Os Milsliks encontravam-se então a menos de um milhão de anos-luz de Ella.
Nessa época os Hiss não tinham ainda compreendido a relação que existia entre estes seres metálicos e a extinção das estrelas, mas faziam já uma idéia do inimigo por excelência, o Filho do Frio e da Noite, o inimigo metafísico. Procuraram então destruí-lo, Salvo um, todos os meios empregados fracassaram. Em vão os sábios hiss procuraram os meios de destruição usados pelos seus antepassados; os Milsliks pareciam invulneráveis. Nenhum raio abiótico, nenhum bombardeamento de neutrões, protões, eléctrodos, intranucleares mesmo, os matava. Só o calor era eficaz: um dia um ksill, atingido pela mortal radiação mislik, contra a qual os Hiss não tinham ainda encontrado outra proteção prática senão uma distância superior ao seu alcance, esmagou-se no solo e incendiou-se. Um Mislik que se encontrava próximo cessou de mover-se, contraiu-se. Correndo o perigo de perdas sérias, os ksills puderam descer suficientemente baixo para o apanhar num campo gravítico negativo e trazê-lo para Ella. O estudo foi uma desilusão: encontraram-se na presença dum bloco de ferro-níquel puro. Se tinha tido estrutura, esta fora destruída pelo calor.
A luta continuou, esterilmente, durante três séculos. Agora os Hiss sabiam matar os Milsliks: bastava apanhá-los numa radiação que produzisse uma temperatura superior a 2000 absolutos, durante uma dezena de segundos. Mas os Milsliks defendiam-se. O alcance do seu raio abiótico aumentou e tornou-se perigosa a aproximação de um planeta em seu poder a menos de vinte quilômetros. Por meios desconhecidos descobriam a aproximação de um ksill e esvaziavam-no de toda a vida antes que este pudesse lançar eficazmente as suas bombas térmicas. Aprenderam também — ou pelo menos utilizaram pela primeira vez com o conhecimento dos Hiss — a arte de se elevar no espaço sem aparelho Os Milsliks rodavam assim constantemente sobre os planetas que eles ocupavam, em grupos de, pelo menos, nove. O seu poder de radiação crescia de fato como o cubo do número de Milsliks presentes, e com menos de nove indivíduos é muito vagaroso a agir. Os Hiss experimentaram então uma nova tática: saíam do ahum ao nível do planeta, largavam bombas e depois desapareciam. Tática eficaz, mas extremamente perigosa. Acontecia as vezes que, por um ínfimo erro de cálculo, o ksill surgia sob a superfície do planeta Seguia-se uma fantástica explosão atômica, ocupando os átomos do ksill e os do planeta o mesmo lugar no mesmo momento. O império dos Milsliks estendia-se cada vez mais nesta infeliz galáxia, cujas estrelas continuavam a apagar-se uma a uma. E era uma coisa estranha para as equipagens de ksills ver resplandecer algures nesta galáxia apagada uma luz que levaria perto de um milhão de anos para chegar a Ella.
Não foi senão uns vinte anos antes da minha chegada que os Hiss compreenderam que os Milsliks não se contentavam em colonizar os planetas de sóis extintos, mas também os apagavam. A hipótese já tinha sido apresentada por Ossenthur, há trezentos anos, mas era tão fantástica que ninguém a fixou. Na galáxia atacada, o Segundo Universo dos Hiss, bastante longe do império mislik, existia um planeta humano cujos habitantes, vizinhos dos Hiss, mantinham com eles excelentes relações. Este planeta, Hassni, do sol Sklin, servia de base avançada na guerra. Um dia assinalaram Milsliks na face gelada dum planeta exterior deste sistema. Ao mesmo tempo os sábios de Hassni notaram uma diminuição muito sensível da energia emitida pelo seu sol. Uma patrulha audaciosa, composta por três ksills tripulados por Hassnianos, assinalou, pela primeira vez na história da guerra, que sobre este planeta exterior os Milsliks tinham construído imensos pilares metálicos.
Quando, algum tempo mais tarde, Hassni se encontrou colocado entre o seu sol e o planeta exterior Affr toda a reação nuclear se tornou impossível durante alguns dias nos laboratórios e nas centrais. O Sol emitia uma energia sempre decrescente e foi preciso renderem-se a evidência: os Milsliks conheciam o processo de inibir as reações nucleares das estrelas!
Não houve outra solução senão evacuar Hassni. Os Hassnianos foram transportados para um planeta duma estrela da galáxia de Ella.
Enfim, dois anos antes da minha chegada um Mislik isolado foi capturado vivo.
Esse Mislik eu vi, toquei nele!
Pouco a pouco me integrei na vida elliana. Habitava sempre em casa de Souilik, mas já tinham me dado um réob, Aprendi muito depressa a pilotá-lo. Estes pequenos aviões são de tal forma aperfeiçoados que é quase impossível fazer uma falsa manobra. A pilotagem é inteiramente automática e o papel do condutor limita-se a escolher a direção, a velocidade, a altitude. Bem entendido, pode-se ligar sempre o piloto automático. A maior parte dos Hiss só raramente o utiliza. Este povo encontrou a solução do problema da máquina: servir-se dela, não a temer e não ser.seu escravo. O mesmo indivíduo que considera como absolutamente normal tomar um ksill, passar «por detrás do Espaço», como eles dizem, e percorrer assim sabe Deus quantos milhares de quilômetros não hesitará em andar dias inteiros, se nisso tiver vontade. Pela minha parte, passaram-se muitos meses antes que me.arriscasse a desligar o piloto automático. Mas uma vez que ousei fazê-Ia encontrei na conduta deste maravilhoso engenho um tão vivo prazer que não utilizei mais o autômato senão para longas viagens. De começo, aliás, e até que eu fosse definitivamente adotado pela comunidade hiss — eu sou um dos três «estrangeiros» que o foram —, não tinha o direito de me servir do réob senão para ir da casa de Souilik até a Casa dos Sábios.
Aprendi também a falar a língua hiss, muito difícil para nós, «Terrestres, Consiste sobretudo em murmúrios, com raras consoantes além de s ou Z, como você pôde verificar pelos nomes próprios. O diabo é o seu maldito acento tônico, cujo lugar varia conforme a pessoa a quem nos dirigimos, o tempo do verbo, etc. Por exemplo, o meu hospedeiro chamava-se Souilik, mas a sua casa era: «Souil'k sian». «Eu saio de casa de. Souilik» diz-se «Stan Souil'k san». Vê você a dificuldade de construir uma frase complicada. Nunca cheguei a falar hiss absolutamente correto. De resto, pouco me importava, visto que o compreendia. Para «falar» eu próprio tinha sempre o recurso de «transmitir» diretamente a um Hiss, que traduzia.
De dois em dois dias ia na Casa dos Sábios ou fazia, de qualquer forma, um curso de civilização terrestre. Em contrapartida, ali aprendia a língua, por métodos semi— hipnóticos. Aprendia também tudo o que podia da civilização e da ciência hiss.
Colaborava com dois Hiss em pesquisas de biologia comparada. O meu Sangue foi minuciosamente estudado e fui radiografado um incalculável número de vezes Os meus colaboradores (compreendendo muito bem a minha curiosidade) também se deixaram observar. A organização deles era paralela a nossa, mas desconfio de que os seus longínquos antepassados deviam ter estado muito mais próximo dos nossos répteis do que dos nossos mamíferos A propósito, devo dizer algumas palavras da fauna. Esta· é, pela sua vasta natureza, de dupla origem. Do seu planeta Ella-Ven os Hiss trouxeram alguns animais domésticos, em especial um grande gato, de pernas muito altas, de pelo esverdeado e duma inteligência comparável com a dos nossos macacos. Adoram-no, e cada casa tem, pelo menos, um. Primitivamente, durante a pré-história de Ella-Ven, estes animais tinham sido adestrados na caça, mas agora as suas temíveis garras e os seus dentes, em curto sabre, não servem senão para romper as poltronas dos seus donos. Além destes missdolss os Hiss criam um grande animal que lhes fornece um leite amarelo-louro. A fauna indígena de Ella-Tan vive ainda dentro duma vasta restrição e compreende feras perigosas, que os jovens Hiss algumas vezes caçam, ao arco, com uma matilha de missdolss. Não existe em Ella nenhum animal alado, nem pássaro, nem inseto, mas em compensação existe uma espécie venenosa de pequenos seres homólogos (mas não análogos) às nossas formigas que toda a ciência dos Hiss tem sido incapaz de exterminar. Em Ella-Ven haviam também um animal do tamanho de um elefante grande, mas os Hiss não julgaram útil trazê-lo para o seu novo planeta