Capítulo 6


No começo, a espera foi um inferno.

Eles o levaram para a pista de aterrissagem no topo da torre vazia, depois que descobriram que os Jadeferro não podiam ser encontrados, e o forçaram a sentar no canto do telhado varrido pelo vento. O pânico tomava conta de Dirk, e seu estômago tinha um nó dolorido.

- Bretan... - Dirk começou, em uma voz que beirava à histeria, mas o kavalariano apenas se virou para ele e desferiu um tapa em sua boca.

- Não sou "Bretan" para você - disse. - Me chame de Bretan Braith se tiver que se dirigir a mim, quase-homem.

Depois disso, Dirk ficou em silêncio. A quebrada Roda de Fogo mancava lentamente pelos céus de Worlorn, e enquanto a observava se arrastar, Dirk sentia que estava muito perto de ter um ataque de nervos. Tudo o que lhe acontecera parecia irreal, e os Braiths e os eventos da tarde eram o menos real de tudo, e ele se perguntava o que aconteceria se repentinamente ficasse em pé e pulasse da beira do telhado até a rua. Cairia e cairia, pensou, como acontece em um sonho, mas quando se esmagasse nos tijolos de pedrardente escura lá embaixo não haveria dor, apenas o choque de um súbito despertar. E se encontraria em sua cama em Braque, ensopado de suor e rindo dos absurdos desse pesadelo.

Brincou com esse pensamento e outros semelhantes por um tempo que pareceu horas, mas, quando olhou para cima, o Satã Gordo mal tinha se posto completamente. Começou a tremer, então; o frio, disse a si mesmo, o vento frio de Worlorn, mas sabia que aquilo não era o frio, e quanto mais lutava para se controlar, mais tremia, até que os kavalarianos olharam para ele com estranheza. E a espera prosseguiu.

E finalmente os tremores seguiram seu curso, assim como os pensamentos de suicídio e o pânico antes deles, e um estranho tipo de calma caiu sobre ele. Pegou-se pensando novamente, mas pensando coisas sem sentido: especulava ociosamente, como se tudo aquilo não passasse de uma aposta, se a arraia cinza ou o veículo militar voltariam primeiro, ou em como Jaan ou Garse se arranjariam em um duelo com o Bretan caolho, ou no que aconteceria com os filhos da lesma na distante cidade vinhonegrina. Tais questões pareciam terrivelmente importantes, embora Dirk não soubesse por quê.

Então começou a observar seus captores. Esse era o jogo mais interessante de todos, e servia para passar o tempo tão bem quanto qualquer outro. Enquanto observava, notou algumas coisas.

Os dois kavalarianos mal haviam falado desde que o escoltaram até o telhado. Chell, o alto, sentou-se no muro baixo que circundava a pista de aterrissagem a apenas um metro de Dirk, e, quando começou a estudá-lo, Dirk viu que era um homem realmente velho. A semelhança com Lorimaar Alto-Braith era muito ilusória. Embora Chell andasse e se vestisse como um homem mais jovem, era ao menos vinte anos mais velho do que Lorimaar, Dirk suspeitou. Sentado, seus anos pesavam muito mais. O ventre formava uma proeminência curva sobre o tênue brilho do cinturão de malha de aço, e rugas escavavam profundamente o curtido rosto marrom. Dirk também viu veias azuis e manchas rosáceas nas costas das mãos de Chell enquanto ele as repousava nos joelhos. A longa e inútil espera pelo retorno dos Jadeferros o tocara também, e era mais do que tédio. Suas bochechas pareciam ceder, e seus largos ombros haviam inconscientemente caído em um cansaço desleixado.

Ele se moveu uma vez, suspirando, e esticou-se enquanto apertava as mãos nos joelhos para uni-los com força. Foi quando Dirk viu os braceletes dele. No braço direito tinha ferro-e-pedrardente, gêmeo daquele que era exibido tão orgulhosamente pelo caolho Bretan, e o esquerdo tinha prata. Mas faltava o jade. Havia estado ali em algum momento, mas as pedras haviam sido arrancadas e agora o bracelete prateado estava repleto de orifícios.

Enquanto o velho e cansado Chell (repentinamente parecia difícil para Dirk vê-lo como a ameaçadora figura marcial que fora havia algum tempo) sentou-se e esperou que algo acontecesse, Bretan (ou Bretan Braith, como exigira ser chamado) caminhou horas a fio. Era todo incansável energia, pior do que qualquer um que Dirk já vira, mesmo Jenny, que fora bem inquieta em seu tempo. Mantinha as mãos enfiadas profundamente nos bolsos do curto casaco branco e andava de um lado para o outro pelo telhado, indo e voltando, indo e voltando. A cada três voltas, olhava para cima impacientemente, como se estivesse reprovando o céu crepuscular por não lhe trazer Jaan Vikary.

Eram um par estranho, Dirk decidiu enquanto os observava. Bretan Braith era tão jovem quanto Chell era velho - certamente não mais velho do que Garse Janacek e provavelmente mais jovem do que Gwen, Jaan, ou ele mesmo. Como viera a se tornar teyn de um kavalariano tão mais idoso do que ele? Tampouco era um alto-senhor, nem dera uma betheyn para Braith; seu braço esquerdo, coberto com uma fina camada de pelos ruivos que brilhavam quando estava bem perto de Dirk e refletiam a luz solar, não tinha nenhum bracelete de jade-e-prata.

Seu rosto, aquele estranho meio-rosto, era mais feio do que qualquer coisa que Dirk já vira, mas na medida em que o dia minguava e o falso crepúsculo se tornava real, descobriu que já tinha se acostumado com ele. Quando Bretan Braith caminhava em uma direção, parecia completamente normal: um jovem esbelto e ágil, cheio de energia nervosa mantida firmemente sob controle, tão controlada que Bretan parecia prestes a explodir. Seu rosto daquele lado era sem marcas e sereno; tinha curtos cachos negros em volta da orelha e uns poucos lhe caíam pelos ombros, mas não tinha sinal de barba. Mesmo sua sobrancelha era apenas uma suave linha sobre seu grande olho verde. Parecia quase inocente.

