CERSEI


— Uma chuva fria caía, deixando os muros e muralhas da Fortaleza Vermelha escuros como sangue. A rainha segurou a mão do rei e levou-o firmemente pelo quintal enlameado até onde sua liteira esperava com sua escolta.

— Tio Jaime disse que eu poderia montar meu cavalo e jogar moedas para o povo. — O garoto contestou.

— Você quer pegar um resfriado? — Ela não arriscaria; Tommen nunca foi tão robusto quanto Joffrey. — Seu avô queria que você se parecesse com um rei em seu próprio velório. Nós não vamos aparecer no Grande Septo molhados e sujos. — Já é ruim o suficiente ter que vestir luto de novo. O preto nunca foi uma cor alegre para ela. Com sua pele clara, ela se parecia meio cadáver. Cersei levantou-se uma hora antes do amanhecer para tomar banho e arrumar o cabelo, e ela não pretendia deixar que a chuva arruinasse os seus esforços.

Dentro da liteira, Tommen recostou-se sobre os travesseiros e espiou a chuva que caía.

— Os deuses estão chorando por nosso avô. A Senhora Jocelyn diz que as gotas de chuva são suas lágrimas.

— Jocelyn Swyft é uma tola. Se os deuses pudessem chorar, eles teriam chorado pelo seu irmão. Chuva é chuva. Feche a cortina antes que entre mais água. O manto é de zibelina, você quer deixá-lo encharcado?

Tommen fez como lhe foi proposto. Sua submissão a incomodava.

Um rei tinha que ser forte. Joffrey teria respondido. Ele nunca foi fácil de intimidar.

— Não se desanime — ela disse para Tommen. — Sente-se como um rei. Coloque os seus ombros para trás e arrume a sua coroa. Você quer que ela caia da sua cabeça na frente de todos os seus lordes?

— Não, mãe. — O garoto sentou-se ereto e conseguiu arrumar a sua coroa. A coroa de Joffrey era muito grande para ele. Tommen sempre teve tendência a engordar, mas seu rosto parecia mais fino agora. Ele está se alimentando bem? Ela deveria se lembrar de perguntar ao mordomo. Ela não poderia correr o risco de Tommen crescer doente, não com Myrcella nas mãos do homem de Dorne. Ele vai crescer ao tamanho da coroa de Joffrey em seu tempo. Até lá, será preciso uma menor, uma que não ameace cair de sua cabeça. Ela iria resolver isso com o ourives.


A liteira fez o seu lento caminho descendo a alta colina de Aegon.

Dois guardas reais montavam a frente deles, cavaleiros brancos em cavalos brancos com suas capas brancas e encharcadas penduradas em seus ombros.

Atrás vinham cinquenta guardas Lannister em dourado e carmesim.

Tommen olhou através das cortinas nas ruas vazias.

— Achei que teriam mais pessoas. Quando o pai morreu, todo mundo veio para fora nos ver passar.

— Esta chuva levou-os para dentro. — Porto Real nunca amou Lorde Tywin. No entanto, ele nunca quis amor. — Você não pode comer amor, nem comprar um cavalo com ele, nem aquecer seus aposentos em uma noite fria. — Ela o ouviu dizer a Jaime uma vez, quando seu irmão tinha aproximadamente a idade de Tommen.

No Grande Septo de Baelor, aquele magnificente em mármore no topo da Colina de Visenya, o pequeno grupo de pranteadores foi superado em número pelos mantos dourados que Sor Addam Marbrand havia trazido pela praça. Mais pessoas virão mais tarde, a rainha disse a si mesma enquanto Sor Meryn Trant a ajudou na liteira. Apenas os nobres e seus séquitos seriam admitidos no velório matutino; haveria outro à tarde para as pessoas comuns, e as orações da noite seriam abertas a todos.

Cersei precisaria voltar para este velório, para que o povo pudesse vê-la chorar. A multidão deve ter o seu show. Era um incômodo. Ela tinha cargos políticos para preencher, uma guerra para ganhar, um reino para governar. Seu pai teria entendido isso.

O Alto Septão se encontrou com eles no topo da escadaria. Um homem curvado com uma barba grisalha e rala. Ele estava tão curvado pelo peso de seu manto bordado e ornamentado que seus olhos estavam no nível dos seios da rainha... embora a sua coroa, uma delicada confecção de cristal lapidado e fios de ouro, tenha acrescentado um bom pé e meio à sua altura.

Lord Tywin deu esta coroa para substituir a outra perdida quando a multidão matou o Alto Septão anterior. Eles puxaram o tolo gordo de sua liteira e o dilacerou, no dia em que Myrcela navegou para Dorne. Ele era um grande glutão, e obediente. Esse agora… este Alto Septão era dos homens de Tyrion, Cersei lembrou de repente. Foi um pensamento inquietante.

A mão do velho homem se parecia com uma pata de frango enquanto apontava dentro da manga encrustada com arabescos de ouro e pequenos cristais. Cersei se ajoelhou sobre o mármore molhado e beijou seus dedos, e mandou Tommen fazer o mesmo. O que ele sabe de mim? O que o anão contou a ele? O Alto Septão sorriu enquanto a acompanhou para o septo. Mas era um sorriso ameaçador cheio de conhecimento tácito, ou apenas um inexpressivo movimento de lábios enrugados de um velho? A rainha não podia saber ao certo.

Eles seguiram seu caminho pelo Salão das Lâmpadas sob globos de vidro chumbado colorido, a mão de Tommen na sua. Trant e Kettleblack os acompanharam, a água pingando de suas capas molhadas para uma poça no chão. O Alto Septão caminhou devagar, inclinado sobre um bastão de carvalho encimado por uma esfera de cristal. Sete dos Mais Devotos o assistiram, tremeluzindo em capas de prata. Tommen usava uma capa de ouro sob seu manto de zibelina, a rainha, um vestido velho de veludo preto forrado de arminho. Não houve tempo para que um novo fosse confeccionado, e ela não poderia vestir o mesmo vestido que ela usou para Joffrey, nem aquele com que enterrou Robert.

