- Quem falou em julgamento?
As celebrações da posse, os desfiles e as cerimônias de juramento acabaram, e Oliver estava ansioso em iniciar sua presidência. Washington, D.C., era provavelmente a única cidade do mundo que se dedicava por inteiro e era obcecada pela política. Era o centro do poder no mundo, e Oliver Russel era o centro desse centro. Parecia que todos se ligavam de uma maneira ou outra ao governo federal. Na área metropolitana de Washington, havia quinze mil lobistas e mais de cinco mil jornalistas, todos mamando nas tetas do governo. Oliver Russel recordou a esnobada irônica de John Kennedy:
- Washington, D.C., é uma cidade com a eficiência sulista e o charme nortista.
No primeiro dia de sua presidência, Oliver vagueou pela Casa Branca com Jan. Conheciam os números: 132 cômodos, 11 banheiros, 29 lareiras, três elevadores, uma piscina, um pequeno campo de golfe, quadra de tênis, pista de corrida, sala de ginástica, área para jogo de malha, boliche e cinema além de sete hectares de jardins bem-cuidados.
- É como um sonho, não acha? - murmurou Jan, suspirando.
Oliver pegou sua mão.
- E fico contente porque o estamos partilhando, querida.
E ele falava sério. Jan se tornara uma companheira maravilhosa. Sempre estava ao seu lado, afetuosa, dando todo o apoio que ele precisava. Mais e mais, Oliver descobria que gostava de estar com ela.
Quando Oliver voltou ao Salão Oval, encontrou Peter Tager à sua espera. A primeira nomeação de Oliver fora a de Tager como seu chefe de gabinete.
- Ainda não posso acreditar, Peter - comentou Oliver.
Peter Tager sorriu.
- As pessoas acreditam. E por isso lhe deram seu voto, sr. presidente.
Oliver virou a cabeça para fitá-lo.
- Ainda sou Oliver.
- Está bem. Quando estivermos a sós. Mas tem de compreender que, deste momento em diante, qualquer coisa que fizer pode afetar o mundo inteiro. Qualquer coisa que disser pode abalar a economia ou ter um impacto em uma centena de países espalhados pelo globo. Tem mais poder do que qualquer outra pessoa no mundo.
O interfone tocou.
- O senador Davis está aqui, sr. presidente.
- Mande-o entrar, Heather.
Tager suspirou.
- É melhor eu começar logo a trabalhar. Minha mesa parece uma montanha de papel.
A porta foi aberta e Todd Davis entrou.
- Peter...
- Senador...
Os dois trocaram um aperto de mão. Tager acrescentou:
- Eu o verei mais tarde, sr. presidente.
O senador Davis foi até a mesa de Oliver e acenou com a cabeça.
- Essa mesa se ajusta bem a você, Oliver. Não tenho como descrever a emoção intensa que é para mim vê-lo sentado aqui.
- Obrigado, Todd. Ainda estou tentando me acostumar. Afinal... Adams sentou aqui... e Lincoln... e Roosevelt...
O senador Davis riu.
- Não deixe que isso o assuste. Antes de se tornarem mitos, eles eram homens iguais a você, sentados aqui, tentando fazer a coisa certa. Arriar o rabo nessa cadeira apavorou a todos, no início. Acabei de falar com Jan. Ela está no sétimo céu. Vai dar uma grande primeira-dama.
- Tenho certeza.
- Por falar nisso, tenho uma lista aqui que gostaria de discutir com você, sr. presidente.
A ênfase no "sr. presidente" foi jovial.
- Claro, Todd.
O senador Davis pôs a lista na mesa.
- O que é isso?
- Algumas sugestões minhas para o seu gabinete.
- Ah, sim... Mas já decidi...
- Pensei que poderia querer examinar esta lista.
- Mas não há sentido...
- Dê uma olhada, Oliver.
A voz do senador era fria agora. Os olhos de Oliver contraíram.
- Todd...
O senador Davis ergueu a mão.
- Oliver, não quero que pense por um instante sequer que estou tentando impor minha vontade ou meus desejos.
Estaria enganado se pensasse assim. Fiz esta lista porque acho que são os melhores homens que podem ajudá-lo a servir a seu país. Sou um patriota, Oliver, e não me envergonho disso. Este país significa tudo para mim. - A voz tornara embargada. - Tudo mesmo. Se pensa que o ajudei a vir para cá apenas porque é meu genro, saiba que é equívoco total. Empenhei-me por sua eleição porque estou convencido de que é o homem em melhores condições de exercer o cargo. E isso é o que mais me importa. - Ele bateu com um dedo na lista.
- Estes homens podem ajudá-lo a fazer um bom trabalho.
Oliver não disse nada.
- Estou nesta cidade há muitos anos, Oliver. E sabe o que aprendi? Que não há nada mais triste que um presidente de um só mandato. E sabe por quê? Porque durante os primeiros quatro anos ele apenas começa a ter uma noção do que pode fazer para melhorar este país. Tem todos aqueles sonhos a realizar. E no momento em que fica preparado para consumá-los... quando pode de fato fazer uma diferença... - o senador Davis fez uma pausa, correu os olhos pela sala. - ...outro se muda para cá e aqueles sonhos se desvanecem por completo. Triste pensar a respeito, não concorda? Todos aqueles homens com grandes sonhos que tiveram apenas um mandato. Sabia que desde que McKinley assumiu o cargo, em 1897, mais da metade dos presidentes que o sucederam só teve um mandato? Mas você, Oliver... vou cuidar para que seja um presidente de dois mandatos. Quero que você seja capaz de realizar todos os seus sonhos. Providenciarei para que seja reeleito.
O senador Davis olhou para seu relógio e levantou-se.
- Tenho de ir agora. Há uma chamada de quorum no Senado. Voltamos a nos falar no jantar.
Ele se retirou. Oliver ficou olhando para a porta por um longo tempo. Depois, estendeu a mão e pegou a lista deixada pelo senador.
No sonho de Oliver, Miriam Friedland acordou e sentou-se na cama. Havia um policial ao seu lado. Ele fitou-a e disse:
- Agora pode nos contar quem fez isso com você.
- Posso, sim.
Oliver despertou, encharcado de suor.
No início da manhã seguinte, Oliver telefonou para o hospital em que Miriam continuava internada.
- Infelizmente, não houve qualquer alteração, sr. presidente - informou o chefe da equipe médica.
- E, para ser franco, as perspectivas não são nada boas.
Oliver disse, hesitante:
- Ela não tem família. Se acha que não vai se recuperar, não seria mais humano tirá-la dos aparelhos que a mantêm em vida?
- Devemos esperar mais um pouco para ver o que acontece - respondeu o médico.
- Às vezes há um milagre.
Jay Perkins, chefe do cerimonial, estava informando o presidente.
- Há cento e quarenta e sete missões diplomáticas e Washington, sr. presidente. O livro azul... a Lista Diplomática relaciona o nome de cada representante de um governo estrangeiro e cônjuge. O livro verde... a Lista Social. Inclui os principais diplomatas, residentes em Washington e membros do Congresso.
Ele entregou várias folhas de papel a Oliver.
- Esta é uma lista de todos os embaixadores estrangeiros em potencial que receberá.
Oliver examinou a lista e encontrou o nome do embaixador italiano e sua esposa, Atilio Picone e Sylvia. Sylvia.
Oliver perguntou, com um ar de inocente:
- Eles trarão as esposas?
- Não. As esposas serão apresentadas mais tarde. Sugiro que comece a recebê-los o mais depressa possível.
- Está certo.
- Tentarei providenciar para que até o próximo sábado todos os embaixadores estrangeiros já estejam credenciados - acrescentou Perkins. - Talvez queira oferecer um jantar na Casa Branca para homenageá-los.
- Boa idéia.
Oliver tornou a olhar para a lista. Atilio e Sylvia Picone.
Na noite de sábado, a Sala de Jantar de Estado foi ornamentada com bandeiras dos vários países representados pelos embaixadores estrangeiros. Oliver falara com Atilio Picone dois dias antes, quando ele apresentara suas credenciais.
- Como está a sra. Picone? - indagara Oliver.
Houvera uma pequena pausa.
- Minha esposa está bem. Obrigado, sr. presidente.
O jantar transcorria muito bem. Oliver ia de mesa em mesa, conversando com os convidados e encantando a todos. Algumas das pessoas mais importantes do mundo se encontravam reunidas naquela sala.
Oliver Russell aproximou-se de três mulheres que tinham proeminência social e eram casadas com homens importantes. Mas as três eram poderosas e influentes por si mesmas. - Leonore... Delores... Carol...
Quando Oliver atravessava a sala, Sylvia Picone aproximou-se e estendeu a mão.
- Este é um momento que eu aguardava com ansiedade.
Os olhos dela faiscavam.
- Eu também - murmurou Oliver.
- Sabia que você seria eleito.
O comentário saiu quase num sussurro.
- Podemos conversar mais tarde?
Não houve hesitação.
- Claro.
Depois do jantar, houve um baile, sob a música da banda dos fuzileiros navais. Oliver observou Jan dançar e pensou: Que linda mulher E que corpo sensacional.
A noite foi um tremendo sucesso.
Na semana seguinte, a manchete na primeira página do Washington Tribune anunciava: PRESIDENTE ACUSADO DE FRAUDE NA CAMPANHA.
Oliver ficou olhando, incrédulo. Era o pior momento possível. Como aquilo pudera acontecer? E, de repente, ele compreendeu como fora. A resposta se encontrava à sua frente no cabeçalho do jornal: "Editora: Leslie Stewart."
Na semana seguinte, outra notícia na primeira página do Washington Tribune informava: PRESIDENTE SERÁ QUESTIONADO SOBRE DECLARAÇÕES DE IMPOSTO DE RENDA FALSIFICADAS NO ESTADO DO KENTUCKY.
Duas semanas mais tarde, saiu outra manchete na primeira página do jornal: EX ASSESSORA DO PRESIDENTE RUSSELL PLANEJA ENTRAR COM AÇÃO DE ASSEDIO SEXUAl.
A porta do Salão Oval foi aberta e Jan entrou, furiosa.
- Já viu o jornal esta manhã?
- Já, sim. Eu...
- Como pôde fazer isso conosco, Oliver? Você...
- Ei, espere um pouco! Não percebe o que está acontecendo, Jan? Leslie Stewart se encontra por trás de tudo.
Tenho certeza de que ela subornou a mulher para dizer isso. Quer se vingar porque a abandonei para casar com você. Pois ela conseguiu. E acabou.
O senador Davis estava ao telefone.
- Oliver, gostaria de vê-lo dentro de uma hora.
Oliver esperava na pequena biblioteca quando Todd Davis chegou. Levantou-se para cumprimentá-lo.
- Bom dia.
- Não tem nada de bom dia! - A voz do senador Davis transbordava de fúria.
- Aquela mulher vai nos destruir.
- Não vai, não. Ela apenas...
- Todo mundo lê aquele pasquim infame, e as pessoas acreditam no que lêem.
- Todd, isso vai passar e...
- Não vai mesmo. Ouviu o editorial na WTE esta manhã? Era sobre quem será nosso próximo presidente. Você estava no final da lista. Leslie Stewart quer acabar com você.
Precisa detê-la. Como é mesmo aquela frase... o inferno não conhece maior fúria...?
- Há outro adágio, Todd, sobre liberdade de imprensa. Não há nada que possamos fazer.
O senador Davis fitou Oliver com uma expressão especulativa.
- Há, sim.
- O quê?
- Vamos sentar. - Os dois sentaram.
- É evidente que a mulher continua apaixonada por você, Oliver. E essa é a maneira de puni-lo pelo que fez com ela. Nunca discuta com alguém que compra tinta a tonelada. Meu conselho é fazer as pazes.
- Mas como posso conseguir isso?
O senador Davis olhou para a virilha de Oliver.
- Use a cabeça.
- Ei, espere um pouco, Todd! Está sugerindo...?
- O que estou sugerindo é que você deve dar um jeito de esfriá-la. De fazê-la saber que se arrepende. Estou lhe dizendo que ela ainda o ama. Se não amasse, não estaria fazendo isso.
- O que exatamente espera que eu faça?
- Trate de seduzi-la, meu rapaz. Já fez isso uma vez, pode fazer de novo. Tem de conquistá-la. Haverá um jantar aqui do Departamento de Estado na sexta-feira. Convide-a. Deve persuadi-la a suspender a campanha contra você.
- Não sei como posso...
- Não me importa como vai fazer. Talvez possa levá-la a algum lugar, onde teriam uma conversa tranqüila. Tenho uma casa de campo na Virgínia. É muito particular.
- Passarei o fim de semana na Flórida, e já providenciei para Jan me acompanhar.
Ele tirou do bolso um papel e algumas chaves e entregou a Oliver.
- Aqui estão as instruções para chegar lá e as chaves da casa.
Oliver estava espantado.
- Quer dizer que tinha planejado tudo isso? Mas o que acontece se Leslie não... se ela não estiver interessada? Ela se recusar a ir?
O senador Davis levantou-se.
- Ela está interessada. E irá. Tornaremos a nos falar na segunda-feira, Oliver. Boa sorte.
Oliver continuou sentado ali por um longo tempo. pensou: Não. Não posso fazer isso com ela de novo. E não farei.
Naquela noite, ao se vestirem para o jantar, Jan disse:
- Oliver, papai me pediu para ir à Flórida com ele no fim de semana. Vai receber algum prêmio, e acho que quer exibir a esposa do presidente. Você se importaria muito que eu fosse? Sei que há um jantar do Departamento de Estado aqui na sexta-feira, e se quiser que eu fique...
- Não, não. Pode ir. Sentirei saudade.
E vou sentir mesmo, pensou ele. Assim que resolver esse problema com Leslie, começarei a passar mais tempo com Jan.
Leslie Stewart falava ao telefone quando sua secretária entrou apressada na sala.
- Srta. Stewart...
- Não vê que estou...
- O presidente Russell está na linha três.
Leslie fitou-a em silêncio por um momento, depois sorriu.
- Certo. - Ela acrescentou ao telefone: - Ligarei de volta
para você mais tarde.
Ela apertou o botão três no painel.
- Alô?
- Leslie?
- Olá, Oliver. Ou devo chamá-lo de sr. presidente?
- Pode me chamar de qualquer coisa que quiser. Acrescentou, jovial:
- E puder.
Houve um momento de silêncio.
- Leslie, preciso conversar com você.
- Tem certeza de que é uma boa idéia?
- Tenho, sim.
- Você é o presidente. Não posso lhe dizer não, não é mesmo?
- Não se for uma americana patriota. Há um jantar do Departamento de Estado na Casa Branca na sexta-feira.
Venha, por favor.
- A que horas?
- Oito horas.
- Certo. Estarei aí.
Ela estava deslumbrante num vestido St. John de tricô preto, justo no corpo, gola ao estilo mandarim, preso na frente por botões cobertos por uma camada de ouro de 22 quilates. Havia uma abertura reveladora de 35 centímetros no lado do vestido. No instante em que Oliver a viu, as lembranças afloraram.
- Leslie...
- Sr. presidente.
Ele pegou a mão de Leslie e sentiu-a úmida. Era um sinal, pensou Oliver. Mas do quê? Nervosismo? Raiva? Antigas recordações?
- Estou contente que tenha vindo, Leslie.
- Eu também.
- Conversaremos mais tarde.
O sorriso de Leslie deixou-o bastante animado.
- Combinado.
A duas mesas do lugar que Oliver ocupava havia um grupo de diplomatas árabes. Um deles, um homem trigueiro, com feições fortes e olhos escuros, parecia observar Oliver atentamente. Oliver inclinou-se para Peter Tager e acenou com a cabeça na direção do árabe.
- Quem é aquele?
Tager deu uma olhada rápida.
- Ali Al-Fulani. É o secretário de um dos Emirados Árabes Unidos. Por que pergunta?
- Não há nenhum motivo.
Oliver tornou a olhar. Os olhos do homem continuavam focalizados nele.
Oliver passou a noite circulando, deixando os convidados a vontade. Sylvia se encontrava em uma mesa, Leslie em outra. Foi só quando a noite estava quase terminando que Oliver conseguiu falar a sós com Leslie.
- Precisamos conversar. Tenho muita coisa a lhe contar. Podemos nos encontrar em algum lugar?
Havia uma tênue hesitação na voz de Leslie:
- Oliver, talvez seja melhor se nós não...
- Tenho uma casa em Manassas, Virgínia, a cerca de um hora de carro de Washington. Quer se encontrar comigo lá?
Ela fitou-o nos olhos, e desta vez não havia hesitação em sua voz quando respondeu:
- Se você quiser.
Oliver descreveu a localização da casa.
- Amanhã de noite, às oito horas?
A voz de Leslie saiu agora um pouco rouca:
- Estarei lá.
Numa reunião do Conselho de Segurança Nacional, na manhã seguinte, o diretor da CIA, James Frisch, lançou uma bomba:
- Sr. presidente, recebemos esta manhã a informação de que a Líbia está comprando uma variedade de armas atômicas do Irã e da China. Há um rumor insistente de que serão usadas para atacar Israel. Levaremos um dia ou dois para ter uma confirmação.
Lou Werner, o secretário de Estado, declarou:
- Acho que não devemos esperar. Vamos protestar agora, nos termos mais veementes possíveis.
Oliver disse a Werner:
- Veja que informações adicionais pode conseguir.
A reunião prolongou-se por toda a manhã. De vez em quando, Oliver pegava-se pensando no encontro que teria com Leslie. Trate de seduzi-la, meu rapaz.. Tem de conquistá-la.
Na noite de sábado, Oliver saiu num dos carros da Casa. Branca, dirigido por um agente de confiança do Serviço Secreto, a caminho de Manassas, Virgínia. Sentiu-se muito tentado a cancelar o encontro, mas já era tarde demais. Estou preocupado sem qualquer motivo. É bem provável que ela nem apareça.
Às oito horas, Oliver olhou pela janela e viu o carro de Leslie entrar no caminho da casa do senador. Observou-a saltar do carro e se encaminhar para a porta. Oliver abriu-a. Os dois ficaram parados ali, em silêncio, olhando um para o outro. O tempo desapareceu, e de certa forma era como se nunca tivessem se separado. Oliver foi o primeiro a recuperar a voz:
- Oh, Deus! Ontem à noite, quando eu a vi... quase tinha esquecido de como você é linda!
Oliver pegou a mão de Leslie e levou-a para a sala de estar.
- O que gostaria de beber?
- Não preciso de nada. Obrigada.
Oliver sentou-se ao lado dela no sofá.
- Tenho de perguntar uma coisa, Leslie. Você me odeia?
Ela sacudiu a cabeça, devagar.
- Não. Pensei que o odiava. - Ela sorriu. irônica. - De certa forma, creio que foi esse o motivo para o meu sucesso.
- Não estou entendendo.
- Eu queria me vingar de você, Oliver. Comprei jornais e emissoras de televisão para poder atacá-lo. É o único homem que já amei. E quando você... quando me abandonou, eu... pensei que não conseguiria suportar.
Ela fazia um esforço para conter as lágrimas.
Oliver abraçou-a.
- Leslie...
E no instante seguinte os lábios se encontraram, trocaram um beijo ardente.
- Oh, Deus... - balbuciou Leslie.
- Eu não esperava que isso acontecesse.
Oliver pegou-a pela mão, levou-a para o quarto. Começaram a despir um ao outro.
- Depressa, meu querido - murmurou Leslie.
- Depressa...
E logo estavam na cama, abraçados, os corpos se comprimindo, lembrando. O ato de amor foi gentil e ardente como fora no início. E aquele era um novo início. Eles dois ficaram deitados depois, exaustos, felizes.
- É tão engraçado... - comentou Leslie.
- O quê?
- Todas aquelas coisas horríveis que publiquei a seu respeito. Fiz tudo para atrair sua atenção. - Ela aconchegou-se mais.
- E consegui, não é mesmo?
Ele sorriu.
- Eu diria que sim.
Leslie sentou-se na cama, fitou-o nos olhos.
- Eu me orgulho muito de você, Oliver. O presidente dos Estados Unidos.
- Venho tentando ser um bom presidente. É o que realmente tem importância para mim. Quero deixar minha contribuição ao mundo. - Oliver olhou para o relógio. Lamento, mas tenho de voltar agora.
- Claro. Eu o deixarei partir na frente.
- Quando tornarei a vê-la, Leslie?
- A qualquer momento que quiser.
- Precisaremos ter o maior cuidado.
- Sei disso. E teremos.
Leslie continuou deitada, com uma expressão sonhadora observando Oliver se vestir. Quando ficou pronto para ir embora, ele inclinou-se e disse:
- Você é o meu milagre.
- E você é o meu. Sempre foi.
Oliver beijou-a.
- Telefonarei para você amanhã.
Oliver saiu apressado para o carro e voltou a Washington. Quanto mais as coisas mudam, mais continuam as mesmas, pensou ele. Tenho de tomar o maior cuidado para nunca mais magoá-la. Ele pegou o telefone do carro e discou para o número na Flórida que o senador Davis lhe dera. O próprio senador atendeu.
- Alô?
- Sou eu, Oliver.
- Onde você está?
- Voltando para Washington. Só telefonei para dar uma boa notícia. Não precisamos mais nos preocupar com aquele problema. Está tudo sob controle.
- Não tenho palavras para exprimir como estou contente por ouvir isso.
Havia um tom de profundo alívio na voz do senador Davis.
- Eu sabia que você ficaria satisfeito, Todd.
Na manhã seguinte, ao se vestir, Oliver pegou um exemplar do Washington Tribune. Na primeira página havia uma foto da casa de campo do senador Davis em Manassas. A legenda por baixo dizia: O NINHO DE AMOR SECRETO DO PRESIDENTE RUSSELL.
Oliver olhou para o jornal, incrédulo. Como ela fora capaz de fazer uma coisa assim? Ele pensou como Leslie estava ardente na cama. E ele interpretara da maneira errada. Era uma paixão cheia de ódio, não de amor. Não há a menor possibilidade de eu um dia conseguir detê-la, pensou Oliver, desesperado.
O senador Todd Davis viu a matéria na primeira página e ficou consternado. Compreendia o poder da imprensa, e via o quanto aquela vendeta poderia lhe custar. Eu mesmo terei de detê-la, decidiu o senador Davis. Assim que chegou a seu gabinete no Senado, telefonou para Leslie.
- Já faz muito tempo - disse o senador Davis, efusivo - Tempo demais. Tenho pensado muito a seu respeito, srta. Stewart.
- Também tenho pensado a seu respeito, senador Davis. De certa forma, devo-lhe tudo o que tenho.
Ele soltou uma risada.
- Não me deve nada. Apenas fui capaz de ajudá-la quando teve um problema.
- Há alguma coisa que eu possa fazer para ajudá-lo agora senador?
- Não, srta. Stewart. Mas há uma coisa que eu gostaria de fazer por você. Sou um dos seus fiéis leitores, e acho que o Tribune é um excelente jornal. Acabo de constatar que não temos publicado muitos anúncios nele, e gostaria de corrigir essa situação. Estou ligado a várias grandes empresas, que fazem muita propaganda. Muita mesmo. E acho que uma boa parcela deve ir para um jornal como o Tribune.
- Não imagina como fico satisfeita ao ouvir isso, senador. Sempre podemos aproveitar mais anúncios. A quem meu diretor de propaganda deve procurar?
- Antes que ele procure alguém, acho que você e eu devemos acertar um pequeno problema.
- Que problema?
- Relaciona-se com o presidente Russell.
- É mesmo?
- É uma questão um tanto delicada, srta. Stewart. Disse há poucos momentos que me devia tudo que tem. Agora estou lhe pedindo para me prestar um pequeno favor.
- Terei o maior prazer, se puder.
- À minha maneira mínima, ajudei o presidente a ser eleito.
- Sei disso.
- E ele está fazendo um excelente trabalho. Claro que isso fica mais difícil para o presidente quando é atacado por um jornal poderoso, como o Tribune faz cada vez que ele se vira.
- O que está me pedindo para fazer, senador?
- Eu agradeceria muito se os ataques cessassem.
- E em troca disso, posso contar com anúncios de algumas de suas companhias.
- Muitos mesmo, srta. Stewart.
- Obrigada, senador. Por que não me liga de novo quando tiver mais alguma coisa a oferecer?
E a linha ficou muda.
Em sua sala no Washington Tribune, Matt Baker lia a matéria sobre o ninho de amor secreto do presidente Russell.
- Quem autorizou isto? - perguntou ele a seu assistente, ríspido.
- Veio da Torre Branca.
- Mas que droga! Não é ela quem dirige este jornal sou eu!