Então, chegava até a beira do telhado e voltava pelo mesmo caminho, e tudo mudava. O lado esquerdo de seu rosto era inumano, uma paisagem de planícies retorcidas e ângulos que nenhum rosto devia ter. A carne fora costurada em meia dúzia de lugares, e o resto tinha o brilho liso do esmalte. Desse lado, Bretan não tinha cabelo em lugar algum, nem orelha - apenas um buraco - e a metade esquerda de seu nariz era uma pequena peça de plástico colorido. Sua boca era uma abertura sem lábios e, o pior de tudo, se movia. Ele tinha um tique nervoso grotesco que lhe contraía o rosto, do canto esquerdo da boca seguia ondulando até o couro cabeludo, sobre montes de tecidos cicatriciais.

Na luz do dia, o olho de pedrardente de Braith era escuro como um pedaço de obsidiana. Mas lentamente a noite chegava, o Olho do Inferno mergulhava no horizonte, e os fogos se destacavam na órbita ocular. Na escuridão total, Bretan seria o Olho do Inferno, não a cansada supergigante de Worlorn; a pedrardente irradiaria um contínuo e inalterável fulgor vermelho, e o meio-rosto ao redor dele se tornaria a negra paródia de um crânio, uma moldura adequada para um olho como esse.

Tudo parecia muito aterrador até que alguém se lembrasse - como Dirk se lembrou - de que tudo era completamente deliberado. Bretan Braith não era obrigado a usar uma pedrardente como olho, ele escolhera isso, por suas próprias razões, e essas razões não eram difíceis de compreender. A mente de Dirk voltou ao momento mais cedo daquela tarde, e ao diálogo junto ao aeromóvel com cabeça de lobo. Bretan era rápido e perspicaz, sem dúvida, mas Chell podia facilmente estar nos primeiros anos da senilidade. Custara-lhe um doloroso esforço compreender a situação, e seu teyn o levara pela mão em cada ponto, Dirk se lembrava. Repentinamente, os dois Braiths pareciam muito menos assustadores, e Dirk podia apenas se perguntar por que ficara tão aterrorizado. Eles eram quase divertidos. O que quer que Jaan Vikary dissesse quando retornasse da Cidade do Tanque sem Estrelas, certamente nada aconteceria; não havia real perigo nesses dois.

Como se estivesse sublinhando isso, Chell começou a murmurar, falando consigo sem perceber, e Dirk olhou-o de relance e tentou escutar. O velho ria um pouco enquanto falava, os olhos encarando o vazio. Suas palavras não faziam nenhum sentido. Dirk levou vários minutos para compreender, mas finalmente percebeu que Chell estava falando em antigo kavalariano. Uma língua que evoluiu em Alto Kavalaan durante os longos séculos do interregno, quando os kavalarianos sobreviventes não tiveram contato com outros idiomas humanos, uma linguagem que rapidamente voltara aos padrões terráqueos, embora enriquecendo a língua materna com palavras que não tinham equivalentes. Quase ninguém falava antigo kavalariano atualmente, Garse Janacek lhe dissera, e mesmo assim aqui estava Chell, um homem mais velho do mais tradicional grupo-coalizão, murmurando coisas que sem dúvida ouvira em sua juventude.

E Bretan, que batera sonoramente em Dirk por usar a forma errada para interpelá-lo, uma forma permitida apenas para seus kethi. Outro costume moribundo, Garse dissera; até mesmo os altos-senhores estavam ficando mais relaxados. Mas não Bretan Braith, jovem e sem altos-títulos, que se aferrava a tradições que homens de gerações mais antigas já haviam descartado como disfuncionais.

Dirk quase sentiu pena deles. Eram anômalos, decidiu, mais marginais e mais sozinhos do que o próprio Dirk, sem mundo em certo sentido, porque Alto Kavalaan já estava além de tudo aquilo e não podia mais ser o mundo deles. Não era de se admirar que tivessem vindo a Worlorn e permanecido ali. Eles e seus costumes estavam morrendo.

Bretan, em particular, era digno de pena; Bretan, que tentava tanto ser uma figura assustadora. Era jovem, talvez o último crente verdadeiro, e viveria para ver um tempo em que ninguém compartiria seus costumes. Era por isso que ele era teyn de Chell? Porque seus pares o rejeitavam e a seus valores antiquados? Provavelmente, imaginou Dirk, e aquilo era cruel e triste.

Um sol amarelo ainda brilhava no oeste. O Cubo era uma vaga lembrança vermelha no horizonte, e Dirk estava pensativo e controlado, já tendo superado seus medos, quando ouviu os aeromóveis se aproximando.

Bretan Braith congelou, olhou para cima, e tirou as mãos dos bolsos. Uma delas foi descansar, quase automaticamente, no coldre da pistola laser. Chell, pestanejando, levantou-se lentamente e de repente pareceu ficar uma década mais jovem. Dirk ergueu-se também.

Os veículos desceram. Os dois juntos, o cinzento e o verde-oliva, voando com uma precisão quase militar, lado a lado.

- Venha aqui. - Bretan grunhiu, e Dirk obedeceu. Chell juntou-se a eles, então estavam os três juntos, com Dirk no centro como um prisioneiro. O vento era cortante. Ao redor deles, as pedrar-dentes da cidade de Larteyn irradiavam um fulgor sangrento, e o olho de Bretan brilhava selvagemente em seu ninho de cicatrizes. As contrações haviam parado por alguma razão; seu rosto estava rígido.

Jaan Vikary manobrou a arraia cinzenta e aterrissou gentilmente, então desceu pelo lado do veículo e se aproximou deles a passos largos. A quadrada e feia máquina militar, cujo teto blindado impedia de ver o piloto, aterrissou quase ao mesmo tempo, e Garse Janacek saiu dela, erguendo a cabeça e olhando ao redor para ver qual era o problema. Viu, fechou a porta do veículo com força, se aproximou e ficou à direita de Vikary.

Vikary cumprimentou Dirk primeiro, com um aceno rápido e um vago sorriso. Então olhou para Chell.

- Chell Nim Ventofrio Fre-Braith Daveson - disse, formalmente. - Honras ao seu grupo, honras ao seu teyn.

