DAENERYS

Os dançarinos tremeluziam, com os lustrosos corpos raspados cobertos por uma fina película de óleo. Archotes ardendo rodopiavam de mão em mão ao ritmo de tambores e dos trinados de uma flauta. Sempre que dois archotes se cruzavam no ar, uma mulher nua saltava entre eles, em cambalhota. A luz dos archotes refletia em membros, seios e nádegas oleados.



Os três homens estavam eretos. A visão da sua excitação era excitante, embora Daenerys Targaryen também a achasse cômica. Os homens eram todos da mesma altura, com longas pernas e barrigas lisas, com todos os músculos tão nitidamente esculpidos como se tivessem sido esculpidos em pedra. Até as suas caras pareciam iguais, de algum modo, o que era mais do que estranho, uma vez que um tinha uma pele escura como ébano, enquanto o segundo era branco como leite e o terceiro reluzia como cobre polido.


Eles estão destinados a me excitar? Dany mexeu-se entre as almofadas de seda. Os seus Imaculados erguiam-se frente aos pilares como estátuas com capacetes de espigão, sem expressão nas caras lisas. Com os homens completos não acontecia o mesmo. A boca de Reznak mo Reznak estava aberta, e os seus lábios reluziam de humidade enquanto observava. Hizdahrzo Loraq estava dizendo qualquer coisa ao homem que se encontrava a seu lado, mas os olhos não abandonavam nem por um momento as dançarinas. A feia cara oleosa de Tolarrapada estava tão severa como sempre, mas nada lhe escapava.


Era mais difícil saber com que sonhava o seu convidado de honra. O homem pálido, esguio e de cara de falcão que partilhava a sua mesa elevada resplandecia em vestes de seda castanha e de pano de ouro, com a cabeça calva brilhando a luz dos archotes enquanto devorava um figo com dentadas pequenas, precisas e elegantes. Opalas piscavam ao longo do nariz de Xaro Xhoan Daxos quando a sua cabeça se virava para seguir os dançarinos.


Em sua honra, Daenerys usava um vestido qarteno, uma confecção simples de samito violeta cortada por forma a deixar o seio esquerdo nu. O cabelo loiro prateado lhe roçava levemente no ombro, caindo quase até ao mamilo. Metade dos homens presentes no salão roubara-lhe olhares, mas Xaro não. Foi a mesma coisa em Qarth. Não podia influenciar o príncipe mercador daquela forma. Mas tenho de influenciá-lo. Ele viera de Qarth no galeão Nuvem Sedosa com trinta galés a acompanhá-lo, constituindo a sua frota a resposta a uma prece. O comércio de Meereen reduzira-se a nada desde que Dany pusera fim à escravatura, mas Xaro tinha o poder de restaurá-lo.


Quando os tambores se lançaram num crescente, três das mulheres saltaram por cima das chamas, girando no ar. Os dançarinos agarraram-nas pelas cinturas, e fizeram-nas descer sobre os membros. Dany observou enquanto as mulheres arqueavam as costas e envolviam os parceiros com as pernas e as flautas choravam e os homens empurravam em compasso com a música. Antes já vira o ato do amor; os Dothraki acasalavam tão abertamente como as suas éguas e garanhões. Mas aquela era a primeira vez que via a luxúria posta em música.


Sentia a cara morna. O vinho, pensou. Mas de algum modo deu-se pensando em Daario Naharis. O mensageiro dele chegou naquela manhã. Os Corvos Tormentosos estavam regressando de Lhazar. O seu capitão regressava para junto de si, trazendo a amizade dos Homens Ovelha. Comida e comércio, fez lembrar a si. Ele não me falhou, nem falhará. Daario me ajudará a salvar a minha cidade. A rainha ansiava por ver a cara dele, por afagar a sua barba de três pontas, por lhe contar os seus problemas... mas os Corvos Tormentosos estavam ainda a muitos dias de distância, para lá do Passo de Khyzai, e ela tinha um reino para governar.


Pairava fumo entre os pilares púrpura. Os dançarinos ajoelharam, de cabeça baixa.


— Foram magníficos — disse Dany. — Raramente vi tanta elegância, tanta beleza. — Chamou com um gesto Reznak mo Reznak, e o senescal correu para junto dela. Gotículas de suor cobriam sua cabeça calva e enrugada. — Leve os nossos convidados aos banhos, para poderem se refrescar, e leve a eles comida e bebida.


— Será uma grande honra para mim, Magnificência.


Daenerys ergueu a taça para Irri voltar a enchê-la. O vinho era doce e forte, suave com o odor das especiarias orientais, muito superior aos aguados vinhos ghiscariotas que lhe tinham enchido a taça nos últimos tempos. Xaro examinou cuidadosamente os frutos na bandeja que Jhiqui lhe ofereceu e escolheu um dióspiro A pele cor de laranja do fruto combinava com a cor do coral que Xaro tinha no nariz. Deu uma dentada e espetou os lábios.


