OCUPADA!

Quando voltou, percebeu que a luz de recados do seu telefone estava piscando e imaginou há quanto tempo já estaria assim.

Alô? — disse ela para o recepcionista.

Oh, Srta. McMillan, que bom que você ligou. Todo mundo está tentando falar com você. A sua rede de tevê. Estão desesperados para entrar em contato. Você

pode ligar para eles?

Por que você não transferiu a ligação? — perguntou Tricia.

Você pediu para eu não transferir nada. Disse para eu até mesmo negar que a senhorita estava aqui. Eu não sabia o que fazer. Subi até aí para avisá-la, mas...

Está bem — disse Tricia, xingando a si mesma. Ligou para o escritório.

Tricia! Por onde diabos você andou?

Na ilha de...

Eles disseram...

Eu sei. O que está acontecendo?

O que está acontecendo? Só uma espaçonave extraterrestre!

O quê? Aonde?

No Regent's Park. Grandona, prateada. Uma menina com um pássaro. Ela fala a nossa língua, joga pedra nas pessoas e quer alguém para consertar o seu relógio. Vá o mais rápido possível.

Tricia contemplava a cena.

Não era uma nave grebulon. Não que ela tivesse subitamente se tornado uma especialista em embarcações extraterrestres, mas aquela era uma nave esguia e bonita, cinza e branca, do tamanho de um grande iate — aliás, era até mesmo parecida com um. Perto dela, as estruturas da imensa e semidesmantelada nave grebulon pareciam torres de canhão de um navio de guerra. Torres de canhão. Era com elas que os prédios cinzentos se pareciam. E o mais estranho é que, quando passara por elas antes de embarcar novamente na pequena nave grebulon, tinham se movido. Essas coisas passavam depressa pela sua cabeça enquanto ela corria do táxi até a equipe de filmagem.

Onde está a garota? — gritou ela, por cima do barulho dos helicópteros e das sirenes da polícia.

Ali! — gritou o produtor, enquanto o engenheiro de som corria para afixar um microfone nela. — Ela diz que sua mãe e seu pai vieram daqui em uma dimensão paralela ou algo assim e que está com o relógio do pai e... sei lá. O que mais posso dizer? Vai com tudo. Pergunte a ela como é ser de outro planeta.

Valeu, Ted — murmurou Tricia. Verificou se o seu microfone estava bem afixado, respirou fundo, jogou o cabelo para trás e incorporou o papel da repórter profissional, em território familiar, pronta para qualquer coisa. Pelo menos para praticamente qualquer coisa.

Virou-se para procurar a menina. Devia ser aquela ali, com cabelo despenteado e olhos raivosos. A menina virou-se para ela. E encarou—a fixamente.

Mãe! — gritou ela, e começou a atirar pedras em Tricia.

CAPÍTULO 22

A luz do dia explodiu em volta deles. Sol quente, forte. Uma planície deserta se estendia até o horizonte em uma névoa de calor. Saltaram trovejando sobre ela.

Pula! — gritou Ford Prefect.

O quê? — perguntou Arthur Dent, firmemente agarrado. Ford não respondeu.

O que foi que você disse? — gritou Arthur novamente, e então percebeu que Ford Prefect não estava mais lá. Olhou ao redor, em pânico, e começou a escorregar. Percebendo que não podia mais se segurar, arremessou-se para o lado o máximo que pôde e enroscou-se como uma bola ao atingir o chão, rolando, rolando para longe dos cascos esmagadores.

Que dia, pensou ele, tossindo furiosamente a poeira para fora de seus pulmões. Não tinha um dia tão horrível quanto aquele desde que a Terra fora demolida. Ficou de joelhos, com dificuldade, depois em pé e, em seguida, começou a fugir. Não sabia de que nem para onde, mas fugir lhe parecia uma decisão prudente. Deu de cara com Ford Prefect, que estava parado examinando os arredores.

Olha lá — disse Ford. — É exatamente disso que nós precisamos. Arthur tossiu mais um pouco de poeira e limpou mais poeira do cabelo e dos olhos. Ofegante, virou-se para ver o que Ford estava olhando. Não parecia muito com o domínio de um Rei, ou do Rei, ou de qualquer tipo de Rei. Mas era bem convidativo.

Primeiro, o contexto. Aquele era um mundo deserto. A terra seca e batida havia machucado todas as partes de Arthur que não tivessem sido machucadas durante as festividades da noite anterior. Um pouco mais adiante havia penhascos imensos, que pareciam de arenito, desgastados pelo vento e pela mínima chuva que, presumivelmente, caía naquelas bandas produzindo formatos fantásticos que combinavam com os formatos fantásticos dos cactos gigantes que brotavam aqui e ali do solo árido e alaranjado.

Por um momento, Arthur ousou sonhar que haviam chegado inesperadamente no Arizona, ou no Novo México, ou até mesmo em Dakota do Sul, mas havia várias evidências em sentido contrário.