Pelo menos não esperarão que eu vista luto por Tyrion. Vou usar vestido de seda escarlate tecido com ouro, e usar rubis no meu cabelo. O homem que trouxesse a ela a cabeça do anão seria intitulado lorde, ela proclamou, não importa quão pobre e humilde fosse seu nascimento ou posição. Os corvos estavam carregando sua promessa para todas as partes dos Sete Reinos, e logo a notícia cruzaria o mar estreito para as Nove Cidades Livres e as terras mais além. Deixe que o Duende corra até os confins da terra, ele não vai escapar de mim.

O cortejo real passou pelas portas internas para o coração cavernoso do Grande Septo, e entrou em um largo corredor, um dos sete que levavam ao pé do domo. À direita e a esquerda, nobres em luto caíram de joelhos enquanto o rei e a rainha passavam. Muitos dos homens da bandeira de seu pai estavam lá, e cavaleiros que lutaram ao lado de Lord Tywin em meia centena de batalhas. Vê-los a fez sentir-se mais confiante. Não estou sem amigos.

Abaixo do grandioso domo de ouro e cristal do Grande Septo o corpo de Lord Tywin Lannister descansava em cima de um caixão de mármore pisado. Jaime ficou de vigíla, a sua cabeça, sua mão boa segurando o punho de uma espada larga de ouro cuja ponta estava no chão. A capa com capuz que ele usava era branca como neve recém-caída, e as escalas de sua cota de malha longa eram de madrepérola seguida de ouro. Lord Tywin teria gostado que ele usasse ouro Lannister e carmesim, ela pensou. Sempre o irritou ver Jaime todo de branco. O irmão dela também estava deixando a barba crescer. A barba por fazer cobria seu queixo e suas bochechas, e dava a seu rosto uma aparência rude, áspera. Ele deveria ter esperado pelo menos até que os ossos de seu pai fossem enterrados embaixo do Rochedo.


Cersei guiou o rei acima de três pequenos degraus, para ajoelhar-se ao lado do corpo. Os olhos de Tommen estavam cheios de lágrimas;

— Chore silenciosamente, — ela disse a ele, inclinando-se para perto. —Você é um rei, não uma criança esquálida. Seus lordes estão te observando. — O garoto enxugou as lágrimas com as costas da mão. Ele tinha os olhos dela, verde esmeralda, tão grandes e brilhantes como os de Jaime eram quando tinha a idade de Tommen. O irmão dela era realmente um bonito garoto… mas feroz também, como um verdadeiro filhote de leão.

A rainha colocou seus braços ao redor de Tommen e beijou seus cachinhos.

Ele vai precisar de mim para ensinar como governar e mantê-lo a salvo de seus inimigos. Alguns deles estavam por perto, mesmo nesse momento, fingindo serem amigos. As irmãs silenciosas tinham colocado a armadura em Tywin como se fosse lutar em alguma batalha final. Ele vestia sua mais fina armadura, de pesado aço esmaltado, um profundo e escuro carmesim, com incrustações de ouro em suas luvas, grevas e peitoral. Suas medalhas eram de ouro reluzente; Uma leoa dourada agachada em cima de cada ombro; um leão no alto do elmo ao lado de sua cabeça. Sobre o seu peito descansava uma espada longa em uma bainha dourada cravejada com rubis, suas mãos apoiadas no punho em luvas de cota de malha dourada. Mesmo na morte seu rosto é nobre, ela pensou, embora a boca... Os cantos dos lábios de seu pai estavam curvados para cima, ainda que levemente, dando-lhe uma vaga aparência de espanto. Isso não deveria estar assim. Ela censurou Pycelle; ele deveria ter dito às irmãs silenciosas que Lord Tywin Lannister nunca sorria.

O homem é tão inútil como mamilos em um peitoral de armadura. Aquele meio sorriso fez Lord Tywin parecer, de alguma forma, menos assustador.

Isso, e o fato de seus olhos estarem fechados. Os olhos de seu pai sempre foram inquietantes; de um verde pálido, quase luminosos, salpicados com ouro. Seus olhos podiam ver dentro de você, podia ver quão fraco e desprezível e feio você é em seu interior. Quando ele olhava para você, ele sabia.

Espontaneamente, uma lembrança lhe ocorreu, do banquete que o Rei havia dado quando Cersei veio pela primeira vez para a corte, uma garota tão verde quanto a grama no verão. O velho Merryweather estava falando sobre aumentar o imposto sobre o vinho quando Lord Rykker disse.

— Se precisamos de ouro, a Sua Graça deveria sentar Lord Tywin no seu penico. — Aerys e seu puxa-saco riram alto, enquanto o pai olhava para Rykker sobre seu copo de vinho. Muito depois que o divertimento havia acabado esse olhar permaneceu. Rykker afastou-se, voltou, encontrou os olhos do pai, então os ignorou, bebeu uma caneca de cerveja, e ficou com o rosto vermelho, derrotado por um par de olhos inabaláveis.


Os olhos de Lord Tywin estão fechados para sempre agora, Cersei pensou. É ao meu olhar que eles vão recuar a partir de agora, é a minha cara feia que eles devem temer. Eu sou um leão também.

Estava triste dentro do septo como o céu tão cinza fora. Se a chuva parasse, o sol se inclinaria para baixo através dos cristais pendurados para guarnecer o cadáver com o arco-íris. O Senhor de Rochedo Casterly merecia um arco-íris. Ele havia sido um grande homem. No entanto, eu devo ser maior. Daqui a cem anos, quando os meistres escreverem sobre esses tempos, ele deve ser lembrado apenas como o pai da rainha Cersei.

— Mãe. — Tommen puxou sua manga. — O que cheira tão mal?

O Senhor meu pai.

— Morte. — Ela podia sentir esse cheiro também; um leve sussurro de apodrecimento a fez querer franzir o nariz. Cersei não prestou atenção a isso. Os sete septãos em suas vestes de prata ficaram atrás do caixão, rogando ao Pai dos Céus que julgasse com justiça Lorde Tywin. Quando eles terminaram, setenta e sete septãs se reuniram diante do altar da “Mãe” e começaram a cantar a ela por misericórdia. Tommen estava se remexendo até então, e até os joelhos da rainha tinham começado a doer. Ela olhou para Jaime. Seu irmão gêmeo estava como se tivesse sido esculpido em pedra, e seus olhos não encontraram os dela.

Nos bancos, seu tio Kevan ajoelhou-se com os ombros caídos, o seu filho ao lado dele. Lancel parecia pior que o seu pai. Apesar de ter apenas dezessete anos, talvez ele passasse por setenta; o rosto acinzentado, magro, com bochechas côncavas, olhos encovados e cabelo tão branco e frágil como o giz. Como Lancel pode estar entre os vivos quando Tywin Lannister está morto? Teriam os deuses perdido o juízo?

Lorde Gyles estava tossindo mais do que o habitual e cobrindo o nariz com um quadrado de seda vermelho. Ele também consegue sentir o cheiro. Grande Maester Pycelle fechou os olhos. Se ele adormecer, eu juro que bateria nele. Os Tyrell se ajoelhavam a direita do caixão: O Senhor de Jardim de cima, sua hedionda mãe e sua esposa insípida, seu filho Garlan e sua filha Margaery. Rainha Margaery, ela lembrou a si mesma. Viúva de Joff e futura esposa de Tommen. Margaery se parecia muito com seu irmão, o Cavaleiro das Flores. A rainha imaginou se eles teriam outras coisas em comum. Nossa pequena rosa tem um bom número de senhoras esperando para atendê-la noite e dia. Eles estavam com ela agora, quase uma dúzia deles. Cersei estudou seus rosto, imaginando. Quem é o mais terrível, o mais desenfreado, o mais faminto por favores? Quem teria a língua mais solta? Ela precisaria descobrir.


Foi um alívio quando o canto finalmente acabou. O cheiro que vinha do cadáver de seu pai parecia ter ficado mais forte. A maior parte dos enlutados tinha a decência de fingir que nada estava errado, mas Cersei viu dois dos primos da Senhora Margaery torcendo seus pequenos narizes de Tyrell. Enquanto ela e Tommen foram caminhando de volta pelo corredor a rainha pensou ter ouvido alguém murmurar "privada" e rir, mas quando ela virou a cabeça para ver quem tinha falado um mar de rostos solenes olhou para ela fixamente. Eles jamais teriam ousado fazer piadinhas sobre ele quando ainda estava vivo. Ele teria transformado as suas entranhas em água com um olhar.

De volta ao Salão das Lâmpadas, os enlutados zumbiam sobre eles numerosos como moscas, ansiosos para inundá-la com condolências inúteis.

Ambos os gêmeos Redwyne beijaram a mão dela, e seu pai, as bochechas.

Hallyne, o Piromático, prometeu a ela que uma mão flamejante iria queimar no céu acima da cidade no dia que os ossos de seu pai fossem para o oeste.

Entre tossidas, Lord Gyles disse a ela que ele havia contratado um mestre escultor para fazer uma estátua de Lorde Tywin, para ficar em eterna vigília ao lado do Portão do Leão. Sor Lambert Turnberry apareceu com um curativo sobre o seu olho direito, jurando que iria usá-lo até que ele pudesse trazer-lhe a cabeça de seu irmão anão.

Mal a rainha escapou das garras desse idiota ela se viu encurralada pela Senhora Falyse de Stokeworth e seu marido, Sor Balman Byrch.

— A senhora minha mãe manda condolescências, Vossa Graça, — Falyse balbuciava para ela. —Lollys está de cama por causa da criança e minha mãe sentiu a necessidade de ficar com ela. Ela pede seu perdão, e disse que eu deveria pedir a você… minha mãe admirava seu pai acima de todos os homens. Minha irmã deverá ter um menino, é desejo dela que o chamemos de Tywin se… se isso te agradar.

Cersei a encarou, horrorizada.

— Sua irmã desajuizada se deixa ser estuprada por metade dos Reis deste Reino, e Tanda pensa em honrar o bastardo com o nome do Senhor meu pai? Eu acho que não.

Falyse recuou como se tivesse sido esbofeteada, mas seu marido apenas acariciou seu espesso bigode loiro com um polegar.

— Eu disse a Senhora Tanda várias vezes. Nós devemos achar um nome mais, ah… um nome mais apropriado para o bastardo de Lolly, você tem a minha palavra.


— Vejo que sim. Cersei deu de ombros e retirou-se. Tommen tinha caído nas garras de Margaery Tyrell e sua avó, ela percebeu. A Rainha de espinheiros era tão baixa que por um instante Cersei pensou que ela era outra criança. Antes que ela pudesse resgatar seu filho das rosas, a pressão a fez ficar cara a cara com seu tio. Quando a rainha o lembrou da reunião que tiveram anteriormente, Sor Kevan lhe deu um aceno cansado e pediu licença para se retirar. Mas Lancel demorou-se, a imagem de um homem com um pé na cova. Mas ele está tentando sair ou entrar? Cersei se forçou a sorrir.

— Lancel, eu estou feliz em vê-lo tão mais forte. Meistre Ballabar nos trouxe relatórios realmente terríveis, nós tememos pela sua vida. Mas eu pensei que você estaria em seu caminho para Darry agora, para ocupar o seu senhorio. — Seu pai tinha nomeado Lancel um lorde depois da Batalha da Água Negra, como um suborno para seu irmão Kevan.

— Ainda não. Há foras da lei em meu castelo. A voz de seu primo era fraca como o bigode sobre os seus lábios. Embora seus cabelos tenham ficado brancos, a penugem de seu bigode permaneceu cor de areia. Cersei muitas vezes olhou para o bigode enquanto o garoto estava dentro dela, a montando respeitosamente afastado. Parecia com uma mancha de sujeira em seus lábios. Ele tinha medo de arrancá-lo com um pouco de saliva — Os ribeirinhos precisam de uma mão forte, meu pai disse.

Uma pena que eles terão a sua, ela quis dizer. Ao invés disso ela sorriu. — E você deve se casar também.