Por que aturo essa mulher? especulou ele, não pela primeira vez. Por trezentos e cinqüenta mil dólares por ano, mais bonificações e opções de compra de ações, disse Matt a si mesmo, amargurado. Cada vez que ele ameaçava ir embora, Leslie o seduzia com mais dinheiro e mais poder. Além disso, ele tinha de admitir para si mesmo que era fascinante trabalhar para uma das mulheres mais poderosas do mundo. Há coisas nela que Matt jamais compreenderia.
Ao comprar o Tribune, Leslie dissera a Matt:
- Há um astrólogo que quero que você contrate. O nome dele é Zoltaire.
- Ele é distribuído por nosso concorrente.
- Não me importo. Contrate-o.
Mais tarde, ainda naquele dia, Matt Baker informaria - Já verifiquei Zoltaire. Sairia muito caro comprar seu contrato.
- Mas compre assim mesmo.
Na semana seguinte, Zoltaire, cujo verdadeiro nome é David Hayworth, passou a trabalhar para o Washington Tribune. Tinha cinqüenta e poucos anos, era baixo, moreno e compenetrado.
Matt ficou perplexo. Leslie não parecia ser o tipo de mulher que teria algum interesse pela astrologia. E, até onde ele sabia, não havia qualquer contato entre Leslie e David Hayworth. O que ele não sabia era que Hayworth ia visitar Leslie em sua casa sempre que ela tinha uma decisão importante
para tomar.
No primeiro dia, Matt pusera o nome de Leslie no cabeçalho: "Leslie Chambers, Editora." Ela olhara e dissera:
- Pode mudar. É Leslie Stewart.
Ela está numa viagem do ego, pensara Matt. Mas ele estava enganado. Leslie decidira voltar ao nome de solteira porque queria que Oliver Russell soubesse exatamente quem era a responsável pelo que iria lhe acontecer.
Um dia depois de ter assumido o controle do jornal, Leslie declarou:
- Vamos comprar uma revista de saúde.
Matt ficou curioso.
- Por quê?
- Porque o campo da saúde está explodindo.
Ela estava certa. A revista foi um sucesso imediato.
- Vamos começar a expandir - disse Leslie a Baker.
- Encarregue algumas pessoas de procurar publicações no exterior.
- Está bem.
- E há muita gordura por aqui. Livre-se dos repórteres que não estão dando tudo.
- Leslie...
- Quero repórteres jovens e famintos.
Quando vagava um cargo executivo, Leslie insistia em participar das entrevistas. Escutava o candidato, depois fazia uma única pergunta:
- Como é seu desempenho no golfe?
O emprego muitas vezes dependia da resposta.
- Que tipo de pergunta é essa? - perguntou Matt Baker, na primeira vez que a ouviu.
- Que diferença faz como é o desempenho no golfe?
- Não quero aqui pessoas que sejam dedicadas ao golfe. Se trabalham aqui, todos devem ser dedicados ao Washington Tribune.
A vida particular de Leslie Stewart era um tema de intermináveis conversas no Tribune. Era uma linda mulher, sem compromissos, e até onde qualquer um sabia não estava envolvida com nenhum homem, não tinha uma vida pessoal. Era uma das mais proeminentes anfitriãs da cidade, e pessoas importantes disputavam um convite para seus jantares. Mas as pessoas especulavam sobre o que ela fazia depois que todos os convidados se retiravam e ficava a sós. Havia rumores de que era uma insone, passava as noites acordada planejando novos projetos para o império Stewart. Havia outros rumores, mais excitantes, só que não havia como prová-los.
Leslie envolvia-se em tudo: editoriais, reportagens, publicidade. Um dia, ela perguntou ao diretor de publicidade:
- Por que não estamos recebendo anúncios da Gleason. Era uma das lojas mais elegantes de Georgetown.
- Já tentei, mas...
- Conheço o proprietário. Ligarei para ele. Foi o que ela fez.
- Allan, você não tem publicado nenhum anúncio no tribune. Por quê?
Ele riu.
- Leslie, seus leitores são os que cometem furtos na loja. Antes de entrar numa reunião, Leslie lia informações sobre as pessoas que participariam. Conhecia os pontos fraco fortes de todos, era uma dura negociadora.
- Às vezes você pode ser dura demais - advertiu Matt Baker.
- Tem de deixar alguma coisa para os outros, Leslie.
- Esqueça. Acredito na política de terra arrasada.
No decorrer do ano seguinte, o Washington Tribune Enterprises adquiriu um jornal e uma emissora de rádio na Austrália, uma emissora de televisão em Denver e um jornal em Hammond, Indiana. Sempre que havia uma nova aquisição, os empregados ficavam apavorados com o que poderia acontecer. A reputação de implacável de Leslie aumentava cada vez mais.
Leslie Stewart sentia a maior inveja de Katharine Graham.
- Ela apenas tem sorte - dizia Leslie.
- E tem a reputação de ser uma sacana.
Matt Baker sentiu-se tentado a perguntar a Leslie o que ela achava que era sua própria reputação, mas decidiu não fazê-lo. Certa manhã, quando Leslie chegou à sua sala, descobriu que alguém deixara em sua mesa um pequeno bloco de madeira com duas bolas de bronze. Matt Baker ficou aborrecido.
- Sinto muito - disse ele.
- Vou levar...
- Não. Pode deixar.
- Mas...
- Pode deixar aí.
Matt Baker tinha uma reunião em sua sala quando a voz de Leslie soou pelo interfone:
- Matt, venha até minha sala.
Nem "por favor", nem "bom dia". O dia seria terrível. pensou Matt Baker, sombrio. A Princesa de Gelo estava num dos seus ânimos sinistros.
- É só isso, por enquanto - disse ele aos participantes da reunião.
Matt deixou sua sala e foi andando pelos corredores. Centenas de empregados circulavam por toda parte. Ele subiu no elevador para a Torre Branca e entrou no suntuoso gabinete da dona do jornal. Meia dúzia de editores já esperavam na sala. Leslie Stewart sentava-se atrás de sua enorme mesa. Levantou os olhos quando Matt entrou e disse:
- Vamos começar.
Ela convocara uma reunião editorial. Matt recordou que Leslie lhe dissera no início: "Você é quem vai dirigir o jornal. Eu não vou me meter."
Ele deveria ter imaginado. Não cabia a Leslie convocar reuniões como aquela. Era uma função de Matt. Por outro lado, ela era a editora e proprietária do Washington Tribune podia muito bem fazer o que lhe aprouvesse.
- Precisamos conversar sobre aquela matéria a respeito do ninho de amor do presidente Russell - disse Matt Baker.
- Não há o que conversar. - Leslie levantou um exemplar do Washington Post, o jornal rival.
- Já viu isto?
Claro que Matt vira.
- Já, sim, e...
- Nos velhos tempos, era o que se chamava de um furo Matt. Onde estavam você e seus repórteres quando o Post cavava este furo?
A manchete do Washington Post era a seguinte: SEGUNDO LOBISTA INDIGNADO POR DAR PRESENTES ILEGAIS SECRETÁRIO DE DEFESA.
- Por que não publicamos essa notícia?
- Porque ainda não é oficial. Já verifiquei. É apenas...
- Não gosto de perder um furo.
Matt Baker suspirou e recostou-se na cadeira. Seria uma reunião agitada.
- Somos o número um ou não somos nada - anunciou Leslie para o grupo.
- E se não somos nada, não haverá empregos aqui para ninguém, entendido?
Leslie virou-se para Arnie Cohn, o editor da revista dominical.
- Quando as pessoas acordam na manhã de domingo queremos que leiam a nossa revista. Não queremos fazer com que nossos leitores voltem a dormir. As reportagens que saíram no último domingo eram muito chatas.
Ele pensou: Se você fosse um homem, eu...
- Desculpe. Tentarei fazer melhor na próxima vez.
Leslie virou-se para Jeff Connors, o editor de esportes.
Era um homem de boa aparência, trinta e poucos anos, alto, atlético, louro, olhos inteligentes. Tinha a descontração de alguém que sabia ser bom no que fazia. Matt ouvira dizer que Leslie lhe passara uma cantada, mas ele a rejeitara.
- Você escreveu que Fielding seria transferido para o Pirates.
- Fui informado...
- Pois foi informado errado! O Tribune é culpado de noticiar um fato que nunca aconteceu.
- Recebi a informação do Mannager dele - explicou Jeff Connors, imperturbável.
- Ele me contou que...
- Na próxima vez, confira suas informações... e depois torne a conferir.
Leslie virou-se e apontou para uma página de jornal amarelada, pendurada na parede numa moldura. Era a primeira página do Chicago Tribune de 3 de novembro de 1948. A manchete dizia: DEWEY DERROTA TRUMAN.
- A pior coisa que um jornal pode fazer é noticiar os fatos de uma maneira errada - acrescentou Leslie.
- Estamos num negócio em que temos de acertar sempre.
Ela olhou para seu relógio.
- É só isso, por enquanto.
Espero que todos façam muito melhor. Enquanto todos se levantavam para sair, Leslie disse a Matt Baker:
- Quero que você fique.
- Está bem.
Ele arriou na cadeira e observou os outros se retirarem.
- Fui muito dura com eles? - perguntou Leslie.
- Conseguiu o que queria. Todos viraram suicidas.
- Não estamos aqui para fazer amigos, mas sim para pôr um
jornal na rua. - Ela tornou a olhar para a primeira página emoldurada na parede.
- Pode imaginar o que deve ter sentido o editor depois que o jornal saiu para a rua e foi confirmado que Truman era o presidente? Não quero nunca ter esse sentimento, Matt. Mas nunca mesmo.
- Por falar em engano - disse Matt -, aquela matéria na primeira página sobre o presidente Russell era mais apropriada a um tablóide sensacionalista. Por que insistir em criticar o presidente? Dê-lhe uma chance.
Leslie respondeu de uma forma enigmática:
- Já dei. - Ela se levantou, pôs-se a andar de um lado para outro.
- Recebi a informação de que Russell vai vetar a nova lei de comunicações. Isso significa que teremos de cancelar o acordo para a emissora de San Diego e a emissora de Omaha.
- Não há nada que possamos fazer a respeito.
- Há, sim, Matt. Quero removê-lo do cargo. Ajudaremos a pôr na Casa Branca alguém que saiba o que faz.
Matt não tinha a menor intenção de iniciar outra discussão com Leslie Stewart sobre o presidente. Ela era fanática no assunto.
- Ele não tem condições de ocupar o cargo, e farei tudo o que puder para que seja derrotado na próxima eleição.
Philip Cole, chefe dos correspondentes da WTE, entrou apressado na sala de Matt Baker, quando este já se preparava para ir embora. Sua expressão era preocupada.
- Temos um problema, Matt.
- Não pode esperar até amanhã? Estou atrasado para...
- É sobre Dana Evans.
Matt perguntou em tom brusco:
- O que aconteceu com ela?
- Dana foi presa.
- Presa? - repetiu Matt, incrédulo.
- Por quê?
- Espionagem. Quer que eu...?
- Não. Pode deixar que cuidarei disso pessoalmente. Matt Baker voltou apressado para sua mesa e ligou para o Departamento de Estado.
Ela estava sendo arrastada, nua, tirada de sua cela e levada para um pátio frio e escuro. Debateu-se frenética contra os dois homens que a seguravam, mas não era adversária para eles. Havia seis soldados com fuzis lá fora, esperando que ela fosse carregada, aos gritos, até um poste de madeira, no meio do pátio. O coronel Gordan Divjak observou seus homens amarrarem-na ao poste.
- Não podem fazer isso comigo! - berrou Dana.
- Não sou uma espiã!
Mas não conseguiu fazer com que sua voz fosse ouvida, por causa da eclosão de morteiros ali perto. O coronel Divjak recuou um pouco, enquanto acenava com a cabeça para o pelotão de fuzilamento.
- Preparar... apontar...
- Pare com esses gritos!
Mãos rudes sacudiam-na. Dana abriu os olhos, o coração disparado. Estava deitada no catre, em sua cela pequena e escura. O coronel Divjak postava-se de pé ao lado. Dana sentou-se, em pânico, piscou forte, para dissipar o pesadelo.
- O que... o que vai fazer comigo?
O coronel Divjak respondeu friamente:
- Se houvesse justiça, você seria fuzilada. Infelizmente, recebi ordens para soltá-la.
O coração de Dana bateu mais forte.
- Será embarcada no primeiro avião que sair daqui. O coronel Divjak fitou-a nos olhos.
- E nunca mais volte
Fora preciso toda a pressão que o Departamento de Estado e o presidente podiam exercer para que Dana Evans fosse solta. Ao saber da prisão, Peter Tager foi falar com o presidente.
- Acabo de receber um telefonema do Departamento de Estado. Dana Evans foi presa sob a acusação de espionagem. E ameaçam executá-la.
- Mas isso é terrível! Não podemos permitir que aconteça.
- Concordo. Gostaria que me desse permissão para usar seu nome.
- Concedida. Faça tudo o que for necessário.
- Trabalharei com o Departamento de Estado. Se conseguirmos salvá-la, talvez o Tribune atenue seus ataques.
Oliver sacudiu a cabeça.
- Não conte com isso. Vamos apenas fazer tudo para tirá-la de lá.
Dezenas de frenéticos telefonemas mais tarde, com pressão do Salão Oval, do secretário de Estado dos Estados Unidos e do secretário-geral da ONU, os captores de Dana concordaram relutantemente em soltá-la.
Assim que a notícia chegou, Peter Tager se apressou E transmiti-la a Oliver.
- Ela está livre, já voltando para os Estados Unidos.
- Isso é ótimo.
Ele pensou em Dana Evans a caminho de uma reunião naquela manhã. Estou contente que tenhamos conseguido salvá-la.
Ele não tinha a menor idéia de que essa ação lhe custaria a própria vida.
Quando o avião de Dana pousou no Aeroporto Internacional Dulles, Matt Baker e duas dúzias de repórteres de jornais e emissoras de televisão e rádio esperavam para recebê-la. Dana olhou para a multidão, incrédula.
- Mas o que...
- Ei, Dana, olhe para cá! E sorria!
- Como foi tratada? Houve alguma brutalidade?
- Qual é a sensação de voltar para casa?
- Tem planos para voltar?
Todos falavam ao mesmo tempo. Dana ficou imóvel, atordoada. Matt Baker levou-a para uma limusine a espera.
- O que... o que está acontecendo? - perguntou Dana.
- Você virou uma celebridade.
Ela sacudiu a cabeça.
- Não preciso disso, Matt. - Dana fechou os olhos por um momento.
- Obrigada por me tirar de lá.
- Pode agradecer ao presidente e a Peter Tager. Eles acionaram todos os recursos. E deve também agradecer a Leslie Stewart.
Quando Matt lhe dera a notícia, Leslie dissera:
- Mas que desgraçados! Não podem fazer isso com o Tribune. Quero que a libertem. Recorra a todos os meios que puder, mas tire-a de lá.
Dana olhou pela janela da limusine. Pessoas andavam pela rua, conversando e rindo. Não havia sons de tiros, explosões de morteiros. Era estranho.
- Nosso editor imobiliário arrumou um apartamento para você. Quero que tire algum tempo de folga... tanto quanto quiser. E assim que estiver preparada, voltará ao trabalho. - Ele examinou Dana com mais atenção. Está se sentindo bem? Se quiser ver um médico, providenciarei...
- Estou bem. E nosso pessoal em Paris já me levou a um médico.
O apartamento ficava na Calvert Street, acolhedor e bem decorado, com um quarto, uma sala, cozinha, banheiro e pequeno escritório.
- Acha que dá? - perguntou Matt.
- É perfeito. Obrigada, Matt.
- Mandei encher a geladeira para você. Provavelmente vai querer sair para comprar roupas amanhã, depois que descansar um pouco. Cobre tudo ao jornal.
- Obrigada, Matt. Obrigada por tudo.
- Será interrogada pelas autoridades mais tarde. Providenciarei tudo.
Ela estava numa ponte, ouvindo os tiros e observando corpos inchados passarem na correnteza. Acordou chorando. Fora real demais. Era um sonho, mas acontecia de fato. Naquele momento mesmo, vítimas inocentes - homens, mulheres e crianças - eram massacradas com extrema brutalidade, sem o menor sentido. Ela pensou nas palavras do professor Staka. A guerra na Bósnia-Herzegovina é além da compreensão. O mais incrível para Dana era que o resto do mundo parecia não se importar. Tinha medo de voltar a dormir, medo dos pesadelos que povoavam seu cérebro. Levantou-se, foi até a janela, contemplou a cidade. Estava quieta... não havia disparos, nem pessoas correndo pela rua, nem gritos. O que parecia anormal. Ela perguntou como Kemal estaria, e se algum dia tornaria a vê-lo. É bem provável que a esta altura ele já tenha me esquecido.
Dana passou parte da manhã comprando roupas. Aonde quer que fosse, pessoas paravam para fitá-la. Ouvia os sussurros:
- Aquela é Dana Evans!
Todas as vendedoras reconheceram-na. Ela era famosa. E detestava.
Dana não fizera o desjejum, não almoçara. Estava faminta, mas incapaz de comer. Era como se estivesse esperando que algum desastre se abatesse. Quando andava pela rua, evitava os olhos dos estranhos. Desconfiava de todo mundo. Sempre se mantinha atenta ao som de tiros. Não posso continuar assim, pensou ela.
Ao meio-dia, ela entrou na sala de Matt Baker.
- O que está fazendo aqui? Precisa tirar alguns dias de folga.
- Tenho de voltar a trabalhar, Matt.
Ele fitou-a e pensou na garota que o procurara poucos anos antes. Estou aqui em busca de um emprego. Isto é, já tenho um emprego. É mais como uma transferência, não é mesmo?... Posso começar agora mesmo... E ela mais do que cumprira a promessa. Se algum dia eu tivesse uma filha...
- Sua chefe quer conhecê-la - informou Matt a Dana.
Eles foram ao gabinete de Leslie Stewart.
As duas mulheres estavam de pé, se avaliando.
- Seja bem-vinda de volta, Dana.
- Obrigada.
- Sentem-se.
Dana e Matt se instalaram em cadeiras diante da mesa de Leslie.
- Quero lhe agradecer por ter me tirado de lá - disse Dana.
- Deve ter sido um inferno. Lamento muito o que aconteceu. - Leslie olhou para Matt.
- O que vamos fazer com ela agora, Matt?
Ele olhou para Dana.
- Estamos prestes a transferir nosso correspondente na Casa Branca. Gostaria de substituí-lo, Dana?
Era uma das posições de maior prestígio na televisão americana. O rosto de Dana se iluminou.
- Claro!
Leslie acenou com a cabeça.
- O lugar é seu.
Dana levantou-se.
- Há... obrigada de novo.
- Boa sorte.
Dana e Matt deixaram a sala.
- Vamos instalá-la logo de uma vez - disse Matt. Ele levou-a para o prédio da televisão, onde toda a equipe a esperava para cumprimentá-la. Dana levou quinze minutos para falar com todo mundo. Depois, Matt anunciou para Philip Cole:
- Esta é a sua nova correspondente na Casa Branca.
- Sensacional! Vou mostrar sua sala.
- Já almoçou? - perguntou Matt a Dana.
- Não. Eu...
- Por que não vamos comer alguma coisa?
O restaurante executivo ficava no quinto andar, espaçoso e arejado, com duas dúzias de mesas. Matt levou Dana para uma mesa no canto.
- A srta. Stewart me pareceu muito simpática - comentou Dana.
Matt fez menção de dizer alguma coisa, mas mudou de idéia.
- É, sim. Vamos pedir.
- Não estou com fome.
- Não almoçou?
- Não.
- Não comeu nada no desjejum?
- Não.
- Dana... quando foi a última vez que você comeu?
Ela sacudiu a cabeça.
- Não me lembro. E não é importante.
- Errado. Não posso permitir que nossa nova correspondente na Casa Branca passe fome até a morte.
O garçom aproximou-se da mesa.
- Está pronto para pedir, sr. Baker?
- Estou, sim. - Ele deu uma olhada no cardápio. Vamos começar bem leve. A srta. Evans vai querer um sanduíche de bacon, alface e tomate. - Matt fez uma pausa, olhou para Dana. - Torta ou sorvete?
- Não que...
- Uma torta da casa. E eu quero um sanduíche de rosbife.
- Pois não, senhor.
Dana olhou ao redor.
- Tudo isto parece irreal. A vida é o que acontece por lá, Matt. É horrível. E ninguém aqui se importa.
- Não diga isso. Claro que nos importamos. Mas não podemos dirigir o mundo, não podemos controlá-lo.
Fazemos o melhor que podemos.
- Não é suficiente! - exclamou Dana, veemente.
- Dana...
Matt não continuou. Ela se encontrava longe dali, ouvindo sons distantes que ele não podia escutar, contemplando cenas macabras que ele não podia ver. Os dois permaneceram em silêncio até que o garçom trouxe a comida.
- Aqui está.
- Matt, não estou realmente com fo...
- Mas vai comer - ordenou ele.
Jeff Connors aproximou-se da mesa.
- Oi, Matt.
- Jeff.
Jeff Connors olhou para Dana.
- Olá.
Matt apresentou:
- Dana, esse é Jeff Connors, editor de esportes do Tribune.
Dana acenou com a cabeça.
- Sou seu grande fã, srta. Evans. Estou contente que tenha escapado de lá sã e salva.
Dana tornou a acenar com a cabeça.
- Gostaria de se juntar a nós, Jeff? - convidou Matt.
- Adoraria. - Ele sentou-se e disse a Dana:
- Eu fazia um esforço para nunca perder suas transmissões. Achava-as brilhantes.
- Obrigada - murmurou Dana.
- Jeff é um dos nossos grandes atletas. Está na Galeria da Fama do Beisebol.
Outro pequeno aceno de cabeça.
- Se por acaso estiver livre na sexta-feira - disse Jeff - o Orioles vai jogar contra o Yankees em Baltimore. É um.
Dana virou a cabeça para fitá-lo pela primeira vez.
- Parece bastante emocionante. O objetivo do jogo rebater a bola e depois correr pelo campo, enquanto o outro lado tenta detê-lo?
Ele fitou-a com uma expressão cautelosa.
- Bom...
Dana levantou-se, a voz trêmula.
- Vi pessoas correndo por um campo... mas corriam por suas vidas, porque alguém atirava contra elas, querendo mata-las! - Ela estava à beira da histeria.
- Não era um jogo e... nada tinha a ver com a estupidez do beisebol!
As outras pessoas no restaurante viraram-se para observá-la.
- Você pode ir para o inferno! - soluçou Dana.
E ela saiu correndo do restaurante. Jeff olhou para Matt.
- Sinto muito. Não tive a intenção...
- Não foi culpa sua. Ela ainda não voltou para casa. E Deus sabe que tem direito a um bom ataque de nervos.
Dana entrou apressada em sua sala e bateu a porta. Sentou-se à mesa, fazendo um esforço para reprimir a histeria. Oh, Deus, banquei a idiota total! Por que ataquei aquele homem? Como fui capaz de fazer uma coisa tão horrível? Não pertenço a este lugar. Não pertenço mais a qualquer lugar. Ela ficou sentada, com a cabeça na mesa, chorando.
Poucos minutos depois, a porta foi aberta e alguém entrou. Dana levantou os olhos. Era Jeff Connors, carregando uma bandeja com um sanduíche de bacon, alface e tomate, além de uma fatia de torta.
- Esqueceu seu almoço - murmurou ele.
Dana removeu as lágrimas, mortificada.
- Eu... quero pedir desculpas. Sinto muito. Não tinha o direito...
- Tinha todo o direito. Além do mais, quem precisa assistir a um estúpido jogo de beisebol?
- Jeff pôs a bandeja na mesa.
- Posso acompanhá-la no almoço? - Ele sentou-se.
- Obrigada, mas não estou com fome.
Jeff suspirou.
- Está me deixando numa situação difícil, srta. Evans. Matt diz que tem de comer. Não quer que eu seja despedido não é?
Dana conseguiu dar um sorriso.
- Não.
Ela pegou metade do sanduíche e deu uma mordida pequena.
- Maior.
Dana deu outra mordida pequena.
- Maior.
Ela fitou-o.
- Vai mesmo me obrigar a comer isto, não é?
- Pode apostar que sim. - Ele observou-a dar uma mordida maior no sanduíche.
- Assim é melhor. Por fala nisso, se não tem nenhum compromisso para a noite de sexta-feira, não sei se já mencionei, mas vai haver um jogo entre o Orioles e o Yankees. Gostaria de ir?
Ela fitou-o nos olhos e acenou com a cabeça.