Para começar, as Bestas Perfeitamente Normais continuavam trovejando e esmagando o chão. Elas emergiam aos milhares no horizonte mais longínquo, desapareciam completamente por mais ou menos um quilômetro e depois reapareciam, trovejando e esmagando o chão até o horizonte longínquo oposto. Depois havia as naves espaciais estacionadas na entrada do Bar & Restaurante. Ah, Bar & Restaurante Domínio do Rei. Um certo anticlímax, pensou Arthur com os seus botões.

Na verdade, apenas uma nave espacial estava estacionada na porta do Bar & Restaurante Domínio do Rei. As outras três estavam em um estacionamento ao lado. Mas era a que estava parada na porta que chamava a atenção. Um verdadeiro espetáculo. Estabilizadores maneiríssimos por todo lado e muito, mas muito cromo mesmo sobre os estabilizadores. A maior parte da fuselagem fora pintada de rosa—

choque. Estava agachada, a postos, como um imenso inseto chocando ovos, e dava a impressão de que, a qualquer momento, iria pular em alguma coisa a dois quilômetros de distância.

O Bar & Restaurante Domínio do Rei ficava exatamente no meio do lugar para onde as Bestas Perfeitamente Normais estariam avançando se não fizessem um pequeno desvio transdimensional no caminho. Sozinho, impassível. Um bar & restaurante como outro qualquer. Uma parada de caminhoneiros. Em algum lugar no meio de lugar algum. Silencioso. O Domínio do Rei.

Vou comprar aquela nave — disse Ford, baixinho.

Comprar? — perguntou Arthur. — Isso não é do seu feitio. Pensei que você normalmente furtasse.

Às vezes precisamos ter um mínimo de respeito — disse Ford.

E, provavelmente, um mínimo de dinheiro também — rebateu Arthur. —

Quanto será que custa um troço desses?

Com um movimento discreto, Ford sacou o seu cartão de crédito Jant-O-Card do bolso. Arthur notou que a mão dele tremia um pouco.

Vou ensinar a eles no que dá me tornar crítico de restaurantes... — disse Ford, entre dentes.

O que você quer dizer com isso? — perguntou Arthur.

Vou te mostrar — respondeu Ford com um brilho maldoso nos olhos. —

Vamos lá fazer algumas despesas, está bem?

Duas cervejas — pediu Ford — e, deixa eu ver, dois enroladinhos de bacon, o que mais você tiver aí e, ah, a parada cor-de-rosa ali fora. Colocou o cartão no balcão do bar e olhou em volta, casualmente. Houve uma espécie de silêncio.

Para falar a verdade, não havia muito barulho antes, mas naquele momento havia definitivamente uma espécie de silêncio. Até mesmo o trovejar distante das Bestas Perfeitamente Normais evitando cuidadosamente o Domínio do Rei soava um tanto quanto abafado.

Acabei de cavalgar na cidade — disse Ford, como se não houvesse nada de esquisito nisso ou no resto. Estava inclinado sobre o balcão, em uma postura extravagantemente relaxada.

Havia mais uns três clientes no lugar, sentados às mesas, observando seus drinques. Uns três. Algumas pessoas diriam que eram exatamente três, mas não era um desses lugares em que você possa ser bem preciso. Havia um sujeito grandalhão arrumando alguma coisa sobre o pequeno palco. Uma velha bateria. Algumas guitarras. Coisas típicas de música country.

O barman não estava com muita pressa de atender o pedido de Ford. Para falar a verdade, ele não moveu um músculo.

Acho que a parada rosa não está à venda — disse ele, finalmente, com um daqueles sotaques que não saem dos ouvidos por um bom tempo.

Óbvio que está — disse Ford. — Quando você quer por ela?

Bem...

Pense em um valor. E depois duplique.

Não é minha, não posso vender — respondeu o barman.

Então, de quem é?

O barman fez um gesto com a cabeça, apontando para o grandalhão que estava no palco. Um sujeito grande e gordo, movimentando—se devagar, ligeiramente careca. Ford concordou com a cabeça e sorriu.

Está bem — disse ele. — Traga as cervejas e os rolinhos. Mantenha a conta em aberto.

Arthur sentou—se no bar e descansou. Estava acostumado a não saber o que estava acontecendo. Sentia-se confortável com aquilo. A cerveja era ótima e o deixou com um pouco de sono, o que não tinha o menor problema. Os rolinhos de bacon não eram rolinhos de bacon. Eram rolinhos de Besta Perfeitamente Normal. Trocou alguns comentários profissionais de fazedor de rolinhos com o barman e deixou que Ford fizesse o que queria fazer.

Está bem — disse Ford, voltando para o seu banquinho. — Tudo certo. Conseguimos a parada rosa.

O barman pareceu bastante surpreso.

Ele vai vender para você?

Ele vai nos dar, de graça — respondeu Ford, dando uma mordida no seu rolinho. — Ei, não, não fecha a conta ainda não. Vamos acrescentar algumas coisas. Gostei do rolinho.

Tomou um longo gole de cerveja.

E gostei da cerveja — acrescentou. — Gostei da nave, também — disse ele, olhando a parada grande, rosa, cromada e insetiforme, que podia ser parcialmente vista pelas janelas do bar. — Gostei de tudo, de tudo mesmo. Sabe — disse ele, reclinando—se para trás, pensativo —, é em momentos como este que a gente se pergunta se vale mesmo a pena se preocupar com a tessitura do espaço-tempo e a integridade causai da matriz de probabilidade multidimensional e o potencial colapso de todas formas de onda na Mistureba Generalizada de Todas as Coisas e essas outras histórias que vêm me perturbando. Talvez eu sinta que o grandalhão tem razão. A gente tem mais é que deixar fluir. Se estressar pra quê? Deixa fluir.

Que grandalhão? — perguntou Arthur.

Ford fez um sinal em direção ao placo. O grandalhão estava repetindo "Um, dois" no microfone. Apareceram uns outros sujeitos no palco. Bateria. Guitarra. O barman, que estava calado nos últimos segundos, disse:

Quer dizer que ele vai te dar a nave dele?

Isso — respondeu Ford. — "Deixa rolar", foi o que ele me disse. "Leve a nave. Com as minhas bênçãos. Cuide dela direitinho." Eu vou cuidar dela direitinho. Tomou mais um gole da cerveja.

Como eu ia dizendo — continuou ele. — É em momentos como este que você meio que pensa, ah, deixa rolar geral. Mas aí você pensa em sujeitos como os da InfiniDim e depois pensa: eles não vão sair impunes dessa. Eles merecem sofrer. É o meu dever sagrado fazer com que eles sofram. Aqui, deixa eu acrescentar uma coisa na conta para o cantor. Fiz um pedido especial e chegamos a um acordo. Deve ser incluído na minha conta, o.k.?

O.k. — respondeu o barman, desconfiado. Depois, deu de ombros. —

Está bem, como o senhor quiser. Quanto?

Ford disse o valor. O barman caiu duro para trás, derrubando garrafas e copos. Ford se debruçou prontamente sobre o balcão para checar se ele estava bem e para ajudá-lo a se levantar. Havia cortado o dedo e o cotovelo e estava se sentindo um pouco grogue mas, tirando isso, estava bem. O grandalhão começou a cantar. O barman saiu cambaleando e foi passar o cartão de Ford.

Está acontecendo alguma coisa aqui que eu não estou sabendo? —

perguntou Arthur para Ford.

Não é sempre assim? — rebateu Ford.

Não precisa falar assim — disse Arthur. Começou a acordar. — Não é

melhor irmos embora logo? — perguntou ele, de repente. — Essa nave pode nos levar à

Terra?

Claro que sim — disse Ford.

E para lá que Random está indo! — disse Arthur, sobressaltado. —

Podemos ir atrás dela! Mas... ah...

Ford deixou Arthur raciocinando por conta própria e apanhou a sua velha edição do Guia do Mochileiro das Galáxias.

Mas onde é que nós estamos no tal eixo de probabilidade? — perguntou Arthur. — A Terra vai ou não estar lá? Já passei tanto tempo procurando por ela. O

máximo que encontrei foram planetas parecidos ou completamente diferentes dela, embora eu estivesse claramente no lugar certo, por causa dos continentes. A pior versão foi um lugar chamado EAgora, onde fui mordido por um animal desgraçado. É assim que eles se comunicavam, sabe, mordendo uns aos outros. Dói pra cacete. E na metade do tempo, é claro, a Terra sequer está lá, porque foi demolida pelos malditos vogons. Estou falando alguma bobagem?

Ford não disse nada. Estava ocupado, escutando alguma coisa. Passou o Guia para Arthur e apontou para a tela. O verbete ativado dizia: "Terra. Praticamente inofensiva".

Quer dizer que está lá! — exclamou Arthur, eufórico. — A Terra está lá!

É para lá que Random deve estar indo! O pássaro estava mostrando a Terra para ela na tempestade!

Ford fez um sinal para Arthur falar mais baixo. Queria escutar. Arthur estava ficando impaciente. Já tinha ouvido cantores de bar cantando Love Me Tender antes. Estava um pouco surpreso de ouvir a música ali, no meio de sabe-se lá onde diabos estavam, certamente não na Terra, mas ultimamente as coisas não o espantavam mais como antes. O cantor até que era bom, em se tratando de cantores de bar, se você curte esse tipo de coisa, mas Arthur estava ficando aflito. Deu uma olhadela no relógio. Aquilo só serviu para lembrar-lhe de que não tinha mais relógio. Estava com Random, ou, pelo menos, o que sobrara do relógio.

Você não acha que devíamos partir? — perguntou ele, insistente.

Shhhh! — disse Ford. — Eu paguei para ouvir essa música. — Ele parecia estar com lágrimas nos olhos, o que deixou Arthur um tanto quanto desconcertado. Nunca vira Ford comovido por qualquer outra coisa que não fosse uma bebida muito, mas muito forte. Devia ser a poeira. Esperou, tamborilando os dedos irritado, fora do ritmo da música.

A música terminou. O cantor começou a cantar Heartbreak Hotel.

De qualquer forma — sussurrou — ainda tenho que fazer uma crítica do restaurante.

O quê?

Preciso escrever uma crítica.

Uma crítica? Desse lugar?

Enviar uma crítica valida a cobertura das despesas. Dei um jeito para que isso acontecesse de maneira completamente automática e impossível de ser rastreada. E

essa conta vai precisar de uma validação — acrescentou ele, baixinho, contemplando sua cerveja com um sorriso malvado.

Umas cervejas e uns rolinhos?

E uma gorjeta para o cantor da banda.

Por que, quanto foi que você deu?

Ford repetiu o valor.

Não sei quanto é isso — disse Arthur. — Quanto dá em libras esterlinas?

O que dá para comprar com isso?

Acho que dá para comprar, por alto... ah... — Ford apertou os olhos enquanto fazia os cálculos na cabeça. — A Suíça — disse ele finalmente. Apanhou o seu Guia e começou a digitar.

Arthur balançou a cabeça. Algumas vezes, gostaria de entender que diabos Ford estava falando, mas outras, como agora, sentia que talvez fosse mais seguro nem tentar. Olhou por cima do ombro de Ford.

Não vai demorar muito não, vai?

Não — disse Ford. — Moleza. É só mencionar que os rolinhos estavam ótimos, a cerveja boa e gelada, que a vida selvagem local é agradavelmente excêntrica, o cantor da banda o melhor do universo e pronto. Não precisa de muita coisa, não. Só

uma validação.

Tocou em uma parte da tela onde estava escrito ENTER e a mensagem desapareceu na rede subeta.

Quer dizer que você gostou mesmo do cantor?

Hum-hum — disse Ford. O barman estava voltando com um pedaço de papel, que parecia estar tremendo em sua mão.

Entregou o papel a Ford com uma espécie de espasmo nervoso e reverencioso.

Engraçado — comentou o barman. — O sistema rejeitou o cartão algumas vezes. Não que isso tenha me surpreendido. — A sua testa estava coberta de gotículas de suor. — Então, do nada, tudo bem, está tudo certo e o sistema... ah, autorizou o cartão. Simples assim. O senhor pode... assinar?

Ford examinou o papel rapidamente. Deu um assobio leve. — Isso vai dar uma bela dor de cabeça na InfmiDim — disse ele, fingindo preocupação. — Paciência —

continuou ele, delicado. — Que se danem.

Assinou com um floreio e devolveu o papel ao barman.

Mais dinheiro do que ele já ganhou em toda a sua carreira de filmes ruins e apresentações em cassinos. Apenas por fazer o que ele faz de melhor. Pegar o microfone e cantar em um bar. E ele próprio fez a negociação. Acho que é um momento de sorte para ele. Agradeça a ele por mim e lhe sirva uma bebida por minha conta. —

Ford jogou umas moedas sobre o balcão. O barman tentou devolver.

Acho que isso não é necessário — disse ele, levemente rouco.

Pra mim, é — respondeu Ford. — Beleza, vamos dar o fora daqui. Ficaram parados no calor e na poeira, contemplando a nave imensa, rosa e cromada, pasmos e admirados. Ou pelo menos Ford a contemplava pasmo e admirado. Arthur apenas a contemplava.

Você não acha muito exagerada, não?

Repetiu a mesma coisa quando entraram na nave. Os assentos e uma boa parte dos controles eram revestidos de pele ou de camurça. Havia um imenso monograma dourado no painel de controle principal com as iniciais EP.

Sabe — disse Ford, ligando os motores da nave —, eu perguntei a ele se era verdade que foi abduzido por alienígenas e sabe o que ele disse?

Ele quem? — perguntou Arthur.

O Rei.

Que Rei? Ai, já conversamos sobre isso, não foi?

Deixa pra lá — disse Ford. — O que importa é que ele disse não. Ele veio por vontade própria.

Ainda não sei direito de quem estamos falando — disse Arthur. Ford balançou a cabeça.

Olha, tem umas fitas aí no compartimento à sua esquerda. Por que você não escolhe alguma música para a gente ouvir?

Está bem — disse Arthur, vasculhando o compartimento.

Você gosta de Elvis Presley?

Para falar a verdade, gosto, sim — disse Ford. — Só espero que essa máquina possa saltar pelo espaço tão bem quanto parece. — Acionou o propulsor principal.

Yeeehaah! — gritou Ford, enquanto levantavam vôo a uma velocidade estonteante.

Ela podia.

CAPÍTULO 23

As emissoras de televisão detestavam coisas assim. Consideravam um desperdício. Uma incontestável nave espacial aterrissa, do nada, no meio de Londres e vira uma notícia sensacional, da maior importância. Então outra nave completamente diferente aparece, três horas e meia depois, e ninguém dá bola. OUTRA NAVE ESPACIAL!, anunciaram as manchetes e os cartazes na banca de jornais. ESTA É COR—DE—ROSA. Se fosse alguns meses depois, poderiam ter aproveitado mais a notícia. A terceira, uma pequena nave Hrundi com quatro leitos que chegou meia hora depois da segunda, só foi destaque no noticiário local.

Ford e Arthur desceram a toda da estratosfera e estacionaram direitinho em Portland Place. Era um pouco mais de seis e meia da noite e havia vaga. Misturaram—

se brevemente com a multidão que estava reunida, babando, disseram em voz alta que, se ninguém mais pretendia chamar a polícia, eles chamariam, e conseguiram fugir tranqüilamente.

Meu lar... — disse Arthur, com a voz levemente embargada, olhando ao redor com os olhos rasos d'água.

Ah, não começa com sentimentalismo pro meu lado, não — cortou logo Ford. — Temos que encontrar a sua filha e aquela criatura-pássaro.

Como? — perguntou Arthur. — Existem seis bilhões de pessoas neste planeta e...

Tudo bem, — interrompeu Ford. — Mas apenas uma delas acabou de chegar do espaço sideral em uma nave prateada gigantesca, acompanhada de um pássaro mecânico. Acho que temos que procurar uma televisão e alguma coisa para ficar bebendo enquanto a gente assiste ao noticiário. Precisamos de um serviço de quarto decente.

Hospedaram-se em uma suíte dupla no Langham. Misteriosamente, o Jant-OCard de Ford, expedido em um planeta que ficava a mais de quinhentos anos-luz de distância, foi aceito pelo computador do hotel sem problemas. Ford correu para o telefone, enquanto Arthur tentava localizar a tevê.

Vamos lá — disse Ford. — Eu vou querer umas margaritas, por favor. Dois jarros. Duas saladas do chef. E o máximo de fois gras que vocês tiverem aí. Ah, e o zoológico de Londres.

Ela está no noticiário! — berrou Arthur do outro quarto.

Isso mesmo — disse Ford ao telefone. — O zoológico de Londres. Pode colocar na minha conta.

Ela está... Meu Deus! — gritou Arthur. — Sabe quem está entrevistando ela?

O senhor está tendo dificuldade de compreender a sua própria língua? —

continuou Ford. — É o zoológico que fica logo ali na esquina. Não me interessa se estão fechados hoje. Não quero um ingresso, só quero comprar o zoológico. Não me interessa se você está ocupado. Aí é o serviço de quarto, eu estou em um quarto e quero um serviço. Está com um papel aí? Ótimo. Anota o que eu quero que você faça. Todos os animais que possam ser devolvidos em segurança para a vida selvagem devem ser devolvidos. Arrume algumas equipes legais para monitorar o progresso deles na natureza, para ver se estão indo bem.

É a Trillian! — gritou Arthur. — Ou é... ahn... Cara, eu não agüento mais essa história de universo paralelo. É tão confuso, droga. Parece que é uma Trillian diferente. É a Tricia McMillan, que era como Trillian costumava se chamar antes de... ahn... Por que você não vem assistir, ver se consegue descobrir alguma coisa?

Só um segundo — gritou Ford, voltando às suas negociações com o serviço de quarto. — Então vamos precisar de algumas reservas naturais para os animais que não conseguirem se adaptar à vida selvagem novamente — disse ele. —

Arrume uma equipe para descobrir os melhores lugares para isso. Talvez tenhamos que comprar algum lugar como o Zaire ou talvez algumas ilhas. Madagascar. Baffin. Sumatra. Lugares assim. Precisamos de uma boa variedade de habitats. Olha, não estou entendendo por que você está criando problemas com isso. Aprenda a delegar. Contrate quem quiser. Vá em frente, você vai ver que eu tenho crédito na praça. Ah, e queijo Roquefort para as saladas, tá? Obrigado.

Desligou o telefone e foi até Arthur, que estava sentado na beira da cama, vendo televisão.

Pedi foie gras para a gente — disse Ford.

O quê? — perguntou Arthur, que estava concentrado na tevê.

Pedi foie gras para a gente.

Ah, tá — respondeu Arthur, vagamente. — Humm, nunca me senti muito bem em relação ao foie gras. É meio cruel com os gansos, não é?

Que se danem os gansos — respondeu Ford, jogando—se na cama. —

Não dá para se preocupar com todos os bichos.

Bom, isso é fácil para você dizer, mas...

Ai, chega! — interrompeu Ford. — Se você não quer, eu como o seu. O

que está havendo, hein?

Caos! — disse Arthur. — Caos total! Random está na tevê gritando para Trillian, Tricia, seja lá quem for, que ela a abandonou, e exigindo ir para uma boate decente. Tricia está aos prantos, dizendo que sequer chegou a conhecer Random, muito menos a pariu. Então ela começou a berrar sobre alguém chamado Rupert e disse que ele perdeu a mente, algo assim. Não entendi direito essa parte, pra ser sincero. Então Random começou a jogar coisas e eles cortaram para o comercial, enquanto tentavam dar um jeito na situação. Ah! Voltaram para o estúdio! Cala a boca e assiste. Um apresentador levemente perturbado apareceu na tela e pediu desculpas aos telespectadores pelo corte da matéria. Disse que não tinha nenhuma notícia concreta para apresentar, apenas que a garota misteriosa, que se apresentou como Random Frequent Flyer Dent, abandonara o estúdio para, ah, descansar. Tricia McMillan voltaria, esperava ele, no dia seguinte. Enquanto isso, novas notícias sobre a atividade dos óvnis estavam chegando...

Ford levantou da cama em um salto, apanhou o telefone mais próximo e digitou um número às pressas.

Recepção? Você quer ser dono do hotel? Ele será seu se você conseguir descobrir em cinco minutos a quais clubes Tricia McMillan pertence. Coloque tudo aí

na minha conta.