— Ácido.


— O senhor preferiria algo mais doce?


— A doçura enjoa. Fruta ácida e mulheres ácidas dão à vida o seu sabor. — Xaro deu outra dentada, mastigou, engoliu. — Daenerys, querida rainha, não sou capaz de lhe transmitir o prazer que me dá me deliciar outra vez com a sua presença. Uma criança partiu de Qarth, tão perdida como adorável. Temi que estivesse viajando para a perdição, mas aqui a encontro estabilizada, senhora de uma cidade antiga, rodeada por uma hoste poderosa que reuniu a partir de sonhos.


Não, pensou ela, a partir de sangue e fogo.


— Estou contente por ter vindo me ver. É bom voltar a ver a sua cara, meu amigo. — Não vou confiar em você, mas preciso de você. Preciso dos seus Treze, preciso dos seus navios, preciso do seu comércio.


Durante séculos, Meereen e as cidades irmãs Yunkai e Astapor tinham sido as charneiras do comércio de escravos, o lugar onde os khals dothraki e os corsários das Ilhas Basilisco vendiam os cativos e o resto do mundo vinha comprar. Sem escravos, Meereen tinha pouco a oferecer aos mercadores. Havia fartura de cobre nos montes ghiscariotas, mas o metal não era tão valioso como foi quando o bronze dominava o mundo. Os cedros que tinham em tempos crescido altaneiros ao longo da costa já não cresciam, abatidos pelos machados do Velho Império ou consumidos por fogo de dragão quando Ghis fez a guerra contra Valíria. Depois de as árvores desaparecerem, o solo cozeu sob o sol quente e foi soprado para longe em densas nuvens vermelhas.


— Foram essas calamidades que transformaram o meu povo em negociantes de escravos — dissera-lhe Galazza Galare, no Templo das Graças. E eu sou a calamidade que voltará a transformar os escravagistas em gente, jurou Dany.


— Tinha que vir — disse Xaro numa voz lânguida. — Mesmo lá longe, em Qarth, chegaram aos ouvidos histórias temíveis. Chorei quando as ouvi. Diz-se que os seus inimigos prometeram riquezas e glória e cem escravas virgens a qualquer homem que te mate.


— Os Filhos da Harpia. — Como ele sabe disto? — escrevem nas paredes à noite, e cortam as gargantas de honestos libertos enquanto dormem. Quando o Sol se levanta, escondem-se como baratas. Temem as minhas Feras de Bronze. — Skahaz mo Kandaq deu-lhe a nova patrulha que pediu, composta em números iguais por libertos e meereeneses tolarrapadas. Percorriam as ruas tanto de dia como de noite, com capuzes escuros e máscaras de bronze. Os Filhos da Harpia tinham prometido uma morte macabra a qualquer traidor que se atrevesse a servir a rainha dos dragões e também aos seus amigos e parentes, portanto, os homens do Tolarrapada andavam pela cidade como chacais, corujas e outros animais, mantendo ocultas as verdadeiras caras. — Podia ter motivo para temer os Filhos se me vissem passeando sozinha pelas ruas, mas só se fosse de noite e eu estivesse nua e desarmada. São criaturas covardes.


— A faca de um covarde consegue matar uma rainha tão facilmente como a de um herói. Eu dormiria melhor se soubesse que a delícia do meu coração tinha mantido os seus ferozes senhores dos cavalos bem perto à sua volta. Em Qarth tinha três companheiros de sangue que nunca saíam de junto de você. Para onde foram?


— Aggo, Jhoqo e Rakharo ainda me servem. — Está jogando comigo. Dany também podia jogar. — Eu sou só uma menininha e pouco sei dessas coisas, mas homens mais velhos e mais sábios me dizem que para conservar Meereen, tenho que controlar o seu interior, toda a terra a oeste de Lhazar para sul até aos montes de Yunkai.


— As suas terras do interior não são preciosas para mim. Você sim. Se algum mal te acontecer, este mundo perderá o seu sabor.


— O senhor é bom por se importar tanto comigo, mas estou bem protegida. — Dany indicou com um gesto o local onde Barristan Selmy estava com uma mão pousada no cabo da sua espada. — Chamam-lhe Barristan, o Ousado. Já me salvou de assassinos duas vezes.


Xaro dedicou a Selmy uma inspeção apressada.


— Barristan, o Usado,você disse? O seu cavaleiro do urso era mais novo e era dedicado.


— Não desejo falar de Jorah Mormont.


— Com certeza. O homem era rude e peludo. — O príncipe mercador debruçou-se sobre a mesa. — Falemos antes de amor, de sonhos, desejo e Daenerys, a mais bela mulher deste mundo. Estou bêbado de te ver.


Dany não desconhecia as cortesias empoladas de Qarth.


— Se está bêbado, culpe o vinho.


— Não há vinho que suba à cabeça como a sua beleza, nem de longe. A minha mansão tem parecido tão vazia como uma tumba desde que Daenerys partiu, e todos os prazeres da Rainha das Cidades foram como cinzas na minha boca. Porque me abandonou?


Fui corrida da sua cidade temendo pela vida.


— Estava na hora. Qarth desejava-me longe.


— Quem? Os Puronatos? Eles têm água nas veias. Os mercadores de especiarias? Têm coalhada entre as orelhas. E os Imortais estão todos mortos. Devia ter me aceitado como marido. Tenho quase a certeza de ter pedido a mão. Suplicado, até.


— Só meia centena de vezes — provocou Dany. — Desistiu com muita facilidade, senhor. Porque eu tenho de casar, toda a gente concorda.


— Uma khaleesi tem de ter um khal — disse Irri enquanto voltava a encher a taça da rainha. — É sabido.


— Devo voltar a pedir? — perguntou Xaro. — Não, conheço esse sorriso. A rainha que joga com os corações dos homens é uma rainha cruel. — Humildes mercadores como eu não passam de pedras sob as suas sandálias cravejadas de jóias. — Uma lágrima isolada correu lentamente pela cara branca.


Dany conhecia-o bem demais para ficar comovida. Os homens qartenos conseguiam chorar sempre que quisessem.


— Oh, pare com isso. — Tirou uma cereja da tigela que estava em cima da mesa e atirou-lhe no nariz. — Eu posso ser uma menininha, mas não sou suficientemente tola para casar com um homem que acha uma bandeja de fruta mais tentadora do que o meu seio. Eu vi quais dos dançarinos estava observando.


Xaro limpou a lágrima.


— Os mesmos que Vossa Graça estava seguindo, julgo eu. Veja, somos parecidos. Se não quizer me tomar como marido, me contento em ser seu escravo.


— Não quero escravos. Liberto-os. — O nariz cravejado de jóias do homem constituía um alvo tentador. Daquela vez, Dany atirou-lhe um damasco.


Xaro apanhou-o no ar e deu uma dentada.


— De onde veio esta loucura? Deveria me achar afortunado por não ter libertado os meus escravos quando foi minha hóspede em Qarth?


Eu era uma rainha pedinte e você era Xaro dos Treze, pensou Dany e tudo o que queria era os meus dragões.


— Os seus escravos pareciam bem tratados e satisfeitos. Foi só em Astapor que os meus olhos se abriram. Sabe como os Imaculados são feitos e treinados?


— Cruelmente, não duvido. Quando um ferreiro faz uma espada, enfia a lâmina no fogo, bate com um martelo e depois a mergulha em água gelada para temperar o aço. Se quer saborear o doce sabor da fruta, tem que irrigar a árvore.


— Esta árvore foi irrigada com sangue.


— E de que outra forma se criaria um soldado? Vossa Radiância apreciou os meus dançarinos. Você se surpreenderia em saber que são escravos, criados e treinados em Yunkai? Dançam desde que tiveram idade suficiente para caminhar. De que outra forma seria possível atingir tal perfeição? — bebeu um gole de vinho. — E também são especialistas em todas as artes eróticas. Tinha pensado em presentear Vossa Graça com eles.


— Com certeza. — Dany não se sentia surpreendida. — Eu os libertarei.


Aquilo o fez estremecer.


— E o que eles farão com a liberdade? É o mesmo que dar a um peixe um Camisa de cota de malha. Eles foram feitos para dançar.


— Feitos por quem? Pelos seus donos? Os seus dançarinos talvez preferissem construir, cozinhar ou cultivar a terra. Perguntou a eles?


— Os seus elefantes talvez preferissem ser rouxinóis. Em vez de doces canções, as noites de Meereen estariam cheias com trovejantes bramidos, e as suas árvores se estilhaçariam sob o peso de grandes pássaros cinzentos. — Xaro suspirou. — Daenerys, minha delícia, sob esse doce e jovem seio bate um coração gentil... mas aceite o conselho de uma cabeça mais velha e mais sensata. As coisas nem sempre são o que parecem. Muito do que pode parecer mau pode ser bom. Pense na chuva.


— A chuva? — Será que ele me toma por uma tola, ou só por uma criança?


— Nós amaldiçoamos a chuva quando cai em nossas cabeças, mas sem ela passaríamos fome. O mundo precisa de chuva... e de escravos. Fez uma careta, mas é verdade. Pense em Qarth. Em arte, música, magia, comércio, tudo o que faz de nós mais do que animais, Qarth está acima do resto da humanidade tal como você está no cume desta pirâmide... mas em baixo, em lugar de tijolos, a magnificência que é a Rainha das Cidades repousa nos dorsos de escravos. Pergunte a sí própria, se todos os homens tivessem de fossar na terra para obter comida, como ergueria fosse quem fosse os olhos para contemplar as estrelas? Se cada um de nós tiver de quebrar as costas para construir uma cabana, quem erguerá os templos para glorificar os deuses? Para que alguns homens sejam grandes, outros têm de ser escravizados.


O homem era muito eloquente para ela. Dany não tinha resposta para lhe dar, só uma crua sensação na barriga.


— A escravatura não é igual à chuva — insistiu. — Já apanhei com chuva em cima, e já fui vendida. Não é a mesma coisa. Nenhum homem deseja ser possuído.


Xaro encolheu languidamente os ombros.


— Acontece que quando desembarquei na sua adorável cidade, calhou-me ver na margem do rio um homem que tinha sido um dia hóspede na minha mansão, um mercador que negociava com especiarias raras e vinhos de primeira. Estava nu da cintura para cima, vermelho e queimando, e parecia estar cavando um buraco.


— Um buraco, não. Uma vala, para trazer água do rio para os campos. Queremos plantar feijões. Os campos de feijões têm que ter água.


— Que bondade a do meu velho amigo por te ajudar na escavação. É tão estranho nele. Será possível que não tenha sido dada a ele alternativa? Não, certamente que não. Você não tem escravos em Meereen.


Dany corou.


— O seu amigo está sendo pago com comida e abrigo. Não posso lhe devolver a riqueza. Meereen precisa mais de feijões do que de especiarias raras, e os feijões precisam de água.


— Colocará também os meus dançarinos para cavar valas? Querida rainha, quando me viu, o meu velho amigo caiu de joelhos e me suplicou que o comprasse como escravo e o levasse para Qarth.


Dany sentiu-se como se Xaro tivesse a esbofeteado.


— Então compre-o.


— Se te agradar. Sei que a ele agradaria. — Pousou a mão no braço dela. — Há verdades que só um amigo poderia te dizer. Ajudei-te quando chegou a Qarth como pedinte, e cruzei longas léguas e mares tempestuosos para te ajudar uma vez mais. Haverá aqui algum lugar em que possamos falar francamente?


Dany sentia o calor dos dedos dele. Ele em Qarth também era quente, recordou, até o dia em que deixou de ter utilidade para mim. Pôs-se em pé.


— Venha — disse, e Xaro seguiu-a por entre os pilares até à larga escada de mármore que levava aos seus aposentos privados no topo da pirâmide.


— Oh, mais bela das mulheres — disse Xaro quando começaram a subir — há passos atrás de nós. Somos seguidos.


— O meu velho cavaleiro não te assusta, decerto? Sor Barristan jurou guardar os meus segredos.


Levou-o para o terraço que dava para a cidade. Uma Lua cheia nadava no céu negro por cima de Meereen.


— Passeamos? — Dany deu-lhe o braço. O ar estava pesado com o odor de flores noturnas. — Falou de ajuda. Então negocie comigo. Meereen tem sal para vender, e vinho.


— Vinho ghiscariota? — Xaro fez uma careta. — O mar dá todo o sal de que Qarth precisa, mas de bom grado levaria todas as azeitonas que queira me vender. E azeite também.


— Não tenho nada disso para oferecer. Os escravagistas queimaram as árvores. — Existiu cultivo de azeitona ao longo das costas da Baía dos Escravos durante séculos, mas os meereeneses tinham passado os seus antigos pomares pelo archote quando a hoste de Dany avançava contra eles, fazendo-a atravessar um deserto enegrecido. — Estamos replantando, mas são precisos sete anos para uma oliveira começar a dar fruto e trinta até que possa realmente considerar-se produtiva. Então e cobre?


— Um metal bonito, mas volúvel como uma mulher. Ouro, por outro lado... o ouro é sincero. Qarth te dará ouro de bom grado, em troca de escravos.


— Meereen é uma cidade livre, de homens livres.


— Uma cidade pobre que, em tempos, foi rica. Uma cidade faminta que, em tempos, foi gorda. Uma cidade sangrenta que, em tempos, foi pacífica.


As acusações dele feriam. Havia nelas muita verdade.


— Meereen voltará a ser rica, gorda e pacífica, e também livre. Vá falar com os dothraki, se precisa ter escravos.


— Os dothraki fazem escravos, os ghiscariotas treinam-nos. E para chegarem a Qarth, os senhores dos cavalos têm de conduzir os seus cativos pelo deserto vermelho. Centenas morreriam, talvez até milhares... e muitos cavalos também, motivo pelo qual nenhum khal arriscaria a travessia. E há o seguinte: Qarth não quer khalasares fervendo à volta das nossas muralhas. O fedor de todos aqueles cavalos... sem ofensa, khaleesi.


— Um cavalo tem um cheiro honesto. Isso é mais do que pode ser dito de certos grandes senhores e príncipes mercadores.


Xaro não pareceu reparar na interrupção.


— Daenerys, me deixe ser honesto com você, como é próprio de um amigo. Você não irá fazer Meereen rica, gorda e pacífica. Só a levará à destruição, como fez com Astapor. Está consciente de que se travou batalha nos Chifres de Hazzat? O Rei Carniceiro fugiu de volta para o seu palácio, com os novos Imaculados fugindo logo atrás.


— Isso é sabido. — Ben Castanho Plumm enviou a notícia da batalha. — Os yunkaitas contrataram novos mercenários, e duas legiões de Nova Ghis lutaram a seu lado.


— Duas depressa se tornarão quatro, e depois dez. E foram mandados emissários yunkaitas a Myr e a Volantis para contratar mais espadas. A Companhia do Gato, as Longas Lanças, os Aventados. Há quem diga que os Sábios Mestres também contrataram a Companhia Dourada.


O irmão Viserys ofereceu um dia um banquete aos capitães da Companhia Dourada, na esperança de se juntarem à sua causa. Comeram a comida dele, ouviram os seus apelos e riram dele. Dany era apenas uma menininha, mas lembrava-se.


— Eu também tenho mercenários.


— Duas companhias. Os yunkaitas mandarão vinte contra você, se for necessário. E quando se puserem em marcha não marcharão sozinhos. Tolos e Mantarys concordaram com uma aliança.


Aquilo era uma má notícia, se fosse verdadeira. Daenerys enviou missões a Tolos e Mantarys, esperando encontrar novos amigos a oeste para contrabalançar a inimizade de Yunkai a sul. Os emissários não tinham regressado.


— Meereen fez aliança com Lhazar.


Aquilo limitou-se a causar um risinho a Xaro.


— Os senhores dos cavalos chamam aos lhazarenos Homens Ovelha. Quando são tosquiados limitam-se a balir. Não são um povo marcial.


Até um amigo ovino é melhor do que nenhum.


— Os Sábios Mestres deviam seguir o exemplo. Poupei Yunkai uma vez, mas não voltarei a cometer esse erro. Se se atreverem a me atacar, desta vez arrasarei a Cidade Amarela.


— E enquanto estiver arrasando Yunkai, minha querida, Meereen se revoltará atrás de você. Não feche os olhos ao perigo em que você encontrará, Daenerys. Os seus eunucos são bons soldados, mas são poucos demais para igualar as hostes que Yunkai mandará contra você, depois de Astapor cair.


— Os meus libertos... — começou Dany.


— Escravos de cama, barbeiros e fabricantes de tijolos não vencem batalhas.


Nisso, enganava-se, esperava ela. Os libertos tinham sido em tempos uma ralé, mas organizou em companhias os homens em idade de lutar e ordenou ao Verme Cinzento para os transformar em soldados. Ele que pense o que quiser.


— Esqueceu? Eu tenho dragões.


— Ah tem? Em Qarth raramente era vista sem um dragão ao ombro... mas agora observo que esse bem torneado ombro está tão belo e nu como o seu adorável seio.


— Os meus dragões cresceram, os meus ombros não. Eles andam longe, pelo interior, à caça. — Hazzea, me perdoe. Perguntou a si própria o que saberia Xaro, que murmúrios teria ouvido. — Pergunte pelos meus dragões aos Bons Mestres de Astapor, se duvida da sua existência. — Vi os olhos de um escravagista derreter e escorrer pela cara abaixo. — Me diga a verdade, velho amigo, porque me procurou se não foi para negociar?


— Para trazer um presente para a rainha do meu coração.


— Continue. — Que armadilha é esta agora?


— O presente que me suplicou em Qarth. Navios. Há treze galés na baía. Suas, se as aceitar. Trouxe uma frota para te levar para casa, para Westeros.


Uma frota. Era mais do que podia ter esperado, o que a deixou prudente. Em Qarth, Xaro oferecera-lhe trinta navios... por um dragão.


— E que preço pede por esses navios?


— Nenhum. Já não anseio por dragões. Vi o trabalho deles em Astapor a caminho de cá, quando a minha Nuvem Sedosa aportou para embarcar água. Os navios são seus, querida rainha. Treze galés, e homens para puxar os remos.


Treze. Com certeza. Xaro era um dos Treze. Sem dúvida que teria convencido cada um dos outros membros a abrir mão de um navio. Conhecia o príncipe mercador bem demais para pensar que sacrificaria treze dos seus próprios navios.


— Tenho de refletir sobre isso. Posso inspecionar esses navios?


— Se tornou desconfiada, Daenerys.


Sempre.


— Me tornei sensata, Xaro.


— Inspecione tudo o que desejar. Quando ficar satisfeita, me jure que regressará imediatamente a Westeros e os navios são seus. Jure pelos seus dragões e o seu deus de sete caras e as cinzas dos seus pais, e vá.


— E se eu decidir esperar um ano ou dois?


Uma expressão lúgubre atravessou a cara de Xaro.


— Isso me deixaria muito triste, minha doce delícia... pois por mais jovem e forte que pareça agora, não viverá tanto tempo. Aqui não.


Ele oferece o favo de mel com uma mão e me mostra o chicote com a outra.


— Os yunkaitas não são assim tão temíveis.


— Nem todos os seus inimigos estão na Cidade Amarela. Tenha cuidado com homens de corações frios e lábios azuis. Ainda não tinha partido de Qarth há uma quinzena quando Pyat Pree partiu com três dos seus colegas feiticeiros, para te procurar em Pentos.


Dany ficou mais divertida do que temerosa.


— Então é bom que tenha me afastado do meu rumo. Pentos fica a meio mundo de distância de Meereen.


— É verdade — concedeu ele — mas mais cedo ou mais tarde terão que chegar notícias sobre a rainha dos dragões da Baía dos Escravos.


— Isso destina-se a me assustar? Vivi em medo durante catorze anos, senhor. Acordava com medo todas as manhãs e ia dormir com medo todas as noites... mas os meus medos desapareceram, incendiados, no dia em que saí da fogueira. Agora só uma coisa me assusta.


— E o que é que teme, querida rainha?


— Eu sou só uma menininha tola. — Dany colocou-se nas pontas dos pés e beijou-o na cara. — Mas não suficientemente tola para te dizer isso. Os meus homens examinarão esses navios. Depois terá a minha resposta.


— Como quiser. — Tocou-lhe levemente o seio descoberto, e sussurrou: — Me deixe ficar e ajudar a te persuadir.


Por um momento, sentiu-se tentada. Afinal era possível que os dançarinos tivessem mexido com ela. Podia fechar os olhos e fingir que ele é Daario. Um Daario de sonho seria mais seguro do que o verdadeiro. Mas afastou a ideia.


— Não, senhor. Agradeço-lhe, mas não. — Dany escorregou para fora dos braços dele. — Talvez em outra noite qualquer.


— Em outra noite qualquer. — A boca dele estava triste, mas os olhos pareciam mais aliviados do que desapontados.


Se eu fosse um dragão podia voar para Westeros, pensou depois de ele ir embora. Não teria necessidade de Xaro nem dos seus navios. Dany perguntou a si própria quantos homens treze galés poderiam transportar. Tinham sido necessárias três para a levar ao seu khalasar de Qarth para Astapor, mas isso foi antes de adquirir oito mil Imaculados, mil mercenários e uma vasta horda de libertos. E os dragões, o que vou eu fazer com eles?


— Drogon — sussurrou suavemente — onde está? — por um momento quase conseguiu vê-lo passar pelo céu, com as asas negras engolindo as estrelas.


Virou costas à noite, dirigindo-se para o local onde Barristan Selmy estava em silêncio nas sombras.


— O meu irmão me contou uma vez uma adivinha de Westeros. Quem escuta tudo mas não ouve nada?


— Um cavaleiro da Guarda Real. — A voz de Selmy soou solene.


— Ouviu Xaro fazer a sua oferta?


— Ouvi, Vossa Graça. — O velho cavaleiro esforçava-se ao máximo para não olhar para o seu seio nu enquanto falava com ela.


Sor Jorah não afastaria o olhar. Ele me amava como mulher; enquanto Sor Barristan me ama só como sua rainha. Mormont foi um informador, prestando relatórios aos seus inimigos em Westeros, mas também lhe deu bons conselhos.


— O que pensa dela? E dele?


— Dele menos que pouco. Mas aqueles navios... Vossa Graça, com aqueles navios podíamos estar em casa antes de o ano chegar ao fim.


Dany nunca conheceu uma casa. Em Bravos houvera uma casa com uma porta vermelha, mas nunca passou disso.


— Cuidado com Qartenos que trazem presentes, especialmente mercadores dos Treze. Há aqui alguma armadilha. Os navios talvez estejam apodrecidos, ou...


— Se fossem tão incapazes de aguentar o mar, não poderiam ter feito a travessia desde Qarth — fez notar Sor Barristan — mas Vossa Graça foi sensata em ter insistido na inspeção. Levarei o Almirante Groleo às galés, à primeira luz da aurora, com os seus capitães e vinte marinheiros. Podemos examinar cada centímetro daqueles navios.


Era um bom conselho.


— Sim, faça isso. —Westeros. Casa. Mas se partisse o que aconteceria à sua cidade? Meereen nunca foi a sua cidade, pareceu murmurar a voz do irmão. As suas cidades estão do outro lado do mar. Os seus sete reinos, onde os seus inimigos te esperam. Nasceu para lhes servir sangue e fogo.


Sor Barristan pigarreou e disse:


— Aquele feiticeiro de que o mercador falou...


— Pyat Pree. — Tentou se lembrar da cara dele, mas só conseguiu ver os lábios. O vinho dos feiticeiros tornara-os azuis. Chamava-se sombra da tarde.


— Se um feitiço de feiticeiro pudesse me matar, por esta altura já estaria morta. Deixei o palácio deles em cinzas. — Drogon me salvou quando eles tentaram drenar a minha vida. Drogon queimou-os todos.


— É como diz, Vossa Graça. Ainda assim, ficarei vigilante.


Ela beijou-o na bochecha.


— Eu sei que sim. Venha, me acompanhe de volta ao banquete.


Na manhã seguinte, Dany acordou mais cheia de esperança do que alguma vez esteve desde que chegou à Baía dos Escravos. Daario depressa estaria de novo ao seu lado e juntos viajariam para Westeros. Para casa. Um dos seus jovens reféns trouxe-lhe a refeição da manhã, uma menina tímida e rechonchuda chamada Mezzara, cujo pai geria a pirâmide de Merreq, e Dany deu-lhe um abraço feliz e agradeceu-lhe com um beijo.


— Xaro Xhoan Daxos me ofereceu treze galés — disse a Irri e a Jhiqui enquanto a vestiam para a corte.


— Treze é um mau número, khaleesi — murmurou Jhiqui na língua dos dothraki. — É sabido.


— É sabido — concordou Irri.


— Trinta seria melhor — concordou Daenerys. — Trezentos ainda melhor. Mas treze podem ser suficientes para nos levar para Westeros.


As duas mulheres dothraki trocaram um olhar.


— A água envenenada está amaldiçoada, khaleesi — disse Irri. — Os cavalos não a podem beber.


— Não pretendo bebê-la — promeseu-lhes Dany.


Só quatro peticionários a aguardavam naquela manhã. Como sempre, Lorde Grael foi o primeiro a apresentar-se, parecendo ainda mais desgraçado do que o normal. — Vossa Radiância — gemeu, quando caiu ao mármore a seus pés — os exércitos dos yunkaitas caem sobre Astapor. Suplico, venha para sul com todas as suas forças!


— Eu avisei o seu rei de que esta sua guerra era uma loucura — fez-lhe lembrar Dany. — Ele não me quis dar ouvidos.


— O Grande Cleon só procurou abater os vis escravagistas de Yunkai.


— O próprio Grande Cleon é um escravagista.


— Eu sei que a Mãe de Dragões não nos abandonaria na nossa hora de perigo. Empreste os seus Imaculados para defendermos as nossas muralhas.


E se o fizer, quem defenderá as minhas?


— Muitos dos meus libertos foram escravos em Astapor. Alguns talvez queiram ajudar a defender o seu rei. Essa opção é deles, na condição de homens livres. Eu dei a Astapor a sua liberdade. Cabe a vocês defendê-la.


— Então estamos todos mortos. Deu-nos a morte, não a liberdade.


— Ghael pôs-se em pé de um salto e cuspiu em sua cara.


Belvvas, o Forte, agarrou-o pelo ombro e atirou-o com tanta força ao mármore que Dany ouviu os dentes do homem partindo. Tolarrapada teria feito pior, mas ela o impediu.


— Basta — disse, esfregando levemente a cara com a ponta do tokar.


— Nunca ninguém morreu de cuspe. Leve-o daqui.


Arrastaram-no pelos pés, deixando para trás vários dentes partidos e um rastro de sangue. Dany teria de bom grado mandado embora o resto dos peticionários... mas ainda era sua rainha, portanto escutou-os e fez o melhor que pôde para lhes conceder justiça.


Ao fim dessa tarde, o Almirante Groleo e Sor Barristan regressaram da inspeção das galés. Dany reuniu o seu conselho para ouvi-los. Verme Cinzento estava lá em representação dos Imaculados, Skahaz mo Kandaq pelas Feras de Bronze. Na ausência dos seus companheiros de sangue, um engelhado jaqqa rhan chamado Rommo, vesgo e de pernas arqueadas, veio falar pelos dothraki. Os libertos eram representados pelos capitães das três companhias que formou; Mollono Yos Dob dos Escudos Vigorosos, Symon Dorsolistado dos Irmãos Livres, Marselen dos Homens da Mãe. Reznak mo Reznak pairava ao lado da rainha, e Belvvas, o Forte, mantinha-se em pé atrás dela com os braços cruzados. Conselhos não faltariam a Dany.


Groleo foi um homem muito infeliz desde que tinham desfeito o seu navio para construir as máquinas de cerco com que a rainha conquistou Meereen. Dany tentou consolá-lo nomeando-o o seu senhor almirante, mas a honraria não tinha substância; a frota meereenesa zarpara para Yunkai quando a hoste de Dany se aproximou da cidade, e o velho pentoshi era um almirante sem navios. Agora, porém, sorria através da sua irregular barba manchada de sal de uma maneira que a rainha quase não recordava.


