O PLANO PERFEITO
Sidney Sheldon
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Este livro foi digitalizado por Katia Oliveira.
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Revisado por Eduardo - Grupo Amigos de Leitura
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Este livro é dedicado a você.
O primeiro registro no diário de Leslie Stewart dizia o seguinte: Querido Diário: Esta manhã conheci o homem com quem vou me casar.
Era uma declaração simples e otimista, sem o menor presságio da dramática corrente de acontecimentos que estava prestes a ocorrer. Era um desses dias raros e felizes em que nada podia sair errado, em que nada ousaria sair errado. Leslie Stewart não tinha o menor interesse por astrologia, mas naquela manhã, ao folhear o Lexington Herald-Leader, um horóscopo na coluna de astrologia assinada por Zoltaire atraiu sua atenção.
PARA LEÃO (23 DE JULHO A 22 DE AGOSTO). A LUA NOVA ILUMINA SUA VIDA AMOROSA. VOCÊ ESTÁ NO AUGE DE SEU CICLO LUNAR AGORA, E DEVE PRESTAR MUITA ATENÇÃO A UM EVENTO NOVO E EXCITANTE EM SUA VIDA. O SIGNO COMPATÍVEL É VIRGEM. HOJE SERÁ UM DIA MEMORÁVEL. ESTEJA PREPARADA PARA DESFRUTÁ-LO.
Esteja preparada para desfrutar o quê, pensou Leslie, irônica. A astrologia era um absurdo, uma distração para os tolos.
Leslie Stewart era executiva de relações públicas e propaganda na Bailey &Tomkins, em Lexington, Kentucky. Tinha três reuniões marcadas para aquela tarde, a primeira com a Kentucky Fertilizer Company, cujos executivos se mostravam bastante animados com a nova campanha que ela preparava. Gostavam em particular da frase de abertura: "Se você quer sentir o aroma das rosas..." A segunda reunião seria com a Breeders Stud Farm e a terceira com a Lexington Coal Company. Dia memorável?
Aos vinte e tantos anos, com um corpo esguio e provocante, Leslie Stewart tinha uma aparência sedutora e exótica: olhos cinza-escuros, malares salientes, cabelos lustrosos cor de mel, que usava compridos, com uma elegante simplicidade. Uma amiga de Leslie lhe dissera uma ocasião:
- Se você é bonita, tem um cérebro e uma vagina, pode dominar o mundo.
Leslie Stewart era linda, tinha um QI de 170 e a natureza cuidara do resto. Mas considerava sua aparência uma desvantagem. Os homens lhe passavam cantadas ou até a pediam em casamento, mas poucos se davam ao trabalho de tentar conhecê-la de fato.
Além das duas secretárias que trabalhavam na Bailey &Tomkins, Leslie era a única mulher ali. Os outros quinze funcionários eram homens. Leslie levara menos de uma semana para constatar que era mais inteligente do que todos eles. Fora uma descoberta que decidira guardar só para si.
No início, ambos os sócios, Jim Bailey, um homem gordo e de fala suave com seus quarenta e poucos anos, e Al Tomkins, anoréxico e hiperativo, dez anos mais jovem que Bailey, tentaram levar Leslie para a cama. Ela os dissuadira sem muita dificuldade:
- Peça mais uma vez, e irei embora.
Não houvera mais tentativas. Leslie era uma funcionária valiosa demais para que a perdessem.
Em sua primeira semana no emprego, durante um intervalo para o café, Leslie contou uma história aos colegas:
- Três homens depararam com um gênio do sexo feminino, que prometeu conceder um desejo a cada um. O primeiro homem disse: "Eu gostaria de ser vinte e cinco por cento mais inteligente." O gênio piscou e o homem acrescentou: "Ei, já me sinto mais inteligente!" O segundo homem disse: "Eu gostaria de ser cinqüenta por cento mais inteligente." Nova piscadela, e o homem exclamou: "Mas isso é maravilhoso! Acho que conheço coisas agora que não sabia antes!" O terceiro homem pediu então: "Eu gostaria de ser cem por cento mais inteligente." Mais uma piscadela, e o gênio transformou-o numa mulher.
Leslie olhou para os homens à mesa, em expectativa. Todos a fitavam fixamente, sem acharem a menor graça.
Ela marcara seu ponto.
O dia memorável prometido pelo astrólogo começou às onze horas daquela manhã. Jim Bailey entrou na sala pequena e apinhada de Leslie para anunciar:
- Temos um novo cliente. Quero que você cuide da conta. Leslie já cuidava de mais contas que qualquer outro na agência, mas sabia que era melhor não protestar.
- Está bem. Qual é a firma?
- Não é uma firma. É uma pessoa. Com certeza você já ouviu falar de Oliver Russell.
Todo mundo já ouvira falar de Oliver Russell. Advogado local e candidato a governador, tinha seu rosto em cartazes espalhados por todo o estado do Kentucky. Com uma carreira jurídica brilhante, era considerado, aos 35 anos de idade, o solteiro mais cobiçado do Estado. Era sempre convidado para os principais programas de entrevistas nas grandes emissoras de televisão de Lexington - WDKY, WTVQ, WKYT - e nas emissoras de rádio mais populares, a WKQQ e WLRO. Muito bonito, com cabelos pretos rebeldes, olhos escuros, porte atlético e um sorriso efusivo, tinha a reputação de ter levado para a cama a maioria das mulheres de Lexington.
- Claro que sim. O que vamos fazer por ele?
- Vamos tentar ajudá-lo a se tornar governador do Kentucky. Ele está vindo para cá neste momento.
Oliver Russell chegou pouco depois. Era ainda mais atraente em pessoa do que nas fotografias. Exibiu um sorriso entusiasmado ao ser apresentado a Leslie.
- Já ouvi falar muito a seu respeito. Fico contente por saber que vai cuidar da minha campanha.
Ele não era absolutamente nada daquilo que Leslie esperara encontrar. Havia naquele homem uma sinceridade desconcertante. Por um momento, Leslie sentiu-se meio desorientada, sem saber o que dizer.
- Eu... obrigada. Sente-se, por favor.
Oliver Russell se acomodou numa cadeira.
- Vamos começar pelo início - sugeriu Leslie.
- Por que resolveu disputar o cargo de governador?
- É muito simples. Kentucky é um estado maravilhoso. Sabemos disso porque vivemos aqui, e assim podemos desfrutar sua magia... mas a maior parte do país pensa em nós como um bando de caipiras. Quero mudar essa imagem. Kentucky tem mais a oferecer do que uma dúzia de outros estados juntos. A história do país começou aqui. Temos um dos mais antigos capitólios da América. Kentucky já deu dois presidentes a este país. É a terra de Daniel Boone, Kit Carson e do juiz Roy Bean. Temos as mais lindas paisagens do mundo... cavernas incríveis, rios espetaculares, campos verdejantes... tudo, enfim. Quero mostrar o que temos aqui ao resto do mundo.
Ele falou com uma profunda convicção e Leslie se viu extremamente atraída. Pensou na coluna de astrologia. A lua nova ilumina sua vida amorosa. Hoje será um dia memorável. Esteja preparada para desfrutá-lo.
Oliver Russell estava dizendo:
- A campanha só vai funcionar se você acreditar nela com tanto vigor quanto eu.
- Eu acredito - disse Leslie rapidamente.
Depressa demais.
- Estou ansiosa em participar.
Ela hesitou por um momento.
- Posso lhe fazer uma pergunta?
- Claro.
- Qual é o seu signo?
- Virgem.
Depois que Oliver Russell se retirou, Leslie foi até a sala de Jim Bailey.
- Gostei dele - declarou ela.
- É um homem sincero. Realmente preocupado. Acho que dará um excelente governador.
Jim fitou-a com uma expressão pensativa.
- Não vai ser fácil.
Ela ficou perplexa.
- É mesmo? Por que não?
Bailey deu de ombros.
- Não sei direito. Há alguma coisa acontecendo que não posso explicar. Viu Russell em todos os cartazes e na televisão?
- Vi, sim.
- Pois isso parou.
- Não entendo. Parou por quê?
- Ninguém sabe com certeza, mas há inúmeros rumores muito estranhos a respeito. Um dos rumores é de que alguém que apoiava Russell, entrando com todo o dinheiro para sua campanha, por algum motivo se afastou, de repente.
- No meio de uma campanha em que ele estava na frente? Não faz sentido, Jim.
- Sei disso.
- Por que ele nos procurou?
- Russell quer mesmo ser eleito. Acho que ele é ambicioso. E pensa que pode dar sua contribuição à política. Gostaria que preparássemos uma campanha que não lhe custasse muito dinheiro. Ele não tem mais condições de comprar tempo na TV ou pagar propaganda impressa. O que podemos fazer por ele agora é conseguir entrevistas, distribuir notícias para a mídia, essas coisas.
Bailey fez uma pausa, balançou a cabeça.
- O governador Addison está gastando uma fortuna em sua campanha. E Russell sofreu uma queda considerável nas pesquisas nas últimas duas semanas. É uma pena. Ele é um bom advogado. Faz muitos serviços de utilidade pública. E estou convencido de que ele daria um bom governador.
Naquela noite Leslie escreveu a primeira anotação em seu novo diário: “Querido Diário: Esta manhã conheci o homem com quem vou me casar”.
A primeira parte da infância de Leslie Stewart foi única. Ela era uma criança de inteligência extraordinária. Seu pai era professor de inglês no Community College de Lexington e a mãe, dona-de-casa. O pai era um homem bonito, aristocrático e intelectual. Um pai dedicado, que cuidava para que a família sempre viajasse junta nas férias. Adorava Leslie.
- Você é a queridinha do papai - dizia ele.
Sempre comentava que ela estava linda, nunca deixava de elogiá-la por suas notas, seu comportamento, suas amigas. Leslie não fazia nada de errado aos olhos dele.
Em seu nono aniversário, o pai comprou um lindo vestido de veludo marrom, com punhos de renda. Pediu-lhe que pusesse o vestido e a exibiu para os amigos quando apareceram para o jantar.
- Ela não é linda?
Leslie o idolatrava.
Certa manhã, um ano depois, numa fração de segundo, a vida maravilhosa de Leslie se desvaneceu. A mãe, com o rosto manchado de lágrimas, chamou-a e sentou-a à sua frente.
- Querida, seu pai... nos deixou. Leslie não compreendeu a princípio.
- Quando ele voltará?
- Ele não vai mais voltar.
E cada palavra foi como uma faca afiada a penetrá-la. Minha mãe o afugentou, pensou Leslie. Ela sentiu pena da mãe, porque agora haveria um divórcio e uma briga pela custódia da filha. O pai nunca renunciaria a ela. Nunca mesmo. Ele virá me buscar garantiu Leslie a si mesma.
Mas semanas se passaram e o pai não a procurou. Não querem deixar que ele venha me visitar concluiu Leslie. Mamãe o está punindo.
Foi a tia idosa de Leslie quem explicou à criança que não haveria uma batalha pela custódia. O pai de Leslie se apaixonara por uma viúva que era professora na universidade e fora viver com ela, em sua casa na Limestone Street.
Um dia, quando saíram para fazer compras, a mãe de Leslie apontou a casa e disse, amargurada:
- É ali que eles vivem.
Leslie resolveu visitar o pai. Ao me ver refletiu ela, papai vai querer voltar para casa.
Numa sexta-feira, depois das aulas, Leslie foi até a casa na Limestone Street e tocou a campainha. A porta foi aberta por uma garota de sua idade. Ela usava um vestido de veludo marrom com punhos de renda. Leslie ficou chocada.
A garota a fitava com uma expressão de curiosidade.
- Quem é você?
Leslie saiu correndo.
No decorrer do ano seguinte, Leslie observou a mãe se recolher mais e mais para dentro de si mesma. Ela perdera todo e qualquer interesse pela vida. Leslie sempre achara que "morrer de coração partido" era apenas uma frase vazia, ma acabou observando, impotente, a mãe definhar e morrer. Quando as pessoas lhe perguntavam de que a mãe morrera Leslie respondia:
- Ela morreu de coração partido.
E decidiu que nenhum homem jamais faria isso com ela. Depois da morte da mãe, Leslie foi morar com a tia. Cursou o segundo grau na Bryan Station High School e se formou com summo cum laude pela Universidade do Kentucky. Em seu último ano de faculdade, foi eleita rainha da beleza. Recusou diversas propostas de agências de modelos.
Ela teve dois namoros breves, o primeiro com um astro de futebol americano da universidade, o outro com seu professor de economia. Ambos a deixaram rapidamente entediada. O problema era o fato de ser mais inteligente do que os dois.
A tia morreu pouco antes de Leslie se formar. Logo em seguida, ela se candidatou a um emprego na agência de propaganda e relações públicas Bailey &Tomkins. O escritório ficava na Vine Street, num prédio em formato de U, com um telhado de cobre e um chafariz no pátio.
Jim Bailey, o sócio sênior, examinou o currículo de Leslie e fez um movimento de aprovação com a cabeça.
- Impressiona de fato. E você está com sorte. Precisamos de uma secretária.
- Uma secretária? Eu esperava...
- Sim?
- Nada.
Leslie começou como secretária, tomando anotações em todas as reuniões, a mente sempre julgando e pensando em meios de melhorar as campanhas de propaganda que eram sugeridas. Certa manhã, um executivo de conta disse:
- Pensei no logotipo perfeito para a conta do Rancl Beef Chili. Podemos mostrar na etiqueta da lata um vaqueiro laçando um boi. Sugere que a carne é fresca e...
É uma idéia horrível, pensou Leslie. Todos a fitaram e ela percebeu, horrorizada, que falara em voz alta.
- Importa-se de explicar, mocinha?
- Eu... - ela gostaria de estar em outro lugar. Qualquer um. Todos esperavam.
Leslie respirou fundo.
- Quando as pessoas comem carne, não querem ser lembradas de que estão comendo um animal morto.
Houve um silêncio prolongado. Por fim, Jim Bailey limpou a garganta e comentou:
- Talvez devêssemos pensar mais um pouco a respeito.
Na semana seguinte, durante uma reunião para discutir a nova campanha de um sabonete especial, um dos executivos propôs:
- Vamos usar vencedores de concursos de beleza.
- Com licença - interveio Leslie, hesitante.
- Creio que isso já foi feito. Por que não podemos mostrar lindas comissárias de bordo do mundo inteiro para mostrar que nosso sabonete é universal?
Em reuniões subseqüentes, os homens passaram a recorrer cada vez mais à opinião de Leslie.
Um ano depois, ela era redatora júnior e, dois anos mais tarde, tornou-se uma executiva de conta, cuidando tanto de propaganda quanto de relações públicas.
Oliver Russell era o primeiro grande desafio que Leslie tinha na agência. Duas semanas depois de ele procurá-los, Bailey sugeriu a Leslie que talvez fosse melhor abandonar a conta, já que ele não podia pagar os honorários normais da agência. Leslie persuadiu-o a continuar com a conta, dizendo:
- Encare como um serviço de utilidade pública. Bailey estudou-a em silêncio por um momento.
- Está bem.
