Paige ao apartamento.

Quando lá chegou, ficou surpreendido ao perceber o quanto ficara satisfeita de o ver.

- Bom dia - disse Jason. - Estás linda.

- Obrigada.

- Que gostarias de fazer hoje?

Paige respondeu:

- A cidade é tua. Tu indicas, eu sigo.

- De acordo.

- Se não te importas - pediu Paige -, gostaria de fazer uma breve paragem no hospital.

- Pensei que fosse o teu dia de folga.

- E é, mas há um doente que me deixa preocupada.

- Não há problema. - Jason levou-a ao hospital.

- Não me demoro - prometeu Paige quando saiu do carro - Fico aqui à sua espera.

Paige dirigiu-se ao terceiro andar e entrou no quarto de Jimmy Ford. Ainda estava em coma, ligado a uma série de tubos que o alimentavam por via intravenosa.

Estava também uma enfermeira. Levantou a cabeça quando Paige entrou.

- Bom dia, doutora Taylor.

- Bom dia. - Paige aproximou-se da cabeceira da cama. - Houve alguma alteração?

- Até agora, nenhuma.

Paige tomou a pulsação de Jimmy e escutou a batida cardíaca.

- Já passaram várias semanas - disse a enfermeira, - Isto está mal, não está?

- Ele irá sair do coma - disse Paige com firmeza.

Voltou-se para o vulto inconsciente que estava na cama e disse em voz alta: - Ouve-me? Vai ficar bom! - Não houve reaão.

Fechou os olhos por momentos e rezou baixinho: “Dê-me imediatamente um sinal se houver alguma hipótese.” - Sim, doutora.

“Ele não vai morrer” pensou Paige. “Não o deixarei morrer…”

Jason saiu do carro quando viu Paige aproximar-se.

- Está tudo bem?

Não havia motivo para o incomodar com os seus problemas.

- Tudo bem - respondeu Paige.

- Hoje, vamos fazer de conta que somos verdadeiros turistas - disse Jason. - Existe uma lei estatal que diz que todos os tours têm de começar no Fisherman’s Wharf.

Paige sorriu:

- Não devemos ir contra a lei.

Fisherman’s Wharf era como um carnaval ao ar livre.

Estava repleto de artistas de rua que trabalhavam a todo o gás. Havia mimos, palhaços, dançarinos e músicos. Os vendedores ambulantes vendiam caldeirões fumegantes de caranguejos Dungeness e ensopado de marisco com pão fresco.

- Não há lugar como este em todo o mundo - disse jason, calorosamente.

Paige emocionou-se com o entusiasmo dele. Já tinha estado no Fisherman’s Wharf e na maioria dos outros lugares turísticos de São Francisco, mas não queria estragar a alegria dele.

- Já andaste de elétrico? - perguntou Jason.

- Não. - “Não desde a semana passada.” - Não tens vivido! Anda daí.

Foram até à Power Street e entraram num elétrico.

Assim que começou a subir a rampa, Jason disse:

- Isto era conhecido por Hallidie’s Folly. Ele construiu-o em mil oitocentos e setenta e três.

- E aposto que disseram que não iria durar! Jason riu:

- Exato. Quando frequentei o liceu, trabalhava aos fins-de-semana como guia turístico.

- Tenho a certeza que eras bom.

- O melhor. Gostarias de ouvir alguns dos meus discursos?

- Gostaria muito.

Jason adopou o tom nasalado de um guia turístico:

- Senhoras e senhores, para vossa informação, a rua mais antiga de São Francisco é a Grant Avenue, a mais comprida é a Mission Street (com onze quilómetros de comprimento), a mais larga é a Van Ness Avenue, com trinta e oito metros, e ficarão surpreendidos quando souberem que a mais estreita, DeForest Street, tem apenas um metro e meio de largura. Exato, senhoras e senhores, um metro e meio. A rua mais íngreme que podemos oferecer-lhe s é a Filbert Street, com uma inclinação de trinta e oito por cento. - Olhou para Paige e sorriu.

- Estou espantado por ainda me lembrar de tudo isto.

Quando desceram do elétrico, Paige olhou para Jason e sorriu:

- Onde vamos a seguir?

- Vamos dar um passeio de carruagem.

Dez minutos mais tarde, estavam sentados numa carruagem puxada a cavalo, que os transportou desde Fisherman’s Wharf a Ghirardelli Square e a North Beach. Durante o trajeto, Jason indicou os lugares de maior interesse e Paige ficou admirada consigo própria por estar a divertir-se tanto. “Não te deixes levar.”

Subiram a Coit Tower para verem a cidade de cima.

Enquanto subiam, Jason perguntou:

- Tens fome?

O ar puro fez Paige sentir muita fome.

- Sim.

- Ainda bem. Vou levar-te a um dos melhores restaurantes chineses do mundo: o Tommy Toy’s.

Paige já tinha ouvido o pessoal do hospital falar dele.

A refeição acabou por ser um banquete. Começaram com pedaços de lagosta e molho picante e sopa de marisco agridoce. A seguir comeram bifes de frango com puré de ervilhas e nozes, vitela com molho Szechuan e arroz frito de quatro sabores.

Como sobremesa, mousse de pêssego.

A comida estava maravilhosa.

- Vens aqui muitas vezes? - perguntou Paige.

- Sempre que posso.

Havia uma qualidade juvenil em Jason que Paige achou muito atraente.

- Dize-me - pediu Paige -, quiseste desde sempre ser arquiteto?

- Não tive outra escolha - respondeu Jason, a sorrir.

- Os meus primeiros brinquedos foram conjuntos Eretor. É tão bom sonhar com alguma coisa e depois ver esse sonho transformar-se em cimento, tijolos e pedras e erguer-se para o céu para fazer parte da cidade onde vives.

“Vou construir-te um Taj Mahal. Não importa o tempo que levar!” - Sou um dos sortudos, Paige, pois passo a vida a fazer aquilo que gosto.

Quem foi que disse que “Grande parte das pessoas vivem uma vida de desespero abafado”? “Faz-me lembrar muitos dos meus doentes”, pensou Paige.

- Não existe mais nada que queira fazer, nem nenhum outro lugar onde queira viver. Esta é uma cidade fabulosa. - A voz estava cheia de entusiasmo. - Tem tudo o que uma pessoa pode querer. Nunca me canso dela.

Paige estudou-o por um momento, divertindo-se com o entusiasmo dele.

- Nunca te casaste?

Jason encolhe u os ombros:

- Uma vez. Éramos ambos demasiado jovens. Não resultou.

- Lamento.

- Não tens de lamentar. Ela casou-se com um fabricante muito rico de carne enlatada. Já foste casada? “Também vou ser médico, quando crescer.

Havemos de nos casar e trabalharemos juntos.” - Não.

Fizeram um passeio de barco pela baía, passando sob a Golden Gate e a Bay Bridge. Jason assumiu de novo a voz de guia turístico.

- E ali está, senhoras e senhores, a Prisão de Alcatraz, antiga residência de alguns dos criminosos mais abomináveis do mundo: Machine Gun Kelly, Al Capone e Robert Stroud, mais conhecido por Birdman! “Alcatraz” significa pelicano em espanhol. Originariamente chamava-se Isla de los Alcatraces, nome dos pássaros que constituíam os únicos habitantes. Sabes porque tinham diariamente banho quente para os prisioneiros?

- Não.

- Para que não se habituassem à água fria da baía quando tentavam fugir.

- Isso é verdade? - perguntou Paige.

- Já alguma vez te menti?

A tarde estava quase no fim, quando Jason disse: -Já foste ao Noe Valley?

- Não - disse Paige.

- Gostaria de to mostrar. Antigamente eram quintas e riachos. Agora está cheio de casas vitorianas de cores vivas e jardins. As casas são muito velhas, pois foi praticamente a única zona que sobreviveu ao terramoto de mil novecentos e seis.

- Parece bonito.

Jason hesitou:

- Vivo lá. Queres lá ir? - Ele reparou na reaão de Paige.

- Paige, estou apaixonado por ti.

- Nós mal nos conhecemos. Como podes…?

- Soube-o desde o momento em que disseste “Não sabe que é suposto vestir uma bata branca durante as rondas?” Foi nesse momento que me apaixonei por ti.

- Jason…

- Acredito firmemente no amor à primeira vista.

O meu avô viu a minha avó a andar de bicicleta no parque e seguiu-a; casaram-se três meses depois. Viveram juntos durante cinquenta anos, até ele morrer. O meu pai viu a minha mãe a atravessar uma rua e soube que seria a sua mulher. Estão casados há quarenta e cinco anos. Como vês, é um mal de família. Quero casar-me contigo.

Tinha chegado o momento da verdade.

Paige olhou para Jason e pensou: “É o primeiro homem por quem me sinto atraída desde Alfred. É adorável, inteligente e genuíno. É tudo o que uma mulher pode desejar num homem. O que é que se passa comigo? Estou presa a um fantasma.” No entanto, bem no íntimo, ainda tinha a sensação de que um dia Alfred iria voltar para ela.

Olhou para Jason e tomou uma decisão:

- Jason…

Nesse momento, o telebip de Paige começou a tocar.

- Paige…

- Tenho de encontrar um telefone. - Dois minutos mais tarde, falava com o hospital.

Jason viu o rosto de Paige empalidecer.

Gritava para o telefone:

- Não! Decididamente, não! Diga-lhe s que vou já para aí.