CAPÍTULO 24

Longe dali, nas profundezas negras do espaço, movimentos invisíveis eram feitos. Eram invisíveis para qualquer um dos habitantes da estranha e temperamental Zona Plural no centro da qual se localizavam as infinitamente numerosas possibilidades do planeta chamado Terra, mas não eram nenhum pouco irrelevantes. Nos confins do sistema solar, aninhado sobre um sofá verde de couro artificial, contemplando impaciente uma gama de televisores e telas de computador, estava sentado um líder grebulon extremamente preocupado. Estava mexendo em várias coisas. Mexendo em seu livro de astrologia. Mexendo no terminal do computador. Mexendo nos monitores que levavam até ele, constantemente, as imagens de todos os equipamentos de monitoração dos grebulons, todos focados no planeta Terra. Estava angustiado. A missão deles era monitorar. Mas monitorar em segredo. Estava um pouco de saco cheio da sua missão, para falar a verdade. Tinha quase certeza de que a sua missão era mais do que ficar sentado vendo televisão para o resto da vida. Eles tinham muitos outros equipamentos que deviam servir para alguma coisa se não tivessem acidentalmente perdido qualquer noção sobre para que serviam. Precisava encontrar um sentido para a vida, por isso voltara—se para a astrologia, na esperança de preencher o abismo escancarado que existia entre a sua mente e a sua alma. Aquilo haveria de lhe dizer alguma coisa, com certeza.

Bom, estava lhe dizendo alguma coisa.

Estava lhe dizendo, até onde conseguia interpretar, que ele ia ter um péssimo mês, que as coisas iriam de mal a pior se ele não tomasse as rédeas da situação e começasse a tomar atitudes positivas e chegasse às conclusões por conta própria. Era verdade. Estava bem claro em seu mapa astral, que ele havia preparado usando um livro de astrologia e o programa de computador que a simpática Tricia McMillan desenvolveu para que ele retriangulasse todos os dados astronômicos adequados. A astrologia da Terra tinha de ser inteiramente recalculada para produzir resultados significativos para os grebulons no décimo planeta, nos confins enregelados do sistema solar.

Os novos cálculos mostravam de maneira absolutamente inegável que ele estava prestes a ter um mês definitivamente ruim, começando naquele dia. Porque naquele dia a Terra começava a ascender em Capricórnio, algo que, para o líder grebulon, que mostrava todos os sinais de ser um típico taurino, era realmente ruim. De acordo com seu horóscopo, aquela era a hora de tomar ações concretas, de fazer escolhas difíceis, de ver o que precisava ser feito e seguir em frente. Aquilo tudo era muito angustiante para ele, mas ninguém nunca disse que tomar decisões difíceis não era difícil. O computador já estava rastreando e prevendo a posição da Terra a cada segundo. Ele ordenou que as grandes torres de tiro cinzentas se posicionassem. Como todos os equipamentos de vigilância estavam focados no planeta Terra, deixaram de notar que havia agora uma segunda fonte de dados no sistema solar. Suas chances de detectar por acaso essa nova fonte de dados —uma gigantesca nave de construção amarela — eram praticamente nulas. Estava tão distante do sol quanto Rupert, mas estava diametralmente oposta, quase escondida pelo sol. Quase.

A gigantesca nave de construção amarela queria monitorar os acontecimentos no décimo planeta, sem que ela mesma fosse detectada. Estava indo muito bem. Essa nave era diametralmente oposta à dos grebulons em vários sentidos. O seu líder, o seu capitão, tinha uma idéia muito bem formada sobre seu objetivo. Ela era bastante simples e banal, e ele a seguia de sua forma mais simples e banal há algum tempo.

Qualquer pessoa que conhecesse o seu objetivo poderia até mesmo considerálo sem sentido e desagradável, pois não era o tipo de objetivo que enriquecia uma vida, que a deixava mais colorida, que fazia os passarinhos cantarem e as flores desabrocharem. Para falar a verdade, acontecia o oposto. Exatamente o oposto. No entanto, preocupar—se com aquilo não era o seu trabalho. Fazer o seu trabalho era o seu trabalho, que consistia em fazer o seu trabalho. Se aquilo produzia uma certa estreiteza mental e uma circularidade de pensamentos, tampouco era o seu trabalho se preocupar com aquele tipo de coisa. Qualquer coisa no gênero que chegasse até ele era transferida para outros, que, por sua vez, tinham mais gente para quem transferir coisas assim.

A muitos anos-luz dali — ou de qualquer outro lugar, para falar a verdade —

ficava o soturno e há muito abandonado planeta Vogsfera. Em algum lugar, em um enevoado e fétido lamaçal desse planeta, existe, cercado pelas carapaças imundas, partidas e vazias dos últimos e fugidios caranguejos cobertos de jóias cintilantes, um pequeno monumento de pedra que marca o lugar onde, segundo se diz, surgiu a espécie Vogon Vogonblurtus. No monumento, uma flecha entalhada aponta para dentro do nevoeiro e, abaixo dela, estão escritas, em letras simples, as palavras: "Daqui para a frente é por sua conta e risco".