Leslie e Oliver Russell estavam sentados num banco no Triangle Park. Era um dia frio de outono, uma suave brisa soprava do lago.
- Detesto política - comentou Oliver Russell.
Leslie fitou-o, surpresa.
- Então por que se meteu...?
- Porque quero mudar o sistema, Leslie. Ele está sendo dominado pelos lobistas e pelas corporações que ajudar a levar as pessoas erradas para o poder para depois controlá-las. Há muitas coisas que quero fazer - Sua voz estava cheia de entusiasmo.
- As pessoas que dirigem o país o transformaram numa ação entre amigos. Estão mais preocupadas com elas próprias do que com o povo. Não é certo, e tentarei corrigir isso.
Leslie ficou escutando, enquanto Oliver continuava a falar, e pensou: Ele pode conseguir. Oliver emanava uma energia contagiante. A verdade é que ela achava tudo nele excitante. Nunca se sentira assim por um homem antes, e era uma experiência estimulante. Não tinha como saber o que Oliver sentia por ela. Ele era sempre o perfeito cavalheiro, diabos.
Leslie tinha a impressão de que a intervalos de poucos minutos várias pessoas se aproximavam do banco para apertar a mão de Oliver e lhe desejar boa sorte. As mulheres lançavam olhares furiosos para Leslie. É bem provável que todas tenham saído com ele, pensou Leslie. É provável também que todas tenham ido para cama com ele. O que não é da minha conta.
Ela soubera que até pouco tempo atrás Oliver vinha saindo com a filha de um senador. E se perguntava o que teria acontecido. Mas isso também não é da minha conta.
Não havia como evitar o fato de que a campanha de Oliver não ia nada bem. Sem dinheiro para pagar sua equipe e sem propaganda na televisão, rádio ou jornais, era impossível competir com o governador Cary Addison, cuja imagem parecia estar em toda parte. Leslie deu um jeito para que Oliver aparecesse em piqueniques de empresas, em fábricas e em uma dúzia de eventos sociais, mas sabia que essas participações eram todas de menor importância, o que a deixava frustrada.
- Tem visto as últimas pesquisas? - perguntou Jim Bailey a Leslie.
- Seu candidato vai entrar pelo cano.
Não, se eu puder evitar, pensou Leslie.
Leslie e Oliver estavam jantando no Cheznous.
- Não estamos indo muito bem, não é mesmo? - perguntou Oliver, a voz calma.
- Ainda há tempo suficiente - respondeu Leslie, tranqüilizadora.
- Quando os eleitores passarem a conhecê-lo melhor ...
Oliver sacudiu a cabeça.
- Também leio as pesquisas. Quero que você saiba que aprecio tudo o que tentou fazer por mim, Leslie. Tem sido sensacional.
Ela ficou imóvel na cadeira, observando-o do outro lado da mesa, e pensou: Ele é o homem mais maravilhoso que já conheci, e não posso ajudá-lo. Leslie sentiu vontade de tomá-lo nos braços, aconchegá-lo e consolá-lo. Consolá-lo? A quem estou querendo enganar?
Quando se levantavam para ir embora, um homem, uma mulher e duas meninas pequenas se aproximaram da mesa.
- Oliver! Como tem passado?
O homem estava na casa dos quarenta anos, era atraente, com uma venda preta sobre um olho que lhe proporcionava a aparência de um pirata afável.
Oliver levantou-se e estendeu a mão.
- Olá, Peter. Eu gostaria de apresentá-lo a Leslie Stewart. Peter Tager.
- Olá, Leslie. - Tager acenou com a cabeça para a sua família. - Esta é minha esposa, Betsy, e estas são Elizabeth e Rebecca. - Havia um enorme orgulho em sua voz.
Ele tornou a se virar para Oliver.
- Lamento muito o que aconteceu. Foi uma pena. Detestei fazer aquilo, mas não tive opção.
- Eu compreendo, Peter.
- Se houvesse alguma coisa que eu pudesse ter feito...
- Não tem importância. Estou bem.
- Você sabe que eu lhe desejo toda a sorte do mundo. Voltando para casa, Leslie perguntou:
- O que significava aquela conversa?
Oliver deu a impressão de que ia contar alguma coisa, mas mudou de idéia.
- Não é importante.
Leslie morava num apartamento de quarto e sala no bairro de Brandywine, em Lexington. Ao se aproximarem do prédio, Oliver disse, hesitante:
- Leslie, sei que sua agência está cuidando da minha conta quase de graça, mas, francamente, acho que você está desperdiçando seu tempo. Poderia ser melhor se eu desistisse agora.
- Nada disso! -exclamou Leslie, com uma intensidade na voz que a surpreendeu.
- Não pode desistir. Encontraremos um meio de superar todas as dificuldades.
Oliver virou a cabeça para fitá-la.
- Você realmente se importa, não é? Estou percebendo algo mais nessa pergunta?
- Claro que sim - murmurou ela.
- Realmente me importo.
Ao chegarem ao apartamento, Leslie respirou fundo, antes de indagar:
- Não quer entrar?
Ele fitou-a em silêncio por um longo momento.
- Quero.
Depois, ela não saberia dizer quem fez o primeiro movimento. O que podia lembrar era de os dois se despindo, de cair nos braços de Oliver, da pressa desenfreada e primitiva com que fizeram amor. Depois, houve uma fusão lenta e tranqüila, num ritmo intemporal e extasiado.
Foi a sensação mais maravilhosa que Leslie já experimentara.
Passaram a noite inteira juntos, e foi um momento mágico. Oliver era insaciável, dando e exigindo ao mesmo tempo, e parecia querer continuar para sempre. Era um animal. E Leslie pensou: Oh, Deus, eu também sou!
Pela manhã, enquanto comiam um desjejum com suco de laranja, ovos mexidos, torradas e bacon, Leslie disse:
- Vai haver um piquenique no lago Green River na sexta-feira, Oliver. Com muitas pessoas presentes. Agendarei um discurso para você. Compraremos tempo de rádio para que todos saibam que você estará lá. E depois...
- Leslie, não temos dinheiro para isso.
- Ora, não se preocupe - respondeu ela, despreocupada.
- A agência pagará.
Leslie sabia que não havia nem a mais remota chance de a agência pagar. Tencionava fazer aquilo com seu próprio dinheiro. Diria a Jim Bailey que o dinheiro fora doado por um partidário de Russell. E seria a verdade. Farei qualquer coisa no mundo para ajudá-lo, pensou ela.
Havia duzentas pessoas no piquenique no lago Green River, e Oliver fez um discurso brilhante para a multidão.
- Metade das pessoas neste país não vota. Temos o mais baixo registro eleitoral entre todos os países industrializados do mundo... menos de cinqüenta por cento. Se vocês querem que as coisas mudem, têm a responsabilidade de fazer com que mudem. É mais do que uma responsabilidade, é um privilégio. Há uma eleição iminente. Quer votem em mim ou em meu adversário, votem. Vocês têm de participar.
Ele foi aplaudido com entusiasmo.
Leslie providenciou para que Oliver comparecesse a tantos eventos quanto possível. Ele presidiu à inauguração de uma clínica infantil, à abertura de uma ponte, conversou com grupos femininos, representantes sindicais, falou em festas beneficentes, em asilos para idosos. Apesar de tudo, continuava a cair nas pesquisas. Sempre que não estava em campanha, Oliver encontrava algum tempo para passar com Leslie. Passearam de charrete pelo Triangle Park, circularam numa tarde de sábado pelo Antique Market, jantaram no À la Lucie. Oliver deu flores a Leslie no Dia da Marmota e no aniversário da Batalha de Bull Run, e deixava mensagens afetuosa: para ela na secretária eletrônica:
“Querida, onde você está? Sinto saudade, muita saudade.” "Estou perdidamente apaixonado por sua secretária eletrônica. Tem alguma idéia do quanto ela parece sensual?"
"Acho que deve ser ilegal alguém se sentir tão feliz. Eu amo você."
Não importava para Leslie aonde ia com Oliver: queria apenas estar com ele.
Uma das coisas mais excitantes que fizeram foi descer de balsa as corredeiras do rio Russell Fork, num domingo. E a viagem começou de maneira inocente, tranqüila, até que o rio começou a se agitar, na base das montanhas, dando uma volta imensa, com uma sucessão de quedas verticais, ensurdecedoras, vertiginosas, iniciando as corredeiras: um metro e meio, dois metros, três... tudo assustador, a balsa dando impressão de que ia se desmanchar. A viagem demorou três horas e meia. Ao saírem da balsa, Leslie e Oliver estavam encharcados e contentes por continuarem vivos. Não conseguiam afastar as mãos um do outro. Fizeram amor em sua cabana na pousada, no banco traseiro do carro de Oliver, no bosque.
Uma noite, no início do outono, Oliver preparou o jantar em sua encantadora casa em Versailles, uma cidadezinha perto de Lexington. Ele serviu bifes grelhados, marinados em molho de soja, alho e ervas, com batatas cozidas, salada e um vinho tinto perfeito.
- Você é um cozinheiro maravilhoso. - Leslie aconchegou-se a ele. - Na verdade, é maravilhoso em tudo, querido.
- Obrigado, meu amor. - Ele se lembrou de uma coisa.
- Tenho uma pequena surpresa para você. Quero que experimente.
Ele foi até o quarto. Voltou um momento depois com um vidro pequeno, que continha um líquido transparente.
- Aqui está.
- O que é isso?
- Já ouviu falar de ecstasy?
- Se ouvi falar? É o que estou vivendo!
- Eu me refiro à droga ecstasy. Isto é ecstasy líquido. Dizem que é um tremendo afrodisíaco.
Leslie franziu o rosto.
- Querido, você não precisa disso. Nós não precisamos. E pode ser perigoso. - Ela hesitou. - Você usa com freqüência?
Oliver riu.
- Para ser franco, não. Tire essa expressão do rosto. Um amigo me deu isto e sugeriu que eu experimentasse. Esta seria a primeira vez.
- Não vamos ter a primeira vez - disse Leslie.
- Pretende jogar fora?
- Claro que sim.
Ele foi para o banheiro e, um instante depois, Leslie ouviu o barulho da descarga da latrina. Oliver voltou.
- Pronto. - Ele sorriu.
- Quem precisa de ecstasy num vidro? Tenho numa embalagem muito melhor.
E ele a abraçou.
Leslie lera histórias de amor e ouvira canções de amor, mas nada a preparara para essa realidade incrível. Sempre pensara que as letras românticas eram bobagens sentimentais. Sonhos irreais. Sabia melhor agora. O mundo parecia subitamente mais brilhante, mais belo. Tudo era impregnado de magia, e o mágico era Oliver Russell.
Numa manhã de sábado, Oliver e Leslie faziam uma excursão a pé pelo Breaks Interstate Park, apreciando a paisagem espetacular que os cercava.
- Nunca estive nesta trilha antes - comentou Leslie.
- Acho que você vai gostar.
Estavam se aproximando de uma curva fechada no caminho. Ao saírem da curva, Leslie parou, atordoada. No meio do caminho havia uma placa de madeira pintada a mão LESLIE, QUER CASAR COMIGO? O coração de Leslie disparou. Ela virou-se para Oliver incapaz de falar. Ele abraçou-a.
- Quer?
Como tive tanta sorte?, perguntou-se Leslie.
Ela apertou-o com força e sussurrou:
- Claro que quero, querido.
- Infelizmente, não posso prometer que vai casar com um governador, mas sou um bom advogado.
Ela se aninhou nos braços dele e murmurou:
- Isso é mais do que suficiente.
Poucas noites depois, Leslie se vestia para jantar com Oliver quando ele telefonou.
- Querida, sinto muito, mas acabo de receber uma notícia. Tenho de comparecer a uma reunião esta noite, e por isso serei obrigado a cancelar o nosso jantar. Você me perdoa?
Leslie sorriu.
- Está perdoado.
No dia seguinte, Leslie pegou o State Journal e leu a manchete: CORPO DE MULHER ENCONTRADO NO RIO KENTUCKY. A notícia dizia: "No início desta manhã, a polícia encontrou no rio Kentucky, quinze quilômetros a leste de Lexington, o corpo de uma mulher nua, que parecia ter vinte e poucos anos. Está sendo efetuada uma autópsia para determinar a causa da morte..."
Leslie estremeceu, enquanto lia o texto. Morrer tão jovem! Será que ela tinha um amante? Um marido? Como me sinto grata por estar viva, tão feliz e tão amada!
Parecia que todos em Lexington só falavam sobre o iminente casamento. Lexington era uma cidade pequena e Oliver Russell, uma figura popular. Formavam um casal de aparência espetacular, Oliver moreno e bonito, Leslie com rosto e corpo adoráveis, os cabelos cor de mel. A notícia se espalhara como fogo em mato seco.
- Espero que ele saiba como é afortunado - comentou Jim Bailey
para Leslie, que sorriu.
- Ambos somos afortunados.
- Vão procurar um juiz de paz para casar?
- Não. Oliver quer um casamento formal. Vamos casar na Capela do Calvário.
- E quando vai ocorrer o feliz evento?
- Daqui a seis semanas.
Poucos dias depois, uma notícia na primeira página do State Journal dizia o seguinte: "A autópsia revelou que a mulher encontrada no rio Kentucky, identificada como Lisa Burnette, uma secretária, morreu de overdose de uma droga ilegal e perigosa conhecida nas ruas como ecstasy líquido..."
Ecstasy líquido. Leslie recordou a noite com Oliver. E pensou: Ainda bem que ele jogou fora o que havia no vidro. As semanas subseqüentes foram preenchidas pelos frenéticos preparativos para o casamento. Havia muita coisa a fazer. Foram enviados convites para duzentas pessoas.
Leslie escolheu a dama de honra e selecionou o vestido dela, com o comprimento de um traje de bailarina, sapatos combinando e luvas para complementar a extensão das mangas. Para si mesma, ela foi até a Fayette Mall, na Nicholasville Road, e escolheu um vestido longo, com saia rodada e uma ampla cauda, sapatos para combinar com vestido e luvas compridas.
Oliver encomendou uma casaca preta, com calça listrada, colete cinza, camisa branca de colarinho de ponta virada e uma gravata Ascot listrada. O padrinho era um advogado de sua firma.
- Está tudo preparado - informou Oliver a Leslie. Já tomei as providências necessárias para a recepção. Quase todos aceitaram o convite.
Leslie sentiu um pequeno calafrio percorrer seu corpo.
- Mal posso esperar, meu querido.
Numa noite de quinta-feira, uma semana antes do casamento Oliver foi ao apartamento de Leslie.
- Infelizmente, Leslie, surgiu uma emergência. Um amigo meu está com um problema. Terei de voar até Paris para resolver tudo.
- Paris? Por quanto tempo ficará ausente?
- Não deve levar mais que dois ou três dias, quatro no máximo. Voltarei com tempo de sobra.
- Diga ao piloto para voar com todo cuidado.
- Prometo.