- E desligou.

- O que é que se passa? - perguntou Jason.

Voltou-se para ele, com os olhos cheios de lágrimas.

- É Jimmy Ford, meu doente. Vão desligar a máquina. Vão deixá-lo morrer.

Quando Paige chegou ao quarto de Jimmy Ford, havia três pessoas além do paciente deitado, em coma: George Englund, Benjamin Wallace e um advogado, Silvester Damone.

- O que é que se passa aqui? - perguntou Paige.

Benjamin Wallace respondeu:

- Na reunião da Comissão de Ética hospitalar desta manhã, foi decidido que Jimmy Ford não tem salvação.

Decidimos retirar…

- Não! - disse Paige. - Não podem! Eu sou a médica dele.

Digo que ele tem hipóteses de sair do coma! Não o vamos deixar morrer.

Silvester Damone interviu:

- Não cabe a si tomar essa decisão, doutora.

Paige olhou para ele com ar de desafio:

- Quem é o senhor?

- Sou o advogado da família. - Puxou um documento e entregou-o a Paige.

- Este é o testamento de Jimmy Ford. Ele sublinha que, se sofrer de um trauma perigoso, não quer ser mantido vivo através de meios mecânicos.

- Mas eu tenho controlado o estado dele - implorou Paige.

- Está estável desde há semanas. Pode sair do coma a qualquer momento.

- Garante isso? - perguntou Damone.

- Não, mas…

- Então terá de fazer o que lhe foi ordenado, doutora.

Paige “olhou para Jimmy:

- Não! Terão de esperar um pouco mais.

O advogado disse persuasivamente:

- Doutora, tenho a certeza que manter os doentes aqui o mais possível beneficia o hospital, mas a família não tem meios para pagar durante mais tempo as despesas hospitalares.

Ordeno-lhe agora que desligue a máquina.

- Só mais um ou dois dias - pediu Paige, desesperada -, e tenho a certeza de que…

- Não - disse Damone, firmemente. - Hoje.

George Englund voltou-se para Paige:

- Lamento, mas parece que não temos outra alternativa.

- Obrigado, doutor - disse o advogado. - Tenho a certeza de que cumprirá o seu dever. Vou comunicar à família que isso será feito imediatamente, para que possam começar a tratar dos preparativos para o funeral. - Voltouse para Benjamin Wallace: - Obrigado pela sua cooperação. Bom dia.

Viram-no abandonar o quarto.

- Não podemos fazer isto a Jimmy! - protestou Paige.

O Dr. Wallace aclarou a voz:

- Paige…

- E se o tirarmos daqui e escondermos noutro quarto? Deve haver alguma coisa que deixámos escapar. Algo que…

Benjamin Wallace disse:

- Isto não é um pedido. É uma ordem. - Virou-se para George Englund: - Quer ser o senhor a…?

- Não! - disse Paige. - Eu… faço-o.

- Muito bem.

- Se não se importam, gostaria de ficar a sós com ele.

George Englund apertou-lhe o braço:

- Lamento, Paige.

- Eu sei.

Paige viu os dois homens abandonarem o quarto.

Ficou sozinha com o rapaz inconsciente. Olhou para a máquina que o mantinha vivo e para os tubos que alimentavam o seucorpo. Era tão simples desligar a máquina e acabar com uma vida… Mas ele tinha tido sonhos tão lindos, esperanças tão boas.

“Um dia serei médico. Quero ser como a senhora. Sabia que me vou casar?… O nome dela é Betsy… Vamos ter meia dúzia de filhos. A primeira menina chamar-se-á Paige.” Tinha tanto por que viver.

Paige permaneceu ali a olhar para ele, as lágrimas a correrem pela cara.

- Maldito sejas! - disse. - Não és um lutador! - Agora estava exaltada. - O que aconteceu aos teus sonhos? Pensei que quisesses ser médico!

Responde-me! Estás a ouvir? Abre os olhos! - Olhou para a figura pálida.

Não havia reaão. - Desculpa - disse Paige. - Peço mil desculpas. - Ajoelhou-se para lhe dar um beijo na face e, quando lentamente se endireitou, estava a olhar para os seus olhos abertos.

- Jimmy! Jimmy!

Ele pestanejou e tornou a fechar os olhos. Paige apertou-lhe a mão.

Inclinou-se para a frente e disse entre os soluços: -Jimmy, sabes daquela sobre o doente que era alimentado por via intravenosa? Pediu ao médico uma garrafa extra. Tinha um convidado para o almoço!

Honey estava mais feliz do que nunca. Poucos eram os médicos que tinham uma relação tão calorosa com os doentes como ela.

Preocupava-se com eles, genuinamente.

Trabalhava nas alas de geriatria, pediatria e em muitas outras e o Dr.

Wallace fez com que lhe dessem trabalhos que a mantivessem afastada de caminhos perigosos. Queria ter a certeza de que ela permanecia no hospital e estava à sua disposição.

Honey invejava as enfermeiras. Eram capazes de cuidar dos doentes sem se preocuparem com a maior parte das decisões médicas. “Nunca quis ser médica”, pensou Honey. “Sempre quis ser enfermeira. Não existem enfermeiras na família Taft.” à tarde, quando Honey saía do hospital, ia fazer compras à Bay Company e Streetlight Records e adquiria presentes para as crianças da pediatria.

- Adoro crianças - disse a Kat.

- Tencionas ter uma família grande?

- Um dia - respondeu Honey, melancólica. - Primeiro terei de encontrar o pai delas.

Um dos doentes favoritos de Honey da ala de geriatria era Daniel McGuire, um homem alegre com cerca de noventa anos e que sofria de uma doença hepática. Quando jovem, fora apostador e gostava de fazer apostas com Honey:

- Aposto cinquenta cêntimos em como a enfermeira vai atrasar-se com o pequeno-almoço; aposto um dólar em como vai chover esta tarde; aposto que os Giants vão ganhar.

Honey aceitava sempre as apostas dele.

- Aposto dez contra um em como vou vencer esta coisa - disse.

- Desta vez não vou apostar contra - disse-lhe Honey.

- Estou do seu lado.

Pegou na mão dela:

- Eu sei que está. - Sorriu. - Se fosse alguns meses mais novo…

Honey riu:

- Não faz mal. Gosto de homens mais velhos.

Uma manhã, chegou ao hospital uma carta para ele.

Honey levou-a ao quarto.

- É capaz de a ler, por favor? - Já não conseguia ler.

- Claro - respondeu Honey. Abriu o sobrescrito, passou os olhos pela carta e deu um grito: - Ganhou a lotaria! Cinquenta mil dólares! Parabéns!

- Esta agora! - gritou. - Sempre soube que um dia iria ganhar a lotaria! Dême um abraço.

Honey inclinou-se e deu-lhe um abraço.

- Sabe uma coisa, Honey? Sou o homem mais sortudo do mundo.

Nessa tarde, quando Honey foi visitá-lo de novo, ele tinha falecido.

Perdera a aposta mais importante da sua vida.

Honey encontrava-se na sala de reuniões dos médicos quando o Dr.

Stevens entrou:

- Está aí uma Virgem?

Um dos médicos deu uma gargalhada:

- Se quer dizer uma virgem, duvido.

- Uma virgem - repetiu Stevens. - Preciso de uma virgem.

- Eu sou virgem - disse Honey. - Qual é o problema? Aproximou-se dela:

- O problema é que tenho uma maldita maníaca nas minhas mãos. Não deixa ninguém aproximar-se dela a não ser uma virgem.

Honey levantou-se:

- Vou vê-la.

- Obrigado. O nome dela é Frances Gordon. Frances Gordon tinha sido submetida a uma correão da anca. Assim que Honey entrou no quarto, a mulher levantou a cabeça e disse:

- Você é Virgem. Nasceu no vértice, certo? Honey sorriu:

- Certo.

- Os aquários e os leões não sabem o que fazem.

Tratam dos doentes como se estivessem a tratar de carne.

- Aqui os médicos são muito bons - protestou Honey.

- Eles…

- Ah! A maioria exerce medicina pelo dinheiro. - Examinou melhor Honey:

- Você é diferente.

Honey olhou para o gráfico aos pés da cama e mostrou ficar surpreendida.

- O que se passa? Para onde está a olhar?

Honey pestanejou:

- Diz aqui que a senhora é uma… uma médium.

Frances Gordon anuiu:

- Exato. Não acredita em médiuns?

Honey abanou a cabeça:

- Lamento, mas não.

- É pena. Sente-se um minuto.

Honey puxou uma cadeira.

- Deixe-me pegar na sua mão.

Honey abanou a cabeça:

- Eu realmente não…

- Vamos lá, dê-me a sua mão.

Com relutância, Honey estendeu-lha.

Frances Gordon segurou-a por momentos e fechou os olhos.

Quando os abriu, disse:

- Tem tido uma vida difícil, não tem? “Todos têm tido uma vida difícil”, pensou Honey.

E A seguir vai dizer-me que vou atravessar a água.” - Tem-se servido de muitos homens, não tem? Honey sentiu-se rígida.

- Houve uma espécie de mudança em si… muito recentemente…, não houve?

Honey só queria sair do quarto. A mulher estava a pô-la nervosa.

Começou a afastar-se.

- Você vai-se apaixonar.

Honey disse:

- Lamento, mas tenho de…

- Ele é artista.

