TYRION
O Selaesori Qhoran estava a sete dias de Volantis quando Centava finalmente saiu da cabine, subindo ao convés como se fosse uma tímida criatura da floresta emergindo do longo sono de inverno.
Era ocaso e o sacerdote vermelho acendeu o seu fogo noturno no grande braseiro de ferro a meia-nau, enquanto a tripulação se reunia em volta para rezar. A voz de Moqorro era um tambor grave que parecia ressoar desde algum lugar no interior profundo do seu enorme torso.
— Agradecemos pelo Sol que nos mantém quentes — orou. — Agradecemos pelas estrelas que nos vigiam enquanto velejamos por este mar frio e negro. — Sendo um homem enorme, mais alto do que Sor Jorah e com largura suficiente para fazer dois dele, o sacerdote usava vestes escarlate bordadas na manga, na bainha e no colarinho com chamas de cetim laranja. A sua pele era negra como breu, o cabelo branco como a neve, as chamas tatuadas nas bochechas e testa amarela e cor-de-laranja. O seu bastão de ferro era tão alto como ele próprio e coroado com uma cabeça de dragão. Quando o sacerdote batia com o cabo do bastão no convés, a goela do dragão cuspia crepitantes chamas verdes.
Os seus guardas, quatro guerreiros escravos da Mão Fogosa, lideravam as respostas. Entoavam cânticos na língua da Velha Volantis, mas Tyrion ouviu as preces vezes suficientes para compreender a sua essência. Ilumine o nosso fogo e nos proteja da escuridão, blá, blá, ilumine o nosso caminho e nos mantenha quentes até torrarmos, a noite é escura e cheia de terrores, salve-nos das coisas assustadoras e mais um bocado de blá, blá, blá.
Não era suficientemente tolo para verbalizar tais pensamentos. Tyrion Lannister dispensava todos os deuses, mas naquele navio era sensato mostrar algum respeito pelo rubro R'hllor. Jorah Mormont tirou-lhe as correntes e grilhões depois de estarem solidamente a caminho, e o anão não desejava dar-lhe motivo para voltar a prendê-las.
O Selaesori Qhoran era uma banheira bamboleante de quinhentas toneladas, com um portão profundo, castelos elevados à proa e à popa, e um único mastro entre ambos. O castelo de proa tinha uma grotesca figura de proa, uma qualquer eminência carunchosa com ar de prisão de ventre e um rolo enfiado debaixo de um braço. Tyrion nunca viu navio mais feio. A tripulação não era mais bonita. O capitão, um impiedoso homem de língua maligna e barriga de barril com olhos avarentos e muito próximos, era mal jogador de cyvasse e pior perdedor. Abaixo dele serviam quatro imediatos, todos libertos, e cinquenta escravos vinculados ao navio, todos com uma versão tosca da figura de proa da coca tatuada numa bochecha. Os marinheiros gostavam de chamar Tyrion de "Sem-Nariz" por mais que ele lhes dissesse que o seu nome era Hugor Hill.
Três dos imediatos e mais de três quartos da tripulação eram fervorosos adoradores do Senhor da Luz. Tyrion tinha menos certezas a respeito do capitão, o qual aparecia sempre para as preces da noite, mas não desempenhava nelas mais nenhum papel. Mas Moqorro era o verdadeiro capitão do Selaerosi Qhoran, pelo menos naquela viagem.
— Senhor da Luz, abençoe o seu escravo Moqorro, e ilumine o seu caminho nos lugares escuros do mundo — trovejou o sacerdote vermelho. — E defenda o seu honrado escravo Benerro. Conceda-lhe coragem. Conceda-lhe sabedoria. Encha-lhe o coração de fogo.
Foi então que Tyrion reparou em Centava observando aquela farsa da íngreme escada de madeira que levava para baixo do castelo de popa. Estava num dos degraus mais baixos, de modo que só o topo da cabeça se encontrava visível. Sob o capuz, os olhos brilhavam grandes e brancos à luz da fogueira noturna. Tinha consigo o seu cão, o grande cão de caça cinzento que montava em justas fingidas.
— Senhora — chamou Tyrion em voz baixa. Na verdade, ela não era senhora alguma, mas Tyrion não conseguia levar-se articulando aquele seu nome pateta, e não ia chamar-lhe "menina" ou "anã."
Ela retraiu-se.
— Eu... eu não tinha te visto.
— Bem, sou pequeno.
— Eu... eu não estava bem... — O cão ladrou.
Estava doente de desgosto, você quer dizer.
— Se puder ajudar...