Ao fim de dois meses suportei a prova a que todo o jovem Hiss é submetido antes de passar à categoria dos adultos, quer dizer, o exame psicométrico. Isto nada tem de comum com os nossos testes, e os Hiss não pretendem de forma alguma medir o gênio criador, mas apenas as aptidões para tal ou tal trabalho e o grau médio de inteligência. Passei então ao psicômetro, de resto, de minha livre vontade. Foi impressionante. Imagine uma espécie de cadeira de repouso sobre a qual me estendi, numa sala com as paredes vitrificadas, um capacete eriçado de bicos na cabeça, uma obscuridade total, com exceção duma pequena lâmpada azul, e a estranha cara dum Hiss debruçado sobre os aparelhos registradores. Senti um ligeiro choque elétrico, e a partir desse momento a minha personalidade foi de certo modo desdobrada. Sabia que me faziam perguntas, sabia que lhes respondia, mas diabos me levem se eu podia dizer que espécie de perguntas e que espécie de respostas eram! Via o Hiss modificar devagar os reguladores, na minha cabeça havia uma ligeira vertigem, agradável. e já não sentia sob as minhas costas o contacto da cadeira. Isto durou, parece, dois basikes, mas pareceu-me durar apenas dois minutos. A luz voltou, tiraram-me o capacete e levantei-me com o espírito curiosamente vazio e repousado.
O estudo dos registos levou uma dezena de dias. Fui então convocado para ir na casa de Azzlem, que encontrei rodeado de três psicotécnicos.
Pelo que disseram, o resultado do exame fora surpreendente. As minhas capacidades intelectuais ultrapassaram largamente a média dos Hiss, colocando-me na cotação 88 (a média dos Sábios é de 87). As minhas capacidades afetivas perturbaram-nos bastante mais: segundo o que soube, eu era um indivíduo que podia ser perigoso, dotado duma combatividade extrema e de fantásticas possibilidades de amor ou de ódio, com um gosto muito vivo de solidão e uma certa insociabilidade Este último traço não deve lhe surpreender! Em compensação, as minhas capacidades de emoção mística eram baixas, muito baixas, quase nulas, e isso pareceu entristecê-los. Mas o que os intrigava mais é que eu emitia um certo tipo de ondas que eles não souberam interpretar e que se aproxima muito dum tipo de ondas emitido pelos Milsliks!
O resultado prático foi que, em vez de ser enviado para Réssan, com os representantes das outras humanidades, fiquei em Ella, achando os Sábios preferível esta solução.
Continuei então a viver em casa de Souilik. Este partiu dentro em pouco para uma viagem no ahun, deixando-me só. Mas eu já tinha travado conhecimento com muitos vizinhos e recebia muitas vezes a visita de Essine ou de membros da sua família.
Como tinha aprendido a ler ao mesmo tempo que a falar, comecei a utilizar os numerosos livros de Souilik. Muitos, tratando de ciências físicas, ultrapassavam-me.
Outros, ao contrário, tratando de biologia ou de arqueologia universal, apaixonaram— me.
Lia um dia tranquilamente uma história resumida do planeta Szem, do sol Fluh, do Décimo Primeiro Universo, quando um réob azul aterrou em frente da casa. Saiu dele o gigantesco Hiss que fazia parte do Conselho dos Sábios e se chamava Assza. Tinha tido pouca convivência com ele, pois era um físico, e os Hiss depressa julgaram que, nesse aspecto, os meus conhecimentos eram bastante medíocres para valer a pena agregarem-me a um especialista. Fiquei, pois, surpreendido com a sua visita.
Segundo. a maneira direta dos Hiss, ele não perdeu tempo:
— Venha, precisamos de você.
— Porquê? — perguntei.
— Para ver se você é, afinal, um dos seres de sangue vermelho da Profecia, que os Milsliks não podem matar. Venha. Não correrá nenhum perigo.
Poderia decerto ter recusado, mas não tinha nenhuma vontade. Estava impaciente por saber o que eram os famosos Milsliks, Segui-o, pois, no seu réob.
Subimos muito alto, a grande velocidade. O réob sobrevoou dois mares, montanhas, ainda um mar, e depois, ao fim de três horas o piloto picou em direção a uma pequena ilha rochosa, desolada. Tínhamos percorrido mais de 9.000 quilômetros. O Sol declinava no horizonte e devíamos estar a uma latitude muito elevada, porque vi gelos flutuarem no mar.
Assza pousou o réob numa minúscula plataforma que pendia sobre as ondas.
Dirigimo-nos para uma larga porta metálica. Com gestos complicados, o meu guia abriu um guichet e falou. A porta entreabriu-se e entramos Doze jovens Hiss, armados da sua «espingarda de calor», examinaram-me. Passamos este posto de guarda e penetramos numa sala octogonal, cuja parede apresentava a falta de polimento peculiar dos écrans de visão. assza mandou-me sentar:
— Isto é o meu gabinete — disse ele — Estou encarregado da vigilância do Mislik. — E me explicou o que em seguida você vai ouvir.
Há pouco mais de dois anos, um ksill conseguira surpreender um Mislik isolado no Espaço e capturá-lo. Isso fora bastante difícil e a equipagem, exposta de maneira prolongada aos seus raios, sofrera muito tempo de anemia. Mas o mais árduo fora fazer o Mislik atravessar a atmosfera quente de Ella sem o matar. Tinham-no, enfim, conseguido, e o Mislik lá estava, numa cripta, sempre mantida a uma temperatura de 120 absolutos. Todos os tipos de humanidades com exceção dos últimos conhecidos que sabiam passar no ahun e de mim — foram voluntariamente submetidos a emissão dos raios do Mislik, com todas as precauções necessárias para que não houvesse acidente mortal. Nenhum pudera resistir. Mas nenhum também tinha o sangue vermelho da Profecia. Eu tinha este sangue!
— Olhe o Mislik! — me disse Assza.
Mergulhou a sala na obscuridade. Sobre o écran apareceram imagens numa curiosa luz azul.
— Luz fria. Qualquer outra iluminação mataria o Mislik! A minha vista mergulhou num compartimento de largas proporções. O solo rochoso estava nu. Ao meio, imóvel, estava qualquer coisa que tomei primeiro por uma pequena construção metálica, feita de placas articuladas por juntas ocas, Aquilo brilhava como um vivo clarão prateado e tinha uma forma poliédrica e uma estrutura de, aproximadamente, dois metros por um.
O Hiss levou-me em frente de aparelhos registadores que me lembraram o psicômetro. Sobre os quadrantes, agulhas fosforescentes oscilavam lentamente, tubos fluorescentes palpitavam em lentas ondulações regulares.
— A vida do Mislik — disse Assza. — Ele é constantemente centro destes fenômenos eletromagnéticos, que, parece, vocês, gentes da Terra, utilizam como manancial de energia. Ele Repousa.
Assza premiu um botão. O termômetro que indicava a temperatura da cripta passou de 120 a 300 absolutos. As agulhas deram um salto no quadrante, os tubos emitiram uma luz mais viva, as suas palpitações aceleraram-se. Assza designou-me um, que vibrava numa cadência particular.
— As ondas Phen: as que, segundo o nosso conhecimento, só você e os Milsliks emitem!
Levantei os olhos e me vi num espelho Era um fantástico espetáculo, as nossas caras iluminadas por esta única luz palpitante, esverdeada, que vinha dos tubos, e o reflexo da luz azul do écran. Raramente em Ella tive uma tão viva impressão de deslocação doutro mundo. Tive medo.
O Mislik movia-se agora. As suas placas articuladas batiam umas nas outras e deslocava-se com a velocidade de um homem a passo. Docemente, Assza tornou a pôr a temperatura a 120 absolutos.
— Aqui está. Gostaríamos que você descesse na cripta, expondo-se aos raios do Mislik. Não há nenhum perigo, nenhum perigo grave. Todos os outros já desceram, sem sucesso, infelizmente. No Espaço, quando estamos protegidos pela parede dos nossos ksills, são necessários nove Milsliks para pôr a nossa vida em perigo. Aqui, tão perto e sem proteção, um só chega. Como reina nesta sala uma temperatura muito baixa, e o vazio quase absoluto, você será equipado em conformidade. Vigiarei tudo daqui e dois autômatos lhe acompanharão, para trazerem você se perder os sentidos. Aceita?
Hesitei um instante, vendo rastejar o ser de pesadelo, que me parecia revelar sob a carapaça geométrica um espírito impiedoso, uma pura inteligência sem nenhum sentimento, mais temível do que toda a ferocidade consciente. Sim, era bem aquilo.
0 Filho da Noite e do Frio!
— Seja — respondi, deitando um último olhar sobre o écran.
— Se necessário — acrescentou Assza —, posso elevar a temperatura e matá-lo. Mas não penso ser forçado a isso. Há, no entanto, um risco para você. Um só Mislik não pode matar um Hiss, salvo se este se expuser muito tempo aos seus raios. Ele também não matou aqueles que lhe precederam, mas você é diferente! — «Au diable» — disse em francês. E acrescentei: — Não percamos tempo. Cedo ou tarde, será necessário tentar a experiência!
— Nós não podíamos tentar antes que você falasse a nossa língua. Não lhe poderei transmitir pensamentos quando estiver na cripta.
Reacendeu a luz. Um Hiss entrou e fez-me sinal para o seguir. Descemos ao nível da cripta, a uma sala onde estavam pendurados escafandros transparentes. O Hiss ajudou-me a vestir um, que me ficava perfeitamente, o que não admira, porque tinha sido feito especialmente. para mim. Um outro, enorme, devia ter servido ao gigante rechonchudo de olhos pedunculados que eu tinha visto estatificado na Escadaria das Humanidades. A porta abriu-se, ainda uma vez e duas máquinas de seis rodas, com possantes braços. metálicos, entraram. O Hiss saiu e a porta fechou— se.
— Está me escutando? — disse a voz de Assza no meu capacete.
— Sim, muito bem.
— Você está ainda ao abrigo dos raios do Mislik. Estes raios não atravessam os quatro metros de ferro-níquel que lhe separam dele É a única proteção eficaz, mas é impraticável em combate, por causa do seu peso Vou agora abrir a porta de. comunicação. Recue e, sobretudo, aconteça o que acontecer, não tente tirar o escafandro antes que eu diga.
Um bloco de metal de quatro metros de comprimento deslizou lentamente para fora da parede. Não senti nenhuma impressão. de frio, mas o meu escafandro inchou lentamente. Introduzi-me pela abertura e penetrei na cripta. O Mislik estava na outra extremidade, imóvel. A luz azul me pareceu mais fraca do que sobre o écran.
Avancei devagar sobre o solo liso. Tudo era silêncio e imobilidade. Ouvia dentro do meu capacete a respiração lenta de Assza. O Mislik continuava a não se mover.
De repente deslizou para mim. Visto de frente apresentava-se como uma massa achatada, da altura de cerca de meio metro. — Que devo fazer? — perguntei.
— Ele não emite nada. Não lhe tocará. Uma vez voou e esmagou um Hiss. Nós o submetemos a doze basikes de alta temperatura, no limite da possibilidade de sobrevivência para ele, Julgo que ele compreendeu e não recomeçará. Se o fizer, você tem um pistola de calor na cintura. Não a empregue senão em caso de necessidade.
O Mislik girava rapidamente em redor de mim.
Ele não emite ainda. Está sentindo algo? — Nada, absolutamente nada. Um certo medo!
— Atenção! Ele emite! Éle emite!
Na parte da frente da massa metálica acabava de aparecer uma fraca faixa de luz roxa. Eu não sentia absolutamente nada e disse-o a Assza.
— Você não sente um formigueiro? Nem vertigem?
— Não, nada!
O Mislik emitia agora violentamente. A faixa de luz atingia, um bom metro de comprimento.
— Ainda não sente nada?
— Não.
— Com uma tal intensidade há muito que um Hiss teria desmaiado! Creio que vocês, os Terrestres, são os seres da Profecia!
O Mislik parecia desconcertado. Pelo menos foi assim que interpretei o seu manejo. Recuava, avançava, emitia, cessava de emitir, recomeçava. Me encaminhei para ele Recuou, depois parou. Então, cheio dum sentimento talvez enganador de invulnerabilidade e dum desejo de bravata, avancei a grandes passos e me sentei sobre ele! Ouvi a exclamação horrorizada de Assza, depois o ecoar do seu riso estridente quando o Mislik me desmontou com uma brusca sacudidela e fugiu para a outra extremidade da cripta. Eu era o primeiro ser de carne que tinha tocado num Mislik vivo!
— Basta — disse Assza. — Volte para a sala dos escafandros. O bloco fechou a abertura, o ar entrou, assobiando, e eu.pude, ajudado pelo Hiss, sair do escafandro.
Tomei o ascensor e penetrei no gabinete de Assza. ele estava caído na poltrona, chorando de alegria.