Depois que Oliver se retirou, Leslie pegou o jornal na mesa. Sem pensar, abriu na página do horóscopo de Zoltaire onde leu:
PARA LEÃO (23 DE JULHO A 22 DE AGOSTO). ESTE NÃO É UM BOM DIA PARA MUDAR DE PLANOS. ASSUMIR RISCOS PODE LEVAR A GRAVES PROBLEMAS. Ela tornou a ler o horóscopo, perturbada. Quase que se sentiu tentada a telefonar para Oliver e lhe pedir que não viajasse. Mas isso seria ridículo, pensou ela. Afinal, é apenas um horóscopo idiota.
Na segunda-feira, Leslie não teve qualquer notícia de Oliver. Telefonou para o escritório dele, mas o pessoal de lá também não sabia de nada. Também não houve notícia na terça-feira. Leslie começou a entrar em pânico. Às quatro horas da madrugada de quarta-feira ela foi acordada pela insistente campainha do telefone. Sentou-se na cama e pensou: É Oliver! Graças a Deus! Sabia que deveria se mostrar zangada com ele por não ter lhe telefonado antes, mas isso não tinha importância agora.
Ela atendeu.
- Oliver...
Uma voz de outro homem indagou:
- É Leslie Stewart quem está falando? Ela sentiu um súbito calafrio.
- Quem... quem é você?
- Al Towers, da Associated Press. Acabamos de receber uma informação, srta. Stewart, e queríamos saber sua reação.
Alguma coisa terrível acontecera. Oliver morrera.
- Srta. Stewart?
- Pois não?
A voz de Leslie era um sussurro estrangulado.
- Podemos divulgar uma declaração sua?
- Uma declaração sobre o quê?
- Sobre Oliver Russell casar com a filha do senador Todd Davis, em Paris.
Por um instante, o quarto pareceu girar.
- Era noiva do sr. Russell, não é mesmo? Se pudermos divulgar uma declaração...
Leslie estava imóvel, congelada.
- Srta. Stewart? Ela recuperou a voz.
- Pois não... eu... desejo felicidade a ambos.
Leslie desligou, atordoada. Era um pesadelo. Despertaria dentro de poucos minutos e descobriria que não passava de um sonho.
Mas não era um sonho. Ela fora abandonada de novo. Seu pai não voltará. Leslie foi para o banheiro e contemplou sua imagem pálida no espelho. Acabamos de receber uma informação. Oliver casara com outra. Por quê? O que eu fiz errado? Em que lhe falhei? Mas, lá no fundo, ela sabia que fora Oliver quem lhe falhara. Ele se fora.
Como ela poderia encarar o futuro?
Quando Leslie entrou na agência, naquela manhã, todos fizeram o maior esforço para não fitá-la. Ela foi para a sala de Jim Bailey. Um único olhar para seu rosto pálido e ele disse:
- Não deveria ter vindo hoje, Leslie. Por que não vai para casa e...
Ela respirou fundo.
- Não, obrigada. Estarei bem.
Os noticiários de rádio e televisão e os jornais da tarde relataram com detalhes o casamento em Paris. O senador Todd Davis era sem dúvida o cidadão mais influente do Kentucky e a história do casamento de sua filha, com o noivo rompendo de repente com Leslie, era uma grande notícia.
Os telefones no escritório de Leslie não paravam de tocar.
- Aqui é do Courier Journal, srta. Stewart. Poderia nos dar uma declaração sobre o casamento?
- Claro. A única coisa que me importa é a felicidade de Oliver Russell.
- Mas vocês dois iam...
- Nosso casamento teria sido um erro. A filha do senador Davis chegou na vida dele primeiro. Obviamente, ele nunca a esqueceu. Desejo o melhor possível para ambos.
- Aqui é do State Journal, de Frankfort...
Parecia interminável.
Leslie tinha a impressão de que metade de Lexington se compadecia de sua situação, enquanto a outra metade se regozijava pelo que lhe acontecera. Aonde quer que Leslie fosse, havia murmúrios e conversas interrompidas abruptamente. Ela estava determinada a não demonstrar seus sentimentos.
- Como pôde deixar que ele fizesse isso...?
- Quando você ama um homem de verdade, só quer a sua felicidade. Oliver Russell é o melhor ser humano que já conheci. Quero que ambos sejam felizes.
Ela enviou bilhetes de desculpas a todas as pessoas convidadas para o casamento e devolveu os presentes.
Leslie vinha esperando e ao mesmo tempo receando o telefonema de Oliver. Ainda assim, ela estava despreparada quando aconteceu. Ficou abalada pelo som familiar de sua voz.
- Leslie... não sei o que dizer.
- É verdade, não é?
- É, sim.
- Então não há nada a dizer.
- Eu só queria explicar como aconteceu. Antes de conhecer você, Jan e eu estávamos quase noivos. E quando tornei a vê-la, eu... eu compreendi que ainda a amava.
- Eu entendo, Oliver. Adeus.
Cinco minutos depois, a secretária de Leslie avisou pelo interfone:
- Há uma ligação na linha um, srta. Stewart.
- Não quero falar ...
- É o senador Davis.
O pai da noiva. O que ele quer comigo?, especulou Leslie. Ela pegou o telefone. Uma voz profunda, com sotaque sulista, disse:
- Srta. Stewart?
- Pois não?
- Acho que nós dois devemos ter uma conversinha.
Leslie hesitou.
- Senador, não sei o que...
- Estarei aí para pegá-la dentro de uma hora.
A linha ficou muda.
Exatamente uma hora depois, uma limusine parou na frente do prédio em que Leslie trabalhava. Um motorista abriu a porta do carro para ela. O senador Davis estava sentado no banco traseiro. Era um homem de aparência distinta, com cabelos brancos lisos, um bigode pequeno e impecável. Tinha o rosto de um patriarca. Mesmo no outono, vestia o terno branco que era a sua marca registrada, com um chapéu de palha de Livorno de aba larga. Era uma figura clássica de um século anterior, um antiquado cavalheiro sulista. Quando Leslie entrou no carro, o senador Davis disse:
- Você é uma jovem muito bonita.
- Obrigada - murmurou ela, tensa.
A limusine partiu.
- Não falei apenas no sentido físico, srta. Stewart. Venho acompanhando a maneira como tem enfrentado todo esse caso sórdido. Deve ter sido angustiante para você. Não pude acreditar na notícia quando a ouvi. - A voz estava impregnada de raiva. - O que aconteceu com a boa e velha moral? Para dizer a verdade, estou revoltado com Oliver por tê-la tratado de uma maneira tão vergonhosa. E estou furioso com Jan por ter casado com ele. De certa forma, sinto-me culpado, porque ela é minha filha. Os dois se merecem.
Ele tinha a voz embargada pela emoção. Rodaram em silêncio por algum tempo. Quando Leslie finalmente se manifestou, foi para dizer:
- Conheço Oliver. Tenho certeza de que ele não teve intenção de me magoar. O que aconteceu... simplesmente aconteceu. Só quero o melhor para ele. Oliver merece, e eu não faria coisa alguma para prejudicá-lo.
- É muita generosidade sua. Ele estudou-a por um momento.
- É mesmo uma jovem extraordinária.
A limusine parara. Leslie olhou pela janela. Haviam chegado a Paris Pike, no Kentucky Horse Center. Havia mais de uma centena de haras em Lexington e em seus arredores, e o maior de todos pertencia ao senador Davis. Até onde a vista podia alcançar, havia cercas de tábuas brancas, padoques brancos com frisos vermelhos e campos ondulantes do capim azulado do Kentucky.
Leslie e o senador Davis saíram do carro e foram até a cerca da pista de corridas. Ficaram parados ali, observando os lindos animais se exercitarem. O senador Davis virou-se para Leslie.
- Sou um homem simples - murmurou ele.
- Sei como isso deve lhe parecer, mas é a verdade. Nasci aqui, e poderia passar o resto da minha vida aqui. Não há lugar igual no mundo. Basta olhar ao redor, srta. Stewart. Isto é tão perto quanto jamais poderemos chegar do paraíso. Pode me culpar por não querer deixar tudo isso? Mark Twain disse que queria estar no Kentucky quando o fim do mundo chegasse, porque há sempre um atraso por aqui de uns vinte anos. Passei a metade da minha vida em Washington, e detesto aquela cidade.
- Então por que aceita ir para lá?
- Porque tenho um senso de obrigação. Nosso povo me elegeu para o Senado e, até que me tirem através do voto, continuarei por lá tentando fazer o melhor trabalho que puder - Ele fez uma pausa, depois mudou de assunto abruptamente.
- Quero que saiba o quanto admiro seus sentimentos e a maneira como se comportou. Se quisesse ser desagradável, creio que poderia ter provocado um escândalo e tanto. Mas como aconteceu... eu gostaria de demonstrar meu agradecimento.
Leslie virou-se para fitá-lo.
- Pensei que poderia gostar de escapar por algum tempo, fazer uma pequena viagem ao exterior. Claro que eu arcaria com toda...
- Por favor, não faça isso.
- Eu só estava...
- Eu sei. Não conheço sua filha, senador Davis, mas se Oliver a ama, ela deve ser muito especial. Espero que os dois sejam felizes.
Ele disse, contrafeito:
- Acho que deve saber que eles estão de volta para casar aqui de novo. Em Paris foi uma cerimônia civil, mas Jan quer agora um casamento na igreja.
Era uma pontada no coração.
- Entendo. Mas eles não têm nada com que se preocupar.
- Obrigado.
O casamento ocorreu duas semanas depois, na Capela do Calvário, o mesmo lugar em que Leslie e Oliver haviam planejado casar. A igreja ficou lotada.
Oliver Russell, Jan e o senador Todd Davis ficaram de pé diante do ministro, no altar. Jan Davis era uma morena atraente, com uma presença imponente e um ar aristocrático.
O ministro se aproximava do final da cerimônia:
- Deus destinou homem e mulher a se unirem no sagrado matrimônio, e à medida que vocês seguirem juntos pela vida...
A porta da igreja foi aberta, e Leslie Stewart entrou.
Permaneceu lá no fundo por um momento, escutando, depois foi até o último banco, onde ficou de pé. O ministro dizia:
- ...portanto, se alguém sabe de algum motivo para que este casal não deva ser unido no sagrado matrimônio, que fale agora ou se cale... - ele levantou os olhos e avistou Leslie. ...para sempre.
Quase que numa reação involuntária, cabeças se viraram na direção de Leslie. Sussurros se espalharam pela multidão. Muitas pessoas sentiram que estavam prestes a testemunhar uma cena dramática. Uma súbita tensão dominou a igreja. O ministro esperou mais um instante, depois limpou a garganta, nervoso.
- Sendo assim, pelo poder que me foi investido, eu os declaro agora marido e mulher.- Havia um tom de profundo alívio em sua voz.
- Pode beijar sua esposa.
Quando o ministro tornou a levantar os olhos, Leslie já havia desaparecido.
O registro final no diário de Leslie Stewart dizia o seguinte:
“Querido Diário: Foi um lindo casamento. A esposa de Oliver é muito bonita. Usava um adorável vestido de noiva branco, em renda e cetim, com uma blusa frente-única e um bolero. Oliver parecia mais bonito do que nunca. E dava a impressão de estar muito feliz. Eu me sinto satisfeita, porque antes de acabar com ele, vou fazê-lo desejar nunca ter nascido”.
Foi o senador Todd Davis quem promoveu a reconciliação entre sua filha e Oliver Russell.
Todd Davis era viúvo. Um multimilionário, o senador possuía plantações de tabaco, minas de carvão, campos petrolíferos no Oklahoma e Alasca e um haras de categoria internacional. Como líder da maioria no Senado, era um dos homens mais poderosos de Washington. Servia seu quinto mandato. Era um homem com uma filosofia simples: Nunca esqueça um favor, nunca. Perdoe uma desfeita. Orgulhava-se de escolher vencedores, tanto nas corridas de cavalos quanto na política, e desde o início reconhecera Oliver Russell como muito promissor. O fato de que Oliver poderia casar com sua filha era uma bonificação inesperada, até que Jan tolamente cancelara tudo. Ao receber a notícia do iminente casamento de Oliver Russell com Leslie Stewart, ele ficara perturbado. E muito.
O senador Davis conhecera Oliver Russell quando o contratara como advogado para um problema legal. Ficara impressionado. Oliver era inteligente, bonito e articulado, com um encanto infantil que atraía as pessoas. O senador passara a almoçar com Oliver regularmente. Oliver nem imaginava o cuidado meticuloso com que era avaliado.
Um mês depois de conhecer Oliver, o senador Davis chamou Peter Tager para uma reunião.
- Creio que descobrimos nosso próximo governador. Tager era um homem sério, criado numa família religiosa. O pai era professor de história, e a mãe, dona-de-casa, e ambos devotos freqüentadores da igreja. Quando tinha onze anos, Peter Tager viajava num carro com os pais e o irmão menor, e os freios falharam. Houve um acidente fatal. O único sobrevivente foi Peter, que perdeu um olho.
Peter acreditava que Deus o poupara para que pudesse divulgar Sua palavra.
Peter Tager compreendia a dinâmica da política melhor do que qualquer outra pessoa que o senador Davis já conhecera. Tager sabia onde os votos se encontravam e como obtê-los. Tinha uma fantástica noção do que o povo queria ouvir e do que se cansara de ouvir. Mas ainda mais importante para o senador Davis era o fato de que Peter Tager era um homem em quem podia confiar, um homem íntegro. As pessoas gostavam dele. A venda preta sobre um olho lhe proporcionava uma aparência vistosa. O que importava para Tager, mais do que qualquer outra coisa no mundo, era sua família. O senador jamais conhecera um homem que se orgulhasse tanto de sua esposa e filhos.
Quando o senador Davis tivera o primeiro contato com ele, Peter Tager pensava em ingressar no sacerdócio.
- Há muitas pessoas precisando de ajuda, senador. Quero fazer o que puder.
Mas o senador Davis o dissuadira da idéia.
- Pense em quantas pessoas mais poderia ajudar se trabalhasse para mim no Senado dos Estados Unidos.
Fora uma escolha afortunada. Tager sabia como se podia fazer as coisas.
- O homem em quem estou pensando para concorrer ao governo do estado é Oliver Russell.
- O advogado?
- Isso mesmo. Ele é um político natural. Tenho a impressão de que não poderá perder se o apoiarmos.
- Parece interessante, senador.
Os dois começaram a analisar as possibilidades.
O senador Davis conversou com Jan sobre Oliver Russell. - O garoto tem um grande futuro pela frente, meu bem. - E também tem um grande passado, papai. É o maior conquistador da cidade.
- Ora, querida, não deve dar ouvidos a intrigas. Convidei Oliver para jantar aqui na sexta-feira.
O jantar na sexta-feira correu muito bem. Oliver foi encantador, e Jan descobriu-se atraída, contra a sua vontade. O senador observou-os atentamente, fazendo perguntas que sabia que mostrariam o melhor de Oliver.
Ao final da noite, Jan convidou Oliver para um jantar no sábado seguinte.
- Terei o maior prazer.
Daquela noite em diante, eles passaram a sair apenas um com o outro.
- Eles vão casar em breve - previu o senador para Peter Tager.
- É tempo de lançarmos a campanha de Oliver. Oliver foi convocado para uma reunião no escritório do senador Davis.