- Gostaria.
As três horas daquela tarde, quando Dana chegou à Casa Branca, o guarda disse:
- O sr. Tager gostaria de lhe falar, srta. Evans. Pedirei a alguém para levá-la à sala dele.
Poucos minutos depois, um dos guias levou Dana por um longo corredor até a sala de Peter Tager. Ele a esperava.
- Sr. Tager...
- Não imaginava que a veria tão cedo, srta. Evans. Sua emissora não vai lhe dar nenhum tempo de folga?
- Eu não quis - explicou Dana.
- Preciso trabalhar.
- Sente-se, por favor.
Ela sentou-se diante da mesa.
- Posso lhe oferecer alguma coisa?
- Não, obrigada. Acabei de almoçar. - Dana sorriu para si mesma ao recordar Jeff Connors.
- Sr. Tager, quero lhe agradecer e ao presidente Russell por me salvarem. - Ela hesitou.
- Sei que o Tribune não tem sido muito delicado com o presidente e...
Peter Tager ergueu a mão.
- Era uma questão acima da política. Não havia a menor possibilidade do presidente permitir que fizessem uma coisa dessas. Conhece a história de Helena de Tróia?
- Conheço.
Ele sorriu.
- Poderíamos ter iniciado uma guerra por sua causa. É uma pessoa muito importante.
- Não me sinto muito importante.
- Quero que saiba que o presidente e eu ficamos bastante satisfeitos com sua indicação para cobrir a Casa Branca.
- Obrigada.
Tager fez uma pausa.
- É lamentável que o Washington Tribune não goste do presidente Russell, mas não há nada que possamos fazer a respeito. Apesar disso, porém, num nível muito pessoal, se houver alguma coisa que o presidente ou eu possamos fazer para ajudar... ambos temos a maior consideração por sua pessoa.
- Obrigada.
A porta foi aberta nesse instante e Oliver entrou. Dana e Peter Tager se levantaram.
- Sentem-se. - Oliver foi até Dana.
- Seja bem-vinda.
- Obrigada, sr. presidente. De verdade.., muito obrigada.
Oliver sorriu.
- Se você não pode salvar a vida de alguém, qual o sentido de ser presidente? Quero ser franco, srta. Evans, ninguém aqui é fã do seu jornal. Mas todos nós somos seus fãs.
- Obrigada.
- Peter vai levá-la numa excursão pela Casa Branca. Se tiver qualquer problema, estamos aqui para ajudá-la.
- É muito gentil.
- Se não se importa, gostaria que se reunisse com o sr. Werner, o secretário de Estado. Será importante que ele ouça um relato direto sobre a situação na Herzegovina.
- Terei o maior prazer em atender - respondeu Dana.
Havia uma dúzia de homens sentados na sala de reunião do secretário de Estado, ouvindo Dana descrever suas experiências.
- Quase todos os prédios em Sarajevo foram atingidos ou destruídos por completo... Não há eletricidade e as pessoas que ainda têm carro retiram a bateria de noite para ver televisão... As ruas da cidade estão obstruídas pelos destroços de carros, carroças e bicicletas atingidos por bombas. O principal meio de transporte é andar a pé... Quando chove, as pessoas recolhem em baldes a água que sai das calhas... Não há o menor respeito pela Cruz Vermelha ou os jornalistas por lá. Mais de quarenta correspondentes já foram mortos enquanto cobriam a guerra na Bósnia, e dezenas foram feridos... Quer a atual revolta, contra Slobodan Milosevic seja ou não bem-sucedida, a impressão geral é a de que seu regime foi bastante prejudicado pelo levante popular...
A reunião prolongou-se por duas horas. Para Dana, foi ao mesmo tempo traumática e catártica, porque ao descrever os acontecimentos ela se viu revivendo as cenas terríveis, e por outro lado, experimentou um alívio por ser capaz de falar a respeito. Sentia-se esgotada quando terminou. O secretário de Estado disse:
- Quero lhe agradecer, srta. Evans. - Ele sorriu. Fico contente por ter voltado sã e salva.
- Eu também, sr. secretário.
Na noite de sexta-feira, Dana sentou-se ao lado de Jeff Connors na tribuna da imprensa em Camden Yards, para assistir ao jogo de beisebol. E pela primeira vez desde que voltara, pôde pensar em outra coisa que não a guerra. Enquanto olhava para os jogadores no campo, Dana ouvia o locutor relatando a partida:
- ...é o início do sexto turno e Nelson está lançando. Alomar posta-se numa linha no lado esquerdo para tentar uma jogada dupla. Palmeiro se vira para o quadrado do batedor. A vantagem é de dois e um. Nelson lança uma bola rápida pelo meio e Palmeiro desfere sua rebatida. Que lance! Parece que vai passar acima do muro da direita... Passou! Palmeiro está correndo pelas bases para fazer um home-run que deixará o Orioles na dianteira...
No décimo sétimo turno, Jeff levantou-se e olhou para Dana.
- Está se divertindo?
Ela fitou-o nos olhos e acenou com a cabeça.
- Estou.
De volta a Washington, depois do jogo, eles foram jantar no Bistro Twenty Fifteen.
- Quero pedir desculpas pela maneira como me comportei no outro dia - disse Dana.
- Acontece apenas que eu vivia num mundo em que... - ela parou, sem saber direito como explicar.
- Em que tudo é uma questão de vida e morte. Mas tudo mesmo. É terrível. Aquelas pessoas não têm qualquer esperança se alguém não acabar com a guerra.
- Dana, você não pode deixar sua vida em suspenso por causa das coisas que acontecem por lá - disse Jeff, gentilmente.
- Precisa recomeçar a viver. Aqui.
- Sei disso. Mas... não é fácil.
- Claro que não é. Eu gostaria de ajudá-la. Vai me permitir?
Dana fitou-o em silêncio por um longo momento.
- Por favor...
No dia seguinte, Dana tinha um almoço marcado com Jeff Connors.
- Pode ir me buscar? - perguntou ele e deu o endereço.
- Claro.
Dana especulou o que Jeff fazia ali. Era um dos bairros mais conturbados da cidade. Ao chegar, Dana descobriu a resposta.
Jeff estava cercado por dois times de beisebol, os jogadores variando na idade dos nove aos treze anos, vestindo os mais variados uniformes. Dana estacionou junto ao meio fio para observar.
- E não se esqueçam de uma coisa: nada de pressa - disse Jeff. - Quando o lançador arremessar a bola, imaginem que está se aproximando bem devagar, de tal maneira que dispõem de tempo bastante para acertá-la. Sintam o bastão acertando na bola. Deixem a mente ajudar a guiar suas mãos...
Jeff virou o rosto, viu Dana e acenou.
- Muito bem, pessoal. É isso aí, por enquanto...
Um dos garotos perguntou:
- Aquela é sua garota, Jeff?
- Só se eu tiver muita sorte. - Jeff sorriu. - Até mais.
Ele se encaminhou para o carro de Dana.
- Parece um clube e tanto - comentou Dana.
- São bons meninos. Eu os treino uma vez por semana.
Ela sorriu.
- Gosto disso.
E Dana se perguntou como Kemal estaria, o que andaria fazendo.
À medida que os dias passavam, Dana percebeu que gostava mais e mais de Jeff Connors. Ele era sensível, inteligente e divertido. Ela gostava de sua companhia. Pouco a pouco, as horríveis recordações de Sarajevo começaram a se desvanecer. Veio a manhã em que acordou sem ter tido pesadelos noturnos. Quando contou isso a Jeff, ele pegou sua mão e murmurou:
- É assim que gosto de ver minha garota.
E Dana especulou se não havia um sentido mais profundo naquelas palavras.
Havia uma carta escrita a mão esperando por Dana no escritório. Dizia: "srta. Evans, não se preocupe comigo. Estou feliz. Não me sinto sozinho. Não tenho saudade de ninguém e vou mandar as roupas que comprou para mim porque não preciso mais delas. Tenho minhas próprias roupas agora. Adeus." Estava assinado "Kemal".
A carta fora remetida de Paris e o cabeçalho era do "Lar Xavier Para Meninos". Dana leu a carta duas vezes e depois pegou o telefone. Levou quatro horas para conseguir falar com Kemal. Ouviu a voz dele, hesitante:
- Alô...
- Kemal, aqui é Dana Evans. - Não houve resposta.
- Recebi sua carta.
Silêncio.
- Só queria lhe dizer que estou contente porque você está feliz e se divertindo tanto. - Ela esperou por um momento, depois continuou:
- Eu gostaria de me sentir tão feliz quanto você. E quer saber por que não me sinto? Porque tenho saudade de você. E penso muito em você.
- Não, não pensa - murmurou Kemal.
- Não se importa comigo.
- Está enganado. Gostaria de vir para Washington e viver comigo?
Houve um longo silêncio.
- Hã... fala sério?
- Pode apostar que sim. Gostaria disso?
- Eu... - o menino começou a chorar.
- Gostaria, Kemal?
- Gostaria, madame.
- Tomarei as providências necessárias.
- Srta. Evans...
- O que é?
- Eu amo você.
Dana e Jeff Connors passeavam pelo West Potomac Park.
- Acho que vou ter um companheiro de apartamento - anunciou Dana.
- Ele deverá chegar a Washington nas próximas semanas.
Jeff fitou-a, aturdido.
- Ele?
Dana ficou satisfeita com a reação de Jeff.
- Isso mesmo. Seu nome é Kemal. Ele tem doze anos. Ela contou a história.
- Parece um ótimo garoto.
- E é mesmo. Ele passou por um verdadeiro inferno, Jeff. Quero ajudá-lo a esquecer.
Ele fitou Dana nos olhos.
- Eu gostaria de ajudar também.
E naquela noite eles fizeram amor pela primeira vez.
Washington são duas cidades. A primeira é uma cidade de excepcional beleza, arquitetura imponente, museus de categoria internacional, estátuas, monumentos aos gigantes do passado, como Lincoln, Jefferson, Washington... uma cidade de parques verdejantes, cerejeiras em flor e ar suave.
A outra Washington é uma cidadela dos desabrigados, uma cidade com um dos maiores índices de criminalidade na nação, um labirinto de assaltos e assassinatos.
O Monroe Arms é um pequeno e elegante hotel, discreto, não muito longe da esquina das ruas 27 e K. Não faz propaganda e atende principalmente a sua clientela regular. Foi construído há alguns anos por uma jovem e dinâmica empresária do setor imobiliário, Lara Cameron.
Jeremy Robinson, o gerente-geral do hotel, acabara de chegar para o seu turno da noite e estudava o registro de hóspedes com uma expressão de perplexidade. Verificou outra vez os nomes nas Terrace Suítes, todas de elite, para ter certeza de que não fora cometido nenhum erro.
Na suíte 325, uma atriz em declínio ensaiava para a estréia de uma peça no National Theater. Segundo uma notícia no Washington Post, ela esperava assim promover o seu retorno em grande estilo. Na 425, a suíte acima, estava um conhecido negociante de armas, que visitava Washington regularmente. O nome no registro era J. L. Smith, mas sua aparência sugeria um dos países do Oriente Médio. O sr. Smith era de extrema generosidade em matéria de gorjetas. A suíte 525 estava ocupada por William Quint, um congressista que presidia a poderosa comissão de fiscalização de drogas. Acima, a suíte 625 alojava um vendedor de software de computador, que visitava Washington uma vez por mês. Pat Murphy, um lobista internacional, estava registrado na suíte 725.
Até aqui, tudo bem, pensou Jeremy Robinson. Ele conhecia bem todos aqueles hóspedes. Era na suíte 825, a Imperial, no último andar, que se encontrava o enigma. Era a mais elegante suíte do hotel, sempre mantida em reserva para os VIPS mais destacados. Ocupava todo o andar e era decorada com valiosos quadros e antigüidades. Tinha seu elevador particular, que subia da garagem subterrânea, a fim de que os hóspedes que quisessem permanecer anônimos pudessem chegar e partir com a devida privacidade.
O que deixava Jeremy Robinson perplexo era o nome no registro do hotel: Eugene Gant. Havia mesmo uma pessoa com esse nome, ou alguém que apreciava Thomas Wolfe o escolhera como um pseudônimo?
Carl Gorman, o recepcionista do dia, que registrara o epônimo sr. Gant, viajara em férias poucas horas antes, e estava inacessível. Robinson detestava mistérios. Quem era Eugene Gant e por que lhe fora concedida a Suíte Imperial?
Na suíte 325, no terceiro andar, Dame Gisella Barrett ensaiava para uma peça. Era uma mulher de aparência distinta, com sessenta e tantos anos, uma atriz que outrora encantara platéias e críticos do West End de Londres à Broadway de Manhattan. Ainda havia vestígios de beleza em seu rosto, mas se encontravam encobertos pela amargura.
Lera a notícia no Washington Post que comentava que viera a Washington para um retorno. Um retorno!, pensou Dame Barrett, indignada. Como eles ousam? Nunca estive ausente! Era verdade que haviam transcorrido mais de vinte anos desde a última vez em que se apresentara no palco, mas isso só acontecera porque uma grande atriz precisava de um grande papel, um diretor brilhante e um produtor compreensivo. Os diretores de hoje eram jovens demais para lidar com a grandeza do verdadeiro Teatro, e os grandes produtores ingleses - H.M. Tenant, Binkìe Beaumont, C.B. Cochran - já haviam todos saído de cena. Até mesmo os produtores americanos relativamente competentes, Helburn, Belasco e Golden, não mais atuavam. Não podia haver a menor dúvida a respeito: o teatro atual era controlado por arrivistas que não sabiam de nada, sem qualquer experiência. Os velhos tempos haviam sido maravilhosos. Havia então teatrólogos cujas penas eram embebidas em relâmpagos. Dame Barrett fizera o papel de Ellie Dunn em A casa da desilusão, de Shaw. Como os críticos ficaram extasiados comigo! Pobre George. Ele detestava ser chamado de George. Preferia Bernard. As pessoas pensavam nele como uma pessoa áspera e amarga, mas por baixo de tudo ele era na verdade um irlandês romântico. Costumava me mandar rosas vermelhas. Acho que era tímido demais para ir além disso. Talvez tivesse medo de que eu o rejeitasse.
Ela estava prestes a voltar ao palco num dos papéis mais vigorosos de todos os tempos: Lady Macbeth. Era a escolha perfeita para ela.
Dame Barrett pôs uma cadeira na frente de uma parede vazia, a fim de não ser distraída pela vista lá fora. Sentou-se, respirou fundo e começou a se embrenhar no papel que Shakespeare criara: Venham, ó espíritos. Que cuidam dos pensamentos mortais! Privem-me de ser mulher e me encham da cabeça aos pés. Da mais torpe crueldade, meu sangue engrossem, Cortem o acesso e a passagem ao remorso, Que nenhuma visitação compadecida da natureza abale meu infame propósito, nem a paz promova entre o efeito e ele!
- ...Pelo amor de Deus, como podem ser tão estúpidos. Depois de tantos anos em que me hospedo neste hotel, era de se esperar que... A voz trovejava pela janela aberta, vinda da suíte acima.
Na suíte 425, J.L. Smith, o negociante de armas, repreendia um garçom aos berros:
- ...já soubessem a esta altura que só peço caviar beluga. Beluga! - Ele apontou para uma travessa de caviar na mesa da suíte.
- Isso é um prato para camponeses!
- Sinto muito, sr. Smith. Voltarei à cozinha e...
- Não importa. - J.L. Smith olhou para seu Rolex cravejado de diamantes.
- Não há mais tempo. Tenho uma reunião importante.
Ele se levantou e encaminhou-se para a porta. Era esperado no escritório de seu advogado. Um dia antes, um grande júri federal o indiciara por quinze acusações de dar presentes ilegais ao secretário da Defesa. Se fosse considerado culpado, enfrentaria três anos na prisão e uma multa de um milhão de dólares.
Na suíte 525, William Quint, congressista, membro de proeminente família de terceira geração em Washington, estava reunido com três investigadores de sua equipe.
- O problema das drogas nesta cidade está escapando por completo ao controle - disse Quint.
- E precisamos recuperar o controle.
Ele virou-se para Dalton Isaak e perguntou:
- Qual é a sua área?
- As gangues de rua. A Brentwood Crew está vendendo mais barato que a Fourteenth Street Crew e a Simple City Crew. Isso provocou quatro assassinatos no mês passado.
- Não podemos continuar assim - declarou Quint. É ruim para os negócios. Venho recebendo telefonemas do DEA e do chefe de polícia, perguntando o que planejamos fazer a respeito.
- E o que lhes disse?
- O de sempre. Que estamos investigando. - Ele virou-se para um assessor.
- Marque uma reunião com a Brentwood Crew. Diga-lhes que, se quiserem nossa proteção, terão de ajustar seus preços no mesmo nível dos outros. - O congressista fez uma pausa e virou-se para outro assessor.
- Quanto recebemos no mês passado?
- Dez milhões aqui, dez milhões no exterior.
- Vamos exigir mais. A cidade está se tornando muito explosiva.
Na suíte acima, a 625, Norman Haff estava deitado nu na cama, no escuro, assistindo a um filme pornô no canal de circuito fechado do hotel. Era um homem pálido, com uma enorme barriga de cerveja e um corpo flácido. Ele estendeu a mão e acariciou o seio de sua companheira de cama.
- Veja o que eles estão fazendo, Irma. - Sua voz era um sussurro estrangulado.
- Gostaria que eu fizesse isso com você? - Ele correu os dedos em círculo pela barriga de Irma, os olhos fixados na tela, onde uma mulher fazia amor ardente com um homem.
- Isso a excita, meu bem? Pode ter certeza de que me deixa com o maior tesão. - Norman enfiou dois dedos entre as pernas de Irma, balbuciando:
-Estou pronto.
Ele agarrou a boneca inflável, montou por cima, penetrou-a. A vagina da boneca de pilha abria e fechava em torno dele, apertando com uma força cada vez maior.
- Oh, Deus! - balbuciou ele, soltando um grunhido de satisfação.
- Gozei!
Norman desligou a pilha e ficou estendido na cama, ofegando. Sentia-se maravilhoso. Tornara a usar Irma pela manhã, antes de esvaziá-la e guardá-la na mala.
Norman era um vendedor, passava a maior parte do tempo em viagem, visitando cidades estranhas, em que não tinha qualquer companhia. Descobrira Irma anos antes, e era toda a companheira de que precisava. Seus amigos de profissão eram uns idiotas, viajavam pelo país se divertindo com prostitutas. Mas Norman riria por último. Irma nunca lhe daria uma doença.
No andar acima, na suíte 725, a família de Pat Murphy acabara de voltar do jantar. Tim Murphy, de doze anos, estava parado na sacada que dava para o parque.
- Amanhã podemos subir até o alto do monumento, papai? - suplicou ele.
- Por favor?
O irmão mais moço disse:
- Não. Quero ir ao Smithsonian Institute.
- Institution - corrigiu o pai.
- Tanto faz. Quero ir lá.
Era a primeira vez que os meninos visitavam a capital da nação, embora o pai passasse mais da metade de cada ano ali. Pat Murphy era um bem-sucedido lobista e tinha acesso a algumas das pessoas mais importantes de Washington.
Seu pai fora prefeito de uma pequena cidade do Ohio. Pat crescera fascinado por política. Seu melhor amigo era um menino chamado Joey. Estudavam juntos, freqüentavam os mesmos acampamentos de verão, partilhavam tudo. Eram os melhores amigos no sentido mais autêntico da expressão. Mas tudo mudou nos feriados em que os pais de Joey viajaram e o menino ficou na casa dos Murphys. No meio da noite, Joey foi ao quarto de Pat, subiu na cama e sussurrou:
- Pat, acorde...
Os olhos de Pat se abriram.
- O que foi?
- Estou me sentindo solitário, Pat... e preciso de você. Pat Murphy ficou confuso.
- Para quê?
- Não compreende? Eu amo você. Quero você. - E ele dera um beijo nos lábios de Pat.
Surgira então a terrível compreensão de que Joey era um homossexual. Pat ficara repugnado. E dali por diante recusara-se a falar com Joey outra vez.
Pat Murphy detestava homossexuais. Eram anormais, bichas, veados, amaldiçoados por Deus, tentando seduzir crianças inocentes. Ele convertera seu ódio e repulsa numa campanha vitalícia, só votando em candidatos que eram contra os homossexuais e fazendo preleções sobre os males e perigos do homossexualismo.
No passado, ele sempre fora a Washington sozinho, mas desta vez a esposa insistira obstinadamente que a levasse junto com as crianças.
- Queremos saber como é a sua vida - alegara ela.
E Pat acabara cedendo.
Ele olhou para a esposa e filhos e pensou: É uma das últimas vezes em que os verei. Como pude cometer um erro tão estúpido? Mas está quase terminando agora. A família tinha grandes planos para amanhã. Mas não haveria amanhã. Bem cedo, antes que acordassem, ele estaria a caminho do Brasil. Alan o esperava.
Na suíte 825, a Imperial, havia um silêncio total. Respire, disse para si mesmo. Você deve respirar... mais devagar, mais devagar... Estava à beira do pânico. Olhou para o corpo esguio e nu da moça no chão e pensou: Não foi culpa minha. Ela escorregou.
A cabeça rachara quando a moça batera na beira da mesinha de ferro batido, o sangue escorria da testa. Sentira o pulso dela. Não havia qualquer pulsação. Era incrível. Num momento ela se encontrava tão viva, e no momento seguinte.
Tenho de sair daqui. Agora! Ele se afastou do corpo e começou a se vestir, apressado. Aquilo não seria apenas um escândalo. Seria um escândalo que abalaria o mundo. Nunca devem me ligar a esta suíte. Quando acabou de se vestir, foi ao banheiro, molhou uma toalha e começou a limpar as superfícies de todos os lugares em que poderia ter tocado. E quando finalmente teve certeza de que não restavam impressões digitais para marcar sua presença, deu uma olhada ao redor. A bolsa da moça! Ele foi pegar a bolsa no sofá ! Encaminhou-se para a extremidade da suíte, onde o elevador privativo esperava.
Entrou, fazendo um esforço para controlar a respiração. Apertou G e, poucos segundos depois, a porta do elevador se abriu e ele estava na garagem.
Não havia ninguém ali. Ele foi até seu carro, mas se lembrou de repente, voltou quase correndo para o elevador. Tirou o lenço do bolso, limpou as impressões digitais dos botões do elevador. Ficou parado nas sombras, tornou a olhar ao redor, para se certificar de que continuava sozinho. Finalmente satisfeito, foi até seu carro, abriu a porta, sentou-se ao volante. Depois de um momento, ligou o motor e deixou a garagem subterrânea.
Foi uma camareira filipina quem encontrou o cadáver da moça esparramado no chão.
- O Dios ko, kawawa naman iyong babae!
Ela fez o sinal-da-cruz e saiu correndo da suíte, gritando por socorro.
Uns minutos depois, Jeremy Robinson e Thom Peters, o chefe da segurança do hotel, estavam na Suíte Imperial, olhando para o corpo nu da moça.
- Oh, Deus! Ela não pode ter mais que dezesseis ou dezessete anos! - Thom virou-se para o gerente.
- É melhor chamarmos a polícia.
- Espere!
Polícia. Jornais. Publicidade. Por um momento de desespero, Robinson especulou se seria possível remover o corpo da moça do hotel sem que ninguém soubesse. Mas depois ele murmurou, relutante:
- Acho que sim.
Thom Peters tirou um lenço do bolso e usou-o para pegar o telefone.
- O que está fazendo? - indagou Robinson.
- Isto não é uma cena do crime. Foi um acidente.
- Ainda não sabemos, não é? Peters discou um número e esperou.
- Homicídios.
O detetive Nick Reese parecia uma versão de livro do policial com vivência das ruas. Era alto e musculoso, com um nariz quebrado que recordava uma carreira anterior no boxe. Começara como um guarda de ronda no Departamento de Polícia Metropolitana de Washington e, pouco a pouco, fora sendo promovido: chefe de ronda, sargento, tenente. Passara de detetive D2 a detetive D1, e nos últimos dez anos resolvera mais casos do que qualquer outro no departamento.
O detetive Reese parou ali, estudando a cena em silêncio. Havia mais meia dúzia de homens na suíte.
- Alguém tocou nela?
Robinson estremeceu.
- Não.
- Quem é ela?
- Não sei.
Reese virou-se para o gerente do hotel.
- Uma moça é encontrada morta na Suíte Imperial e você não tem a menor idéia de quem ela seja? Este hotel não tem um registro de hóspedes?
- Claro que tem, detetive, mas neste caso... - ele hesitou.
- Neste caso ... ?