- É para os seus - o velho Braith disse. - Meu novo teyn está ao meu lado, você não o conhece. - Indicou Bretan. Jaan se virou e mediu o jovem marcado por cicatrizes rapidamente com os olhos.

- Sou Jaan Vikary - disse -, do grupo Jadeferro.

Bretan fez seu ruído, aquele mesmo ruído peculiar. Seguiu-se um estranho silêncio.

- Mais propriamente - Janacek falou -, meu teyn é Jaantony Riv Lobo Alto-Jadeferro Vikary. E eu sou Garse Jadeferro Janacek.

Agora Bretan respondeu.

- Honras ao seu grupo, honras ao seu teyn. Sou Bretan Braith Lantry.

- Eu deveria saber - Janacek disse com um leve sinal de sorriso. - Ouvimos falar de você.

Jaan Vikary lhe deu uma olhada de advertência. Parecia haver algo de errado com o rosto de Jaan. No início, Dirk pensou que era impressão sua, por causa da pouca luz - a escuridão chegava rapidamente mas então viu que a mandíbula de Vikary estava levemente inchada em um lado, dando a seu perfil um aspecto deformado.

- Viemos até vocês em alto agravo - disse Bretan Braith Lantry.

Vikary olhou para Chell.

- É isso mesmo?

- E isso mesmo, Jaantony Alto-Jadeferro.

- Lamento que haja discórdia entre nós - Vikary respondeu. - Qual é o problema?

- Precisamos fazer uma pergunta para você - Bretan falou. Colocou a mão no ombro de Dirk. - Este aqui, Jaantony Alto-Jadeferro. Diga-me, ele é korariel de Jadeferro ou não?

Agora Garse Janacek sorria abertamente com ironia, e seus olhos azuis encontraram os de Dirk, com ar zombeteiro em suas profundezas geladas, como se dissesse, "Bem, bem, o que você fez agora?"

Jaan Vikary apenas franziu o cenho.

- Por quê?

- Por acaso sua resposta depende de nossos motivos, alto-senhor? - Bretan perguntou asperamente. Sua bochecha marcada por cicatrizes se contorceu violentamente. Vikary olhou para Dirk. Claramente não estava satisfeito com aquela situação.

- Não há motivos para que você demore ou nos negue sua resposta, Jaantony Alto-Jadeferro - Chell Daveson falou. - A verdade é sim ou a verdade é não; não pode ser mais do que isso.

A voz do velho era serena; ele, ao menos, não tinha tensões para ocultar, e seu código lhe ditava cada palavra que dizia.

- Antigamente você estaria certo, Chell Fre-Braith. - Vikary começou. - Nos tempos antigos dos grupos, a verdade era uma coisa simples, mas estes são novos tempos, repletos de coisas novas. Somos um povo de muitos mundos, agora, não de um único, e então nossas verdades são mais complexas.

- Não - replicou Chell. - Este quase-homem é korariel ou este quase-homem não é korariel. Isso não é complexo.

- Meu teyn fala a verdade - Bretan completou. - A questão que coloquei para você é bem simples, alto-senhor. Exijo sua resposta.

Vikary não seria pressionado.

- Dirk t'Larien é um homem do distante mundo de Ávalon, de dentro do Véu do Tentador, um mundo humano onde estudei antigamente. Eu o nomeei korariel, dei a ele minha proteção e a proteção de Jadeferro contra aqueles que quisessem causar-lhe algum mal. Mas eu o protejo como um amigo, como protegeria um irmão de Jadeferro, como um teyn protege um teyn. Ele não é minha propriedade. Não me pertence. Entende, Chell Fre-Braith?

Chell não entendia. O velho apertou os lábios sob o pequeno bigode e murmurou algo em antigo kavalariano. Então falou em voz alta. Bem alta, de fato, quase gritando.

- Que disparate é esse? Seu teyn é Garse Jadeferro, não este estranho. Como pode protegê-lo como a um teyn? Ele é de Jade- ferro? Ele nem está armado! Ele é um homem, afinal de contas? Por que, se é, não pode ser korariel; e se ele não é, e ele é korariel, então você deve ser o dono dele. Não vi nenhum sentido em suas palavras de quase-homem.

- Sinto por isso, Chell Fre-Braith - Vikary respondeu -, mas são seus ouvidos que falham, não minhas palavras. Tento respeitar sua honra, mas você não facilita as coisas.

- Você está brincando comigo! - Chell falou, acusadoramente.

-Não.

- Está, sim!

Bretan Braith falou então, e sua voz não tinha nada da raiva de Chell, mas era bastante dura.

- Dirk t'Larien, como ele chama a si mesmo e você o chama, nos ofendeu. Este é o centro da questão, Jaantony Alto-Jadeferro. Ele colocou as mãos em uma propriedade de Braith sem a permissão de Braith. Agora, quem pagará por isso? Se ele é um quase-homem e seu korariel, então aqui e agora eu o desafio. Jadeferro ofendeu Braith. Se ele não é korariel, então, bem...

- Entendo - Jaan Vikary falou. - Dirk?

- Antes de mais nada, tudo o que fiz foi sentar no maldito aeromóvel por um segundo - Dirk disse inquieto. - Estava procurando um veículo abandonado, alguma coisa que ainda funcionasse. Gwen e eu encontramos um assim em Kryne Lamiya, e eu pensei que talvez pudesse encontrar outro.

Vikary deu de ombros e olhou para os dois Braiths.

- Parece que a ofensa cometida, se é que houve ofensa, não foi grave. Nada foi roubado.

- Nosso carro foi tocado! - o velho Chell berrou. - Por ele, por um quase-homem; ele não tinha o direito! Você chama isso de ofensa pequena? Ele poderia ter levado o veículo. Quer que eu feche os olhos como um quase-homem e fique grato por ele ter feito tão pouco? - Virou-se para Bretan, seu teyn. - Os Jadefer- ros brincam conosco, nos insultam - disse. - Talvez não sejam homens verdadeiros, mas também sejam quase-homens. Estão cheios de palavras de quase-homens.

