- Eu... não estou me sentindo bem.
A respiração se tornou arquejante.
- Não consigo respirar...
Os olhos fecharam.
- Miriam!
Não houve resposta. Ela arriou na cama.
- Miriam!
Ela permaneceu imóvel, inconsciente.
- Filha da puta! Por que está fazendo isso comigo?
Ele levantou-se, começou a andar de um lado para outro. Já dera o líquido a uma dúzia de mulheres, e apenas uma vez fizera mal a alguém. Precisava tomar todo cuidado. A menos que cuidasse daquilo direito, seria o fim de tudo. Todos os seus sonhos, tudo por que se empenhara. Não podia permitir que acontecesse. Ele parou no lado da cama, contemplando a mulher. Sentiu seu pulso. Ainda respirava, graças a Deus. Mas não podia deixar que ela fosse encontrada naquele apartamento. Pois logo seria ligada a ele. Precisava levá-la a algum lugar, onde a descobririam e providenciariam ajuda médica. E podia confiar que Miriam não revelaria seu nome.
Ele levou quase meia hora para vesti-la e remover todos os sinais de sua presença no apartamento. Entreabriu a porta para verificar se o corredor estava vazio, depois levantou-a, ajeitou-a em seu ombro, levou-a para o carro.
Era quase meia-noite, as ruas estavam desertas. Começara a chover. Ele foi para o Juniper Hill Park. Quando teve certeza de que não havia ninguém à vista, tirou Miriam do carro e acomodou-a gentilmente num banco do parque. Detestava deixá-la ali, mas não tinha opção. Absolutamente nenhuma. Todo o seu futuro estava em jogo.
Havia uma cabine telefônica a poucos metros do local. Ele foi até lá e discou 911. Jan esperava acordada quando Oliver chegou em casa.
- Já passa de meia-noite - disse ela.
- Por que demorou...?
- Sinto muito, querida. Tivemos uma longa e chata discussão sobre o orçamento e... bem, todos tinham opiniões diferentes.
- Você está muito pálido, Oliver. Deve estar exausto.
- Sinto-me um pouco cansado.
Jan sorriu, sugestiva.
- Vamos para a cama.
Ele beijou-a na testa.
- Preciso dormir um pouco, querida. A reunião me deixou esgotado.
A notícia saiu na primeira página do State Journal na manhã seguinte: SECRETÁRIA DO GOVERNADOR ENCONTRADA INCONSCIENTE NO PARQUE. Às duas horas desta madrugada, a polícia encontrou uma mulher inconsciente, Miriam Friedland, deitada num banco de parque, sob a chuva, e imediatamente chamou uma ambulância. Ela foi levada para o Memorial Hospital. Seu estado é considerado crítico.
Oliver lia a notícia quando Peter entrou afobado em sua sala, trazendo um exemplar do jornal.
- Já viu isto?
- Já, sim. É... é terrível. A imprensa telefonou durante toda a manhã.
- O que acha que aconteceu? - perguntou Tager.
Oliver sacudiu a cabeça.
- Não sei. Acabei de falar com o hospital. Ela está em coma. Tentam descobrir o que aconteceu. O hospital me ligará assim que se descobrir alguma coisa.
Tager fitou Oliver nos olhos.
- Espero que ela fique boa.
Leslie Chambers não viu as notícias nos jornais. Estava no Brasil, comprando uma emissora de televisão. O telefonema do hospital veio no dia seguinte.
- Governador, acabamos de receber os resultados do exames de laboratório. Ela ingeriu uma substância chamada metilenedioximetanfetamina, mais conhecida como ecstasy, Tomou-a em forma líquida, que é ainda mais letal.
- E qual é o seu estado?
- Infelizmente, é crítico. Ela permanece em coma. Pode sair ou... - o médico hesitou.
- Pode acontecer o contrário.
- Por favor, mantenha-me informado.
- Claro. Deve estar muito preocupado, governador.
- Estou, sim.
Oliver Russell estava numa reunião quando uma secretária chamou-o pelo interfone:
- Com licença, governador. Há uma ligação para o senhor.
- Eu disse que não queria ser interrompido, Heather.
- É o senador Davis, na linha três.
Ah... Oliver virou-se para os homens em sua sala.
- Vamos terminar mais tarde, senhores. Agora, se me dão licença...
Ele ficou observando-os saírem. Só pegou o telefone depois que a porta foi fechada.
- Todd?
- Oliver, que história é essa de sua secretária ser encontrada drogada num banco de parque?
- É verdade, Todd. Uma coisa terrível. Eu...
- Terrível até que ponto? - indagou o senador Davis.
- Como assim?
- Sabe muito bem a que estou me referindo.
- Todd, você não acha que eu... Juro que não sei de nada sobre o que aconteceu.
- Espero que não. - A voz do senador era sombria. Sabe como os boatos circulam depressa por Washington, Oliver. É a menor cidade da América. Não queremos nada de negativo ligado a você. Estamos nos preparando para iniciar a manobra. Eu ficaria muito aborrecido se cometesse alguma estupidez.
- Juro que estou limpo.
- Pois então cuide para continuar assim.
- Claro que sim. Eu...
A ligação foi cortada.
Oliver ficou imóvel, pensando. Terei de ser mais cuidadoso. Não posso permitir que nada me detenha agora. Ele olhou para seu relógio, depois pegou o controle remoto da televisão. Estava na hora do noticiário. Apareceu na tela a imagem de uma rua sitiada, com atiradores de tocaia disparando a esmo dos prédios. Podia-se ouvir ao fundo o som de eclosões de morteiros. Uma jovem e atraente repórter, vestindo um uniforme de combate e segurando um microfone, dizia:
- O novo tratado deve entrar em vigor à meia-noite de hoje, mas, mesmo que isso aconteça, nunca trará de volta as pacíficas aldeias destruídas neste país dilacerado pela guerra, nem restaurar as vidas dos inocentes que foram mortos no brutal reinado do terror.
A cena mudou para um close de Dana Evans, uma jovem veemente e arrebatada, em colete à prova de balas e bota de combate.
- As pessoas aqui estão famintas e cansadas. Pedem apenas uma coisa... paz. Virá desta vez? Só o tempo dirá, aqui é Dana Evans, falando de Sarajevo para a WTE, Washington Tribune Enterprises. - A cena dissolveu-se num comercial.
Dana Evans era correspondente estrangeira do Washington Tribune Enterprises Broadcasting System. Aparecia todos os dias no noticiário e Oliver tentava não perder nenhuma de suas transmissões.
Ela é uma mulher atraente, pensou ele, não pela primeira vez. Por que uma mulher tão jovem e atraente vai se meter no meio de uma guerra tão violenta?
Dana Evans era uma criança do exército, filha de um coronel que viajava de uma base para outra como instrutor de armamentos. Ao completar onze anos, Dana já vivera em cinco cidades americanas e quatro países estrangeiros.
Mudara-se com o pai e a mãe para o Aberdeen Proving Ground, em Maryland, Forte Benning, na Geórgia, Forte Hood, no Texas, Forte Leavenworth, no Kansas, e Forte Monmouth, em Nova Jersey. Cursara escola para filhos de oficiais em Camp Zama, no Japão, Chiemsee, na Alemanha, Camp Darby na Itália, e Forte
Buchanan, em Porto Rico.
Dana era filha única, e seus amigos eram os militares e suas famílias estacionados nas diversas bases em que o pai servira. Era precoce, jovial e extrovertida, mas a mãe se preocupava com o fato de Dana não ter uma infância normal.
- Sei que se mudar a cada seis meses deve ser terrivelmente difícil para você, querida - comentou a mãe.
Dana fitou-a na mais total perplexidade.
- Por quê?
Sempre que o pai era transferido para um novo posto, Dana vibrava.
- Vamos nos mudar de novo! - exclamava ela.
Infelizmente, embora Dana gostasse das constantes mudanças, a mãe detestava. Quando Dana tinha treze anos, a mãe declarou:
- Não posso mais continuar a viver como uma cigana. Quero o divórcio.
Dana ficou horrorizada quando soube. Não tanto pelo divórcio, mas pelo fato de que não mais poderia viajar pelo mundo com o pai.
- Onde vamos viver? - perguntou Dana à mãe.
- Em Claremont, Califórnia. Fui criada lá. É uma linda cidadezinha. Você vai adorar.
A mãe de Dana estava certa ao dizer que Claremont era uma linda cidadezinha. Mas se enganou ao pensar que Dana ia adorar. Claremont ficava na base das montanhas de San Gabriel, no condado de Los Angeles, com uma população aproximada de 33 mil pessoas. Suas ruas exibiam árvores adoráveis, o clima era de uma graciosa comunidade universitária. Dana detestou. A mudança de uma viajante internacional para a vida assentada numa pequena cidade provocou um severo caso de choque cultural.
- Vamos viver aqui para sempre? - perguntou Dana, sombria.
- Por que quer saber, querida?
- Porque este lugar é pequeno demais para mim. Preciso de uma cidade maior.
Dana voltou para casa deprimida de seu primeiro dia na escola.
- Qual é o problema? Não gostou da escola?
Dana suspirou.
- Até que gostei, mas tem muitas crianças.
A mãe de Dana soltou uma risada.
- Eles vão superar isso... e você também.
Dana continuou a estudar no Claremont High School e tornou-se uma repórter do Wolfpacket, o jornal da escola. Descobriu que gostava do trabalho no jornal, mas sentia uma saudade desesperada de viajar.
- Quando eu crescer - prometeu ela - , voltarei a viajar pelo mundo todo.
Quando tinha dezoito anos, Dana entrou no Claremont McKenna College, fez o curso de jornalismo e foi trabalhar como repórter no jornal universitário, o Forum. No ano seguinte, foi promovida a editora do jornal. Os estudantes não paravam de procurá-la, pedindo favores.
- Nossa fraternidade vai dar um baile na próxima semana, Dana. Poderia dar a notícia no jornal...?
- O clube de debates marcou uma reunião para a terça-feira...
- Poderia fazer uma crítica da peça que o clube de arte dramática está encenando...?
- Precisamos levantar recursos para a nova biblioteca...
Era interminável, mas Dana adorava. Tinha condições de ajudar pessoas e gostava disso. Em seu último ano, Dana decidiu que queria seguir uma carreira de jornalista.
- Poderei entrevistar pessoas importantes no mundo inteiro - disse Dana à mãe.
- Será como ajudar a fazer a história.
Enquanto crescia, a jovem Dana sentia-se deprimida cada vez que se olhava no espelho. Era muito baixa, muito magra, muito lisa. Todas as outras garotas na Califórnia eram de uma beleza espetacular. Sou um patinho feio numa terra de cisnes, pensava ela. E fazia questão de evitar os espelhos. Se olhasse, Dana teria percebido que aos quatorze anos seu corpo começou a desabrochar. Aos dezesseis, ela se tornara muito atraente. Quando tinha dezessete, os rapazes passaram praticamente a assediá-la. Havia alguma coisa em seu rosto ansioso, no formato de um coração, nos olhos grande e inquisitivos e na risada rouca que a tornava ao mesmo tempo adorável e um desafio.
Dana soubera desde os doze anos de idade como queria perder a virgindade. Seria numa linda noite enluarada, em alguma ilha tropical distante, com as ondas se desmanchando gentilmente na praia. Um estranho bonito e sofisticado se aproximaria para fitá-la nos olhos, até sua alma, e a tomaria nos braços, sem dizer uma palavra sequer, e a carregaria para uma palmeira próxima. Os dois se despiriam e fariam amor, enquanto a música ao fundo se elevava para clímax.
Ela acabou perdendo a virgindade no banco traseiro de um velho Chevrolet, depois de um baile na escola, com um ruivo magricela de dezoito anos, Richard Dobbins, que também trabalhava no Forum. Ele deu seu anel a Dana e, um mês depois, mudou-se para Milwaukee com os pais. Dana nunca mais soube dele.
Um mês antes de se formar no colégio, no curso de jornalismo, Dana foi ao jornal local, o Claremont Examiner, em busca de um emprego como repórter. Um homem no departamento de pessoal examinou seu currículo.
- Quer dizer que foi editora do Forum, hem?
Dana sorriu, modesta.
- Isso mesmo.
- Muito bem, você deu sorte. Precisamos de alguém nesse momento. Podemos experimentá-la.
Dana ficou emocionada. Já fizera uma lista dos lugares que queria cobrir: Rússia... China... África...
- Sei que não posso começar como correspondente estrangeira - disse ela -, mas assim que...
- Certo. Vai trabalhar aqui em pequenos serviços. Cuidará para que os editores tenham café pela manhã. A propósito, eles gostam bem forte. E vai levar os textos para as oficinas.
Dana ficou chocada.
- Não posso...
O homem inclinou-se para a frente, franzindo o rosto.
- Não pode o quê?
- Não posso lhe dizer como estou contente por esse emprego.
Todos os repórteres elogiavam Dana pelo café que fazia, e ela tornou-se a melhor mensageira que o jornal já tivera. Chegava cedo todos os dias, fazia amizade com os colegas. Sempre se mostrava ansiosa em ajudar. Sabia que essa era a maneira de progredir.
O problema era que, ao final de seis meses, ela continuava na mesma função. Foi falar com Bill Crowell, o editor-executivo.
- Creio sinceramente que estou pronta - declarou Dana, muito séria.
- Se me der uma missão, eu...
Ele nem sequer levantou os olhos.
- Ainda não há uma vaga. Meu café está frio.
Não é justo, pensou Dana. Eles nem me dão uma chance. Ela ouvira uma frase em que acreditava com absoluta convicção: "Se alguém pode detê-la, é porque você está deixando." Nada vai me deter, decidiu Dana. Nada mesmo... mas como vou começar?
Certa manhã, quando Dana passava pela sala vazia do teletipo, carregando xícaras de café, chegava uma notícia da polícia. Curiosa, ela foi ler: ASSOCIATED PRESS - CLAREMONT, CALIFÓRNIA. ESTA MANHÃ, EM CLAREMONT, OCORREU UMA TENTATIVA DE SEQÜESTRO. UM GAROTO DE SEIS ANOS FOI ABORDADO POR UM ESTRANHO E...
Dana leu o resto da notícia, os olhos arregalados. Respirou fundo, tirou a notícia do teletipo e guardou-a no bolso. Ninguém mais a vira. Ela entrou apressada na sala de Bill Crowell, ofegante.