- Quero lhe fazer uma pergunta - disse o senador. Gostaria de ser o próximo governador do Kentucky? Oliver ficou surpreso.
- Eu... eu não tinha pensado nisso.
- Pois Peter Tager e eu pensamos. A eleição será no ano que vem. Isso nos dá tempo mais do que suficiente para projetar sua imagem, fazer as pessoas saberem quem é. Conosco por trás, você não pode perder.
E Oliver sabia que era verdade. O senador Davis era um homem poderoso, no controle de uma máquina política bem azeitada que podia criar mitos ou destruir qualquer pessoa que se interpusesse em seu caminho.
- Você teria de assumir uma dedicação total - advertiu o senador.
- Não tem problema.
- Tenho notícias ainda melhores para você, filho. Para mim, isso é apenas o primeiro passo. Você serve por um ou dois mandatos como governador, e prometo que depois o levaremos para a Casa Branca.
Oliver engoliu em seco.
- Hã... fala sério?
- Não costumo brincar com essas coisas. Não preciso lhe dizer que esta é a era da televisão. Você tem uma coisa que o dinheiro não pode comprar .. carisma. As pessoas se sentem atraídas por você. Gosta das pessoas com sinceridade, e isso é evidente. É a mesma qualidade que Jack Kennedy possuía.
- Eu... eu não sei o que dizer, Todd.
- Não precisa dizer coisa alguma. Tenho de voltar a Washington amanhã, mas começaremos a trabalhar na minha próxima vinda para cá.
Poucas semanas depois, foi iniciada a campanha para o governo do Estado. Cartazes com a foto de Oliver foram espalhados por toda parte. Ele aparecia na televisão, em comícios e seminários políticos. Peter Tager tinha suas pesquisas particulares, que indicavam que a popularidade de Oliver crescia a cada semana.
- Ele subiu mais cinco pontos - informou Tager ao senador.
- Está apenas dez pontos atrás do governador, e ainda nos resta bastante tempo. Mais algumas semanas e eles deverão estar emparelhados.
O senador Davis acenou com a cabeça.
- Oliver vai ganhar. Não tenho a menor dúvida quanto a isso.
Todd Davis e Jan comiam o desjejum.
- Nosso garoto já a pediu em casamento? Jan sorriu.
- Ainda não pediu expressamente mas tem feito insinuações.
- Não o deixe insinuar por muito tempo. Quero que se casem antes que ele se torne governador. Será muito melhor se o governador tiver uma esposa.
Jan abraçou o pai.
- Não imagina como estou contente por você tê-lo trazido para a minha vida. Sou louca por ele.
O senador sorriu radiante.
- Enquanto ele a fizer feliz, também fico feliz. Tudo corria com perfeição.
Na noite seguinte, quando chegou em casa, o senador encontrou Jan em seu quarto, arrumando as malas, o rosto manchado de lágrimas. Ele ficou preocupado.
- O que aconteceu, meu bem?
- Vou embora desta cidade! E nunca mais quero ver Oliver de novo enquanto viver!
- Ei, espere um instante! Do que está falando?
Jan virou-se para fitá-lo.
- Estou falando de Oliver. - O tom era amargurado.
- Ele passou a noite passada num motel com a minha melhor amiga. E ela mal pôde esperar para me telefonar e dizer que ele foi um amante maravilhoso!
O senador ficou imóvel, chocado.
- Ela não poderia estar apenas...
- Não. Liguei para Oliver. Ele... ele não pôde negar. Decidi ir embora. Vou para Paris.
- Tem certeza que é isso...?
- Certeza absoluta.
E no dia seguinte Jan partiu.
O senador chamou Oliver para uma conversa.
- Estou desapontado com você, filho.
Oliver respirou fundo.
- Lamento o que aconteceu, Todd. Foi... foi uma dessas coisas que não dá para evitar. Tomei alguns drinques, aquela mulher me abordou e... ora, foi difícil dizer não.
- Posso compreender - murmurou o senador, num tom solidário. - Afinal, você é um homem, certo?
Oliver sorriu, aliviado.
- Certo. E posso lhe assegurar que não vai acontecer de novo...
- Mas é uma pena. Você daria um excelente governador.
O sangue se esvaiu do rosto de Oliver.
- O que... o que está querendo dizer, Todd?
- Não pareceria correto se eu continuasse a apoiá-lo agora, não é mesmo, Oliver? Quando se pensa nos sentimentos de Jan...
- O que minha candidatura a governador tem a ver com Jan?
- Venho dizendo a todos que havia uma grande possibilidade de que o próximo governador fosse meu genro. Terei de fazer novos planos, não é mesmo?
- Seja razoável, Todd. Não pode...
O sorriso do senador Davis desapareceu.
- Nunca me diga o que posso ou não posso fazer, Oliver. Posso fazê-lo o próximo governador e posso destruí-lo!
Ele tornou a sorrir.
- Mas não me entenda mal. Sem ressentimentos. Eu lhe desejo o melhor.
Oliver permaneceu em silêncio por um longo momento
- Entendo... - Ele se levantou.
- Eu... lamento muito tudo isso.
- Também lamento, Oliver. Com toda sinceridade.
Depois que Oliver se retirou, o senador chamou Peter Tager.
- Vamos abandonar a campanha.
- Largar tudo? Por quê? Vamos ganhar. As últimas pesquisas...
- Faça o que estou dizendo. Cancele todos os compromissos de Oliver. No que nos diz respeito, ele está fora da disputa.
Duas semanas depois, as pesquisas começaram a apresentar uma queda nos índices de Oliver Russell. Os cartazes começaram a desaparecer, os anúncios no rádio e televisão foram cancelados.
- O governador Addison está começando a subir de novo nas pesquisas - comentou Peter Tager. - Se vamos encontrar um novo candidato, é melhor nos apressarmos.
O senador estava pensativo.
- Temos bastante tempo. Vamos esperar.
Foi poucos dias mais tarde que Oliver Russell foi à agência Bailey &Tomkins e pediu que cuidassem de sua campanha. Jim Bailey apresentou-o a Leslie, e Oliver se sentiu imediatamente fascinado por ela. Leslie não era apenas bonita, mas também inteligente e simpática... e acreditava nele. Oliver notara algumas vezes uma certa indiferença em Jan, mas a ignorara.
Com Leslie, era completamente diferente. Uma mulher efusiva e sensível, fora natural apaixonar-se por ela. De vez em quando,
Oliver pensava no que perdera. Isso é apenas o primeiro passo. Você serve por um ou dois mandatos como governador e prometo que depois o levaremos para a Casa Branca.
Oliver tratou de se persuadir: Que se dane. Posso ser feliz sem isso. Mas às vezes ele não podia deixar de pensar nas boas coisas que poderia ter realizado.
Com o casamento de Oliver iminente, o senador Davis chamou Tager para uma conversa.
- Peter, temos um problema. Não podemos deixar que Oliver Russell desperdice sua carreira ao casar com uma mulher desconhecida.
Peter Tager franziu o rosto.
- Não sei o que podemos fazer agora, senador. O casamento já foi marcado.
O senador Davis pensou um pouco.
- O páreo ainda não foi corrido, não é mesmo?
Ele telefonou para a filha em Paris.
- Jan, tenho uma notícia terrível para você. Oliver vai casar.
Houve um longo silêncio.
- Eu... eu já soube.
- O mais triste é que ele não ama essa mulher. Disse-me que vai casar com ela como uma reação, porque você o deixou. Ele ainda é apaixonado por você.
- Oliver disse isso?
- Claro que disse. Ele está fazendo uma coisa terrível para si mesmo. E, de certa forma, foi você quem o forçou a isso, meu bem. Quando o largou de repente, ele desmoronou.
- Pai, eu... não tinha idéia.
- Nunca vi um homem mais infeliz.
- Não sei o que dizer.
- Você ainda o ama?
- Sempre o amarei. Cometi um erro lamentável.
- Talvez não seja tarde demais.
- Mas ele vai casar!
- Meu bem, por que não esperamos para ver o que acontece? Talvez ele recupere o bom senso.
Depois que o senador Davis desligou, Peter Tager perguntou:
- O que pretende fazer, senador?
- Eu? - murmurou o senador Davis, com um ar inocente.
- Nada. Apenas juntar de volta algumas peças, devolvendo-as aos lugares a que pertencem. Acho que terei uma conversinha com Oliver.
Oliver Russell foi ao escritório do senador Davis naquela tarde.
- É um prazer tornar a vê-lo, Oliver. Obrigado por atender ao meu convite. Você está com uma boa aparência.
- Obrigado, Todd. Você também.
- Já estou velho, mas faço o que posso.
- Queria falar comigo, Todd?
- Queria, sim, Oliver. Sente-se.
Oliver se acomodou numa cadeira.
- Quero que me ajude com um problema legal que estou tendo em Paris. Uma das minhas companhias ali enfrenta dificuldades. Haverá uma assembléia de acionistas muito em breve. Eu gostaria que comparecesse para me representar.
- Terei o maior prazer. Quando será a assembléia? Verificarei na minha agenda...
- Lamento, mas terá de partir esta tarde.
Oliver ficou atônito.
- Esta tarde?
- Detesto mobilizá-lo com tão pouco prazo, mas acabei de receber o aviso. Meu avião está esperando no aeroporto. Pode viajar? É muito importante para mim.
Oliver tinha uma expressão pensativa.
- Darei um jeito.
- Ficarei muito agradecido, Oliver. Sabia que podia contar com você. - O senador inclinou-se para a frente. Lamento profundamente o que está acontecendo com você. Viu as últimas pesquisas? Ele suspirou, antes de arrematar:
- Você está caindo.
- Sei disso.
- Eu não deveria me importar tanto, mas...
O senador Davis não continuou.
- Mas...?
- Você daria um excelente governador. Na verdade, seu futuro não poderia ter sido mais brilhante. Teria muito dinheiro... e poder. Deixe-me falar um pouco sobre dinheiro e poder, Oliver. O dinheiro não se importa com quem o possui. Um vagabundo pode ganhar na loteria, um idiota pode herdar uma fortuna, ou alguém pode conseguir o dinheiro assaltando um banco. Mas poder... é algo diferente. Ter poder é possuir o mundo. Se você fosse governador deste Estado, poderia afetar as vidas de todos os que vivem aqui. Poderia obter a aprovação de projetos que ajudariam as pessoas, e teria o poder de vetar os projetos que pudessem prejudicá-las. Eu lhe prometi uma ocasião que poderia se tornar presidente dos Estados Unidos. Pois saiba que falei a sério, que você poderia mesmo ser. E pense sobre esse poder, Oliver, ser o homem mais importante do mundo, dirigindo o país mais poderoso do mundo. Não acha que vale a pena sonhar com isso? Pense a respeito.
O senador fez uma pausa, depois acrescentou, em voz pausada:
- O homem mais poderoso do mundo.
Oliver especulava sobre o rumo que a conversa tomaria. Como se em resposta à sua indagação tácita, o senador comentou:
- E você deixou escapar tudo isso apenas por uma mulher. Pensei que era mais inteligente, filho.
Oliver esperou. O senador Davis continuou, em tom casual:
- Falei com Jan esta manhã. Ela continua em Paris, no Ritz. Quando contei que você ia casar... ela desatou a chorar.
- Lamento muito, Todd. Sinceramente.
O senador suspirou.
- É uma pena que vocês dois não possam reatar.
- Todd, vou casar na semana que vem.
- Sei disso. E não interferiria em seu casamento por nada neste mundo. Suponho que não passo de um velho sentimental, mas para mim o casamento é a coisa mais sagrada do mundo. Tem minha bênção, Oliver.
- Fico muito grato.
- Sei que fica. - O senador olhou para seu relógio.
- Você vai querer ir para casa agora e arrumar as malas. As informações sobre a assembléia serão despachadas por fax para você em Paris.
Oliver levantou-se.
- Está certo. E não se preocupe. Cuidarei de tudo por lá.
- Tenho certeza que sim.
- Ah, antes que eu me esqueça, reservei um quarto para você no Ritz.
No luxuoso Challenger do senador Davis, voando para Paris, Oliver refletiu sobre a conversa com o senador. Você daria um excelente governador. Na verdade, seu futuro não poderia ter sido mais brilhante... Deixe-me falar um pouco sobre dinheiro e poder Oliver... Ter poder é possuir o mundo. Se você fosse governador deste Estado, poderia afetar as vidas de todos os que vivem aqui. Poderia obter a aprovação de projetos que ajudariam as pessoas, e teria o poder de vetar os projetos que pudessem prejudicá-las.
Mas não preciso disso, assegurou Oliver a si mesmo. De jeito nenhum. Vou casar com uma mulher maravilhosa. E faremos um ao outro felizes. Muito felizes.
Quando Oliver chegou na base da TransAir ExecuJet, no aeroporto Le Bourget, em Paris, encontrou uma limusine à espera.
- Para onde vamos, sr. Russell? - perguntou o motorista.
Ah, antes que eu me esqueça, reservei um quarto para você no Ritz. Jan estava no Ritz. Seria mais sensato se eu fosse para um hotel diferente, o Plaza Athénée ou o Meueice, pensou Oliver.
O motorista continuava a fitá-lo, aguardando a instrução.
- O Ritz - respondeu Oliver.
O mínimo que podia fazer era pedir desculpas a Jan.
Ele telefonou para Jan do saguão.
- Sou eu, Oliver. Estou em Paris.
- Eu já sabia - respondeu Jan.- Papai me ligou.
- Estou no saguão. Gostaria de cumprimentá-la, se você...
- Suba.
Quando entrou na suíte de Jan, Oliver ainda não sabia direito o que dizer. Jan o esperava na porta. Permaneceu parada ali por um momento, sorrindo, depois o abraçou e apertou com força.
- Papai me contou que você viria para cá. Não imagina como estou contente!
Oliver ficou imóvel, desorientado. Teria de falar sobre Leslie, mas precisava encontrar as palavras certas. Sinto muito pelo que aconteceu conosco... Nunca tive a intenção de magoá-la... Eu me apaixonei por outra... mas sempre vou...
- Eu... tenho de lhe contar uma coisa - murmurou ele, contrafeito.
- A verdade é que... E enquanto fitava Jan, Oliver pensou nas palavras do pai dela: Eu lhe prometi uma ocasião que poderia se tornar presidente dos Estados Unidos. Pois saiba que falei a sério, que você poderia mesmo ser. E pense sobre esse poder Oliver, ser o homem mais importante do mundo, dirigindo o país mais poderoso do mundo. Não acha que vale a pena sonhar com isso?
- O que é, querido?
E as palavras se despejaram como se tivessem vida própria.
- Cometi um erro terrível, Jan. Fui um tolo. Eu a amo. E quero casar com você.
- Oliver!
- Quer casar comigo?
Não houve hesitação.
- Claro que quero, meu amor!
Ele pegou-a no colo, carregou-a para a cama. Momentos depois, estavam nus e Jan dizia:
- Não imagina como senti saudade de você, querido.
- Devo ter perdido o juízo...
Jan comprimiu-se contra ele e balbuciou:
- Ah, como é maravilhoso...
- Isso acontece porque pertencemos um ao outro.
Oliver sentou-se na cama.