- Não conheço nenhum artista.

- Irá conhecer. - Frances Gordon soltou a mão. - Venha ver-me mais tarde - ordenou.

- Claro.

Honey fugiu.

Honey foi fazer uma visita à Sra. Owens, uma nova doente, uma mulher magra que aparentava ter quarenta e muitos anos. O gráfico dizia que tinha vinte e nove. Tinha o nariz partido e os olhos roxos e o rosto estava inchado e cheio de nódoas negras.

Honey aproximou-se da cama:

- Sou a doutora Taft.

A mulher olhou para ela, com olhos mortiços e sem expressão.

Manteve-se calada.

- O que é que lhe aconteceu?

- Caí das escadas.

Quando abriu a boca, viu-se um espaço onde faltavam dois dentes.

Honey olhou para o gráfico:

- Diz aqui que tem duas costelas partidas e a bacia fraturada.

- Sim. Caí mal.

- Como é que ficou com os olhos roxos?

- Quando caí.

- É casada?

- Sim.

- Tem filhos?

- Dois.

- O que é que o seu marido faz?

- Vamos deixar o meu marido fora disto, está bem?

- Lamento, mas não está bem - disse Honey. - Foi ele quem lhe bateu?

- Ninguém me bateu.

- Vou ter de preencher o relatório da polícia.

Subitamente, a Sra. Owens entrou em pânico:

- Não! Por favor não faça!

- Porque não?

- Ele mata-me! A senhora não o conhece!

- Ele já lhe tinha batido antes?

- Sim, mas… não é intenção dele. Fica bêbedo e perde a cabeça.

- Porque é que o não deixou?

A Sra. Owens encolhe u os ombros e o movimento causou-lhe dor.

- Eu e os meus filhos não temos para onde ir.

Honey ouvia, furiosa:

- Sabe, não tem de suportar isso. Existem abrigos e agências que cuidarão de si e protegerão as crianças.

A mulher abanou a cabeça em desespero:

- Não tenho dinheiro. Perdi o meu emprego de secretária quando ele começou… - Não conseguiu continuar.

Honey apertou-lhe a mão:

- A senhora vai ficar boa. Vou arranjar alguém para cuidar de si.

Cinco minutos mais tarde, Honey entrava no gabinete de Benjamin Wallace. Este ficou feliz quando a viu. Imaginou o que teria ela trazido desta vez. Das outras vezes tinha trazido mel quente, água quente, chocolate derretido e - o seu favorito - xarope de bordo. A ingenuidade dela era ilimitada.

- Tranca a porta, querida.

- Não posso ficar, bem. Tenho de regressar.

Contou-lhe tudo sobre a doente.

- Terás de preencher o relatório da polícia - disse Wallace.

- É de lei.

- A lei não a protegeu antes. Olha, tudo o que ela quer é afastar-se do marido. Trabalhou como secretária.

Não disseste que precisavas de outra secretária para o arquivo?

- Bem, sim, mas… espera um minuto!

- Obrigada - disse Honey. - Vamos tratar dela e encontrar-lhe um lugar para viver, e irá ter um novo emprego! Wallace suspirou:

- Vou ver o que posso fazer.

- Sabia que podia contar contigo - disse Honey.

Na manhã seguinte, Honey foi ver a Sra. Owens.

- Como se sente hoje? - perguntou Honey.

- Melhor, obrigada. Quando posso ir para casa? O meu marido não gosta que eu…

- O seu marido não a vai arreliar mais - disse Honey, com firmeza. - Ficará aqui até lhe arranjarmos um lugar para si e para os seus filhos e, quando estiver suficientemente bem, irá trabalhar aqui no hospital.

A paciente olhou para ela, incrédula:

- Isso é… mesmo verdade?

- Totalmente. Irá ter o seu próprio apartamento para morar com seus filhos.

Não tem de suportar o horror em que tem vivido e terá um emprego decente e respeitável.

A Sra. Owens apertou a mão a Honey:

- Nem sei como agradecer - murmurou. - Nem calcula o que tenho passado.

- Faço uma ideia - disse Honey. - A senhora vai ficar boa.

A mulher anuiu com a cabeça, pois estava demasiado chocada para falar.

No dia seguinte, quando Honey foi ver de novo a Sra. Owens, o quarto estava vazio.

- Onde está ela? - perguntou Honey.

- Oh - disse a enfermeira -, saiu esta manhã com o marido.

Ouviu o seu nome no sistema de altofalantes.

- Doutora Taft… Quarto duzentos e quinze… Doutora Taft… Quarto duzentos e quinze.

No corredor, Honey encontrou-se com Kat.

- Como corre o teu dia? - perguntou Kat.

- Não acreditarias! - respondeu Honey.

O Dr. Ritter estava à sua espera no quarto 215. Na cama encontrava-se um indiano de vinte e muitos anos.

Ritter perguntou-lhe:

- Este doente é seu?

- Sim.

- Diz aqui que ele não fala inglês. Certo?

- Sim.

Mostrou-lhe o gráfico:

- E esta caligrafia é sua? Vómitos, cãibras, sede, desidratação…

- Exato - disse Honey. - ausência de pulsação periférica…

- Sim.

- E qual foi o seu diagnóstico?

- Constipação do estômago.

- Fez uma análise às fezes?

- Não. Para quê?

- Porque o seu doente tem cólera, é só por isso! - disse aos gritos. - Vamos ter de fechar a merda do hospital!

- Cólera? Estás a dizer-me que este hospital tem um doente com cólera? - perguntou Benjamin Wallace, aos gritos.

- Temo que sim.

- Estás absolutamente certo disso?

- Sem dúvida alguma - asseverou o Dr. Ritter. - As fezes dele estão infestadas de vibriões. Tem o pH arterial muito baixo, como hipotensão, taquicardia e cianose.

Por lei, todos os casos de cólera e outras doenças infecciosas têm de ser imediatamente comunicadas ao Serviço Nacional de Saúde e ao Centro de Controlo de Doenças, em Atlanta.

- Vamos ter de o comunicar, bem.

- Eles vão fechar o hospital. - Wallace levantou-se e começou a andar de um lado para o outro. - Não podemos permitir que isso aconteça. Que Deus me castigue se puser todos os doentes deste hospital sob quarentena. - Por momentos parou de andar. - O doente sabe o que tem?

- Não. Não fala inglês. É da índia.

- Quem tem estado em contato com ele?

- Duas enfermeiras e a doutora Taft.

- E a doutora Taft diagnosticou uma constipação de estômago?

- Exato. Suponho que a vai mandar embora.

- Bem, não - disse Wallace. - Qualquer um pode errar. Não nos vamos precipitar. O gráfico do doente diz que tem constipação de estômago?

- Sim.

Wallace tomou uma decisão:

- Vamos deixar tudo como está. Ouve bem o que quero que faças. Começa a hidratar por via intravenosa… utiliza a solução láctea de Ringer. Dá-lhe também tetraciclina. Se conseguirmos normalizar imediatamente o volume sanguíneo e os líquidos, ficará perto dos níveis normais dentro de poucas horas.

- Não vamos comunicar isto? - perguntou o outro.

Wallace olhou bem para ele:

- Comunicar um caso de constipação de estômago?

- E relativamente às enfermeiras e à doutora Taft?

- Dá-lhe s também tetraciclina. Como se chama o doente?

- Pandit Jawah.

- Põe-no de quarentena durante quarenta e oito horas. Nessa altura estará curado ou morto.

Honey estava em pânico. Foi procurar Paige.

- Preciso da sua ajuda.

- Qual é o problema?

Honey contou-lhe:

- Gostaria que falasses com ele. Não fala inglês e tu falas indiano.

- Hindi.

- Seja o que for. Falas com ele?

- Claro que sim.

Dez minutos mais tarde, Paige conversava com Pandit Jawah.

- Aap ki tabyat kaisi hai?

- Karab bai.

- Aap jald acha ko kum kardenge.

- Bhagzean aap ki soney ga.

- Aap ka ilaj jalb shuroo kardenge - Shukria.

- Dost kiss liay hain?

Paige levou Honey para o corredor.

- O que é que ele disse?

- Disse que se sente muito mal. Eu disse-lhe que iria ficar bom. Ele pediu para dizer isso a Deus. Eu respondi-lhe que vamos começar imediatamente o tratamento. Ele agradeceu.

- E eu também te agradeço.

- Para que servem os amigos?

A cólera é uma doença que pode causar morte no espaço de vinte e quatro horas devido à desidratação, ou ser curada no espaço de algumas horas.

Cinco horas depois de o tratamento ter começado, o estado de Pandit Jawah estava quase normal.

Paige foi ver Jimmy Ford.

A cara iluminou-se quando a viu:

- Olá. - A voz era fraca, mas tinha melhorado miraculosamente.

- Como se sente? - perguntou Paige. - ótimo. Sabe daquela sobre o médico que disse ao doente: “O melhor que tem a fazer é deixar de fumar, deixar de beber e reduzir a vida sexual”? O doente respondeu: “Sei que não mereço o melhor. Qual é o segundo melhor?” E Paige soube que Jimmy Ford iria ficar bom.

Ken Mallory estava a sair de serviço e ia encontrar-se com Kat quando ouviu o seu nome ser chamado. Hesitou entre desaparecer dali ou não.

Ouviu de novo o seu nome.

Relutante, atendeu o telefone:

- Doutor Mallory.

- Doutor, pode vir à sala de urgências dois, por favor? Temos aqui um doente que…

- Peço desculpa - disse Mallory -, mas acabei de sair. Peça a mais alguém.

- Não está cá mais ninguém que possa cuidar deste caso. É uma úlcera rebentada e o estado do doente é crítico. Julgo que o vamos perder se…

“Merda!” - Está bem. Vou já para aí. - “Vou ter de telefonar a Kat e dizer-lhe que chegarei atrasado.”

O doente da sala de urgências era um homem de sessenta anos.

Estava semiconsciente, branco como a cal, a transpirar, a respirar mal e obviamente cheio de dores.

Mallory examinou-o e disse:

- Levem-no para uma sala de operações, stat! Quinze minutos mais tarde, Mallory tinha o doente sobre a mesa de operações. O anestesista controlava a pressão arterial.

- Está a cair muito depressa.

- Dêem-lhe mais sangue.

Ken Mallory começou a operar, trabalhando contra o tempo.

Cortou rapidamente a pele e, depois desta, a camada de gordura, a fáscia, o músculo e finalmente o macio e translúcido peritoneu, o revestimento do abdome.

O sangue corria para o estômago.

- Bovie! - pediu Mallory. - Peçam quatro unidades de sangue ao banco de sangue. - Começou a cauterizar os vasos sanguíneos.

A operação demorou quatro horas e, quando chegou ao fim, Mallory estava exausto. Olhou para o doente e disse:

- Ele vai viver.

Uma das enfermeiras sorriu calorosamente para Mallory,

- Ainda bem que estava aqui, doutor Mallory.

Olhou para ela. Era jovem e bonita e obviamente aberta a um convite.

“Apanho-te mais tarde, querida.

E, virahdo-se para um residente novo, disse:

- Cosa-o e levem-no para um quarto de recuperação.

De manhã irei vê-lo.

Mallory ficou indeciso entre telefonar a Kat ou não, mas já era meia-noite.

Enviou-lhe duas dúzias de rosas.

Quando Mallory entrou de serviço às seis da manhã, foi ao quarto de recuperação para ver o seu novo doente.

- Está acordado - disse a enfermeira.

Mallory aproximou-se da cama:

- Sou o doutor Mallory. Como se sente?

- Quando penso na alternativa, sinto-me bem - respondeu o doente, ainda fraco. - Dizem eles que o senhor me salvou a vida. Foi a pior coisa que me aconteceu. Estava no carro a caminho de um jantar e senti subitamente esta dor. Julgo que desmaiei.

Felizmente, estávamos apenas a poucos metros do hospital e trouxeram-me para as urgências.

- Teve muita sorte. Perdeu muito sangue.

- Disseram que mais dez minutos e teria morrido.

Quero agradecer-lhe, doutor.

Mallory encolhe u os ombros:

- Apenas fiz o meu trabalho.

O doente estudou-o cuidadosamente:

- Sou Alex Harrison.

O nome nada significava para Mallory:

- Prazer em conhecê-lo, senhor Harrison. - Estava a verificar-lhe a pulsação. - Ainda sente dores? -Um pouco, mas julgo que eles me têm mantido bastante entorpecido.

- A anestesia irá passar - garantiu-lhe Mallory. - Tal como as dores. O senhor vai ficar bem.

- Quanto tempo terei de ficar no hospital?

- Vê-lo-emos sair daqui dentro de alguns dias.

Entrou um funcionário da secretaria com alguns formulários para preencher:

- Senhor Harrison, para o nosso registo, o hospital precisa de saber se o senhor tem seguro médico.

- Isto é, querem saber se posso pagar a minha conta?

- Bem, não poria desse modo, senhor.

- Pode verificar no São Francisco Fidelity Bank - disse, secamente. - Sou o dono.

À tarde, quando Mallory foi ver Alex Harrison, estava com ele uma mulher atraente. Tinha cerca de trinta anos, era loira e magra, de aspeto elegante.

Trazia um vestido Adolf, que Mallory calculou ter custado mais do que o seu salário mensal.

- Ah! Aqui está o nosso herói - disse Alex Harrison. - É o doutor Mallory, não é?

- Sim. Ken Mallory.

- Doutor Mallory. Apresento-lhe a minha filha, Lauren.

Estendeu uma mão magra e bem tratada:

- O pai disse-me que lhe salvou a vida.

- É para isso que servem os médicos - sorriu ele.

Lauren olhou para ele com ar de aprovação:

- Nem todos os médicos.

Aos olhos de Mallory, era óbvio que estes dois não pertenciam a um hospital estatal. Disse a Alex Harrison:

- O senhor está a recuperar bem, mas talvez se sentisse mais confortável se chamasse o seu próprio médico.

Alex Harrison abanou a cabeça:

- Não será necessário. Ele não me salvou a vida. Foi o senhor. Gosta de cá estar?

Era uma pergunta estranha:

- É interessante, sim. Porquê?

Harrison sentou-se na cama:

- Bem, estava só a pensar. Um homem bem-parecido e tão capaz como o senhor podia ter um futuro verdadeiramente brilhante.

Penso que o seu futuro não será grande coisa, num lugar como este.

- Bem, eu…

- Talvez tenha sido o destino que me trouxe aqui.

Lauren interferiu:

- Penso que o que o meu pai quer dizer, é que gostaria de lhe manifestar o seu agradecimento.

- Lauren está certa. Nós os dois teremos uma conversa séria quando sair daqui. Quero que venha jantar lá a casa.

Mallory olhou para Lauren e disse lentamente - Com todo o prazer.

E isso mudou-lhe a vida.

Ken Mallory estava a ter uma dificuldade surpreendente para se reunir a Kat.

- Que tal domingo à noite, Kat?

- Maravilhoso.

- Ainda bem. Vou buscar-te às…

- Espera! Acabei de me lembrar. Nessa noite chega uma prima de Nova Iorque.

- Bem, e na terça-feira?

- Na terça estou de serviço.

- Que tal quarta?

- Prometi a Paige e a Honey que sairíamos juntas na quarta-feira.

Mallory estava a ficar desesperado. O tempo estava a passar demasiado depressa.

- Quinta?

- Quinta, está bem. - ótimo. Posso ir buscar-te?

- Não. Porque não nos encontramos no Chez Panisse? -Muito bem. Às oito?

- Perfeito.

Mallory esperou no restaurante até às nove e depois telefonou para Kat.

Ninguém respondeu. Esperou mais meia hora.

“Se calhar compreendeu mal”, pensou. “Ela não iria faltar deliberadamente.”

Na manhã seguinte, viu Kat no hospital. Esta correu para ele.

- Oh, Ken. Desculpa! Aconteceu a coisa mais estúpida. Decidi dormir um pouco antes de sairmos. Adormeci e, quando acordei, já era noite cerrada.

Pobre querido.

Esperaste muito tempo por mim?

- Não, não. Não faz mal. - “Que mulher estúpida!” Aproximou-se dela. - Quero acabar o que começámos, querida.

Fico doido quando penso em ti.

- Eu também - disse Kat. - Mal posso esperar.

- Talvez no próximo fim-de-semana pudéssemos…

- Oh, que pena. Estou ocupada no fim-de-semana.

E assim continuou.

O tempo corria.

Kat estava a contar o sucedido a Paige, quando o telebip começou a tocar.

- Desculpa. - Kat levantou o telefone. - Doutora Hunter.

- Ouviu um momento. - Obrigada. Vou já para aí. - Poisou o telefone. - Tenho de ir. É uma urgência.

Paige suspirou:

- Que mais há de novo?

Kat atravessou o corredor e apanhou o elevador até à sala de urgências. No interior havia uma dúzia de camas de lona, todas ocupadas. Kat achava que era a sala do sofrimento, dia e noite, sempre cheia de vítimas de acidentes de viação, ferimentos de tiros ou faca e membros fraturados. Um caleidoscópio de vidas partidas. Para Kat, não passava de um pequeno canto do inferno.

Um empregado aproximou-se dela a correr:

- Doutora Hunter…

- O que é que aconteceu? - perguntou Kat. Dirigiram-se para uma cama no extremo oposto do quarto.

- Está inconsciente. Parece que alguém lhe deu uma tareia.

Tem o rosto e a cabeça amassados, o nariz partido, uma omoplata deslocada, pelo menos duas fraturas diferentes no braço direito e…

- Porque é que me chamaram?

- Os paramédicos julgam que tem um ferimento na cabeça. Pode haver lesão cerebral.

Chegaram à cama onde se encontrava a vítima. O rosto estava coberto de sangue, inchado e cheio de nódoas negras. Calçava sapatos de pele de crocodilo e… O coração de “Kat parou momentaneamente. Inclinou-se para ver melhor. Era Lou Dinetto.

Kat passou as mãos pelos cabelos dele e examinou-lhe os olhos.

Definidamente, havia uma concussão.

Correu para um telefone e discou:

- Sou a doutora Hunter. Preciso de uma radiografia à cabeça.

O nome do doente é Lou Dinetto. Lou Dinetto.

Mandem uma maca, stat.

Kat pousou o telefone e tornou a concentrar-se em Dinetto.

Disse ao empregado:

- Fique com ele. Quando a maca chegar, leve-o para o terceiro andar.

Estarei à espera.

Trinta minutos mais tarde, no terceiro andar, Kat examinava a radiografia que tinha pedido.