- Sr. Crowell, alguém tentou seqüestrar um menino em Claremont esta manhã. Ofereceu-se para levá-lo num passeio de pônei. O menino queria algumas balas primeiro. O seqüestrador levou-o a uma loja, onde o dono reconheceu o menino e ligou para a polícia. O seqüestrador fugiu.
Bill Crowell ficou excitado.
- As agências noticiosas não nos mandaram nada. Como soube?
- Eu... passei pela loja, estavam falando a respeito e...
- Vou mandar um repórter para lá imediatamente.
- Por que não me deixa fazer a reportagem? - pediu Dana. - O dono da loja me conhece. Falará comigo. Crowell estudou-a por um momento e concordou, relutante:
- Está bem.
Dana entrevistou o dono da loja e sua reportagem saiu na primeira página do Claremont Examiner. No dia seguinte, ela foi bem recebida por todos no jornal.
- Até que não foi um trabalho dos piores - comentou Bill Crowell.
- Não foi mesmo.
- Obrigada.
Quase uma semana transcorreu antes que Dana se descobrisse sozinha de novo na sala do teletipo. Estava chegando uma notícia enviada pela Associated Press: POMONA, CALIFÓRNIA: INSTRUTORA DE JUDÔ CAPTURA ESTUPRADOR EM POTENCIAL. Perfeito, decidiu Dana. Ela tirou a notícia da máquina, amassou o papel, meteu no bolso, foi falar com Bill Crowell.
- Minha antiga colega de quarto na escola acaba de me telefonar - disse Dana, excitada.
- Olhava pela janela e viu uma mulher atacar um estuprador em potencial. Eu gostaria de fazer a reportagem.
Crowell fitou-a em silêncio por um momento.
- Vá em frente.
Dana foi até Pomona para entrevistar a instrutora de judô, e outra vez sua reportagem saiu na primeira página.
Bill Crowell chamou-a à sua sala.
- Gostaria de ter um trabalho regular como repórter?
Dana ficou emocionada.
- Claro!
Está começando, pensou ela. Minha carreira finalmente vai deslanchar.
No dia seguinte, o Claremont Examiner foi vendido ao Washington Tribune, de Washington, D. C. Quando a notícia da venda foi divulgada, a maioria dos empregados do Claremont Examiner ficou consternada. Era inevitável que houvesse um corte de pessoal, e alguns perderiam o emprego. Dana não pensou assim.
Trabalho para o Washington Tribune agora, refletiu ela. O pensamento lógico seguinte foi: Por que não vou direto à sede do meu novo jornal?
Ela foi à sala de Bill Crowell.
- Eu gostaria que me concedesse uma licença de dez dias.
Ele fitou-a, curioso.
- Dana, a maioria do pessoal daqui não quer nem ir ao banheiro com medo de não encontrar mais sua mesa no lugar quando voltar. Não está preocupada?
- Por que eu deveria estar? Sou a melhor repórter que você tem - declarou ela, confiante.
- E vou arrumar um emprego no Washington Tribune.
- Fala sério? - Ele estudou a expressão de Dana.
Fala mesmo.
- Crowell fez uma pausa, suspirando.
- Muito bem. Tente falar com Matt Baker. Ele está no comando do Washington Tribune Enterprises... dos jornais, emissoras televisão e rádio, tudo enfim.
- Matt Baker. Certo.
Washington, D.C., era uma cidade muito maior do que Dana imaginara. Era o centro do poder no mundo, e Dana podia sentir a eletricidade no ar. É o lugar a que pertenço, pensou ela, feliz.
Sua primeira providência foi hospedar-se no Stouffer Renaissance Hotel. Depois, procurou o endereço do Washington tribune e foi para lá. O Tribune ficava na rua 6 e ocupava todo o quarteirão. Consistia em quatro prédios separados, que pareciam se projetar para o infinito. Dana descobriu o saguão principal e entrou, confiante, foi até o guarda uniformizado por trás da mesa.
- Posso ajudá-la, moça?
- Trabalho aqui. Isto é, trabalho para o Tribune. Vim falar com Matt Baker.
- Tem uma entrevista marcada?
Dana hesitou.
- Ainda não, mas...
- Volte quando tiver.
Ele desviou sua atenção para vários homens que haviam se aproximado da mesa.
- Temos uma reunião marcada com o diretor do departamento de circulação - anunciou um dos homens.
- Um momento, por favor.
O guarda discou um número. Mais além, um elevador chegara ao térreo e as pessoas saíam. Dana se encaminhou para lá, calmamente. Entrou, rezando para que o elevado subisse antes que o guarda a notasse.
Uma mulher entrou no elevador e apertou um botão. O elevador começou a subir.
- Com licença, qual é o andar de Matt Baker? - perguntou Dana.
- Terceiro. - A mulher olhou para Dana.
- Não está usando seu crachá.
- Perdi o meu.
Dana saltou no terceiro andar. Ficou parada ali, atônita com o que via. Olhava para um mar de cubículos. Parecia que havia centenas, ocupados por milhares de pessoas. Ha via placas de cores diferentes sobre cada cubículo. EDITORIAL... ARTES... METROPOLITANA... ESPORTES... AGENDA.. Dana parou um homem que passava apressado.
- Com licença. Onde fica a sala do sr. Baker?
- Matt Baker? - Ele apontou.
- No final do corredor à direita, última porta.
- Obrigada.
Ao se virar, Dana esbarrou num homem com a barba por fazer, amarfanhado, carregando alguns papéis. Os papéis caíram no chão.
- Oh, desculpe. Eu estava...
- Por que não olha para onde vai? - berrou o homem e se agachou para recolher os papéis.
- Foi um acidente. Vou ajudá-lo...
Ela se agachou também. Quando tentou pegar os papéis empurrou vários para baixo de uma mesa. O homem parou e fitou-a com uma expressão furiosa.
- Faça-me um favor. Não me ajude mais.
- Como quiser - disse Dana, a voz gelada.
- Só espero que nem todos em Washington sejam grosseiros como
você. Altiva, ela se empertigou e seguiu para a sala do sr. Baker.
O letreiro no vidro dizia MATT BAKER. A sala estava vazia. Dana entrou e sentou. Olhando pelo vidro na porta, ela observou a atividade frenética.
Muito diferente do Claremont Examiner. Havia milhares de pessoas trabalhando aqui. O homem rude e amarfanhado se aproximava da sala pelo corredor.
Não!, pensou Dana. Ele não pode estar vindo para cá! vai para outra sala e... Mas o homem passou pela porta. Seus olhos se contraíram.
- O que está fazendo aqui?
Dana engoliu em seco.
- Deve ser o sr. Baker - disse ela, jovial.
- Sou Dana Evans.
- Perguntei o que está fazendo aqui.
- Sou repórter do Claremont Examiner.
- E daí?
- Você acaba de comprá-lo.
- Eu comprei?
- Hã... o jornal comprou. O jornal comprou o jornal.
- Dana sentiu que o encontro não ia muito bem.
- Estou aqui,em busca de um emprego. Isto é, já tenho um emprego. É mais como uma transferência, não é mesmo?
Ele a fitava fixamente.
- Posso começar agora mesmo - balbuciou Dana. Não seria um problema.
Matt Baker encaminhou-se para a mesa.
- Quem a deixou entrar aqui?
- Já lhe disse. Sou repórter do Claremont Examiner e...
- Volte para Claremont - disse ele, ríspido.
- E tente não derrubar ninguém na saída.
Dana levantou-se e disse, contrafeita:
- Muito obrigada, sr. Baker. Aprecio sua cortesia.
Ela deixou a sala, furiosa. Matt Baker observou-a se afastar,
balançando a cabeça. O mundo estava cheio de malucos.
Dana retornou pela vasta redação, onde dezenas de repórteres batiam suas matérias em computadores. É aqui que vou trabalhar pensou ela, determinada. Volte para Claremont! Como ele ousara lhe falar assim?
Ao virar a cabeça, Dana avistou Matt Baker à distância avançando em sua direção. O desgraçado estava por toda parte Dana foi para trás de um cubículo, para que ele não pudesse vê-la. Baker passou direto, foi até um repórter sentado a uma mesa.
- Conseguiu a entrevista, Sam?
- Não tive sorte. Estive no Centro Médico de Georgetown mas disseram que não há nenhuma pessoa registrada ali com esse nome. A esposa de Tripp Taylor não é uma das pacientes.
- Tenho certeza de que é - declarou Matt Baker. Estão encobrindo alguma coisa. E quero saber por quê ela foi para o hospital.
- Se ela está mesmo lá, Matt, não há como alcançá-la.
- Tentou a rotina da entrega de flores?
- Claro. Não deu certo.
Dana continuou imóvel, observando Matt Baker e o repórter se afastarem. Que tipo de repórter é esse que não sabe como conseguir uma entrevista?, pensou ela.
Meia hora depois, Dana entrou no Centro Médico de Georgetown. Foi para uma loja de flores.
- O que deseja? - perguntou a funcionária.
- Eu gostaria... - ela hesitou por um instante. ...de flores no valor de cinqüenta dólares.
Ela quase sufocou ao falar "cinqüenta". Depois de receber as flores, Dana perguntou:
- Há alguma loja aqui no hospital que venda algum tipo de boné?
- Há uma loja de presentes logo adiante.
- Obrigada.
A loja de presentes era uma cornucópia de miudezas, com os mais diversos cartões de cumprimentos, brinquedos baratos, bolas de encher e bandeirolas, prateleiras com petiscos salgados, roupas vistosas. Havia uma prateleira com bonés.
Dana comprou um que parecia de motorista e pôs na cabeça. Comprou um cartão de votos de recuperação rápida e escreveu alguma coisa por dentro. Sua parada seguinte foi na mesa de informações no saguão do hospital.
- Tenho flores para a sra. Tripp Taylor.
A recepcionista sacudiu a cabeça.
- Não há nenhuma sra. Tripp Taylor internada aqui.
Dana suspirou.
- É mesmo? Uma pena. Estas flores foram enviadas pelo vice-presidente dos Estados Unidos.
Ela abriu o cartão e mostrou à recepcionista. A inscrição dizia: "Desejo que se recupere o mais depressa possível". A assinatura era de "Arthur Cannon".
- Acho que terei de levar de volta.
Dana virou-se para ir embora. A recepcionista ficou indecisa.
- Espere um instante!
Dana parou.
- O que é?
- Posso mandar entregar as flores a ela.
- Sinto muito, mas o vice-presidente Cannon disse que eu deveria entregá-las pessoalmente.
Ela fitou a recepcionista.
- Pode me dar seu nome, por favor? Terão de explicar ao sr. Cannon por que eu não pude entregar as flores.
Pânico.
- Hã... está bem. Não quero causar nenhum problema. Leve as flores ao quarto 615. Mas terá que se retirar logo depois de entregá-las.
- Certo.
Cinco minutos depois, Dana estava conversando com a esposa do famoso astro do rock Tripp Taylor.
Stacy Taylor tinha vinte e poucos anos. Era difícil dizer se era ou não uma mulher atraente, porque no momento tinha o rosto inchado, cheio de equimoses. Tentava pegar um copo d'água numa mesa perto da cama quando Dana entrou no quarto.
- Flores para...
Dana parou abruptamente, chocada com o rosto da mulher.
- De quem são?
As palavras eram um murmúrio. Dana removera o cartão.
- De... de um admirador.
A mulher olhava para Dana com uma expressão desconfiada.
- Pode pegar aquela água para mim?
- Claro.
Dana largou as flores e entregou o copo à mulher na cama.
- Posso fazer mais alguma coisa para ajudá-la?
- Claro que pode - respondeu Stacy Taylor, através dos lábios inchados.
- Pode me tirar deste lugar nojento. Meu marido não me deixa receber visitas e estou cansada de ver tantos médicos e enfermeiras.
Dana sentou-se numa cadeira ao lado da cama.
- O que aconteceu com você?
A mulher fungou.
- Não sabe? Sofri um acidente de carro.
- É mesmo?
- É, sim.
- Que coisa horrível... - murmurou Dana, cética. Ela sentia uma raiva profunda, porque era óbvio que aquela mulher fora espancada.
Quarenta e cinco minutos depois, Dana deixou o hospital com a verdadeira história.
Quando Dana voltou ao saguão do Washington Tribune, havia um guarda diferente.
- Posso ajudá-la em...?
- Não é culpa minha - disse Dana, ofegante.
- Acredite em mim, foi a droga do tráfego. Avise ao sr. Baker que estou subindo. Ele vai ficar furioso com meu atraso.
Ela se encaminhou apressada para o elevador e apertou o botão. O guarda continuou a olhar para ela, indeciso, depois ligou para um número.
- Avise ao sr. Baker que há uma jovem...
O elevador chegou. Dana entrou e apertou o três. No terceiro andar, a atividade parecia ter aumentado, se é que isso era possível. Repórteres se agitavam, tentando cumprir os prazos de fechamento do jornal. Dana ficou parada ali, olhando ao redor, frenética. Acabou por avistar o que queria. Num cubículo com uma placa verde, em que se lia a palavra JARDINAGEM, havia uma mesa vazia. Dana foi até lá e sentou-se. Olhou para o computador à sua frente, depois começou a bater. Ficou tão absorta no texto que escrevia que perdeu a noção do tempo. Quando terminou, apertou o botão de imprimir e as laudas começaram a sair. Estava reunindo-as quando sentiu uma sombra por cima de seu ombro.
- O que está fazendo aqui? - perguntou Matt Baker.
- Procurando por um emprego, sr. Baker. Escrevi esta reportagem e pensei...
- Pois pensou errado! - explodiu Baker.
- Não pode entrar aqui e ocupar a mesa de qualquer um! E agora saia daqui antes que eu chame a segurança e mande prendê-la!
- Mas...
- Fora daqui!
Dana levantou-se. Com toda a dignidade possível, pôs as laudas na mão de Matt Baker e encaminhou-se para o elevador.
Matt Baker sacudiu a cabeça em incredulidade. Mas o que vai acontecer com o mundo? Havia uma cesta de papel por baixo da mesa. Ao se adiantar em sua direção, ele leu as primeiras linhas do texto de Dana: "Stacy Taylor, o rosto todo machucado, cheio de equimoses, alegou hoje em seu leito de hospital que se encontrava ali porque seu marido, Tripp Taylor, o famoso astro do rock, a espancou. Cada vez que fico grávida, ele me dá uma surra. Não quer ter filhos. Matt leu mais adiante, aturdido. Levantou os olhos, mas Dana desaparecera.