Garse Janacek respondeu imediatamente.

- Sou teyn de Jaantony Riv Lobo Alto-Jadeferro e respondo por ele. Ele não é quase-homem. - As palavras saíram rapidamente, uma fórmula habitual.

Do jeito que Janacek olhou para Vikary, ficou claro para Dirk que ele esperava que seu teyn repetisse as mesmas palavras. Em vez disso, Jaan balançou a cabeça e disse:

- Ah, Chell. Quase-homens não existem.

Soou imensamente cansado, como se um fardo estivesse sobre seus ombros largos.

O Braith mais alto e mais velho olhou como se Jaan tivesse lhe dado um golpe. Novamente murmurou algo em antigo kavalariano.

- Isso não pode ser - Bretan Braith falou. - Não vamos a lugar algum assim. Você nomeia este homem korariel, Jaantony Alto-Jadeferro?

- Sim.

- Eu rejeito o nome - Dirk falou tranqüilamente. Sentia-se obrigado a isso, e o momento parecia oportuno. Bretan virou-se para olhá-lo de relance, e o olho verde do Braith parecia irradiar tanto quanto seu parceiro de pedrardente.

- Ele rejeita apenas a sugestão de propriedade - Vikary disse muito rapidamente. - Meu amigo reafirmou sua condição humana, mas ainda usa o escudo de minha proteção.

Garse Janacek sorriu ironicamente e balançou a cabeça.

- Não, Jaan. Você não estava em casa esta manhã. t'Larien não quer nenhuma proteção nossa. Ele disse isso.

Vikary olhou para ele, furioso.

- Garse! Isso não é hora para brincadeiras.

- Não estou brincando - disse Janacek.

- É verdade - admitiu Dirk. - Eu disse que posso cuidar de mim mesmo.

- Dirk, você não sabe o que está falando! - Vikary advertiu.

- Pois para variar um pouco, acho que sei.

Bretan Braith Lantry fez seu ruído, bem alto e repentino, enquanto Dirk e os dois Jadeferros discutiam, e seu teyn Chell permanecia rígido em fúria.

- Silêncio! - A voz ríspida exigiu, e todos ficaram quietos. - Isso não tem importância. As coisas continuam iguais. Você diz que ele é humano, Jadeferro. Se é isso mesmo, ele não pode ser korariel e você não pode protegê-lo. Quer ele queira quer não, você não pode protegê-lo. Meus kethi garantirão que você não fará isso. - Girou sobre os calcanhares para encarar Dirk de frente. - Eu desafio você, Dirk t'Larien. - Todos estavam em silêncio. Larteyn resplandecia ao redor, e o vento estava muito gelado.

- Não quis insultar - Dirk falou, lembrando-se das palavras que os Jadeferros usaram outras vezes. - Posso me desculpar, ou o quê? - Ofereceu a palma de suas mãos para Bretan Braith, abertas e vazias.

O rosto coberto de cicatrizes se contorceu.

- O insulto foi cometido.

- Você tem que duelar com ele - Janacek falou.

As mãos de Dirk se abaixaram lentamente. Cerrou os punhos ao lado do corpo. Não disse nada.

Jaan Vikary encarava o chão, mortificado, mas Janacek ainda estava animado.

- Dirk t'Larien não conhece os costumes do duelo - contou para os dois Braiths. - Tais costumes não existem em Ávalon. Vocês me permitem instruí-lo?

Bretan Braith assentiu, o mesmo movimento desajeitado e curioso de cabeça e ombros que Dirk notara naquela tarde na garagem. Chell não pareceu nem escutar; o velho Braith ainda encarava Vikary, murmurando, com olhar penetrante.

- Há quatro escolhas a se fazer, t'Larien - Janacek disse para Dirk. - Como desafiado, você faz a primeira. Sugiro que faça a escolha das armas, e escolha espadas.

- Espadas - Dirk disse, sem convicção.

- Eu faço a escolha do modo - Bretan rugiu - e escolho o quadrado da morte.

Janacek assentiu.

- Você faz a terceira escolha, t'Larien. Já que você não tem teyn, a escolha dos números é imposta. Será uma luta individual. Você pode dizer isso, ou você pode escolher o lugar.

- Na Antiga Terra? - Dirk disse, esperançoso.

Janacek sorriu.

- Não. Só neste mundo, temo. Outras escolhas não estão disponíveis.

Dirk deu de ombros.

- Aqui, então.

- Faço a escolha dos números - Bretan disse. Estava completamente escuro agora, e apenas as dispersas estrelas dos mundos exteriores brilhavam no negro céu sobre eles. O olho do Braith

reluzia, e um estranho reflexo parecia umedecer suas cicatrizes.

- Escolho combate singular, como deve ser.

- Está acertado, então - Janacek falou. - Vocês dois devem chegar a um acordo sobre um árbitro, e então...

Jaan Vikary ergueu a cabeça. Suas feições estavam opacas e sombrias, e apenas a pálida luz das pedrardentes brilhava nelas, mas sua mandíbula inchada lhe dava uma estranha silhueta.

- Chell - disse muito calmo, em um tom deliberadamente inexpressivo.

- Sim - o velho Braith respondeu.

- Você é um tolo de acreditar em quase-homens - Vikary lhe disse. - Todos vocês que acreditam nisso são tolos.

Dirk ainda estava encarando Bretan Braith quando Vikary falou. O rosto marcado se contorceu uma, duas, três vezes.

Chell soava como se estivesse em transe.

- Tomo isso como insulto, Jaantony Alto-Jadeferro, falso kavalariano, quase-homem. Exijo desafio.

Bretan se virou e tentou gritar. Sua voz não foi capaz disso, e ele cuspiu e engasgou em vez disso.

- Você... infrator de duelos! Jadeferro... eu...

- Está dentro do código - Vikary respondeu sem muito entusiasmo. - Embora, se Bretan Braith puder sobrelevar a pequena transgressão de um ignorante de outro mundo, então talvez eu possa pedir perdão para Chell Fre-Braith.

- Não - Janacek disse sombriamente. - Não é honroso pedir perdão.

- Não - Bretan ecoou. Seu rosto era uma caveira agora. Seu olho de pedra reluzia e sua face estava contorcida em fúria. - Tolerei o máximo que pude de você, falso kavalariano. Não vou brincar com a sabedoria do meu grupo. Meu teyn tem mais direito do que eu. Na verdade, cometi um amargo erro ao tentar evitar um duelo com você, mentiroso. Quase-homem. Foi vergonhoso, mas agora posso limpar meu nome. Mataremos você, Chell e eu. Mataremos vocês três.

- Talvez isso seja verdade - Vikary falou. - Logo saberemos.

- E sua cadela-betheyn também - Bretan disse. Não conseguiu gritar; sua voz falhou quando tentou. Então falou baixo como sempre, e a aspereza pegou sua garganta, fazendo-o engasgar.

- Quando tivermos terminado com vocês, acordaremos nossos cães e caçaremos ela e o kimdissiano gordo através das florestas que eles conhecem tão bem.

Jaan Vikary o ignorou.

- Fui desafiado - disse para Chell Fre-Braith. - A primeira das quatro escolhas é minha. Faço a escolha dos números. Lutaremos teyn-e-teyn.

- Faço a escolha das armas - Chell respondeu. - Escolho pistolas.

- Faço a escolha do modo - disse Vikary. - Escolho o quadrado da morte.

- Por último, a escolha do lugar - Chell falou. - Aqui, então.

- O árbitro marcará um único quadrado - Janacek disse. Dos cinco homens no telhado, era o único que ainda sorria. - Ainda precisamos de um árbitro. O mesmo para os dois duelos?

- Um homem servirá - Chell concordou. - Sugiro Lorimaar Alto-Braith.

- Não - respondeu Janacek. - Ele veio até nós em alto agravo ainda ontem. Kirak Açorrubro Cavis.

- Não - Bretan falou. - Ele escreve belas poesias, mas não tenho outro uso para Kirak Açorrubro.

- Há dois do grupo Shanagate. - Janacek lembrou. - Não estou seguro dos nomes deles.

- Nós preferimos um Braith - Bretan disse, contorcendo o rosto. - Um Braith comandará bem, respeitará a honra do código.

Janacek olhou de relance para Vikary; Vikary deu de ombros.

- De acordo - Janacek respondeu, encarando Bretan novamente. - Um Braith, então. Pyr Braith Oryan.

- Pyr Braith não. - Bretan recusou.

- Você não é fácil de agradar. - Janacek comentou secamente. - Ele é um dos seus kethi.

- Tenho atritos com Pyr Braith - Bretan respondeu.

- Um alto-senhor seria uma escolha melhor - o velho Chell falou. - Um homem de estatura e sabedoria. Roseph Lant Banshee Alto-Braith Kelcek.

Janacek deu de ombros.

- De acordo.

- Falarei com ele - disse Chell. Os outros assentiram.

- Amanhã, então - falou Janacek.

- Tudo está acertado - concordou Chell.

E enquanto Dirk ficava só observando, sentindo-se perdido e fora de lugar, os quatro kavalarianos se despediram. E, estranhamente, antes de partir, cada um deles beijou os dois inimigos suavemente nos lábios.

E Bretan Braith Lantry, coberto de cicatrizes e caolho, sem metade do lábio, beijou Dirk.

Quando os Braiths se foram, os outros desceram pela escada. Vikary abriu a porta de seu apartamento e acendeu as luzes. Então, em um silêncio metódico, começou a acender o fogo da grande lareira sob a cornija, pegando toras de madeira negra retorcida de um gabinete oculto na parede próxima. Dirk sentou-se na ponta do sofá, franzindo o cenho. Garse Janacek sentou-se na outra ponta, com um sorriso vago no rosto, os dedos remexendo na barba ruiva com ar distraído. Ninguém falou.

O fogo ganhou vida, pontudas línguas laranja e azuis lambendo as toras, e Dirk sentiu um súbito calor no rosto e nas mãos. Um cheiro que parecia canela encheu o aposento. Vikary se levantou e saiu da sala.

Voltou com três taças de licor negras como obsidiana. Uma garrafa estava sob o seu braço. Deu um copo para Dirk e outro para Garse, colocou o terceiro em uma mesa próxima e tirou a rolha da garrafa com os dentes. O vinho era vermelho-escuro, muito pungente. Vikary encheu as três taças até a borda, e Dirk passou a dele sob o nariz. Os vapores queimavam, mas lhe pareceram estranhamente agradáveis.

- Agora - Vikary disse, antes que qualquer um deles provasse o vinho. Colocou a garrafa na mesa e ergueu a própria taça. - Agora vou dizer algo muito difícil para vocês dois. Pedirei para cada um de vocês ir além de sua própria cultura por um tempo e ser algo que nunca foi antes, algo estranho a vocês. Garse, pedirei a você, pelo bem de cada um de nós, que seja amigo de Dirk t'Larien. Não há palavra para isso em antigo kavalariano, eu sei. Isso não é necessário em Alto Kavalaan, onde um homem tem seu grupo e seus kethi e a maioria tem seu teyn. Mas estamos todos em Worlorn, e amanhã duelaremos. Talvez não duelemos todos juntos, mesmo assim temos inimigos em comum. Então, peço a você, como meu teyn, para tomar o nome e os laços de amigo com t'Larien.

- Você pede demais de mim - Janacek respondeu, segurando seu vinho na frente do rosto e observando as chamas dançarem no vidro negro. - t'Larien nos espionou, tentou roubar minha cro-betheyn e seu nome, e agora nos envolveu nessa disputa com Bretan Braith. Tenho vontade de desafiá-lo eu mesmo por tudo o que tem feito. E você, meu teyn, pede que, em vez disso, eu o tome como amigo.

- Peço - Vikary concordou.

Janacek olhou para Dirk, então provou seu vinho.

- Você é meu teyn - disse. - Eu me rendo aos seus desejos. Que obrigações exige o vínculo de amigo?

- Trate um amigo como faria com um keth - Vikary explicou. Virou-se para encarar Dirk. - E você, t'Larien, você foi a causa de um problema muito grave, e não estou certo de quanto realmente isso é sua culpa. Peço algo para você também. Que seja irmão de grupo, por um tempo, de Garse Jadeferro Janacek.

Dirk não teve chance de responder; Janacek o impediu.

- Você não pode fazer isso. Quem é ele, esse t'Larien? Como você pode pensar que seja digno de pertencer a Jadeferro? Ele será desleal, Jaan. Não manterá os laços, não defenderá a fortaleza, não retornará conosco para o grupo. Eu me oponho.

- Se ele aceitar, acho que manterá os laços por um tempo - Vikary falou.

- Por um tempo? Kethi são ligados para sempre!

- Então essa será uma coisa nova, um novo tipo de keth, um amigo por um tempo.

- Isso é mais do que novo. - Janacek retrucou. - Não permitirei isso.

- Garse - disse Jaan Vikary - Dirk t'Larien é seu amigo agora. Ou você esqueceu tão rápido assim? Você faz mal em tentar impedir minha oferta. Rompe os laços que acabou de tomar. Não faria isso com um keth.

- Você não convidaria um keth a ser um keth - Janacek grunhiu. - Ele já seria isso, então a coisa toda não faz sentido. Os vínculos do grupo não têm nada a ver com ele. O conselho de altos- -senhores impugnaria você, Jaan. Isso está claramente errado.

- O conselho de altos-senhores está sentado em Alto Kavalaan, e aqui é Worlorn - Vikary o lembrou. - Apenas você está aqui para falar por Jadeferro. Você machucaria seu amigo?

Janacek não respondeu.

Vikary voltou-se novamente para Dirk.

- Bem, t'Larien?

- Não sei - Dirk falou. - Acho que sei o que isso significa, ser um irmão de grupo, e acho que apreciaria a honra, ou o que quer que fosse. Mas há muitas coisas entre nós, Jaan.

- Você está falando de Gwen - Vikary disse. - Ela realmente está entre nós. Mas, Dirk, estou pedindo que seja um tipo novo e especial de irmão de grupo. Apenas enquanto permanecer em Worlorn, e apenas com Garse, não comigo ou com qualquer outro Jadeferro. Entende?

- Sim. Isso torna mais fácil. - Olhou de relance para Janacek. - Mesmo com Garse, contudo, tive problemas. Ele foi um que tentou me tornar propriedade, e agora há pouco não estava exatamente tentando me tirar daquele duelo.

- Eu só falei a verdade - Janacek respondeu, mas Vikary acenou para que silenciasse.

- Essas coisas posso perdoar, acho - Dirk continuou. - Mas não a questão com Gwen.

- Esse assunto será resolvido entre mim, você e Gwen Delvano - Vikary falou calmamente. - Garse não tem voz nisso, embora possa lhe dizer que tem.

- Ela é minha cro-betheyn. - Garse reclamou. - Tenho direito de falar e agir. Tenho a obrigação de fazer isso.

- Estou falando sobre a noite passada. - Dirk explicou. - Eu estava na porta. Eu ouvi. Janacek bateu nela, e desde esse momento vocês dois a afastaram de mim.

Vikary sorriu.

- Ele bateu nela?

Dirk assentiu.

- Eu escutei.

- Você ouviu uma discussão e um golpe, disso não tenho dúvida - Vikary disse. Tocou seu queixo inchado. - De onde você acha que isso veio?

Dirk ficou olhando e, repentinamente, se sentiu confuso.

- Eu... eu pensei... não sei. Os filhos da lesma.

- Garse bateu em mim, não em Gwen - Vikary respondeu.

- E faria novamente - Janacek acrescentou com aspereza.

- Mas - disse Dirk - mas, então, o que estava acontecendo? Noite passada? Esta manhã?

Janacek se levantou, deu alguns passos até onde Dirk estava sentado e ficou parado diante dele:

- Amigo Dirk - disse em um tom ligeiramente venenoso - esta manhã, eu lhe disse a verdade. Gwen saiu com Arkin Ruark, para trabalhar. Ontem o kimdissiano ligou para ela o dia todo. Estava frenético. A história que me contou era que uma coluna de escaravelhos-encouraçados estava começando a migrar, sem dúvida em resposta ao frio crescente. Dizem que isso é muito raro, até mesmo em Eshellin. Em Worlorn, é claro, é um evento único e não pode ser recriado, e Ruark achava que devia ser estudado imediatamente. Agora você entende, meu amigo Dirk t'Larien?

- Oh - disse Dirk. - Ela teria dito alguma coisa.

Janacek voltou para seu assento com o rosto anguloso retorcido em desprezo.

- Meu amigo me chama de mentiroso - disse.

- Garse diz a verdade - Vikary falou. - Gwen disse que deixaria notícias para você, um bilhete ou um recado. Talvez, na excitação dos preparativos, ela tenha se esquecido. Essas coisas acontecem. Ela é muito envolvida no trabalho dela, Dirk. E uma boa ecologista.

Dirk olhou para Garse Janacek.

- Espere um pouco - disse. - Nesta manhã você disse que estava mantendo-a afastada de mim. Você admitiu isso.

Vikary pareceu intrigado também.

- Garse?

- É verdade - Janacek confessou, entredentes. - Ele veio aqui, pressionou e pressionou, forçou sua entrada com uma mentira clara. Mais do que isso, ele claramente queria acreditar que Gwen estava sendo mantida cativa pelos cruéis Jadeferros. Duvido que acreditasse em qualquer outra coisa. - Bebeu cautelosamente o vinho.

- Isso - Jaan Vikary falou - não foi sábio, Garse.

- Mentira dada, mentira devolvida - Janacek respondeu, parecendo todo cheio de si.

- Você não está sendo um bom amigo.

- Farei o possível para melhorar - disse Janacek.

- Isso me agrada - Vikary falou. - Agora, t'Larien, você será keth de Garse?

Dirk pensou por um longo momento.

- Acho que sim - finalmente decidiu.

- Bebamos, então - Vikary disse. Os três homens ergueram as taças simultaneamente (a de Janacek já estava pela metade) e o vinho escorreu quente e um pouco amargo pela língua de Dirk. Não era o melhor vinho que já provara. Mas era bom o suficiente.

Janacek terminou sua taça e se levantou.

- Precisamos conversar sobre os duelos.

- Sim - Vikary concordou. - Este foi um dia nefasto. Nenhum de vocês demonstrou prudência.

Janacek inclinou-se contra a cornija embaixo de uma das gárgulas.

- A imprudência maior foi sua, Jaan. Entenda-me, não tenho medo de duelar com Bretan Braith e Chell Braços-Vazios, mas isso não era necessário. Você deliberadamente provocou isso. O Braith tinha que desafiá-lo depois do que você falou, ou então seu próprio teyn teria cuspido nele.

- Não saiu como eu esperei - Vikary confessou. - Pensei que talvez Bretan nos temesse, que deixaria para lá o duelo com t'Larien a fim de evitar a briga conosco. Ele não fez isso.

- Não - falou Janacek -, ele não fez isso. Eu poderia ter dito isso para você, se tivesse perguntado. Você o pressionou demais e chegou muito perto de romper o duelo.

- Está dentro do código.

- Talvez. Mesmo assim, Bretan estava certo; teria sido uma grande vergonha para ele se ignorasse a transgressão de t'Larien por medo de você.

- Não - discordou Vikary. - É onde você e todo nosso povo estão errados. Não teria sido uma vergonha evitar o duelo. Se queremos alcançar nosso destino, precisamos aprender isso. Ainda que, em certo sentido, você tenha razão. Considerando quem e o que ele era, não haveria outra resposta. Eu fiz um mau julgamento.

- Um sério erro de julgamento - Janacek comentou. Um sorriso separou sua barba ruiva. - Teria sido melhor deixar t'Larien duelar. Garanti que lutassem com espadas, não garanti? O Braith não o teria matado por uma ofensa tão insignificante. Um homem como Dirk, ah, não haveria honra nisso. Um golpe apenas, eu diria. Um corte faria bem a t'Larien. Uma lição para ele, uma lição sobre erros. Acrescentaria caráter ao seu rosto, um corte pequeno. - Olhou para Dirk. - Agora, é claro, Bretan Braith matará você.

Estava sorrindo e fez esse último comentário com um ar casual. Dirk tentou não engasgar com seu vinho.

- O quê?

Janacek deu de ombros.

- Como primeiro desafiado, você deve duelar primeiro, então não pode esperar que Jaan e eu o matemos antes que ele chegue até você. Bretan Braith Lantry é largamente conhecido por sua habilidade em duelar, tanto quanto pelo rosto sedutor que tem. Na verdade, isso é notório. Suponho que esteja aqui caçando quase-homens com Chell, mas ele na verdade não é muito dado a caçadas. Fica mais confortável no quadrado da morte do que nos bosques, por tudo o que ouvi. Mesmo seus próprios kethi acham que ele é de difícil trato. Além de ser feio, tomou Chell Fre-Braith como teyn. Chell já foi um alto-senhor de grande poder e honra. Sobreviveu à sua betheyn e ao seu teyn original. Hoje é um tagarela supersticioso, com um cérebro pequeno e grande riqueza. Os rumores do grupo dizem que a riqueza fez Bretan Braith vestir o ferro-e-fogo de Chell. Ninguém diz isso abertamente para Bretan, é claro. Ele tem fama de ser muito suscetível. E agora Jaan o deixou zangado e talvez um pouco assustado. Ele não terá misericórdia de você. Espero que você consiga cortá-lo um pouco antes de morrer. Isso tornará nosso duelo com ele mais fácil.

Dirk se lembrava da confiança que tomara conta dele no telhado; tinha certeza de que nenhum dos dois Braiths representava perigo real. Ele os entendia; sentia pena deles. Agora começava a ter pena de si mesmo.

- Ele está certo? - perguntou para Vikary.

- Garse brinca e exagera - Vikary ponderou mesmo assim, você está em perigo. Sem dúvida, Bretan tentará matá-lo, se você deixar. Mas não precisa acontecer. As regras impostas por essas armas e por esse modo são muito simples. O árbitro desenhará um quadrado na rua, de cinco metros por cinco metros, e você e seu oponente começarão em cantos opostos. A uma palavra do árbitro, cada um de vocês avançará para o centro com sua espada. Quando se encontrarem, lutarão. Para satisfazer as exigências da honra, você deve dar apenas um golpe e receber um. Eu o aconselharia a feri-lo no pé ou na perna, já que isso indicará que você não deseja um duelo de morte. Então, se não conseguir detê-lo com sua espada e receber o primeiro golpe dele, você pode caminhar até o perímetro do quadrado. Não corra. Não há honra em correr, e nesse caso o árbitro decretará que o duelo foi vitória de morte para Bretan, e Bretan o matará. Você deve andar calmamente. Uma vez que ultrapassar a linha do perímetro, estará a salvo.

- Para conseguir essa segurança, você deve alcançar a linha do perímetro - Janacek disse. - Bretan matará você antes disso.

- Se eu der meu golpe e receber um, então posso baixar a espada e ir embora? - Dirk perguntou.

- Nesse caso, Bretan o matará com um olhar intrigado no rosto, ou no que resta dele - Janacek comentou.

- Eu não faria isso - Vikary advertiu.

- As sugestões de Jaan são tolice - Janacek falou. Andou lentamente de volta ao sofá, pegou sua taça e serviu-se de mais vinho.

- Você tem que manter sua espada e lutar com ele. Considere, o homem é cego de um lado. Certamente é vulnerável ali! E veja como ele mexe e vira a cabeça de modo estranho.

A taça de Dirk estava vazia. Estendeu-a e Janacek a encheu de vinho.

- Como vocês duelarão? - Dirk perguntou.

- As regras das nossas armas e do nosso modo são diferentes das suas - Vikary comentou. - Nós quatro ficaremos nos quatro cantos do quadrado da morte com lasers de duelo ou outro tipo de pistola. Não podemos nos mover exceto para trás, para fora do quadrado, para nos colocarmos a salvo. E não podemos fazer isso até que cada homem dentro do quadrado tenha feito um disparo. Feito isso, a escolha é nossa. Aqueles que permanecerem dentro, se continuarem em pé, devem continuar a atirar. Pode ser um modo inofensivo ou mortal, dependendo daqueles que participam.

