JAIME


Lorde Tywin Lannister entrara na cidade em um garanhão, sua armadura vermelho-esmaltada polida e brilhante, reluzente com gemas e filigrana. Ele a deixou no carro fúnebre, drapejado de bandeiras vermelhas, com cinco irmãs silenciosas velando a seus ossos.

O cortejo fúnebre deixou Porto Real pelo Portão dos Deuses, mais largo e esplêndido do que o Portão do Leão. A escolha parecia errada para Jaime. Seu pai tinha sido um leão, ninguém podia negar, mas até mesmo Lorde Tywin nunca reivindicou ser um deus.

Uma guarda de honra de cinquenta homens cercava o carro de Lorde Tywin, flâmulas vermelhas esvoaçavam das lanças. Os senhores do oeste seguiam atrás deles. O vento batia nos estandartes, fazendo-os dançar e voejar. Enquanto ele trotava para a coluna, Jaime passou por javalis, texugos, e besouros, uma flecha verde e um boi vermelho, alabardas cruzadas, lanças cruzadas, um gato de árvore, um morangueiro, uma figura de escudo com uma manga, e quatro figuras de sóis ao contrário.

Lorde Brax vestia um gibão cinza-claro com bordados de prata, uma ametista em forma de um unicórnio em cima de seu coração. Lorde Jast usava uma armadura de aço negro, três cabeças de leões douradas incrustadas na sua couraça. A julgar pela sua aparência, os rumores sobre sua morte não tinha sido de todo errados; as feridas e as prisões tinham deixado apenas uma sombra do homem que ele fora. Lorde Banefort vencera melhor a batalha, e parecia pronto para retornar para a guerra mais uma vez.

Plumm vestia roxo, Prester, arminho, Moreland, ferrugem e verde, mas cada um vestira uma capa de seda vermelha, em honra ao homem que eles escoltavam de volta para casa.

Atrás dos senhores vinham uma centena de besteiros e três centenas de soldados, e o vermelho também ondeava de seus ombros. Em sua capa branca e armadura branca escamada, Jaime se sentia de fora naquele rio de vermelho.

O seu tio também não deixava aquilo mais fácil.

— Senhor Comandante — Sor Kevan disse quando Jaime trotou ao lado dele no alto da coluna. Vossa Graça tinha alguma última ordem para mim?


— Eu não estou aqui por Cersei. — Um tambor começou a rufar atrás deles, devagar, mensurado, fúnebre. Morto, ele parecia dizer, morto, morto. — Eu vim para dar adeus. Ele era o meu pai.

— E dela.

— Eu não sou Cersei. Eu tenho uma barba, e ela tem peitos. Se você ainda está confuso, tio, conte nossas mãos. Cersei tem duas.

— Os dois gostam do escárnio — seu tio disse. — Poupe-me de suas zombarias, sor, eu não gosto delas.

— Como deseja. Isto não está indo tão bem como eu desejava.

Cersei iria querer ver você de fora, mas ela tem muitos deveres.

Sor Kevan bufou.

— Assim como todos nós. Como passa o seu rei? — O seu tom de voz fez da pergunta uma repreensão.

— Bem o suficiente — Jaime disse defensivamente. — Balon Swann está com ele pelas manhãs. Um bom e bravo guerreiro.

— Foi o tempo em que não se falava daqueles que vestem o manto branca.

Nenhum homem pode escolher seus irmãos, Jaime pensou. Dê-me a licença para escolher meus homens, e a Guarda Real será grande novamente. Mas colocar isso grosseiramente soaria frágil; uma jactância vazia de um homem da realeza chamado Regicida. Um homem com uma honra de merda. Jaime preferiu esquecer aquilo. Ele não viera para discutir com o tio.

— Sor — ele disse. — Você precisa fazer as pazes como Cersei.

— Estamos em guerra? Ninguém me contou.

Jaime ignorou aquilo.

— Discórdia entre Lannister e Lannister ajudará apenas os inimigos da nossa Casa.

— Se há discórdia, não é por minha culpa. Cersei quer governar.

Muito bem. O reino é dela. Tudo o que eu peço é ser deixado em paz. Meu lugar é em Darry com meu filho. O castelo precisa ser restaurado, as terras, semeadas e protegidas. — Ele deu um latido de risada amarga. — E sua irmã me deixou pouco para ocupar o tempo. Eu também vi Lancel se casar. Sua esposa tem pressa em ir para Darry.


Sua viúva das Gêmeos. Seu primo Lancel estava a cem metros atrás deles. Com seus olhos ocos e cabelos secos e brancos, ele parecia mais velho do que Lorde Jast. Jaime podia sentir seus dedos fantasmagóricos se coçando... Fodendo com Lancel e Osmund Kettleblack e Menino Lua, pelo que sei... Ele tentara falar com Lancel mais vezes do que podia contar, mas nunca o encontrava sozinho. Se seu pai não estava com ele, algum septão estava. Ele podia ser o filho de Kevan, mas ele tinha leite em suas veias.

Tyrion estava mentindo para mim. Suas palavras queriam ferir. Jaime tirou seu primo de seus pensamentos e voltou-se para o tio.

— Você vai permanecer em Darry depois do casamento?

— Por um tempo, talvez. Sandor Clegane está saqueando tudo que encontra ao longo de Tridente, ao que parece. Sua irmã quer sua cabeça. É

possível que ele tenha se unido com Dondarrion.

Jaime tinha ouvido sobre as Salinas. Por ora, metade do reino ouvira.

Ataques excepcionalmente selvagens. Mulheres estupradas e mutiladas, crianças assassinadas nos braços de suas mães, metade da cidade queimada.

— Randyll Tarly está em Lagoa da Donzela. Deixe-o lidar com os fora da lei. Eu iria o quanto antes a Correrrio.

— Sor Daven governa lá. O Guardião do Oeste. Ele não precisa de mim. Lancel, sim.

— É Como você diz, tio. — A cabeça de Jaime estava martelando como a batida do tambor. Morto, morto, morto. — Você faria bem em manter seus cavaleiros por perto.

Seu tio o olhou com frieza;

— Isto é uma ameaça, sor?

Uma ameaça? A sugestão o assustou.

— Um aviso. Eu só quis dizer... Sandor é perigoso.

— Eu estava enforcando foras da lei e cavaleiros ladrões quando você ainda estava cagando em suas fraldas. Eu não vou fugir e encarar Clegane e Dondarrion sozinho, se esse é o seu medo, sor. Nem todo Lannister é capaz de fazer estupidez por glória.

Por que, tio, eu acredito que você está falando de mim?

— Addam Marbrand poderia negociar com esses foras da lei tão bem quanto você. Assim como Brax, Banefort, Plumm, qualquer um desses.

Mas nenhum deles daria uma boa Mão do Rei.


— Sua irmã conhece as regras. Elas não foram mudadas. Diga a ela isso, da próxima vez que estiver em seu dormitório.

Sor Kevan colocou seus tornozelos no seu corcel e galopou adiante, terminando abruptamente a conversa.

Jaime o deixou ir, sua mão da espada perdida se contraindo. Ele tinha esperado contra toda a esperança que Cersei tivesse, de alguma forma, entendido mal, mas claramente aquilo estava errado. Ele sabe sobre nós dois. Sobre Tommen e Myrcella. E Cersei sabe que ele sabe. Sor Kevan era um Lannister de Rochedo Casterly. Ele podia não acreditar que ela nunca o faria mal, mas... Eu estava errado sobre Tyrion, por que não sobre Cersei?

Quando filhos matam pais, o que há de impedir uma sobrinha de ordenar que matem seu tio? Um tio inconveniente que sabe demais. Embora Cersei talvez estivesse esperando que o Cão fizesse seu trabalho. Se Sandor Clegane matasse Sor Kevan, ela não precisaria sujar suas mãos com sangue.

E ele vai, se eles se encontrarem. Kevan Lannister fora uma vez um homem robusto com uma espada, mas a juventude havia passado, e o Cão...

A coluna o havia alcançado. Quando seu primo passou junto a ele, flanqueado por seus dois septões, Jaime o gritou.

— Lancel, primo. Eu quis te parabenizar por seu casamento. Eu lamento que meus deveres não me permitem assistir.

— Vossa Graça deve ser protegida.

— E será. Mesmo assim, eu odeio ter que perder seu casamento. É seu primeiro casamento e o segundo dela, eu entendo. Tenho certeza que minha senhora ficará encantada de mostrar a você como funcionam as coisas.

A observação obscena desenhou um sorriso no rosto de vários senhores que estavam por perto e um olhar desaprovador dos septões de Lancel. Seu primo se contorceu com desconforto na sela.

— Eu conheço meus deveres como marido, sor.

— É apenas o que uma esposa quer na noite de núpcias, disse Jaime.

Um marido que saiba como fazer seu dever.

Um rubor subiu nas bochechas de Lancel.

— Eu oro por você, primo. E por Vossa Graça, a rainha. Que a Velha a guie à sua sabedoria e que o Guerreiro a proteja.

— Por que Cersei precisaria do Guerreiro? Ela tem a mim. — Jaime virou seu cavalo, sua capa branca batendo contra o vento. O Duende estava mentindo. Cersei antes teria o cadáver de Robert entres suas pernas do que um idiota como Lancel. Tyrion, seu bastardo maldito, você deveria ter mentido sobre alguém mais plausível. Ele galopou adiante, passando pelo cortejo funeral do seu pai, em direção à cidade.

As ruas de Porto Real pareciam quase desertas quando Jaime Lanninster voltava para a Fortaleza Vermelha, em cima da Alta Colina de Aegon. Os soldados que tinham abarrotado as covas de jogo da cidade e lojas de ervas já tinham se ido. Garlan, o Galante, levara metade dos homens de Tyrell para o Jardim de Cima, e sua mãe e sua avó tinham ido com ele. A outra metade marchara para o sul com Mace Tyrell e Mathis Rowan para defender Ponta Tempestade.

Quanto ao exército dos Lannister, dois mil veteranos sobravam acampados do lado de fora dos muros da cidade, esperando a frota Paxter Redwyne para carrega-los sobre a Baía da Águas Negra para Pedra do Dragão. Lorde Stannis parecia ter deixado uma pequena tropa atrás dele quando navegou para o norte, de modo que Cersei julgara que dois mil homens seriam mais do que o suficiente.

O resto dos homens do oeste tinha voltado para suas esposas e seus filhos, para reconstruir suas casas, plantar nos seus campos e fazer uma colheita pela última vez. Cersei levara Tommen pelos seus campos antes que eles marchassem, para deixa-los saudar seu pequeno rei. Ela nunca estivera mais bonita do que naquele dia, com um sorriso em seus lábios e o sol de outono brilhando no seu cabelo dourado.

O que quer que alguém dissesse sobre sua irmã, ela sabia como fazer os homens a amar quando se importava em tentar.

Quando Jaime trotou através dos portões do castelo, ele encontrou duas dúzias de cavaleiros treinando com lanças no pátio. Algo que eu não posso mais fazer, ele pensou. Uma lança era mais pesada e mais incômoda do que uma espada, e espadas já davam mais problemas do que o suficiente.

Ele pensou que poderia segurar a lança com sua mão esquerda, mas aquilo queria dizer segurar o escudo com seu braço direito. Em um torneio, o inimigo de um homem estava sempre à esquerda. Um escudo no seu braço direito seria tão útil como mamilos em sua couraça. Não, meus dias de justa acabaram, pensou enquanto desmontava... Mas, mesmo assim, parou para assistir um pouco.

Sor Tallad, o Alto, perdeu a montaria quando o saco de areia bateu contra sua cabeça. Javali golpeou o escudo tão forte que este acabou quebrando. Kennos de Kayce terminou a destruição. Penduraram novo escudo para Sor Dermot de Mata de Chuva. Lambert Turnberry só deu um 279


golpe, mas Jon Bettley, o Imberbe, Humfrey Swyft e Alyn Stackspear contaram com muitos golpes, e Ronnet Connington, o Vermelho, quebrou sua lança. Então o Cavaleiro das Flores montou e humilhou todos os outros.

Jaime sempre acreditara que três quartos do exército numa justa dependiam da habilidade como cavaleiro. Sor Loras cavalga soberbamente, e lidava com a lança como se ele tivesse nascido com ela na mão... O que, sem dúvida, explicaria a permanente expressão de dor no rosto de sua mãe. Ele coloca a ponta onde ele quer coloca-la, e parece ter o equilíbrio de um gato.

Talvez não fosse por simples casualidade que ele me desmontou. É uma pena que ele nunca terá a chance de tentar a sorte com o garoto de novo. Ele deixou os homens continuarem seu treinamento.

Cersei estava em seus aposentos Fortaleza de Maegor, com Tommen e a esposa de Myr de cabelos negros de Lorde Merryweather. Os três estavam rindo do Grande Meistre Pycelle.

— Perdi alguma piada inteligente? — Perguntou Jaime ao cruzar a porta.

— Oh, olha — ronronou a Senhora Merryweather. — Seu irmão corajoso retornou, Vossa Graca.

— Grande parte dele. — A rainha estava bêbada — Jaime percebeu.

Ultimamente, Cersei parecia ter sempre uma jarra de vinho na mão, ela que tivera uma vez zombado de Robert Baratheon pela sua bebedeira. Ele não gostou daquilo, mas naqueles dias ele parecia não gostar de nada que sua irmã fizesse.

— Grande Meistre — ela disse. — Tenha a amabilidade de compartilhar as novidades com o Senhor Comandante.

Pycelle parecia desesperadamente desconfortável.

— Veio um pássaro — ele disse. De Stokeworth. A Senhora Tanda diz que sua filha Lollys deu à luz um filho forte e saudável.

— E você não acredita o nome que deram ao bastardinho, irmão.

— Eles querem chama-lo de Tywin, se me recordo.

— Sim, mas eu proibi. Eu disse a Falyse que eu não queria o nobre nome do nosso pai dado a uma cria de um porquinho e de uma porca fraca de raciocínio.

— A Senhora Stokeworth insiste que não foi ela que deu o nome à criança — Grande Meistre Pycelle apontou. Sua testa enrugada pontilhada de suor. — O marido de Lollys escolheu, ela escreve. Este homem Bronn, ele... Parece que ele...

— Tyrion, arriscou Jaime. Ele chamou o filho de Tyrion.

O velho balançou a cabeça tremendo, enxugando a testa com a manga de seu robe.

Jaime teve que rir.

— Aí está querida irmã. Você tem procurado por Tyrion por todo canto, e esse tempo todo ele esteve escondido no ventre de Lollys.

— Engraçadinho. Você e Bronn são dois palhaços. Sem dúvida o bastardo está chupando uma das tetas de Lollys Lackwit enquanto falamos, enquanto este mercenário olha, rindo de sua insolenciazinha.

— Talvez essa criança carregue alguma semelhança com seu irmão, sugeriu a Senhora Merryweather. Ele pode ter nascido deformado, ou sem o nariz. Ela deu uma risada gutural.

— Nós enviaremos ao nosso querido menino um presente, a rainha declarou. Não é, Tommen?

— Podemos lhe enviar um gato.

— Um leãozinho, disse a Senhora Merryweather. — Para arrancar sua garganta fora, seu sorriso parecia sugerir.

— Eu tenho um tipo diferente de presente em mente — disse Cersei.

Um novo padrasto, com certeza. Jaime conhecia o olhar nos olhos de sua irmã. Ele o vira antes, o mais recente na noite do casamento de Tommen, quando ela queimou a Torre da Mão. A luz vermelha do fogovivo banhou o rosto dos guardas, de forma que eles ficaram parecidos com cadáveres apodrecidos, um bando de espectros alegres, mas alguns dos cadáveres eram mais bonitos que outros. Atém mesmo no brilho maligno, Cersei era bonita de se ver. Ela ficou em pé com uma mão em um peito, seus lábios partidos, seus olhos verdes brilhando. Ela estava chorando, Jaime percebera, mas se era de pesar ou êxtase, não sabia dizer.

A visão o encheu com inquietação, lembrando-o de Aerys Targaryen e o jeito com que um incêndio iria acordá-lo. Um rei não guarda segredos de sua Guarda Real. As relações entre Aerys e sua rainha tinham se extenuado durante os últimos anos de seu reinado. Eles dormiam separados e faziam o melhor para evitar um ao outro durante o tempo em que estavam acordados.

Mas sempre que Aerys dava um homem às chamas, a Rainha Rhaella fazia uma visita na mesma noite. O dia em que ele queimou sua mão da maça e da espada, Jaime e Jon Darry guardavam a entrada do dormitório enquanto o rei tirava seu plazer.

— Você está me machucando. — Eles ouviram Rhaella chorando através da porta de carvalho. Você está me machucando. De um jeito estranho, aquilo tinha sido pior do que o grito de Lorde Chelsted. Nós juramos protege-la também, Jaime disse finalmente.

— Sim — Darry reconheceu — mas não dele.