Com as laudas na mão, ele correu para os elevadores, esperando encontrá-la antes que sumisse. Ao virar o canto do corredor, esbarrou nela. Dana estava encostada na parede, esperando.
- Como conseguiu essa reportagem? - indagou ele.
Dana respondeu com a maior simplicidade:
- Eu lhe disse. Sou uma repórter.
Matt respirou fundo.
- Vamos para a minha sala.
Eles estavam sentados de novo na sala de Matt Baker.
- É uma boa reportagem - admitiu ele, relutante.
- Obrigada! - exclamou Dana, excitada.
- Não tenho palavras para descrever o quanto aprecio isso. Vou ser a melhor repórter que já teve. O que quero mesmo é ser correspondente estrangeira, mas estou disposta a me empenhar até chegar a esse ponto, mesmo que leve um ano. - Ela viu a expressão de Matt Baker e apressou-se em acrescentar: Ou talvez dois.
- Não há nenhuma vaga no Tribune, e temos uma longa lista de espera.
Dana se mostrou espantada.
- Mas presumi...
- Um repórter não tem que presumir nada, está entendido?
- Sim, senhor.
- Ótimo.
Matt pensou por um momento, depois tomou uma decisão.
- Costuma assistir à WTE? É a emissora de televisão do Tribune Enterprises.
- Não, senhor. Não posso dizer que...
- Pois vai conhecer agora. Está com sorte. Há uma vaga ali. Um dos redatores acaba de sair. Pode ficar no lugar dele.
- Fazendo o quê? - perguntou Dana, hesitante.
- Escrevendo texto para a televisão.
Ela murchou.
- Texto para a televisão? Não sei nada sobre...
- É muito simples. O produtor do noticiário lhe entrega o material de todos os serviços noticiosos. Você escreve um texto resumido e põe no teleponto para os âncoras lerem.
Dana ficou calada.
- O que foi?
- Nada. Acontece... que sou uma repórter.
- Temos quinhentos repórteres aqui, e todos passarão anos para ganharem suas promoções. Vá até o Prédio Quatro. Peça para falar com o sr. Hawkins. Se tem de começar por algum lugar, a televisão não é tão ruim assim. Matt Baker pegou o telefone.
- Vou ligar para Hawkins.
Dana suspirou.
- Está bem. Obrigada, sr. Baker. Se algum dia precisar...
- Fora.
Os estúdios da televisão WTE ocupavam todo o sexto andar do Prédio Quatro. Tom Hawkins, o produtor do noticiário noturno, levou Dana para sua sala.
- Alguma vez já trabalhou em televisão?
- Não, senhor. Trabalhei em jornais.
- Dinossauros. São o passado. Nós somos o presente. E quem sabe o que será o futuro? Deixe-me mostrar a redação.
Havia duas dúzias de pessoas trabalhando em mesas e monitores. Notícias enviadas por meia dúzia de serviços noticiosos apareciam em computadores.
- As notícias e reportagens são recebidas aqui, enviadas do mundo inteiro - explicou Hawkins.
- Eu decido quais delas vamos explorar. A chefia de reportagem
envia equipes para cobrir esses acontecimentos. Nossos repórteres de campo remetem suas matérias por microondas ou transmissores. Além dos serviços noticiosos, temos cento e sessenta canais da polícia, repórteres com telefones celulares, scanners, monitores. Cada notícia é planejada em cada segundo. Os redatores trabalham com editores de imagens para terem o tempo certo. A notícia média dura entre um minuto e meio e um minuto e quarenta e cinco segundos.
- Quantos redatores trabalham aqui? - perguntou Dana.
- Seis. Há também um coordenador de vídeo, editores de notícias, produtores, diretores, repórteres, âncoras... ele parou. Um homem e uma mulher se aproximavam.
- Por falar em âncoras, quero que conheça Julia Brinkman e Michael Tate.
Julia Brinkman era uma mulher deslumbrante, com cabelos castanhos, lentes de contato coloridas que proporcionavam a seus olhos um verde ardente, e um sorriso experiente e envolvente. Michael Tate tinha uma aparência atlética, com um sorriso afável e uma atitude extrovertida.
- Nossa nova redatora - anunciou Hawkins. - Donna Evanston.
- Dana Evans.
- O que for. Vamos ao trabalho.
Ele levou Dana de volta à sua sala. Acenou com a cabeça para um quadro de missões na parede.
- Essas são as matérias entre as quais escolherei as que vamos pôr no ar. Temos dois noticiários por dia. O de meio dia à uma da tarde, e o noturno, de dez às onze horas. Quando eu lhe disser que matérias quero apresentar, você junta todas as informações e escreve um texto emocionante, para que os espectadores não mudem de canal. O editor de imagem lhe mostrará as cenas, você as inclui no texto, indicando onde devem entrar.
- Certo.
- Às vezes temos algum acontecimento sensacional, e neste caso interrompemos nossa programação regular para uma apresentação ao vivo.
- Parece interessante - murmurou Dana.
Ela nem imaginava que um dia isso iria salvar sua vida.
O programa da primeira noite foi um desastre. Dana pôs as indicações das notícias no meio e não no princípio, o que fez com que Julia Brinkman se descobrisse a ler os textos de Michael Tate, e vice-versa. Terminado o noticiário, o diretor disse a Dana:
- O sr. Hawkins quer falar com você em sua sala. Agora. Hawkins estava sentado por trás de sua mesa, com uma expressão sombria.
- Já sei - murmurou Dana, contrita.
- Foi uma nova falha na televisão, e a culpa foi toda minha.
Hawkins apenas a observava. Dana tentou de novo:
- A boa notícia, Tom, é que daqui por diante só pode melhorar. Certo?
Ele continuou calado.
- E nunca mais vai acontecer, porque... - Dana interpretou a expressão dele. - ...estou despedida.
- Não - disse Hawkins, ríspido.
- Isso seria deixá-la escapar fácil demais. Vai continuar a fazer até acertar. E estou me referindo ao noticiário do meio-dia amanhã. Fui bem claro?
- Muito.
- Ótimo. Quero você aqui às oito horas da manhã.
- Certo, Tom.
- E já que vamos trabalhar juntos... você pode me chamar de sr. Hawkins.
O noticiário do meio-dia transcorreu sem problemas. Tom Hawkins tinha razão, concluiu Dana. Era apenas uma questão de se acostumar ao ritmo. Receba a missão... escreva o texto... trabalhe com o editor de imagens... arme o teleponto para os âncoras lerem.
Daquele momento em diante, tornou-se rotina.
A oportunidade de Dana surgiu oito meses depois de ela começar a trabalhar na WTE. Acabara de passar para o teleponto os textos do noticiário noturno, às quinze para as dez, e se preparava para ir embora. Quando entrou no estúdio, para se despedir, deparou com o caos. Todos falavam ao mesmo tempo. Rob Cline, o diretor, gritou:
- Onde ela se meteu?
- Não sei.
- Alguém a viu?
- Não.
- Telefonou para o apartamento dela?
- A secretária eletrônica atendeu.
- Isso é maravilhoso! Vamos entrar no ar... - ele olhou para o relógio. - ...dentro de doze minutos!
- Talvez Julia tenha sofrido um acidente - sugeriu Michael Tate. - Pode estar morta.
- Isso não é desculpa. Ela deveria ter telefonado.
Dana interveio:
- Com licença...
O diretor olhou para ela, impaciente.
- O que é?
- Se Julia não aparecer, posso apresentar o noticiário.
- Esqueça. - Ele tornou a se virar para seu assistente. - Ligue para a segurança e verifique se ela já se encontra no prédio.
O assistente pegou o telefone.
- Julia Brinkman já passou por aí?... Pois quando ela aparecer, mande que suba depressa.
- Mande reservar um elevador para ela. Entramos no ar... - o diretor olhou para o relógio de novo. - ...dentro de sete minutos.
Dana continuou parada ali, observando o pânico crescente. Michael Tate sugeriu:
- Eu poderia fazer as duas partes.
- Não! - exclamou o diretor, ríspido.
- Precisamos de duas pessoas lá na frente. - Ele olhou para o relógio mais uma vez. - Três minutos. Droga! Como ela pôde fazer isso conosco? Temos de entrar no ar e...
Dana interrompeu-o:
- Conheço todos os textos. Fui eu que escrevi. O diretor lançou-lhe um olhar rápido.
- Você está sem maquilagem. E vestida da maneira errada.
Uma voz veio da cabine de controle de som:
- Dois minutos. Ocupem seus lugares, por favor.
Michael Tate deu de ombros e foi se instalar em seu lugar, na
plataforma diante das câmeras.
- Em seus lugares, por favor! Dana sorriu para o diretor.
- Boa noite, sr. Cline.
Ela se encaminhou para a porta.
- Espere um instante! - Ele esfregava a mão na testa. - Tem certeza de que pode fazer isso?
- Experimente.
- Não tenho opção, não é mesmo? - lamentou o diretor. - Muito bem, vá sentar lá na frente. Oh, Deus, por que não segui o conselho de minha mãe e me tornei um médico?
Dana seguiu apressada para a plataforma e sentou-se ao lado de Michael Tate.
- Trinta segundos... vinte... dez... cinco...
O diretor fez um sinal com a mão, e a luz vermelha na câmera acendeu.
- Boa noite - disse Dana, a voz suave.
- Sejam bem-vindos ao noticiário das dez horas da WTE. Temos um triste acontecimento na Holanda. Houve uma explosão numa escola de Amsterdã esta tarde e...
O resto do noticiário transcorreu sem qualquer problema.
Na manhã seguinte, Rob Cline foi à sala de Dana.
- Má notícia. Julia sofreu um acidente de carro ontem à noite. Seu rosto... - ele hesitou. - ...ficou desfigurado.
- Sinto muito - murmurou Dana. preocupada.
- É grave?
- Muito grave.
- Mas hoje em dia a cirurgia plástica pode...
Ele sacudiu a cabeça.
- Não desta vez. Julia não vai voltar.
- Eu gostaria de vê-la. Onde ela está?
- Vão levá-la para a casa da família no Oregon.
- Uma coisa terrível.
- Você vence algumas, perde outras. - Cline estudou Dana por um momento.
- Você se saiu muito bem ontem à noite. Vamos mantê-la até encontrarmos alguém permanente.
Dana foi falar com Matt Baker.
- Viu o noticiário ontem , a noite? - perguntou ela.
- Vi, sim - resmungou ele.
- Pelo amor de Deus, tente se maquilar e usar um vestido mais apropriado.
Dana sentiu que murchava.
- Certo.
Quando ela se virou para sair, Matt Baker acrescentou relutante:
- Você não se saiu mal.
Partindo dele, era um grande elogio.
Na quinta noite, o diretor comunicou a Dana:
- O chefão mandou dizer para mantê-la.
Ela especulou se o chefão era Matt Baker.
Em seis meses, Dana tornou-se uma figura conhecida no cenário de Washington. Era jovem e atraente, com uma inteligência evidente. Ao final do ano, recebeu um aumento e passou a ter programas especiais. Um deles, Aqui e Agora, entrevistas com celebridades, disparou no índice de audiência. Suas entrevistas eram pessoais e simpáticas. Celebridades que hesitavam em comparecer a outros programas pediam para aparecer no de Dana.
Revistas e jornais passaram a entrevistá-la. Ela estava se tornando uma celebridade por si mesma.
De noite, Dana assistia ao noticiário internacional. Invejava os correspondentes estrangeiros. Eles faziam alguma coisa importante. Relatavam a história, informando o mundo sobre os acontecimentos importantes que ocorriam nos pontos mais diversos do globo. Ela sentia-se frustrada.
O contrato de dois anos de Dana com a WTE estava chegando ao fim. Philip Cole, o chefe dos correspondentes, conversou com ela.
- Está fazendo um trabalho sensacional, Dana. Todos nos orgulhamos de você.
- Obrigada, Philip.
- É tempo de discutirmos o seu novo contrato. Em primeiro lugar...
- Vou embora.
- Como?
- Quando meu contrato acabar, não vou mais fazer o jornal.
Ele a fitava com absoluta incredulidade.
- Por que iria embora? Não gosta daqui?
- Gosto muito. Gostaria de continuar na WTE, mas quero ser correspondente estrangeira.
- É uma vida miserável, Dana. Por que gostaria de fazer isso?
- Porque estou cansada de ouvir o que celebridades querem cozinhar para o jantar e como conheceram seu quinto marido. Há guerras por aí, pessoas sofrendo e morrendo. O mundo não se importa nem um pouco. Quero fazer com que as pessoas se importem. - Ela respirou fundo.
- Sinto muito mas não posso continuar aqui.
Dana levantou-se e encaminhou-se para a porta.
- Ei, espere aí! Tem certeza de que é isso mesmo o que quer fazer?
- É o que sempre quis fazer.
Ele ficou pensativo por um momento.
- Para onde você quer ir?
Dana levou algum tempo para absorver a implicação daquelas palavras. Quando finalmente recuperou a voz, murmurou apenas uma palavra.
- Sarajevo.
Ser governador era ainda mais emocionante do que Oliver Russell imaginara. O poder era uma amante sedutora, e Oliver adorou. Suas decisões influenciavam as vidas de centenas de milhares de pessoas. Tornou-se hábil em manipular o poder legislativo estadual, e seu prestígio e reputação se expandiam cada vez mais. Estou realmente dando minha contribuição, pensava Oliver, feliz. Não esquecia as palavras do senador Davis: Isto é apenas um degrau, Oliver. Tome muito cuidado.
E ele era cuidadoso. Teve diversas ligações amorosas, mas foram todas conduzidas com a maior discrição. Sabia que não podia ser de outra forma.
De vez em quando, Oliver telefonava para o hospital, indagando sobre o estado de Miriam.
- Ela continua em coma, governador.
- Mantenham-me informado.
Um dos deveres de Oliver como governador do Estado era o de oferecer jantares oficiais. Os convidados eram partidários, personalidades do esporte e do show business, pessoas com influência política e autoridades visitantes. Jan era uma anfitriã graciosa e Oliver gostava da maneira como as pessoas reagiam a ela.
Um dia, Jan comunicou a Oliver:
- Acabei de falar com papai. Ele vai oferecer uma recepção em sua casa no próximo fim de semana. Gostaria que fôssemos. Lá estarão algumas pessoas que ele quer apresentar a você.
Naquele sábado, na suntuosa mansão do senador Davis em Georgetown, Oliver viu-se apertando as mãos de algumas das pessoas mais importantes em Washington. Foi uma linda festa e Oliver adorou.
- Está se divertindo, Oliver?
- Estou, sim. É uma festa maravilhosa. Não poderia desejar nada melhor.
- Por falar em desejos, isso me lembra de uma coisa - disse Peter Tager.
- Outro dia, Elizabeth, minha filha de seis anos, estava rabugenta e não queria se vestir. Betsy começava a ficar desesperada. Elizabeth fitou-a e disse: "Mamãe em que está pensando?" Betsy respondeu: "Meu bem eu apenas desejava que você estivesse de bom humor, que se vestisse logo e comesse o seu desjejum, como uma boa menina." E Elizabeth declarou: "Mamãe, seu desejo não foi concedido!" Não é sensacional? Essas crianças são fantásticas. Até mais tarde, governador.
Um casal passou pela porta nesse instante e o senador Davis foi cumprimentá-lo. O embaixador italiano, Atilio Picone, era uma figura imponente, na casa dos sessenta anos, com feições morenas sicilianas. Sua esposa, Sylvia, era uma das mulheres mais lindas que Oliver já vira. Fora uma atriz antes de casar com Atilio, e ainda era popular na Itália. Oliver podia entender por quê. Tinha olhos castanhos grandes e sensuais, o rosto de uma madona, o corpo voluptuoso de um modelo Ruben. Era 25 anos mais moça do que o marido. O senador Davis levou os dois até Oliver e apresentou-os.
- É um prazer conhecê-los - disse Oliver.
Ele não conseguia desviar os olhos da mulher.
Ela sorriu.
- Tenho ouvido falar muito a seu respeito.
- Nada ruim, espero.
- Eu...
O marido interveio:
- O senador Davis fala muito bem de você.
Oliver lançou um olhar para Sylvia.
- Sinto-me lisonjeado.
O senador Davis afastou-se com o casal. Quando tornou a se encontrar com Oliver, ele comentou:
- Isso está fora dos seus limites, governador. Fruto proibido. Dê uma mordida e poderá dar um beijo de despedida em seu futuro.
- Relaxe, Todd. Eu não estava...
- Falo sério. Você pode alienar dois países ao mesmo tempo.
Ao final da noite, quando Sylvia e o marido foram embora, Atilio disse:
- Foi um prazer conhecê-lo.
- O prazer foi meu.
Sylvia apertou a mão de Oliver e murmurou:
- Aguardamos ansiosos a oportunidade de revê-lo.
Os olhos dos dois se encontraram.
- Eu também.
E Oliver pensou: Devo ter o maior cuidado.
Duas semanas depois, em Frankfort, Oliver trabalhava em seu gabinete quando a secretária avisou pelo interfone:
- O senador Davis está aqui e deseja lhe falar.
- O senador Davis está aqui?
- Sim, senhor.
- Mande-o entrar.
Oliver sabia que o sogro lutava por um projeto importante em Washington, e se perguntou o que o trouxera a Frankfort. A porta foi aberta e o senador entrou. Peter Tager o acompanhava. O senador Todd Davis sorriu e passou o braço pelos ombros de Oliver.
- É um prazer tornar a vê-lo, governador.
- O prazer é todo meu, Todd. - Oliver olhou para Peter Tager. - Bom dia, Peter.
- Bom dia, Oliver.
- Espero não estar incomodando - acrescentou o senador Davis.
- Claro que não. Nem um pouco. Há... alguma coisa errada?
O senador Davis olhou para Tager e sorriu.
- Ora, não creio que se possa dizer que haja alguma coisa errada, Oliver. Ao contrário, eu diria que está tudo bem.
Oliver estudava os dois, perplexo.
- Não estou entendendo.
- Tenho boas notícias para você, filho. Podemos sentar?
- Oh, desculpem! Gostariam de tomar alguma coisa? Café? Uísque?
- Nada. Já estamos bastante estimulados.
Mais uma vez, Oliver se perguntou o que estaria acontecendo.
- Acabo de chegar de Washington. Há um grupo muito influente lá que pensa que você será o nosso próximo presidente.
Oliver sentiu um pequeno arrepio percorrê-lo.
- Eu... é mesmo?
- Para dizer a verdade, vim para cá porque chegou o momento de iniciarmos sua campanha. Faltam menos de dois anos para a eleição.
- É a ocasião oportuna - declarou Peter Tager, com evidente entusiasmo. - Antes de acabarmos, todos no mundo saberão quem é você.
O senador Davis acrescentou:
- Peter vai assumir o comando de sua campanha. Cuidará de tudo para você. Sabe que não poderá encontrar ninguém melhor.
Oliver olhou para Tager e disse, efusivo:
- Concordo plenamente.
- Será um prazer. Vamos nos divertir um bocado, Oliver.
Oliver virou-se para o senador Davis.
- Não vai custar muito dinheiro?
- Não se preocupe com isso. Você irá de primeira classe por todo o percurso. Convenci alguns amigos de que é o homem em quem devem investir seu dinheiro. - Ele inclinou-se para a frente.
- Não se subestime, Oliver. A pesquisa que saiu há dois meses o relacionou como o terceiro mais eficiente governador do país. E você tem uma coisa que e os outros não possuem. Já lhe disse isso antes... carisma. É algo que o dinheiro não pode comprar. As pessoas gostam de você... e votarão em você.
Oliver se sentia cada vez mais excitado.
- Quando começamos?
- Já começamos - respondeu o senador Davis.
- Vamos formar uma grande equipe de campanha, e começaremos a mobilizar delegados em todo o país.
- Em termos realistas, quais são as minhas chances?
- Nas primárias, você vai explodir todos os adversários -
garantiu Tager. - Na eleição geral, o presidente Norton está com o prestígio em alta. Se você tivesse de concorrer contra ele, não seria fácil vencê-lo. A boa notícia é que ele não vai concorrer, já que está no seu segundo mandato. Já o vice-presidente Cannon é uma pálida sombra. Um pouco de sol o fará desaparecer.
A reunião se prolongou por quatro horas. Quando acabou, o senador Davis disse a Tager:
- Peter, pode nos dar licença por um minuto?
- Pois não, senador.
Os dois observaram-no deixar a sala. Só depois é que o senador declarou:
- Tive uma conversa com Jan esta manhã.
Oliver sentiu um calafrio de alarme.
- É mesmo?
O senador Davis fitou-o nos olhos e sorriu.
- Ela está muito feliz.
Oliver deixou escapar um suspiro de alívio.
- Fico contente por isso.
- Eu também, filho, eu também. Mas não deixe de manter o fogo doméstico aceso. Entende o que estou querendo dizer, não é mesmo?
- Não se preocupe com isso, Todd. Eu...
O sorriso do senador Davis se desvaneceu.
- Claro que me preocupo, Oliver. Não posso culpá-lo por ter tesão... mas não deixe que isso o transforme num sapo.
Atravessando o corredor da sede do governo estadual, o senador Davis disse a Peter Tager:
- Quero que comece a recrutar a equipe. Não poupe nas despesas. De saída, vamos instalar escritórios de campanha em Nova York, Washington, Chicago e São Francisco. As primárias começam dentro de doze meses. A convenção será daqui a dezoito meses. Depois disso, devemos ter um vôo tranqüilo. - Eles chegaram ao carro.
- Acompanhe-me até o aeroporto, Peter.
- Ele dará um maravilhoso presidente.
O senador Davis acenou com a cabeça. E eu o terei no meu bolso, pensou ele. Será o meu fantoche. Mexerei os dedos e o presidente dos Estados Unidos falará.
O senador tirou do bolso uma caixa de charutos de ouro.
- Aceita um charuto?
As primárias em todo o país começaram muito bem. O senador Davis estava certo sobre Peter Tager. Era um dos melhores supervisores políticos do mundo, e criou uma organização magnífica. Como Tager era um homem dedicado à família e profundamente religioso, atraía a direita religiosa. Como sabia o que fazia a política funcionar, era também capaz de persuadir os liberais a pôr de lado as divergências e trabalharem juntos. Peter Tager era um brilhante executivo de campanha, e sua venda preta sobre um olho tornou-se uma presença familiar nas redes de televisão.
Tager sabia que para ter êxito Oliver precisaria chegar à convenção com um mínimo de duzentos votos de delegados. Tencionava cuidar para que Oliver o conseguisse.
A agenda elaborada por Tager incluía várias viagens a todos os Estados da União. Oliver estudou o programa e declarou:
- Isto... isto é impossível, Peter!
- Não da maneira como previmos. Tudo será coordenado. O senador vai lhe emprestar seu Challenger. Haverá pessoas para orientá-lo em todas as etapas e estarei sempre ao seu lado.
O senador Davis apresentou Sime Lombardo a Oliver. Era um gigante, alto e corpulento, sinistro na aparência física e na parte emocional, um homem taciturno, que falava pouco.
- Como ele entra no quadro? - perguntou Oliver ao sogro quando ficaram a sós.
O senador Davis explicou:
- Sime é nosso solucionador de problemas. Às vezes as pessoas precisam de um pouco de persuasão para aceitarem o óbvio. E Sime sabe ser muito convincente.
Oliver não quis saber de mais nada.
Quando a campanha presidencial começou para valer, Peter Tager dava instruções detalhadas a Oliver sobre o que dizer, quando dizer e como dizer. Cuidou para que Oliver visitasse todos os Estados fundamentais nas eleições. E, aonde quer que fosse, Oliver dizia às pessoas o que elas queriam ouvir. Na Pensilvânia:
- A indústria é o sangue vital deste país. Não vamos esquecer isso. Voltaremos a abrir fábricas e lançaremos a América no rumo certo! Aplausos.
Na Califórnia:
- A indústria aeronáutica é um dos patrimônios fundamentais dos Estados Unidos. Não há motivo para que uma única de suas fábricas seja fechada. Vamos abri-las de novo. Aplausos.
Em Detroit:
- Inventamos os carros e os japoneses nos arrebataram a tecnologia. Pois vamos voltar a ocupar o nosso lugar legítimo de número um. Detroit será outra vez o centro automobilístico do mundo! Aplausos.
Nos campos universitários, o tema era a garantia de empréstimos federais para estudantes.
Em discursos nas bases militares, por todo o país, o tema era a necessidade de estarem bem preparados.
No início, quando Oliver era relativamente desconhecido as chances se acumulavam contra ele. À medida que a campanha prosseguiu, no entanto, as pesquisas mostraram sua ascensão.
Na primeira semana de julho, mais de quatro mil delegados e substitutos eventuais, assim como centenas de dirigentes do partido e candidatos, reuniram-se na convenção, em Cleveland, e viraram a cidade pelo avesso com seus desfiles, comícios e festas. Câmeras de televisão do mundo inteiro registravam o espetáculo. Peter Tager e Sime Lombardo cuidavam para que o governador Oliver Russell estivesse sempre diante das câmeras.
Havia meia dúzia de outros candidatos em potencial no partido de Oliver, mas o senador Davis trabalhara nos bastidores para assegurar que, um a um, fossem eliminados. Era implacável ao cobrar os favores devidos, alguns já há vinte anos.
- Toby, sou eu, Todd. Como estão Emma e Suzy?... Ótimo. Preciso falar com você sobre seu garoto, Andrew. Estou preocupado com ele, Toby. Na minha opinião, ele é liberal demais. O Sul nunca vai aceitá-lo. Minha sugestão é a seguinte...
- Alfred, sou eu, Todd. Como vai Roy?... Não precisa me agradecer. Tive o maior prazer em ajudá-lo. Quero falar com você sobre seu candidato, Jerry. Na minha opinião, ele é direitista demais. Se formos com ele, perderemos o Norte. Aqui está minha sugestão...
- Kenneth, sou eu, Todd. Só queria lhe dizer que estou contente porque aquele negócio imobiliário deu certo. Todos nós saímos muito bem, não é? Por falar nisso, acho que devemos ter uma conversinha sobre Slater. Ele é fraco. Um perdedor. E não podemos apoiar um perdedor..
E assim por diante, até que praticamente o único candidato viável que restava no partido era o governador Oliver Russell.
O processo de escolha do candidato transcorreu sem maiores problemas. No primeiro escrutínio, Oliver Russell teve setecentos votos: mais de duzentos dos seis Estados industriais do Nordeste, 150 dos seis Estados da Nova Inglaterra, quarenta de quatro Estados sulistas, mais 180 de dois Estados agrícolas, e o restante dos três Estados do Pacífico.
Peter Tager trabalhava frenético para que o trem da propaganda continuasse a rolar. No escrutínio final, Oliver Russel saiu como o vencedor. E com o excitamento da atmosfera de circo que fora criada com todo o cuidado, Oliver Russell acabou sendo aclamado como o candidato do partido.
O passo seguinte era escolher um vice-presidente. Melvin Wicks era uma escolha perfeita. Tratava-se de um californiano politicamente correto, um rico empresário e um congressista simpático.
- Eles vão se complementar - comentou Tager. - agora começa o trabalho de verdade. Vamos atrás do número mágico... duzentos e setenta.
Era o número de votos eleitorais necessários para conquistar a presidência. Tager disse a Oliver:
- As pessoas querem um líder jovem... Bem-apessoado um pouco de humor, dotado de visão... Querem que você lhes diga como são maravilhosas... e querem acreditar que são mesmo... Deixe-as saberem que você é inteligente, mas não demais... Se atacar seu adversário, mantenha a crítica num nível impessoal...
Nunca desdenhe um repórter. Trate todos como amigos, e serão seus amigos... Tente evitar qualquer demonstração de mesquinharia. Lembre-se... você é um estadista.
A campanha foi incessante. O jato do senador Davis levou Oliver ao Texas por três dias, Califórnia por um dia, Michigan por meio dia, Massachusetts por seis horas. Cada minuto era planejado. Havia dias em que Oliver visitava dez cidades diferentes e fazia dez discursos. Era um hotel diferente a cada noite, o Drake em Chicago, o St. Regis em Detroit, Carlyle na cidade de Nova York, o Place d'Armes em Nova Orleans, até que todos pareciam se fundir em um só. Aonde quer que Oliver fosse, havia carros da polícia abrindo o cortejo, enormes multidões e aclamações delirantes.
Jan acompanhava Oliver na maioria das viagens, e ele não pôde deixar de admitir que a esposa era um grande trunfo. Era uma mulher atraente e inteligente, contava com a simpatia dos repórteres. De vez em quando, Oliver lia sobre as últimas aquisições de Leslie: um jornal em Madri, uma emissora de televisão no México, uma emissora de rádio no Kansas. Sentia-se feliz pelo sucesso de Leslie, pois diminuía o sentimento de culpa pelo que lhe fizera.
Por toda parte, os jornalistas fotografavam, entrevistavam e noticiavam a presença de Oliver. Havia mais de cem correspondentes cobrindo sua campanha, alguns de países distantes. À medida que a campanha se aproximava do clímax, as pesquisas indicavam que Oliver Russell estava na frente. Mas, inesperadamente, seu adversário, o vice-presidente Cannon, começou a ultrapassá-lo. Peter Tager ficou preocupado.
- Cannon tem subido nas pesquisas. Precisamos detê-lo. Foram acertados dois debates na televisão entre o vice-presidente Cannon e Oliver.
- Cannon vai falar sobre a economia, e se sairá muito bem - disse Tager a Oliver. - Temos de enganá-lo. Meu plano é o seguinte...
Na noite do primeiro debate, na frente das câmeras de televisão, o vice-presidente Cannon falou sobre a economia do país.
- A América nunca teve uma situação econômica mais sólida. Os negócios florescem.
Ele passou os dez minutos seguintes discorrendo sobre o tema, provando seus argumentos com dados e cifras.
Na sua vez ao microfone, Oliver Russell disse:
- Foi bastante impressivo. Tenho certeza de que todos nos sentimos satisfeitos porque as grandes empresas vão muito bem, porque seus lucros nunca foram tão altos.
Ele virou-se para seu adversário.
- Mas esqueceu de mencionar que um dos motivos para que as grandes empresas estejam tão bem é o que se passou a chamar eufemisticamente de "enxugamento". Em termos objetivos, "enxugar" significa despedir pessoas para dar lugar a máquinas. Mais pessoas estão desempregadas hoje do que nunca antes. É o lado humano da situação que deveríamos estar avaliando. Acontece que não partilho sua opinião de que o sucesso financeiro das grandes empresas seja mais importante do que as pessoas...
E assim por diante. Onde o vice-presidente Cannon falara sobre a economia, Oliver Russell assumiu uma posição humanitária e discorreu sobre emoções e oportunidade. Quando terminou, Russell conseguira fazer com que Cannon parecesse um político de sangue-frio, que não dava a menor importância ao povo americano.
Na manhã seguinte ao debate, as pesquisas indicaram uma nova mudança, com Oliver Russell a três pontos do vice-presidente. E havia ainda mais um debate nacional.
Arthur Cannon aprendera sua lição. No debate final, ele postou-se diante do microfone e disse:
- Nosso país é uma terra em que todos devem ter oportunidades iguais. A América tem sido abençoada com a liberdade, mas isso por si só não é suficiente. Nosso povo deve ter liberdade para trabalhar, para ganhar a vida de uma maneira decente...
Ele roubou o espetáculo de Oliver Russell ao se concentrar em todos os planos maravilhosos que tinha em mente para o bem-estar do povo. Mas Peter Tager previra essa manobra. Quando Cannon terminou, Oliver Russell foi ao microfone e declarou:
- Foi muito tocante. Tenho certeza de que todos ficaram comovidos com o que você disse sobre os problemas do desempregado... como o chamou, o "homem esquecido". O que me preocupa é que esqueceu de dizer como vai fazer todas essas coisas maravilhosas por essa gente.
E daí por diante, onde o vice-presidente Cannon tratara de emoções, Oliver Russell discorreu sobre os problemas e seus planos econômicos, deixando o vice-presidente inteiramente desamparado.
Oliver, Jan e o senador Davis estavam jantando na mansão do senador, em Georgetown. O senador sorriu para Jan.
- Acabei de ser informado sobre as últimas pesquisas. Acho que você pode iniciar os planos para redecorar a Casa Branca.
O rosto de Jan se iluminou.
- Acha mesmo que vamos ganhar, papai?
- Tenho me enganado numa porção de coisas, meu bem, mas nunca sobre política. Afinal, a política é o sangue da minha vida. Em novembro teremos um novo presidente... e ele está sentado ao seu lado.
- Apertem os cintos, por favor.
Lá vamos nós!, pensou Dana, excitada. Ela olhou para Benn Albertson e Wally Newman. Benn Albertson, o produtor de Dana, era barbudo e hiperativo, na casa dos quarenta anos. Produzira alguns dos programas jornalísticos de maior índice de audiência da televisão e era muito respeitado. Wally Newman, o câmera, tinha cinqüenta e poucos anos. Era talentoso e entusiasmado, aguardava ansioso a nova missão.
Dana pensou na aventura à sua frente. Pousariam em Paris, depois voariam para Zagreb, Croácia, e de lá seguiriam para Sarajevo.
Durante sua última semana em Washington, Dana recebeu as instruções de Shelley McGuire, a editora internacional:
- Você vai precisar de um caminhão em Sarajevo para transmitir as reportagens via satélite. Não possuímos nenhum ali, por isso alugaremos o caminhão e compraremos tempo da companhia iugoslava que possui o satélite.
Se tudo correr bem, enviaremos nosso próprio caminhão mais tarde. Você vai operar em dois níveis diferentes. Alguns fatos terão cobertura ao vivo, mas a maior parte será gravada. Benn Albertson lhe dirá o que quer, você vai fazer as imagens e depois acrescentar o som num estúdio local. Estou lhe dando o melhor produtor e o melhor câmera. Não deve ter qualquer problema. Dana haveria de se lembrar mais tarde dessas palavras otimistas.
Matt Baker telefonou para Dana no dia anterior à sua partida.
- Venha até minha sala. - O tom era ríspido.
- Já estou indo.
Dana desligou com um sentimento de apreensão. Ele mudou de idéia sobre a aprovação da minha transferência, não vai mais me deixar partir. Como pode fazer isso comigo? Ela respirou fundo, determinada. Mas vou lutar até o fim!
Dez minutos depois, Dana entrou na sala de Matt Baker.
- Sei o que vai dizer - começou ela -, mas não vai adiantar. Irei de qualquer maneira! Tenho sonhado com isso desde que era pequena. Acho que posso fazer alguma coisa boa por lá. E você tem de me dar a chance de tentar. - Ela respirou fundo e acrescentou, em tom de desafio:
- Muito bem, o que queria me dizer?
Matt Baker fitou-a nos olhos e murmurou:
- Bon voyage.
Dana piscou, aturdida.
- Como?
- Bon voyage. Significa "boa viagem".
- Sei o que significa. Eu... não me chamou para...
- Chamei-a porque andei conversando com alguns correspondentes estrangeiros. Eles me deram conselhos para transmitir a você.
Aquele homem enorme e rude se dera ao tempo e trabalho de conversar com alguns correspondentes estrangeiros, a fim de poder ajudá-la!
- Eu... eu não sei como...
- Pois então não diga. Está a caminho de uma guerra violenta. Não há qualquer garantia de que poderá se proteger cem por cento, porque as balas não se importam nem um pouco com quem matam. Mas quando se fica no meio da ação, a adrenalina começa a fluir. Pode deixá-la temerária, levá-la a cometer atos estúpidos, que não faria em circunstâncias normais. Tem de controlar isso. Sempre trabalhe com uma margem de segurança. Não ande pelas ruas sozinha. Nenhuma notícia vale a sua vida. Outra coisa...
A preleção se prolongou por quase uma hora. Ao final Matt Baker disse:
- Isso é tudo. Cuide-se bem. Se deixar que alguma coisa aconteça com você, ficarei furioso.
Dana inclinou-se e beijou-o no rosto.
- Nunca mais faça isso! - Ele se levantou.
- A situação será terrível por lá, Dana. Se mudar de idéia quando chegar e quiser voltar para casa, basta me avisar e providenciarei tudo.
- Não mudarei de idéia - garantiu Dana, confiante.
Mas ela estava enganada.
O vôo para Paris transcorreu sem incidentes. Desembarcaram no aeroporto Charles de Gaulle, e os três pegaram um microônibus para a Croatia Airlines. Havia um atraso de três horas.
Às dez horas daquela noite, o avião da Croatia Airlines pousou no aeroporto de Butmir, em Sarajevo. Os passageiros foram conduzidos a um prédio da segurança, onde passaportes foram verificados por guardas uniformizados.
Quando Dana se encaminhava para a porta, um homem baixo de aparência desagradável, à paisana, adiantou-se para bloquear sua passagem.
- Passaporte.
- Já mostrei...
- Sou o coronel Gordan Divjak. Seu passaporte.
Dana entregou seu passaporte, junto com as credenciais da imprensa. Ele examinou.
- Jornalista, hem? - Ele fitou-a nos olhos.
- De que lado você está?
- Não estou de lado nenhum - respondeu Dana, calmamente.
- Tome cuidado com o que noticiar - advertiu o coronel Divjak. - Não tratamos a espionagem com brandura.
Seja bem-vinda a Sarajevo.
Um Land Rover à prova de balas os esperava no aeroporto. O motorista, de pele trigueira, tinha vinte e poucos anos.
- Sou Jovan Tolj, para servi-los. Serei o motorista de vocês em Sarajevo.
Jovan guiava depressa, virando as esquinas e acelerando pelas ruas desertas como se estivessem sendo perseguidos.
- Com licença - disse Dana, nervosa -, mas há necessidade de tanta pressa?
- Há, sim, se quiserem continuar vivos.
- Mas...
À distância, Dana ouviu o som de uma trovoada, dando a impressão de que se aproximava.
Só que não era trovoada o que ela ouvia.
No escuro, Dana podia divisar prédios com as fachadas semidestruídas, apartamentos sem janelas, lojas sem vitrines. À frente, divisou o Holiday Inn, onde ficariam hospedados. A fachada do hotel estava toda marcada por buracos. Havia uma cratera no chão. O carro passou por cima a toda velocidade.
- Espere! - gritou Dana.
- Este é o nosso hotel! Para onde vai?
- A entrada da frente é muito perigosa. - Jovan virou
a esquina e disparou por uma viela. - Todos usam a entrada dos fundos.
Dana sentiu a boca subitamente seca.
- Ah...
O saguão do Holiday Inn estava cheio de pessoas conversando. Um jovem e atraente francês aproximou-se de Dana.
- Estávamos à sua espera. É, Dana Evans?
- Isso mesmo.
- Jean Paul Hubert, M6, Métropole Télévision.
- Prazer em conhecê-lo. Estes são Benn Albertson e Wally Newman.
Os homens trocaram apertos de mão.
- Sejam bem-vindos ao que restou de nossa cidade que está desaparecendo depressa.
Outros se aproximaram do grupo para dar as boas-vindas. Um a um, adiantaram-se e se apresentaram.
- Steffan Mueller, Rede Kabel.
- Roderick Munn, BBC 2.
- Marco Benelli, Itália 1.
- Akihiro Ishihara, TV Tóquio.
- Juan Santos, Canal 6, Guadalajara.
- Chun Qian, Televisão Xangai.
Dana teve a impressão de que todos os países do mundo tinham um jornalista ali. As apresentações pareceram prolongar por toda uma eternidade. O último foi um corpulento russo, com um dente de ouro reluzindo na frente.
- Nikolai Petrovich, Gorizont 22.
- Quantos repórteres estão aqui? - perguntou Dana a Jean Paul.
- Mais de duzentos e cinqüenta. Não há muitas guerras tão animadas quanto esta. É a sua primeira?
Ele falava como se fosse alguma partida de tênis.
- É, sim.
- Se eu puder ajudar em qualquer coisa, basta me dizer, por favor.
- Obrigada. -Dana hesitou por um instante.
- Quem é o coronel Gordan Divjak?
- Não vai querer saber. Todos nós achamos que ele trabalha no equivalente serviço da Gestapo, mas não temos certeza. Eu sugeriria que você ficasse longe do caminho dele.
- Não esquecerei.
Mais tarde, quando Dana foi se deitar, houve uma súbita e violenta explosão no outro lado da rua, logo acompanhada por uma segunda. O quarto tremeu. Era assustador, mas ao mesmo tempo inebriante. Parecia irreal, alguma coisa saída de um filme. Dana passou a noite inteira acordada, escutando os sons das terríveis máquinas de matar e vendo os clarões refletidos nas janelas sujas do hotel.
Pela manhã, Dana vestiu-se - jeans, botas, colete à prova de balas. Sentiu-se contrafeita, mas... Sempre trabalhe com uma margem de segurança... Nenhuma notícia vale a sua vida.
Dana, Benn e Wally estavam no restaurante, conversando sobre suas famílias.
- Esqueci de lhes dar a boa notícia - disse Wally. Terei um neto no mês que vem.
- Mas isso é sensacional!
E Dana pensou: Alguma vez terei um filho e um neto? Que será, será.
- Tenho uma idéia - disse Benn.
- Vamos fazer primeiro uma reportagem geral sobre o que está acontecendo aqui e como as vidas das pessoas foram afetadas. Sairei com Wally para procurar locações. Por que não providencia algum tempo de satélite, Dana?
- Está certo.
Jovan Tolj esperava na viela, no Land Rover.
- Dobyo juto. Bom dia.
- Bom dia, Jovan. Quero ir ao lugar em que alugam tempo de satélite.
Ao partirem, Dana pôde ter uma boa visão de Sarajevo pela primeira vez. Parecia que não havia um único prédio intacto. O som de tiros era contínuo.
- Não pára nunca? - perguntou Dana.
- Eles vão parar de atirar quando a munição esgotar - respondeu Jovan, amargurado.
- E nunca ficarão se munição.
As ruas estavam desertas, exceto por uns poucos pedestres, e todos os cafés fechados. Havia crateras de granada por toda parte. Passaram pelo prédio do Oslobodjenje.
- Este é o nosso jornal - disse Jovan, orgulhoso.
- Sérvios continuam tentando destruí-lo, mas não conseguem.
Poucos minutos depois, chegaram ao escritório da empresa do satélite.
- Ficarei esperando aqui - disse Jovan.
Por trás de uma mesa, no saguão, havia um recepcionista que parecia estar na casa dos oitenta anos.
- Fala inglês? - perguntou Dana.
Ele fitou-a com uma expressão cansada.
- Falo nove línguas, madame. O que deseja?
- Sou da WTE. Quero alugar algum tempo de satélite e acertar...
- Terceiro andar.
A placa na porta dizia DIVISÃO DE SATÉLITE DA IUGOSLÁVIA. A sala de recepção estava repleta de homens, sentados em bancos encostados nas paredes. Dana apresentou-se à jovem na mesa de recepção.
- Sou Dana Evans, da WTE. Quero reservar algum tempo de satélite.
- Sente-se, por favor, e espere a sua vez.
Dana correu os olhos pela sala.
- Todas essas pessoas estão aqui para reservar tempo de satélite?
A mulher levantou os olhos.
- Claro.
Quase duas horas depois, Dana foi levada para a sala do gerente, um homem baixo e atarracado, com um charuto na boca, parecia com o velho clichê do protótipo de um produtor de Hollywood. Ele tinha um forte sotaque.
- Como posso ajudá-la?
- Sou Dana Evans, da WTE. Gostaria de alugar um dos seus caminhões e reservar o satélite por meia hora. Seis da tarde em Washington seria um bom horário. E quero esse horário todos os dias, por um prazo indefinido. - Ela viu a expressão do homem.
- Algum problema?
- Um só. Não há caminhões de satélite disponíveis. Todos já foram reservados. Eu lhe telefonarei se alguém cancelar. Dana ficou consternada.
- Não...? Mas preciso de algum tempo de satélite! Eu...
- Todo mundo também precisa. Exceto os que trouxeram seu próprio caminhão, é claro.
A sala de recepção continuava cheia quando Dana saiu. Preciso tomar alguma providência, pensou ela.
Ao deixar o escritório, Dana disse a Jovan:
- Eu gostaria de dar uma volta pela cidade.
Ele virou-se para fitá-la e deu de ombros.
- Como quiser.
Jovan ligou o Land Rover e saiu em disparada pelas ruas.
- Um pouco mais devagar, por favor. Preciso sentir a cidade.
Sarajevo era uma cidade sitiada. Não havia água corrente nem eletricidade, e mais casas eram bombardeadas a cada hora. O alarme de ataque aéreo soava com tanta freqüência que as pessoas o ignoravam. Um clima de fatalismo pairava sobre a cidade. Se a bala tinha o seu nome, não havia onde se esconder.
Em quase todas as esquinas, homens, mulheres e crianças vendiam os poucos bens que lhes restavam.
- São refugiados da Bósnia e Croácia - explicou Jovan -, tentando obter dinheiro suficiente para comprar comida.
Havia incêndios por toda parte. Mas não havia bombeiros à vista.
- Não existe um corpo de bombeiros aqui? - perguntou Dana.
Jovan deu de ombros.
- Claro que existe, mas os bombeiros não ousam sair. Seriam alvos bons demais para os atiradores de tocaia sérvio.
No início, a guerra na Bósnia-herzegovina fizera pouco sentido para Dana. Só depois de estar em Sarajevo há uma semana é que ela compreendeu que não fazia sentido algum. Ninguém podia explicá-la. Alguém mencionou um professor da universidade, historiador renomado. Ele fora ferido e se encontrava confinado em sua casa. Dana decidiu conversar com ele.
Jovan levou-a a um dos bairros antigos da cidade, onde o professor morava. O professor Mladic Staka era um homem pequeno e grisalho, quase etéreo na aparência. Uma bala o acertara na espinha, deixando-o paralisado.
- Obrigado por ter vindo - disse ele. - Não recebo muitas visitas hoje em dia. Falou que precisava conversar comigo.
- Isso mesmo. Eu deveria estar fazendo a cobertura da guerra. Mas, para ser franca, tenho a maior dificuldade para compreendê-la.
- O motivo para isso é muito simples, minha cara. Guerra na Bósnia-herzegovina está além da compreensão. Por dezenas de anos os sérvios, croatas, bósnios e muçulmanos viveram juntos em paz, sob Tito. Eram amigos e vizinhos. Cresciam juntos, trabalhavam juntos, cursavam mesmas escolas, casavam entre si.
- E agora?
- Esses mesmos amigos estão torturando e matando uns aos outros. O ódio transformou-os em coisas tão repulsivas que nem posso falar sobre eles.
- Ouvi algumas das histórias.
As histórias que Dana ouvira eram quase inacreditáveis: um poço cheio de testículos humanos ensangüentados, bebês estuprados e mortos, aldeões inocentes trancados numa igreja, incendiada em seguida.
- Quem começou? - indagou ela.
O professor sacudiu a cabeça.
- Depende de a quem se pergunta. Durante a Segunda Guerra Mundial, centenas de milhares de sérvios, que estavam do lado dos Aliados, foram massacrados pelos croatas, que estavam do lado dos nazistas. Agora, os sérvios cometem sua sangrenta vingança. Mantêm o país como refém e são implacáveis. Mais de duzentas mil granadas caíram só em Sarajevo. Pelo menos dez mil pessoas foram mortas e mais de sessenta mil ficaram feridas. Os bósnios e muçulmanos devem arcar com a responsabilidade por sua parte nas torturas e mortes. Os que não querem a guerra são forçados a entrar nela. Ninguém pode confiar em ninguém. A única coisa que restou a todos é o ódio. O que temos é uma conflagração que alimenta a si mesma, enquanto os incêndios são alimentados pelos corpos dos inocentes.
Quando Dana voltou ao hotel, naquela tarde, Benn Albertson a esperava para informar que recebera uma mensagem de que um caminhão e hora de satélite estariam disponíveis no dia seguinte, às seis horas da tarde.
- Encontrei o lugar ideal para filmarmos - anunciou Wally Newman.
- Há uma praça com uma igreja católica, uma mesquita, uma igreja protestante e uma sinagoga, a menos de um quarteirão umas das outras. Todas foram bombardeadas. Pode escrever um texto sobre ódio em oportunidades iguais, o que fez com as pessoas que vivem aqui, que não querem saber da guerra, são obrigadas a participar.
Dana acenou com a cabeça, excitada.
- Excelente! Falarei com vocês no jantar. Vou trabalhar agora.
Ela foi para seu quarto.
Às seis horas da tarde seguinte, Dana, Wally e Benn se reuniram na praça em que estavam localizadas as igrejas bombardeadas. A câmera de televisão de Wally foi montada num tripé, e Benn esperava pela confirmação de Washington de que o sinal de satélite era bom. Dana podia ouvir os disparos de atiradores de tocaia ao fundo.
Sentiu uma súbita satisfação por estar usando o colete à prova de balas. Não há por que ter medo. Eles não estão atirando em nós, mas sim uns contra os outros. Precisam de nós para contar sua história ao mundo.
Dana viu o sinal de Wally. Respirou fundo, olhou para lente da câmera e começou:
- As igrejas que vocês vêem atrás de mim são um símbolo do que está acontecendo neste país. Não há mais muros por trás dos quais as pessoas possam se esconder, nenhum lugar que seja seguro. Nos tempos antigos, as pessoas podiam encontrar um santuário em suas igrejas. Mas aqui, passado, o presente e o futuro se fundiram para...
Foi nesse instante que ela ouviu um assovio estridente se aproximando, levantou os olhos e viu a cabeça de Wally explodir num melão vermelho. É um jogo de luz, foi o primeiro pensamento de Dana. E depois, transtornada, ela observou o corpo de Wally bater no chão. Ficou imóvel, gelada, incapaz de acreditar. As pessoas ao seu redor gritavam.
O som do fogo rápido dos atiradores de tocaia chegou mais perto e Dana começou a tremer, numa reação incontrolável. Mãos a agarraram, arrastaram pela rua. Ela se debateu, tentando se desvencilhar.
Não! Temos de voltar. Não aproveitamos os nossos dez minutos... Não posso desperdiçar não quero... era errado desperdiçar coisas. Acabe sua sopa, querida. As crianças na China estão morrendo de fome. "Acha que existe alguma espécie de Deus lá em cima, sentado numa nuvem branca? Pois vou lhe dizer uma coisa. Não passa de um impostor. Um Deus de verdade nunca deixaria a cabeça de Wally ser explodida, mas nunca mesmo. Wally esperava por seu primeiro neto. Está me escutando? Está? Está? Ela se encontrava em estado de choque, sem perceber que era levada por uma rua transversal para o carro.
Ao abrir os olhos, Dana descobriu que estava na cama. Benn Albertson e Jean Paul Hubert se encontravam de pé ao lado. Ela fitou-os.
- Aconteceu mesmo, não é?
- Sinto muito - murmurou Jean Paul.
- Foi uma coisa horrível. Você teve sorte de não ser atingida.
O telefone rompeu o silêncio no quarto. Benn atendeu.
- Alô? -Ele escutou por um momento.
-Claro. Espere um instante.
Benn pôs a mão sobre o fone e olhou para Dana.
- É Matt Baker. Pode falar com ele?
- Posso. - Dana sentou-se na cama. Depois de um momento, levantou-se e foi até o telefone.
- Alô?
Tinha a garganta seca, era difícil falar. A voz de Matt Baker trovejou pelo telefone:
- Quero que volte para casa, Dana.
A voz dela saiu como um sussurro:
- Quero voltar.
- Providenciarei para que embarque no primeiro avião que sair daí.
- Obrigada.
Dana largou o telefone. Jean Paul e Benn ajudaram-na a voltar para a cama.
- Sinto muito - repetiu Jean Paul.
- Não há... não há nada que alguém possa dizer.
Lágrimas escorriam pelas faces de Dana.
- Por que o mataram? Ele nunca fez mal a ninguém. O que está acontecendo? Pessoas são massacradas como animais e ninguém se importa. Ninguém se importa!
Benn murmurou:
- Dana, não há nada que possamos fazer sobre...
- Tem de haver. - A voz de Dana tremia de fúria - Temos de fazer com que se importem. Esta guerra não é sobre bombardear igrejas, casas e ruas. É sobre pessoas... pessoas inocentes... tendo suas cabeças explodida. São essas as histórias que deveríamos estar transmitindo. É a única maneira de fazer com que esta guerra se torne real.
Ela virou-se para Benn, respirou fundo.
- Vou ficar, Benn. Não permitirei que me afugentem.
Ele a observava com uma expressão preocupada.
- Dana, tem certeza...?
- Tenho, sim. Sei o que tenho de fazer agora. Pode telefonar para Matt e avisá-lo?
- Se é isso o que você realmente quer... - murmurou ele, indeciso.
Dana acenou com a cabeça.
- É o que realmente quero.
Ela observou Benn deixar o quarto. Jean Paul disse:
- É melhor eu sair também e deixá-la...
- Não !
Por um instante, a mente de Dana foi povoada pela visão da cabeça de Wally explodindo, o corpo caindo.
- Não - repetiu ela, olhando para Jean Paul.
- Fique, por favor. Preciso de você.
Jean Paul sentou-se na cama. E Dana abraçou-o, apertou-o contra seu corpo.
Na manhã seguinte, Dana disse a Benn Albertson:
- Pode arrumar um câmera? Jean Paul me falou sobre um orfanato em Kosovo que acaba de ser bombardeado. Quero ir até lá e fazer a cobertura.
- Conseguirei alguém.
- Obrigada, Benn. Irei na frente e nos encontraremos lá.
- Tome cuidado.
- Não se preocupe.
Jovan esperava por Dana na viela.
- Vamos para Kosovo - comunicou ela.
Jovan virou-se para fitá-la.
- É uma área perigosa, madame. A única estrada passa pelo bosque e...
- Já tivemos a nossa cota de azar, Jovan. Nada mais vai nos acontecer.
- Como quiser.
Atravessaram a cidade em alta velocidade e, quinze minutos depois, percorriam uma região de bosque cerrado.
- Quanto falta? - perguntou Dana.
- Não muito. Deveremos chegar...
E foi nesse momento que o Land Rover bateu numa mina.
À medida que se aproximava o dia da eleição, a disputa presidencial tornou-se mais acirrada.
- Temos de vencer em Ohio - declarou Peter Tager.
- São vinte e um votos eleitorais. Estamos bem no Alabama que são nove votos, e também temos a Flórida, com vinte cinco votos.
Ele pegou uma lista e estudou-a.
- Illinois, vinte e dois votos... Nova York, trinta e três e Califórnia, quarenta e quatro. Ainda é muito cedo para ter certeza.
Todos se mostravam preocupados, menos o senador Davis.
- Tenho um faro para essas coisas - garantia ele. E posso sentir o cheiro da vitória.
No hospital, em Frankfort, Miriam Friedland continua em coma.
No dia da eleição, a primeira terça-feira de novembro, Leslie ficou em casa para acompanhar a apuração pela televisão. Oliver Russell venceu por mais de dois milhões de votos populares e uma grande maioria dos votos eleitorais. Oliver Russell era agora o presidente dos Estados Unidos, o maior alvo do mundo.
Ninguém seguira a campanha eleitoral mais atentamente do que Leslie Stewart Chambers. Estivera ocupada a expandir seu império e adquirira uma rede de jornais e emissoras de televisão e rádio por todos os Estados Unidos, assim como na Inglaterra, Austrália e Brasil.
- Quando teremos o suficiente? - perguntou seu editor-chefe, Darin Solana.
- Em breve - respondeu Leslie. - Muito em breve.
Havia mais um passo que ela precisava dar, e a última peça finalmente se ajustou no lugar num jantar em Scottsdale. Um convidado comentou:
- Eu soube confidencialmente que Margaret Portman vai se divorciar.
Margaret Portman era a proprietária do Washington Tribune, na capital da nação.
Leslie não fez qualquer comentário, mas no início da manhã seguinte telefonou para Chad Morton, um dos seus advogados.
- Quero que descubra se o Washington Tribune está á venda.
A resposta veio mais tarde, naquele mesmo dia:
- Não sei como descobriu, sra. Chambers, mas parece que é isso mesmo. A sra. Portman e o marido estão se divorciando com a maior discrição e dividindo o patrimônio. Acho que o Washington Tribune Enterprises está à venda.
- Quero comprar.
- Está falando de um meganegócio. O Washington Tribune Enterprises possui uma rede de jornais, uma revista, uma rede de televisão e...
- Quero tudo.
Naquela tarde, Leslie e Chad Morton voaram para Washington, D.C. Leslie telefonou para Margaret Portman, a quem conhecera casualmente poucos anos antes.
- Estou em Washington e...
- Eu já sabia.
As notícias circulam depressa, pensou Leslie.
- Soube que talvez esteja interessada em vender o Tribune Enterprises.
- É possível.
- Poderia arrumar uma visita minha ao jornal?
- Está interessada em comprar, Leslie?
- É possível.
Margaret Portman mandou chamar Matt Baker.
- Sabe quem é Leslie Chambers?
- Claro. A Princesa de Gelo.
- Ela estará aqui dentro de poucos minutos. Gostaria que a levasse numa excursão por nossas instalações.
Todos no Tribune estavam a par da venda iminente.
- Seria um erro vender o Tribune a Leslie Chambers - comentou Matt Baker, incisivo.
- O que o leva a dizer isso?
- Em primeiro lugar, duvido que ela saiba alguma coisa sobre o mercado jornalístico. Viu o que ela fez com os outros jornais que comprou? Transformou jornais respeitáveis em tablóides vulgares. Ela vai destruir o Tribune e...
Ele virou a cabeça. Leslie Chambers estava parada na porta, escutando. Margaret Portman apressou-se em falar:
- Leslie! Que prazer tornar a vê-la! Este é Matt Baker, editor-chefe do Tribune Enterprises.
Houve uma troca de cumprimentos frios.
- Matt vai lhe mostrar nossas instalações.
- Estou ansiosa em conhecer tudo.
Matt Baker respirou fundo.
- Certo. Vamos começar.
Logo no início da visita Matt Baker disse, em tom condescendente:
- A estrutura é simples. No topo fica o editor-chefe...
- Que é o senhor.
- Isso mesmo. E por baixo de mim ficam o editor-executivo e todas as editorias, a Metropolitana, Nacional, Internacional, Esportes, Economia, Vida e Moda, Agenda, Literária, Imobiliária, turismo, Gastronomia...
Provavelmente deixei algumas de fora.
- Espantoso. Quantos empregados o Washington Tribune Enterprises tem, sr. Baker?
- Mais de cinco mil.
Passaram pelo copydesk.
- É para cá que o editor de notícias traz as matérias. É ele quem decide onde as fotos vão entrar, que notícias vão sair em que página. O pessoal do copydesk escreve os títulos, edita as reportagens e junta tudo na seção de composição.
- Fascinante.
- Está interessada em conhecer a gráfica?
- Claro. Gostaria de ver tudo.
Matt Baker resmungou alguma coisa.
- Como?
- Eu disse que terei o maior prazer.
Desceram pelo elevador e foram para o prédio seguinte. O parque gráfico tinha quatro andares de altura e era do tamanho de quatro campos de futebol americano. Tudo no vasto espaço era automatizado. Havia trinta carrinhos robotizados, carregando as enormes bobinas de papel, que deixavam em posições determinadas. Baker explicou:
- Cada bobina pesa mais de uma tonelada. Se desenrolasse uma, teria oito quilômetros de comprimento. O papel entra nas rotativas a uma velocidade de trinta e quatro quilômetros horários. Alguns dos carros maiores podem carregar dezesseis bobinas ao mesmo tempo.
Havia seis rotativas, três em cada lado. Leslie e Matt Baker ficaram parados ali, observando os jornais serem automaticamente montados, cortados, dobrados, reunidos em fardos e levados para os caminhões à espera.
- No passado, precisávamos de cerca de trinta homens para fazer o que um só pode realizar hoje - comentou Matt Baker.
- A era da tecnologia.
Leslie fitou-o em silêncio por um momento.
- A era do enxugamento.
- Está interessada na economia da operação? - indagou Matt Baker, secamente.
- Talvez prefira que seu advogado ou contador...
- Estou muito interessada, sr. Baker. Seu orçamento editorial é de quinze milhões de dólares. Sua circulação diária é de 816.474 exemplares, com 1.140.498 aos domingos. A previsão de publicidade é de sessenta e oito vírgula dois.
Matt piscou, aturdido.
- Com todos os jornais da rede, sua circulação diária é de mais de dois milhões de exemplares, com dois milhões e quatrocentos mil aos domingos. Claro que não é o maior jornal do mundo, não é mesmo, sr. Baker? Os dois maiores jornais do mundo são publicados em Londres. O Sun é o maior, com uma circulação diária de quatro milhões de exemplares. O Daily Mirror vende mais de três milhões de exemplares.
Ele respirou fundo.
- Desculpe. Eu não sabia...
- No Japão, há mais de duzentos jornais diários, inclusive o Asahi Shimbun, Mainchi Shinbun e Yomiuri Shimbu. Está me acompanhando?
- Claro. Peço desculpas se pareci condescendente.
- Desculpas aceitas, sr. Baker. Vamos voltar à sala e a sra.
Portman.
Na manhã seguinte, Leslie estava numa sala de reunião no Washington Tribune, diante da sra. Portman e de meia dúzia de advogados.
- Vamos falar sobre o preço - propôs Leslie.
A discussão prolongou-se por quatro horas. Ao final, Leslie Stewart Chambers era a proprietária do Washington Tribune Enterprises.
Saíra mais caro do que Leslie previra. Mas não importava. Havia outra coisa que era muito mais importante.
No dia em que o negócio foi fechado, Leslie mandou chamar Matt Baker para uma reunião.
- Quais são os seus planos? - indagou ela.
- Vou embora.
Ela se mostrou curiosa.
- Por quê?
- Tem uma reputação e tanto. As pessoas não gostam de trabalhar para você. Acho que a palavra que mais usam é "implacável". Não preciso disso. Este é um bom jornal, e detesto deixá-lo, mas tenho mais ofertas de emprego do que posso aceitar.
- Há quanto tempo trabalha aqui?
- Quinze anos.
- E vai jogar tudo isso fora?
- Não estou jogando fora, mas apenas...
Leslie fitou-o nos olhos.
- Preste atenção. Também acho que o Tribune é um bom jornal, mas quero que seja um grande jornal. E quero que você me ajude.
- Não. Eu não...
- Seis meses. Tente por seis meses. Começaremos por dobrar seu salário.
Matt Baker estudou-a por um longo momento. Jovem, bonita e inteligente. E, no entanto... Ele sentia alguma apreensão em relação a Leslie Chambers.
- Quem ficará no comando?
Ela sorriu.
- Você é o editor-chefe do Washington Tribune Enterprises. Continuará a ser.
E Matt Baker acreditou.
Seis meses haviam transcorrido desde que uma mina explodira sob o Land Rover de Dana. Ela escapara sem nada pior que uma contusão, uma costela fraturada, um pulso quebrado e equimoses dolorosas. Jovan quebrara a perna e sofrera cortes e contusões generalizados. Matt Baker telefonara para Dana naquela noite e lhe ordenara que voltasse para Washington, mas o incidente a deixara ainda mais determinada do que antes a ficar.
- As pessoas aqui estão desesperadas - disse ela. Não posso ir embora assim. Se me ordenar que volte, peço demissão.
- Está me chantageando?
- Estou, sim.
- Foi o que pensei. Mas não permito que ninguém me chantageie. Está me entendendo?
Dana esperou.
- Que tal uma licença? - perguntou ele.
- Não preciso de uma licença.
Ela pôde ouvir o suspiro de Matt pelo telefone.
- Está bem. Continue aí, Dana. Mas...
- Mas o quê?
- Prometa que tomará todo cuidado.
Dana podia ouvir os disparos de metralhadora perto do hotel.
- Prometo.
A cidade estivera sob um ataque intenso durante a noite inteira. Cada explosão de morteiro significava outro prédio destruído, outra família sem teto ou, ainda pior, morta.
No início da manhã, Dana e sua equipe saíram para rua, prontos para filmar. Benn Albertson esperou que o barulho da explosão de um morteiro se desvanecesse, depois acenou com a cabeça para Dana.
- Dez segundos.
- Estou pronta.
Benn apontou um dedo. Dana virou-se das ruínas para trás e olhou para a câmera.
- Esta é uma cidade que pouco a pouco desaparece da face da Terra. Com a eletricidade cortada, seus olhos se estingüiram... As emissoras de televisão e rádio foram fechadas, e não têm mais ouvidos... Todo o transporte público está interrompido, e com isso perdeu suas pernas...
A câmera mostrou um playground deserto e bombardeado, com os esqueletos enferrujados de balanços e escorregas.
- Em outra época, crianças brincavam aqui, e o som de suas risadas povoava o ar.
Ouviu-se de novo o som de uma explosão de morteiro não muito longe. Um alarme de ataque aéreo soou subitamente. As pessoas andando pela rua por trás de Dana continuaram como se nada tivessem ouvido.
- O som que acabaram de ouvir é outro alarme de ataque aéreo. É o sinal para as pessoas correrem e se esconderem.
Mas os cidadãos de Sarajevo descobriram que não há lugar para se esconderem, e por isso continuam andando imersos em seu silêncio. Os que podem fogem do país, renunciando a seus apartamentos e todos os seus bens. Entre os que ficam, são muitos os que morrem. É uma opção cruel. Há rumores de paz. Rumores demais, paz de menos. Virá mesmo? Quando? Será que um dia as crianças vão sair de seus porões e usar de novo este playground? Ninguém sabe. Elas só podem acalentar essa esperança.
Aqui é Dana Evans, de Sarajevo, para a WTE.
A luz vermelha na câmera piscou e apagou.
- Vamos sair logo daqui - disse Benn.
Andy Casarez, o novo câmera, começou a guardar o equipamento, o mais depressa possível.
Havia um garoto parado na calçada, observando Dana. Era um pirralho de rua, vestindo roupas esfarrapadas e imundas, os sapatos rasgados. Olhos castanhos intensos faiscavam num rosto coberto de sujeira. Não tinha o braço direito. Ela percebeu que o garoto a observava e sorriu.
- Olá.
Não houve resposta. Dana deu de ombros e virou-se para Benn.
- Vamos embora.
Poucos minutos depois, eles estavam voltando para o Holiday Inn. O hotel se achava lotado de repórteres de jornais e emissoras de rádio e televisão. Formavam uma família disparatada. Eram rivais, mas por causa das circunstâncias perigosas em que se encontravam ali, sempre se mantinham dispostos a ajudar uns aos outros. Haviam coberto acontecimentos emocionantes juntos.
Houve um tumulto em Montenegro... Houve um bombardeio em Vukovar...
Um hospital fora destruído por bombas em Petrovo Selo... Jean Paul Hubert fora embora, enviado para outra missão. Dana sentia muita saudade.
Certa manhã, quando Dana deixava o hotel, avistou na vila o mesmo menino que encontrara na rua dias antes.
Jovan abriu a porta do Land Rover substituto.
- Bom dia, madame.
- Bom dia.
O menino continuava ali, olhando para ela. Dana foi a seu encontro.
- Bom dia.
Não houve resposta. Dana perguntou a Jovan:
- Como se diz "bom dia" em esloveno?
Foi o menino quem respondeu:
- Dobyo jutro.
Dana virou-se para ele.
- Então você entende inglês.
- Talvez.
- Qual é o seu nome?
- Kemal.
- Quantos anos você tem, Kemal?
O menino virou-se e afastou-se.
- Ele tem medo de estrangeiros - explicou Jovan.
Dana ficou olhando para o menino.
- Não o culpo. Eu também tenho.
Quatro horas mais tarde, quando o Land Rover voltou à viela por trás do Holiday Inn, Kemal esperava perto da entrada. Quando Dana saltou, ele disse:
- Doze.
- Como? - Dana se lembrou.
- Ah, sim.
Ele era pequeno para sua idade. Ela olhou para a manga direita vazia e começou a fazer uma pergunta, mas depois se conteve.
- Onde você mora, Kemal? Podemos levá-lo em casa.
Ela observou-o se virar e se afastar.
- Ele não tem boas maneiras - comentou Jovan.
- Talvez as tenha perdido junto com o braço - murmurou Dana.
Naquela noite, no restaurante do hotel, os jornalistas conversavam sobre os novos rumores de uma paz iminente.
- A ONU finalmente se envolveu - disse Gabriella Orsi.
- Já era tempo.
- Se querem saber minha opinião, foi tarde demais.
- Nunca é tarde demais - declarou Dana.
Na manhã seguinte, receberam duas informações. A primeira era sobre o iminente acordo de paz, intermediado pelos Estados Unidos e a ONU. A segunda era de que o Oslobodjenje, o jornal de Sarajevo, fora bombardeado e não existia mais.
- Nosso pessoal em Washington está cobrindo o acordo de paz - disse Dana a Benn.
- Vamos fazer uma reportagem sobre o Oslobodjenje.
Dana estava parada na frente do prédio demolido que outrora abrigava o Oslobodjenje. A luz vermelha na câmera acendeu.
- Pessoas morrem aqui todos os dias, prédios são destruídos - declarou Dana, olhando para a lente.
- Mas este prédio foi assassinado. Abrigava o único jornal livre em Sarajevo, o Oslobodjenje. Era um jornal que ousava dizer a verdade. Quando a parte superior foi bombardeada, o pessoal se transferiu para o porão, a fim de manter o jornal vivo. Quando não havia mais bancas para vender o jornal, os repórteres saíam pelas ruas para vender os exemplares pessoalmente. E vendiam mais do que jornal. Vendiam liberdade. Com a morte do Oslobodjenje, mais uma parte da liberdade morreu aqui.
Em sua sala, Matt Baker assistia à transmissão.
- Ela é mesmo incrível! - Ele virou-se para seu assistente.
- Quero que ela tenha seu próprio caminhão para as transmissões por satélite. Providencie tudo.
- Pois não, senhor.
Dana encontrou um visitante à espera quando voltou ao seu quarto. Ao entrar, deparou com o coronel Gordan Divjak refestelado numa cadeira. Ela parou, surpresa.
- Não me avisaram que havia um visitante.
- Não é uma visita social. - Os olhos pretos e pequenos focalizavam Dana com a maior intensidade.
- Assisti à sua reportagem sobre o Oslobodjenje.
Dana estudou-o, cautelosa.
- É mesmo?
- Recebeu permissão para entrar em nosso país com intenção de noticiar, não de fazer julgamentos.
- Não fiz nenhum...
- Não me interrompa. Sua idéia de liberdade não é necessariamente nossa idéia de liberdade. Está me entendendo?
- Não. Receio que...
- Pois então deixe-me explicar, srta. Evans. É uma hóspede em meu país. Talvez seja uma espiã do seu governo.
- Não sou nenhuma...
- Não me interrompa. Eu a adverti no aeroporto. Não é nenhum jogo o que temos aqui. Estamos em guerra. Qualquer pessoa envolvida em espionagem será executada.
As palavras pareciam ainda mais aterradoras porque foram pronunciadas numa voz suave.
Ele se levantou.
- Este é o seu último aviso.
Dana observou-o sair.
Não vou deixar que ele me assuste pensou ela, em desafio.
Mas sentia-se assustada.
Chegou um pacote enviado por Matt Baker. Era um enorme pacote, com chocolate, barras de granola, alimentos enlatados e uma dúzia de outros produtos não-perecíveis. Dana levou para o saguão, a fim de partilhar com os outros repórteres. Todos ficaram exultantes.
- Isso é o que eu chamo de chefe! - exclamou Saton Asaka.
- Como posso arrumar um emprego no Washington Tribune? - gracejou Juan Santos.
Kemal esperava de novo na viela. O casaco fino e puído dava a impressão de que poderia se desfazer a qualquer momento.
- Bom dia, Kemal.
Ele permaneceu calado, observando-a através das pálpebras semicerradas.
- Vou fazer compras. Gostaria de me acompanhar?
Não houve resposta.
- Deixe-me falar de outro jeito - disse Dana, exasperada. Ela abriu a porta traseira do veículo.
- Entre no carro. Agora!
O menino ainda continuou imóvel por mais um momento, chocado, depois se encaminhou para o Land Rover, devagar. Dana e Jovan observaram-no subir para o banco traseiro. Ela perguntou a Jovan:
- Pode encontrar alguma loja de departamentos ou loja de roupas que esteja aberta?
- Conheço uma.
- Vamos até lá.
Seguiram em silêncio por alguns minutos.
- Você tem mãe ou pai, Kemal?
Ele sacudiu a cabeça.
- Onde você mora?
Ele deu de ombros.
Dana sentiu-o chegar mais perto dela, como se quisesse absorver o calor de seu corpo.
A loja de roupas ficava no Bascarsija, o antigo mercado de Sarajevo. A fachada fora bombardeada, mas a loja continuava a funcionar. Dana pegou a mão esquerda de Kemal e levou-o para a loja.
- Posso ajudar? - perguntou um vendedor.
- Quero comprar um casaco para um amigo. - Ela olhou para Kemal.
- Ele tem mais ou menos esse tamanho.
- Por aqui, por favor.
Havia uma arara com casacos na seção de meninos.
Dana virou-se para Kemal.
- Qual deles você gosta?
Kemal não respondeu. Ela acrescentou para o vendedor:
- Vamos levar o marrom. - Ela olhou para a calça de Kemal.
- E acho que também precisamos de uma calça de sapatos novos.
Ao deixarem a loja, meia hora depois, Kemal vestia roupas novas. Sentou-se no banco traseiro do Land Rover sem dizer nada.
- Não sabe dizer obrigado? - indagou Jovan, irritado.
Kemal desatou a chorar. Dana abraçou-o.
- Está tudo bem, está tudo bem... - murmurou ela. Que tipo de mundo faz isso com crianças?
Quando chegaram ao hotel, Dana observou Kemal se afastar sem dizer nada.
- Alguém sabe onde ele mora? - perguntou ela a Jovan.
- Nas ruas, madame. Há centenas de órfãos como ele em Sarajevo. Não têm casa, não têm família...
- Como sobrevivem?
Jovan deu de ombros.
- Não sei.
No dia seguinte, quando Dana deixou o hotel, deparou com Kemal à sua espera, vestindo as roupas novas. O menino lava o rosto.
A grande notícia à mesa do almoço era o tratado de paz e daria certo. Dana decidiu visitar de novo o professor Milac Staka, e perguntar o que ele pensava a respeito.
- Fico feliz em vê-la de novo, srta Evans. Soube que tem feito reportagens maravilhosas, mas... - ele deu de ombros.
- Infelizmente, não tenho eletricidade para o meu aparelho de televisão. Em que posso ajudá-la?
- Eu queria sua opinião sobre o novo tratado de paz, professor.
Ele recostou-se na cadeira e disse, pensativo:
- Acho muito interessante que em Dayton, Ohio, tenham tomado uma decisão sobre o que vai acontecer no futuro de Sarajevo.
- Concordaram com uma troca, uma presidência de três pessoas, um muçulmano, um croata e um sérvio. Acha que pode dar certo, professor?
- Sim se você acreditar em milagres. - Ele franziu o rosto.
- Haverá dezoito legislativos nacionais e cento e nove governos locais diferentes. É uma babel política. Nenhum deles quer renunciar à sua autonomia. Todos insistem em ter suas próprias bandeiras, suas placas para carros, sua moeda. - Ele fez uma pausa, balançou a cabeça.
- É uma manhã de paz. Tome cuidado com a noite.
Dana Evans tinha ido além de ser uma mera repórter, estava se tornando uma lenda internacional. O que passava em suas reportagens era um ser humano inteligente e cheio de paixão. E porque Dana se importava, seus espectadores se importavam e partilhavam seus sentimentos.
Matt Baker começou a receber telefonemas de outras emissoras de televisão, dizendo que queriam transmiti-la também. O que o deixou na maior satisfação. Ela foi até lá para fazer o bem, pensou ele, e vai acabar se saindo muito bem.
Com seu novo caminhão para transmissão por satélite, Dana se tornou mais ativa do que nunca. Não se encontrava mais à mercê da empresa iugoslava de satélite. Ela e Benn decidiam que reportagens queriam fazer, Dana escrevia e transmitia. Algumas eram apresentadas ao vivo, outras em gravação. Dana, Benn e Andy saíam pelas ruas e filmavam todas as cenas necessárias, depois Dana gravava seu comentário numa sala de edição e despachavam para Washington.
Na hora do almoço, no restaurante do hotel, enormes travessas com sanduíches foram postas no centro da mesa. Os jornalistas trataram de se servir. Roderick Munn, da BBC entrou na sala com uma notícia da APP na mão.
- Ei, escutem só isto! - Ele leu a notícia em voz alta. "Dana Evans, uma correspondente estrangeira da WTE, está sendo agora exibida por uma dúzia de emissoras. A srta. Evans foi indicada para o cobiçado Prêmio Peabody..."
- Não temos sorte por conhecer uma pessoa tão famosa? - comentou um repórter, sarcástico.
Dana entrou no restaurante nesse momento.
- Oi, todo mundo. Não tenho tempo para almoçar hoje. Vou levar alguns sanduíches comigo. - Ela pegou vários, embrulhou com guardanapos de papel.
- Até mais tarde.
Os outros observavam-na em silêncio: Quando Dana saiu encontrou Kemal à sua espera.
- Boa tarde, Kemal. Não houve resposta.
- Entre no carro.
Kemal se acomodou no banco traseiro. Dana entregou-lhe um sanduíche, observou enquanto ele devorava em silêncio. Entregou outro sanduíche, e o menino começou a comê-lo no mesmo instante.
- Mais devagar - murmurou Dana.
- Para onde? - perguntou Jovan.
Dana virou-se para Kemal.
- Para onde?
Ele fitou-a, sem entender.
- Vamos levá-lo para casa, Kemal. Onde você mora?
Ele sacudiu a cabeça.
- Preciso saber. Onde você mora?
Vinte minutos depois, o carro parou na frente de um enorme terreno vazio, perto da margem do Miljacka. Dezenas de caixas de papelão grandes estavam espalhadas por ali, em meio a detritos de todos os tipos. Dana saltou do carro e virou-se para Kemal.
- É aqui que você mora?
Ele acenou com a cabeça, relutante.
- E os outros meninos também moram aqui?
Ele tornou a acenar com a cabeça.
- Quero fazer uma reportagem sobre isto, Kemal.
Ele sacudiu a cabeça.
- Não.
- Por que não?
- A polícia virá e nos levará. Não faça nada.
Dana estudou-o por um momento.
- Está certo. Eu prometo.
Na manhã seguinte, Dana deixou seu quarto no Holiday Inn. Quando ela não apareceu para o desjejum, Gabriella Orsi, da Altre Station, da Itália, perguntou:
- Onde está Dana?
Roderick Munn respondeu:
- Ela foi embora. Alugou uma casa de fazenda. Disse que queria ficar sozinha.
Nikolai Petrovich, o russo da Gorizont 22, comentou:
- Todos nós gostaríamos de ficar sozinhos. Quer dizer que não somos bastante bons para ela?
Havia um sentimento geral de desaprovação.
Na tarde seguinte, chegou outro pacote grande para Dana. Nikolai Petrovich sugeriu:
- Já que ela não está aqui, podemos aproveitar, não acham?
O recepcionista do hotel protestou:
- Sinto muito, mas a srta. Evans vai mandar alguém buscar o pacote.
Kemal apareceu poucos minutos depois. Os repórteres observaram-no pegar o pacote e se retirar.
- Ela nem mesmo quer mais partilhar conosco - resmungou Juan Santos. - Acho que a fama lhe subiu à cabeça.
Durante a semana seguinte, Dana continuou a enviar suas reportagens, mas não tornou a aparecer no hotel. O ressentimento contra ela aumentava.
Dana e seu ego estavam se tornando o principal tema das conversas. Poucos dias mais tarde, quando outro enorme pacote foi entregue no hotel, Nikolai Petrovich foi falar com o recepcionista.
- A srta. Evans mandará alguém buscar este pacote?
- Isso mesmo, senhor.
O russo voltou apressado para o restaurante.
- Chegou outro pacote. Alguém virá buscá-lo. Por que não o seguimos e dizemos à srta. Evans o que pensamos de uma repórter que se julga boa demais para os outros?
Houve um coro de aprovações. Quando Kemal chegou para buscar o pacote. Nikolai lhe disse:
- Vai levar para a srta. Evans?
Kemal acenou com a cabeça.
- Ela pediu para nos ver. Iremos com você.
Kemal fitou-o por um momento, depois deu de ombros.
- Vamos levá-lo em um dos nossos carros - acrescentou Nikolai Petrovich.
- É só nos dizer aonde ir.
Dez minutos depois, uma caravana de carros seguia por ruas secundárias desertas. Nos arredores da cidade, Kemal apontou para uma velha casa de fazenda bombardeada. Os carros pararam.
- Vá na frente e entregue o pacote - disse Nikolai. Queremos fazer uma surpresa.
Eles observaram Kemal entrar na casa. Esperaram um instante, depois avançaram e entraram sem bater. Pararam chocados. A sala estava repleta de crianças de todas as idades, tamanhos e cores. A maioria era de entrevados. Uma dúzia de camas de lona militares havia sido armada ao longo das paredes. Dana distribuía o conteúdo do pacote entre as crianças quando a porta foi aberta. Levantou os olhos, espantada, quando o grupo entrou.
- O que... o que estão fazendo aqui?
Roderick Munn olhou ao redor, embaraçado.
- Desculpe, Dana. Nós... cometemos um erro. Pensamos...
Ela correu os olhos pelos jornalistas.
- Já entendi. Eles são órfãos. Não têm para onde ir, não há ninguém para cuidar deles. A maioria se encontrava num hospital que foi bombardeado. Se a polícia os encontrar, serão levados para o que passa por um orfanato e morrerão lá. Se ficarem aqui, também morrerão. Venho tentando encontrar um meio de tirá-los do país, mas até agora nada deu certo. - Dana fez uma pausa, contemplou o grupo com uma expressão suplicante.
- Alguém tem alguma idéia?
Foi Roderick Munn quem respondeu, em voz pausada:
- Acho que tenho. Há um avião da Cruz Vermelha partindo para Paris esta noite. O piloto é meu amigo.
Dana indagou, esperançosa:
- Você falaria com ele?
Munn acenou com a cabeça. Nikolai Petrovich interveio:
- Ei, esperem um pouco! Não podemos nos envolver em nada assim! Vão nos expulsar do país!
- Você não precisa se envolver - declarou Munn. Nós cuidaremos de tudo.
- Eu sou contra - declarou Nikolai, obstinado. - Vai expor todos nós ao perigo.
- E as crianças? - indagou Dana. - Estamos falando de suas vidas.
Ao final da tarde, Roderick Munn foi falar com Dana.
- Conversei com meu amigo. Ele disse que terá o maior prazer em levar as crianças para Paris, onde estarão seguras. Ele tem dois filhos pequenos.
Dana ficou emocionada.
- Isso é maravilhoso! Obrigada!
Munn fitou-a nos olhos.
- Nós é que devemos lhe agradecer.
Às oito horas daquela noite, um furgão com a insígnia da Cruz Vermelha parou diante da casa. O motorista piscou faróis. Sob a cobertura da escuridão, Dana e as crianças embarcaram no furgão.
Quinze minutos depois, o furgão seguia para o aeroporto de Butmir. O aeroporto fora temporariamente fechado exceto para os aviões da Cruz Vermelha, que traziam suprimentos e levavam os feridos mais graves. Foi a viagem mais longa da vida de Dana. Pareceu levar uma eternidade. Quando divisou as luzes do aeroporto à frente, ela disse às crianças:
- Estamos quase chegando.
Kemal apertava sua mão.
- Você vai ficar bem - assegurou Dana. - Todos vocês serão bem cuidados.
Ela pensou: E eu vou sentir saudade de você. No aeroporto, um guarda acenou para que o furgão passasse. Foi direto para um avião cargueiro com a insígnia da Cruz Vermelha pintada na fuselagem. O piloto estava parado ao lado do avião. Apressou-se ao encontro de Dana.
- Pelo amor de Deus, você está atrasada! Mande as crianças embarcarem depressa. Deveríamos ter decolado há vinte minutos.
Dana conduziu as crianças pela rampa do avião. Kemal foi o último. Virou-se para Dana, os lábios trêmulos.
- Vou ver você de novo?
- Pode apostar que sim. - Dana abraçou-o apertado por um momento, fez uma oração silenciosa. - E agora embarque logo.
Momentos depois, a porta foi fechada. Os motores rugiram, o avião começou a taxiar pela pista.
Dana e Munn ficaram parados ali, observando. Ao final da pista, o avião decolou e seguiu pelo céu ao leste, fez uma curva para o norte, na direção de Paris.
- Foi uma coisa maravilhosa o que você fez - comentou o motorista.
- Quero que saiba...
Um carro parou com um ranger de pneus por trás deles. Todos se viraram. O coronel Gordan Divjak saltou do carro e olhou furioso para o céu, onde o avião desaparecia. Ao seu lado estava Nikolai Petrovich, o jornalista russo. O coronel Divjak virou-se para Dana.
- Você está presa. Eu avisei que a punição por espionagem é a morte.
Dana respirou fundo.
- Coronel, se vai me levar a julgamento por espionagem...
Ele fitou Dana nos olhos e murmurou: