EXAMES HEMATOLÓGICOS NO SANGUE


Nome: Nicholas Jacquier

Indicação do Dr:. Paul René


Hemácias 3.300.000 p/mmc

Hemoglobina 13,00 g/dl

Hematócrito 36 %

Volume corpuscular médio 91 uc.

Hemoglobina corp. média 31 Yy

Hemossedimentação 34 %

Westergren w Mm

Reticulócitos w Mm

Plaquetas (cont. d reta) w p/mmc

Global de leucócitos 23.976 p/mmc


DIFERENCIAL DE LEUCÓCITOS % p/mmc

neutrófilos Promielócitos 32 2048

Mielócitos 13 832

Metamielócitos 21 1344

Bastonetes 00 00

Segmentados 12 1920

Eosinófilos 01 64

Basófilos 00 00

Linfócitos 19 4288

Monócitos 02 128


A primeira coisa que me chamou a atenção foi o elevado número global de leucócitos, 23.976. Mas a outra coisa, com relação a esse mesmo número é que ele nunca precisa ser dado com tanta precisão, já que é um número estimativo. Qualquer laboratorista teria colocado o número redondo, ou seja, 24.000. Tomei o fato como uma excentricidade do funcionário e um pouco mais abaixo na folha somei os números dos três primeiros neurófilos (promielócitos, mielócitos e metamielócitos): 32 + 13 + 21 = 66. Fiquei um pouco curioso, pois estes três neurófilos só aparecem no organismo em casos de problemas sérios no sangue, como anemia e principalmente leucemia. Não é só isso. Nos casos de leucemia eles aparecem e há evidentemente um aumento no número global de leucócitos (o mesmo que me chamou primeiro a atenção) e uma baixa do número de hematócritos (3.ª linha de dados do exame). Tomei da caneta em cima da mesa e por curiosidade dividi o número global de leucócitos pelo número de hematócritos. 23.976 ÷ 36 = 666. A brincadeira me deu um desagradável arrepio na espinha, e eu não soube identificar claramente o porquê. Afinal, são apenas números de um exame de sangue que constata inegavelmente um estado de leucemia, como qualquer outro.

E afinal, esses malditos exames na verdade não contribuem em nada para a melhoria efetiva das pessoas. Mas continuei com uma sensação de que alguma coisa me incomodava. 666, o número da besta.[2] 666, leucemia profunda. 66 neutrófilos. 66 leucócitos jovens.

Quando olhei novamente para a jovem, ela havia recuperado o controle, parado de chorar e me olhava firme e fixamente. Só então pude sentir aquele olhar e novamente uma sensação de desconforto tomou conta de mim. Suas olheiras escuras e profundas formavam uma moldura perfeita para o vácuo das pupilas negras.

A tensão do momento permitiu-me um susto enorme quando ela levantou-se de um salto, tomou a folha de minha mãos e desapareceu correndo pela porta.

Boa noite, Doutor Paul René!!!

Hoje as pessoas são tratadas como peças, catalogadas, fichadas, numeradas e arquivadas. Isso tem um sentido prático, mas pode ser altamente prejudicial quando reduz o ser humano a um simples número numa máquina industrial qualquer. No entanto, no nosso fichário de médicos cadastrados e em convênio com o laboratório foi fácil encontrar o endereço do Dr. Paul René. E no outro fichário, a cópia do exame hematológico de Nicholas Jacquier. Um pouco de fantasia, mistério e aventura fazem um bem enorme e resolvi procurar pelo nobre colega e saber um pouco mais sobre seu paciente. E talvez um dia, quem sabe, rirmos um pouco da forma como nos conhecemos. Tive que esperar alguns dias, antes de aparecer oportunamente e vê-lo.

Era uma noite agradável de primavera e resolvi ir caminhando até o endereço dele. Um casarão sóbrio, de pintura amarelo clara um tanto envelhecida, o que contribuía para o ar de nobreza da concepção arquitetônica. No entanto, a grande quantidade de luzes acesas denunciava uma movimentação anormal no interior da residência. Bati na porta e o som inconfundível do carvalho fez vibrar os ossos de minha mão e a vibração se espalhou pelo braço. Em pouco tempo a porta abriu-se e fui convidado a entrar por um criado preciso e eficiente, que encaminhou-me à sala de visitas. Ela estava repleta de pessoas, com um traço inconfundível e característico, que até hoje não consegui precisar bem qual seja. Mas foi fácil saber que estava num ambiente de médicos. Alguns conversavam em voz baixa, o ambiente tenso e uma atmosfera de expectativa pairava em tudo. Poucos me cumprimentaram e me senti pouco à vontade, sem entender o que estava ocorrendo. Então chamei o criado que me recebera e disse que precisava falar com o Dr. Paul René.

Ele me respondeu que o Dr. Paul René havia piorado e não podia receber visitas. Num relâmpago minha intuição me disse que era absolutamente necessário fazer contato com o médico doente e respondi num impulso «Mas eu vim trazer os resultados dos exames dele». O criado acrescentou que ele estava se consultando com seu colega de confiança, Antoine Didier. Então pude acrescentar inapelavelmente «Claro, os exames foram pedidos pelo Dr. Didier». Em seguida deslizamos pelos corredores em direção aos aposentos do enfermo. O criado não entrou. O ambiente bem cuidado tinha um ar de tranqüilidade. O paciente ouvia atentamente as últimas recomendações do colega, que tudo indicava estar se retirando. Do outro lado da cama, uma senhora bastante idosa mas com uma postura muito firme e presente, assistia a tudo com uma atitude solene. Já Paul René parecia se esforçar por continuar mantendo os olhos abertos. Tudo nele indicava um estado grave e risco de vida. No entanto, apesar dos seus aparentes 70 anos, era visível uma constituição física invejável. O que talvez estivesse definindo sua resistência e condições atuais. Após a saída do assistente ele recostou-se e olhou-me com um ar interrogativo. Aproximei-me vagarosamente e sorrindo, sentei-me na cadeira recém desocupada. A Senhora do outro lado inclinou-se suavemente para a frente, redobrando a atenção. Senti que eu teria que justificar muito bem minha presença, pois todos que estavam na sala de visitas haviam respeitado a necessidade de repouso do paciente. Optei pela franqueza e narrei delicadamente o motivo que me tinha levado até ali. Quando terminei, ele fez um sinal para Senhora, pedindo que se assentasse novamente. Eu nem havia notado que ela se levantara, muito tensa. E com uma energia surpreendente para seu estado, ele me falou calmamente: «Nobre colega. Tenho experiência de vida suficiente para conhecer muito das pessoas em pouco tempo de convivência. E sinto que posso confiar no Senhor. A gravidade do meu estado não me permite aguardar por mais tempo a tomada de decisões que se fazem urgentíssimas. Vejo a sua vinda aqui como profundamente providencial. Tenho motivos para acreditar que suas conclusões matemáticas acerca das relações entre os dados do exame de sangue referido não são frutos do acaso. Pelo contrário, elas podem estar absolutamente corretas. Vou relatar os dados mais importantes e o restante o Senhor tomará conhecimento através de documentos que confiarei à sua guarda. Até hoje não o tinha feito pois não consegui encontrar uma pessoa em condições de compreender os fatos em toda a sua pleni8tude e tentar resolvê-los de uma forma satisfatória.» Enquanto falava, uma nova energia parecia animalo.

Tomei de um bloco de notas gentilmente cedido pela Senhora Ana René, que de simples espectadora, passou a coadjuvante dos acontecimentos. E ele prosseguiu: «Para ser claro e direto, tudo indica que a pessoa que retém nas veias o sangue de cuja amostra foi concluído o exame que o Senhor examinou é um ser abominável, uma singularidade incompreensível, um aborto da natureza. Sua constituição inteiro contém todas as contradições de uma obra prima de imperfeição. Esta imperfeição é traduzida também no número 6. O 6 é o número imperfeito por excelência. As relações perfeitas na natureza são expressas no número 7, creio que o Senhor deve saber disso muito bem. As 7 no5tas musicais, 7 cores do arco-íris, o ciclo de 28 dias da Lua, sendo 28 um múltiplo de 7 que deu origem aos 7 dias da semana. Este número está também na íntima formaçào estrutural do ser humano. A altura da cabeça multiplicada por 7 dá a altura do indivíduo bem proporcionado. 1/7 é ainda a relação entre os componentes sódio/potássio do sangue humano. No entanto, nessa criatura a essência do número 7 foi substituída pelo número 6. Suas relações sangüíneas realmente tem como base 6,36 (que é o quadrado de 6) e 666. Se o Senhor somar os números de 1 a 36, obterá a soma 666.

A intimidade dessa criatura com o carbono também é muito grande, pois o carbono é o elemento de número atômico 6 na tabela periódica, sendo o elemento das matérias fósseis e carbonizadas. Sua relação astral é com a Lua, que tem enorme influência sobre o sangue de qualquer ser vivo. E o sangue é a essência viva que liga o espírito, a mente e o cérebro à parte física, o corpo com seus ossos e músculos. O elemento da Lua é a prata, de número atômico 47 e incompatível com o carbono, sendo mortal à criatura. Se o Senhor ainda se lembra, o elemento de número atômico 66 é o disprósio, da série dos lantanídeos, também chamados de «Terras Raras». Perdoe-me se estou desordenado na exposição de dados e informações, muitas das quais provavelmente o Senhor já esteja cansado de ouvir. Mas no momento é a melhor solução que me ocorre. Pois, Sr. Flamínio, tudo indica que estamos diante de um VAMPIRO».


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