- Vamos dar a notícia a seu pai.
Ela fitou-o nos olhos, surpresa.
- Agora?
- Isso mesmo.
E eu terei de contar a Leslie.
Quinze minutos depois, Jan estava falando com o pai.
- Oliver e eu vamos casar!
- É uma notícia maravilhosa, Jan. Eu não poderia ficar mais surpreso ou satisfeito. Por falar nisso, o prefeito de Paris é um velho amigo meu. Está esperando seu telefonema. Ele os casará na prefeitura. Cuidarei para que tudo seja acertado.
- Mas...
- Ponha Oliver na linha.
- Só um instante, papai. - Jan estendeu o fone para Oliver - Ele quer falar com você.
Oliver atendeu.
- Todd?
- Você me deixou muito feliz, meu rapaz. Fez a coisa certa.
- Obrigado. Sinto a mesma coisa.
- Estou providenciando para que você e Jan casem em Paris. E quando voltarem, terão um grande casamento na igreja aqui. Na Capela do Calvário.
Oliver franziu o rosto.
- Na Capela do Calvário? Eu... hã... acho que não é uma boa idéia, Todd. Era ali que Leslie e eu...
- Por que não...?
A voz do senador Davis tornou-se fria.
- Você envergonhou minha filha, Oliver, e tenho certeza que quer compensar essa situação. Estou certo?
Houve uma longa pausa.
- Claro que está, Todd.
- Obrigado, Oliver. Espero vocês aqui em poucos dias. Temos muito que conversar sobre... a eleição para governador...
O casamento em Paris foi uma breve cerimônia civil no gabinete do prefeito. Quando acabou, Jan olhou para Oliver e disse:
- Papai quer nos oferecer um casamento religioso na Capela do Calvário.
Oliver hesitou, pensando em Leslie e no que isso representaria para ela. Mas fora longe demais para recuar agora.
- Como ele quiser.
Oliver não conseguia tirar Leslie dos pensamentos. Leslie nada fizera para merecer o que ele estava lhe fazendo. Vou telefonar para ela e explicar. Mas cada vez que pegava no telefone, ele pensava: Como posso explicar? O que posso dizer a ela? E ele não tinha resposta. Finalmente tomou coragem para ligar, mas a imprensa a alcançara primeiro e ele se sentiu ainda pior depois.
No dia seguinte ao retorno de Oliver e Jan a Lexington, a campanha eleitoral de Oliver recuperou todo o vigor anterior. Peter Tager acionou a máquina e Oliver tornou-se outra vez uma presença constante na televisão, rádio e jornais. Falou para uma enorme multidão no Kentucky Kingdom Thrill Park, comandou um comício na fábrica da Toyota em Georgetown. Falou no vasto centro comercial em Lancaster. E isso foi apenas o começo.
Peter Tager organizou um ônibus de campanha para levar Oliver por todo o Estado. Ele foi de Georgetown para Stanford, parou em Frankfort... Versailles... Winchester... Louisville. Falou na Feira do Kentucky e no Centro de Exposições. Em homenagem a Oliver, serviram burgoo, o tradicional ensopado do Kentucky feito de galinha, vitela, carne de boi, cordeiro e porco, uma ampla variedade de legumes frescos, tudo cozinhado num enorme caldeirão, sobre uma fogueira.
Os índices de Oliver nas pesquisas não paravam de subir. A única interrupção na campanha foi causada por seu casamento. Ele avistou Leslie no fundo da igreja e sentiu alguma apreensão. Conversou a respeito com Peter Tager.
- Não acha que Leslie tentaria fazer alguma coisa para me prejudicar, não é?
- Claro que não. E mesmo que ela quisesse, o que poderia fazer? Esqueça-a.
Oliver sabia que Tager tinha razão. Tudo corria às mil maravilhas. Não havia razão para se preocupar. Nada poderia detê-lo agora. Absolutamente nada.
Na noite da eleição, Leslie Stewart sentou sozinha em seu apartamento, diante da tevê, acompanhando a apuração. Distrito por distrito, a vantagem de Oliver se ampliava cada vez mais. Finalmente, quando faltavam cinco minutos para a meia-noite, o governador Addison apareceu para fazer seu discurso de reconhecimento da derrota. Leslie desligou a televisão. Levantou-se e respirou fundo.
Não chore mais, minha dama, Oh, não chore mais por hoje! Vamos cantar pelo velho Kentucky, a nossa terra, o nosso lar distante.
Estava na hora.
O senador Todd Davis estava tendo uma manhã movimentada. Voara da capital para Louisville para passar o dia, a fim de participar de uma venda de puros-sangues.
- É preciso manter as linhagens - explicou ele para Peter Tager, enquanto observavam os esplêndidos cavalos entrando e saindo da enorme arena. - É isso o que conta, Peter.
Uma linda égua estava sendo levada para o centro da arena.
- Aquela é Sail Away - murmurou o senador - Eu a quero.
O leilão foi concorrido, mas dez minutos depois, quando acabou, Sail Away pertencia ao senador Davis. O telefone celular tocou. Peter Tager atendeu.
- Alô?
Ele escutou por um momento, depois virou-se para o senador.
- Quer falar com Leslie Stewart?
O senador Davis franziu o rosto. Hesitou por um momento, depois pegou o telefone que Tager estendia.
- Como vai, srta. Stewart?
- Lamento incomodá-lo, senador Davis, mas será que poderíamos nos encontrar? Preciso de um favor.
- Voarei de volta a Washington esta noite, e assim...
- Posso ir encontrá-lo em qualquer lugar. É muito importante.
O senador Davis hesitou só por mais um instante.
- Se é tão importante, minha jovem, posso dar um jeito de recebê-la. Partirei para a minha fazenda dentro de poucos minutos. Quer se encontrar comigo ali?
- Seria ótimo.
- Eu a verei dentro de uma hora.
- Obrigada.
Davis desligou o telefone e olhou para Tager
- Eu estava enganado a respeito dela. Pensei que fosse mais esperta. Deveria ter me pedido dinheiro antes de Jan e Oliver casarem. - Ele ficou pensativo por um momento, depois seu rosto se desmanchou num lento sorriso.
- Essa não!
- O que é, senador?
- Acabo de perceber o motivo dessa urgência toda. A srta. Stewart descobriu que está grávida de Oliver e vai precisar de uma pequena ajuda financeira. É o golpe mais antigo do mundo.
Uma hora depois, Leslie entrava com seu carro no terreno de Dutch Hill, a fazenda do senador. Um guarda esperava diante da casa principal.
- Srta. Stewart?
- Sou eu.
- O senador Davis a espera. Venha comigo, por favor.
Ele entrou com Leslie na casa, conduziu-a por um corredor largo que levava a uma vasta biblioteca, atulhada de livros. O senador Davis estava à sua mesa, folheando um livro. Ergueu os olhos e se levantou quando Leslie entrou.
- É um prazer tornar a vê-la, minha cara. Sente-se, por favor.
Leslie sentou-se.
O senador levantou o livro que tinha na mão.
- Isto é fascinante. Relaciona os nomes de todos os vencedores do Derby de Kentucky, do primeiro ao último. Sabia quem foi o vencedor do primeiro Derby do Kentucky?
- Não.
- Aristides, em 1875. Mas tenho certeza que você não veio aqui para conversar sobre cavalos. - Ele largou o livro.
- Disse que queria um favor.
O senador especulou como ela iria formular. Acabei de descobrir que vou ter um filho de Oliver e não sei o que fazer.. não quero causar um escândalo, mas... estou disposta a criar a criança, mas não tenho dinheiro suficiente...
- Conhece Henry Chambers? - perguntou Leslie.
O senador Davis piscou rapidamente, apanhado de surpresa.
- Se eu... Henry? Claro que conheço. Por quê?
- Agradeceria muito se pudesse me apresentar a ele. O senador Davis fitou-a nos olhos, apressando-se em reorganizar seus pensamentos.
- É esse o favor? Quer conhecer Henry Chambers?
- Isso mesmo.
- Infelizmente, srta. Stewart, ele não está mais aqui. Mudou-se para Phoenix, Arizona.
- Sei disso. Estou partindo para Phoenix pela manhã. Achei que seria ótimo se conhecesse alguém por lá.
O senador Davis estudou-a por um momento. Seu instinto lhe dizia que havia alguma coisa naquela história que não compreendia. Ele formulou a pergunta seguinte com extrema cautela:
- Sabe alguma coisa sobre Henry Chambers?
- Não. Só sei que ele é do Kentucky.
O senador fez uma pausa, enquanto tomava a decisão. Ela é muito bonita, pensou ele. Henry me deveria um favor.
- Darei um telefonema.
Cinco minutos depois, ele estava falando com Henry Chambers.
- Henry, sou eu. Todd. Tenho certeza de que você lamentará saber que comprei Sail Away esta manhã. Se você estava de olho nela. - Ele escutou por um momento depois soltou uma risada.
- Eu podia apostar nisso, que se divorciou de novo. É uma pena. Eu gostava de Je...
Leslie ficou ouvindo, enquanto a conversa se prolongou por mais alguns minutos. Ao final, o senador Davis disse:
- Henry, vou lhe prestar um favor. Uma amiga minha vai para Phoenix amanhã e não conhece ninguém por aí. Eu agradeceria se você ficasse de olho nela...
- Como ela é?
O senador olhou para Leslie e sorriu, antes de acrescentar:
- Até que não é tão feia assim. Mas não fique com idéias
Ele escutou por um instante, tornou a olhar para Leslie.
- A que horas seu avião chega lá?
- Duas e cinqüenta. Vôo 159 da Delta.
O senador repetiu a informação pelo telefone.
- O nome dela é Leslie Stewart. Vai me agradecer por isso. Agora é com você, Henry. Voltarei a entrar em contato. Ele desligou.
- Obrigada - disse Leslie.
- Há mais alguma coisa que eu possa fazer por você?
- Não. Isso é tudo o que eu preciso.
Por quê? Afinal, o que Leslie Stewart queria com Henry Chambers?
O fiasco público com Oliver Russell fora cem vezes pior que qualquer coisa que Leslie poderia ter imaginado. Um pesadelo interminável. Por toda parte para onde ia, Leslie ouvia os sussurros.
- É aquela ali. Foi praticamente abandonada no altar;
- Estou guardando meu convite de casamento como souvenir...
- O que será que ela vai fazer com o vestido de noite?
As fofocas aumentavam a angústia de Leslie, a humilhação era insuportável. Nunca mais confiaria num homem.
Mas nunca mesmo. Seu único consolo era que algum dia, de alguma forma, faria Oliver Russell pagar pelo ato imperdoável que cometera contra ela. Não sabia como. Com o senador Davis a apoiá-lo, Oliver teria dinheiro e poder. Neste caso, preciso encontrar um meio de ter mais dinheiro e mais poder, pensou Leslie. Mas como? Como?
A cerimônia de posse foi realizada no jardim da assembléia estadual, em Frankfort, perto do requintado relógio de flores de dez metros.
Jan postou-se ao lado de Oliver, orgulhosa, observando seu belo marido prestar juramento como governador do Kentucky.
Se Oliver se comportasse direito, a próxima parada seria a Casa Branca, o pai lhe assegurara. E Jan tencionava fazer tudo ao seu alcance para que nada saísse errado. Absolutamente nada.
Depois da cerimônia, Oliver e o sogro sentaram na biblioteca do Palácio do Executivo, um lindo prédio que imitava o Petit Trianon, a residência de Maria Antonieta perto do palácio de Versalhes. O senador Davis correu os olhos pela luxuosa sala e acenou com a cabeça em satisfação.
- Vai se dar bem aqui, filho. Muito bem.
- Devo tudo a você - declarou Oliver, efusivo. - E não esquecerei isso.
O senador Davis acenou com a mão para descartar o assunto.
- Não pense nisso, Oliver. Você está aqui porque merece. Talvez eu tenha ajudado um pouco, é verdade. Mas deve pensar que isto é apenas o início. Estou na política há muito tempo, filho, e aprendi algumas coisas.
Ele olhou para Oliver, esperando.
Respeitoso, Oliver murmurou:
- Eu adoraria ouvi-las, Todd.
- As pessoas não entendem direito como funciona explicou o senador Davis.
- O importante não é quem você conhece, mas sim o que sabe sobre quem conhece. Todo mundo tem algum segredo enterrado em algum lugar. Tudo o que você precisa fazer é desenterrá-lo, e ficará surpreso ao descobrir como os outros terão o maior prazer em ajudá-lo em qualquer coisa que precisar. Por acaso sei que há um congressista em Washington que passou um ano numa instituição para doentes mentais. Um representante de um estado do Norte passou uma temporada num reformatório por roubar. Pode compreender os prejuízos que eles teriam na carreira política se esses fatos fossem divulgados? Mas constituem uma arma que podemos usar.
O senador abriu uma pasta de couro, tirou um maço de papéis e entregou a Oliver.
- Estas são as pessoas com as quais você vai lidar aqui no Kentucky. São homens e mulheres poderosos, mas todos têm seu calcanhar-de-aquiles. - O senador sorriu.
- Até o prefeito tem seu calcanhar-de-aquiles. Ele é um travesti.
Oliver folheava os papéis, com os olhos arregalados.
- Guarde isto trancado a sete chaves, está bem? É uma mina de ouro.
- Não se preocupe, Todd. Terei o maior cuidado.
- E mais uma coisa, filho... não pressione demais essas pessoas quando precisar de alguma coisa. Não as quebre, apenas as dobre um pouco. - O senador fez uma pausa, estudando Oliver.
- Como você e Jan estão se dando?
- Muito bem.
Era verdade, num certo sentido. Para Oliver, era um casamento de conveniência, e ele tomava o cuidado de evitar qualquer coisa que pudesse perturbá-lo. Jamais esqueceria o que seu deslize anterior quase lhe custara.
- Isso é ótimo. A felicidade de Jan é muito importante para mim.
Era um aviso.
- Para mim também - murmurou Oliver.
- Ah, outra coisa. Você gosta de Peter Tager? Oliver respondeu com o maior entusiasmo:
- Gosto e muito. Ele tem sido uma tremenda ajuda para mim.
O senador Davis acenou com a cabeça.
- Fico contente em ouvir isso. Não vai encontrar outro melhor. Vou emprestá-lo a você, Oliver. Ele pode abrir muitos caminhos à sua frente.
Oliver sorriu.
- Fico muito agradecido.
O senador Davis levantou-se.
- Tenho de voltar a Washington. Avise-me se precisar de alguma coisa.
- Obrigado, Todd.
No domingo, depois da reunião com o senador Davis, Oliver tentou falar com Peter Tager.
- Ele está na igreja, governador.
- Ah, sim. Esqueci. Falarei com ele amanhã.
Peter Tager ia à igreja todos os domingos com a família, e três vezes por semana participava de uma reunião de orações que durava duas horas. De certa forma, Oliver o invejava. Tager deve ser o único homem realmente feliz que conheço, pensava ele.
Na manhã de segunda-feira, Tager entrou na sala de Oliver.
- Queria falar comigo, Oliver?
- Preciso de um favor. É pessoal.