- Tem hemorragia cerebral, febres altas e está em estado de choque. Queroo estabilizado durante vinte e quatro horas.

Nessa altura decidirei quando iremos operá-lo.

Kat pensou se o que tinha acontecido a Dinetto poderia afetar Mike.

E como.

Paige foi ver Jimmy. Sentia-se muito melhor.

- Sabe daquela sobre o vendedor da zona de pronto-a-vestir? Aproximouse de uma velhinha e abriu a capa de chuva. Ela estudou-o um momento e disse: “Chama revestimento a isso?

Kat estava a jantar com Mallory num pequeno e íntimo restaurante, próximo da baía. Sentada à frente de Mallory, a estudá-lo, Kat sentiu-se culpada. “Nunca devia ter começado isto”, pensou. “Sei o que ele é, no entanto, divirto-me bastante. Maldito homem! Mas não posso interromper agora o nosso plano.”

Tinham terminado o café.

Kat inclinou-se para a frente:

- Podemos ir para a sua casa, Ken.

- Podes crer! - “Finalmente”, pensou Mallory.

Kat começou a mexer-se desconfortavelmente na cadeira e franziu as sobrancelhas:

- Uh, oh!

- Sentes-te bem? - perguntou Mallory.

- Não sei. Desculpas-me um momento?

- Com certeza. - Viu-a levantar e dirigir-se à casa de banho das senhoras.

Quando regressou, disse:

- É o momento errado, querido. Peço desculpa. É melhor levares-me a casa.

Olhou para ela, tentando esconder a frustração. A maldita sina estava a conspirar contra ele.

- Está bem - respondeu Mallory, bruscamente. Estava prestes a explodir.

Vai perder cinco preciosos dias.

Cincp minutos depois de Kat ter regressado ao apartamento, a campainha da porta começou a tocar. Kat sorriu.

Mallory tinha encontrado uma desculpa para regressar e ela odiava-se a si própria por ficar tão satisfeita.

Dirigiu-se à porta e abriu-a.

- Ken…

Eram Rhino e o Sombra. Kat sentiu uma súbita onda de medo.

Os dois empurraram-na para dentro do apartamento; Rhino perguntou-lhe:

- É você quem vai operar o senhor Dinetto?

- Sim - esclareceu Kat, e engoliu em seco.

- Não queremos que lhe aconteça nada.

- Nem eu - disse Kat. - Agora, se me derem licença, estou cansada e…

- Ele corre o risco de morrer? - perguntou o Sombra.

Kat hesitou:

- Na cirurgia cerebral existe sempre o risco de…

- É melhor que não deixe que isso aconteça.

- Acreditem, eu…

- Não deixe que isso aconteça. - Olhou para Rhino.

- Vamos.

Kat viu-os prepararem-se para sair.

À porta, o Sombra voltou-se e disse:

- Diga “olá” a Mike por nós.

Kat ficou subitamente imóvel:

- Isto… isto é alguma espécie de ameaça?

- Nós não ameaçamos ninguém, doutora. Nós estamos a dizer-lhe. Se o senhor Dinetto morrer, você e a merda da sua família desaparecerão da face da Terra.

No vestiário, meia dúzia de médicos esperavam que Ken Mallory aparecesse.

Quando este entrou, Grundy saudou:

- Avé ao herói conquistador! Queremos ouvir todos os pormenores lúridos.

- Sorriu. - Mas, tal como foi combinado, irmão, queremos ouvir da boca dela.

- Tive um pouco de má sorte - lamentou-se Mallory a sorrir.

- Mas todos vocês podem começar a pôr dinheiro de lado.

Kat e Paige estavam a preparar-se para operar.

- Já alguma vez operaste um médico? - perguntou Kat.

- Não.

- Tens sorte. São os piores doentes do mundo. Sabem de mais.

- Quem vais operar?

- O doutor Mervyn “Não Me Magoe,” Franklin.

- Boa sorte.

- Bem preciso dela.

O Dr. Mervyn Franklin era sexagenário, magro, calvo e irascível.

Quando Kat entrou no quarto, ele disse bruscamente:

- Já era tempo de ter chegado. Já tem o resultado dos malditos eletrólitos?

- Sim - disse Kat. - São normais.

- Quem é que o diz? Não confio na merda do laboratório.

Cinquenta por cento das vezes não sabem o que fazem. E certifique-se de que não há misturas na transfusão de sangue.

- Certificar-me-ei - respondeu Kat, pacientemente.

- Quem vai fazer a operação?

- O doutor Jurgenson e eu. Doutor Franklin, prometo-lhe que não tem de se preocupar com nada.

- Qual é o cérebro que vai ser operado, o meu ou o seu? Todas as operações são arriscadas. Sabe porquê? Porque metade dos malditos cirurgiões escolheram a profissão errada. Deviam antes ter sido carniceiros.

- O doutor Jurgenson é uma pessoa muito capaz.

- Sei que é, ou não o deixaria tocar-me. Quem é o anestesista?

- Julgo que é o doutor Miller.

- Esse charlatão? Não o quero. Arranje-me outro.

- Doutor Franklin…

- Arranje-me outro. Veja se Haliburton está disponível.

- Está bem.

- E traga-me o nome das enfermeiras da sala de operações.

Quero saber quem são.

Kat olhou-o nos olhos:

- Prefere ser o senhor a fazer a operação?

- O quê? - Olhou um momento para ela e depois sorriu envergonhado. - Acho que não.

Kat disse suavemente:

- Então, porque não nos deixa tratar de tudo?

- Certo. Sabe uma coisa? Gosto de si.

- Também gosto de si. A enfermeira já lhe deu um sedativo?

- Sim.

- Bem. Estaremos prontos dentro de alguns minutos.

Posso fazer alguma coisa por si?

- Sim. Ensine à estúpida da minha enfermeira onde estão localizadas as minhas veias.

Na sala de operações quatro, a cirurgia cerebral do dr.

Mervyn Franklin corria perfeitamente. Tinha-se queixado durante todo o trajeto desde o quarto até à sala.

- Agora, se não se importa - disse -, dê-me o mínimo de anestesia. O cérebro não possui sensibilidade e por isso, assim que lá chegarem, não irão precisar de uma grande quantidade.

- Eu sei disso - disse Kat, impacientemente.

- E procure manter a temperatura abaixo dos quarenta graus.

É o máximo.

- Certo.

- Ponha música mexida durante a operação. Isso manter-vos-á bem despertos.

- Okay!

- E certifique-se de que tem aqui a melhor enfermeira-assistente.

- Tudo bem.

E continuou por aí fora.

Quando foi feita a incisão no cérebro do Dr. Franklin, Kat disse:

- Estou a ver o coágulo. Não parece muito mau. - E continuou a trabalhar.

Três horas mais tarde, quando começavam a coser a incisão, George Englund, chefe de cirurgia, entrou na sala de operações e aproximou-se de Kat.

- Kat, falta muito para terminar aqui?

- Estamos só a tapar o corte.

- Deixe o doutor Jurgenson terminar. Precisamos urgentemente de si.

Temos uma emergência.

Kat anuiu:

- Vou já. - E voltou-se para Jurgenson: - Importa-se de terminar?

- Não há problema.

Kat saiu com George Englund.

- O que se passa?

- Tem marcada outra operação para mais tarde, mas o seu doente começou a ter hemorragias. Estão agora a transportá-lo para a sala três. Tudo indica que não se salva. Vai ter de o operar imediatamente.

- Quem…

- Um tal senhor Dinetto.

Kat olhou para ele, aterrorizada:

- Dinetto? - “Se o senhor Dinetto morrer, você e toda a merda da sua família desaparecerão da face da Terra.

Kat atravessou a correr o corredor que conduzia à sala de operações três.

Na sua direão vinham Rhino e o Sombra.

- Que se passa? - indagou Rhino.

A boca de Kat estava tão seca que tinha dificuldade em falar.

- O senhor Dinetto começou a ter hemorragias. Temos de o operar imediatamente.

O Sombra pegou-lhe no braço.

- Então faça-o! Mas lembre-se do que lhe dissemos.

Mantenha-o vivo.

Kat afastou-se e correu para a sala de operações.

O Dr. Vance fazia a operação com Kat. Era um bom cirurgião.

Kat iniciou o ritual de desinfecção: primeiro, meio minuto em cada braço e depois meio minuto em cada mão. Repetiu e depois desinfetou as unhas.

O Dr. Vance entrou e começou a fazer o mesmo.

- Como se sente hoje?

- Bem - mentiu Kat.

Lou Dinetto foi transportado numa maca, semiconsciente, para a sala de operações e cuidadosamente transferido para a mesa operatória. A sua cabeça rapada foi desinfetada e pincelada com solução de mertiolato, que se tornava laranja brilhante sob as lâmpadas operatórias. Estava branco como a morte.

A equipa já tinha tomado as posições: o Dr. Vance, outro residente, um anestesista, duas enfermeiras-assistentes e uma enfermeira auxiliar. Kat procurou certificar-se de que tinha à mão tudo o que pudesse precisar.

Olhou para os monitores de parede - saturação de oxigénio, dióxido de carbono, temperatura, estimuladores musculares, estetoscópio precordial, ECG, pressão arterial automática e alarmes desligados. Tudo estava em ordem.

O anestesista apertou o punho de medição da pressão arterial no braço de Dinetto e depois colocou uma máscara de borracha sobre o rosto do doente.

- Muito bem. Agora, respire fundo. Respire profundamente três vezes.

Dinetto adormeceu antes de inspirar a terceira vez.

A operação começou.

Kat relatava em voz alta:

- Existe uma área lesada no meio do cérebro, causada por um coágulo que rebentou a válvula aórtica. Está a bloquear um pequeno vaso sanguíneo do lado direito do cérebro, estendendo-se ligeiramente para a metade esquerda. - Examinou mais para baixo:

- Está localizado na zona inferior do aqueduto de Sílvio.

Bisturi.

Com o auxílio de uma serra elétrica, foi feita uma pequena incisão do tamanho de uma moeda de escudo para expor a dura-máter. Em seguida, Kat abriu a dura para expor o segmento do córtex cerebral que se encontra por baixo.

- Fórceps.

A enfermeira-assistente entregou-lhe o fórceps elétrico.

A incisão foi mantida aberta com o auxílio de um e Pequeno retrator, que, por si só, se conservava imóvel.

- Há uma grande quantidade de hemorragia - disse Vance.

Kat pegou no bovie e começou a cauterizar as veias sangrentas.

- Vamos controlar a hemorragia.

O Dr. Vance começou a limpar com a ajuda de pedaços de algodão, colocados sobre a dura. As veias que se esvaíam na superfície da dura foram identificadas e coaguladas.

- Tem bom aspeto - disse Vance. - Ele vai salvar-se.

Kat deu um suspiro de alívio.

E, nesse instante, Lou Dinetto ficou rígido e o corpo entrou em espasmo. O anestesista declarou:

- A pressão arterial está a cair!

Kat ordenou:

- Façam uma transfusão de sangue!

Todos olhavam para o monitor. A curva estava rapidamente a transformarse em linha reta. Havia duas rápidas batidas cardíacas seguidas de fibrilação ventricular.

- Dar choques! - ordenou Kat. Rapidamente, colocou as almofadas elétricas no corpo dele e ligou a máquina.

O peito de Dinetto subiu e depois desceu.

- Dar uma injeão de epinefrina! Rápido!

- Não há batida cardíaca! - disse o anestesista pouco depois.

Kat fez uma nova tentativa, aumentando a intensidade.

Mais uma vez, houve um rápido movimento convulsivo.

- Não há batida cardíaca! - gritou o anestesista. - Assístole. Não há qualquer ritmo.

Desesperadamente, Kat fez uma última tentativa. Desta vez o corpo subiu ainda mais e tornou a cair. Nada.

- Morreu - disse o Dr. Vance.

O código vermelho é um alerta, que faz com que toda a assistência médica tente tudo para salvar a vida de um doente.

Quando o coração de Lou Dinetto parou a meio da operação, a equipa de código vermelho da sala de operações correu a ajudar.

No sistema de altofalantes, Kat ouviu: “Código vermelho”, sala de operações três… Código vermelho…” Vermelho é sinônimo de morte.

Kat estava em pânico. Aplicou novamente o eletrochoque. Não era somente a vida dele que tentava salvar, era a de Mike e a sua própria. O corpo de Dinetto elevou-se no ar e depois tornou a cair, inerte.

- Tente mais uma vez! - sugeriu o Dr. Vance.

“Nós não ameaçamos ninguém, doutora. Estamos a dizer-lhe.

Se o senhor Dinetto morrer, você e a merda da sua família desaparecerão da face da Terra.”

Kat carregou no botão e aplicou de novo a máquina no peito de Dinetto.

Mais uma vez, o corpo elevou-se no ar alguns centímetros e tornou a cair.

- Outra vez! “Não vai acontecer”, pensou Kat, desesperada. “Vou morrer com ele.”

Subitamente, a sala de operações encheu-se de médicos e enfermeiras.

- De que é que estão à espera? - perguntou alguém.

Kat respirou fundo e tornou a aplicar a máquina. Por um instante, nada aconteceu. Surgiu então um ligeiro blip no monitor. Falhou um momento, em seguida tornou a surgir e a falhar e depois começou a tornar-se cada vez mais intenso, até se transformar num ritmo estável e equilibrado.

Kat olhou incrédula.

Na sala ouviu-se um grito de alegria:

- Vai salvar-se!

- Jesus, foi por um triz! “Nem fazem ideia como”, pensou Kat.

Duas horas mais tarde, Lou Dinetto tinha sido removido da mesa, colocado sobre uma marquesa e estava a ser transportado novamente para os cuidados intensivos. Kat estava ao seu lado.

Rhino e o Sombra estavam no corredor.

- A operação foi bem sucedida - disse Kat. - Vai ficar bom.

Ken Mallory estava metido num grande sarilho. Só tinha mais aquele dia para ganhar a aposta. O problema tinha crescido tão gradualmente que ele mal dera por isso. Quase desde a primeira noite que tivera a certeza de que não iria ter problemas em levar Kat para a cama.

“Problemas? Ela está ansiosa por isso!” Agora, o tempo estava a chegar ao fim e ele enfrentava um desastre.

Mallory pensou em tudo o que tinha corrido mal - as companheiras de Kat a entrar no preciso momento em que se preparava para se deitar com ele, a dificuldade em saírem juntos, Kat a ser chamada pelo telebip e deixando-o de pé todo nu, a chegada da prima, o fato de ter adormecido, a menstruação. Parou subitamente e pensou: “Espera aí! Não pode ser tudo coincidência!”

Kat estava a fazer tudo deliberadamente! De algum modo veio a saber da aposta e decidiu fazer troça dele, pregar-lhe uma partida, partida essa que iria custar-lhe dez mil dólares que não possuía. “Grande puta!” Estava tão longe de vencer como quando começou. Ela tinha-o ludibriado deliberadamente. “Como é que caí numa coisa destas?”

Sabia que não tinha qualquer hipótese de arranjar o dinheiro.

Quando Mallory entrou no vestiário dos médicos, os outros estavam à sua espera.

- Dia de pagamento! - cantou Grundy.

Mallory esforçou um sorriso:

- Tenho até à meia-noite, não é assim? Acreditem-me, ela está pronta, amigos.

Alguém disse a rir:

- Sim. Sim. Acreditaremos quando ouvirmos isso dela própria.

Tenha o dinheiro pronto amanhã de manhã.

Mallory riu-se:

- Tenham vocês o vosso pronto!

Ele tinha de descobrir uma saída. E subitamente encontrou a solução.

Ken Mallory encontrou Kat na sala de reuniões. Sentou-se à frente dela e disse:

- Soube que salvaste a vida de um doente.

- E a minha própria.

- O quê?

- Nada.

- Que tal salvares a minha?

Olhou para ela, intrigada.

- Janta comigo hoje.

- Estou muito cansada, Ken. - Sabia perfeitamente o jogo que fazia com ele. “Basta”, pensou ela. “Chegou o momento de parar. Terminou. Caí na minha própria armadilha.” Desejou que ele fosse um homem diferente. Se pelo menos tivesse sido honesto com ela. “Podia ter mesmo gostado dele”, concluiu Kat.

De modo algum Mallory iria deixar que Kat escapasse.

- Jantaremos cedo - afirmou. - Vais ter de jantar nalgum sítio.

Relutantemente, Kat concordou. Sabia que iria ser a última vez. Dir-lhe -ia que sabia da aposta. Acabaria com o fogo.

- Está bem.

Honey terminou o turno às quatro da tarde. Olhou para o relógio e decidiu que tinha o tempo suficiente para fazer umas compras rápidas. Foi ao Candelier comprar velas para o apartamento, depois ao São Francisco Tea and Coffee Company para que não faltasse café para o pequeno-almoço e, por último, foi ao Chris Kelly para comprar toalhas.

Cheia de pacotes, Honey dirigiu-se ao apartamento.

“Eu própria vou fazer um jantar em casa”, decidiu. Sabia que Kat ia sair com Mallory e que Paige estava de serviço.

Carregando atabalhoadamente os pacotes, Honey entrou no apartamento e fechou a porta atrás de si. Acendeu a luz. Um negro enorme saía da casa de banho a pingar sangue sobre a alcatifa branca. Apontava uma pistola para ela.

- Se fizer um só ruído, rebento-lhe os miolos! Honey gritou.

Mallory estava sentado à frente de Kat no restaurante Shroeder, na Front Street.

Que aconteceria se não pudesse pagar os dez mil dólares? O caso espalharse- ia rapidamente pelo hospital e ele ficaria com a fama de caloteiro, uma brincadeira de mau gosto.

Kat falava de um dos seus doentes e Mallory olhava-a nos olhos, sem ouvir uma só palavra do que ela dizia. Tinha coisas mais importantes em que pensar.

O jantar estava quase a terminar e o empregado servia o café. Kat olhou para o relógio:

- Tenho de me levantar cedo, Ken. Acho melhor irmos embora.

Ele manteve-se sentado, a olhar para a mesa:

- Kat… - disse, levantando a cabeça. - Tenho uma coisa para te dizer.

- Sim?

- Tenho uma confissão a fazer - respirou fundo.

- Não é fácil para mim.

Olhou para ele, confusa:

- O que é?

- Tenho vergonha de te dizer - afirmou, escolhe ndo as palavras. - Eu… fiz uma aposta estúpida com alguns dos médicos… de que havia de te levar para a cama.