Depois disso, Jaime só vira Rhaella uma vez, na manhã do dia em que ela foi para Pedra do Dragão. A rainha tinha sido encapuzada enquanto subia na casa do leme real, que a levaria para a Alta Colina de Aegon, onde o navio a esperava, mas ele ouviu suas donzelas sussurrando depois que ela tinha ido. Elas diziam que a rainha tinha a aparência de alguém que tinha sido atacado por uma fera, rasgado nas coxas e mastigado nos peitos. Uma fera coroada, Jaime sabia.

Em seus últimos dias, o Rei Louco tinha tanto medo que não permitia lâmina nenhuma em sua presença, a não ser as espadas da Guarda Real. Sua barba estava embaraçada e suja, seu cabelo, uma confusão de prata e dourado que chegava a sua cintura, suas unhas, garras de vinte centímetros rachadas e amarelas. Ainda assim as espadas o atormentavam, as que ele não podia escapar; as espadas do Trono de Ferro. Seus braços e pernas estavam sempre cobertos de cicatrizes e cortes meio curados.

Um rei que governa sobre ossos chamuscados e carne cozida, Jaime lembrou-se, observando o sorriso de sua irmã. É o rei das cinzas.

— Vossa Graça — Jaime disse. — Podemos ter uma conversa em particular?

— Como quiser. Tommen acabou o tempo de sua lição de hoje. Vá com o Grande Maestre.

— Sim, Mãe. Estamos aprendendo sobre Baelor, o Abençoado.

A Senhora Merrywether também saiu, beijando a rainha nas duas bochechas.

— Podemos retornar para a ceia, Vossa Graça?

— Ficarei muito zangada se assim não fizer — disse Cersei.

Jaime não podia deixar de notar o jeito com que a myriana movia seus quadris enquanto andava. Cada passo, uma sedução. Quando a porta se fechou atrás dela, ele limpou a garganta e disse:


— Primeiro esses Kattleback, depois Qyburn, agora ela.

Ultimamente, você tem mantido um alojamento de feras, querida irmã.

— Estou gostando muito da companhia da Senhora Taena. Ela me diverte.

— Ela é uma das parceiras de Margaery Tyrell — Jaime a lembrou.

— Ela informa sobre você para a rainhazinha.

— Claro que ela informa. — Cersei foi para o aparador encher de novo sua taça. — Margaery estava palpitando quando eu pedia a ela para levar Taena como minha parceira. Você devia tê-la ouvido. Ela será uma irmã para você, como está sendo para mim. Claro que você pode levá-la! Eu tenho minhas primas e outras senhoras para me servir de companhia. Nossa rainhazinha não quer ficar só.

— Se você sabe que ela é uma espiã, por que a trouxe?

— Margaery não tem nem metade da esperteza que ela pensa que tem. Ela não tem noção da serpente que é aquela puta myriana. Eu uso Taena para dar à rainhazinha as informações que eu quero. Algumas delas são até verdade. Os olhos de Cersei estavam brilhantes de malícia. E Taena me conta tudo o que Margaery faz.

— É? O quanto você sabe sobre ela?

— Eu sei que ela é uma mãe com um jovem filho que ela quer destacar sobre esse mundo. Ela fará o que quer que seja preciso para ver ele conseguir. As mães são todas iguais. A Senhora Merrywether pode ser uma serpente, e está longe de ser estúpida. Ela sabe que posso fazer mais por ela do que Margaery pode, então ela se faz útil para mim. Você ficaria surpreso de todas as coisas interessantes que ela me conta.

— Que tipo de coisas?

Cersei se sentou abaixo da janela.

— Sabia que a Rainha dos Espinhos tem um baú de moedas na sua casa do leme? Ouro antigo que veio antes da Conquista. Se algum mercador comete o erro de dar o preço em moedas de ouro, ela o paga com as mãos de Jardim de Cima, cada uma vale metade do peso dos nossos dragões. Que mercador ousaria reclamar de ser enganado pela mãe de Mace Tyrell? — Ela bebericou o vinho e disse. — Gostou de seu passeio?

— Nosso tio perguntou por você.

— As preocupações do nosso tio não dizem respeito a mim.


— Deveriam. Você poderia fazer bom uso dele. Se não for em Correrrio ou no Rochedo, será no norte, contra Lorde Stannis. Nosso Pai sempre contou com Kevan quando...

— Roose Bolton é nosso Guardião do Norte. Ele lidará com Stannis.

— Não por muito tempo. O filho bastardo de Bolton removerá em breve aquele pequeno obstáculo. Lorde Bolton terá dois mil homens do Frey para aumentar sua força, mais os filhos de Lorde Walder, Hosteen e Aenys.

Seria mais que o suficiente para lidar com Stannis e alguns mil homens fracos.

— Sor Kevan...

—... Terá suas mãos cheias em Darry, ensinando a Lancel como limpar sua bunda. A morte de nosso pai o fez menos homem. Ele é um homem velho feito. Daven e Damion nos servirão melhor.

— Eles serão o suficiente. — Jaime não tinha rixas com seus primos.

— Entretanto, você ainda necessita de uma Mão. Se não for nosso tio, quem?

Sua irmã riu.

— Não você. Por esse lado, fique tranquilo. Talvez o marido de Taena. Seu avô serviu como Mão no reinado de Aerys.

A Mão corno da abundância. Jaime se lembrou de Owen Merrywether muito bem; um homem amável, mas inútil.

— Se me lembro, ele fez seu trabalho tão bem que Aerys o exilou e tomou suas terras.

— Robert as devolveu a ele. Algumas, pelo menos. Taena ficaria satisfeita se Orton pudesse reaver o resto.

— Tudo isso é sobre satisfazer uma puta myriana? Eu pensava que fosse sobre governar o reino.

— Eu governo o reino.

Que os Sete nos protejam, é verdade, você governa. Sua irmã gostava de pensar sobre ela como Lorde Tywin com tetas, mas ela estava errada. Seu pai tinha sido tão impiedoso e implacável como uma geleira, e Cersei era só fogovivo, principalmente quando contrariada. Ela ficara inconstante como uma dondoca ao saber que Stannis tinha abandonado Pedra do Dragão, certa de que ele tinha finalmente desistido de lutar e velejado para o exílio. Quando a mensagem do norte chegou até ela, dizendo que ele voltou-se novamente para a Muralha, sua fúria tinha sido terrível. Ela não tem carência de inteligência, mas ela não tem julgamento nem paciência.

— Você precisa de uma Mão forte para lhe ajudar.

— Um governador fraco precisa de uma Mão forte, como Aerys precisou do Pai. Um governador forte requer apenas um servo diligente para carregar suas ordens. — Ela mexeu o vinho. — Lorde Hallyne deve servir.

Ele não seria o primeiro que praticou a piromancia para servir como a Mão do Rei.

— Não. Eu matei o último. Há uma conversa dizendo que você que fazer de Aurane Waters o mestre dos navios.

— Alguém tem me espionado? — como ele não respondeu, Cersei jogou seu cabelo para trás e disse. — Waters é bom para o ofício. Ele passou metade de sua vida com barcos.

— Metade de sua vida? Ele não pode ter mais de vinte anos.

— Vinte e dois, e o que tem isso? O Pai não tinha nem vinte e um quando Aerys Targaryen o nomeou Mão. Já chegou o tempo em que Tommen tenha jovens no lugar desses barbas-brancas enrugados. Aurane é forte e vigoroso.

Forte, vigoroso e bonito, Jaime pensou... Pelo que sei, ela tem fodido com Lancel e Osmund Kettleblack e o Menino Lua...

— Paxter Redwyne seria uma escolha melhor. Ele comanda a maior frota em Westeros. Aurane Waters poderia comandar um esquife, mas só se você compra-lo um.

— Você é uma criança, Jaime. Redwyne é um homem do estandarte de Tyrell, e sobrinho daquela sua avó medonha. Eu não quero nenhuma criatura de Lorde Tyrell no meu conselho.

— O conselho de Tommen, você quer dizer.

— Você sabe o que eu quero dizer.

— Muito bem. Eu sei que Aurane Waters é uma má ideia e Hallyne é ainda pior. Quando a Qyburn... Que os deuses nos abençoe, Cersei. Ele era do bando de Vargo Hoat. A Fortaleza o livrou de sua cadeia!

— A ovelha cinza. Qyburn se fez mais útil para mim. E ele é leal, o que é mais do que eu posso dizer de meu próprio parente.

— Seremos um banquete para os corvos se você for por esse caminho, querida irmã. Cersei ouça a si mesma. Você está vendo anões em cada sombra e fazendo de amigos inimigos. Tio Kevan não é seu inimigo. Eu não sou seu inimigo.

Sua face se desfigurou em fúria.

— Eu te implorei por ajuda. Eu implorei de joelhos, e você me rejeitou!