Peter acenou com a cabeça.
- Qualquer coisa que eu puder fazer.
- Preciso de um apartamento.
Tager correu os olhos pela enorme sala com uma expressão irônica de incredulidade.
- Acha que este lugar é pequeno demais para você, governador?
- Não. - Oliver fitou o único olho de Tager.
- Às vezes tenho encontros particulares à noite. E devem ser discretos. Entende o que estou dizendo?
Houve uma pausa constrangida.
- Entendo.
- Quero um apartamento longe do centro. Pode cuidar disso para mim?
- Acho que sim.
- O assunto deve ficar apenas entre nós dois, é claro.
Peter Tager acenou com a cabeça, infeliz.
Uma hora depois, Tager ligou para o senador Davis em Washington.
- Oliver me pediu para alugar um apartamento para ele, senador. Com o máximo de discrição.
- É mesmo? Ele está aprendendo, Peter. Pois faça o que ele pede. E cuide para que Jan nunca descubra. - O senador pensou por um instante.
- Arrume um apartamento em Indian Hills. Algum lugar com uma entrada particular.
- Mas não é certo que ele...
- Peter... apenas faça.
A solução para o problema de Leslie veio em duas matérias separadas no Lexington Ilerald-Leader. A primeira era um longo editorial elogiando o governador Oliver Russell. A última frase dizia: "Nenhum de nós aqui no Kentucky que o conhece ficará surpreso quando um dia Oliver Russell se tornar presidente dos Estados Unidos."
Uma notícia na página seguinte dizia: "Henry Chambers, ex-residente em Lexington, cujo cavalo Lightning ganhou o Derby do Kentucky há cinco anos, acaba de se divorciar de sua terceira esposa, Jessica. Chambers, que agora reside em Phoenix, é o proprietário e editor do Phoenix Star."
O poder da imprensa. Esse era o verdadeiro poder. Katharine Graham e seu Washington Post haviam destruído um presidente americano.
E foi nesse instante que a idéia tomou forma.
Leslie passou os dois dias seguintes fazendo uma pesquisa sobre Henry Chambers. Havia algumas informações interessantes sobre ele na Internet. Chambers era um filantropo de 55 anos que herdara uma fortuna na indústria do tabaco e devotara a maior parte de sua vida a distribuí-la. Mas não era o seu dinheiro que interessava a Leslie. Era o fato de que ele possuía um jornal e acabara de se divorciar.
Meia hora depois de seu encontro com o senador Davis, Leslie entrou na sala de Jim Bailey.
- Vou embora, Jim.
Ele fitou-a com uma expressão compreensiva.
- Boa idéia. Você precisa mesmo de umas férias. Quando voltar, poderemos...
- Não vou voltar.
- O quê? Eu... eu não quero que você vá, Leslie. Fugir não vai resolver...
- Não estou fugindo.
- A decisão é irrevogável?
- É, sim.
- Detestaremos perdê-la. Quando quer sair?
- Já saí.
Leslie Stewart pensara muito nas várias maneiras pelas quais poderia conhecer Henry Chambers. As possibilidades eram intermináveis, mas ela descartou uma a uma. O que tinha em mente precisava ser planejado com o maior cuidado. E de repente ela se lembrara do senador Davis. Chambers e Davis tinham as mesmas origens, freqüentavam os mesmos círculos. Não podia haver a menor dúvida de que se conheciam. E Leslie decidira telefonar para o senador.
Ao chegar ao aeroporto Sky Harbor, em Phoenix, Leslie teve um súbito impulso e foi até a banca de jornais do terminal. Comprou um exemplar do Phoenix Stay e deu uma olhada. Não teve sorte. Comprou também o Arizona Republic, mas só encontrou o que procurava num terceiro jornal, Phoenix Gazette. Lá estava, a coluna astrológica de Zoltaire. Não que eu acredite em astrologia. Sou inteligente demais para essas besteiras. Mas...
PARA LEÃO (23 DE JULHO A 22 DE AGOSTO). JÚPITER ESTÁ SE JUNTANDO AO SEU SOL. PLANOS ROMÂNTICOS FEITOS AGORA SERÃO REALIZADOS. EXCELENTES PERSPECTIVAS PARA O FUTURO. AJA COM CAUTELA.
Havia um motorista e uma limusine à sua espera na saída do terminal.
- Srta. Stewart?
- Pois não?
- O sr. Chambers envia seus cumprimentos e pediu-me que a levasse ao hotel.
- É muita gentileza dele.
Leslie sentiu-se desapontada. Esperava que Chambers viesse recebê-la pessoalmente.
- O sr. Chambers gostaria de saber se está livre para jantar com ele esta noite.
Melhor. Muito melhor.
- Por favor, diga a ele que terei o maior prazer.
Às oito horas daquela noite, Leslie estava jantando com Hénry Chambers. Era um homem atraente, com um rosto aristocrático, cabelos castanhos se tornando grisalhos, e um entusiasmo, cativante. Estudou Leslie com uma evidente admiração.
- Todd falou sério quando disse que estaria me prestando um favor.
Leslie sorriu.
- Obrigada.
- O que a fez tomar a decisão de vir para Phoenix, Leslie?
Você não vai querer saber.
- Ouvi falar tanto a respeito da cidade que pensei que gostaria de morar aqui.
- É uma cidade sensacional. Você vai adorar. O Arizona tem tudo... o Grand Canyon, deserto, montanhas. Pode-se encontrar tudo o que se quiser aqui.
E eu encontrei, pensou Leslie.
- Vai precisar de um lugar para morar. Tenho certeza de que posso ajudá-la a encontrar o que deseja.
Leslie sabia que seu dinheiro não duraria por mais de três meses. No final das contas, porém, precisou de apenas dois meses para consumar seu plano.
As livrarias ofereciam incontáveis livros para as mulheres relatando as melhores maneiras de conquistar um homem. Os diversos tipos de psicologia popular variavam de "Banque a difícil" a "Fisgue seu homem na cama".
Leslie não seguiu nenhum desses conselhos. Usou seu próprio método: excitou Henry Chambers ao máximo. Não em termos físicos, mas mentais.
Henry jamais conhecera uma mulher como ela. Era um homem da velha escola, convencido de que qualquer loura bonita era também burra. Nunca lhe ocorrera que sempre se sentira atraído por mulheres que eram lindas, mas que não primavam pelos dotes intelectuais. Leslie foi uma revelação para ele. Era inteligente e articulada, versada em uma espantosa gama de assuntos. Conversavam sobre filosofia, religião e história. Henry confidenciou a um amigo:
- Acho que ela anda lendo uma porção de livros só para poder conversar comigo.
Henry Chambers apreciava muito a companhia de Leslie. Mostrava-a aos amigos e a exibia em seu braço como um troféu. Levou-a ao Carefree Wine, ao Fine Art Festival e ao Actors Theater. Foram assistir ao jogo do Phoenix Suns na America West Arena. Visitaram a Lyon Gallery, em Scottsdale, Symphony Hall e a pequena cidade de Chandler, para ver a Doo-dah Parade. Uma noite foram ver um jogo de hóquei com o Phoenix Roadrunners. Depois da partida, Henry disse:
- Gosto muito de você, Leslie. Acho que seríamos maravilhosos juntos. Adoraria fazer amor com você.
Leslie pegou a mão dele entre as suas e murmurou:
- Também gosto de você, Henry, mas a resposta é não.
Tinham um almoço marcado no dia seguinte. Henry telefonou para Leslie.
- Por que não vem me buscar no Star? Quero que conheça o jornal.
- Eu adoraria.
Era por isso que Leslie estava esperando. Havia dois outros jornais em Phoenix, o Arizona Republic e o Phoenix Gazette. O jornal de Henry, o Star, era o único que dava prejuízo.
A redação e as oficinas do Phoenix Stay eram menores do que Leslie imaginara. Henry levou-a numa excursão por todo o jornal e Leslie pensou: Um jornal como este não vai derrubar um governador ou um presidente. Mas era um trampolim. Ela tinha planos para usá-lo.
Leslie mostrou-se interessada por tudo o que viu. Fez inúmeras perguntas a Henry, que sempre as transferia para Lyle Bannister, o editor-executivo. Ela ficou espantada pelo pouco que Henry parecia saber sobre o jornal, com o seu desinteresse. O que a deixou ainda mais determinada a aprender tudo o que pudesse.
Aconteceu no Borgata, um restaurante que parecia um castelo, num cenário de velha aldeia italiana. Jantaram bisque de lagosta, medalhões de vitela com sauce béarnaise, aspargos ao vinagrete e um suflê ao Grand Marnier. Henry Chambers era uma companhia encantadora e fácil, e a noite fora das mais agradáveis.
- Adoro Phoenix - comentou ele. - difícil acreditar que há apenas cinqüenta anos a população da cidade era de sessenta e cinco mil habitantes. Agora passa de um milhão.
Leslie estava curiosa sobre uma coisa.
- O que o fez decidir deixar o Kentucky e se mudar para cá, Henry?
Ele deu de ombros.
- No fundo, não foi uma decisão minha. O problema foi dos meus pulmões. Os médicos não sabiam quanto tempo mais de vida eu teria. Disseram que o Arizona seria o melhor clima para mim. Por isso, resolvi passar o resto da minha vida... o que quer que isso signifique... vivendo aqui. - Henry sorriu.
- E aqui estamos. - Ele pegou a mão de Leslie.
- Quando disseram que seria bom para mim, nem podia imaginar o quanto. Não acha que estou velho demais para você, não é? Havia ansiedade na voz dele. Leslie sorriu.
- É muito jovem... jovem demais.
Henry fitou-a em silêncio por um longo momento.
- Falo sério. Quer casar comigo?
Leslie fechou os olhos. Podia ver a placa de madeira pintada a mão na trilha no Breaks Interstate Park: LESLIE, QUER CASAR COMIGO?... Não posso prometer que vai casar com um governador mas sou um bom advogado. Ela abriu os olhos e fitou Henry.
- Quero, sim.
Mais do que qualquer outra coisa no mundo. Casaram duas semanas depois.
Quando a notícia do casamento saiu no Lexington Herald Leadey, o senador Todd Davis contemplou-a por um longo momento. Lamento incomodá-lo, senador, mas será que poderíamos nos encontrar? Preciso de um favor... Conhece Henry Chambers?... Agradeceria muito se quisesse me apresentar a ele.
Se isto é tudo o que ela quer, não haveria qualquer problema.
Se é tudo o que ela quer...
Leslie e Henry foram a Paris na lua-de-mel. Aonde quer que fossem, ela especulava se Oliver e Jan haviam visitado aqueles mesmos lugares, andado por aquelas ruas, jantado aqui, feito compras ali. Imaginava os dois juntos, fazendo amor, Oliver sussurrando no ouvido de Jan as mesmas mentiras que dissera para ela. Mentiras pelas quais ele ainda haveria de pagar caro.
Henry amava-a com sinceridade e fazia tudo o que pudesse para torná-la feliz. Em outras circunstâncias, Leslie poderia ter se apaixonado por ele, mas algo em seu íntimo morrera para sempre. Nunca mais posso confiar em qualquer homem.
Poucos dias depois de voltarem a Phoenix, Leslie surpreendeu Henry ao anunciar:
- Henry, eu gostaria de trabalhar no jornal.
Ele riu.
- Por quê?
- Acho que seria interessante. Fui executiva numa agência de propaganda. Talvez possa ajudá-lo nessa área.
Ele protestou, mas no final acabou cedendo.
Henry notou que Leslie lia o Lexington Heyald-Leader todos os dias.
- Acompanhando o noticiário sobre o pessoal da cidade natal? - zombou ele.
- De certa forma, sim.
Leslie sorriu. Lia avidamente tudo o que se escrevia sobre Oliver. Queria que ele fosse feliz e bem-sucedido.
Quanto maiores eles são...
Quando Leslie ressaltou que o Star estava dando prejuízo, Henry soltou uma risada.
- Meu bem, é uma gota num balde. Recebo dinheiro de lugares de que você nunca ouviu falar. Não tem a menor importância.
Mas tinha para Leslie. E muita. À medida que se tornava mais e mais envolvida na direção do jornal, concluiu que o motivo para o prejuízo estava no movimento sindical. A gráfica do Phoenix Star estava superada, mas os líderes sindicais se recusavam a permitir que o jornal adquirisse novos equipamentos, alegando que isso custaria muitos empregos a gráficos sindicalizados. Estavam no momento negociando um novo contrato com o Star. Quando Leslie abordou a situação, Henry disse:
- Por que nos incomodarmos com essas coisas? Vamos tratar de apenas nos divertir.
- Estou me divertindo - garantiu Leslie.
Leslie teve uma reunião com Craig McAllister, o advogado do Star.
- Como vão as negociações?
- Eu gostaria de ter notícias melhores, sra. Chambers, mas receio que a situação não seja nada boa.
- Ainda estamos negociando, não é?
- Aparentemente. Mas Joe Riley, o líder do sindicato dos gráficos, é um obstinado filho da... um homem obstinado. Não quer ceder um centímetro. O contrato coletivo dos gráficos termina dentro de dez dias. Riley garante que se o sindicato não tiver assinado um novo contrato até lá, os gráficos entrarão em greve.
- Acredita nele?
- Acredito. Não gosto de ceder aos sindicatos, mas a verdade é que sem isso não teremos jornal. Eles podem nos fechar. Mais de uma publicação já quebrou por tentar desafiar os sindicatos.
- O que eles estão pedindo?
- O de sempre. Horário menor, aumentos, proteção contra futura automação...
- Eles estão nos pressionando, Craig. Não gosto disso.
- Não é uma questão emocional, sra. Chambers. É uma questão prática.
- Então seu conselho é ceder?
- Creio que não temos opção.
- Por que não me deixa ter uma conversa com Joe Riley?
A reunião foi marcada para as duas horas da tarde, e Leslie se atrasou na volta do almoço. Ao entrar na ante-sala, deparou com Riley à sua espera, conversando com a secretária, Amy, uma jovem bonita, de cabelos escuros.
Joe Riley era um irlandês de aparência rude, com quarenta e poucos anos. Era gráfico há mais de quinze. Três anos antes, assumira o comando de seu sindicato e conquistara a reputação de ser um negociador dos mais duros. Leslie ficou parada ali por um momento, observando-o flertar com Amy. Riley dizia:
- ...e foi então que o homem se virou para ela e disse: é fácil para você falar isso, mas como eu vou voltar?
Amy riu.
- Onde ouviu essa, Joe?
- Circulando por aí, querida. Que tal jantar comigo esta noite?
- Eu adoraria.
Foi nesse instante que Riley viu Leslie.
- Boa tarde, sra. Chambers.
- Boa tarde, sr. Riley. Vamos entrar?
Riley e Leslie foram sentar na sala de reunião do jornal.
- Aceita um café? - ofereceu Leslie.
- Não, obrigado.
- Alguma coisa mais forte?
Ele sorriu.
- Sabe que é contra os regulamentos beber durante o horário de trabalho, sra. Chambers.
Leslie respirou fundo.
- Queria conversar com você porque soube que é um homem muito justo.
- Tento ser.