Imerso nas entranhas da sua repugnante nave amarela, o capitão vogon resmungava enquanto apanhava um pedaço de papel desbotado e dobrado nas pontas que estava na sua frente. Uma ordem de demolição.

Se fôssemos esmiuçar exatamente onde o trabalho do capitão, que era fazer o seu trabalho, começava, tudo se resumia àquele pedaço de papel que lhe fora expedido pelo seu superior imediato há muito tempo. Havia uma instrução no pedaço de papel e o seu objetivo era cumprir aquela instrução e marcar com um pequeno tique o quadrado correspondente quando a tivesse cumprido.

Já havido cumprido a instrução uma vez, mas uma infinidade de circunstâncias desagradáveis haviam impedido que ele ticasse o quadradinho. Uma das circunstâncias desagradáveis era a natureza plural daquele setor da Galáxia, onde o possível continuamente interferia com o provável. Uma demolição pura e simples era como empurrar para baixo uma bolha de ar em um pedaço de papel de parede mal colocado. Tudo o que era demolido surgia novamente. Aquilo acabaria em breve.

A outra circunstância desagradável era um pequeno grupo de pessoas que viviam se recusando a estar onde deveriam estar quando deveriam estar. Outra coisa que acabaria em breve.

A terceira circunstância era uma invençãozinha irritante e anárquica chamada O Guia do Mochileiro das Galáxias. Aquilo já estava sendo devidamente resolvido e, na verdade, por meio do poder fenomenal da engenharia reversa temporal, ele era justamente a agência encarregada de acabar com todo o resto. O capitão viera apenas assistir ao ato final daquele drama. Mas ele próprio não precisava levantar um dedo.

— Mostre para mim — pediu ele.

A silhueta em formato de pássaro abriu as asas e flutuou no ar. A ponte de comando foi engolida pela escuridão. Luzes tênues bailaram brevemente nos olhos negros do pássaro, enquanto nas profundezas do seu espaço de endereçamento instrucional um parêntese após o outro se fechava, suas cláusulas condicionais finalmente se resolvendo, loops de repetição terminavam e funções recursivas se chamavam pelas últimas vezes.

Uma visão magnífica surgiu na escuridão, azul-marinho e verde, um tubo flutuando no ar, com o formato de uma tira de salsichas entrecortadas. Com um som flatulento de satisfação, o capitão vogon acomodou-se para ver o espetáculo.

CAPÍTULO 25

Aqui, número quarenta e dois — berrou Ford Prefect para o motorista de táxi.

— É aqui! O táxi freou bruscamente e Ford e Arthur desceram apressados. Haviam parado em vários caixas automáticos pelo caminho. Ford jogou um punhado de notas em cima do motorista pela janela.

A entrada do clube era escura, elegante e sóbria. O seu nome estava escrito em uma placa minúscula. Os sócios sabiam o endereço e os não sócios não precisavam saber.

Ford Prefect não era sócio do Stavro's, apesar de ter ido uma vez ao seu outro clube em Nova York. Tinha um método bem simples para lidar com lugares dos quais não era sócio. Simplesmente adentrava o local assim que a porta abria, apontava para Arthur e dizia: "Tudo bem, ele está comigo."

Desceu as escadas escuras e polidas aos saltos, sentindo-se o máximo com seus sapatos novos. Eram de camurça azul e Ford estava satisfeito porque, apesar de tudo o que estava acontecendo, tivera olhos de lince para notá-los na vitrine da loja, do banco de trás de um táxi em alta velocidade.

Eu não te disse para não vir aqui?

O quê? — perguntou Ford.

Um homem magro, com aparência de doente, usando trajes largos e italianos e acendendo um cigarro, cruzou com eles subindo a escada e parou, bruscamente.

Você, não — respondeu o sujeito. — Ele.

Olhou para Arthur, depois ficou um pouco confuso.

Desculpe — disse, então. — Acho que o confundi com outra pessoa. —

Começou a subir as escadas novamente, mas mal deu outro passo. Virou-se para trás, ainda mais intrigado. Olhou fixamente para Arthur.

O que foi agora? — perguntou Ford.

O que você disse?

Eu disse "o que foi agora?" — repetiu Ford, irritado.

É, acho que sim — disse o homem, cambaleando e deixando cair a caixa de fósforos que carregava. Moveu os lábios vagarosamente e passou a mão pela testa.

Desculpe — repetiu ele. — Estou tentando desesperadamente me lembrar qual foi a droga que eu tomei, mas deve ter sido uma daquelas que embaralham a memória. — Balançou a cabeça, virou-se novamente e subiu para o banheiro masculino.

Vamos — disse Ford. Desceu as escadas correndo, com Arthur nervosamente na sua cola. Aquele encontro havia mexido muito com ele, mas não sabia dizer o motivo.

Não gostava de lugares como aquele. Apesar de todos os sonhos de voltar para a Terra e para casa durante tantos anos, agora sentia uma saudade louca da sua cabana em Lamuella, das suas facas e dos seus sanduíches. Sentia saudades até mesmo do Velho Thrashbarg.

Arthur!