— Não. — E foi com toda a rapidez que ela voltou a desaparecer, retirando-se para baixo, para a cabine que partilhava com o cão e com a porca. Tyrion não podia censurá-la. A tripulação do Selaesori Qhoran ficara bastante satisfeita quando ele subiu a bordo; afinal de contas, um anão dava boa sorte. A sua cabeça foi esfregada tão frequentemente e com tal vigor que era um espanto que não tivesse ficado careca. Mas Centava deparara com uma reação mais dúbia. Podia ser anã, mas também era mulher, e as mulheres davam má sorte a bordo dos navios. Para cada homem que tentava esfregar-lhe a cabeça, havia três que resmungavam maldições em surdina quando ela passava.
E me ver só pode ser sal na sua ferida. Cortaram a cabeça do irmão na esperança de ser a minha, mas aqui estou eu como a porcaria de uma gárgula, oferecendo consolos vazios. Se fosse ela não haveria nada que mais desejasse do que de me empurrar para o mar.
Nada sentia pela menina além de pena. Não merecia mais o horror que sobre ela caiu em Volantis do que o irmão mereceu. Da última vez que a viu, logo antes de deixarem o porto para trás, os olhos dela estavam vermelhos de chorar, dois pavorosos buracos vermelhos numa cara abatida e pálida. Quando içaram a vela, trancou-se na cabine com o cão e o porco, mas à noite ouviam-na chorar. Ainda no dia anterior ouviu um dos imediatos dizer que deviam atirá-la borda fora antes que as lágrimas da menina inundassem o navio. Tyrion não tinha absoluta certeza de que o homem estivesse gracejando.
Depois das preces da noite terminar e a tripulação do navio ter voltado a dispersar, alguns para os seus turnos e outros para comida, rum e redes de dormir, Moqorro permaneceu junto ao seu fogo, como fazia todas as noites. O sacerdote vermelho descansava de dia, mas mantinha uma vigília durante as horas escuras, a fim de cuidar das chamas sagradas para que o Sol regressasse à alvorada.
Tyrion acocorou-se na frente dele e aqueceu as mãos contra o frio da noite. Moqorro não reparou nele durante algum tempo. Estava fitando as chamas trémulas, perdido em alguma visão. Será que ele vê dias vindouros, como afirma? Se assim fosse, esse seria um dom temível. Passado algum tempo, o sacerdote ergueu os olhos para cruzar olhares com o anão.
— Hugor Hill — disse, inclinando a cabeça num aceno solene. — Veio rezar comigo?
— Alguém me disse que a noite é escura e cheia de terrores. O que vê nestas chamas?
— Dragões — disse Moqorro no idioma comum de Westeros. Falava a língua muito bem, quase sem sinal de sotaque. Sem dúvida que essa era uma razão por que o alto sacerdote Benerro o escolhera para levar a fé de R'hllor a Daenerys Targaryen. — Dragões antigos e jovens, verdadeiros e falsos, brilhantes e escuros. E você. Um homem pequeno com uma grande sombra, rosnando no meio de tudo.
— Rosnando? Um tipo amigável como eu? — Tyrion sentia-se quase lisonjeado. E sem dúvida é precisamente isso que ele pretende. Qualquer pateta adora ouvir dizer que é importante. — Talvez tenha sido Centava que ele viu. Somos quase do mesmo tamanho.
— Não, meu amigo.
Meu amigo? Quando foi que isso aconteceu?
— Por acaso terá visto quanto tempo demoraremos a chegar a Me- ereen?
— Está ansioso por contemplar a libertadora do mundo?
Sim e não. A libertadora do mundo pode cortar-me a cabeça ou dar-me aos dragões como petisco.
— Eu não — disse Tyrion. — Para mim, tudo gira em volta das azeitonas. Se bem que tema que talvez envelheça e morra antes de saborear uma. Conseguia nadar nado cão mais depressa do que estamos navegando. Diga-me, Selaerosi Qhoran foi um triarca ou uma tartaruga?
O sacerdote vermelho soltou um risinho.
— Nem uma coisa nem outra. Qhoran é... não um governante, mas alguém que serve e aconselha tais pessoas e as ajuda a conduzirem os seus negócios. Vocês, em Westeros, poderiam falar em intendente ou em magíster.
Mão do Rei? Aquilo divertiu-o.
— E selaesori?
Moqorro tocou o nariz.
— Imbuído de um aroma agradável. Aromático, diria você? Florido?
— Então Selaesori Qhoran quer dizer Intendente Fedorento, mais ou menos?
— Antes Intendente Aromático.
Tyrion exibiu um sorriso torto.
— Acho que vou ficar com Fedorento. Mas agradeço-lhe pela aula.
— Me agrada ter-lhe esclarecido. Algum dia talvez me deixe ensinar-lhee também a verdade de R'hllor.
— Algum dia. — Quando eu for uma cabeça num espigão.
Aos aposentos que partilhava com Sor Jorah chamavam cabine só por cortesia; aquele armário úmido, escuro e malcheiroso mal tinha espaço para pendurar um par de redes para dormir, uma por cima da outra. Foi dar com Mormont estendido na de baixo, balançando lentamente com os movimentos do navio.
— A menina finalmente pôs o nariz no convés — disse-lhe Tyrion. — Deitou-me uma olhadela e correu de volta para baixo.
— Você não é uma coisa bonita de se ver.
— Nem todos podemos ser tão bem aparecidos como você. A menina está perdida. Não me surpreenderia se a pobre criatura estivesse se esgueirando até lá acima para saltar pela amurada e se afogar.
— O nome da pobre criatura é Centava.
— Eu sei o nome dela. — Odiava o nome dela. O irmão respondia pelo nome de Tostão, embora o seu verdadeiro nome fosse Oppo. Tostão e Centava. As moedas menores, as que valiam menos e, o que era pior, eles próprios tinham escolhido os nomes. Aquilo deixava um amargor desagradável na boca de Tyrion. — Seja o nome qual for, ela precisa de um amigo.
Sor Jorah sentou-se na sua rede.
— Então torne-se amigo dela. Por mim até pode se casar com ela.
Aquilo também lhe deixou um amargor desagradável na boca.
— Semelhante com semelhante, é essa a sua ideia? Quer encontrar uma ursa para você, sor?
— Foi você que insistiu para a trazermos.
— Eu disse que não a podíamos abandonar em Volantis. Isso não quer dizer que queira fodê-la. Ela me quer morto, se esqueceu? Sou a última pessoa que é provável que queira como amigo.
— São ambos anões.
— Sim, e o irmão dela também era. O irmão que foi morto porque uns idiotas bêbados o confundiram comigo.
— Está se sentindo culpado, é?
— Não. — Tyrion irritou-se. — Tenho suficientes pecados por que responder, não quero nenhum papel neste. Posso ter nutrido alguma má vontade para com ela e o irmão pelo papel que desempenharam na noite do casamento de Joffrey, mas nunca lhes quis mal.
— É uma criatura inofensiva, com certeza. Inocente como um cordeiro. — Sor Jorah pôs-se em pé. — A anã é fardo seu. Beije-a, mate-a ou evite-a, como queira. A mim não interessa nada. — Passou por Tyrion com um encontrão e saiu da cabine.
Duas vezes exilado, e pouco admira, pensou Tyrion. Eu também o exilava, se pudesse. O homem é frio, melancólico, carrancudo, surdo ao humor. E essas são as suas qualidades. Sor Jorah passava a maior parte das horas de vigília percorrendo o castelo de proa ou encostado à amurada fitando o mar. À procura da sua rainha prateada. À procura de Daenerys, tentando fazer com que o navio navegue mais depressa pela força da vontade. Bem, eu talvez fizesse o mesmo se Tysha esperasse em Meereen.
Poderia ser para a Baía dos Escravos que iam as rameiras? Parecia improvável. Ajuizando por aquilo que leu, as cidades dos escravagistas eram o lugar onde as rameiras eram feitas. Mormont devia ter comprado uma para si. Uma escrava bonita podia ter feito maravilhas para melhorar o feitio dele... especialmente uma de cabelo prateado como a rameira que esteve sentada na pica dele em Selhorys.
No rio, Tyrion teve de suportar Griff, mas pelo menos houve o mistério da verdadeira identidade do capitão para distraí-lo, e o companheirismo mais agradável do resto do pequeno grupo do barco de varejar. Na coca, infelizmente, todos eram precisamente o que pareciam ser, ninguém era agradável por aí além, e só o sacerdote vermelho era interessante. Ele, e talvez Centava. Mas a menina odeia-me, e tem razão para isso.
Tyrion descobriu que a vida a bordo do Selaesori Qhoran era simplesmente um tédio. A parte mais entusiasmante do seu dia era picar os dedos das mãos e dos pés com uma faca. No rio houve maravilhas a contemplar; tartarugas gigantes, cidades arruinadas, homens de pedra, septãs nuas. Nunca se sabia o que podia estar à espera atrás da curva seguinte. Os dias e noites no mar eram todos iguais. Ao abandonar Volantis, a coca velejou a princípio à vista de terra, e Tyrion pode ver os promontórios que iam passando, observar nuvens de aves marinhas que levantavam voo de falésias de pedra e torres de vigia arruinadas, contar ilhas nuas e castanhas ao passar por elas. Via também muitos outros navios; barcos de pesca, pesados navios mercantes, orgulhosas galés com remos que chicoteavam as vagas transformando-as em espuma branca. Mas depois de avançarem para águas mais profundas passou a haver só mar e céu, ar e água. A água parecia água. O céu parecia céu. Às vezes havia uma nuvem. Muito azul.
E as noites eram piores. Tyrion dormia mal no melhor dos tempos, e aqueles estavam longe de o ser. Sono normalmente queria dizer sonhos, e nos seus sonhos aguardavam as Mágoas e um rei de pedra com a cara do pai. Isso deixava as miseráveis alternativas de subir para a cama de rede e ouvir Jorah Mormont ressonar por baixo de si, ou permanecer no convés contemplando o mar. Em noites sem luar, a água era negra como tinta de meistre, de horizonte a horizonte. Escura, profunda e sinistra, bela à sua maneira gelada, mas quando a olhava durante muito tempo, Tyrion dava por si matutando sobre como seria fácil deslizar por cima do talabardão e deixar-se cair nas trevas. Um chape muito pequeno, e a patética historiazinha que era a sua vida depressa terminaria. Mas e se existir um inferno e o meu pai estiver à minha espera?
A melhor parte de todas as noites era o jantar. A comida não era particularmente boa, mas era farta, portanto foi para lá que o anão foi em seguida. A cozinha onde tomava as refeições era um local apertado e desconfortável, com um teto tão baixo que os passageiros mais altos estavam sempre em perigo de rachar as cabeças, perigo a que os robustos soldados escravos da Mão Fogosa pareciam particularmente sujeitos. Por mais que Tyrion gostasse de rir disso, acabou por preferir tomar as refeições sozinho. Estar sentado numa mesa sobrelotada com homens que não tinham uma língua em comum com ele, ouvindo-os conversar e gracejar sem compreender nada, depressa se tornou cansativo. Em especial porque dava sempre por si com curiosidade de saber se os gracejos e os risos o teriam como alvo.
A cozinha era também onde se guardavam os livros do navio. Visto que o seu capitão era um homem particularmente amigo dos livros, havia três; uma compilação de poesia náutica que ia de mal a pior, um volume muito folheado sobre as aventuras eróticas de uma jovem escrava num bordel liseno, e o quarto e último volume de A Vida do Triarca Belicho, um famoso patriota volanteno cuja sucessão ininterrupta de conquistas e triunfos terminou de forma bastante abrupta quando foi comido por gigantes. Tyrion terminou todos no terceiro dia que o navio passou no mar. Depois, à falta de outros livros recomeçou a lê-los. A história da escrava era o mais mal escrito, mas o mais absorvente, e foi esse que levou para a mesa naquela noite como companhia para um jantar de beterrabas amanteigadas, estufado frio de peixe e biscoitos que podiam ter sido usados para espetar pregos.
Estava lendo o relato da menina sobre o dia em que ela e a irmã tinham sido capturadas por traficantes de escravos quando Centava entrou na cozinha.
— Oh — disse ela — pensei que... não queria incomodar o senhor, eu...
— Não está me incomodando. Não vai voltar a tentar me matar, espero.
— Não. — A menina afastou o olhar, com a cara a enrubescer.
— Nesse caso, acolho bem um pouco de companhia. Há bem pouca a bordo deste navio. — Tyrion fechou o livro. — Vem. Senta-te. Come. — A menina deixou a maior parte das refeições intactas à porta da sua cabine. Por aquela hora, já devia estar esfomeada. — O estufado está quase comestível. O peixe é fresco, pelo menos.
— Não, eu... uma vez engasguei-me com uma espinha de peixe, não posso comer peixe.
— Então beba um pouco de vinho. — Encheu uma taça e a fez deslizar para ela. — Cumprimentos do nosso capitão. Se parece mais com mijo do que com dourado da Árvore, em boa verdade, mas até o mijo desce melhor do que o rum preto como alcatrão que os marinheiros bebem. Pode ajudar-lhe a dormir.
A menina não fez qualquer movimento para tocar na taça.
— Obrigada, senhor, mas não. — Recuou. — Não devia estar o incomodando.
— Tenciona passar a vida inteira fugindo? — perguntou Tyrion antes de ela ter tempo de se esgueirar pela porta afora.
Aquilo a fez parar. Ficou com as bochechas de um rosa vivo, e Tyrion teve receio de que estivesse prestes a desatar outra vez a chorar. Mas a menina projetou o lábio num desafio e disse:
— Você também está fugindo.
— Sim, estou — confessou o anão — mas eu estou fugindo para e você está fugindo de, e há aí um mundo de diferença.
— Nós nunca teríamos de fugir, se não fosse você.
Foi precisa alguma coragem, para me dizer aquilo na cara.
— Está falando de Porto Real ou de Volantis?
— Das duas coisas. — Lágrimas reluziram nos seus olhos. — De tudo. Porque não podia simplesmente ter vindo lutar com a gente, como o rei queria? Não o teria ofendido. O que teria custado, senhor, subir para cima do nosso cão e fazer uma investida? Era só um bocadinho de divertimento. Eles teriam rido de você, nada mais.
— Eles teriam rido de mim — disse Tyrion. Em vez disso obrigamos a rir de Joff. E não foi um truque esperto?
— O meu irmão diz que fazer as pessoas rir é coisa boa. Uma coisa nobre, e honrosa. O meu irmão diz... ele... — As lágrimas caíram nessa hora, rolando-lhe pela cara abaixo.
— Lamento pelo seu irmão. — Tyrion já lhe disse as mesmas palavras, em Volantis, mas ela alí esteve muito submersa em desgosto e ele duvidava de que o tivesse ouvido.
Naquele momento ouviu.
— Lamenta. Você lamenta. — Tinha o lábio tremendo, a cara úmida, os olhos eram covas bordejadas de vermelho. — Abandonamos Porto Real nessa mesma noite. O meu irmão disse que era melhor assim, antes de alguém querer saber se tínhamos desempenhado algum papel na morte do rei e decidir torturar-nos para descobrir. Fomos primeiro para Tyrosh. O meu irmão achou que seria suficientemente longe, mas não era. Conhecíamos um malabarista de lá. Levou anos e anos fazendo malabarismo todos os dias perto da Fonte do Deus Bêbado. Era velho, de modo que as mãos já não eram tão hábeis como tinham sido, e às vezes deixava cair as bolas e corria atrás delas pela praça fora, mas os tyroshi riam-se e atiravam-lhe moedas na mesma. Mas uma manhã, ouvimos dizer que o corpo dele tinha sido encontrado no Templo de Trios. Trios tem tres cabeças, e há uma grande estátua dele ao lado das portas do templo. O velho tinha sido cortado em três partes e enfiado nas bocas triplas de Trios. Só que quando os bocados foram unidos, a cabeça tinha desaparecido.
— Um presente para a minha querida irmã. Era outro anão.
— Um homem pequeno, sim. Como você, e Oppo. Tostão. Também lamenta pelo malabarista?
— Nunca soube que o seu malabarista existia até este momento... mas sim, lamento que esteja morto.
— Ele morreu por você. O sangue dele está nas suas mãos.
A acusação o feriu, tendo aparecido tão pouco tempo depois das palavras de Jorah Mormont.
— O sangue dele está nas mãos da minha irmã e nas mãos das bestas que o mataram. As minhas mãos... — Tyrion virou-as, inspecionou-as, fechou-as em punhos. — ... As minhas mãos estão cobertas de sangue antigo, sim. Me chame de assassino de parentes, e não se enganará. Regicida, também responderei por esse nome. Matei mães, pais, sobrinhos, amantes, homens e mulheres, reis e rameiras. Um sacana de um cantor um dia me aborreceu, portanto mandei estufá-lo. Mas nunca matei um malabarista, nem um anão, e não é culpa minha o que aconteceu ao raio do seu irmão.
Centava pegou na taça de vinho que ele lhe serviu e atirou à cara. Exatamente como a minha querida irmã. Ouviu a porta da cozinha bater, mas não a viu sair. Tinha os olhos piscando, e o mundo era uma mancha. Quanto a tornar-me amigo delay estamos conversados.
Tyrion Lannister tinha escassa experiência com outros anões. O senhor seu pai não acolheu bem nada que lhe fizesse lembrar as deformidades do filho, e saltimbancos que incluíssem gente pequena nas suas trupes depressa aprenderam a manterem-se afastados de Lanisporto e de Rochedo Casterly, para não arriscarem desagradar-lhe. Enquanto crescia, Tyrion ouviu falar de um bobo anão no castelo do dornês Lorde Fowler, de um meistre anão ao serviço nos Dedos, e de uma anã entre as irmãs silenciosas, mas nunca sentiu a mínima necessidade de ir à procura deles. Também lhe chegaram aos ouvidos histórias menos dignas de confiança sobre uma bruxa anã que assombrava uma colina nas terras fluviais, e sobre uma rameira anã em Porto Real, afamada por acasalar com cães. Foi a sua querida irmã que lhe falou dessa última, oferecendo-se mesmo para lhe arranjar uma cadela no cio para ele experimentar. Quando perguntou educadamente se ela estaria se referir a si própria, Cersei atirou-lhe uma taça de vinho à cara. Esse era tinto, se bem me lembro, e este é dourado. Tyrion limpou a cara com uma manga. Ainda tinha os olhos piscando.
Não voltou a ver Centava até o dia da tempestade.
O ar salgado estava imóvel e pesado nessa manhã, mas o céu ocidental mostrava um vermelho fogoso, cortado de nuvens ameaçadoras que brilhavam tão vivamente como o carmesim dos Lannister. Marinheiros precipitavam-se de um lado para o outro reforçando escotilhas, prendendo cabos, limpando o convés, amarrando tudo o que não estivesse já amarrado.
— Vento mau vem aí — avisou um. — Sem-Nariz devia descer.
Tyrion se lembrou da tempestade que suportou na travessia do mar estreito, do modo como a coberta saltou sob os seus pés, dos hediondos rangidos que o navio soltou, do sabor a vinho e a vômito.
— O Sem-Nariz vai ficar aqui em cima. — Se os deuses o quisessem, preferia morrer afogado do que engasgado no próprio vômito. E por cima da sua cabeça, a vela de tela da coca ondulou lentamente, como a pelagem de um grande animal despertando de um longo sono, e depois encheu-se com um súbito crac que fez virar todas as cabeças no navio.
Os ventos empurraram a coca à sua frente, bem para longe da rota. Atrás deles, nuvens negras encavalitaram-se umas nas outras num céu vermelho como sangue. Pelo meio da manhã já viam relâmpagos tremeluzindo a oeste, seguidos por distantes estrondos de trovões. O mar tornou-se mais encrespado, e ondas escuras ergueram-se para se esmagarem contra o casco do Intendente Fedorento. Foi por volta das dez que a tripulação começou a arrear a tela. Tyrion estava servindo de empecilho a meia-nau, por isso subiu o castelo de proa e agachou-se, saboreando o vergastar da chuva fria no rosto. A coca subiu e desceu, corcoveando mais violentamente do que qualquer cavalo que já tivesse montado, erguendo-se com cada vaga antes de deslizar para dentro da depressão que a separava da próxima, abalando-o até os ossos. Mesmo assim, estava melhor ali onde conseguia ver do que lá em baixo, trancado em alguma cabine sem ar.
Quando a tempestade arrebentou, caiu tudo em cima deles e Tyrion Lannister ficou ensopado até à roupa de baixo, mas sentia-se eufórico sem saber por quê... e mais ainda mais tarde, quando foi descobrir Jorah Mormont bêbado numa poça de vômito na cabine que partilhavam.
O anão deixou-se ficar na cozinha depois do jantar, festejando a sua sobrevivência com a partilha de alguns golinhos de rum negro com alcatrão junto do cozinheiro do navio, um grande, gorduroso e boçal volanteno que só sabia uma palavra no idioma comum ("Jòda")y mas jogava furiosamente cyvasse, em especial quando estava bêbado. Jogaram três jogos nessa noite. Tyrion ganhou o primeiro, depois perdeu os outros dois. Depois disso, decidiu que já lhe chegava e subiu aos tropeções ao convés para limpar a cabeça tanto de rum como de elefantes.
Foi descobrir Centava no castelo de proa, onde tantas vezes encontrara Sor Jorah, em pé à amurada ao lado da hedionda e meio podre figura de proa da coca, fitando o mar escuro como tinta. Vista de trás, parecia tão pequena e vulnerável como uma criança.
Tyrion achou melhor deixá-la em paz, mas era tarde demais. Ela o ouviu.
— Hugor Hill
— Se quiser. — Ambos sabemos que não. — Lamento perturbar-lhe. Vou-me embora.
— Não. — A cara dela estava pálida e triste, mas não parecia ter estado chorando. — Eu também lamento. Aquilo do vinho. Não foi você que matou o meu irmão ou aquele pobre homem em Tyrosh.
— Desempenhei um papel, embora não por minha vontade.
— Tenho tantas saudades dele. Do meu irmão. Eu...
— Eu compreendo. — Deu por si a pensar em Jaime. Pode se achar sortuda. O seu irmão morreu antes de ter tempo de traí-la.
— Achei que queria morrer — disse ela — mas agora, quando a tempestade chegou e julguei que o navio ia afundar, eu... eu...
— Percebeu que afinal queria viver. — Também aí estive. Mais uma coisa que temos em comum.
Os dentes dela eram tortos, o que a tornava tímida com os sorrisos, mas agora sorria.
— Cozinhou mesmo um cantor num estufado?
— Quem, eu? Não. Eu não cozinho.
Quando Centava soltou um risinho, soou como a doce menina que era... dezessete, dezoito, não mais de dezenove anos.
— O que foi que ele fez, esse cantor?
— Escreveu uma canção sobre mim. — Porque ela era o secreto tesouro, a sua vergonha e seu prazer. E corrente e forte nada são, comparados com beijos de mulher. Foi estranho como se lembrou depressa das palavras. Talvez nunca as tivesse esquecido. Mãos de ouro são sempre frias, mas há calor numas mãos de mulher.
— Deve ter sido uma canção muito má.
— Nem por isso. Não era nenhuma Chuvas de Castamere, atenção, mas algumas partes eram... bem...
— Como era?
Ele riu.
— Não. Você não quer me ouvir cantar.
— A minha mãe costumava cantar para nós quando éramos crianças. Para mim e para o meu irmão. Dizia sempre que não importava se a voz era boa ou má, desde que se amasse a canção.
— Ela era...
— ... uma pessoa pequena? Não, mas o nosso pai era. O pai dele vendeu-o a um traficante de escravos quando tinha três anos, mas cresceu para se tornar um saltimbanco tão famoso que comprou a liberdade. Viajou por todas as Cidades Livres, e também por Westeros. Em Vilavelha costumavam chamar-lhe Grão-Saltitão.
Claro que sim. Tyrion tentou não estremecer.
— Já morreu — prosseguiu Centava. — A minha mãe também. O Oppo... ele era o último membro da minha família, e agora também se foi. — Virou a cabeça para o lado e olhou para o mar. — O que vou eu fazer? Para onde irei? Não tenho nenhum ofício, só o espetáculo das justas, e para isso são precisos dois.
Não, pensou Tyrion. Esse não é lugar para onde queira ir, menina. Não me peça isso. Nem sequer pense nisso.
— Arranja um órfão promissor — sugeriu.
Centava não pareceu ouvi-lo.
— Fazer os combates foi ideia do pai. Ele até treinou a primeira porca, mas nessa altura já estava muito doente para monta-la, portanto Oppo fez no lugar dele. Eu montei sempre o cão. Atuamos uma vez para o Senhor do Mar de Braavos, e ele riu-se tanto que depois deu a cada um de nós um... um magnífico presente.
— Foi aí que a minha irmã os encontrou? Em Braavos?
— A sua irmã? — a menina pareceu perdida.
— A Rainha Cersei.
Centava abanou a cabeça.
— Ela não... foi um homem que veio falar conosco, em Pentos. Osmund. Não, Oswald. Qualquer coisa do género. Foi Oppo que se encontrou com ele, não fui eu. Era Oppo que fazia todos os nossos negócios. O meu irmão sabia sempre o que fazer, para onde devíamos ir de seguida.
— É para Meereen que vamos em seguida.
Ela deu-lhe um olhar confuso.
— Qarth, você quer dizer. Estamos indo para Qarth, com escala em Nova Ghis.
— Meereen. Vai montar o seu cão para a rainha dos dragões e sair de lá com o seu peso em ouro. É melhor começar a comer mais para estar bem rechonchudinha quando justar perante Sua Graça.
Centava não respondeu ao sorriso.
— Sozinha, a única coisa que posso fazer é cavalgar aos círculos. E mesmo se a rainha risse, para onde ia a seguir? Nunca ficamos muito tempo no mesmo local. Da primeira vez que nos veem, riem e riem, mas à quarta ou quinta vez sabem o que vamos fazer antes de o fazermos. Nessa altura param de rir, portanto temos de ir para um novo local. Onde ganhamos mais dinheiro é nas cidades grandes, mas eu sempre gostei mais das vilazinhas. Em lugares como esses as pessoas não têm prata, mas nos dão de comer às suas mesas, e as crianças seguem-nos para todo o lado.
Isso é porque nunca viram um anão nos miseráveis penicos das suas vilas pensou Tyrion. Os sacanas dos fedelhos eram capazes de andar atrás de uma cabra de duas cabeças se alguma aparecesse. Até se fartarem dos seus balidos e a abaterem para o jantar. Mas não tinha vontade de fazê-la voltar a chorar. Em vez daquilo, disse:
— Daenerys tem um coração bondoso e uma natureza generosa. — Era o que ela precisava ouvir. — Há de arranjar lugar para você na corte, sem dúvida. Um lugar seguro, fora do alcance da minha irmã.
Centava virou-lhe as costas.
— E você também estará lá.
A menos que Daenerys decida que precisa de algum sangue Lannistery para pagar pelo sangue Targaryen que o meu irmão derramou.
— Estarei.
Depois daquilo, a anã foi vista com mais frequência no convés. No dia seguinte, Tyrion a eneontrou e à sua porca malhada a meia-nau no meio da tarde, quando o ar estava quente e o mar calmo.
— O nome dela é Bonita — disse-lhe a menina com timidez.
Bonita, a porca, e Centava, a menina, pensou. Alguém tem bastante porque responder. Centava deu a Tyrion umas quantas bolotas, e ele deixou que Bonita as comesse da sua mão. Não julgue que eu não percebo o que está fazendo; menina, pensou, enquanto a grande porca foçava e grunhia.
Depressa começaram a tomar juntos as refeições. Em algumas noites eram só os dois; a outras refeições juntavam-se aos guardas de Moqorro. Tyrion chamou-lhes "os dedos;" eram homens da Mão Fogosa, afinal de contas, e eram cinco. Centava riu disso, um som doce, embora não um som que ele ouvisse com frequência. A ferida dela era muito recente, o seu desgosto muito profundo.
Tyrion depressa a pôs a chamar ao navio Intendente Fedorento, embora ficasse algo irada sempre que ele chamava "Bacon" à Bonita. Para expiar essa falta, Tyrion fez uma tentativa de lhe ensinar cyvasse, mas depressa percebeu de que essa era uma causa perdida.
— Não — disse, uma dúzia de vezes — é o dragão que voa, não os elefantes.
Nessa mesma noite, ela pôs as cartas na mesa e perguntou-lhe se ele gostaria de investir com ela.
— Não — respondeu. Só mais tarde lhe ocorreu que talvez investir não quisesse dizer investir. A resposta seria na mesma não, mas podia não ter sido tão brusco.
De volta à cabine que partilhava com Jorah Mormont, Tyrion levou horas virando-se na rede, adormecendo e acordando. Tinha os sonhos cheios de mãos cinzentas e pétreas que tentavam agarrá-lo do meio do nevoeiro, e de uma escada que levava ao seu pai.
Por fim, desistiu e subiu a fim de respirar um pouco do ar noturno. O Selaesori Qhoran enrolara a sua grande vela listada para a noite, e o convés estava praticamente deserto. Via-se um dos imediatos no castelo de popa, e a meia-nau encontrava-se Moqorro sentado junto ao seu braseiro, onde um punhado de pequenas chamas ainda dançava por entre as brasas.
Só as estrelas mais brilhantes estavam visíveis, todas a oeste. Um brilho mortiço e vermelho iluminava o céu a nordeste, a cor de uma mancha de sangue. Tyrion nunca viu uma Lua maior. Monstruosa, inchada, parecia ter engolido o Sol e despertado com febre. A sua gêmea, flutuando no mar fora do barco, cintilava vermelha a cada onda.
— Que horas são? — perguntou a Moqorro. — Aquilo não pode ser o Sol nascente, a menos que o leste tenha mudado de lugar. Porque está o céu vermelho?
— O céu é sempre vermelho por cima de Valíria, Hugor Hill.
Um arrepio percorreu-lhe a espinha.
— Estamos perto?
— Mais perto do que a tripulação gostaria de estar — disse Moqorro com a sua voz profunda. — Conhece as histórias, nos seus reinos do poente?
— Sei que há marinheiros que dizem que qualquer homem que ponha os olhos naquela costa está condenado. — Ele próprio não acreditava mais em tais histórias do que o tio acreditou. Gerion Lannister zarpou para Valíria quando Tyrion tinha dezoito anos, decidido a recuperar a espada ancestral perdida da Casa Lannister e todos os outros tesouros que pudessem ter sobrevivido à Destruição. Tyrion desejou desesperadamente ir com eles, mas o senhor seu pai chamou à viagem a "demanda de um palerma," e o proibiu de participar.
E talvez não estivesse assim tão enganado. Passou-se quase uma década desde que o Leão Sorridente saiu de Lanisporto, e Gerion nunca regressou. Os homens que Tywin enviou em busca dele tinham-lhe seguido o rasto até Volantis, onde metade da tripulação o abandonou e ele comprou escravos para substituí-la. Nenhum homem livre se engajaria voluntariamente num navio cujo capitão falava abertamente da sua intenção de navegar para o Mar Fumegante.
— Então o que estamos vendo são os fogos das Catorze Chamas refletirem nas nuvens?
— Catorze ou catorze mil. Que homem se atreve a contá-las? Não é sensato para os mortais olharem com muita atenção para esses fogos, meu amigo. Aqueles são os fogos da fúria do próprio deus, e nenhuma chama humana pode lhes comparar. Somos criaturas pequenas, os homens.
— Algumas menores do que outras. — Valíria. Estava escrito que no dia da Destruição todos os montes ao longo de quinhentas milhas tinham se despedaçado para encher o ar com cinzas, fumo e fogo, incêndios tão quentes e famintos que mesmo os dragões no céu foram envolvidos e consumidos. Grandes rasgos tinham-se aberto na terra, engolindo palácios, templos, cidades inteiras. Lagos ferveram e transformaram-se em ácido, montanhas arrebentaram, fontes de fogo cuspiram rocha fundida até uma altura de trezentos metros, de nuvens vermelhas choveu vidro de dragão e o sangue negro dos demônios, e ao norte o terreno fraturou-se, ruiu e caiu para dentro de si próprio, e um mar furioso jorrou para onde ele esteve. A mais orgulhosa cidade do mundo inteiro desapareceu num instante, o seu fabuloso império sumiu-se num dia, as Terras do Longo Verão foram queimadas, afogadas e arrasadas.
Um império construído de sangue e fogo. Os valirianos colheram a semente que tinham semeado.
— O nosso capitão tenciona testar a maldição?
— O nosso capitão preferia estar cinquenta léguas mais para o largo, bem longe daquela costa maldita, mas eu ordenei-lhe para rumar pela rota mais curta. Há outros que também procuram Daenerys.
Grijf com o seu jovem príncipe. Poderia todo aquele falatório sobre a Companhia Dourada zarpar para oeste ter sido uma simulação? Tyrion pensou em dizer alguma coisa, mas depois pensou melhor. Parecia-lhe que a profecia que guiava os sacerdotes vermelhos só tinha lugar para um herói. Um segundo Targaryen só serviria para confundi-los.
— Viu esses outros nas suas chamas? — perguntou, com cautela.
— Só as suas sombras — disse Moqorro. — Uma em especial. Uma coisa alta e retorcida com um olho negro e dez longos braços, navegando num mar de sangue.