- Quero que saiba que simpatizo com o seu sindicato. Acho que vocês têm direito a alguma coisa, mas o que estão pedindo não é razoável. Alguns de seus hábitos estão nos custando milhões de dólares por ano.
- Poderia ser mais específica?
- Com prazer. Os homens estão trabalhando cada vez menos no expediente normal e encontrando meios de continuar aqui para receber horas extras. Alguns chegam a fazer três turnos, trabalhando durante todo o fim de semana. Não podemos mais permitir isso. Estamos perdendo dinheiro porque nosso equipamento está superado. Se pudéssemos ter novas máquinas...
- Absolutamente não! Os novos equipamentos que você quer introduzir no jornal deixariam meus homens desempregados. Não tenho a menor intenção de permitir que máquinas joguem meus homens na rua. Afinal, as máquinas não têm de comer, mas meus homens precisam. - Riley levantou-se.
- Nosso contrato termina na semana que vem. Ou conseguimos o que queremos, ou entramos em greve.
Quando Leslie relatou a reunião para Henry naquela noite, ele disse:
- Por que você quer se envolver nessas coisas? Os sindicatos constituem um problema com que temos de conviver. Deixe-me lhe dar um bom conselho, querida. É nova nisso, e uma mulher ainda por cima. Deixe os homens cuidarem de tudo. Não vamos... - ele parou de falar, esbaforido.
- Você está bem?
Henry acenou com a cabeça.
- Estive com meu estúpido médico hoje. Ele acha que devo passar a usar um tanque de oxigênio.
- Providenciarei tudo o que precisar - declarou Leslie.
- E vou contratar uma enfermeira para ficar com você quando eu não estiver...
- Não! Não preciso de nenhuma enfermeira. Eu... apenas estou me sentindo um pouco cansado.
- Calma, Henry. Deixe-me levá-lo para a cama.
Três dias depois, quando Leslie convocou uma reunião de emergência do conselho, Henry disse:
- Vá sozinha, meu bem. Ficarei em casa, para não me afligir.
O tanque de oxigênio ajudara, mas ele vinha se sentindo cada vez mais fraco e deprimido. Leslie telefonou para o médico.
- Ele tem emagrecido demais e sente dores. Tem de haver alguma coisa que você possa fazer.
- Já estamos fazendo tudo o que podemos, sra. Chambers. Apenas cuide para que ele repouse o máximo possível e não deixe de tomar os medicamentos.
Leslie permaneceu sentada, observando Henry estendido na cama, tossindo.
- Lamento pela reunião, querida - murmurou ele. Você pode cuidar de tudo. E, no final das contas, não há mesmo nada que eu possa fazer.
Ela se limitou a sorrir.
Os membros do conselho estavam reunidos em torno da mesa na sala de reunião, tomando café e servindo-se de bagels e queijo cremoso, à espera de Leslie. Ao chegar, ela disse:
- Lamento deixá-los esperando, senhoras e senhores. Henry manda seus cumprimentos.
As coisas haviam mudado desde a primeira reunião do conselho a que Leslie comparecera. O conselho esnobara-a naquela ocasião, tratara-a como uma intrusa. Mas, pouco a pouco, à medida que aprendia sobre o negócio de jornal, Leslie passara a fazer sugestões valiosas e ganhara o respeito de todos. Agora, com a reunião prestes a começar, Leslie virou-se para Amy, que servia o café, e disse:
- Amy, eu gostaria que você ficasse para a reunião. A secretária fitou-a, aturdida.
- Lamento, mas não sou muito boa em taquigrafia, sra. Chambers. Cynthia pode fazer um trabalho muito melhor e...
- Não quero que faça uma ata da reunião. Deve apenas anotar as resoluções que adotarmos no final.
- Pois não, madame.
Amy pegou uma caneta e um bloco e foi se sentar numa cadeira encostada na parede. Leslie virou-se para o conselho.
- Temos um problema. Nosso contrato com o sindicato dos gráficos está quase expirando. Há três meses que negociamos, mas não conseguimos chegar a um acordo. Precisamos tomar uma decisão, e tem de ser rápida. Todos viram os relatórios que enviei. Gostaria de ouvir suas opiniões.
Ela olhou para Gene Osborne, sócio de uma firma de advocacia local.
- Se quer saber mesmo o que penso, Leslie, acho que eles já receberam demais. Dê o que estão querendo agora, e amanhã eles pedirão ainda mais.
Leslie acenou com a cabeça e olhou para Aaron Drexel. proprietário de uma loja de departamentos local.
- Aaron?
- Tenho de concordar. O sindicato obriga o jornal a contratar mais gente do que é preciso. Se dermos alguma coisa, devemos exigir algo em troca. Na minha opinião, podemos suportar uma greve, mas eles não podem.
Os comentários dos outros foram similares. Leslie declarou:
- Tenho de discordar de todos. - Eles a fitaram, espantados.
- Acho que devemos deixar que eles tenham o que querem.
- Mas isso é uma loucura!
- Eles acabarão donos do jornal!
- Não teremos mais como detê-los!
- Não podemos ceder!
Leslie deixou que falassem. Quando terminaram, ela disse:
- Joe Riley é um homem justo. Ele acredita no que está pedindo.
Sentada junto da parede, Amy acompanhava a discussão, atônita. Uma das mulheres comentou:
- Fico surpresa por você tomar o lado dele, Leslie.
- Não estou tomando o lado de ninguém. Apenas acho que devemos ser razoáveis nesta situação. Seja como for, a decisão não é minha. Vamos fazer uma votação. - Ela olhou para Amy.
- É isso o que quero que você registre.
- Pois não, madame.
Leslie tornou a se virar para o grupo.
- Peço que todos aqueles que se opõem às exigências do sindicato levantem a mão. - Onze mãos foram erguidas, e ela acrescentou:
- Que fique registrado que votei sim e que o resto do conselho votou para não aceitarmos as exigências do sindicato.
Amy escrevia em seu bloco, com uma expressão pensativa. Leslie continuou:
- Então está resolvido. - Ela se levantou.
- Se não há mais nenhum assunto a tratar...
Os outros também se levantaram.
- Obrigada por terem vindo. - Leslie observou-os sair, depois virou-se para Amy.
- Pode bater isso agora, por favor?
- Pois não, sra. Chambers.
Leslie encaminhou-se para a sua sala.
O telefonema veio pouco depois.
- O sr. Riley está na linha um - informou Amy Leslie atendeu.
- Alô?
- Joe Riley. Só queria lhe agradecer pelo que tentou fazer.
- Não compreendo...
- A reunião do conselho. Já soube o que aconteceu.
- Estou surpresa, sr. Riley. Foi uma reunião particular.
Joe Riley riu.
- Digamos que tenho amigos nos baixos escalões. Seja como for, achei que foi sensacional o que tentou fazer. É uma pena que não tenha dado certo.
Houve um breve silêncio, depois Leslie murmurou:
- Sr. Riley .. e se eu pudesse fazer com que desse certo?
- Como assim?
- Tenho uma idéia. Mas prefiro não discuti-la pelo telefone. Podemos nos encontrar em algum lugar... discretamente?
Houve uma pausa.
- Claro. Em que lugar está pensando?
- Qualquer lugar em que nenhum dos dois será reconhecido.
- Que tal nos encontrarmos no Golden Cup?
- Combinado. Estarei lá dentro de uma hora.
- Até já.
O Golden Cup era um café infame na parte mais miserável de Phoenix, perto dos trilhos ferroviários. A polícia sempre advertia os turistas a manter distância da área. Joe Riley ocupava um reservado no canto quando Leslie entrou.
Levantou-se quando ela se aproximou.
- Agradeço por ter vindo - disse Leslie.
Os dois sentaram.
- Vim porque você disse que pode haver algum meio de obter meu contrato.
- Há, sim. Acho que o conselho está sendo estúpido e míope. Tentei persuadi-los, mas não quiseram me escutar.
Ele acenou com a cabeça.
- Sei disso. Aconselhou-os a aceitarem o novo contrato.
- Isso mesmo. Mas eles não compreendem como seus gráficos são importantes para o nosso jornal.
Ele a estudava, perplexo.
- Mas se votaram contra você, como podemos...
- Só votaram contra mim porque não levam seu sindicato a sério. Se querem evitar uma greve prolongada, e talvez a morte do jornal, devem demonstrar que não podem ser desdenhados.
- Como assim?
Leslie disse, um tanto nervosa:
- O que vou lhe dizer é confidencial, mas é a única maneira de conseguirem o que querem. Eles pensam que vocês estão blefando. Não acreditam que estejam determinados. Precisam provar o contrário. O contrato de vocês termina à meia-noite desta sexta-feira.
- Isso mesmo...
- Eles esperam que vocês paralisem o trabalho calmamente. - Leslie inclinou-se para a frente.
- Pois não façam isso! - Riley escutava com toda atenção, enquanto ela continuava:
- Provem que eles não podem fazer o jornal sem vocês. Não se limitem a deixar o trabalho como cordeiros. Causem alguns danos.
Os olhos de Riley se arregalaram.
- Não seria nada muito grave - ressaltou Leslie. Apenas o suficiente para demonstrar que vocês não estão para brincadeira. Cortem alguns cabos, deixem uma ou duas rotativas fora de ação. Deixem que eles aprendam que precisam de vocês para operar as máquinas. Tudo poderá ser reparado em um ou dois dias, mas até lá vocês os terão assustado o bastante para que recuperem o bom senso. Eles finalmente saberão com quem estão lidando.
Joe Riley permaneceu em silêncio por um longo tempo, estudando Leslie.
- Você é uma mulher extraordinária.
- Nem tanto. Pensei bastante no assunto. Minhas opções eram simples. Vocês podem causar alguns danos, que possam ser reparados com facilidade, e obrigar o conselho a retomar as negociações, ou podem deixar o trabalho em paz e se resignarem a uma greve prolongada, da qual o jornal talvez nunca se recupere. Minha única preocupação é proteger o jornal.
Um lento sorriso iluminou o rosto de Riley.
- Deixe-me lhe pagar um café, sra. Chambers.
- Estamos em greve!
Na noite de sexta-feira, um minuto depois da meia-noite os gráficos atacaram, sob o comando de Joe Riley. Retiraram peças de máquinas, viraram mesas cheias de equipamentos, atearam fogo a duas rotativas. Um guarda que tentou detê-los foi brutalmente espancado. Os gráficos, que pretendiam de início apenas deixar algumas máquinas fora de uso, foram se animando cada vez mais na empolgação e tornaram-se mais e mais destrutivos.
- Vamos mostrar aos desgraçados que não podem fazer conosco o que bem quiserem! - gritou um dos homens.
- Não há jornal sem o nosso trabalho!
- Nós somos o Star!
Soaram gritos de aclamação. Os homens ficaram ainda mais violentos. As oficinas gráficas logo estavam em destroços. Em meio ao tumulto generalizado, refletores se acenderam subitamente nos quatro cantos. Os homens pararam, olhando ao redor, aturdidos. Perto das portas, câmeras de televisão registravam o tumulto e a destruição. Havia também repórteres do Arizona Republic e Phoenix Gazette, assim como de agências noticiosas. E pelo menos uma dúzia de policiais e bombeiros.
Joe Riley contemplou a cena, chocado. Como haviam chegado ali tão depressa? Enquanto os policiais se adiantavam e os bombeiros acionavam suas mangueiras, a resposta ocorreu de repente a Riley e ele experimentou a sensação de que alguém desferira um chute em seu estômago. Leslie Chambers armara tudo! Quando fossem divulgadas as imagens da destruição promovida pelo sindicato, não haveria mais qualquer simpatia por eles. A opinião pública viraria contra o movimento. A desgraçada planejara aquilo desde o início...
As imagens foram ao ar pela televisão uma hora depois, enquanto as emissoras de rádio divulgavam detalhes da destruição irresponsável. As agências noticiosas despacharam o relato do incidente para o mundo inteiro, descrevendo como empregados violentos se voltaram contra a mão que os alimentava. Foi um triunfo de relações públicas para o Phoenix Star.
Leslie preparara tudo muito bem. Antes, enviara secretamente alguns executivos do Star ao Kansas para aprender como operar as novas máquinas e ensinar a empregados não-sindicalizados. Logo depois do incidente da sabotagem, dois outros sindicatos em greve, dos distribuidores e dos fotogravadores, chegaram a um acordo com o Star.
Com os sindicatos derrotados e o caminho aberto para modernizar a tecnologia do jornal, os lucros começaram a surgir. Da noite para o dia, a produtividade aumentou em vinte por cento.
Na manhã seguinte à greve, Amy foi despedida.
Ao final de uma tarde de sexta-feira, dois anos depois de seu casamento, Henry teve um princípio de indigestão. Na manhã de sábado, começou a sentir dores no peito e Leslie chamou uma ambulância, que o levou às pressas para o hospital. No domingo, Henry Chambers morreu.
Deixou toda a sua fortuna para Leslie.
Na segunda-feira depois do funeral, Craig McAllister foi falar com Leslie.
- Preciso tratar de algumas questões legais com você, mas se achar que é cedo demais...
- Não - disse Leslie. - Estou bem.
A morte de Henry a afetara mais do que ela esperava. Era um homem gentil e terno, e ela o usara porque precisava de sua ajuda para a vingança contra Oliver. E, de alguma forma, na mente de Leslie, a morte de Henry tornara-se mais uma razão para destruir Oliver.
- O que você quer que eu faça com o Star? - perguntou McAllister. - Não imagino que vai querer passar seu tempo a dirigi-lo.
- É exatamente o que tenciono fazer. Vamos expandi-lo.
Leslie pediu um exemplar de Managing Editor, a revista que relaciona os corretores de jornais dos Estados Unidos. Escolheu Dirks Van Essen &Associates, de Santa Fé, Novo México.
- Aqui é a sra. Henry Chambers. Estou interessada em adquirir outro jornal, e gostaria de saber qual é o disponível...
Era o Sun, de Hammond, Oregon.
- Eu gostaria que você voasse até lá e desse uma olhada - pediu Leslie a McAllister.
Dois dias depois, McAllister telefonou para Leslie.
- Pode esquecer o Sun, sra. Chambers.
- Qual é o problema?
- O problema é que Hammond é uma cidade de dois jornais. A circulação diária do Sun é de quinze mil exemplares.
O outro jornal, o Hammond Chronicle, tem uma circulação de vinte e oito mil exemplares, quase o dobro. E o dono do Sun está pedindo cinco milhões de dólares. O negócio não faz o menor sentido.
Leslie pensou por um momento.
- Espere por mim - disse a ele. - Estou indo para aí.
Leslie passou os dois dias seguintes examinando o jornal e estudando seus livros contábeis.
- Não há a menor possibilidade do Sun competir com o Chronicle - assegurou McAllister. - O Chronicle continua a crescer. A circulação do Sun vem caindo a cada ano, durante os últimos cinco anos.
- Sei disso - murmurou Leslie. - Mas vou comprá-lo.
O advogado fitou-a, aturdido.
- Vai o quê?
- Vou comprá-lo.
O negócio foi fechado em três dias. O dono do Sun ficou deliciado em se livrar do jornal.