— Meus votos...

— ...não o impediram de matar Aerys. Palavras são como vento.

Você poderia ter me tido, mas escolheu uma capa ao invés de mim. Saia.

— Irmã...

— Saia, eu disse. Estou farta de olhar para esse seu toco ridículo.

Saia! — Para fazer com que ele se fosse mais rápido, ela jogou sua taça de vinho na sua cabeça. Ela errou, mas Jaime entendeu a mensagem.

O cair da noite o encontrou sentado sozinho na sala comum da Torre da Espada Branca, com uma taça de vinho tinto dornês e o Livro Branco. Ele estava passando as páginas com o toco da sua mão da espada quando o Cavaleiro das Flores entrou, tirou sua capa e o cinto e os pendurou em um cabide na parede perto de Jaime.

— Eu te vi no jardim hoje — disse Jaime. — Você monta bem.

— Melhor que bem, com certeza. — Sor Loras pegou uma taça de vinho para si e se sentou na abertura da mesa em forma de meia-lua.

— Um homem mais modesto poderia ter respondido ‘Meu senhor é muito gentil’, ou ‘Eu tenho um bom cavalo’.

— O cavalo era adequado e meu senhor é tão gentil quanto eu sou modesto. — Loras brandiu o livro. — Lorde Renly sempre disse que aqueles livros eram para meistres.

— Este é para nós. A história de cada homem que usou um manto branco está escrita aqui.

— Eu dei uma olhada nele. Os escudos são bonitos. Eu prefiro livros com mais iluminações. Lorde Renly tinha alguns com desenhos que faria com que um septão ficasse cego.

Jaime teve que rir.

— Não há nenhum deles aqui, Sor, mas as histórias abrirão seus olhos. Você faria bem se soubesse sobre as vidas daqueles que foram antes de você.


— Eu sei. Príncipe Aemon, o Cavaleiro do Dragão, Sor Ryan Redwyne, o Bom Coração, Barristan, o Ousado...

—... Gwayne Corbray, Alyn Connington, o Demônio de Darry, sim.

Você terá ouvido sobre Lucamore Strong também.

— Sor Lucamore, o Forte? — Sor Loras parecia estar se divertindo.

— Três esposas e trinta filhos, não foi? Eles cortaram sua pica fora. Devo cantar a música para você, meu senhor?

— E Sor Terrence Toyne?

— Comeu a ama do rei e morreu gritando. A lição é: homens que usam calções brancos precisam mantê-los bem apertados.

— Gyles Capa Cinza? Orivel, o Mão Aberta?

— Gyles era um traidor, Orivel era um covarde. Homens que envergonharam o manto branco. O que meu senhor está sugerindo?

— Pouco e menos. Não se sinta ofendido no que não foi intencional, sor. E sobre Tom Costayne, o Largo?

Sor Loras balançou a cabeça.

— Ele foi um cavaleiro da Guarda Real por sessenta anos.

— Quando foi isso? Eu nunca...

— Sor Donnel de Vakdicasi, então?

— Eu posso ter ouvido o nome, mas...

— Addison Hill? O Coruja Branca, Michael Mertyns? Jeffory Norcross? Eles o chamavam de Nunca-cede. Robert Flowers, o Vermelho?

Por que você não me pode falar sobre eles?

— Floers é um nome bastardo. Assim como Colina.

— No entanto, ambos os homens comandaram a Guarda Real. Seus contos estão no livro. Rolland Darklyn está aqui também. O homem mais novo em serviço da Guarda Real, até eu. Foi-lhe dada a sua capa em um campo de batalha e morreu dentro de uma hora depois de vesti-lo.

— Ele não deve ter sido muito bom.

— Bom o suficiente. Ele morreu, mas seu rei viveu. Muitos homens valentes vestiram o manto branco. A maioria foi esquecida.

— A maioria merece ser esquecida. Os heróis serão sempre relembrados. Os melhores.


— Os melhores e os piores. Assim um de nós viverá nas canções. E alguns que são um pouco dos dois. Como ele. — Ele bateu de leve na página que ele estivera lendo.

— Quem? — Sor Loras esticou o pescoço para ver. Dez balas pretas no campo escarlate. — Eu não conheço estes braços.

— Eles pertenceram a Criston Cole, que serviu o primeiro Viserys e o segundo Aegon. — Jaime fechou o Livro Branco. — Eles o chamaram Fazedor de Reis.




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