Quebrou a cabeça por alguns segundos antes de descobrir.
Para começar, não teriam esperado que ele estivesse ali. Somente um perfeito boçal estaria sentado onde ele estava, então tinha alguns pontos a seu favor. Um erro comum que as pessoas cometem quando tentam projetar coisas completamente à prova de imbecis era subestimar a ingenuidade dos imbecis completos. Tirou do bolso o seu recém-adquirido cartão de crédito, enfiou na fenda que havia entre a janela e a moldura e fez algo que um foguete jamais seria capaz de fazer. Sacudiu um pouco o cartão. Sentiu uma lingüeta deslizar. Abriu a janela e quase caiu para trás do parapeito, gargalhando e dando graças, no meio tempo, pelos Grandes Motins da Ventilação e Telefonia de SrDt 3454.
Os Grandes Motins da Ventilação e Telefonia de SrDt 3454 começaram como um monte de ar quente. O ar quente, é claro, era o problema que a ventilação deveria solucionar e, geralmente, ela o solucionava razoavelmente bem, até que alguém inventou o ar-condicionado e resolveu o problema de maneira muito mais contundente. E isso tudo era ótimo, desde que você conseguisse aturar o barulho e o pingapinga, até que alguém foi lá e inventou algo muito mais sexy e inteligente do que o arcondicionado: o controle climático central. Aquilo sim era espetacular.
As principais diferenças entre o novo controle climático e o ar-condicionado comum consistiam no preço exorbitantemente mais caro e numa grande quantidade de equipamentos de medição e calibragem que sabiam, a cada momento, que tipo de ar as pessoas gostariam de respirar, com uma precisão muito maior do que simples pessoas poderiam saber.
O que também significava que, para se certificar de que as simples pessoas não estragariam os cálculos sofisticados que o sistema fazia por elas, todas as janelas nos edifícios tinham de ser absolutamente vedadas. Sério.
Quando os sistemas estavam sendo instalados, várias pessoas que iam trabalhar nos prédios tiveram conversas mais ou menos assim com os montadores do sistema Inteli-Respiratron:
—
Mas e se a gente quiser abrir as janelas?
—
Vocês não vão querer abrir as janelas com o novo Inteli-Respiratron. _ Tá, mas vamos imaginar que a gente queira, só um pouquinho? _ Vocês não vão querer abrir nem um pouquinho. O novo sistema Inteli-Respiratron vai garantir isso.
—
Humm.
—
Aproveitem o Inteli-Respiratron!
—
Tá bem, mas e se o Inteli-Respiratron pifar ou não funcionar direito ou algo assim?
—
Ah! Uma das características mais inteligentes do Inteli-Respiratron é que ele não pifa de jeito nenhum. Então não há com o que se preocupar. Respirem bem e tenham um bom dia.
(Foi justamente por causa dos Grandes Motins de Ventilação e Telefonia de SrDt 3454 que todos os aparelhos mecânicos ou elétricos ou quantum-mecânicos ou hidráulicos ou até mesmo aparelhos movidos a vento, vapor ou pistão eram agora obrigados a ter uma inscrição gravada em algum lugar. Não importa o quão pequeno o objeto fosse, os seus fabricantes tinham de encontrar uma maneira de enfiar a tal inscrição em algum lugar, porque afinal servia para chamar a atenção deles próprios e não necessariamente a dos usuários.
A inscrição era a seguinte:
"A maior diferença entre uma coisa que pode pifar e uma coisa que não pode pifar de jeito nenhum é que, quando uma coisa que não pode pifar de jeito nenhum pifa, normalmente é impossível consertá-la.")
Ondas de calor significativas começaram a coincidir, com uma precisão quase mágica, com defeitos significativos do sistema Inteli-Respiratron. No início isso causou apenas um ressentimento fervoroso e algumas mortes por asfixia. Mas o pavor absoluto surgiu no dia em que três eventos ocorreram simultaneamente. O primeiro foi uma declaração da empresa Inteli-Respiratron dizendo que os seus sistemas funcionavam melhor em climas temperados. O segundo foi a pane de um sistema Inteli-Respiratron em um dia particularmente quente e úmido, o que resultou em uma evacuação de centenas de funcionários de escritórios para a rua, onde se depararam com o terceiro evento — uma turba ensandecida de operadores de telefonia que ficaram tão cansados de ter de repetir
"Obrigada por utilizar nossos serviços", o dia inteiro, todos os dias, para todos os imbecis que apanhavam um telefone, que finalmente decidiram sair às ruas com latas de lixo, megafones e rifles.
Nos dias de carnificina que se seguiram, cada janela da cidade, à prova de foguete ou não, foi quebrada, normalmente com gritos de "Sai da linha, ô babaca! Estou pouco me lixando para o número que você quer discar, para o ramal que está usando... Vai enfiar um fogo de artifício na garganta! É isso aíííí! U-rrrrru!!ü! Vummmmm!
Squawk!" e toda uma variedade de sons animalescos que eles não tinham a oportunidade de utilizar normalmente no trabalho.
Por causa disso, foi concedido a todos os operadores de telefonia o direito constitucional de dizer "Utilize os nossos serviços e vá se danar!" pelo menos uma vez por hora enquanto atendiam o telefone, e todos os prédios comerciais foram obrigados a ter janelas que abrissem pelo menos um pouquinho.
Um outro resultado, completamente inesperado, foi uma queda impressionante no índice de suicídios. Todos os executivos estressados e em ascensão que haviam sido obrigados, na época negra da tirania do Inteli-Respiratron, a se jogar na frente de trens ou se apunhalar até a morte podiam agora simplesmente trepar nos seus parapeitos e pular, na hora em que quisessem. E, freqüentemente, era justo nessa hora, enquanto olhavam a sua volta e organizavam as suas idéias, que subitamente descobriam que tudo que precisavam era de um pouco de ar fresco e uma nova perspectiva das coisas — e talvez uma fazenda na qual pudessem criar algumas ovelhas.
Outro resultado completamente inesperado foi que Ford Prefect, preso no décimo terceiro andar de um prédio altamente blindado, armado apenas com uma toalha e um cartão de crédito, pôde assim mesmo entrar no prédio por uma janela supostamente à prova de foguetes.