- Amanhã - Janacek prometeu deve ser mortal. - Bebeu novamente.

- Eu desejaria que fosse de outro jeito - Vikary disse meneando a cabeça consternadamente mas temo que você fale a verdade. Os Braiths estão com muita raiva de nós para atirar para o ar.

- Sem dúvida - Janacek concordou com um pequeno sorriso.

- Tomaram o insulto muito profundamente. Chell Braços-Vazios, pelo menos, não esquecerá.

- Vocês não podem atirar para ferir? - Dirk sugeriu. - Para desarmá-los? - As palavras vieram com facilidade, mas era estranho ouvi-lo dizer isso. A situação era tão completamente fora de sua experiência, e mesmo assim ele se surpreendeu aceitando-a, sentindo-se estranhamente confortável com os dois kavalarianos, seu vinho e sua tranqüila conversa sobre morte e mutilações. Talvez significasse alguma coisa ser um dos kethi; talvez fosse por isso que sua inquietude estivesse desaparecendo. Tudo o que Dirk sabia era que se sentia em paz, e em casa.

Vikary parecia preocupado.

- Feri-los? Eu desejaria isso também, mas não pode ser. Os caçadores nos temem agora. Eles poupam os korariel de Jadeferro por causa desse temor. Salvamos vidas. Isso não será possível se formos brandos com os Braiths amanhã. Os outros não vão se privar de sua caça se pensarem que tudo o que arriscam é um pequeno ferimento. Não, infelizmente, acho que devemos matar Chell e Bretan se pudermos.

- Podemos - Janacek afirmou, confiante. - E, amigo t'Larien, não é tão fácil ou tão prudente ferir um inimigo em duelo como você pensa. Desarmá-los, então, bem, você está brincando conosco. Isso é virtualmente impossível. Lutamos com lasers de duelo, amigo, não com armas de guerra. Tais pistolas disparam em pulsos de meio segundo e exigem quinze segundos completos para recarregar entre os tiros. Você entende? Um homem que apressa seu tiro, ou busca dificuldades desnecessárias, um homem que atira para desarmar, é logo morto. Mesmo a cinco metros de distância você ainda pode errar, e seu inimigo o matará antes que seu laser esteja pronto para um segundo disparo.

- Então não pode ser feito? - Dirk perguntou.

- Muitas pessoas são apenas feridas em duelo - Vikary lhe contou. - Muitas mais do que são mortas, na verdade. Mesmo assim, na maioria dos casos, esse não é o resultado pretendido. Algumas vezes, sim. Quando um homem atira para o ar, e seu inimigo decide puni-lo, então cicatrizes horríveis podem ser infligidas. Mas isso não acontece com freqüência.

- Poderíamos ferir Chell - Janacek falou. - Ele é velho e lento, não sacará com rapidez. Mas Bretan Braith é outra coisa. Dizem que já matou meia dúzia.

- Eu me encarrego dele - disse Vikary. - Assegure-se de deixar o laser de Chell fora de combate, Garse, e será suficiente.

- Talvez. - Janacek olhou para Dirk. - Se você pudesse ferir Bretan só um pouco, t'Larien, no braço, na mão ou no ombro...

apenas um talho, mas que doa e tire velocidade. Isso faria diferença. - Sorriu.

Apesar de si mesmo, Dirk descobriu que estava retribuindo o sorriso.

- Posso tentar - disse mas, lembre-se, sei muito pouco sobre duelar e menos ainda sobre espadas, e minha primeira preocupação é permanecer vivo.

- Não se preocupe com o impossível - Janacek falou, ainda sorrindo. - Apenas faça o maior estrago que puder.

A porta se abriu. Dirk se virou e levantou os olhos, e Janacek ficou em silêncio. Gwen Delvano estava em pé no umbral, o rosto e a roupa manchados de pó. Correu os olhos, incerta, de um rosto para o seguinte, então entrou lentamente na sala. Um pacote de sensores estava pendurado em um de seus ombros. Arkin Ruark a seguiu, carregando duas pesadas caixas de instrumentos sob os braços. Estava suado e ofegante, vestido em grossas calças verdes e jaqueta com capuz, e parecia muito menos afetado do que o usual.

Gwen colocou o pacote de sensores no chão gentilmente, mas sem soltar as alças.

- Estrago? - ela disse. - O que é isso? Quem vai fazer estrago em quem?

- Gwen - Dirk começou.

- Não - Janacek o interrompeu. Estava em pé muito rígido. - O kimdissiano deve sair.

Ruark olhou ao redor, pálido e intrigado. Baixou o capuz e começou a secar a testa sob o cabelo loiro platinado.

- Quanta bobagem, Garsinho - disse. - O que é isso, um grande segredo kavalariano, é? Uma guerra, uma caçada, um duelo, alguma violência? Não vou me intrometer nessas coisas, não, não eu. Darei privacidade para vocês. - Começou a se dirigir para a porta.

- Ruark - Jaan Vikary falou. - Espere.

O kimdissiano parou.

Vikary encarou seu teyn.

- Temos que dizer para ele. Se falharmos...

- Não falharemos!

- Se falharmos, eles prometeram caçá-los. Garse, o kimdissiano também está envolvido. Devemos contar para ele.

- Você sabe o que vai acontecer. Em Tober, em Tocadolobo, em Eshellin, por toda a Orla. Ele e seus parentes vão espalhar mentiras, e todos os kavalarianos serão Braiths. Assim agem esses manipuladores, esses quase-homens. - A voz de Janacek não tinha nada do humor selvagem que costumava usar com Dirk; estava fria e séria agora.

- A vida dele está em jogo, e a de Gwen também - Vikary lembrou. - Devemos contar para eles.

- Tudo?

- As adivinhações acabaram - Vikary falou.

Ruark e Gwen falaram ao mesmo tempo.

- Jaan, o que... - ela começou.

- Adivinhações, vida, caça, o que é tudo isso? Diga-me!

Jaan Vikary se virou e contou para ele.

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