Um olhar sombrio passou pelo rosto devastado do jovem cavaleiro.

— Uma Frey, e não foi escolha minha. Ela nem mesmo é uma donzela. Uma viúva, com o sangue dos Darry. Meu pai diz que vai me ajudar com os camponeses, mas os camponeses estão todos mortos. — Ele procurou por sua mão. — Isso é cruel, Cersei. Vossa Graça sabe que eu amo...

—... a Casa Lannister, — ela terminou para ele. — Ninguém pode duvidar disso, Lancel. Talvez sua esposa lhe dê filhos fortes. — Melhor não deixar que o lorde avô seja o anfitrião do casamento, no entanto. — Eu sei que você fará muitas nobres ações em Darry.

Lancel acenou com a cabeça, claramente infeliz.

— Quando parecia que eu estava para morrer, meu pai trouxe o Alto Septão para orar por mim. Ele é um bom homem. — Os olhos de seu primo estavam molhados e brilhantes, olhos de criança em um rosto de homem feito. — Ele disse que a Mãe me poupou por algum motivo santo, então eu devo expiar os meus pecados.


Cersei imaginou como ele pretendia expiar para ela. Faze-lo um cavaleiro foi um erro, e deitar-se com ele um erro maior ainda. Lancel era um junco fraco, e ela não gostava nada de sua piedade recém-criada; ele era muito mais interessante quando estava tentando ser Jaime. O que esse tolo choramingão disse para o Alto Septão? E o que ele vai dizer a pequena Frey quando eles se deitarem juntos no escuro? Se ele confessar ter se deitado com Cersei, bem, ela poderia resistir a isso. Os homens sempre mentem sobre as mulheres; ela poderia colocar como fanfarronice de um jovem imaturo apaixonado por sua beleza. Se ele falar sobre Robert e o vinho forte, então...

— Expiação é melhor alcançada através da oração, — Cersei disse a ele. — Oração silenciosa. — Ele o deixou pensando sobre isso e se preparou para encarar Tyrell. Margaery a abraçou como se fosse sua irmã, o que a rainha achou presunçoso, mas aquele não era o local para censurá-la. A Senhora Alerie e os primos se contentaram em beijar-lhe os dedos. A Senhora Graceford, que tinha vários filhos, perguntou se a rainha deixaria colocar o nome de Tywin se fosse um menino, ou Lanna se fosse uma menina. Outro? Ela quase murmurou. O reino vai se afogar em Tywins. Ela deu consentimento tão graciosamente quanto pode, fingindo prazer.

Foi a Senhora Merryweather quem realmente a agradou. “Vossa Majestade” esta disse, em seu tom abafado de Myr.

— Eu enviei uma mensagem aos meus amigos do outro lado do mar estreito, pedindo a eles para prenderem o Duende assim que ele mostrar sua cara feia nas Cidades Livres.

— Você tem muitos amigos do outro lado do oceano?

— Em Myr, muitos. Em Lys também, e Tyrosh. Homens de poder.

Cersei poderia muito bem acreditar nisso. A mulher Myrish era parcialmente muito bonita; pernas longas e seios fartos, com suave pele cor de oliva, lábios maduros, olhos grandes e escuros, e cabelos escuros e grossos que sempre pareciam como se ela tivesse acabado de se levantar. Ela até cheirava a pecado, como uma lótus exótica.

— Lorde Merryweather e eu queremos apenas servir a Vossa Majestade e ao pequeno rei,” A mulher ronronou, com um olhar tão grávido como a Senhora Graceford.

Ela é ambiciosa, e seu Lorde é orgulhoso, mas pobre.

— Devemos nos falar novamente, minha senhora. Taena, não é isso?

Você é muito gentil. Eu sei que seremos grandes amigas.


Então o Lorde de Jardim de cima aproximou-se dela.

Mace Tyrell não era mais que dez anos mais velho que Cersei, ainda assim ela pensava nele como a idade de seu pai, não a sua. Ele não era tão alto como Lord Tywin foi, mas no mais, ele era maior, com o tórax largo e uma pança ainda maior. Seu cabelo era castanho, mas havia manchas de branco e cinza em sua barba. Seu rosto muitas vezes ficava vermelho.

— Lord Tywin foi um grande homem, um homem extraordinário, —declarou ele pesadamente depois que beijou suas duas bochechas. — Nós nunca mais veremos outro como ele, eu temo. — Você está olhando para este outro, tolo, pensou Cersei . É a filha dele que está a sua frente. Mas ela precisava de Tyrell e da força de jardim de Cima para manter Tommen em seu trono, então tudo o que ela disse foi:

— Ele vai fazer uma imensa falta.

Tyrell colocou a mão sobre o ombro dela.

— Nenhum homem vivo está apto a usar a armadura de Lorde Tywin, isto é claro. Ainda assim, o domínio continua, e deve ser derrubado.

Se houver alguma coisa que eu poderia fazer para servir nesta hora escura, Sua graça só precisa pedir.

Se você quiser ser a Mão do Rei, meu Senhor, tenha a coragem de dizer isso abertamente. — A rainha sorriu. Deixe que ele interprete isso da forma que achar melhor.

— Certamente meu senhor é necessário na Campina?

— Meu filho Willas é um rapaz capaz, — o homem respondeu, se recusando a entender a sua dica perfeitamente clara. — Sua perna deve estar torcida, mas ele não precisa de mais destreza. E Garlan logo terá Águas Claras. Com eles a Campina estará em boas mãos, caso eu seja necessário em outros lugares. A governança do reino deve vir em primeiro lugar, Lorde Tywin sempre dizia. E é um prazer trazer a Vossa Graça boas notícias a esse respeito. Meu tio Garth concordou em servir como mestre de moeda, como o senhor seu pai desejava. Ele está a caminho de Vilavelha para pegar um navio. Os filhos dele irão acompanhá-lo. Lorde Tywin mencionou alguma coisa sobre encontrar atribuições para os dois também. Talvez na Patrulha da Cidade.

O sorriso da rainha havia congelado tanto que ela temia que os dentes pudessem quebrar. Garth, o Greosseiro no conselho e seus dois pequenos bastardos em capas de ouro... os Tyrell pensam que eu vou servir-lhes o reino em uma bandeja dourada? A arrogância lhe tirou o fôlego.


— Garth serviu também a mim como Lorde Senescal, assim como ele serviu a meu pai antes de mim, — Tyrell continuava. — Mindinho tinha faro para o ouro, eu lhe confirmo, mas Garth.

— Meu senhor, — Cersei o interrompeu. — Eu temo que tenha havido algum mal entendido. Eu solicitei a Lorde Gyles Rosby para servir como nosso novo mestre da moeda, e ele me fez a honra de aceitar.

Mace ficou boquiaberto. — Rosby? Aquele... tossidor? Mas... se foi aprovado, Vossa Graça. Garth está a caminho de Vilavelha.

— Melhor enviar um corvo para Lorde Hightower e pedir a ele que se assegure que seu tio não embarque. Nós detestaríamos que Garth enfrentasse um mar de outono para nada. — Ela sorriu agradavelmente.

Um rubor subiu o pescoço grosso de Tyrell.

— Isso… o senhor seu pai me assegurará... — Ele começou a gaguejar.

Então, sua mãe apareceu e deslizou seu braço sobre o dele.

— Parece que Lorde Tywin não dividiu seus planos com nossa regente, eu não consigo imaginar o motivo. Ainda assim, mas não tem com o que se preocupar, Vossa Graça. Está certa, deve escrever a Lorde Leyton antes que Garth embarque em um navio. Você sabe que o mar vai fazê-lo sentir-se mal e deixar sua flatulência pior.

A Senhora Olenna deu um sorriso sem dentes a Cersei.

— Suas câmaras do conselho terão cheiro mais doce com Lorde Gyles, embora eu ouse dizer que a tosse me levaria à distração. Todos nós adoramos o velho tio Garth, mas o homem é flatulento, isso não se pode contradizer. Eu realmente abomino maus cheiros. — Seu rosto enrugado se enrugou ainda mais. — Eu senti um cheiro desagradável no Santo Septo, na verdade. Talvez você tenha sentido também?

— Não. — Cersei disse friamente. — Um odor, você diz?

— Mais como um fedor.

— Talvez você sinta falta de suas rosas de outono. Nós os mantivemos aqui por muito tempo.

Quanto mais rápido ela se livrasse da corte da corte da Senhora Olenna, melhor. Lorde Tyrell iria, com certeza, enviar um bom número de cavaleiros para levar sua mãe em casa, em segurança, e quanto menos espadas dos Tyrell na cidade, melhor dormiria a rainha.


— Eu realmente sinto falta das fragrâncias de Jardim de Cima, confesso, — disse a velha mulher, — mas obviamente não posso partir antes de ver minha doce Margaery casada com o seu precioso pequeno Tommen.

— Eu também espero ansiosamente por esse dia, — Tyrell acrescentou. — Lorde Tywin e eu estávamos no ponto de definir uma data.

Talvez você e eu possamos retomar a discussão, Vossa Graça.

— Em breve.

— Em breve vai servir, — disse a Senhora Olenna com uma fungadela. — Agora venha, Mace, deixe Vossa Graça com o seu... pesar.

Eu a verei morta, sua velha, Cersei prometeu a si mesma enquanto a Rainha dos Espinhos cambaleava entre seus altos guardas, um par de homens grandes que a divertia chamar de Direito e Esquerdo. Veremos que bela defunta você será. A velha era duas vezes mais esperta que seu filho lorde, isso era claro.

A rainha resgatou seu filho de Margaery e seus primos, e se dirigiu para as portas. Lá fora, a chuva finalmente parou. O ar de outono tinha um cheiro doce e fresco. Tommen tirou sua coroa.

— Coloque isso de volta na cabeça, — Cersei mandou.

— Ela faz o meu pescoço doer, — o garoto disse, mas foi como se fosse um apelo. — Eu vou me casar logo? Margaery disse que assim que nos casarmos podemos ir para Jardim de cima.

— Você não vai para Jardim de Cima, mas você pode voltar para o castelo. — Cersei acenou para Sor Meryn Trant. — Traga para a Vossa Graça uma montaria, e peça a Lorde Gyles se ele me daria a honra de me acompanhar em minha liteira. — As coisas estavam andando mais rápido do que ela esperava; não havia tempo para ser desperdiçado.

Tommen estava contente diante da perspective de uma montaria, e claro que Lord Gyles estava honrado pelo convite dela... mas quando ela lhe pediu para ser seu mestre de moeda, ele começou a tossir tão violentamente que ela teve medo que ele morresse ali naquele momento. Mas a Mãe era misericordiosa, e Gyles eventualmente se recuperou o suficiente para aceitar, e até começou a tossir os nomes dos homens que ele queria substituir, os funcionários aduaneiros e os administradores de lã nomeados por Mindinho, até um dos guardiões das chaves.

— Nomeie como a vaca quem você quiser, contanto que o leite flua.

E se a questão for levantada, você se uniu ao conselho ontem.


— Ont... — Um acesso de tosse o fez se dobrar. — Ontem.

Certamente. — Lord Gyles tossiu em um quadrado vermelho de seda, como se para ocultar o sangue em sua saliva. Cersei fingiu não notar.

Quando ele morrer eu vou encontrar outra pessoa. Talvez ela chamasse de volta Mindinho. A rainha não imaginava que aquele Petyr Baelish fosse autorizado permanecer como Lorde Protetor do Vale por muito tempo, com Lysa Arryn morta. Os senhores do Vale já estavam se agitando, se o que Pycelle disse for verdade. Uma vez que levarem o menino miserável para longe dele, o Lorde Petyr virá rastejando de volta.

Vossa Graça? — Lord Gyles tossiu, e limpou a boca. — Eu poderia... — Ele tossiu de novo. — ...perguntar quem ... — Outra série de tosse o atormentou. — ... quem será a Mão do Rei?

— Meu tio, — ela respondeu ausentemente.

Foi um alívio para ela ver as portas da Muralha Vermelha iminentes à sua frente. Ela deu Tommen a carga de seus escudeiros e se retirou agradecia para seus aposentos para descansar.

Mal ela tirou os sapatos e Jocelyn entrou timidamente para dizer que Qyburn estava lá fora e ansiava por uma audiência.

— Deixe-o entrar, — a rainha ordenou. Um governante não descansa.

Qyburn era velho, mas seus cabelos ainda tinham mais cinza do que neve neles, e as linhas de riso ao redor da boca o faziam se parecer como o avô preferido de algumas menininhas. Um avô um tanto maltrapilho, pensou. O colarinho de seu robe estava desgastado, e uma manga havia sido rasgada e mal costurada.

— Devo pedir perdão a Vossa Graça pela minha aparição, — disse ele. — Eu tenho estado lá embaixo nos calabouços fazendo interrogações a respeito da fuga do Duende, como a senhora ordenou.

— E o que você descobriu?

— A noite que Lorde Varys e seu irmão desapareceram, um terceiro homem também desapareceu.

— Sim, o carcereiro. O que tem ele?”

— Rugen era o seu nome. O carcereiro que era responsável pelas celas negras. O chefe da carceragem o descreve como corpulento, com barba por fazer, e fala ríspida. Ele honrou seu compromisso com o antigo rei, Aerys, vinha e ia como ele quisesse. As clas negras não foram ocupadas muitas vezes nos últimos anos. Os outros carcereiros tinham medo dele, ao que parece, mas ninguém sabia muito sobre ele.

Ele não tinha amigos, nem parentes. Nem bebia ou ia a bordéis frequentemente. A cela em que dormia era úmida e triste, e a palha em que dormia em cima estava mofada. O seu penico estava transbordando.

— Eu sei disso tudo. — Jaime examinou a cela de Rugen, e os homens de Manto Dourado de Sor Addam a examinaram novamente.

— Sim, Sua Graça, — disse Qyburn, — mas você sabia que embaixo do penico fedorento havia uma pedra solta, que abria em uma pequena cavidade? O tipo de lugar onde um homem esconderia objetos de valor que ele não queria que descobrissem?

— Valiosos? — Isso era novo. — Moeda, você quer dizer? — Ela suspeitou o tempo todo que Tyrion tinha, de alguma forma, comprado este carcereiro.

— Permanece uma dúvida. Com certeza, o buraco estava vazio quando eu o encontrei. Sem dúvida Rugen levou o seu tesouro ilícito com ele quando fugiu. Mas enquanto eu estava agachado em cima do buraco com a minha tocha, eu vi algo brilhar, então eu esfreguei a sujeita até que ficasse visível. — Qyburn abriu sua mão. — Uma moeda de ouro.

Ouro, sim, mas no momento em que Cersei o pegou podia dizer que havia algo errado. Muito pequeno, ela pensou, muito fino. A moeda estava velha e desgastada. De um lado era o rosto de um rei de perfil, do outro lado a marca de uma mão.

— Isso não é dragão, — ela disse.

— Não, — Qyburn concordou. — Isso data de antes da Conquista, Vossa Graça. O rei é Garth o Décimo Segundo, e a mão é Sigil da Casa Gardener.”

De Jardim de Cima. Cersei fechou sua mão sobre a moeda. Que traição é esta? Mace Tyrell foi um dos juízes de Tyrion, e gritou alto por sua morte. Seria um estratagema? Ele poderia estar tramando com o Duende o tempo todo, conspirando a morte do meu pai? Com Tywin Lannister em sua cova, Lord Tyrell seria uma escolha óbvia para ser o Conselheiro do Rei, mas mesmo assim...

— Você não vai falar disso com ninguém, — ela ordenou.

— Vossa Graça deve confiar em minha discrição. Qualquer homem que ande com mercenários aprende a segurar a sua língua, ou então não consegue tê-la por muito tempo.


— Em minha companhia também. — A rainha colocou a moeda de lado. Ela deveria pensar sobre isso mais tarde. — O que há sobre o outro assunto?

— Sor Gregor. — Qyburn deu de ombros. — Eu o examinei, como a senhora mandou. O veneno da lança de Víbora era veneno de manticora do leste, eu apostaria minha vida nisso.

— Pycelle disse que não. Ele disse ao senhor meu pai que o veneno de manticora mata no instante em que atinge o coração.

— E assim ele age. Mas esse veneno foi, de alguma maneira, engrossado, para protelar a morte do Montanha.

— Engrossado? Engrossado como? Com alguma outra substância?

— Pode ser como Sua Graça sugere, embora na maioria dos casos adulterar um veneno só diminui sua potência. Pode ser que a causa seja...

menos natural, digamos. Um feitiço, eu acho

Seria esse um grande tolo como Pycelle?

— Então você está me dizendo que a Montanha está morrendo de alguma magia negra?

Qyburn ignorou a zombaria em sua voz.

— Ele está morrendo envenenado, mas vagarosamente, e com uma agonia extraordinária. Os meus esforços em diminuir sua dor provaram ser tão improdutivos como os de Pycelle. Sor Gregor está excessivamente acostumado com a papoula, eu temo. Seu escudeiro me diz que ele é atormentado por dores de cabeça cegante e frequentemente toma o leite da papoula como outros homens bebem cerveja . Seja como for, suas veias ficaram pretas da cabeça ao calcanhar, sua água é nublada e com pus, e o veneno gerou um buraco na sua lateral tão grande quanto o meu punho. É

uma surpresa que este homem ainda esteja vivo, verdade seja dita.

— O tamanho dele, — a rainha sugeriu, franzindo o cenho. —Gregor é um homem muito grande. E também muito idiota. Muito idiota para saber que ele deve morrer, parece. — Ela estendeu seu copo e Senelle o encheu novamente. — Seus gritos assustam Tommen. É sabido que me acorda a noite. Eu diria que já passamos do tempo de convocarmos Ilyn Payne.

— Vossa Graça, — disse Qyburn, — talvez eu devesse levar Sor Gregor para os calabouços? Seus gritos não irão perturbá-la de lá, e eu poderei cuidar dele mais livremente.


— Cuidar dele? — Ela riu. — Deixe Sor Ilyn cuidar dele.

— Se é o desejo de Vossa Graça, — Qyburn disse, — mas esse veneno... seria útil descobrir mais sobre isso, não seria? Envie um cavaleiro para matar um cavaleiro e um arqueiro para matar um arqueiro, o povo costuma dizer. Para combater as artes da magia negra... — Ele não terminou o raciocino, mas sorriu para ela.

Ele não é Pycelle, isso é claro. A rainha o considerou, imaginando.

— Porque tomaram sua cadeira na Cidadela?

— Os arquimestres são todos covardes de coração. A ovelha cinza, Marwyn os chama. Eu era um curandeiro qualificado como Ebrose, mas aspirava a ultrapassá-lo. Por centenas de anos os homens da Cidadela abriram os corpos dos mortos, para estudar a natureza da vida. Eu queria entender a natureza da morte, então abri os corpos dos vivos. Por esse crime a ovelha cinza se envergonhou de mim e me forçou ao exílio... mas eu entendo a natureza da vida e da morte melhor do que qualquer homem em Vilavelha.

— Você entende? — Isso a intrigou. — Muito bem. Ele é seu. Faça o que quiser com ele, mas limite seus estudos às celas negras. Quando ele morrer, traga-me a cabeça. Meu pai prometeu-a a Dorne. Príncipe Doran sem dúvida preferiria matar Gregor ele mesmo, mas todos nós devemos sofrer decepções nesta vida.

— Muito bem, Vossa Graça. — Qyburn limpou a garganta. — Eu não estou tão bem fornecido como Pycelle, no entanto. Devo precisar equipar-me com certas..."

— Vou instruir o Senhor Gyles para fornecê-lo com ouro suficiente para suas necessidades. Compre para você algumas roupas novas também.

Você parece que veio do Baixio das Pulgas. — Ela estudou seus olhos, perguntando o quão longe se atrevia a confiar nele. — Eu preciso dizer que as coisas irão mal para você, se qualquer palavra de seus... trabalhos... passar para além destas paredes?

— Não, Vossa Graça. — Qyburn deu a ela um sorriso reconfortante.

— Seus segredos estão a salvo comigo.

Quando ele se foi, Cersei serviu-se de uma xícara de vinho forte e bebeu ao lado da janela, observando as sombras aumentarem em todo o quintal e pensando sobre a moeda. Por que um carcereiro em Porto Real tinha ouro vindo da Campina, a não ser que fosse pago para ajudar a provocar a morte de meu Pai?


Por mais que tentasse, ela não conseguia trazer à mente o rosto de Lorde Tywin sem ver aquele meio-sorriso tolo e relembrando o cheiro desagradável vindo de seu cadáver. Ela imaginava como Tyrion estava de alguma forma por trás disso também. Isso é pequeno e cruel, como ele.

Poderia Tyrion ter feito de Pycelle seu joguete? Ele enviou o velho para as celas negras, e este Rugen era o encarregado dessas celas, lembrou-se. Todas as pontas soltas estavam se amarrando de forma que ela não gostava. Esse Alto Septão é instrumento de Tyrion também, Cersei se lembrou de repente, e o corpo de seu pobre Pai estava aos seus cuidados desde o anoitecer até o amanhecer.

Seu tio chegou prontamente ao pôr do sol, vestindo um gibão acolchoado de lã cor de carvão tão sombrio quanto o seu rosto. Como todos os Lannisters, Sor Kevan era de pele clara e loiro, e embora tivesse cinquenta e cinco anos ele havia perdido a maior parte de seu cabelo.

Ninguém nunca diria que ele é gracioso. Cintura larga, ombros redondos, com um queixo quadrado e saliente que sua barba curta e loira pouco fazia para esconder, ele a lembrava um velho mastim... mas um velho e fiel mastim era o mesmo que ela precisava. Eles comeram uma ceia simples de beterrabas e pão e carne sangrenta com um frasco de dornês vermelho para levar tudo para baixo. Sor Kevan falou pouco e raramente tocou sua taça de vinho. Ele medita muito, ela decidiu. Ele precisa ser colocado para trabalhar para esquecer a sua dor.

Ela disse quando o último dos alimentos haviam sido removidos e os servos tinham partido.

— Eu sei o quanto meu pai confiava em você, Tio. Agora eu devo fazer o mesmo.

— Você precisa de uma Mão, — ele disse, — e Jaime a recusou.

Ele é franco. Muito bem.

— Jaime... eu me senti tão perdida com a morte de meu Pai, eu mal sabia o que estava dizendo. Jaime é galante mas um pouco tolo, sejamos francos.Tommen precisa de um homem mais maduro. Alguém mais velho...

— Mace Tyrell é mais velho.

— Suas narinas queimaram.

— Nunca. Cersei empurrou uma mecha de cabelo de sua testa. — Os Tyrell estão se excedendo.

— Você seria tola em fazer Mace Tyrell sua Mão, — Sor Kevan admitiu, — mas uma tola ainda maior de fazê-lo seu inimigo. Eu ouvi sobre o que aconteceu no Salão das Lâmpadas. Mace deveria ter pensado melhor antes de abordar esses assuntos em público, mas mesmo assim, você não foi esperta ao envergonhá-lo em frente a metade da corte.

— Melhor do que sofrer com outro Tyrell no conselho. — A reprovação dele a irritou. — Rosby será um mestre da moeda adequado. O senhor viu a sua liteira, com suas esculturas e tapeçarias de seda. Seus cavalos são melhores vestidos que a maior parte dos cavaleiros. Um homem tão rico não deve ter problemas para encontrar ouro. E como Mão... quem melhor para terminar o trabalho de meu pai do que o irmão que participou de todos os conselhos?

— Todo homem precisa de alguém para confiar. Tywin tinha a mim, e anteriormente a sua mãe.

— Ele a amava muito. — Cersei se recusou a pensar sobre a prostituta morta em sua cama. — Eu sei que eles estão juntos agora.

— Por isso eu oro. — Sor Kevan estudou sua face por um longo momento antes de responder. —Você pede a mim, Cersei.

— Não mais que meu pai.

— Eu estou cansado. — O tio buscou pelo copo de vinho e tomou um gole. — Eu tenho uma esposa que não vejo há dois anos, um filho morto para chorar, outro filho que está para se casar e assumir um senhorio. O

Castelo Darry precisa se tornar forte novamente, suas terras protegidas, seus campos queimados precisam ser arados e plantados de novo. Lancel vai precisar da minha ajuda.

— Assim como Tommen. — Cersei não esperava que Kevan pedisse adulação. Ele nunca se fazia de desentendido com o Pai. — O reino precisa de você.

— O reino. Sim. E a casa Lannister. — Ele tomou outro gole do vinho. — Muito bem. Eu vou permanecer e servir a Vossa Graça...

— Muito bom, — ela começou a dizer, mas Sor Kevan elevou seu tom de voz e a interrompeu.

—... desde que me nomeie também como regente assim como Mão e você volte para Rochedo Casterly.

Por metade um batimento cardíaco Cersei só pode olhar para ele.

— Eu sou a regente, — ela o relembrou.


— Você era. Tywin não tinha a intenção de que você continuasse no cargo. Ele me contou sobre seus planos de lhe enviar de volta para Rochedo e encontrar um novo marido para você.

Cersei pôde sentir sua raiva aumentando.

— Ele falou sobre isso sim. E eu disse a ele que não era o meu desejo casar-me novamente.

Seu tio não se comoveu.

— Se você estiver resolvida a não se casar outra vez, não vou forçá-la. Quanto ao outro assunto, entretanto... você é a Senhora de Rochedo Casterly agora. Seu lugar é lá.

Como ousa? Ela queria gritar. Ao invés disso, ela disse:

— Eu sou também a Rainha Regente. Meu lugar é ao lado do meu filho.

— Seu pai não pensava assim.

— Meu pai está morto.

— Para minha tristeza, e infortúnio de todo o reino. Abra os seus olhos e olhe a sua volta, Cersei. O reino está em ruínas. Tywin poderia ter sido capaz de definir corretamente as questões, mas...

— Eu serei capaz de definir corretamente as questões! — Cersei deixou sua voz mais doce. — Com a sua ajuda, tio. Se o senhor me servir tão fielmente quanto serviu meu pai.

— Você não é o seu pai. E Tywin sempre considerou Jaime como seu herdeiro legítimo.

— Jaime... Jaime tomou os votos. Jaime nunca pensa, ele ri de tudo e de todos e diz o que lhe vem a cabeça. Jaime é um tolo bonito.

— E mesmo assim foi a sua primeira escolha para ser o Conselheiro do Rei. O que isso te parece, Cersei?

— Eu disse ao senhor, eu estava doente de sofrimento, eu não pensei.

— Não mesmo, Sor Kevan concordou. — O que é o motivo pelo qual você deve retornar à Rochedo Casterly e deixar o rei com aqueles que pensam.

— O rei é meu filho! — Cersei levantou-se.


— Sim, — seu tio disse, — e pelo o que eu vi de Joffrey, você é tão inapropriada como mãe quanto como governante.

Ela jogou o conteúdo de sua taça de vinho cheia no rosto dele.

Sor Kevan levantou-se com uma dignidade ponderosa.

— Vossa Graça. — O vinho escorria pelo seu rosto e pingava pela sua barba bem cortada. — Com a sua licença, poderia me retirar?”

— Com que direito o Senhor acha que pode me colocar condições?

Você não é mais que um dos cavaleiros de meu pai.

— Eu não tenho terras, é verdade. Mas eu tenho renda certa, e baús de moedas bem guardados. Meu próprio pai não se esqueceu de nenhum dos filhos quando morreu, e Tywin sabia como recompensar bom serviço. Eu mantenho duzentos cavaleiros e posso dobrar esse número caso seja necessário. Há também cavaleiros livres que seguirão a minha bandeira, e eu tenho ouro para contratar mercenários. Você seria esperta em não me negligenciar, Vossa Graça… e ainda mais esperta de não fazer-me seu inimigo.

— O senhor está me ameaçando?

— Eu a estou aconselhando. Se você não vai ceder a regência para mim, nomeie-me seu castelão em Rochedo Casterly e faça ou Mathis Rowan ou Randyll Tarly a Mão do Rei.

Homens da bandeira de Tyrell, os dois. A sugestão a deixou sem palavras. Ele foi comprado? Ela imaginou. Ele teria recebido ouro para trair a casa Lannister?

— Mathis Rowan é sensível, prudente, bem aceito, — o seu tio continuou, absorto. — Randyll Tarly é o mais fino soldado do reino. Uma Mão fraca para tempos de paz, mas com a morte de Tywin não há homem melhor para terminar essa guerra. Lorde Tyrell não poderá ofender-se se você escolher um de seus próprios homens como Mão. Tanto Tarly quanto Rowan são homens hábeis... e leais. Nomeie qualquer um, e você faz dele seu aliado. Você se fortalece e enfraquece Jardim de Cima, e ainda Mace provavelmente vai agradecê-la por isso. — Ele deu de ombros. — Esse é o meu conselho, pegue-o ou não. Você fazer do Menino Lua a Mão não me importaria. Meu irmão está morto, mulher. Eu vou levá-lo para casa.

Traidor, ela pensou. Vira-casaca. Ela imaginou o quanto Mace Tyrell teria dado a ele.

— O senhor vai abandonar o seu rei quando ele mais precisa do senhor, — ela disse a ele. — O senhor está abandonando Tommen.


— Tommen tem a sua mãe. — Os olhos verdes de Sor Kevan encontraram aos dela, sem piscar. Uma última gota de vinho tremeu vermelha e molhada abaixo de seu queixo e finalmente caiu. — Sim, — ele adicionou suavemente, depois de uma pausa, — e a seu pai também, eu acho.




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