Era um efeito impressionante. Alguém acaba de gritar o seu nome em estéreo. Virou-se para trás. No alto da escada, vindo em sua direção, estava Trillian, usando a sua lindamente amarrotada Rymplom TM. Parecia subitamente chocada. Arthur virou-se para trás para ver o que a estava deixando chocada. No alto da escada estava Trillian, usando... Não, essa é Tricia. A Tricia que Arthur tinha acabado de ver, histérica e confusa, na televisão. E atrás dela estava Random, parecendo estar mais desvairada do que nunca. Mais atrás, nos fundos do clube parcamente iluminado e chique, os outros clientes compunham um quadro estático, contemplando, tensos, o confronto na escadaria.

Por alguns segundos, todos permaneceram parados, imóveis. Apenas a música que vinha de trás do bar não sabia como parar.

Essa arma na mão dela — disse Ford em voz baixa, fazendo um gesto contido na direção de Random — é uma Wabanatta 3. Estava na nave que ela roubou de mim. É bastante perigosa, para falar a verdade. Não se mexa por enquanto. Vamos ficar calmos e descobrir o que está chateando a menina.

Onde é que eu me encaixo? — gritou Random, de repente. A mão que segurava a arma tremia loucamente. A mão livre vasculhou o bolso e apanhou o que sobrara do relógio de Arthur. Sacudiu-na frente deles.

Achei que me encaixasse aqui — gritou Random — no mundo em que fui feita! Mas acontece que nem a minha mãe sabe quem eu sou! — Ela jogou o relógio longe, violentamente, e ele se despedaçou contra os copos atrás do bar, as peças voando para todos os lados.

Todos ficaram quietos por mais alguns momentos.

Random — disse Trillian, calmamente, do alto da escada.

Cala a boca! — berrou Random— Você me abandonou!

Random, é importante que você preste atenção no que eu vou dizer e entenda — insistiu Trillian, calma. — Não temos muito tempo. Temos que partir. Temos todos que ir embora.

Do que você está falando? Estamos sempre partindo! — Agora estava segurando a arma com as duas mãos e ambas tremiam. Não estava apontando para ninguém específico. Estava apontando para o mundo em geral.

Escuta — tentou Trillian novamente. — Eu te deixei porque fui cobrir uma guerra para a emissora. Era extremamente perigoso. Pelo menos, eu pensei que fosse ser. Eu cheguei lá e a guerra havia subitamente deixado de acontecer. Houve uma anomalia temporal e... escuta! Por favor, escuta! Uma nave de guerra responsável pelo reconhecimento não apareceu, o resto da frota se dispersou em uma bagunça patética. Acontece o tempo todo agora.

Não me interessa! Não quero saber do seu maldito trabalho! — berrou Random. — Eu quero um lar! Quero pertencer a algum lugar!

Este não é o seu lar — disse Trillian, ainda mantendo a sua voz calma. —

Você não tem lar. Nenhum de nós tem. Praticamente ninguém mais tem. A nave desaparecida de que eu estava falando, as pessoas dessa nave não têm um lar. Não sabem de onde vieram. Sequer lembram quem são ou o que devem fazer. Estão completamente perdidas, confusas, assustadas. Estão aqui neste sistema solar e estão prestes a fazer algo muito... equivocado, porque estão perdidas e confusas. Temos... que... partir... agora. Não sei dizer para onde. Talvez não haja lugar nenhum. Mas não podemos ficar aqui. Por favor. Só mais uma vez. Podemos ir?

Random estava tremendo, em pânico e confusa.

Está tudo bem - disse Arthur, delicadamente. - Se eu estou aqui, estamos seguros. Não me peçam para explicar agora, mas eu estou seguro, então vocês também estão. Está bem?

Como assim? - perguntou Trillian.

Vamos relaxar, pessoal — disse Arthur. Estava muito tranqüilo. A sua vida era encantada e nada daquilo parecia real.

Devagarzinho, aos poucos, Random começou a relaxar e abaixou a arma, lentamente.

Duas coisas aconteceram ao mesmo tempo.

A porta do banheiro masculino no alto das escadas se abriu e o homem que abordara Arthur saiu de lá, fungando.

Assustada com aquele movimento brusco, Random levantou a arma novamente justo na hora em que um homem, parado atrás dela, tentou apanhá-la. Arthur se jogou na frente. Houve uma explosão ensurdecedora. Caiu de mau jeito quando Trillian arremessou-se sobre ele. O barulho cessou. Arthur suspendeu a cabeça a tempo de ver o homem parado no alto da escada olhando para ele absolutamente estupefato.

— Você... - disse ele. Então, lentamente, terrivelmente, ele tombou. Random largou a arma e caiu no chão de joelhos, chorando. — Sinto muito! disse ela. — Sinto muito! Sinto tanto... Tricia foi até ela. Trillian foi até ela.

Arthur estava sentado na escada, com a cabeça entre as mãos e não fazia a menor idéia do que fazer. Ford estava sentado atrás dele. Apanhou uma coisa do chão, olhou com interesse e passou para Arthur.

Isto aqui significa alguma coisa para você? - perguntou ele. Arthur apanhou. Era a caixinha de fósforos que o morto deixara cair. O nome do clube estava escrito nela. E o nome do proprietário também. Estava escrito assim:

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