Peter Sherney, 47 anos, diretor-geral de uma filial do Bank of (eliminado) em Holland Park, Londres

Aceitei Athena apenas porque sua família era um dos nossos clientes mais importantes — afinal de contas, o mundo gira em torno dos interesses mútuos. Como era agitada demais, coloquei-a para trabalhar em um serviço burocrático, na doce esperança de que terminasse por pedir demissão; desta maneira, eu poderia dizer ao seu pai que havia tentado ajudá-la, sem sucesso.

Minha experiência como diretor havia me ensinado a conhecer o estado de espírito das pessoas, mesmo que elas não digam nada. Haviam ensinado em um curso de gerenciamento: se você quiser livrar-se de alguém, faça tudo para que ele termine lhe faltando com o respeito, e assim poderá ser demitido por justa causa.

Fiz todo o possível para atingir meu objetivo com Athena; como ela não dependia deste dinheiro para sobreviver, ia terminar descobrindo que o esforço de acordar cedo, deixar o filho na casa da mãe, trabalhar o dia inteiro em um serviço repetitivo, voltar para pegar o filho, ir ao supermercado, cuidar da criança, fazê-la dormir, no dia seguinte tornar a gastar três horas em meios de transporte coletivo, tudo absolutamente desnecessário, já que havia outras maneiras mais interessantes de passar seus dias. Aos poucos estava cada vez mais irritadiça, e fiquei orgulhoso de minha estratégia: ia conseguir. Ela começou a reclamar do lugar onde vivia, dizendo que em seu apartamento o proprietário costumava colocar música altíssima durante a noite, e já não conseguia nem sequer dormir direito.

De repente, alguma coisa mudou. Primeiro apenas em Athena. E logo em toda a agência.

Como posso notar esta mudança? Bem, um grupo de pessoas que trabalha é sempre uma espécie de orquestra; um bom gerente é o maestro, e sabe qual instrumento está desafinado, qual transmite mais emoção, e qual simplesmente segue o resto do grupo. Athena parecia tocar seu instrumento sem o menor entusiasmo, sempre distante, jamais dividindo com seus companheiros as alegrias ou tristezas de sua vida pessoal, dando a entender que, quando saía do trabalho, o resto do tempo se resumia a cuidar do seu filho, e nada mais. Até que começou a parecer mais descansada, mais comunicativa, contando para quem quisesse ouvir que havia descoberto um processo de rejuvenescimento.

Claro que isso é uma palavra mágica: rejuvenescimento. Partindo de alguém com apenas 21 anos de idade, soa absolutamente fora de contexto — e, mesmo assim, as pessoas acreditaram, e começaram a pedir o segredo desta fórmula.

Sua eficiência aumentou — embora o serviço continuasse o mesmo. Seus colegas de trabalho, que antes se limitavam ao “bom dia” e “boa noite”, passaram a convidá-la para almoçar. Quando voltavam, pareciam satisfeitos, e a produtividade do departamento deu um gigantesco salto.

Sei que pessoas apaixonadas terminam por contagiar o meio em que vivem, deduzi imediatamente que Athena devia ter encontrado alguém muito importante para sua vida.

Perguntei, e ela concordou, acrescentando que jamais tinha saído com um cliente, mas neste caso foi impossível recusar o convite. Em uma situação normal, teria sido imediatamente despedida — as regras do banco eram claras, contatos pessoais estavam terminantemente proibidos. Mas, a esta altura, notara que o seu comportamento havia contagiado praticamente todo mundo; alguns de seus colegas começaram a se reunir com ela depois do trabalho, e, pelo que eu saiba, pelo menos dois ou três deles estiveram em sua casa.

Eu estava com uma situação muito perigosa nas mãos; a jovem estagiária, sem qualquer experiência anterior de trabalho, que antes era tímida e às vezes agressiva, tornara-se uma espécie de líder natural dos meus funcionários. Se a despedisse, achariam que foi por ciúme — e perderia o respeito deles. Se a mantivesse, corria o risco de em poucos meses perder o controle do grupo.

Resolvi aguardar um pouco; enquanto isso, a “energia” (eu detesto esta palavra, porque na verdade não quer dizer nada de concreto, a não ser que estejamos falando de eletricidade) da agência começou a melhorar. Os clientes pareciam mais satisfeitos, e começaram a recomendar outros. Os funcionários estavam alegres, e embora o serviço tivesse dobrado, eu não fui obrigado a contratar mais gente para o trabalho, já que todos davam conta de suas funções.

Um dia, recebi uma carta de meus superiores. Eles queriam que eu fosse até Barcelona, onde seria realizada uma convenção do grupo, para poder explicar o método administrativo que estava usando. Segundo eles, tinha conseguido aumentar o lucro sem crescer a despesa, e isso é tudo que interessa aos executivos — no mundo inteiro, diga-se de passagem.

Qual método?

Meu único mérito era saber onde tudo tinha começado, e resolvi chamar Athena ao meu escritório. Cumprimentei-a pela excelente produtividade, ela me agradeceu com um sorriso.

Dei um passo cuidadoso, já que não queria ser mal interpretado:

— E como vai seu namorado? Sempre achei que quem recebe amor, termina dando mais amor ainda. O que ele faz?

— Trabalha na Scotland Yard (N.R.: departamento de investigação ligado à polícia metropolitana de Londres).

Preferi não entrar em maiores detalhes. Mas precisava continuar a conversa a qualquer custo, e não tinha muito tempo a perder.

— Notei uma grande mudança em você, e…

— Notou uma grande mudança na agência?

Como responder a uma questão dessas? De um lado, estaria lhe dando mais poder do que seria aconselhável, de outro lado, se não fosse direto, jamais teria as respostas que precisava.

— Sim, notei uma grande mudança. E estou pensando em promovê-la.

— Preciso viajar. Quero sair um pouco de Londres, conhecer novos horizontes.

Viajar? Agora que tudo estava dando certo em meu ambiente de trabalho, ela queria ir embora? Mas, pensando melhor, não era exatamente esta saída que eu estava precisando e desejando?

— Posso ajudar o banco se me der mais responsabilidades — continuou.

Entendido — e ela estava me dando uma excelente oportunidade. Como é que não havia pensado antes nisso? “Viajar” significava afastá-la, retomar minha liderança, sem ter que arcar com os custos de uma demissão ou de uma rebelião. Mas precisava refletir sobre o assunto, porque, antes de ajudar o banco, ela precisava me ajudar. Agora que meus chefes haviam notado o crescimento de nossa produtividade, eu sei que precisaria mantê-la, sob o risco de perder o prestígio e ficar em pior posição que antes. Às vezes entendo por que grande parte de meus companheiros não procuram fazer muita coisa para melhorar: se não conseguem, são chamados de incompetentes. Se conseguem, são obrigados a crescer sempre, e terminam seus dias tendo um enfarte do miocárdio.

Dei com cuidado o próximo passo: não é aconselhável assustar a pessoa antes que ela revele o segredo que precisamos saber; melhor fingir que concordamos com o que está pedindo.

— Tentarei fazer chegar seu pedido aos meus superiores. Por sinal, vou me encontrar com eles em Barcelona, e justamente por causa disso é que resolvi chamá-la. Estaria certo se dissesse que o nosso desempenho melhorou desde que, digamos, as pessoas passaram a ter um melhor relacionamento com você?

— Digamos… um melhor relacionamento com elas mesmas.

— Sim. Mas provocado por você — ou estou enganado?

— O senhor sabe que não está enganado.

— Andou lendo algum livro de gerenciamento que não conheço?

— Não leio este tipo de coisa. Mas gostaria que me prometesse que vai realmente considerar o que pedi.

Pensei em seu namorado da Scotland Yard; se prometesse e não cumprisse, estaria sujeito a uma represália? Será que ele havia lhe ensinado alguma tecnologia de ponta, que consegue obter resultados impossíveis?

— Posso contar absolutamente tudo, mesmo que o senhor não cumpra sua promessa. Mas não sei se terá algum resultado, se não fizer o que estou lhe ensinando.

— A tal “técnica de rejuvenescimento”?

— Isso mesmo.

— Será que não basta conhecer apenas em teoria?

— Talvez. Foi através de algumas folhas de papel que ela chegou até quem me ensinou.

Fiquei contente que não estivesse me forçando a tomar decisões que estão além do meu alcance e dos meus princípios. Mas, no fundo, devo confessar que também estava com um interesse pessoal nesta história, já que também sonhava com uma reciclagem de meu potencial. Prometi que faria o possível, e Athena começou a narrar uma longa e esotérica dança em busca de um tal Vértice (ou Eixo, agora não me lembro direito). À medida que íamos falando, eu procurava colocar de maneira objetiva suas reflexões alucinadas. Uma hora apenas não foi suficiente, de modo que pedi que voltasse no dia seguinte, e juntos preparamos o relatório para ser apresentado à diretoria do banco. Em determinado momento de nossa conversa, ela me disse, sorrindo:

— Não tenha receio de escrever algo muito próximo ao que estamos conversando. Penso que mesmo a diretoria de um banco é feita de gente como nós, de carne e osso, e deve estar interessadíssima em processos não convencionais.

Athena estava completamente enganada: na Inglaterra, as tradições falam sempre mais alto que as inovações. Mas o que custava arriscar um pouco, desde que não colocasse em perigo o meu trabalho? Já que a coisa me parecia completamente absurda, era preciso resumi-la e colocá-la de forma que todos pudessem entender. Bastava isso.


Antes de começar minha conferência em Barcelona, repeti a manhã inteira: o “meu” processo está dando resultado, e isso é tudo que interessa. Li alguns manuais, descobrindo que, para apresentar uma idéia nova com o máximo de impacto possível, é preciso também criar uma estrutura de palestra que provoque a audiência, de modo que a primeira coisa que disse para os executivos reunidos em um hotel de luxo foi uma frase de São Paulo: “Deus escondeu as coisas mais importantes dos sábios, porque eles não conseguem entender o que é simples, e resolveu revelá-las aos simples de coração” (N.R.: impossível saber aqui se ele está se referindo a uma citação do evangelista Mateus (11, 25) onde diz “Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos”. Ou a uma frase de Paulo (Cor 1, 27): “Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes”).

Quando disse isso, o auditório inteiro, que passara dois dias analisando gráficos e estatísticas, ficou em silêncio. Achei que tinha perdido meu emprego, mas resolvi continuar. Primeiro, porque havia pesquisado o tema, estava seguro do que dizia, e merecia o crédito. Segundo, porque, embora em determinados momentos eu fosse obrigado a omitir a influência gigantesca de Athena em todo o processo, eu tampouco estava mentindo:

— Descobri que, para motivar hoje em dia os funcionários, é preciso mais do que um bom treinamento em nossos centros extremamente qualificados. Todos nós temos nossa parte desconhecida, que, quando vem à tona, é capaz de produzir milagres.

“Todos nós trabalhamos por alguma razão: alimentar os filhos, ganhar dinheiro para sustentar-se, justificar sua vida, conseguir uma parcela de poder. Mas existem etapas aborrecidas durante este percurso, e o segredo consiste em transformar estas etapas em um encontro consigo mesmo, ou com algo mais elevado.

Por exemplo: nem sempre a busca da beleza está associada a alguma coisa prática, e mesmo assim a procuramos como se fosse a coisa mais importante do mundo. Os pássaros aprendem a cantar, o que não significa que isso irá ajudá-los a conseguir comida, evitar os predadores, ou afastar os parasitas. Os pássaros cantam, segundo Darwin, porque só desta maneira conseguem atrair o parceiro e perpetuar a espécie.”

Fui interrompido por um executivo de Genève, que insistia em uma apresentação mais objetiva. Mas o Diretor-Geral me encorajou a seguir adiante, o que me deixou entusiasmado.

— Ainda segundo Darwin, que escreveu um livro capaz de mudar o curso da humanidade (N.R.: A origem das espécies, 1871, onde mostra que o homem é uma evolução natural de um tipo de macaco), todos aqueles que conseguem despertar paixões estão repetindo algo que se passa desde o tempo das cavernas, onde os ritos para cortejar o próximo eram fundamentais para que a espécie humana pudesse sobreviver e evoluir. Ora, que diferença existe entre a evolução da espécie humana e a evolução de uma agência bancária? Nenhuma. As duas obedecem às mesmas leis — só os mais capazes sobrevivem e se desenvolvem.

Neste momento, fui obrigado a citar que havia desenvolvido esta idéia graças à espontânea colaboração de uma de minhas funcionárias, Sherine Khalil.

— Sherine, que gosta de ser chamada de Athena, trouxe para o seu lugar de trabalho um novo tipo de comportamento, ou seja, a paixão. Isso mesmo, a paixão, algo que nunca consideramos quando estamos tratando de empréstimos ou planilhas de gastos. Meus funcionários passaram a usar a música como um estímulo para atender melhor seus clientes.

Outro executivo interrompeu, dizendo que isso era uma idéia antiga: os supermercados faziam a mesma coisa, usando melodias que induziam o cliente a comprar.

— Eu não estou dizendo que colocamos música no ambiente de trabalho. As pessoas passaram a viver de maneira diferente, porque Sherine, ou Athena se preferirem, ensinou-os a dançar antes de enfrentarem sua labuta diária. Não sei exatamente que mecanismo isso pode despertar nas pessoas; como gerente, sou apenas responsável pelos resultados, e não pelo processo. Não dancei. Mas entendi que, através daquele tipo de dança, todos se sentiam mais conectados com o que faziam.

“Nascemos, crescemos, e fomos educados com a máxima: tempo é dinheiro. Sabemos exatamente o que é dinheiro, mas qual o significado da palavra tempo? O dia compreende 24 horas e uma infinidade de momentos. Precisamos ter consciência de cada minuto, saber aproveitá-lo naquilo que estamos fazendo ou apenas na contemplação da vida. Se desaceleramos, tudo dura muito mais. Claro, pode durar mais a lavagem de pratos, ou a soma de saldos, ou a compilação de créditos, ou a contagem de notas promissórias, mas por que não usar isso para pensar em coisas agradáveis, alegrar-se com o fato de estar vivo?”

O principal executivo do banco me olhava com surpresa. Tenho certeza que ele desejava que eu continuasse a explicar detalhadamente tudo o que aprendera, mas alguns dos presentes começavam a sentir-se inquietos.

— Entendo perfeitamente o que o senhor quer dizer — comentou ele. — Sei que seus funcionários passaram a fazer o trabalho com mais entusiasmo, porque tinham pelo menos um momento do dia em que entravam em contato consigo mesmos. Gostaria de cumprimentá-lo por ter sido flexível o bastante para permitir a integração de ensinamentos não ortodoxos, que estão dando excelentes resultados.

“Mas, já que estamos em uma convenção, e estamos falando de tempo, o senhor tem apenas cinco minutos para concluir sua apresentação. Seria possível tentar elaborar uma lista de pontos principais que nos permitam aplicar estes princípios em outras agências?”

Ele tinha razão. Aquilo tudo podia ser bom para o emprego, mas podia também ser fatal para minha carreira, de modo que resolvi resumir o que tínhamos escrito juntos.

— Baseando-me em observações pessoais, desenvolvi junto com Sherine Khalil alguns pontos, que terei o maior prazer em discutir com quem se interessar. Aqui vão os principais:

“A] todos nós temos uma capacidade desconhecida, e que permanecerá desconhecida para sempre. Mesmo assim, ela pode ser nossa aliada. Como é impossível medi-la ou dar a esta capacidade um valor econômico, nunca é levada em consideração, mas estou falando aqui com seres humanos, tenho certeza que entendem o que estou dizendo, pelo menos em teoria.

“B] Na minha agência, tal capacidade foi provocada através de uma dança baseada em um ritmo que, se não me engano, vem dos desertos da Ásia. Mas o lugar onde nasceu é irrelevante, desde que as pessoas possam expressar com seu corpo o que a alma pretende dizer. Sei que a palavra ‘alma’ pode ser mal compreendida aqui, portanto aconselho que a troquemos por ‘intuição’. E se esta palavra também não for bem assimilada, usaremos então ‘emoções primárias’, que parece ter uma conotação mais científica, embora queira dizer menos do que as palavras anteriores.

“C] Antes de ir ao trabalho, em vez de ginástica ou exercícios de aeróbica, estimulei meus funcionários a dançarem pelo menos durante uma hora. Isso estimula o corpo e a mente, começam o dia exigindo criatividade de si mesmos, e passam a utilizar esta energia acumulada em suas tarefas na agência.

“D] os clientes e os empregados vivem em um mesmo mundo: a realidade não passa de estímulos elétricos em nosso cérebro. Aquilo que achamos que ‘vemos’ é um impulso de energia em uma zona completamente escura da cabeça. Portanto, podemos tentar modificar esta realidade, se entramos na mesma sintonia. De alguma maneira que não posso entender, a alegria é contagiosa, como o entusiasmo e o amor. Ou como a tristeza, a depressão, o ódio — coisas que podem ser percebidas ‘intuitivamente’ pelos clientes e por outros funcionários. Para melhorar o desempenho, é preciso criar mecanismos que mantenham estes estímulos positivos presentes.”

— Muito esotérico — comentou uma mulher que dirigia os fundos de ações de uma agencia no Canadá.

Perdi um pouco a compostura — não havia conseguido convencer ninguém. Fingindo ignorar seu comentário, e usando toda minha criatividade, busquei um desfecho técnico:

— O banco devia dedicar uma certa verba para pesquisar como é que este contágio é feito, e desta maneira teríamos muito mais lucro.

Aquele final me parecia razoavelmente satisfatório, de modo que preferi não usar os dois minutos que ainda me restavam. Quando acabou o seminário, no final de um dia exaustivo, o Diretor-Geral me chamou para jantarmos — na frente de todos os outros colegas, como se estivesse procurando mostrar que me apoiava em tudo que dissera. Nunca havia tido esta oportunidade antes, e procurei aproveitar o melhor possível; comecei a falar de desempenhos, planilhas, dificuldades nas bolsas de valores, novos mercados. Mas ele me interrompeu: estava mais interessado em saber tudo que eu havia aprendido de Athena.

No final, para minha surpresa, levou a conversa para assuntos pessoais.

— Eu sei o que você estava falando na conferência, quando mencionou o tempo. No início deste ano, enquanto estava aproveitando minhas férias durante as festas, resolvi sentar-me um pouco no jardim de minha casa. Peguei o jornal na caixa de correio, nada de importante — exceto as coisas que os jornalistas decidiram que devemos saber, acompanhar, tomar posição a respeito.

“Pensei em telefonar para alguém de minha equipe, mas seria um absurdo, já que todos estavam com suas famílias. Almocei com minha mulher, filhos e netos, tirei um cochilo, quando acordei fiz uma série de anotações, e de repente vi que ainda eram duas horas da tarde, tinha mais três dias sem trabalho, e, por mais que adorasse a convivência com minha família, comecei a me sentir inútil.

“No dia seguinte, aproveitando o tempo livre, fui fazer um check-up do estômago, que felizmente não mostrou nada de grave. Fui ao dentista, que disse não haver qualquer problema. Tornei a almoçar com mulher, filhos e netos, tornei a dormir, acordei de novo às duas da tarde, e dei-me conta que não tinha absolutamente nada em que concentrar minha atenção.

“Fiquei assustado: não devia estar fazendo alguma coisa? Se quiser inventar trabalho, não precisa muito esforço — sempre temos projetos a serem desenvolvidos, lâmpadas que precisam ser trocadas, folhas secas que devem ser varridas, arrumação de livros, organização dos arquivos do computador, etc. Mas que tal encarar o vazio total? E foi neste momento que me lembrei de algo que me pareceu extremamente importante: precisava ir até a caixa de correio, que fica a um quilômetro de minha casa de campo, colocar um dos cartões de boas-festas que ficara esquecido em cima de minha mesa.

“E fiquei surpreso: por que preciso enviar este cartão hoje? Será que é impossível ficar como estou agora, sem fazer nada?

“Uma série de pensamentos cruzou minha cabeça: amigos que se preocupam com coisas que ainda não aconteceram, conhecidos que sabem preencher cada minuto de suas vidas com tarefas que me parecem absurdas, conversas sem sentido, telefonemas longos para não dizer nada de importante. Já vi meus diretores inventando trabalho para justificar seus cargos, ou funcionários que ficam com medo porque não lhes foi dado nada de importante para fazer aquele dia e isso pode significar que não são mais úteis. Minha mulher que se tortura porque meu filho se divorciou, meu filho que se tortura porque meu neto teve notas baixas na escola, meu neto que morre de medo porque entristece seus pais — embora todos nós saibamos que estas notas não são tão importantes assim.

“Travei uma longa e difícil luta comigo mesmo para não me levantar dali onde estava. Pouco a pouco, a ansiedade foi cedendo lugar à contemplação, e eu comecei a escutar minha alma — ou intuição, ou emoções primitivas, dependendo do que você acredite. Seja o que for, esta parte de mim estava louca para conversar, mas eu vivo ocupado.

“Neste caso não foi a dança, mas a completa ausência de ruído e de movimento, o silêncio, que me fez entrar em contato comigo. E, acredite se quiser, aprendi muitas coisas sobre os problemas que me preocupavam — embora todos estes problemas tivessem se afastado por completo enquanto eu estava ali sentado. Não vi Deus, mas pude entender mais claramente as decisões a tomar.”

Antes de pagar a conta, ele sugeriu que eu enviasse a tal funcionária a Dubai, onde o banco estava abrindo uma nova agência, e os riscos eram grandes. Como um excelente diretor, sabia que eu já aprendera tudo que precisava, e agora era apenas uma questão de dar continuidade — a funcionária podia ser mais útil em outro lugar. Sem que soubesse, estava me ajudando a cumprir a promessa que havia feito.

Quando voltei a Londres, imediatamente comuniquei o convite a Athena. Ela aceitou na hora; disse que falava árabe fluentemente (eu sabia, por causa das origens de seu pai). Mas não pretendíamos fazer negócios com árabes, e sim com estrangeiros. Agradeci sua ajuda, ela não demonstrou qualquer curiosidade sobre minha palestra na convenção — perguntou apenas quando devia preparar as malas.

Até hoje não sei se é fantasia esta história de namorado da Scotland Yard. Acho que, se fosse verdade, o assassino de Athena já estaria preso — porque não acredito em nada do que os jornais contaram a respeito do crime. Enfim, posso entender muito bem de engenharia financeira, posso até mesmo dar-me ao luxo de dizer que a dança ajuda os funcionários de banco a trabalharem melhor, mas jamais conseguirei compreender por que a melhor polícia do mundo consegue prender alguns assassinos, e deixar outros soltos.

Isso, entretanto, já não faz mais diferença.

Загрузка...