- A suíte foi registrada em nome de Eugene Gant.
- E quem é Eugene Gant?
- Não tenho a menor idéia.
O detetive Reese começava a ficar impaciente.
- Se alguém alugou esta suíte, teve de pagar.. em dinheiro, cartão de crédito, cheque... qualquer coisa. E quem registrou esse Gant deve ter dado uma boa olhada nele. Quem foi?
- Nosso recepcionista do dia, Gorman.
- Quero falar com ele.
- Eu... receio que seja impossível.
- É mesmo? Por quê?
- Ele partiu em férias hoje.
- Telefone para ele.
Robinson suspirou.
- Ele não disse para onde ia.
- Quando voltará?
- Dentro de duas semanas.
- Vou lhe contar um segredinho. Não planejo esperar por duas semanas. Quero algumas informações agora. Alguém deve ter visto alguém entrando ou saindo desta suíte.
- Não necessariamente - murmurou Robinson, num tom de quem se desculpava.
- Além da saída regular, esta suíte conta com um elevador privativo que desce direto para a garagem subterrânea... Mas não sei por que essa confusão toda. Afinal, é óbvio que foi um acidente. Ela devia ser uma viciada, tomou uma overdose, tropeçou e caiu.
Outro detetive aproximou-se de Reese.
- Verifiquei os armários. O vestido dela é da Gap, os sapatos de Wild Pair. Não
há ajuda por aí.
- Não há nada para identificá-la?
- Não. Se ela tinha uma bolsa, desapareceu.
O detetive Reese tornou a estudar o corpo. Virou-se para um guarda parado ali perto.
- Vá me buscar um sabonete. Molhado.
O guarda fitou-o com uma expressão espantada.
- Como?
- Um sabonete molhado.
- Pois não, senhor.
O guarda se retirou, apressado. O detetive Reese ajoelhou-se ao lado do corpo da moça e estudou o anel em seu dedo.
- Parece um anel de escola.
Um minuto depois, o guarda voltou e entregou a Reese um sabonete molhado.
Com o maior cuidado, Reese esfregou o sabonete no dedo da moça, depois retirou o anel. Virou-o de um lado para outro, examinando-o.
É um anel de turma da Denver High. Tem as iniciais, EY - Ele virou-se para seu parceiro.
- Verifique. Telefone para a escola e descubra quem é ela. Temos de obter uma identificação o mais depressa possível.
O detetive Ed Nelson, um dos técnicos em impressões digitais, aproximou-se do detetive Reese.
- Há uma coisa esquisita aqui, Nick. Estamos encontrando impressões digitais por toda parte, mas alguém se deu ao trabalho de limpar todas as maçanetas.
- O que significa que havia alguém com ela aqui no momento da morte. Por que - ele não chamou um médico? Por que se deu ao trabalho de limpar as impressões digitais?
E o que uma moça tão jovem faz numa suíte tão cara?
Ele virou-se para Robinson.
- Como a suíte foi paga?
- Nossos registros indicam que foi paga em dinheiro. Um mensageiro trouxe o envelope. A reserva foi feita pelo telefone.
A médica-legista interveio:
- Já podemos remover o corpo agora, Nick?
- Só mais um instante. Encontrou marcas de violência?
- Só o trauma na testa. Mas é claro que ainda faremos a autópsia.
- Marcas de picadas?
- Não. Ela tem os braços e pernas limpos.
- A impressão é de que foi estuprada?
- Teremos de verificar.
O detetive Reese suspirou.
- Então o que temos aqui é uma colegial de Denver que vem a Washington e acaba morrendo num dos mais dispendiosos hotéis da cidade. Alguém limpa suas impressões digitais e desaparece. Toda a coisa fede. Quero saber quem alugou esta suíte. - Ele virou-se para a legista.
- Pode levá-la agora. - Reese olhou para o detetive Nelson.
- Verificou as impressões digitais no elevador privativo?
- Verifiquei. O elevador desce da suíte direto para a garagem subterrânea. Só tem dois botões. Ambos foram limpos.
- Examinou a garagem?
- Claro. Não há nada de estranho por lá.
- Quem fez isso teve o maior trabalho para encobrir suas pegadas. Ou é alguém com ficha na polícia, ou um VIP se divertindo com uma colegial. - Ele virou-se para Robinson.
- Quem costuma alugar esta suíte?
Robinson respondeu com evidente relutância:
- É reservada para os nossos hóspedes mais importantes. Reis, primeiros-ministros... - ele hesitou. - presidentes.
- Foi feita alguma ligação deste telefone nas últimas vinte e quatro horas?
Não sei.
O detetive Reese estava começando a se irritar.
- Mas haveria um registro, se foi feita alguma?
- Claro.
O detetive Reese pegou o telefone.
- Telefonista, aqui é o detetive Nick Reese. Quero saber se foi feita alguma ligação da Suíte Imperial nas últimas vinte e quatro horas... Eu espero.
Ele observou os homens de jaleco branco da equipe da médica-legista cobrirem a moça nua com um lençol e ajeitarem o corpo numa maca. Ela nem começara ainda a viver, pensou Reese. Ele ouviu a voz da telefonista:
- Detetive Reese?
- Pois não?
- Houve uma ligação da suíte ontem. Era uma chamada local.
Reese pegou um bloco e uma caneta.
- Qual foi o número?... Quatro-cinco-seis-sete-zero-quatro-um?...
Reese anotou os números, mas parou abruptamente. Ficou olhando aturdido para o bloco.
- Oh, merda!
- Qual é o problema? - perguntou o detetive Nelson.
Reese levantou os olhos.
- Este é o número da Casa Branca.
Na manhã seguinte, ao desjejum, Jan perguntou:
- Onde esteve na noite passada, Oliver?
O coração de Oliver disparou. Mas ela não podia saber o que acontecera. Ninguém podia. Absolutamente ninguém.
- Eu me reuni com...
Jan não o deixou continuar:
- A reunião foi cancelada. Mas você não voltou até três horas da madrugada. Tentei localizá-lo. Onde estava?
- Surgiu um problema. Por quê? Você precisava... ? Houve alguma coisa errada?
- Não tem mais importância agora - disse Jan, cansada.
- Oliver, você não está apenas me magoando, mas também prejudicando a si mesmo. Chegou até aqui. Não quero vê-lo perder tudo porque... porque não consegue...
Os olhos de Jan ficaram marejados de lágrimas. Oliver levantou-se e foi abraçá-la.
- Está tudo bem, Jan. Eu a amo demais.
E amo mesmo, à minha maneira, pensou Oliver. O que aconteceu ontem à noite não foi culpa minha. Foi ela quem me chamou. Mas eu nunca deveria ter atendido. Ele tomara todas as precauções possíveis para não ser visto. Estou são e salvo, concluiu Oliver.
Peter Tager estava preocupado com Oliver. Aprendera que era impossível controlar a libido de Oliver Russell e finalmente fizera um acordo. Em algumas noites, Peter Tager providenciava reuniões fictícias para o presidente comparecer, fora da Casa Branca, e providenciava para que a escolta do Serviço Secreto desaparecesse por umas poucas horas. Quando Peter Tager procurara o senador Davis para se queixar do que estava acontecendo, o senador lhe dissera, calmamente:
- Afinal, Peter, Oliver é um homem de sangue muito quente. As vezes é impossível controlar paixões assim. Admiro profundamente seu senso moral, Peter. Sei o quanto a família significa para você e como o comportamento do presidente lhe deve ser desagradável. Mas não vamos julgá-lo. Apenas continue a providenciar para que tudo seja feito com a maior discrição.
O detetive Nick Reese detestava entrar na sala de autópsia, de paredes brancas, inóspita. Recendia a formol e morte. Quando passou pela porta, a legista, Helen Chuan, uma mulher pequena e atraente, já o esperava.
- Bom dia - disse Reese. - já terminou a autópsia?
- Tenho um relatório preliminar para você, Nick. A moça não morreu do ferimento na cabeça. Tinha sofrido uma parada cardíaca antes de bater na mesa. Morreu de uma overdose de metilenedioximetanfetamina.
Ele suspirou.
- Não faça isso comigo, Helen.
- Desculpe. Nas ruas, é o que se costuma chamar de ecstasy. - Ela estendeu um relatório de autópsia. - Aqui está o que temos até agora.
PROTOCOLO DE AUTÓPSIA.
NOME DA VÍTIMA: IDENTIDADE DESCONHECIDA, FICHA NC-L961
SUMÁRIO ANATÔMICO
I. CARDIOMIOPATIA DILATADA E HIPERTRÓFICA
A. CARDIOMEGALIA (750 GM)
B. HIPERTROFIA VENTRICULAR ESQUERDA, CORAÇÃO (2,3 CM)
C. HEPATOMEGALIA CONGESTIVA (2750 GM)
D. BAÇOMEGALIA (350 MG)
II. INTOXICAÇÃO NARCÓTICA AGUDA
A. CONGESTÃO PASSIVA AGUDA, TODAS AS VÍSCERAS
III. TOXICOLOGIA (VER RELATÓRIO SEPARADO)
IV, HEMORRAGIA CEREBRAL (VER RELATóRIO SEPARADO)
CONCLUSÃO: (CAUSA DA MORTE)
CARDIOMIOPATIA DILATADA E HIPERTRÓFICA
INTOXICAÇÃo NARCÓTICA AGUDA
Nick Reese levantou os olhos.
- Portanto, se tudo isto for traduzido para uma linguagem normal, ela morreu de uma overdose de ecstasy?
- Isso mesmo.
- Foi sexualmente agredida?
Helen Chuan hesitou.
- O hímen foi rompido, havia vestígios de sêmen e um pouco de sangue nas coxas.
- Portanto, foi estuprada.
- Não creio.
- Como assim? - indagou Reese, franzindo o rosto.
- Não havia sinais de violência.
O detetive Reese ficou perplexo.
- O que está querendo dizer?
- Acho que a moça era virgem. Essa foi a sua primeira experiência sexual.
O detetive Reese ficou imóvel, digerindo a informação.
Alguém conseguira persuadir uma virgem a subir para a Suíte Imperial e fazer sexo. Tinha de ser alguém que ela conhecia. Ou alguém famoso ou poderoso.
O telefone tocou. Helen Chuan atendeu.
- Centro de autópsia. - Ela ouviu por um momento, depois estendeu o fone para o detetive.
- É para você.
Nick Reese pegou o telefone.
- Reese. - Seu rosto se animou. - Ah, sim, sra. Holbrook. Obrigado por me telefonar. É um anel de turma da sua escola, com as iniciais PY. Tem alguma aluna com essas iniciais?... Eu agradeceria. Obrigado. Ficarei esperando.
- Ele olhou para a legista. - Tem certeza de que ela não foi estuprada?
- Não encontrei sinais de violência. Nenhum.
- Ela poderia ter sido penetrada depois que morreu?
- Eu diria que não.
A sra. Holbrook voltou ao telefone.
- Detetive Reese?
- Estou ouvindo.
- Segundo nosso computador, temos uma aluna com as iniciais PY Seu nome é Pauline Ybung.
- Poderia descrevê-la, sra. Holbrook?
- Pois não. Pauline tem dezoito anos, é baixa e corpulenta, cabelos escuros...
- Hum... - A moça errada.
- E é a única?
- A única mulher.
Reese entendeu no mesmo instante.
- Quer dizer que há um rapaz com essas iniciais?
- Isso mesmo. Paul Yerby. E por acaso Paul se encontra em Washington neste momento.
O coração de Reese passou a bater mais depressa.
- Ele está aqui?
- Está, sim. Uma turma de alunos do Denver High foi a Washington para visitar a Casa Branca, o Congresso...
- E todos se encontram na cidade neste momento?
- Isso mesmo.
- Por acaso sabe onde se hospedam?
- No Hotel Lombardy. Deram-nos um desconto especial de grupo ali. Falei com vários outros hotéis, mas não quiseram...
- Muito obrigado, sra. Holbrook. Agradeço a sua cooperação.
Nick Reese desligou e olhou para a legista.
- Pode me avisar quando a autópsia estiver pronta, Helen?
- Claro. Boa sorte, Nick.
Ele acenou com a cabeça.
- Acho que terei.
O Hotel Lombardy fica na Pennsylvania Avenue, a dois quarteirões de Washington Circle e a uma distância de se percorrer a pé da Casa Branca, alguns monumentos e uma estação do metrô. O detetive Reese entrou no saguão antiquado e foi até a recepção.
- Tem um estudante chamado Paul Yérby hospedado aqui?
- Desculpe, mas não damos...
Reese mostrou sua insígnia.
- Estou com pressa, amigo.
- Pois não, senhor. - O recepcionista procurou no registro. - Há um sr. Yerby no quarto 315. Devo ... ?
- Não. Farei uma surpresa. Fique longe do telefone.
Reese entrou no elevador, saltou no terceiro andar, seguiu pelo corredor. Parou diante do quarto 315. Podia ouvir vozes lá dentro. Desabotoou o botão do paletó e bateu na porta. Foi aberta por um rapaz ao final da adolescência.
- Pois não?
- Paul Yerby?
- Não. - O garoto virou-se para alguém no quarto. Paul, tem um homem aqui querendo falar com você.
Nick Reese entrou no quarto. Um rapaz magro, de cabelos desgrenhados, usando jeans e uma suéter, saía do banheiro.
- Paul Yerby?
- Isso mesmo. Quem é você?
Reese mostrou sua insígnia da polícia.
- Detetive Nick Reese. Homicídios.
o garoto ficou pálido.
- Eu... o que deseja?
Nick Reese pôde farejar o medo. Tirou do bolso o anel da moça morta e estendeu-o.
- Já viu este anel antes, Paul?
- Não - respondeu Yerby, depressa demais.
- Eu...
- Tem suas iniciais.
- É mesmo? Há... - ele hesitou. - Talvez seja meu. Devo ter perdido em algum lugar.
- Ou deu a alguém?
O garoto passou a língua pelos lábios.
- Há... É possível.
- Vamos para a delegacia, Paul.
O garoto estava nervoso.
- Vai me prender?
- Algum motivo para isso? - perguntou o detetive Reese.
- Por acaso cometeu um crime?
- Claro que não. Eu... - ele não foi capaz de continuar.
- Então por que eu o prenderia?
- Há... não sei. Também não sei por que quer me levar para a delegacia.
Ele olhava para a porta aberta. O detetive Reese pegou-o pelo braço:
- Vamos quietinho.
O outro rapaz indagou:
- Quer que eu telefone para sua mãe ou para outra pessoa, Paul?
Paul Yerby sacudiu a cabeça, desesperado.
- Não precisa. Não ligue para ninguém. Sua voz era um sussurro.
O Edifício Henry I. Daly, na Indiana Avenue, NW, 300, no centro de Washington, é uma construção despretensiosa de seis andares e serve como chefatura de polícia.
O escritório da Homicídios fica no terceiro andar. Enquanto Paul Yerby era fotografado e tirava as impressões digitais, o detetive Reese foi falar com o capitão Otto Miller.
- Acho que temos uma abertura no caso do Monroe Arins.
Miller recostou-se na cadeira.
- Continue.
- Peguei o namorado da garota. Ele está apavorado. Vamos interrogá-lo agora.
- Quer acompanhar?
O capitão Miller acenou com a cabeça para uma pilha de papéis em sua mesa.
- Estarei ocupado nos próximos meses. Mande-me um relatório.
- Certo. - O detetive Reese encaminhou-se para a porta.
- Nick... não se esqueça de ler os direitos dele.
Paul Yerby foi levado para uma sala de interrogatório. Era pequena, três por quatro metros, com uma mesa escalavrada, quatro cadeiras e uma câmera de vídeo. Havia um espelho de fundo falso, para que policiais pudessem acompanhar o interrogatório da sala ao lado. Paul Yerby fitava Nick Reese e dois outros detetives, Doug Hogan e Edgar Bernstein.
- Sabe que estamos gravando esta conversa em videoteipe? - perguntou Reese.
- Sim, senhor.
Tem direito à presença de um advogado. Se não puder contratá-lo, o Estado designará um para representá-lo.
- Gostaria de ter um advogado presente? - indagou Bernstein.
- Não preciso de um advogado.
- Muito bem. Você tem o direito de permanecer calado. Se renunciar a esse direito, qualquer coisa que disser aqui poderá ser usada contra você no tribunal. Entendido?
- Sim, senhor.
- Qual é o seu nome legal?
- Paul Yerby.
- Endereço.
- Marian Street, 320, Denver, Colorado. Não fiz nada de errado. Eu...
- Ninguém disse que fez. Só estamos tentando obter algumas informações, Paul.
Gostaria de nos ajudar, não é mesmo?
- Claro, mas... Não sei qual é o problema.
- Não tem nenhuma idéia?
- Não, senhor.
- Tem namoradas, Paul?
- Ora, vocês sabem...
- Não, Paul, não sabemos. Por que não nos conta?
- Claro. Saio com garotas...
- Está querendo dizer que marca encontros e sai com garotas a sós?
- Isso mesmo.
- Costuma sair mais com alguma garota em particular? Houve um momento de silêncio.
- Tem uma namorada, Paul?
- Tenho.
- Como ela se chama? - perguntou o detetive Bernstein.
- Chloe.
- Chloe o quê - indagou o detetive Reese.
- Chloe Houston.
Reese escreveu uma anotação.
- Qual é o endereço dela, Paul?
- Oak Street, 602, Denver.
- Como se chamam os pais dela?
- Ela vive com a mãe.
- E o nome da mãe?
- Jackie Houston. Ela é governadora do Colorado.
Os detetives trocaram um olhar. Merda! Isso é tudo o que precisamos!
Reese suspendeu o anel.
- Este anel é seu, Paul?
O rapaz estudou-o por um momento, depois murmurou, relutante:
- É, sim.
- Deu este anel a Chloe?
Ele engoliu em seco, nervoso.
- Eu... acho que sim.
- Não tem certeza?
- Estou lembrando agora. Dei, sim.
- Veio a Washington com alguns colegas, certo? Um grupo da escola?
- Isso mesmo.
- Chloe fazia parte desse grupo?
- Sim.
- Onde está Chloe agora, Paul? - perguntou o detetive Bernstein.
- Eu... não sei.
- Quando a viu pela última vez? - indagou Hogan.
- Acho que há uns dois dias.
- Dois dias? - repetiu Reese.
- Isso mesmo.
- E onde foi? - perguntou Bernstein.
- Na Casa Branca.
Os detetives trocaram um olhar de surpresa.
- Ela esteve na Casa Branca? - indagou Reese.
- Sim, senhor. Fomos até lá numa excursão particular. A mãe de Chloe arrumou.
- E Chloe foi com vocês? - perguntou o detetive Hogan.
- Sim, senhor.
- Aconteceu alguma coisa fora do normal nessa visita? - indagou Bernstein.
- Como assim?
- Encontraram ou conversaram com alguém durante a visita? - perguntou Bernstein.
- Claro. Com o guia.
- E isso foi tudo? - indagou Reese.
- Foi, sim.
- Chloe passou o tempo todo com o grupo? - perguntou o detetive Hogan.
- Passou... - Yerby hesitou.
- Não. Ela se afastou para ir ao banheiro. Demorou cerca de quinze minutos. Quando voltou, ela...
O rapaz não continuou.
- Ela o quê? - perguntou Reese.
- Nada. Ela apenas voltou.
Era evidente que ele mentia.
- Filho - murmurou Reese -, sabia que Chloe Houston está morta?
Eles o observavam atentamente.
- Oh, Deus, não! O que aconteceu?
A expressão de surpresa em seu rosto podia ter sido simulada.
- Não sabe? - perguntou o detetive Bernstein.
- Não! Eu... não posso acreditar!
- Não teve nada a ver com a morte dela? - indagou Hogan.
- Claro que não! Eu amo... amava Chloe!
- Alguma vez foi para a cama com ela? - perguntou Bernstein.
- Não. Estávamos... estávamos esperando. Íamos casar.
- Mas às vezes tomavam drogas juntos? - indagou o detetive Reese.
- Não! Nunca tomamos drogas!
A porta foi aberta nesse instante e um corpulento detetive, Harry Carter, entrou na sala. Ele foi até Reese e sussurrou alguma coisa em seu ouvido. Reese balançou a cabeça. Ficou olhando para Paul Yerby por um longo momento, antes de perguntar.
- Quando foi a última vez que viu Chloe Houston?
- Já disse que foi na Casa Branca.
Ele mudou de posição na cadeira, apreensivo. O detetive Reese inclinou-se para a frente.
- Sua situação é complicada, Paul. Suas impressões digitais estão por toda a Suíte Imperial, no Monroe Arms Hotel. Como isso aconteceu?
Paul Yerby ficou imóvel, muito pálido.
- Pode parar de mentir agora. Temos provas contra você.
- Eu... eu não fiz nada.
- Reservou a suíte no Monroe Anus Hotel? - perguntou o detetive Bernstein.
- Não, não fui eu. A ênfase foi no "eu".
O detetive Reese pressionou:
- Mas sabe quem foi?
- Não. - A resposta saiu rápida demais.
- Admite que esteve na suíte? - indagou Hogan.
- Estive, mas... Chloe continuava viva quando fui embora.
- Por que foi embora? - perguntou Hogan.
- Ela me pediu. Estava... estava esperando alguém.
- Ora, Paul. sabemos muito bem que você a matou - comentou Bernstein.
- Não! - O garoto tremia. - Juro que não tive nada a ver com isso. Eu... apenas subi para a suíte com ela. E só fiquei pouco tempo.
- Porque ela esperava alguém? - indagou Reese.
- Isso mesmo. Chloe estava... bastante excitada.
- Ela contou com quem ia se encontrar? - perguntou o detetive Hogan.
Paul passou a língua pelos lábios.
- Não.
- Disse que ela estava bastante excitada - ressaltou Reese. - Com o quê?
Paul tornou a passar a língua pelos lábios.
- Com... com o homem que ia se encontrar ali com ela para jantar.
- Quem era o homem, Paul? - perguntou Bernstein.
- Não posso contar.
- Por que não? - indagou o detetive Hogan.
- Prometi a Chloe que nunca contaria a ninguém.
- Chloe está morta.
Os olhos de Paul Yerby ficaram cheios de lágrimas.
- Ainda não posso acreditar.
- Dê-nos o nome do homem - insistiu Reese.
- Não posso. Prometi a Chloe.
- Vou explicar o que vai acontecer com você. Passará a noite na cadeia. Pela manhã, se nos der o nome do homem que ia se encontrar com Chloe, vamos deixá-lo sair. Caso contrário, teremos de indiciá-lo por homicídio.
Eles esperaram que o garoto respondesse. Silêncio.
Nick Reese acenou com a cabeça para Bernstein.
- Pode levá-lo.
O detetive Reese voltou à sala do capitão Miller.
- Tenho uma notícia ruim e uma notícia ainda pior.
- Não tenho tempo para isso, Nick.
- A notícia ruim é que não tenho certeza se foi o garoto quem deu a droga à moça. A notícia pior é que a mãe da jovem é governadora do Colorado.
- Oh, Deus! Os jornais vão adorar! - O capitão Miller respirou fundo.
- Por que acha que o garoto não é o culpado?
- Ele admite que esteve na suíte, mas alega que a garota lhe pediu para ir embora porque esperava alguém. Creio que o rapaz é inteligente demais para inventar uma história tão estúpida. Estou convencido de que ele sabe quem Chloe Houston esperava. Mas não quer dizer quem era.
- Tem alguma idéia?
- Era a primeira vez que ela vinha a Washington, e foram visitar a Casa Branca.
Ela não conhecia ninguém aqui. Disse que ia ao banheiro. Não há banheiro público na Casa Branca. Ela teria de sair para o Pavilhão dos Visitantes, na Ellipse, na esquina das ruas 15 e E, ou ao Centro dos Visitantes da Casa Branca. Ausentou-se durante cerca de quinze minutos. O que acho que aconteceu é que, enquanto procurava um banheiro, esbarrou com alguém na Casa Branca, alguém que pode ter reconhecido.
Talvez alguém que ela tenha visto na TV. Seja como for, devia ser alguém importante. Ele levou-a a um banheiro particular, deixou-a bastante impressionada, a ponto da moça concordar em encontrá-lo no Monroe Arms.
O capitão Miller ficou pensativo.
- E melhor eu ligar para a Casa Branca. Pediram que os mantivéssemos informados sobre o caso. Não solte o garoto. Quero o nome do tal homem.
- Certo.
Enquanto o detetive Reese se retirava, o capitão Miller pegou o telefone e fez uma ligação. Poucos minutos depois, estava dizendo:
- Isso mesmo, senhor. Temos uma testemunha sob custódia. Está numa cela na delegacia da Indiana Avenue ... Não, senhor. Acho que o garoto vai nos dar o nome do homem amanhã... Sim, senhor. Eu compreendo.
A ligação foi cortada. O capitão Miller suspirou e voltou a se concentrar na pilha de papéis em sua mesa.
Às oito horas da manhã seguinte, quando o detetive Nick Reese foi à cela de Paul Yerby, deparou com o corpo do garoto pendurado de uma das barras mais altas.
MORTA DE 16 ANOS IDENTIFICADA COMO FILHA DA GOVERNADORA DO COLORADO. NAMORADO PRESO PELA POLíCIA SE ENFORCA. POLÍCIA CAÇA TESTEMUNHA MISTERIOSA.
Ele ficou olhando para as manchetes e sentiu uma súbita vertigem. Dezesseis anos. Ela parecia mais velha. De que ele era culpado? De assassinato? Talvez de homicídio culposo. E mais, de estupro, por se tratar de uma menor.
Contemplara-a a sair do banheiro da suíte usando apenas um sorriso. Nunca fiz isso antes.
E ele a abraçara e acariciara. Fico contente pela primeira vez ser comigo, meu bem. Antes, partilhara com ela um copo de ecstasy líquido. Beba isto. Fará com que se sinta bem. Fizeram amor e depois ela se queixara de não se sentir bem.
Levantara-se da cama, cambaleara e caíra, batera com a cabeça na mesa. Um acidente. Claro, a polícia não veria assim. Mas não há nada que possa me ligar a ela. Absolutamente nada.
Todo o episódio tinha um ar de irrealidade, um pesadelo que acontecera com outra pessoa. De certa forma, porém, ver tudo em letra de imprensa fazia com que se tornasse real.
Através das paredes da sala, ele podia ouvir o som do tráfego na Pennsylvania Avenue, além da Casa Branca, e voltou a ter consciência do ambiente. Uma reunião do gabinete começaria dentro de poucos minutos. Ele respirou fundo. Trate de se controlar.
No Salão Oval estavam reunidos o vice-presidente Melvin Wicks, Sime Lombardo e Peter Tager. Oliver entrou e foi se sentar atrás de sua mesa.
- Bom dia, senhores.
Houve cumprimentos gerais. Depois, Peter Tager disse:
- Já viu o Tribune, sr. presidente?
- Não.
- Identificaram a moça que morreu no Monroe Arms Hotel. Infelizmente, é uma péssima notícia.
Oliver ficou rígido em sua cadeira, numa reação inconsciente.
- É mesmo?
- O nome dela é Chloe Houston. A filha de Jackie Houston.
- Oh, Deus! - As palavras mal escaparam dos lábios do presidente.
Todos ficaram surpresos com a sua reação. Ele se recuperou no mesmo instante.
- Eu... conhecia Jackie Houston... há muito tempo. É uma notícia terrível. Muito terrível.
Sime Lombardo comentou:
- Embora o crime em Washington não seja responsabilidade nossa, o Tribune vai investir contra nós por causa disso.
- Há alguma coisa que possamos fazer para calar Leslie Stewart? - indagou Melvin Wicks.
Oliver pensou na noite apaixonada que passara com ela.
- Não - respondeu ele.
- A liberdade de imprensa, senhores.
Peter Tager virou-se para o presidente.
- Sobre a governadora ... ?
- Eu cuido disso. - Oliver apertou um botão do interfone. - Ligue-me com a governadora Houston, em Denver.
- Temos de iniciar algum controle de danos - propôs Peter Tager. - Providenciarei as estatísticas sobre a redução da criminalidade no país, as verbas que foram pedidas ao Congresso para os departamentos de polícia, et cetera. As palavras soaram vazias mesmo a seus próprios ouvidos.
- O momento não poderia ser pior - murmurou Melvin Wicks.
O interfone tocou. Oliver atendeu.
- Pois não? - Ele escutou por um momento, depois desligou.
- A governadora está a caminho de Washington.
Oliver olhou para Peter Tager.
- Descubra qual é o avião em que ela vem, Peter. Vá recebê-la no aeroporto e traga-a direto para cá.
- Certo. Há um editorial no Tribune. É bastante duro. Peter Tager estendeu para o presidente o jornal aberto na página do editorial. PRESIDENTE INCAPAZ DE CONTROLAR O CRIME NA CAPITAL.
- E continua daí - acrescentou Peter.
- Leslie Stewart é uma escrota - murmurou Sime Lombardo.
- Alguém deveria ter uma conversinha com ela.
Em sua sala no Washington Tribune, Matt Baker relia o editorial atacando o presidente por ser indulgente com o crime, quando Frank Lonergan entrou. Era um jornalista de quarenta e poucos anos, brilhante, vivido, que antes fora policial. Era um dos melhores repórteres investigadores do país.
- Foi você quem escreveu este editorial, Frank?
- Eu mesmo.
- Este parágrafo sobre o crime diminuindo em vinte e cinco por cento em Minnesota ainda me incomoda. Por que falou justamente sobre Minnesota?
- Foi uma sugestão da Princesa de Gelo - explicou Lonergan.
- Ficou ridículo - comentou Matt Baker, um tanto brusco.
- Falarei com ela.
Leslie Stewart falava ao telefone quando Matt Baker entrou em sua sala.
- Deixarei os detalhes para você, mas precisamos levantar tanto dinheiro para ele quanto pudermos. O senador Embry, de Minnesota, virá almoçar hoje aqui e me entregará uma lista de nomes. Obrigada.
Ela desligou e levantou os olhos.
- Olá, Matt.
Matt Baker aproximou-se da mesa.
- Quero conversar com você sobre este editorial.
- Ficou bom, não é?
- É horrível, Leslie. Não passa de propaganda. O presidente não é responsável pelo controle do crime em Washington. Temos um prefeito que deveria fazer isso, todo um departamento de polícia. E que besteira é essa sobre o crime cair mais de vinte e cinco por cento em Minnesota? De onde tirou essa estatística?
Leslie Stewart recostou-se na cadeira, muito calma.
- Matt, este é o meu jornal. Direi qualquer coisa que eu quiser. Oliver Russell é um péssimo presidente, e Gregory Embry daria um grande presidente. Vamos ajudá-lo a conquistar a Casa Branca. - Ela viu a expressão de Matt e abrandou.
- Ora, Matt, não fique assim. O Tribune estará do lado do vencedor. Embry será ótimo para nós. Está vindo para cá agora. Gostaria de almoçar conosco?
- Não. Não gosto das pessoas que comem com as mãos.
Ele virou-se e deixou a sala. No corredor, encontrou o senador Embry, um homem na casa dos cinqüenta anos, um político presunçoso.
- Ah, senador, meus parabéns.
O senador Embry ficou perplexo.
- Obrigado. Há... pelo quê?
- Por reduzir o crime em vinte e cinco por cento no seu Estado.
E Matt Baker se afastou, deixando o senador a fitá-lo com uma expressão desconcertada.
O almoço foi na sala de refeições de Leslie Stewart, mobiliada com antigüidades. Um chef trabalhava na cozinha, preparando o almoço, quando Leslie e o senador Embry entraram. O maitre adiantou-se para cumprimentá-los.
- O almoço será servido assim que desejar, srta. Stewart. Aceitam um drinque?
- Não para mim - respondeu Leslie.
- Senador?
- Não costumo beber durante o dia, mas quero um martíni.
Leslie Stewart sabia que o senador Embry bebia muito durante o dia. Tinha uma ficha completa sobre ele. Embry tinha uma esposa e cinco filhos, mas mantinha uma amante japonesa. Seu hobby era financiar em segredo um grupo paramilitar em seu estado natal. O que importava era o fato de Gregory Embry ser um homem que acreditava em deixar as grandes empresas em paz - e o Washington Tribune Enterprises era uma grande empresa.
Leslie tencionava fazer com que se tornasse ainda maior, e Embry haveria de ajudá-la quando se tornasse o presidente.
Sentaram-se à mesa. O senador Embry tomou um gole do seu martíni.
- Quero lhe agradecer pela campanha de levantamento de fundos, Leslie. Foi um gesto magnífico.
Ela sorriu, efusiva.
- O prazer foi meu. Farei tudo o que estiver ao meu alcance para ajudá-lo a derrotar Oliver Russel.
- Acho que tenho uma boa chance.
- Também acho. As pessoas começam a se cansar de Russell e seus escândalos. Meu palpite é de que ele será liquidado se houver mais algum escândalo daqui até a eleição.
O senador Embry estudou-a por um momento.
- Acha que haverá?
Leslie acenou com a cabeça e murmurou:
- Eu não ficaria surpresa.
O almoço foi delicioso.
O telefonema foi de Antonio Valdez, um assistente da médica-legista.
- Srta. Stewart, disse que queria que eu a mantivesse informada sobre o caso de Chloe Houston, não é mesmo?
- Disse, sim...
- A polícia nos pediu para manter sigilo, mas como tem sido uma grande amiga, pensei...
- Não se preocupe. Cuidarei bem de você. Fale-me sobre a autópsia.
- Pois não, madame. A causa da morte foi uma droga chamada ecstasy.
- O quê?!
- Ecstasy. Ela a tomou na forma líquida.
Tenho uma pequena surpresa para você. Quero que experimente... Isto é ecstasy líquido. Um amigo me deu... E a mulher encontrada no rio Kentucky morrera de uma overdose de ecstasy líquido. Leslie se manteve imóvel, o coração batendo forte. Há um Deus. Leslie mandou chamar Frank Lonergan.
- Quero que investigue a morte de Chloe Houston. Acho que o presidente está envolvido.
Frank Lonergan fitou-a com absoluta incredulidade.
- O presidente?
- Estão tentando encobrir os fatos. Não tenho a menor dúvida quanto a isso. Aquele garoto que prenderam... acho que o suicídio dele foi conveniente demais... investigue isso também. E quero que investigue os movimentos do presidente na tarde e noite da morte da moça. A investigação deve ser muito particular. Sigilosa. Só vai se reportar a mim.
Frank Lonergan respirou fundo.
- Sabe o que isso pode significar?
- Trate de começar. E mais uma coisa, Frank...
- O que é?
- Procure na Internet por uma droga chamada ecstasy. E procure por uma ligação com Oliver Russell.
Num setor médico da Internet, devotado aos perigos da droga, Lonergan descobriu a história de Miriam Friedland, a antiga secretária de Oliver Russell. Ela estava num hospital em Frankfort, Kentucky. Lonergan telefonou para perguntar sobre seu estado. Um médico informou:
- A srta. Friedland faleceu há dois dias. Nunca se recuperou do coma.
Frank Lonergan telefonou para o gabinete da governadora Houston.
- Sinto muito, mas a governadora Houston está a caminho de Washington - informou a secretária.
Dez minutos depois, Frank Lonergan seguia para o aeroporto nacional. Chegou atrasado.
Quando os passageiros desciam do avião, Lonergan avistou Peter Tager se encaminhar para uma loura atraente, na casa dos quarenta anos, e cumprimentá-la. Os dois conversaram por um momento, e depois Tager levou-a para uma limusine à espera.
Observando à distância, Lonergan pensou: Tenho de conversar com aquela mulher.
Ele voltou para a cidade, fazendo ligações pelo telefone do carro. Na terceira ligação, descobriu que a governadora Houston era esperada no Four Seasons Hotel.
Quando Jackie Houston foi introduzida na sala particular, ao lado do Salão Oval, encontrou Oliver Russell à espera. Ele pegou as mãos dela e murmurou:
- Lamento profundamente, Jackie. Não há palavras.
Quase dezessete anos haviam transcorrido desde que ele a vira pela última vez. Tinham se conhecido numa convenção de advogados em Chicago. Ela acabara de sair da faculdade. Era jovem, atraente e ansiosa, os dois tiveram uma ligação breve e ardente. Há dezessete anos. E Chloe tinha dezesseis anos.
Oliver não ousou fazer a Jackie a pergunta que havia em sua mente. Não quero saber. Olharam um para o outro em silêncio e, por um momento, Oliver pensou que ela falaria do passado. Desviou os olhos. Mas Jackie Houston disse:
- A polícia acha que Paul Yerby teve alguma coisa a ver com a morte de Chloe.
- Isso mesmo.
- Não teve.
- Não?
- Paul era apaixonado por Chloe. Nunca lhe faria qualquer mal.
A voz de Jackie tremia.
- Eles... eles iam casar um dia.
- Segundo minhas informações, Jackie, encontraram as impressões digitais do rapaz no quarto de hotel em que ela foi morta.
- Os jornais disseram que aconteceu... na Suíte Imperial do Monroe Arms - murmurou Jackie Houston.
- É verdade.
- Oliver, Chloe recebia uma pequena mesada. O pai de Paul era um escriturário aposentado. De onde Chloe tirou o dinheiro para a Suíte Imperial?
- Eu... eu não sei.
- Alguém precisa descobrir. Não irei embora até saber quem é o responsável pela morte de minha filha. - Ela franziu
o rosto.
- Chloe tinha uma visita a você marcada para aquela tarde. Chegou a vê-la?
- Não... mas bem que gostaria. Infelizmente, surgiu uma emergência e... - houve uma breve hesitação. -...tive de cancelar o encontro.
Num apartamento no outro lado da cidade, deitados na cama, os corpos nus comprimidos, ele pôde sentir a tensão na mulher.
- Você está bem, Joann?
- Estou, sim, Alex.
- Parece longe daqui, meu bem. Em que pensa?
- Nada - respondeu Joann McGrath.
- Nada?
- Para dizer a verdade, eu pensava naquela pobre moça que foi assassinada no hotel.
- Li as notícias. Ela era filha de alguma governadora.
- Isso mesmo.
- A polícia já sabe com quem ela estava?
- Não. Estiveram no hotel, interrogando todo mundo.
- Você também?
- Eu também. Mas só pude falar sobre o telefonema.
- Que telefonema?
- O que alguém na suíte deu para a Casa Branca.
Ele ficou subitamente imóvel. Depois de um instante, comentou em tom casual:
- Isso não significa nada. Todo mundo gosta de ligar para a Casa Branca. Faça isso de novo, meu bem. Tem mais mel para passar?
Frank Lonergan acabara de voltar à sua sala do aeroporto quando o telefone tocou.
- Lonergan.
- Olá, sr. Lonergan. Aqui é Garganta Rasa. - Alex Cooper, um parasita insignificante, que se fantasiava como um informante da categoria de Watergate.
Era sua idéia de uma piada.
- Ainda paga por dicas quentes?
- Depende da temperatura.
- Esta vai queimar seu rabo. Quero cinco mil dólares.
- Adeus.
- Espere um pouco. Não desligue. É sobre a garota que foi assassinada no Monroe Arms.
Frank Lonergan ficou interessado no mesmo instante.
- O que tem sobre ela?
- Podemos nos encontrar em algum lugar?
- Eu o verei no Ricco's dentro de meia hora.
Às duas horas da tarde, Frank Lonergan e Alex Cooper estavam sentados num reservado no Ricco's. Alex Cooper era magro e insidioso, e Lonergan detestava fazer negócios com ele. Não sabia de onde Cooper obtinha suas informações, mas ele já fora
muito útil no passado.
- Espero que não esteja desperdiçando meu tempo, comentou Lonergan.
- Não creio que seja um desperdício de tempo. O que pensaria se eu lhe dissesse que há uma ligação entre a Casa Branca e a moça assassinada?
Havia um sorriso presunçoso na cara de Cooper. Frank Lonergan conseguiu encobrir sua empolgação.
- Continue.
- Cinco mil dólares?
- Mil.
- Dois mil.
- Negócio fechado. Conte tudo.
- Minha garota é telefonista no Monroe Arms.
- Como ela se chama?
- Joann McGrath.
Lonergan escreveu uma anotação.
- E daí?
- Alguém na Suíte Imperial fez uma ligação para a Casa Branca durante o tempo em que a garota estava lá.
Acho que o presidente está envolvido, dissera Leslie Stewart.
- Tem certeza?
- Absoluta.
- Vou verificar. Se for verdade, você receberá seu dinheiro. Mencionou isto para mais alguém?
- Não.
- Melhor assim. Não conte a ninguém. - Lonergan levantou-se. - Ficaremos em contato.
- Há mais uma coisa - murmurou Cooper.
Lonergan parou.
- O que é?
- Tem de me manter fora disso. Não quero que Joann saiba que falei com alguém.
- Não tem problema.
E Alex Cooper ficou sozinho, pensando na maneira como gastaria os dois mil dólares sem que Joann soubesse o que fizera.
A mesa telefônica do Monroe Arins ficava num cubículo por trás da recepção. Quando Lonergan entrou, segurando uma prancheta, Joann McGrath estava de serviço e dizia ao bocal:
- Estou ligando para você.
Ela completou a ligação e olhou para Lonergan.
- O que deseja?
- Companhia Telefônica. - Lonergan mostrou uma identificação rapidamente. - Temos um problema aqui. JoAnn McGrath estava surpresa.
- Que tipo de problema?
- Alguém protestou contra a cobrança de ligações que não fez. - Ele fingiu consultar a prancheta. - Dia 15 de outubro. Foi cobrada uma ligação para a Alemanha, e a pessoa alega que não conhece ninguém na Alemanha. Está furiosa.
- Pois não sei de nada a respeito! - protestou Joann, indignada. - Nem me lembro de ter feito qualquer ligação para a Alemanha no mês passado.
- Tem o registro do dia 15?
- Claro.
- Eu gostaria de vê-lo.
- Está bem.
Ela tirou uma pasta de debaixo de uma pilha de papéis e entregou-a. A mesa telefônica zumbia. Enquanto Joann atendia as ligações, Lonergan examinou a pasta. Dia 12 de outubro... 13... 14... 16...
A página do dia 15 estava faltando.
Frank Lonergan esperava no saguão do Four Seasons quando Jackie Houston voltou da Casa Branca.
- Governadora Houston?
Ela virou-se.
- Pois não?
- Frank Lonergan. Trabalho no Washington Tribune. Quero lhe dizer o quanto todos nós lamentamos, governadora.
- Obrigada.
- Será que poderíamos conversar por um minuto?
- Não estou em condições de...
- Talvez eu possa ajudar. - Ele acenou com a cabeça para uma sala ao lado do saguão.
- Não podemos sentar ali por um momento?
Ela respirou fundo.
- Está bem.
Foram para a sala e sentaram.
- Soube que sua filha visitou a Casa Branca no dia em que...
Lonergan não foi capaz de concluir a frase.
- Isso mesmo. Ela... ela fazia uma excursão com colegas da escola. Estava muito empolgada com a perspectiva de conhecer o presidente.
Lonergan manteve a voz casual:
- Ela ia se encontrar com o presidente Russell?
- Ia, sim. Eu arrumei. Somos velhos amigos.
- E ela esteve com o presidente, governadora Houston?
- Não. Ele não pôde recebê-la. - A voz saía abafada. Há uma coisa de que tenho certeza.
- Qual é?
- Paul Yerby não a matou. Estavam apaixonados um pelo outro.
- Mas a polícia disse..
- Não me interessa o que disseram. Prenderam um rapaz inocente, e ele... ele ficou tão transtornado que se enforcou. É terrível.
Frank Lonergan estudou-a por um instante.
- Se Paul Yerby não matou sua filha, tem alguma idéia de quem seria o culpado? Isto é, ela fez algum comentário sobre encontrar alguém em Washington?
- Não. Ela não conhecia ninguém aqui. Estava ansiosa em... em... - os olhos brilhavam com lágrimas.
- Sinto muito, mas terá de me dar licença.
- Claro. Obrigado por seu tempo, governadora Houston.
A próxima parada de Lonergan foi no necrotério. Helen Chuan saía da sala de autópsia.
- Olhem só quem está aqui!
- Oi, doutora.
- O que o traz aqui, Frank?
- Eu queria conversar sobre Paul Yerby.
Helen Chuan suspirou.
- É uma pena. Aqueles garotos eram tão jovens...
- Por que um garoto como ele cometeria suicídio?
Helen Chuan deu de ombros.
- Quem sabe?
- Tem certeza de que ele cometeu suicídio?
- Se ele não cometeu, fez uma grande imitação. Tinha o cinto em torno do pescoço tão apertado que tiveram de cortá-lo para baixar o corpo.
- Não havia outras marcas ou qualquer coisa no corpo que pudessem sugerir uma armação?
Ela fitou-o com uma expressão curiosa.
- Não.
Lonergan acenou com a cabeça.
- Obrigado. Não vai querer manter seu paciente à espera.
- Engraçadinho...
Havia uma cabine telefônica no corredor externo. Lonergan obteve com a telefonista de informações de Denver o número da casa dos pais de Paul. A sra. Yerby atendeu. A voz soava cansada.
- Alô?
- Sra. Yerby?
- Sou eu.
- Lamento incomodá-la. Aqui é Frank Lonergan, do Washington tribune. Eu queria...
- Não posso...
Um momento depois, o sr. Yerby entrou na linha.
- Sinto muito, mas minha esposa está... Os jornais têm nos incomodado durante toda a manhã. Não queremos...
- Só vai levar um minuto, sr. Yerby. Há algumas pessoas em Washington que não acreditam que seu filho tenha matado Chloe
Houston.
- Mas é claro que ele não matou! - A voz tornou-se subitamente mais forte. - Paul nunca poderia... nunca fez nada assim.
- Paul tinha amigos em Washington, sr. Yerby?
- Não. Ele não conhecia ninguém aí.
- Entendo. Bom, se houver alguma coisa que eu possa fazer..
- Há uma coisa que pode fazer por nós, sr. Lonergan. Já acertamos para que o corpo de Paul seja enviado para cá, mas não sei como recolher seus pertences. Gostaríamos de ficar com qualquer coisa que ele... Se pudesse me indicar com quem falar..
- Posso cuidar disso para vocês.
- Ficaríamos muito agradecidos.
Na seção de Homicídios, o sargento de plantão abriu uma caixa
contendo os pertences pessoais de Paul Yerby.
- Não há muita coisa - disse ele.
- Apenas as roupas do garoto e uma câmera.
Lonergan enfiou a mão na caixa e tirou um cinto de couro preto. Não estava cortado.
Quando Frank Lonergan entrou na sala da secretária da agenda do presidente Russell, Deborah Kanner, ela se aprontava para sair para o almoço.
- Em que posso ajudá-lo, Frank?
- Tenho um problema, Deborah.
- E isso é novidade?
Frank Lonergan fingiu consultar algumas anotações.
- Tenho informações de que no dia 15 de outubro o presidente teve uma reunião secreta aqui com um emissário da China para conversar sobre o Tibete.
- Não sei de nenhuma reunião assim.
- Poderia verificar para mim?
- Qual foi mesmo a data que você disse?
- Dia 15 de outubro.
Lonergan observou enquanto Deborah tirava uma agenda da gaveta e verificava.
- Dia 15 de outubro? A que horas teria sido essa reunião?
- Dez horas da noite, aqui no Salão Oval.
Ela sacudiu a cabeça.
- Não. Às dez horas daquela noite o presidente estava numa reunião com o general Whitman.
Lonergan franziu o rosto.
- Não foi o que me contaram. Eu poderia dar uma olhada nessa agenda?
- Sinto muito, mas é confidencial, Frank.
- Talvez eu tenha recebido uma informação errada. Obrigado, Deborah.
Ele se retirou.
Trinta minutos depois, Frank Lonergan estava conversando com o general Steve Whitman.
- General, o Tribune gostaria de dar alguma cobertura à reunião que teve no dia 15 de outubro com o presidente. Soube que algumas questões importantes foram discutidas.
O general sacudiu a cabeça.
- Não sei onde obteve essa informação, sr. Lonergan. A reunião foi cancelada. O presidente tinha outro compromisso.
- Tem certeza?
- Tenho, sim. Vamos marcar outra data.
- Obrigado, general.
Frank Lonergan voltou à Casa Branca. Foi de novo à sala de Deborah Kanner.
- O que é desta vez, Frank?
- A mesma coisa - disse Lonergan, pesaroso.
- Meu informante jura que às dez horas da noite de 15 de outubro o presidente se encontrava aqui, reunido com um emissário da China, para discutir o Tibete.
Ela fitou-o com alguma exasperação.
- Quantas vezes tenho que lhe dizer que não houve essa reunião?
Lonergan suspirou.
- Para ser franco, não sei mais o que fazer. Meu chefe quer publicar essa notícia. É sensacional. Acho que teremos de publicá-la sem confirmação.
Ele se encaminhou para a porta.
- Espere um instante!
Lonergan virou-se.
- O que é?
- Não podem publicar essa história. Não é verdadeira.
O presidente ficará furioso.