- Tirei vantagem da dona neste negócio - gabou-se ele. - Ela me pagou cinco milhões de dólares.
Walt Meriwether, o proprietário do Hammond ChronicLe, foi visitar Leslie.
- Soube que você é minha nova concorrente - disse ele, num tom gentil.
Ela acenou com a cabeça.
- É verdade.
- Se as coisas não correrem bem para você aqui, talvez esteja interessada em me vender o Sun.
Leslie sorriu.
- E se tudo correr bem, talvez você esteja interessado em me vender o Chyonicle.
Meriwether riu.
- Claro. Eu lhe desejo muita sorte, sra. Chambers. Ele voltou para o Chronicle e declarou, confiante:
- Dentro de seis meses possuiremos o Sun.
Leslie voltou a Phoenix e conversou com Lyle Bannister, o editor-executivo do Star.
- Você vai comigo para Hammond, Oregon. Quero que dirija o jornal até que fique de pé.
- Conversei com o sr. McAllister - disse Bannister.- O jornal não tem base. Ele comentou que é um desastre ambulante.
Leslie estudou-o por um momento.
- Mas faça o que estou pedindo.
No Oregon, Leslie convocou uma reunião com os empregados do Sun.
- Vamos operar de uma maneira um pouco diferente daqui por diante - comunicou ela. - Esta é uma cidade de dois jornais, e vamos ser donos de ambos.
Derek Zornes, o editor-executivo do Sun, declarou:
- Desculpe, sra. Chambers, mas não tenho certeza se compreende a situação. Nossa circulação é muito menor que a do Chronicle, e continuamos a cair todos os meses. Não há a menor possibilidade de alcançá-los.
- Não apenas vamos alcançá-los, mas também acabar com o Chronicle - garantiu Leslie.
Os homens na sala trocaram olhares e todos tiveram o mesmo pensamento: Mulheres e amadores devem ficar fora do negócio jornalístico.
- Como planeja fazer isso? - perguntou Zornes, polido.
- Alguma vez já assistiu a uma tourada? - indagou Leslie.
Ele piscou, surpreso.
- Uma tourada? Não...
- Quando o touro entra em disparada na arena, o matador não avança para matá-lo de imediato. Faz o touro sangrar até que fique bastante fraco para ser morto.
Zornes fazia um tremendo esforço para não rir.
- E vamos sangrar o Chyonicle?
- Exatamente.
- E como faremos isso?
- A partir de segunda-feira, estamos reduzindo o preço de banca do Sun de trinta e cinco centavos para vinte. E a tabela de publicidade terá uma redução de trinta por cento. Na próxima semana iniciaremos um concurso de prêmios em que nossos leitores poderão ganhar viagens gratuitas para o mundo inteiro. Começaremos a divulgar o concurso imediatamente.
Quando os empregados se reuniram mais tarde para conversar sobre a reunião, o consenso foi o de que o jornal fora comprado por uma louca.
A hemorragia começou, mas era o Sun que estava sangrando. McAllister perguntou a Leslie:
- Tem alguma idéia do montante do prejuízo do Sun?
- Sei exatamente quanto o jornal está perdendo.
- E por quanto tempo planeja continuar assim?
- Até ganharmos. Não se preocupe. Vamos ganhar.
Mas Leslie estava preocupada. Os prejuízos se tornavam mais pesados a cada semana. A circulação continuava a diminuir, e a reação dos anunciantes à redução dos preços não fora muito entusiasmada.
- Sua teoria não está funcionando - comentou McAllister, -Temos de reduzir nossos prejuízos. Acho que você pode continuar a bombear dinheiro, mas qual o sentido?
Na semana seguinte, a circulação parou de cair.
Demorou oito semanas para a circulação do Sun começar a subir.
A redução do preço de banca e da tabela de anúncios era atraente, mas o que subiu mesmo a circulação foi o concurso de prêmios. Prolongou-se por doze semanas, e os participantes tinham de competir todas as semanas. Os prêmios eram cruzeiros pelos mares do Sul e viagens a Londres, Paris e Rio. À medida que os prêmios eram distribuídos e divulgados, com fotos dos vencedores na primeira página, a circulação do Sun começou a eclodir.
- Você assumiu um tremendo risco, mas está dando certo - admitiu McAllister, relutante.
- Não houve risco algum - respondeu Leslie.
- Eu tinha certeza de que as pessoas não poderiam resistir a ganhar alguma coisa sem dar nada em troca.
Walt Meriwether ficou furioso quando recebeu o último boletim de circulação. Pela primeira vez em anos, o Sun estava na frente do Chronicle.
- Muito bem - disse ele, sombrio. - Dois podem fazer o mesmo jogo estúpido. Vamos reduzir nossa tabela de anúncios e lançar algum concurso.
Mas era tarde demais. Onze meses depois de Leslie ter comprado o Sun, Walt Meriwether voltou a procurá-la.
- Estou vendendo - anunciou ele, em tom brusco. Quer comprar o Chronicle?
- Quero.
No dia em que foi assinado o contrato de compra do Chronicle, Leslie convocou uma reunião de sua equipe.
- A partir da segunda-feira - declarou ela -, vamos aumentar o preço de banca do Sun, dobrar a tabela de publicidade e acabar com os concursos.
Um mês mais tarde, Leslie disse a McAllister:
- O Evening Standard de Detroit está à venda. O jornal possui também uma emissora de televisão. Acho que devemos apresentar uma proposta.
McAllister protestou:
- Sra. Chambers, não sabemos nada de televisão e...
- Então teremos de aprender, não é mesmo?
Leslie começava a construir o império de que precisava.
Os dias de Oliver eram movimentados e ele adorava cada minuto do que fazia. Havia nomeações políticas a fazer, legislação a ser apresentada, reuniões, discursos e entrevistas com a imprensa. O State Journal de Frankfort, o Herald-Leader de Lexington e o Courier Journal de Louisville lhe proporcionavam a melhor cobertura. Ele estava adquirindo a reputação de um governador que fazia as coisas. Foi engolfado pela vida social dos super-ricos, e sabia que em grande parte isso acontecia porque era casado com a filha do senador Todd Davis.
Oliver gostava de viver em Frankfort. Era uma adorável cidade histórica, aninhada num vale de rio espetacular, entre as colinas ondulantes do Kentucky, na região do famoso capim azul. Ele se perguntava como seria viver em Washington, D. C.
Os dias movimentados fundiram-se em semanas, e as semanas se transformaram em meses. Oliver iniciou o último ano de seu mandato.
Oliver fizera de Peter Tager seu secretário de imprensa. Era a escolha perfeita. Tager era sempre franco com os repórteres e, por causa dos valores decentes e antiquados que ele representava e sobre os quais gostava de falar, dava substância e dignidade ao partido. Peter Tager e sua venda preta no olho se tornaram quase tão reconhecidos quanto o próprio Oliver.
Todd Davis fazia questão de voar até Frankfort para ver Oliver pelo menos uma vez por mês. Ele disse a Peter Tager:
- Quando você tem um cavalo correndo, precisa ficar de olho nele, para ter certeza de que não vai perder seu ritmo.
Numa noite fria, em outubro, Oliver e o senador Davis estavam sentados no gabinete do governador. Os dois e Jan tinham jantado no Gabriel's. Voltaram ao Palácio do Executivo, e Jan os deixara para conversarem.
- Jan parece muito feliz, Oliver. Estou satisfeito.
- Tento fazê-la feliz, Todd.
O senador Davis fitou Oliver nos olhos e se perguntou com que freqüência ele usava o apartamento.
- Ela o ama muito, filho.
- E eu também a amo.
Oliver parecia sincero. O senador Davis sorriu.
- Fico contente em saber disso. Ela já está redecorando a Casa Branca.
O coração de Oliver disparou.
- Como?
- Não lhe contei? Já começou. Seu nome está se tornando cada vez mais cotado em Washington. Vamos iniciar nossa campanha no primeiro dia do ano.
Oliver quase teve medo de fazer a pergunta seguinte.
- Acredita sinceramente que tenha uma chance, Todd?
- A palavra "chance" insinua um jogo, e eu não jogo, filho. Não me envolvo em coisa alguma se não estiver convencido de que é uma coisa certa.
Oliver respirou fundo.
- Você pode se tornar o homem mais importante do mundo.
- Quero que saiba o quanto sou grato por tudo o que tem feito por mim, Todd.
Todd afagou o braço de Oliver.
- É dever de um homem ajudar seu genro, não é mesmo A ênfase em "genro" não passou despercebida a Oliver.
O senador acrescentou, em tom casual:
- Ah, antes que eu me esqueça, Oliver, fiquei muito desapontado com a aprovação do novo imposto sobre o tabaco.
- O dinheiro vai resolver o problema do déficit em nosso orçamento fiscal e...
- Mas é claro que você vai vetar.
Oliver se mostrou aturdido.
- Vetar?
O senador sorriu.
- Oliver, quero que saiba que não estou pensando em mim mesmo. Mas tenho muitos amigos que investiram seu dinheiro ganho arduamente em plantações de tabaco e não gostaria que fossem prejudicados por novos impostos escorachantes, entende?
Houve um momento de silêncio.
- Entende, Oliver?
- Entendo - murmurou Oliver, depois de um longo momento.
- Não seria justo com eles.
- Fico muito agradecido por isso.
- Ouvi dizer que vendeu suas plantações de tabaco Todd.
Foi a vez do senador se mostrar surpreso.
- Por que eu faria isso?
- As empresas de fumo estão perdendo sucessivas ações nos tribunais. As vendas não param de cair e...
- Está falando dos Estados Unidos, filho. Há um vasto mundo lá fora. Espere só até nossas campanhas de propaganda começarem a sair na China, África e Índia.
Ele olhou para seu relógio e levantou.
- Preciso voltar a Washington. Tenho uma reunião do comitê.
- Tenha um bom vôo.
O senador Davis sorriu.
- Agora terei, filho, agora terei...
Oliver estava transtornado.
- O que vou fazer, Peter? O imposto do tabaco é de longe a medida mais popular que o legislativo aprovou este ano. Que desculpa tenho para vetá-lo?
Peter Tager tirou várias folhas de papel do bolso.
- Todas as respostas estão aqui, Oliver. Conversei com o senador. Você não terá qualquer problema. Marquei uma entrevista coletiva para as quatro horas da tarde.
Oliver estudou os papéis. Ao final, acenou com a cabeça..
- Ficou muito bom.
- É o meu trabalho. Precisa de mim para mais alguma coisa?
- Não. E obrigado. A gente se vê às quatro.
Tager encaminhou-se para a porta.
- Peter...
Ele virou-se.
- Quero que me diga uma coisa. Acha mesmo que tenho uma chance de me tornar presidente?
- O que diz o senador?
- Ele acha que tenho.
Tager voltou até a mesa.
- Conheço o senador Davis há muitos anos, Oliver. Durante todo esse tempo, ele nunca se enganou. Nem uma única vez. O homem possui um instinto incrível. Se Todd Davis diz que você será o próximo presidente dos Estados Unidos, pode apostar tudo que tem nisso.
Houve uma batida na porta.
- Entre.
A porta foi aberta e uma jovem e atraente secretária entrou, trazendo algumas mensagens de fax. Tinha vinte e poucos anos, olhos brilhantes, expressão ansiosa.
- Oh, desculpe, governador. Não sabia que estava numa...
- Não tem problema, Miriam.
Tager sorriu.
- Oi, Miriam.
- Olá, sr. Tager.
- Não sei como seria sem Miriam - comentou Oliver.
- Ela faz tudo por mim.
Miriam corou.
- Se não há mais nada...
Ela deixou os papéis na mesa de Oliver, virou-se e saiu apressada.
- É uma linda mulher... - murmurou Tager, olhando para Oliver.
- É, sim.
- Está sendo cuidadoso, não é, Oliver?
- Claro. Foi para isso que você me arrumou aquele apartamento.
- Eu me refiro a cuidadoso a longo prazo. Na próxima vez em que sentir tesão, pare e pense se uma Miriam, Alice ou Karen vale o Salão Oval.
- Sei o que está querendo dizer, Peter, e agradeço. Mas não precisa se preocupar comigo.
- Ótimo.
Tager olhou para o relógio.
- Tenho de ir agora. Vou levar Betsy e as crianças para almoçar fora!
Ele sorriu.
- Já contei o que Rebecca fez esta manhã? É minha filha de cinco anos. Havia uma fita do show de algum garoto que ela queria assistir às oito horas da manhã. Betsy disse: "Querida, porei a fita para você depois do almoço." Rebecca fitou-a nos olhos e respondeu: "Mamãe, quero almoçar agora." Muito esperta, hem?
Oliver não pôde deixar de sorrir pelo orgulho na voz de Tager.
As dez horas daquela noite, Oliver entrou na sala intima, onde Jan estava lendo.
- Meu bem, preciso sair. Preciso ir a uma reunião.
Jan levantou os olhos.
- A esta hora?
Ele suspirou.
- Infelizmente. O comitê do orçamento vai se reunir pela manhã, e eles querem me dar as informações necessárias antes.
- Você tem trabalhado demais. Tente voltar para casa mais cedo, está bem, Oliver?
Jan hesitou por um momento.
- Tem se ausentado demais ultimamente.
Oliver especulou se o comentário era uma advertência. Adiantou-se, inclinou-se e beijou-a.
- Não se preocupe, meu bem. Voltarei para casa o mais cedo que puder.
Lá embaixo, Oliver comunicou a seu motorista:
- Não precisarei de você esta noite. Sairei no carro pequeno.
- Certo, governador.
- Chegou atrasado, querido.
Miriam já estava nua. Ele sorriu e se aproximou.
- Lamento por isso. E fico contente que você não tenha começado sem mim.
Ela sorriu também.
- Abrace-me.
Ele a tomou nos braços e comprimiu o corpo quente contra o seu.
- Tire as roupas, querido. Depressa.
Depois, ele indagou:
- Gostaria de se mudar para Washington? Miriam sentou-se na cama.
- Fala sério?
- Claro que sim. Posso me mudar para Washington. E quero que me acompanhe.
- Se sua esposa algum dia descobrir sobre nós...
- Ela não vai descobrir.
- Por que Washington?
- Não posso explicar agora. Tudo o que posso dizer por enquanto é que será emocionante.
- Irei para qualquer lugar que quiser que eu vá, desde que continue a me amar.
- Sabe muito bem que amo você.
As palavras saíram com a maior facilidade, como já acontecera tantas vezes no passado.
- Faça amor comigo de novo.
- Só um instante. Tenho uma coisa para você.
Ele levantou-se e foi até seu paletó, que deixara pendurado numa cadeira. Tirou um vidrinho do bolso e despejou o conteúdo num copo. Era um líquido transparente.
- Experimente isto.
- O que é? - perguntou Miriam.
- Você vai gostar. Prometo.
Ele levantou o copo e tomou a metade. Miriam deu um gole, depois engoliu o resto. Sorriu.
- O gosto até que não é ruim.
- Vai fazer você se sentir ainda mais sensual.
- Já me sinto bastante sensual. Volte para a cama. Estavam fazendo amor de novo quando ela ofegou e balbuciou: