Se um homem que não conhecemos telefona hoje, conversa um pouco, não insinua nada, não diz nada de especial, mas mesmo assim nos deu uma atenção que raramente recebemos, somos capazes de ir para a cama aquela noite relativamente apaixonadas. Somos assim, e não há nada de errado nisso — é da natureza feminina abrir-se para o amor com grande facilidade.
Foi esse amor que me abriu para o encontro com a Mãe quando tinha 19 anos. Athena também tinha esta idade quando entrou pela primeira vez em transe através da dança. Mas essa era a única coisa que tínhamos em comum — a idade de nossa iniciação.
Em tudo mais éramos total e profundamente distintas, principalmente em nossa maneira de lidar com os outros. Como sua mestra, eu dei sempre o melhor de mim, de modo que pudesse organizar sua busca interna. Como sua amiga — embora não tenha certeza de que este sentimento era correspondido — procurei alertá-la para o fato de que o mundo ainda não está pronto para as transformações que ela queria provocar. Lembro-me que perdi algumas noites de sono até tomar a decisão de permitir que agisse com total liberdade, seguindo apenas o que seu coração mandava.
Seu grande problema era ser a mulher do século XXII, vivendo apenas no século XXI — e permitindo que todos vissem isso. Pagou um preço? Sem dúvida. Mas teria pago um preço muito maior se tivesse reprimido sua exuberância. Seria amarga, frustrada, sempre preocupada com “o que os outros vão pensar”, sempre dizendo “deixa eu resolver antes estes assuntos, depois me dedico ao meu sonho”, sempre reclamando que “as condições ideais não chegam nunca”.
Todos buscam um mestre perfeito; acontece que os mestres são humanos, embora seus ensinamentos possam ser divinos — e aí está algo que as pessoas custam a aceitar. Não confundir o professor com a aula, o ritual com o êxtase, o transmissor do símbolo com o símbolo em si mesmo. A Tradição está ligada ao encontro com as forças da vida, e não com as pessoas que transmitem isso. Mas somos fracos: pedimos que a Mãe nos envie guias, quando ela envia apenas os sinais da estrada que precisamos percorrer.
Ai daqueles que buscam pastores, ao invés de ansiar pela liberdade! O encontro com a energia superior está ao alcance de qualquer um, mas está longe daqueles que transferem sua responsabilidade para os outros. Nosso tempo nesta terra é sagrado, e devemos celebrar cada momento.
A importância disso foi completamente esquecida: até mesmo os feriados religiosos se transformaram em ocasiões para se ir à praia, ao parque, às estações de esqui. Não há mais ritos. Não se consegue mais transformar as ações ordinárias em manifestações sagradas. Cozinhamos reclamando da perda de tempo, quando podíamos estar transformando amor em comida. Trabalhamos achando que é uma maldição divina, quando devíamos usar nossas habilidades para nos dar prazer, e para espalhar a energia da Mãe.
Athena trouxe para a superfície o riquíssimo mundo que todos nós carregamos na alma, sem se dar conta de que as pessoas ainda não estão prontas para aceitar seus poderes.
Nós, as mulheres, quando buscamos um sentido para nossa vida, ou o caminho do conhecimento, sempre nos identificamos com um dos quatro arquétipos clássicos.
A Virgem (e aqui não estou falando de sexualidade) é aquela cuja busca se dá através da independência completa, e tudo que aprende é fruto de sua capacidade de enfrentar sozinha os desafios.
A Mártir descobre na dor, na entrega, e no sofrimento, uma maneira de conhecer a si mesma.
A Santa encontra no amor sem limites, na capacidade de dar sem nada pedir em troca, a verdadeira razão de sua vida.
Finalmente, a Bruxa vai em busca do prazer completo e ilimitado — justificando assim sua existência.
Athena foi as quatro ao mesmo tempo, quando devemos geralmente escolher apenas uma destas tradições femininas.
Claro que podemos justificar seu comportamento, alegando que todos os que entram em estado de transe ou de êxtase perdem o contato com a realidade. Isso é falso: o mundo físico e o mundo espiritual são a mesma coisa. Podemos enxergar o Divino em cada grão de poeira, e isso não nos impede de afastá-lo com uma esponja molhada. O divino não parte, mas se transforma na superfície limpa.
Athena devia ter se cuidado mais. Refletindo sobre a vida e a morte de minha discípula, é melhor eu mudar um pouco minha maneira de agir.