- Não me cabe a decisão.
Deborah hesitou.
- Se eu puder provar que ele estava reunido com o general Whitman, você vai esquecer essa história?
- Claro. Não quero causar nenhum problema.
Lonergan observou Deborah pegar a agenda de novo e folhear as páginas.
- Aqui está uma lista dos compromissos do presidente para essa data. Dê uma olhada. Dia 15 de outubro. - Havia duas paginas de registros. Deborah apontou para a anotação às dez horas da noite. - Veja aqui, preto no branco.
- Tem razão.
Lonergan se ocupava a esquadrinhar o resto da agenda naquele dia. E focalizou um registro às três horas da tarde. Chloe Houston.
A reunião convocada às pressas, no Salão Oval, durava apenas uns poucos minutos e a situação já era tensa de tanta divergência. O secretário da Defesa declarou:
- Se protelarmos por mais tempo, o problema escapará por completo ao controle. Será tarde demais para impedir.
- Não podemos nos precipitar. - O general Stephen Gossard virou-se para o diretor da CIA.
- Qual é a precisão das informações?
- É difícil determinar. Temos certeza de que a Líbia está comprando uma ampla variedade de armas do Irã e da China.
Oliver olhou para o secretário de Estado.
- A Líbia nega?
- Claro. E a China e o Irã também.
- E os outros Estados árabes? - indagou Oliver.
Foi o diretor da CIA quem respondeu.
- Pelas informações que tenho, senhor presidente, se for lançado um ataque mais sério contra Israel, creio que será a desculpa pela qual todos os outros Estados árabes aguardam. Vão se juntar para exterminar Israel.
Todos fitaram Oliver, em expectativa.
Você tem fontes confiáveis na Líbia? - perguntou ele.
- Tenho, sim.
- Quero dados mais atualizados. Mantenha-me informado. Se houver sinais de um ataque, não teremos opção que não entrar em ação.
A reunião foi suspensa. A secretária avisou pelo interfone:
- O sr. Tager gostaria de lhe falar, senhor presidente.
- Mande-o entrar.
- Como foi a reunião? - perguntou Peter Tager.
- Ora, foi a mesma coisa de sempre - respondeu Oliver, amargurado. - Se vou querer iniciar uma guerra agora ou mais tarde.
Tager murmurou, compreensivo:
- São os atributos do cargo.
- É verdade.
- Surgiu algo interessante.
- Sente-se.
Peter Tager sentou-se.
- O que sabe sobre os Emirados Árabes Unidos?
- Não muita coisa - respondeu Oliver. Cinco ou seis Estados árabes se juntaram há cerca de vinte anos e formaram uma coalizão.
- Sete. Uniram-se em 1971. Abu Dhabi, Fujaira, Dubai, Sharjah, Ras al-IKhaimah, Umm al-Qaiwan e Ajman. Quando começaram, não eram muito fortes, mas os Emirados foram extraordinariamente bem administrados. Hoje têm um dos mais altos padrões de vida do mundo. O produto interno bruto no ano passado foi superior a trinta e nove bilhões de dólares.
Oliver disse, impaciente:
- Posso presumir que há um sentido nessa conversa, Peter?
- Claro que pode. O chefe do conselho dos Emirados Árabes Unidos quer uma reunião com você.
- Está bem. Chamarei o secretário da Defesa...
- Hoje. Em particular.
- Fala sério? Eu não poderia...
- Oliver, o Majlis, o conselho deles, é uma das mais importantes influências árabes no mundo. Conta com o respeito de todas as outras nações árabes. Pode ser uma valiosa abertura. Sei que é heterodoxo, mas acho que deve se encontrar com eles.
- O Departamento de Estado teria um ataque se eu...
- Tomarei todas as providências necessárias.
Houve um longo silêncio.
- Onde eles querem se encontrar comigo?
- Eles têm um iate ancorado na baía de Chesapeake, perto de Annapolis. Posso levá-lo até lá com a devida discrição.
Oliver permaneceu calado por algum tempo. Depois, inclinou-se para a frente e apertou o botão do interfone.
- Cancele todos os meus compromissos para esta tarde.
O iate, um Feadship de 212 pés, estava atracado no cais. Estavam à sua espera. Todos os tripulantes eram árabes.
- Seja bem-vindo, senhor presidente. - Era Ali alFulani, o secretário de um dos Emirados Árabes Unidos. Suba, por favor.
Oliver embarcou e Ali al-Fulani fez sinal para um dos homens. O iate se afastou do cais poucos momentos depois.
- Vamos descer?
- Certo.
Onde posso ser assassinado ou seqüestrado. É a coisa mais estúpida que já fiz, refletiu Oliver. Talvez tenham me trazido até aqui para poderem desfechar o ataque contra Israel, deixando-me impossibilitado de ordenar a retaliação. Por que deixei Tager me persuadir a entrar nesta aventura?
Oliver seguiu Ali al-Fulani para o suntuoso salão principal, ornamentado ao estilo do Oriente Médio. Havia quatro árabes musculosos montando guarda no salão. Um homem de aparência imponente, sentado num sofá, levantou-se quando Oliver entrou.
Ali al-Fulani apresentou-o:
- Sr. presidente, sua majestade o rei Hamad de Ajman.
Os dois homens trocaram um aperto de mãos.
- E um prazer, majestade.
- Obrigado por ter vindo, sr. presidente. Aceita um chá?
- Não, obrigado.
- Creio que chegará à conclusão de que esta visita valeu a pena. - O rei Hamad pôs-se a andar de um lado para outro.
- Sr. presidente, ao longo dos séculos, tem sido difícil, se não mesmo impossível, transpor os problemas que nos dividem...
filosóficos, lingüísticos, religiosos, culturais. São esses os motivos pelos quais têm ocorrido tantas guerras em nossa parte do mundo. Se os judeus confiscam a terra de palestinos, ninguém em Omaha ou Kansas é afetado. Suas vidas continuam como sempre. Se uma sinagoga em Jerusalém sofre um atentado a bomba, os italianos em Roma e Veneza não dão a menor atenção.
Oliver se perguntou aonde aquela conversa levaria. Era o aviso de uma guerra iminente?
- Só há uma parte do mundo que sofre com todas as guerras e o derramamento de sangue no Oriente Médio. E essa parte é o Oriente Médio. - Ele sentou-se diante de Oliver.
- É tempo de pormos um paradeiro a esta loucura.
Vai começar, pensou Oliver.
- Os chefes dos Estados árabes e o Majlis me autorizaram a lhe apresentar uma proposta.
- Que tipo de proposta?
- Uma proposta de paz.
Oliver piscou, aturdido.
- Paz?
- Queremos fazer a paz com seu aliado, o Estado de Israel. Seus embargos contra o Irã e outros países árabes têm nos custado incontáveis bilhões de dólares. Queremos acabar com isso. Se os Estados Unidos atuarem como o patrocinador, os países árabes, inclusive Irã, Líbia e Síria, concordarão em sentar-se a uma mesa de reunião e negociar um tratado de paz permanente com Israel.
Oliver estava espantado. Quando recuperou a voz, disse:
- Estão fazendo isso porque...
- Eu lhe asseguro que não é por amor aos israelenses ou aos americanos. É do nosso próprio interesse. Muitos de nossos filhos foram mortos nesta loucura. Queremos que isso acabe. Já foi longe demais. Queremos ter liberdade para vender nosso petróleo ao mundo inteiro outra vez. Estamos dispostos a ir à guerra, se necessário, mas preferimos a paz.
Oliver respirou fundo.
- Acho que gostaria de tomar um chá.
- Eu gostaria que você tivesse participado - disse Oliver a Peter Tager.
- Foi incrível. Eles estão prontos para entrar em guerra, mas não querem. São pragmáticos. Querem vender seu petróleo ao mundo inteiro, e por isso querem a paz.
- É fantástico! - exclamou Tager, entusiasmado. Quando isso for divulgado, você se tornará um herói.
- E posso cuidar de tudo sozinho - comentou Oliver.
- Não preciso pedir a aprovação do Congresso. Terei uma conversa com o primeiro-ministro de Israel. Nós o ajudaremos a fechar um acordo com os países árabes. - Ele fez uma pausa, fitou Tager e acrescentou, pesaroso:
- Por alguns minutos ali, pensei que seria seqüestrado.
- Não havia a menor possibilidade - garantiu Tager.
- Pus um barco e um helicóptero para segui-lo.
- O senador Davis está aqui e deseja vê-lo, sr. presidente. Ele não tem hora marcada, mas diz que é urgente.
- Suspenda minha reunião seguinte e mande o senador entrar.
A porta se abriu e Todd Davis entrou no Salão Oval.
- É uma surpresa e tanto, Todd. Está tudo bem?
O senador Davis sentou-se.
- Está, sim, Oliver. Apenas achei que você e eu deveríamos ter uma conversinha.
Oliver sorriu.
- Eu tinha uma agenda lotada hoje, mas para você...
- Só vai demorar uns poucos minutos. Encontrei com Peter Tager. Ele me falou sobre a reunião com os árabes. Oliver tornou a sorrir.
- Não é maravilhoso? Parece que finalmente teremos paz no Oriente Médio. - Ele bateu com o punho na mesa.
- Depois de tantos anos! Vai ser por isso que minha administração será lembrada, Todd.
O senador Davis perguntou com uma voz suave:
- Pensou bem a respeito, Oliver?
Oliver franziu o rosto.
- Como assim?
- Paz é uma palavra simples, mas tem muitas ramificações. A paz não traz nenhum benefício financeiro. Quando há uma guerra, os países compram bilhões de dólares em armamentos, que são produzidos aqui nos Estados Unidos. Em tempos de paz, não há necessidade de comprar nada. Como o Irã não pode vender seu petróleo, os preços estão altos, e os Estados Unidos se beneficiam disso.
Oliver escutava com uma expressão de incredulidade.
- Todd... esta é a oportunidade única na vida!
- Não seja ingênuo, Oliver. Se realmente quiséssemos promover a paz entre Israel e os países árabes, já o teríamos feito há muito tempo. Israel é um país mínimo.
Qualquer um dos últimos presidentes poderia ter obrigado Israel a fazer um acordo com os árabes, mas todos preferiram manter as coisas como estavam. Não me entenda mal. Os judeus são ótimas pessoas. Trabalho com alguns deles no Senado.
- Não acredito que você possa...
- Acredite no que quiser, Oliver. Um tratado de paz agora não atenderia ao melhor interesse de nosso país. Não quero que leve isso adiante.
- Tenho de levar.
- Não me diga o que você tem de fazer, Oliver. - O senador Davis inclinou-se para a frente.
- Eu lhe direi o que tem de fazer. Não esqueça de quem o pôs nessa cadeira.
- Todd, você pode não me respeitar, mas tem de respeitar este cargo - declarou Oliver, muito calmo.
- Independente de quem me pôs aqui, sou o presidente.
O senador Davis levantou-se.
- O presidente? Você não passa de uma porra de um boneco, Oliver! O meu fantoche! Recebe ordens, não as dá. Oliver fitou-o em silêncio por um longo momento.
- Quantos campos de petróleo você e seus amigos possuem, Todd?
- Isso não é da porra da sua conta. Se insistir nessa loucura, estará liquidado. Está me entendendo? Eu lhe dou vinte e quatro horas para recuperar o bom senso!
Ao jantar, naquela noite, Jan disse:
- Papai me pediu para conversar com você, Oliver. Ele está muito transtornado.
Ele olhou para a esposa através da mesa e pensou: Terei de brigar com você também.
- Ele me contou o que está acontecendo.
- É mesmo?
- É, sim. - Jan inclinou-se através da mesa.
- E acho maravilhoso o que você vai fazer.
Oliver demorou um pouco para absorver.
- Mas seu pai é contra.
- Sei disso. E ele está errado. Se eles querem promover a paz... você tem de ajudar.
Oliver estudou Jan. Pensou no quanto ela se saíra bem como primeira-dama. Envolvera-se em importantes obras de caridade e era defensora de meia dúzia de grandes causas. Era linda, inteligente e interessada... e foi como se Oliver a visse pela primeira vez. Por que fico dando voltas por aí?, pensou ele. Tenho tudo que preciso aqui mesmo.
- Terá uma longa reunião esta noite?
- Não - respondeu Oliver, falando bem devagar.
- Vou cancelá-la. Ficarei em casa.
Naquela noite, Oliver fez amor com Jan pela primeira vez em semanas e foi maravilhoso. E pela manhã ele pensou: Pedirei a Peter para devolver o apartamento.
O bilhete estava em sua mesa na manhã seguinte.
Quero que saiba que sou um grande fã seu, e não faria coisa alguma para prejudicá-lo. Eu estava na garagem do Monroe Arnis no dia 15, e fiquei muito surpreso ao vê-lo ali. No dia seguinte, quando li sobre o assassinato da garota, compreendi por que voltou para limpar suas impressões digitais dos botões do elevador. Tenho certeza de que todos os jornais estariam interessados em minha história e me pagariam um bocado de dinheiro. Mas, como disse, sou seu fã. Não ia querer fazer coisa alguma que pudesse prejudicá-lo. Mas bem que preciso de alguma ajuda financeira e, se estiver interessado, isso ficará apenas entre nós dois. Entrarei em contato daqui a alguns dias, dando tempo para que pense a respeito.
Sinceramente,
Um amigo.
Essa não! - murmurou Sime Lombardo.
- Isso é incrível! Como foi entregue?
- Veio pelo correio - informou Peter Tager.
- Endereçado ao presidente, "pessoal".
- Pode ser apenas algum maluco que está tentando...
Não podemos correr nenhum risco, Sime. Não acredito por um minuto sequer que seja verdade, mas se um único sussurro dessa história transpirar, destruiria o presidente. Temos de protegê-lo.
- E como faremos isso?
- Para começar, precisamos descobrir quem mandou esta carta.
Peter Tager estava na sede do FBI, na esquina da rua 10 com a Pennsylvania Avenue, conversando com o agente especial Clay Jacobs.
- Disse que era urgente, Peter?
- Disse.
Peter Tager abriu sua pasta e tirou uma única folha de papel. Clay Jacobs pegou e leu em voz alta:
- "Quero que saiba que sou um grande fã seu, Entrarei em contato daqui a alguns dias, dando tempo para que pense a respeito."
Todo o resto entre essas duas frases fora apagado. Jacobs levantou os olhos.
- O que é isto?
- Envolve a mais alta segurança - disse Peter Tager.
- O presidente me pediu que tentasse descobrir quem mandou. Pede que vocês verifiquem as impressões digitais.
Clay Jacobs tornou a estudar o papel, franzindo o rosto.
- Isso é bastante estranho, Peter.
- Por quê?
- A impressão é de que há alguma coisa errada.
- O presidente pede apenas que lhe dêem o nome da pessoa que escreveu.
- Presumindo que tenha deixado suas impressões digitais no papel.
Peter Tager acenou com a cabeça.
- Isso mesmo.
- Espere aqui.
Jacobs levantou-se e deixou a sala. Peter Tager olhou pela janela, pensando na carta e nas possíveis conseqüências. Clay Jacobs voltou exatamente sete minutos depois.
- Você está com sorte.
O coração de Peter Tager disparou.
- Descobriram alguma coisa?
- Descobrimos. - Jacobs entregou a Tager um pedaço de papel. - O homem que você procura esteve envolvido num acidente de trânsito há cerca de um ano. Seu nome é Carl Gorman. Trabalha no Monroe Arms. - Ele estudou Tager por um momento, antes de acrescentar:
- Há mais alguma coisa que gostaria de me dizer a respeito, Peter?
- Não - respondeu Peter Tager, com toda sinceridade - Não há.
- Frank Lonergan está na linha três, srta. Stewart. Ele diz que é urgente.
- Vou atender. - Leslie pegou o fone e apertou um botão.
- Frank?
- Está sozinha?
- Estou.
Ela ouviu-o respirar fundo.
- Muito bem, aqui vamos nós.
E Lonergan falou sem interrupção pelos dez minutos seguintes.
Leslie Stewart entrou apressada na sala de Matt Baker.
- Precisamos conversar, Matt. - Ela sentou-se na frente da mesa.
- E se eu lhe dissesse que Oliver Russell está envolvido no assassinato de Chloe Houston?
- Para começar, eu diria que é paranóica e passou dos limites.
- Frank Lonergan acaba de me telefonar. Ele conversou com a governadora Houston, que não acredita que Paul Yerby tenha matado sua filha. E falou com os pais de Paul Yerby. Eles também não acreditam.
- Eu não esperaria que eles acreditassem - comentou Matt Baker.
- Se é apenas isso...
- Isso é apenas o começo. Frank foi ao necrotério e falou com a médica-legista. Ela informou que o cinto do garoto estava tão apertado que tiveram de cortá-lo de seu pescoço.
Matt Baker escutava com a maior atenção agora.
- E ... ?
- Frank foi pegar os pertences de Yerby. O cinto estava lá. Intacto.
Matt Baker respirou fundo.
- Está me dizendo que ele foi assassinado na cadeia e houve um acobertamento?
- Não estou dizendo nada, apenas relato os fatos. Oliver Russell tentou me fazer usar ecstasy uma ocasião. Quando ele era candidato a governador, uma mulher que era secretária no legislativo estadual morreu de uma overdose de ecstasy. Quando
ele era governador, sua secretária foi encontrada num parque em coma induzido por ecstasy. Lonergan descobriu que Oliver telefonou para o hospital e sugeriu que desligassem os aparelhos de sustentação da vida. - Leslie fez uma pausa, inclinou-se para a frente.
- Houve um telefonema da Suíte Imperial para a Casa Branca na
noite em que Chloe Houston foi assassinada. Frank verificou os registros telefônicos do hotel. A página referente ao dia 15 fora arrancada. A secretária de agenda do presidente informou a Lonergan que Oliver teve uma reunião com o general Whitman naquela noite. Não houve essa reunião. Frank falou com a governadora Houston e ela disse que Chloe visitara a Casa Branca e que combinara um encontro de sua filha com o presidente.
Houve um silêncio prolongado.
- Onde Frank Lonergan está agora? - perguntou Matt Baker.
- Procurando Carl Gorman, o recepcionista do hotel que fez a reserva da Suíte Imperial.
- Sinto muito, mas não damos informações pessoais sobre os nossos empregados - disse Jeremy Robinson.
Frank Lonergan insistiu:
- Só estou pedindo o endereço de sua casa para poder...
- Não adiantaria. O sr. Gorman viajou em férias.
Lonergan suspirou.
- É uma pena. Eu esperava que ele pudesse preencher os espaços em branco.
- Espaços em branco?
- Isso mesmo. Vamos publicar uma grande reportagem sobre a morte da filha da governadora Houston em seu hotel. Bom, terei de completar a matéria sem Gorman.
- Ele pegou um bloco e uma caneta.
- Há quanto tempo este hotel existe? Quero saber de tudo sobre sua história, sua clientela...
Jeremy Robinson franziu o rosto.
- Espere um pouco. Tenho certeza que isso não é necessário. Afinal, ela poderia ter morrido em qualquer lugar. Frank Lonergan balançou a cabeça, com uma expressão compadecida.
- Sei disso, mas foi aqui que aconteceu. Seu hotel vai se tornar tão famoso quanto Watergate.
- Sr.?
- Lonergan.
- Sr. Lonergan, eu agradeceria se pudesse... isto é, uma publicidade assim é sempre prejudicial. Não há nenhuma possibilidade ... ?
Lonergan se mostrou pensativo por um momento.
- Se eu pudesse conversar com o sr. Gorman, talvez encontrasse um ângulo diferente.
- Eu ficaria muito agradecido por isso. Vou lhe dar o endereço dele.
Frank Lonergan começava a ficar nervoso. À medida que a seqüência de acontecimentos ia se definindo, tomava-se evidente que ocorrera uma conspiração para assassinato e uma operação de encobrimento no mais alto nível. Antes de procurar o recepcionista do hotel, ele decidiu passar por seu apartamento. Sua esposa, Rita, estava na cozinha, preparando o jantar. Era uma ruiva pequena, com olhos verdes faiscantes e uma pele muito clara. Virou-se, surpresa, quando o marido entrou.
- O que veio fazer em casa no meio do dia, Frank?
- Apenas pensei em passar por aqui e dar um olá.
Ela fitou-o nos olhos.
- Não é só isso. Há mais alguma coisa acontecendo. O que é?
Lonergan hesitou.
- Há quanto tempo não visita sua mãe?
- Estive com ela na semana passada. Por quê?
- Por que não a visita de novo, meu bem?
- Há alguma coisa errada?
Ele sorriu.
- Errada? - Lonergan foi até a comija da lareira. É melhor começar a tirar a poeira. Vamos pôr um Prêmio Pulitzer aqui e um Prêmio Peabody ali.
- Do que está falando?
- Estou investigando um caso que vai abalar uma porção de gente... e nos mais altos níveis. É a reportagem mais emocionante que já fiz.
- Por que quer que eu visite minha mãe?
Lonergan deu de ombros.
- Há uma chance mínima de que o caso se torne um pouco perigoso. Algumas pessoas tentam ocultar os fatos. Eu me sentiria melhor se você passasse alguns dias fora de casa, até que tudo fique esclarecido.
- Mas se você corre perigo...
- Não, não corro nenhum perigo.
- Tem certeza de que nada vai acontecer com você?
- Absoluta. Arrume algumas roupas e saia logo daqui. Telefonarei para você esta noite.
- Está bem - murmurou Rita, relutante.
Lonergan olhou para seu relógio.
- Eu a levarei à estação ferroviária.
Uma hora depois, Lonergan parou diante de uma modesta casa de alvenaria na área de Wheaton. Saiu do carro, foi até a porta da frente e tocou a campainha.
Ninguém veio atender. Ele tocou de novo e esperou. A porta foi aberta abruptamente e uma mulher corpulenta, de meia-idade, fitou-o com expressão desconfiada.
- O que você quer?
- Sou da Receita Federal. - Lonergan mostrou uma identificação, sem dar tempo para a mulher verificar.
- Quero falar com Carl Gorman.
- Meu irmão não está.
- Sabe onde posso encontrá-lo?
- Não.
Depressa demais. Lonergan balançou a cabeça.
- É uma pena. Muito bem, pode começar a empacotar as coisas dele. Pedirei ao departamento para mandar o caminhão. - Lonergan virou-se, começou a voltar para seu carro.
- Ei, espere um minuto! Que caminhão? Do que está falando?
Lonergan parou, tornou a se virar para a mulher.
- Seu irmão não lhe contou?
- Contou o quê?
Lonergan se aproximou alguns passos.
- Ele está numa encrenca.
A mulher fitou-o com uma expressão ansiosa.
- Que tipo de encrenca?
- Lamento, mas não estou autorizado a falar a respeito. - Lonergan balançou a cabeça.
- E ele parece uma boa pessoa.
- E é mesmo! - exclamou a mulher, com veemência.
- Carl é uma pessoa maravilhosa!
Lonergan acenou com a cabeça.
- Foi essa a impressão que tive quando o interrogamos no departamento.
O pânico da irmã era evidente.
- Interrogaram sobre o quê?
- Fraude no imposto de renda. É uma pena. Eu queria dizer a ele que há uma contradição nas normas que poderia ajudá-lo, mas... - Lonergan tornou a se virar para ir embora.
- Espere! Ele... Carl foi para um hotel de pesca. Eu não deveria contar a ninguém onde fica.
Ele deu de ombros.
- Por mim, tudo bem.
- Não... mas este caso é diferente. É o Sunshine Fishing Lodge, no lago em Richmond, Virgfnia.
- Está certo. Entrarei em contato com ele.
- Seria maravilhoso. Tem certeza de que não vai acontecer nada com Carl?
- Absoluta. Providenciarei para que ele seja bem cuidado.
Lonergan pegou a 1-95, rumo ao sul, Richmond ficava a pouco mais de 150 quilômetros de distância. Em férias, anos antes, Lonergan pescara no lago, e tivera sorte. Esperava ter sorte também desta vez.
Caía uma chuva fina, mas Carl Gorman não se importava. Era nessas ocasiões que os peixes mais mordiam a isca. Queria pegar a perca-listrada, e usava barrigudinhos como isca, suspensos por bóias, na esteira do bote a remo. As ondas batiam contra a pequena embarcação, no meio do lago, e a isca continuava intocada. Os peixes não estavam com pressa. Não importava. Ele também não tinha pressa. Nunca se sentira mais feliz. Ia ficar mais rico do que imaginara em seus sonhos mais
delirantes. Fora um golpe de sorte. Você precisa estar no lugar certo no momento certo.
Ele voltara ao Monroe Arins para buscar um casaco que esquecera e já ia deixar a garagem quando a porta do elevador privativo abrira. Ao ver quem saía, ele arriara em seu carro, aturdido. Observara o homem voltar, limpar as impressões digitais no elevador e depois partir.
Mas só compreendera tudo ao ler a notícia do assassinato no dia seguinte. De certa forma, sentia pena do homem. Sou mesmo fã dele. O problema é que um homem assim, tão famoso, jamais consegue se esconder. Aonde quer que vá, o mundo o conhece. Ele me pagará para ficar quieto. Não tem opção. Começarei com cem mil. Depois que ele pagar uma vez, terá de continuar a pagar. Talvez eu compre um castelo na França ou um chalé na Suíça.
Carl Gorman sentiu um puxão na extremidade da linha e apertou o caniço. Podia sentir o peixe tentando escapar. Você não vai a lugar nenhum. Está fisgado.
À distância, ele ouviu o barulho de uma lancha grande se aproximando. Não deveriam permitir lanchas no lago. Só servem Para afugentar os peixes. A lancha vinha em sua direção.
- Não chegue tão perto! - gritou Carl.
A lancha parecia vir direto para cima dele.
- Ei, tome cuidado! Veja para onde vai! Pelo amor de Deus...
A lancha atingiu o bote, partiu-o ao meio, e a água sugou Gorman para baixo.
- Mas que bêbado idiota!
Ele ofegava para respirar. Conseguiu projetar a cabeça além da superfície. A lancha fizera a volta e se aproximava de novo. E a última coisa que Carl Gorman sentiu, antes da lancha esmagar seu crânio, foi outro puxão do peixe na linha.
Quando Frank Lonergan chegou ao local, a área estava apinhada de carros da polícia, um caminhão do corpo de bombeiros e uma ambulância. A ambulância partia naquele momento. Frank Lonergan saltou do carro e perguntou a um espectador:
- O que aconteceu?
- Algum pobre coitado sofreu um acidente no lago. Não restou muita coisa dele.
E Lonergan soube no mesmo instante.
À meia-noite, Frank Lonergan trabalhava em seu computador, sozinho no apartamento, escrevendo a reportagem que destruiria o presidente dos Estados Unidos. Era uma reportagem que lhe valeria o Prêmio Pulitzer. Não havia a menor dúvida a respeito em sua mente. Aquela matéria haveria de torná-lo mais famoso do que Woodward e Berristein. Era a reportagem do século. Ele foi interrompido pelo som da campainha da porta. Levantou-se e foi atender.
- Quem é?
- Uma encomenda de Leslie Stewart. Ela obteve novas informações.
Ele abriu a porta. Viu um brilho de metal, uma dor insuportável dilacerou seu peito. E depois o nada.
A sala de estar de Frank Lonergan dava a impressão de que fora atingida por um furacão em miniatura. Todas as gavetas e armários haviam sido abertos, o conteúdo espalhava-se pelo chão.
Nick Reese observou o corpo de Frank Lonergan sendo removido. Virou-se para o detetive Steve Brown.
- Algum sinal da arma do crime?
- Não.
- Já falou com os vizinhos?
- Já. O prédio é um zoológico, cheio de macacos. Não veja, não ouça, não fale.
Nada. A sra. Lonergan está voltando para a cidade. Soube da notícia pelo rádio.
Houve outros assaltos na área durante os últimos seis meses e...
- Não sei se foi um assalto.
- Como assim?
- Lonergan esteve na delegacia no outro dia para recolher os pertences de Paul Yerby. Eu gostaria de saber em que reportagem ele trabalhava. Não há papéis nas gavetas?
- Não.
- Nem anotações?
- Nada.
- Portanto, ou ele era muito meticuloso, ou alguém se deu ao trabalho de levar tudo.
Reese foi até a escrivaninha. Um cabo pendia ali, sem estar ligado a nada. Reese levantou-o.
- O que é isto?
O detetive Brown adiantou-se para olhar.
- É um cabo de um computador. Devia haver um aqui. Isso significa que pode haver backups em algum lugar.
- Levaram o computador, mas Lonergan pode ter guardado uma cópia de seus arquivos. Vamos procurar.
Encontraram o disquete de backup numa pasta no carro de Lonergan. Reese entregou a Brown.
- Leve à delegacia. Deve haver uma senha de entrada. Peça a Chris Colby para dar uma olhada. Ele é o nosso perito.
A porta da frente do apartamento foi aberta e Rita Lonergan entrou. Estava pálida e transtornada. Parou ao ver os homens.
- Sra. Lonergan?
- Quem são ... ?
- Detetive Nick Reese. Homicídios. E este é o detetive Brown.
Ela olhou ao redor.
- Onde ... ?
- Tivemos de remover o corpo de seu marido, sra. Lonergan.
Lamento profundamente. Sei que é um momento horrível, mas preciso fazer algumas perguntas.
Ela fitou-o, e de repente o medo povoou seus olhos. Era a última reação que Reese esperava. De que ela tinha medo?
- Seu marido trabalhava numa reportagem especial, não é mesmo?
Estou investigando um caso que vai abalar uma porção de gente... e nos mais altos níveis. È a reportagem mais emocionante que já fiz.
- Sra. Lonergan?
- Eu... não sei de nada.
- Sabe qual era o assunto da reportagem?
- Não. Frank nunca conversava comigo sobre seu trabalho.
Era evidente que ela mentia.
- Não tem idéia de quem poderia tê-lo matado?
Rita Lonergan olhou ao redor, para as gavetas e armários abertos.
- Há... deve ter sido um assaltante.
O detetive Reese e o detetive Brown trocaram um olhar.
- Se não se importam, eu... gostaria de ficar sozinha. Foi um choque terrível.
- Claro. Há alguma coisa que possamos fazer para ajudá-la?
- Não. Apenas... apenas saiam, por favor.
- Voltaremos depois - prometeu Nick Reese.
Ao chegar à delegacia, o detetive Reese telefonou para Matt Baker.
- Estou investigando o assassinato de Frank Lonergan - disse ele. - Pode me informar sobre a reportagem em que ele trabalhava?
- Posso, sim. Frank investigava a morte de Chloe Houston.
- Entendo. Ele já tinha apresentado alguma matéria?
- Não. Esperávamos pelo texto quando... - Matt não continuou.
- Certo. Obrigado, sr. Baker.
- Se descobrir alguma coisa, pode me informar?
- Será o primeiro a saber - garantiu Reese.
Na manhã seguinte, Dana Evans entrou na sala de Tom Hawkins.
- Quero fazer a reportagem sobre a morte de Frank. Gostaria de falar com a viúva.
- Boa idéia. Designarei uma equipe para acompanhá-la.
Ao final da tarde, Dana e sua equipe pararam diante do prédio de apartamentos em que Frank Lonergan residia. Com a equipe a segui-la, Dana foi tocar a campainha do apartamento. Era o tipo de entrevista que Dana receava. Já era bastante horrível mostrar na televisão as vítimas de crimes violentos, mas se intrometer na dor das famílias desoladas parecia-lhe ainda pior. A porta foi aberta e Rita Lonergan apareceu.
- O que vocês ... ?
- Lamento incomodá-la, sra. Lonergan. Sou Dana Evans, da WTE. Gostaríamos que nos falasse sobre sua reação ao...
Rita Lonergan ficou imóvel por um momento, e depois gritou:
- Assassinos!
Ela virou-se e correu para dentro do apartamento. Dana olhou para o câmera, chocada.
- Espere aqui.
Dana entrou e foi encontrar Rita Lonergan no quarto.
- Sra. Lonergan...
- Saia daqui! Vocês mataram meu marido!
Dana ficou perplexa.
- Como assim?
- Deram ao Frank uma missão tão perigosa que ele me obrigou a deixar a cidade porque... porque temia por minha vida.
Dana fitou-a, consternada.
- Mas... que reportagem era essa em que ele trabalhava?
- Frank não quis me contar. - Ela fazia um esforço para conter a histeria. - Disse que era... perigosa demais. Uma coisa grande. Falou sobre o Prêmio Pulitzer e...
Rita Lonergan começou a chorar. Dana adiantou-se e abraçou-a.
- Sinto muito. Ele falou mais alguma coisa?
- Não. Apenas disse que eu precisava deixar a cidade e me levou à estação ferroviária. Ia conversar com algum... algum empregado de hotel.
- Onde?
- No Monroe Arms.
- Não sei por que está aqui, srta. Evans - protestou Jeremy Robinson.
- Lonergan prometeu que não haveria publicidade sobre o hotel, se eu cooperasse.
- Sr. Robinson, o sr. Lonergan está morto. Tudo o que quero é algumas informações.
Jeremy Robinson sacudiu a cabeça.
- Não sei de nada...
- O que disse ao sr. Lonergan?
Robinson suspirou.
- Ele pediu o endereço de Carl Gorman, meu recepcionista. E eu dei.
- O sr. Lonergan foi procurá-lo?
- Não tenho a menor idéia.
- Eu gostaria que me desse esse endereço.
Jeremy fitou-a em silêncio por um momento, tornou a suspirar.
- Está bem. Ele morava com a irmã.
Um instante depois, Dana tinha o endereço. Robinson observou-a deixar o hotel, depois pegou o telefone e ligou para a Casa Branca. E se perguntou por que eles se mostravam tão interessados pelo caso.
Chris Colby, o perito em computador do departamento, entrou na sala do detetive Reese segurando um disquete. Quase tremia de excitação.
- O que conseguiu? - perguntou Reese.
Chris Colby respirou fundo.
- Isto vai deixá-lo espantado. Aqui tem uma cópia impressa do que há no disquete.
O detetive Reese começou a ler e uma expressão de incredulidade se estampou em seu rosto.
- Santa Mãe de Deus! - exclamou ele.
- Tenho de mostrar isto ao capitão Miller.
Quando o capitão Otto Miller acabou de ler a cópia impressa, levantou os olhos para o detetive Reese.
- Eu... nunca vi nada igual.
- Nunca houve nada igual - declarou Reese.
- O que fazemos com isso?
O capitão Miller respondeu em voz pausada:
- Acho que devemos entregar este material à procuradora-geral dos Estados Unidos.
Estavam reunidos na sala de Barbara Gatlin, a procuradora-geral. Participavam da reunião Scott Brandon, diretor do FBI, Dean Bergstrom, chefe de polícia de Washington, James Frisch, diretor da CIA, e Edgar Graves, presidente do Supremo Tribunal
Federal. Barbara Gatlin disse:
- Pedi que viessem aqui porque preciso do conselho de vocês. Para ser franca, não sei o que fazer. Temos uma situação singular. Frank Lonergan era um repórter do Washington Tribune. Quando foi morto, ele se encontrava no meio de uma investigação sobre o assassinato de Chloe Houston. Vou ler o texto que a polícia encontrou num disquete no carro de Lonergan.
Ela olhou para as folhas em sua mão e começou a ler, em voz alta:
- "Tenho motivos para acreditar que o presidente dos Estados Unidos cometeu pelo menos um assassinato e está envolvido em mais quatro..."
- O quê? - murmurou Scott Brandon, atordoado.
Deixe-me continuar.
Ela recomeçou a ler:
- "Obtive as seguintes informações de várias fontes. Leslie Stewart, a proprietária e editora do Washington Tribune, está disposta a jurar que uma ocasião Oliver Russell tentou persuadi-la a tomar uma droga ilegal chamada ecstasy líquido. Quando Oliver Russell era candidato a governador do Kentucky, Lisa Burnette, uma secretária que trabalhava no legislativo estadual, ameaçou processá-lo por assédio sexual. Russell disse a um colega que teria de conversar com ela. No dia seguinte, o corpo de Lisa Burnette foi encontrado no rio Kentucky. Ela morreu de uma overdose de ecstasy líquido. A secretária do então governador Oliver Russell, Miriam Friedland, foi encontrada inconsciente num banco de parque durante a madrugada. Estava em coma induzido por ecstasy líquido. A polícia esperava que ela recuperasse os sentidos para descobrir quem lhe dera a droga. Oliver Russell telefonou para o hospital e sugeriu que desligassem os aparelhos que a mantinham viva. Miriam Friedland morreu sem sair do coma. Chloe Houston foi morta por uma overdose de ecstasy líquido. Descobri que na noite de sua morte foi dado um telefonema do hotel para a Casa Branca. Procurei os registros telefônicos do hotel, mas a página para esse dia fora arrancada. Fui informado de que o presidente se encontrava numa reunião naquela noite, mas descobri que a reunião fora cancelada. Ninguém sabe do paradeiro do presidente naquela noite. Paul Yerby foi detido como suspeito do assassinato de Chloe Houston. O capitão Miller informou à Casa Branca onde Yerby se achava detido. Na manhã seguinte, Yerby foi encontrado enforcado em sua cela. Ele teria se enforcado com seu cinto, mas quando procurei seus pertences pessoais na delegacia encontrei o cinto, intacto. Através de um amigo no FBI, descobri que uma carta de chantagem foi enviada à Casa Branca. O presidente Russell pediu ao FBI que verificasse as impressões digitais na carta. A maior parte do texto fora coberta por tinta branca, mas o FBI foi capaz de decifrá-la com a ajuda de um infrascópio. As impressões digitais na carta pertenciam a Carl Gorman, um recepcionista no Monroe Arms Hotel, provavelmente o único que poderia conhecer a identidade da pessoa que reservou a suíte em que a moça foi morta. Ele viajara para um hotel de pesca, mas seu nome fora revelado à Casa Branca. Quando cheguei lá, descobri que Gorman morrera no que parecia ter sido um acidente. Há ligações demais para que essas mortes sejam apenas coincidência. Vou continuar na investigação, mas devo confessar que estou com medo. Pelo menos registrei tudo isto, caso algo venha a me acontecer. Mais depois."
- Oh, Deus! - exclamou James Frisch.
- Isso... é horrível!
- Não posso acreditar.
Barbara Gatlin declarou:
- Lonergan acreditava, e é bem provável que tenha sido morto para se impedir que as informações vazassem.
- O que faremos agora? - perguntou Graves, o presidente do Supremo Tribunal.
- Como perguntar ao presidente dos Estados Unidos se ele matou meia dúzia de pessoas?
- É uma boa pergunta. Vamos promover seu impeachment? Prendê-lo? Jogá-lo na cadeia?
- Antes de fazermos qualquer coisa - disse Gatlin -, acho que devemos apresentar este texto ao próprio presidente e lhe dar uma oportunidade de se explicar.
Houve murmúrios de concordância.
- Enquanto isso, mandarei preparar um mandado para a prisão dele. Devemos estar preparados para tudo.
Um dos homens na sala estava pensando: Tenho de informar Peter Tager.
Peter Tager largou o telefone e continuou sentado, em silêncio, pensando no que acabara de ouvir. Levantou-se, atravessou o corredor até a sala de Deborah Kanner.
- Preciso falar com o presidente.
- Ele está numa reunião. Se puder...
- Tenho de falar com ele agora, Deborah. É urgente. Ela reconheceu a expressão de Tager.
- Está bem.
Ela pegou o telefone e apertou um botão.
- Lamento interrompê-lo, sr. presidente, mas o sr. Tager está aqui e disse que precisa vê-lo. - Ela escutou por um momento. - Obrigada.
Deborah Kanner desligou, virou-se para Tager e avisou:
- Cinco minutos.
Cinco minutos depois, Peter Tager estava a sós com o presidente Russell no Salão Oval.
- O que é tão importante, Peter?
Tager respirou fundo.
- A procuradora-geral e o FBI acham que você está envolvido em seis assassinatos.
Oliver sorriu.
- Isso é alguma espécie de piada...
- Acha mesmo? Pois eles estão vindo para cá agora. Acreditam que você matou Chloe Houston...
Oliver empalideceu.
- O quê?
- Sei que é um absurdo. Pelo que disseram, todas as provas são circunstanciais. Tenho certeza de que poderá explicar onde estava na noite em que a moça morreu.
Oliver ficou calado. Peter Tager esperou.
- Pode explicar, não é, Oliver?
Oliver engoliu em seco.
- Não, não posso.
- Mas tem de explicar!
- Peter, preciso ficar a sós...
Peter Tager foi falar com o senador Davis no Capitólio.
- O que é tão urgente, Peter?
- É... é sobre o presidente.
- O que aconteceu?
- A procuradora-geral e o FBI acham que Oliver é um assassino.
O senador Davis fitou aturdido.
- Mas que história é essa?
Tager relatou tudo. Quando ele acabou, o senador Davis murmurou:
- Mas que filho da puta idiota! Sabe o que isso significa?
- Sim, senhor. Significa que Oliver..
- Oliver que se foda. Passei anos para pô-lo no lugar onde o quero. Não me importa o que aconteça com ele. Estou no controle agora, Peter. Tenho o poder. Não vou permitir que a estupidez de Oliver o tire de mim. Não vou permitir que ninguém o tire de mim!
- Não sei como pode...
- Não disse que todas as provas são circunstanciais?
- Isso mesmo. Fui informado de que não existe nenhuma prova concreta. Mas ele não tem um álibi.
- Onde o presidente está neste momento?
- No Salão Oval.
- Pois tenho boas notícias para ele - anunciou o senador Todd Davis.
O senador Davis sentou-se diante de Oliver no Salão Oval.
- Estive ouvindo algumas coisas surpreendentes, Oliver. Um absurdo, é claro. Não sei é como alguém poderia pensar que você...
- Eu também não. Não fiz nada de errado, Todd.
- Tenho certeza de que não fez. Mas e se por acaso se espalhar a notícia de que você sequer foi suspeito de crimes tão horríveis... pode compreender como isso afetaria o cargo, não é mesmo?
- Claro, mas...
- Você é importante demais para deixar que uma coisa assim aconteça. Este gabinete controla o mundo, Oliver. Não vai querer renunciar a isto.
- Não sou culpado de nada, Todd.
- Mas eles acham que você é. Fui informado que não tem álibi para a noite em que Chloe Houston foi assassinada. É verdade?
Houve um momento de silêncio.
- É, sim.
O senador Davis sorriu.
- O que aconteceu com a sua memória, filho? Esteve comigo naquela noite. Passamos a noite toda juntos.
Oliver fitou-o nos olhos, confuso.
- Como?
- Isso mesmo que você ouviu. Sou seu álibi. Ninguém vai questionar minha palavra. Mas ninguém mesmo. Vou salvá-lo, Oliver.
Houve um longo silêncio.
- O que você quer em troca, Todd?
O senador Davis acenou com a cabeça.
- Começaremos pela conferência de paz do Oriente Médio. Pode cancelá-la. Depois, conversaremos sobre o resto. Tenho grandes planos para nós. Não vamos deixar que nada os estrague.
Oliver declarou:
- Vou realizar a conferência de paz.
Os olhos do senador Davis se contraíram.
- O que você disse?
- Decidi levar adiante as negociações. O importante, Todd, não é por quanto tempo um presidente permanece no cargo, mas sim o que ele faz durante seu mandato.
O rosto do senador Davis começava a ficar vermelho.
- Sabe o que está fazendo?
- Sei.
O senador inclinou-se através da mesa.
- Não creio que saiba. Eles estão a caminho daqui para acusá-lo de assassinato, Oliver. Onde pretende negociar seus acordos... na penitenciária? Acaba de jogar toda a sua vida no lixo, seu idiota...
Uma voz soou pelo interfone:
- Sr. presidente, há algumas pessoas aqui que desejam lhe falar. A procuradora Gatlin, o sr. Brandon, do FBI, o ministro Graves...
- Mande-os entrar.
O senador Davis disse, em tom sarcástico:
- Parece que eu deveria me ater a julgar carne de cavalo. Cometi um grande erro com você, Oliver. Mas você cometeu o maior erro de sua vida. Vou destruí-lo.
A porta foi aberta e a procuradora Gatlin entrou, acompanhada por Brandon, Graves e Bergstrom. O ministro Graves murmurou:
- Senador Davis...
Todd Davis acenou com a cabeça bruscamente e saiu da sala. Barbara Gatlin foi fechar a porta. Aproximou-se da mesa.
- Sr. presidente, é uma situação bastante embaraçosa, mas espero que compreenda. Temos de lhe fazer algumas perguntas.
Oliver confrontou-os.
- Já fui informado do motivo da presença de vocês aqui. É claro que nada tive a ver com essas mortes.
- Tenho certeza de que todos ficamos aliviados em ouvir isso, sr. presidente - disse Scott Brandon.
- Posso lhe assegurar que nenhum de nós realmente acredita que
pudesse estar envolvido. Mas foi formulada uma acusação e não temos opção a não ser investigá-la.
- Compreendo.
- Sr. presidente, alguma vez tomou a droga ecstasy?
- Não.
Os visitantes se entreolharam.
- Sr. presidente, se pudesse nos dizer onde se encontrava no dia 15 de outubro, na noite da morte de Chloe Houston... Houve um silêncio.
- Sr. presidente?
- Sinto muito, mas não posso.
- Mas, sem dúvida, é capaz de lembrar onde estava e o que fazia naquela noite?
Silêncio.
- Sr. presidente?
- Eu... não consigo me lembrar direito agora. Gostaria que voltassem mais tarde.
- Quando? - perguntou Bergstrom.
- Às oito horas.
Oliver observou-os saírem. Levantou-se em seguida, foi devagar até a pequena sala de estar onde Jan trabalhava, sentada a uma escrivaninha. Ela levantou os olhos quando o marido entrou. Ele respirou fundo.
- Jan... tenho uma confissão a fazer.
O senador Davis sentia uma fúria gélida. Como pude ser tão idiota? Escolhi o homem errado. Ele está tentando destruir tudo por que sempre me empenhei. Vou lhe ensinar o que acontece com as pessoas que tentam me trair. O senador permaneceu sentado à sua mesa, imóvel, por um longo tempo, decidindo o que faria. Depois, pegou um telefone e fez uma ligação.
- Srta. Stewart, disse-me que ligasse quando eu tivesse mais alguma coisa.
- E o que tem, senador?
- Primeiro, vou lhe dizer o que quero. Daqui por diante, espero contar com um apoio total do Tribune... contribuições para a campanha, editoriais entusiasmados, tudo o que for necessário.
- E o que receberei em troca de tudo isso? - indagou Leslie.
- O presidente dos Estados Unidos. A procuradora-geral acaba de emitir um mandado para a prisão dele por uma série de assassinatos.
Ele ouviu Leslie Stewart inspirar fundo.
- Continue a falar.
Leslie Stewart falava tão depressa que Matt Baker não podia entender uma só palavra.
- Pelo amor de Deus, acalme-se! - pediu ele.
- O que está tentando dizer?
- O presidente! Nós o pegamos, Matt! Acabei de falar com o senador Todd Davis. O presidente do Supremo Tribunal, o chefe de polícia, o diretor do FBI e a procuradora-geral dos Estados Unidos estão no gabinete do presidente neste momento com um mandado para a sua prisão, sob a acusação de assassinato. Há um monte de provas contra ele, Matt, e o presidente não tem álibi. É o furo do século!
- Não pode publicar isso. Ela se mostrou aturdida.
- Como assim?
- Leslie, uma notícia dessas é grande demais para apenas... isto é, os fatos precisam ser conferidos e reconferidos...
- E reconferidos de novo até que virem a manchete no Washington Post? Não, obrigada. Não tenho a menor intenção de perder este furo.
- Não pode acusar o presidente dos Estados Unidos de assassinato sem...
Leslie sorriu.
- Não farei isso, Matt. Só precisamos publicar a notícia de que há um mandado para a sua prisão. É o suficiente para destruí-lo. O senador Davis... está entregando o próprio genro. Ele acha que o presidente é culpado. Foi o que me disse.
- Não é suficiente. Temos de verificar tudo primeiro e...
- Verificar com quem... com Katharine Graham? Perdeu o juízo, Matt? Publicamos a notícia imediatamente, ou perdemos o furo.
- Não posso permitir que faça isso, não sem antes verificar tudo que...
- Com quem você pensa que está falando? Este é o meu jornal, e farei qualquer coisa que eu quiser.
Matt Baker levantou-se.
- É uma irresponsabilidade. Não permitirei que meu pessoal escreva essa matéria.
- Nem precisa. Eu mesma escreverei.
- Leslie, se fizer isso, vou embora. Para sempre.
- Não vai, não, Matt. Você e eu vamos partilhar um Prêmio Pulitzer. - Ela observou-o se virar e sair da sala. Você vai voltar, Matt.
E Leslie chamou Zoltaire à sua sala e disse:
- Quero saber qual é o meu horóscopo para as próximas vinte e quatro horas.
- Pois não, srta. Stewart. Terei o maior prazer. Zoltaire tirou do bolso uma pequena efeméride, a bíblia astrológica, e abriu-a. Estudou as posições das estrelas e planetas por algum tempo, depois arregalou os olhos.
- O que é?
Zoltaire fitou-a.
- Eu... alguma coisa muito importante parece estar acontecendo. - Ele apontou para a efeméride.
- Veja aqui. Marte em trânsito está passando sobre a sua nona casa de Plutão por três dias, fazendo uma quadratura com a sua...
- Isso não importa - interrompeu Leslie, impaciente. - Vá direto ao ponto.
Ele piscou, aturdido.
- O ponto? Ah, sim... - Zoltaire tornou a olhar para o livro. - Há algum tipo de grande acontecimento prestes a ocorrer. E você está bem no meio. Será ainda mais famosa do que é agora, srta. Stewart. O mundo inteiro vai conhecer seu nome.
Leslie foi dominada por um sentimento de intensa euforia. O mundo inteiro conheceria seu nome. Ela estava na cerimônia de premiação e o orador dizia: "E agora a ganhadora do Prêmio Pulitzer pela mais importante reportagem na história do jornalismo. A vencedora é a srta. Leslie Stewart." Todos se levantavam para uma tremenda ovação, o barulho era ensurdecedor.
- Srta. Stewart...
Leslie sacudiu a cabeça para dissipar o sonho.
- Mais alguma coisa?
- Não - respondeu Leslie. - Obrigada, Zoltaire. Isso já é suficiente.
Às sete horas daquela noite, Leslie olhava para uma prova da matéria que escrevera. A manchete bradava: PRESIDENTE RUSSELL ACUSADO DE ASSASSINATO. SERÁ INTERROGADO POR SEIS MORTES.
Leslie leu o texto por baixo, depois virou-se para Lyle Bannister, seu editor-executivo:
- Pode publicar. Mande rodar uma edição extra. Quero que o jornal saia nas ruas dentro de uma hora. A WTE pode dar a notícia na mesma ocasião.
Lyle Bannister hesitou.
- Não acha que Matt Baker deveria dar uma olhada ... ?
- O jornal é meu, não dele. Mande rodar. Agora.
- Pois não, madame. - Ele pegou o telefone e fez uma ligação. - Vamos rodar.
Às sete e meia daquela noite, Barbara Gatlin e os outros do grupo preparavam-se para voltar à Casa Branca. Barbara Gatlin comentou, com alguma aflição na voz:
- Peço a Deus para que não seja necessário usar, mas, apenas como precaução, estou levando o mandado judicial para a prisão do presidente.
Trinta minutos depois, a secretária de Oliver avisou:
- A procuradora Gatlin e os outros estão aqui.
- Mande-os entrar.
Oliver, muito pálido, observou-os quando entraram no Salão Oval. Jan se postava ao seu lado, apertando sua mão com toda força. Barbara Gatlin perguntou:
- Está pronto para responder às nossas perguntas agora, sr. presidente?
Oliver acenou com a cabeça.
- Estou.
- Sr. presidente, Chloe Houston tinha um encontro marcado para vê-lo no dia 15 de outubro?
- Tinha.
- E recebeu-a?
- Não. Tive de cancelar.
O telefonema ocorrera pouco antes das três horas da tarde.
- Querido, sou eu. Estou sozinha na cabana em Maryland, com muita saudade de você. Neste momento estou na beira da piscina, nua.
- Precisamos tomar uma providência imediata a respeito.
- Quando pode escapar?
- Estarei aí dentro de uma hora.
Oliver virou-se para o grupo.
- Mas se o que estou prestes a lhes dizer sair desta sala, causaria um dano irreparável à presidência e às nossas relações com outro país. Faço isso com a maior relutância, mas vocês não me deixaram opção.
Enquanto o grupo olhava, espantado, Oliver foi até uma porta lateral e abriu-a. Sylvia Picone entrou na sala.
- Esta é Sylvia Picone, a esposa do embaixador italiano. No dia 15 de outubro, a sra. Picone e eu estivemos juntos em sua cabana em Maryland, de quatro horas da tarde até duas horas da madrugada. Não sei absolutamente nada sobre o assassinato de Chloe Houston, ou qualquer das outras mortes.
Dana entrou na sala de Tom Hawkins.
- Tom, estou em cima de um caso muito interessante. Antes de Frank Lonergan ser assassinado, ele esteve na casa de Carl Gorman, um recepcionista no Monroe Arms Hotel. Gorman morreu num suposto acidente de barco. Ele morava com a irmã. Eu gostaria de levar uma equipe até lá e fazer um segmento gravado para o noticiário das dez horas da noite.
- Acha que não foi um acidente?
- Há coincidências demais.
Tom Hawkins pensou por um momento.
- Está bem. Vou providenciar.
- Obrigada. Aqui está o endereço. Vou me encontrar com a equipe lá. Quero passar em casa antes para trocar de roupa.
Ao entrar em seu apartamento, Dana experimentou a súbita sensação de que havia algo errado. Era um sentido que desenvolvera em Sarajevo, um alerta para o perigo.
Alguém estivera ali. Ela circulou pelo apartamento devagar, verificou os armários com a devida cautela. Nada desaparecera. É minha imaginação, disse Dana para si mesma. Mas ela própria não acreditava nisso.
Quando chegou à casa em que morava a irmã de Carl Gorman, Dana encontrou o veículo da emissora já estacionado ali. O ENG era um furgão enorme, com uma antena grande no teto e sofisticados equipamentos eletrônicos no interior. Andrew Wright, o técnico de som, e Vernon Mills, o câmera, esperavam por ela.
- Onde vamos fazer a entrevista? - perguntou Mills.
- Quero fazer dentro da casa. Chamarei vocês quando estivermos prontas.
- Combinado.
Dana foi até a porta da frente e bateu. Marianne Gorman abriu a porta.
- o que deseja?
- Sou...
- Ah, sei quem você é! Já a vi na televisão.
- Podemos conversar um pouco?
Marianne Gorman hesitou.
- Entre.
Dana seguiu-a para a sala de estar. Marianne Gorman ofereceu-lhe uma cadeira.
- É sobre meu irmão, não é? Ele foi assassinado. Tenho certeza.
- Quem o matou?
Marianne Gorman desviou os olhos.
- Não sei.
- Frank Lonergan esteve aqui?
Os olhos da mulher se contraíram.
- Ele me enganou. Eu disse onde poderia encontrar meu irmão e... - os olhos dela se encheram de lágrimas. - Agora Carl está morto.
- Sobre o que Lonergan queria falar com seu irmão?
- Ele disse que era da receita federal.
Dana estudou-a por um instante.
- Será que se importaria se eu fizesse uma pequena entrevista com você para a televisão? Pode apenas dizer umas poucas palavras sobre o assassinato de seu irmão e o que pensa do crime nesta cidade.
Marianne Gorman acenou com a cabeça.
- Acho que não tem problema.
- Obrigada.
Dana foi até a porta da frente, abriu-a e acenou para Vernon Mills. Ele pegou a câmera e encaminhou-se para a casa, seguido por Andrew Wright.
- Nunca fiz nada parecido antes - comentou Marianne.
- Não precisa ficar nervosa. Levará apenas uns poucos minutos.
Vernon entrou na sala com a câmera.
- Onde você quer filmar?
- Faremos tudo aqui mesmo, na sala. - Ela acenou com a cabeça para um canto. - Pode pôr a câmera ali. Vernon ajeitou a câmera no lugar indicado, depois voltou para Dana. Prendeu um pequeno microfone na blusa de cada mulher.
- Podem ligar no momento em que estiverem prontas para começar. - Ele largou o controle em cima de uma mesa.
Marianne Gorman disse:
- Não! Esperem um instante! Sinto muito. Eu... não posso fazer isso.
- Por quê? - perguntou Dana.
- É... é perigoso. Posso falar com você a sós?
- Claro. - Dana olhou para Vernon e Wright. - Deixem a câmera onde está. Eu os chamarei daqui a pouco.
Vernon acenou com a cabeça.
- Ficaremos esperando no carro.
Dana virou-se para Marianne Gorman.
- Por que é perigoso para você aparecer na televisão?
Marianne murmurou, relutante:
- Não quero que eles me vejam.
- Eles quem?
Marianne engoliu em seco.
- Carl fez uma coisa... uma coisa que não deveria ter feito. Foi morto por causa disso. E os homens que o mataram também tentarão me matar. - Ela tremia toda.
- O que Carl fez?
- Oh Deus! - exclamou Marianne. - Supliquei para que ele não fizesse!
- Não fizesse o quê? - insistiu Dana.
- Ele... ele escreveu uma carta de chantagem.
Dana ficou surpresa.
- Uma carta de chantagem?
- Isso mesmo. Acredite em mim, Carl era um homem honesto. Mas acontece que ele gostava... tinha gostos caros, e com seu salário não tinha condição de viver da maneira como queria. Não pude impedi-lo. Ele foi assassinado por causa daquela carta. Sei disso. Descobriram onde ele estava, e agora sabem onde eu moro. Vão me matar. - Marianne chorava agora.
- Vão me matar também.
- Fale-me sobre a carta.
Marianne Gorman respirou fundo.
- Meu irmão ia viajar em férias. Esqueceu um casaco que queria levar na viagem e voltou ao hotel para buscá-lo. Pegou o casaco e já estava em seu carro, na garagem subterrânea, quando a porta do elevador privativo da Suíte Imperial abriu. Carl me disse que viu um homem sair. E se surpreendeu ao vê-lo ali. Ficou ainda mais surpreso quando o homem voltou ao elevador e limpou suas impressões digitais. Carl não podia imaginar o que estava acontecendo. Mas depois... no dia seguinte ele leu sobre o assassinato da pobre moça, e compreendeu que fora aquele homem que a matara.
Marianne hesitou.
- Foi quando ele resolveu mandar a carta para a Casa Branca.
Dana repetiu, devagar:
- Para a Casa Branca?
- Isso mesmo.
- E para quem ele mandou a carta?
- Para o homem que viu na garagem. Sabe quem é... aquele que usa uma venda preta. Peter Tager.
Através das paredes da sala, ele podia ouvir o som do tráfego na Pennsylvania Avenue, fora da Casa Branca, e voltou a ter consciência do lugar em que se encontrava.
Revisou tudo o que estava acontecendo, e concluiu que se achava seguro. Oliver Russell seria preso pelos assassinatos que não cometera, Melvin Wicks, o vice-presidente, assumiria a presidência. o senador Davis não teria qualquer dificuldade para controlar o vice-presidente Wicks. E não há nada para me ligar a qualquer das mortes, pensou Tager.
Havia uma reunião de oração naquela noite, e Peter Tager a aguardava com ansiedade. O grupo gostava de ouvi-lo falar sobre religião e poder.
Peter Tager passara a se interessar pelas garotas quando tinha quatorze anos. Deus lhe dera uma libido extraordinariamente forte, e Peter pensara que a perda do olho o tornaria desgracioso para o sexo oposto. Em vez disso, as garotas ficavam fascinadas pela venda. Além disso, Deus concedera a Peter o dom da persuasão, e ele fora capaz de atrair moças hesitantes para o banco traseiro de carros, a celeiros e camas. Infelizmente, engravidara uma das garotas e fora obrigado a casar. Ela lhe dera duas filhas. A família poderia ter se tornado um fardo oneroso, imobilizando-o. Mas acabara se tornando uma cobertura excepcional para suas atividades extracurriculares. Pensara a sério em ingressar no sacerdócio, mas depois conhecera o senador Todd Davis e sua vida mudara. Encontrara uma nova e maior área de atuação. A política.
No início, não houvera problemas em seus relacionamentos secretos. Depois, um amigo lhe dera uma droga chamada ecstasy, e Peter a partilhara com Lisa Burnette, que pertencia à sua igreja em Frankfurt. Alguma coisa saíra errada e ela morrera. Encontraram seu corpo no rio Kentucky.
O lamentável incidente seguinte ocorrera quando Miriam Friedland, secretária de Oliver Russell, tivera uma reação negativa e entrara em coma. Não foi culpa minha, pensou Peter Tager. E não o afetara. Era óbvio que Miriam consumia muitas outras drogas.
E depois viera a pobre Chloe Houston. Ele a encontrara num corredor da Casa Branca, onde ela procurava por um banheiro. A moça o reconhecera no mesmo instante e se mostrara impressionada.
- Você é Peter Tager! Sempre o vejo na televisão!
- Fico contente em ouvir isso. Posso ajudá-la em alguma coisa?
- Eu procurava um banheiro. - Ela era jovem e muito bonita.
- Não há banheiros públicos na Casa Branca.
- Oh, não!
Peter dissera, num tom de conspiração:
- Talvez eu possa ajudar. Venha comigo.
Ele a levara a um banheiro particular no andar superior e esperara na porta.
Perguntara quando a moça saíra:
- Está apenas visitando Washington?
- Isso mesmo.
- Por que não me deixa mostrar a verdadeira Washington? Gostaria de conhecê-la?
Dava para sentir que a moça se sentia atraída por ele.
- Eu... eu bem que gostaria... se não for dar muito trabalho...
- Para uma moça tão bonita quanto você? Não será trabalho nenhum. Começaremos a noite por um jantar.
Ela sorrira.
- Parece emocionante.
- Prometo que será. Mas não deve dizer a ninguém que vamos nos encontrar. Será um segredo nosso.
- Não contarei. Prometo.
- Tenho uma reunião de alto nível com o governo russo no Monroe Arms Hotel esta noite. - Peter percebera que a moça ficara ainda mais impressionada e continuara:
- Podemos jantar depois na Suíte Imperial do hotel. Por que não se encontra comigo ali por volta das sete horas?
Ela acenara com a cabeça, excitada.
- Está bem.
Ele explicara o que ela tinha de fazer para entrar na suíte.
- Não haverá qualquer problema. Basta me telefonar para avisar que já chegou.
E fora o que ela fizera.
No início, Chloe Houston se mantivera relutante. Quando Peter a abraçara, ela protestara:
- Não quero... sou virgem.
O que o deixara ainda mais excitado.
- Não quero que faça coisa alguma que não deseje fazer - assegurara ele. - Vamos apenas sentar e conversar.
- Está desapontado?
Ele apertara a mão de Chloe.
- Claro que não, minha querida.
Ele tirara do bolso um vidro de ecstasy líquido e derramara um pouco em dois copos.
- O que é isso? - perguntara Chloe.
- Serve para aumentar a energia. A nós. - Peter levantara seu copo num brinde e a observara tomar tudo.
- É gostoso - dissera Chloe.
Passaram a meia hora seguinte conversando. Peter esperara que a droga fizesse efeito. Depois, aproximara-se e tornara a abraçar a moça... e desta vez não houvera resistência.
- Tire as roupas - ordenara ele.
- Está bem.
Os olhos de Peter acompanharam-na na ida para o banheiro. Ele também começara a se despir. Chloe saíra poucos minutos depois, nua, e ele se sentira bastante excitado com a visão daquele corpo jovem. Ela era linda. Deitara na cama ao lado de Peter, e fizeram amor. Chloe era inexperiente, mas o fato de ser virgem proporcionara a ele toda a excitação extra de que precisava. No meio de uma frase, Chloe sentara-se na cama, com uma súbita vertigem.
- Está se sentindo bem, minha querida?
- Há... estou bem... apenas me sinto um pouco... ela se apoiara no lado da cama por um momento.
- Volto num instante.
Chloe se levantara. E enquanto Peter observava, ela cambaleara, caíra e batera com a cabeça na quina da mesa de ferro.
- Chloe! - Ele saltara da cama e correra até ela. ChIoe!
Não conseguira sentir qualquer pulsação. Oh, Deus!, pensara ele. Como você pode fazer isso comigo? Não foi minha culpa. Ela escorregou.
Ele olhara ao redor. Não devem encontrar qualquer sinal da minha presença na suíte. Vestira-se depressa, fora ao banheiro, molhara uma toalha, pusera-se a limpar as superfícies de todos os lugares em que poderia ter tocado. Pegara a bolsa de Chloe, tornara a olhar ao redor para se certificar de que não esquecera coisa alguma, descera no elevador privativo para a garagem. A última coisa que fizera antes de ir embora fora limpar as impressões digitais dos botões do elevador. Quando Paul Yerby aflorara como uma ameaça, Tager usara suas ligações para liquidá-lo. Não havia a menor possibilidade de alguém ligá-lo à morte de Chloe.
E depois ele recebera a carta de chantagem. Carl Gorman, o recepcionista do hotel, vira-o na garagem. Peter mandara Sime se livrar de Gorman, alegando que era para proteger o presidente. Isso deveria encerrar o problema.
Mas Frank Lonergan começara a fazer perguntas, e fora necessário liquidá-lo também. Agora, precisava cuidar de outra repórter intrometida. Pois ainda restavam duas ameaças: Marianne Gorman e Dana Evans. E Sime se encontrava a caminho para matar as duas.
Marianne Gorman repetiu:
- Sabe quem é... aquele com a venda no olho. Peter Tager.
Dana estava atordoada.
- Tem certeza?
- É difícil não reconhecer alguém assim, não é mesmo?
Preciso usar seu telefone. Dana foi apressada até o telefone, ligou para Matt Baker. A secretária atendeu.
- Gabinete do sr. Baker.
- Sou eu, Dana. Preciso falar com ele. É urgente.
- Espere um instante, por favor.
Um momento depois, Matt Baker entrou na linha.
- Dana... alguma coisa errada?
Ela respirou fundo.
- Matt, acabei de descobrir quem estava com Chloe Houston na ocasião em que ela morreu.
- Já sabemos disso. Era...
- Peter Tager.
- o quê?! - Um grito.
- Estou com a irmã de Carl Gorman, o recepcionista do hotel que foi assassinado. Carl Gorman viu Tager limpar suas impressões digitais do elevador na garagem do hotel, na noite em que Chloe Houston morreu. Gorman enviou a Tager uma carta de chantagem. Acho que Tager mandou então assassiná-lo. Tenho uma equipe de vídeo comigo. Quer que eu entre no ar com a reportagem?
- Não faça nada neste momento! - ordenou Matt Baker.
- Cuidarei de tudo. Volte a me ligar dentro de dez minutos. Ele desligou e seguiu para a Torre Branca. Leslie estava em sua sala.
- Leslie, você não pode publicar...
Ela virou-se e levantou a prova da manchete: MANDADO DE PRISÃO POR HOMICÍDIO APRESENTADO AO PRESIDENTE RUSSELL.
- Olhe só para isto, Matt! - A voz era exultante.
- Leslie... tenho uma notícia para você. Há...
- Esta é toda a notícia de que preciso. - Ela acenou com a cabeça, presunçosa.
- Eu disse que você voltaria. Não conseguiu ficar longe, não é mesmo? Isto era grande demais para você se afastar, não é? Você precisa de mim, Matt. Sempre vai precisar.
Ele ficou imóvel, olhando para ela, e especulou: o que aconteceu para transformá-la numa mulher assim? Mas ainda não é tarde demais para salvá-la.
- Leslie...
- Não fique constrangido porque cometeu um erro - declarou Leslie, complacente.
- O que queria me dizer?
Matt Baker fitou-a em silêncio por um longo tempo.
- Eu queria dizer adeus, Leslie.
Ela observou-o se virar e sair da sala.
- O que vai acontecer comigo? - perguntou Marianne Gorman.
- Não se preocupe. Você será protegida.
Dana tomou uma decisão rápida.
- Marianne, vamos fazer uma entrevista ao vivo e entregarei a fita ao FBI. Assim que terminarmos a entrevista, eu a tirarei daqui.
Lá fora, um carro parou rangendo os pneus. Marianne foi até a janela.
- Oh, não!
Dana foi postar-se ao lado dela.
- O que foi?
Sime Lombardo saía do carro. Olhou para a casa, depois encaminhou-se para a porta. Marianne balbuciou:
- Aquele... aquele é o homem que esteve aqui... perguntando sobre Carl... no dia em que Carl foi morto. Tenho certeza de que ele esteve envolvido em seu assassinato.
Dana pegou o telefone e fez uma ligação às pressas.
- Gabinete do sr. Hawkins.
- Nadine, tenho de falar com ele imediatamente.
- Ele não está. Deve voltar dentro de...
- Então chame Nate Erickson.
Erickson, o assistente de Hawkins, atendeu um momento depois.
- Dana?
- Nate... preciso de ajuda e depressa. Tenho uma noticia sensacional. Quero que você me ponha ao vivo agora.
- Não posso fazer isso - protestou Erickson. - Tom teria de autorizar.
- Não há tempo para isso! - explodiu Dana.
Pela janela, Dana viu Sime Lombardo se aproximando da porta.
No caminhão da TV, Vernon Mills olhou para seu relógio.
- Vamos fazer essa entrevista ou não? Tenho um compromisso.
Dentro da casa, Dana dizia ao telefone:
- É uma questão de vida e morte, Nate. Você tem de me pôr ao vivo. Pelo amor de Deus, faça isso agora!
Ela bateu o telefone, foi até o aparelho de televisão e ligou no Canal Seis. Estava transmitindo um seriado melodramático. Um homem mais velho falava com uma moça.
- Você nunca me compreendeu de verdade, não é, Kristen?
- A verdade é que eu o compreendo bem demais. E por isso que quero o divórcio, George.
- Existe outro?
Dana seguiu apressada para o quarto e ligou o aparelho de televisão ali.
Sime Lombardo bateu na porta da frente.
- Não abra! - advertiu Dana a Marianne.
Ela verificou se o microfone estava funcionando. As batidas na porta tornaram-se mais altas.
- Vamos sair daqui! - sussurrou Marianne. - Pelos fundos...
Nesse momento, a porta da frente foi arrombada e Sime Lombardo avançou pela sala. Ele fechou a porta e olhou para as duas mulheres.
- É muita sorte ter encontrado as duas juntas...
Desesperada, Dana olhou para o aparelho de televisão.
- Se há outro, George, a culpa é sua.
- Talvez eu seja mesmo culpado, Kristen.
Sime Lombardo tirou do bolso uma pistola semi-automática calibre 22 e começou a atarraxar um silenciador no cano.
- Não! - gritou Dana. - Você não pode...
Sime ergueu a arma.
- Cale a boca! Para o quarto... vamos logo!
Marianne balbuciou:
- Oh, meu Deus!
- Escute... - disse Dana. - Podemos...
- Eu mandei calar a boca. E agora mexa-se. Dana olhou para o aparelho de televisão.
- Sempre acreditei numa segunda chance, Kristen. Não quero perder o que tivemos... o que podemos ter de novo. As mesmas vozes ecoavam do aparelho no quarto.
- Eu mandei irem para o quarto! - gritou Sime. Vamos acabar logo com isso!
Enquanto as duas mulheres em pânico davam um passo hesitante na direção do quarto, uma luz vermelha acendeu de repente na câmera no canto. As imagens de Kristen e George sumiram da tela e um locutor disse:
- Interrompemos este programa para transmitir ao vivo um acontecimento extraordinário na área de Wheaton.
A cena do seriado deu lugar na tela à sala de estar da casa dos Gormans. Dana e Marianne apareceram em primeiro plano, com Sime ao fundo. Sime parou, confuso, ao se ver na tela da televisão.
- Mas... mas o que é isso?
No caminhão, os técnicos viram quando a nova imagem surgiu na tela.
- Ei, estamos ao vivo! - gritou Vernon Mills.
Dana olhou para a tela e fez uma prece silenciosa. Virou-se para a câmera.
- Aqui é Dana Evans, transmitindo ao vivo da casa de Carl Gorman, que foi assassinado há poucos dias. Estamos entrevistando um homem que tem informações sobre esse assassinato.
Ela virou-se para Sime Lombardo.
- Muito bem... pode nos contar o que aconteceu exatamente?
Lombardo estava paralisado, vendo-se na tela da TV, a passar a língua pelos lábios.
- Ei!
Ele ouviu sua imagem dizer na tela: "Ei!" Também viu sua imagem se mover, quando avançou para Dana.
- Mas... o que está fazendo? Que truque é esse?
- Não há truque algum. Estamos no ar, ao vivo. Dois milhões de espectadores assistem a nós.
Lombardo viu sua imagem na tela se apressar em guardar a pistola no bolso. Dana lançou um olhar para Marianne Gorman, depois fitou Sime Lombardo nos olhos:
- Peter Tager está por trás do assassinato de Carl Gorman, não é mesmo?
No Edifício Daly, Nick Reese estava em sua sala quando um assistente entrou correndo.
- Depressa! Dê uma olhada nisso! Eles estão na casa de Gorman!
O assistente ligou a televisão no Canal Seis e a imagem surgiu na tela.
- Peter Tager mandou você matar Carl Gorman?