Kat olhou para ele:

- Tu…

- Não digas nada. Sinto vergonha do que fiz. Tudo começou com uma brincadeira, mas o centro fui eu.

Aconteceu algo que não esperava. Apaixonei-me por ti.

- Ken…

- Nunca me tinha apaixonado antes, Kat. Conheci muitas mulheres mas nunca senti nada por elas. Não tenho conseguido deixar de pensar em ti. - Deu um suspiro. - Quero casar-me contigo.

A mente de Kat começou a rodopiar. Estava tudo a virar-se de pernas para o ar.

- Eu… eu não sei o que…

- És a única a quem me declarei. Por favor, aceita.

Casas comigo, Kat?

Então ele sentira mesmo tudo o que lhe tinha dito! O coração batia mais depressa. Era como um sonho maravilhoso que subitamente se tornava real.

Tudo o que quis dele era honestidade. E agora ele estava a ser honesto consigo. Todo esse tempo tinha-se sentido culpado pelo que fizera. Não era como os outros. Era genuíno e sensível.

Quando Kat olhou para ele, os olhos brilhavam.

- Sim, Ken. Oh, sim!

A alegria dele iluminou a sala:

- Kat… - Inclinou-se e deu-lhe um beijo. - Perdoa aquela aposta estúpida. - Abanou a cabeça, em sinal de escárnio por si próprio. - Dez mil dólares.

Poderíamos ter utilizado esse dinheiro na nossa lua-de-mel. Mas vale a pena perdê-lo para te ter.

Kat ficou pensativa. “Dez mil dólares!

- Fui um autêntico tolo.

- Qual é o prazo-limite?

- A meia-noite de hoje, mas isso já não tem importância. A coisa mais importante somos nós. Que nos vamos casar. Nós…

- Ken?

- Sim, querida?

- Vamos para sua casa. - Havia um olhar malicioso nos olhos de Kat. - Ainda tens tempo para ganhar a aposta.

Kat foi violenta na cama.

“Meu Deus! Valeu a pena esperar…”, pensou Mallory.

Todos os sentimentos que Kat tinha guardado ao longo dos anos explodiram subitamente. Era a mulher mais apaixonada que Ken Mallory jamais conhecera. Ao cabo de duas horas, ele estava exausto. Abraçou-a e disse:

- És incrível.

Apoiou-se nos cotovelos e olhou para ele.

- Tu também és, querido. Sou tão feliz.

Mallory sorriu:

- E eu também. - “Um prémio de dez mil dólares!” pensou.

“E um sexo fantástico.” - Promete-me que será sempre assim, Ken.

- Prometo - disse com a voz mais sincera possível.

Kat olhou para o relógio.

- É melhor vestir-me.

- Não podes passar aqui a noite?

- Não, tenho de ir muito cedo com Paige para o hospital.

- Deu-lhe um beijo quente. - Não te preocupes.

Teremos toda a nossa vida para passarmos juntos.

Ele ficou a vê-la vestir-se.

- Mal posso esperar para receber o dinheiro da aposta. Vamos fazer uma grande lua-de-mel. - Franziu as sobrancelhas. - E se os rapazes não acreditarem em mim?

Não vão acreditar na minha palavra.

Kat ficou um momento pensativa. Por fim disse:

- Não te preocupes. Farei com que saibam.

Mallory sorriu:

- Volta para a cama.

O negro, de pistola apontada para Honey, gritou:

- Disse-lhe para ficar calada!

- Des… culpe - disse Honey. Estava a tremer. - O que… que quer daqui?

Com a mão, tentava estancar o sangue.

- Quero a minha irmã.

Honey olhou para ele, confusa. Ele estava obviamente louco.

- Sua irmã?

- Kat - a voz começou a desvanecer - Oh, meu Deus! Você é Mike!

- Sim.

A arma caiu e ele escorregou para o chão. Honey correu para ele. O sangue corria de um ferimento que mais parecia ter sido causado por uma bala.

- Fique quieto - disse Honey. Correu para a casa de banho e pegou na água oxigenada e numa toalha grande.

Regressou para junto de Mike.

- Isto vai doer - avisou.

Ele permaneceu ali, demasiado fraco para se mexer.

Deitou água oxigenada no ferimento e pressionou a toalha sobre este. Mike mordeu a mão para não gritar.

- Vou chamar uma ambulância e levá-lo para o hospital - disse Honey.

Ele pegou-lhe num braço e disse:

- Não! Nada de hospitais. Nada de polícia. - A voz estava cada vez mais fraca. - Onde está Kat?

- Não sei - respondeu Honey, impotentemente. Sabia que Kat estava algures com Mallory, mas não sabia onde.

- Deixe-me chamar uma pessoa minha amiga.

- Paige? - perguntou ele.

Honey concordou:

- Sim. - “Então Kat falou-lhe de nós”.

No hospital, só conseguiram encontrar Paige dez minutos depois.

- É melhor vires a casa - disse Honey.

- Estou de serviço, Honey. Estou a meio de…

- O irmão de Kat está aqui.

- Oh, bem, dize-lhe…

- Levou um tiro.

- Ele o quê?

- Levou um tiro!

- Vou mandar os paramédicos e…

- Ele não quer nada com hospitais ou polícia. Não sei o que fazer. - é muito grave?

- Bastante.

Houve uma pausa:

- Vou procurar alguém para me substituir. Estarei aí dentro de meia hora.

Honey poisou o telefone e voltou-se para Mike.

- Paige vem aí.

Duas horas mais tarde, de regresso ao apartamento, Kat tinha uma enorme sensação de bem-estar. Estivera nervosa por ter de fazer amor, com medo de o detestar depois da terrível experiência que tinha vivido, mas, em vez disso, Ken Mallory transformara o ato em algo maravilhoso. Tinha soltado emoções nela que nunca pensara que existissem.

Sorrindo consigo própria ao pensar no modo como, no último momento, tinham passado a perna aos médicos e vencido a aposta, Kat abriu a porta do apartamento e ali permaneceu, chocada. Paige e Honey estavam ajoelhadas ao lado de Mike.

Este estava deitado no chão, com uma almofada debaixo da cabeça, uma toalha colocada contra o lado do corpo e as roupas sujas de sangue.

Paige e Honey levantaram a cabeça quando Kat entrou.

- Mike! Meu Deus! - Correu para ele e ajoelhou-se ao seu lado. - O que aconteceu?

- Olá, mana - a voz mal se ouvia.

- Levou um tiro - disse Paige. - Está com hemorragia.

- Vamos levá-lo para o hospital - disse Kat.

Mike abanou a cabeça:

- Não - murmurou. - Tu és médica. Cuida de mim.

Kat olhou para Paige.

“Estanquei o sangue o melhor que pude, mas a bala ainda lá está. Não temos aqui os instrumentos para…

- Ainda está a perder sangue - disse Kat. Pegando na cabeça de Mike, disse. - Ouve bem, Mike. Se não obtiveres ajuda, vais morrer.

- Não… podem… comunicar… isto… Não quero a polícia.

Kat perguntou-lhe baixinho:

- Em que é que te meteste, Mike?

- Nada. Estava num… negócio… que correu mal… e um fulano ficou enfurecido e deu-me um tiro.

Era o tipo de história que Kat ouvira durante anos a fio.

Mentiras. Tudo mentiras. Já na altura sabia disso e agora também, mas tinha procurado esconder a verdade de si própria.

Mike pegou-lhe num braço:

- Ajudas-me, mana?

- Sim. Vou ajudar-te, Mike. - Kat ajoelhou-se e deu-lhe um beijo na face.

Em seguida, dirigiu-se ao telefone. Levantou o auscultador e discou o número das urgências do hospital.

- Sou a doutora Hunter - disse com a voz a tremer.

- Preciso imediatamente de uma ambulância…

No hospital, Kat pediu a Paige para fazer a operação e remover a bala.

- Ele perdeu muito sangue - disse Paige. Voltou-se para o cirurgião assistente: - Dê-lhe mais uma unidade.

Já era de madrugada quando a operação terminou.

A cirurgia foi bem sucedida.

Quando tudo acabou, Paige chamou Kat de lado:

- Como queres que eu comunique isto? - perguntou. - Posso mencionar que foi um acidente ou…

- Não - disse Kat. A voz soou magoada. - Já devia ter feito isto há muito tempo. Quero que comuniques que foi um ferimento de bala.

Mallory esperava por Kat fora da sala de operações.

- Kat! Soube do teu irmão e… - Kat abanou a cabeça, fatigada. - Lamento.

Ele vai ficar bem?

Kat olhou para Mallory e respondeu:

- Sim. Pela primeira vez na vida, Mike vai ficar bem.

Mallory apertou a mão de Kat.

- Quero que saibas que a noite passada foi maravilhosa.

Foste um milagre. Oh, lembrei-me agora. Os médicos com quem fiz a aposta estão à espera na sala de reuniões, mas suponho que, com tudo o que aconteceu, não vais querer entrar e…

- Porque não?

Pegou-lhe no braço e os dois entraram na sala. Os médicos ficaram a vêlos aproximarem-se.

Grundy disse:

- Olá, Kat. Precisamos de a ouvir dizer algo. - O doutor Mallory afirma que você e ele passaram a noite juntos e que tinha sido ótima.

- Foi mais do que ótima - disse Kat. - Foi fantástica!

- Beijou o rosto de Mallory. - Vejo-te mais tarde amor.

Os homens ficaram sentados, boquiabertos, enquanto Kat se afastava.

No vestiário, Kat disse a Paige e a Honey:

- Com toda esta excitação, não tive a oportunidade de vos dar a notícia.

- Que notícia? - perguntou Paige.

- Ken pediu-me em casamento.

Houve olhares incrédulos nos seus rostos.

- Estás a brincar! - disse Paige.

- Não. Declarou-se na noite passada. Eu aceitei.

- Mas tu não podes casar-te com ele! - exclamou Honey.

- Sabes como ele é. Quero dizer, tentou levar-te para a cama devido a uma aposta!

- E conseguiu - disse Kat a sorrir.

Paige olhou para ela:

- Estou confusa.

- Estávamos erradas quanto a ele. - Afirmou Kat.

- Completamente erradas. Foi o próprio Ken que me contou tudo sobre a aposta. Todo este tempo isso tem estado a perturbar-lhe a consciência.

Percebem o que aconteceu? Saí com ele para o castigar e ele saiu comigo para ganhar dinheiro, e acabámos os dois apaixonados um pelo outro. Oh, nem calculam como me sinto feliz.

Honey e Paige entreolharam-se:

- Quando se casam? - perguntou Honey.

- Ainda não falámos disso, mas tenho a certeza que será em breve. Quero que vocês as duas sejam as minhas damas de honor.

- Podes contar com isso - respondeu Paige. - Lá estaremos.

- Mas havia uma certa dúvida na sua mente.

Bocejou e disse: - Foi uma longa noite. Vou para casa dormir.

- Eu fico aqui com Mike - disse Kat. - Quando acordar, a polícia quer falar com ele. - Pegou nas mãos das amigas.

- Obrigada por serem tão amigas.

A caminho de casa, Paige pensou no que acontecera nessa noite. Sabia o quanto Kat adorava o irmão. Foi preciso muita coragem para o entregar à polícia. “Devia ter feito isto há muito tempo.”

O telefone tocava quando Paige entrou no apartamento. Correu a atender.

Era Jason.

- Olá! Telefonei apenas para te dizer que estou cheio de saudades. O que aconteceu na sua vida?

Paige sentiu-se tentada a contar-lhe, a partilhar com alguém, mas era muito pessoal. Era algo que dizia respeito a Kat.

- Nada - respondeu Paige. - Está tudo bem.

- Ainda bem. Estás livre para jantar?

Paige sabia que era mais do que um convite para jantar. “Se o tornar a ver, vou-me envolver”, pensou. Sabia que era uma das decisões mais importantes da sua vida.

Respirou fundo:

- Jason, A campainha da porta começou a tocar.

- Espera um minuto, está bem, Jason?

Paige poisou o telefone, dirigiu-se à porta e abriu-a.

Era Alfred Turner.

Paige ficou gelada.

Alfred sorriu:

- Posso entrar?

Ela ficou atrapalhada: - Cla… claro - respondeu ela tentando esconder o espanto. - Des… culpa. - Ficou a ver Alfred entrar para a sala e sentiu-se cheia de emoções conflituosas. Estava feliz e excitada e ao mesmo tempo furiosa. “Porque é que estou assim?”, pensou.

“Provavelmente, só passou aqui para me cumprimentar.” Alfred voltou-se para ela e declarou:

- Deixei a Karen. - As palavras foram um choque. Alfred aproximou-se mais: - Cometi um grande erro, Paige. Nunca te devia ter deixado. Nunca.

- Alfred… - Paige lembrou-se subitamente. - Desculpa.

- Correu para o telefone e levantou-o: - Jason?

- Sim, Paige. Sobre logo à noite, podemos…

- Não… não posso sair contigo.

- Oh. Se hoje é mau dia, que tal amanhã à noite?

- Não… não tenho a certeza.

Jason sentiu tensão na voz dela e perguntou:

- Aconteceu alguma coisa?

- Não. Está tudo bem. Amanhã telefono-te e explico tudo.

- Está bem. - Parecia confuso.

“ Paige colocou o auscultador no lugar.

‘ - Tenho sentido muitas saudades tuas, Paige - disse Alfred.

- Acontece o mesmo contigo? “Não. Apenas sigo estranhos na rua e chamo-os de Alfred.” - Sim - admitiu Paige.

- Ainda bem. Pertencemos um ao outro, sabes. Desde sempre.

“Será? Foi por isso que casaste com Karen? Julgas que podes entrar e sair da minha vida sempre que te apeteça?” Alfred encontrava-se junto de Paige:

- Não é assim?

Paige olhou para ele e respondeu:

- Não sei. - Tudo aconteceu muito depressa.

Alfred pegou-lhe na mão: , - Claro que sabes.

- O que se passou com Karen?

Alfred encolhe u os ombros:

- Karen foi um erro. Continuei a pensar em ti e em todos os bons momentos que passámos juntos. Fomos sempre bons um para o outro.

Estava a olhar para ele, de sobreaviso:

- Alfred…

- Estou aqui para ficar, Paige. Quando digo “aqui”, não quer dizer exatamente isso. Vamos para Nova Iorque.

- Nova Iorque?

- Sim. Já te conto tudo. Sabia-me bem uma chávena de café.

- Claro. Vou fazer. Leva apenas uns minutos.

Alfred seguiu-a até à cozinha, onde Paige começou a preparar o café. Ela procurava ordenar as ideias. Tinha querido tão desesperadamente que Alfred voltasse e agora que ele ali estava…

Alfred dizia:

- Aprendi muito nos últimos anos, Paige. Cresci.

- Oh?

- Sim. Sabes que tenho trabalhado para a OMS durante todos estes anos.

- Eu sei.

- Esses países não mudaram nada desde que éram crianças.

Na realidade, alguns até pioraram. Existem mais doenças, mais pobreza…

- Mas estavas lá a ajudar - disse Paige.

- Sim, e de um momento para o outro, despertei - Despertaste?

- Percebi que estava a desperdiçar a minha vida. Estava lá a viver na miséria e a trabalhar vinte e quatro horas por dia para ajudar aqueles selvagens ignorantes, quando podia estar aqui a fazer um monte de dinheiro. - Paige escutava, incrédula. - Conheci um médico que tem um consultório na Park Avenue, em Nova Iorque. Sabes quanto ganha ele por ano? Mais de quinhentos mil dólares! Ouviste bem? Quinhentos mil dólares por ano! - Paige olhava para ele.

- Disse para comigo mesmo: “Onde esteve esse dinheiro durante toda a minha vida?” Ofereceu-me um lugar como associado - disse Alfred com orgulho - e eu aceitei. É por isso que tu e eu vamos para Nova Iorque.

Paige não conseguia acreditar no que acabara de ouvir,

- Conseguirei pagar um apartamento de cobertura para nós e poderei comprar-te vestidos bonitos e tudo o que sempre te prometi. - Sorria. - Bem, ficaste surpreendida? A boca de Paige estava seca:

- Eu… nem sei o que dizer, Alfred.

- É claro que não - riu. - Quinhentos mil dólares por ano é suficiente para deixar qualquer um sem palavras.

- Não estava a pensar no dinheiro - afirmou Paige, lentamente.

- Não?

Estudou-o como se o tivesse visto pela primeira vez.

- Alfred, quando trabalhavas para a OMS não sentias que estavas a ajudar os outros?

Ele encolhe u os ombros:

- Nada pode ajudar aquela gente. E quem se importa realmente com isso?

Acreditas que Karen queria que eu ficasse em Bangladesh? Disse-lhe que não havia hipótese, por isso ela regressou. - E, pegando na mão de Paige, disse: - Assim, aqui estou eu… Ficaste um tanto calada. Penso que estás um tanto acabrunhada com tudo isto, hem?

Paige lembrou-se do pai: “Teria tido muito êxito na Park Avenue, mas não estava interessado em dinheiro. Tudo o que queria era ajudar os outros.” - Já me divorciei de Karen e por isso podemos casar imediatamente. - Tocou-lhe na mão. - Que achas da ideia de vivermos em Nova Iorque?

Paige respirou fundo:

- Alfred…

Havia no rosto dele um sorriso de expectativa:

- Sim?

- Vai-te embora.

O sorriso desapareceu lentamente:

- O quê?

Paige levantou-se:

- Quero que saias imediatamente.

Ficou confuso:

- Para onde queres que eu vá?

- Não te vou dizer - replicou Paige. - Magoaria os teus sentimentos.

Depois de Alfred ter saído, Paige sentou-se a pensar. Kat tinha razão.

Tinha estado presa a um fantasma. “A ajudar aqueles selvagens ignorantes, quando podia ter estado a fazer um monte de dinheiro aqui… Quinhentos mil dólares por ano! “ “Foi a isso que estive presa”, pensou Paige. Podia ter-se sentido deprimida mas, em vez disso, estava muito animada.

Subitamente, sentiu-se livre. Sabia agora o que eLe queria.

Dirigiu-se ao telefone e discou o número de Jason - Estou.

- Jason, daqui Paige. Lembras-te de me teres falado sobre a sua casa em Noe Valley?

- Sim…

- Gostaria muito de a conhecer. Estás livre esta noite, Jason - perguntou, lentamente:

- Queres dizer-me o que está a acontecer, Paige? Estou confuso.

- Eu é que estou confusa. Pensei que estava apaixonada por um homem que conheci há muito tempo, mas ele já não é a mesma pessoa.

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