— Quer dizer que os navios são bons? — disse, esperançosa.


— Suficientemente bons, Vossa Graça. São velhos, sim, mas a maioria está bem conservada. O casco da Legítima Princesa está carcomido. Não queira levá-lo a perder de vista da terra. O Narraqqa não desdenharia um leme e um cordame novos e o Lagarto Listado tem uns quantos remos rachados, mas servem. Os remadores são escravos, mas, se lhes oferecermos um salário honesto de remador, a maior parte ficará connosco. Não sabem fazer nada a não ser remar. Os que forem embora podem ser substituídos pelos meus tripulantes. A viagem até Westeros é longa e dura, mas aqueles navios estão num estado suficientemente bom para nos levar até lá, parece-me.


Reznak mo Reznak soltou um gemido de dar dó.


— Então é verdade. Vossa Reverência pretende nos abandonar. — Torceu as mãos. — Os yunkaitas restaurarão o poder dos Grandes Mestres no instante em que partir e aqueles de nós que tão fielmente serviram a sua causa serão atravessados pela espada, e as nossas queridas esposas e filhas donzelas serão violadas e escravizadas.


— As minhas não — resmungou o Skahaz Tolarrapada. — Antes disso, mato-as com as minhas próprias mãos. — Deu uma palmada no cabo da espada.


Dany sentiu-se como se a palmada tivesse sido dada na sua cara.


— Se teme o que se pode seguir à minha partida, venha comigo para Westeros.


— Para onde quer que a Mãe de Dragões vá, os Homens da Mãe irão também — anunciou Marselen, o irmão que restava a Missandei.


— Como? — perguntou Symon Dorsolistado, cujo nome vinha do emaranhado de cicatrizes que lhe sulcavam as costas e os ombros, um lembrete das açoitadas que sofrera enquanto foi escravo em Astapor. — Treze navios... não chega. Uma centena de navios podia não ser suficiente.


— Cavalos de madeira não prestam — objetou Rommo, o velho jaqqa rhan. — Os dothraki irão a cavalo.


— Estes podiam marchar por terra ao longo da costa — sugeriu o Verme Cinzento. — Os navios podiam acompanhá-los e reabastecer a coluna.


— Isso podia resultar até chegarem às ruínas de Bhorash — disse o Tolarrapada. — Mais para diante, os seus navios teriam que virar para sul, passando por Tolos e pela Ilha dos Cedros e velejar em volta de Valíria, enquanto a infantaria prosseguiria até Mantarys pela velha estrada dos dragões.


— Estrada dos demônios é como lhe chamam agora — disse Mollono Yos Dob. O rechonchudo comandante dos Escudos Vigorosos parecia mais escriba que soldado, com as mãos manchadas de tinta e pesada pança, mas era difícil encontrar homem mais esperto. — Morreriam mais que muitos de nós.


— Os que fossem deixados para trás em Meereen invejariam as mortes fáceis — gemeu Reznak. — Eles vão fazer de nós escravos, ou nos atirar para as arenas. Tudo será como era, ou pior.


— Onde está a sua coragem? — explodiu Sor Barristan. — Sua Graça os libertou das correntes. Cabe a vocês afiar as espadas e defender a sua liberdade quando ela partir.


— Corajosas palavras, para alguém que pretende velejar para poente — rosnou Symon Dorsolistado em resposta. — Olhará para trás para nos ver morrer?


— Vossa Graça...


— Magnificência...


— Vossa Reverência...


— Basta. — Dany deu uma palmada na mesa. — Ninguém será abandonado à morte. São todos o meu povo. — Os seus sonhos sobre o amor e um lar a tinham cegado. — Não abandonarei Meereen ao destino de Astapor. Dói-me dizê-lo, mas Westeros terá de esperar.


Groleo ficou horrorizado.


— Temos que aceitar aqueles navios. Se recusarmos este presente...


Sor Barristan caiu sobre um joelho à frente dela.


— Minha rainha, o seu reino tem necessidade de você. Aqui não é desejada, mas em Westeros os homens convergirão aos milhares sobre os seus estandartes, grandes senhores e nobres cavaleiros. "Ela voltou," gritarão uns aos outros, em vozes alegres. "A irmã do Príncipe Rhaegar finalmente veio para casa?


— Se me amam assim tanto, esperarão por mim. — Dany pôs-se em pé. — Reznak, chame Xaro Xhoan Daxos.


Recebeu o príncipe mercador sozinha, sentada no seu banco de ébano polido, sobre as almofadas que Sor Barristan lhe trouxera. Quatro marinheiros de Qarth acompanhavam-no, trazendo ao ombro uma tapeçaria enrolada.


— Trouxe outro presente para a rainha do meu coração — anunciou Xaro. — Está nos cofres da minha família desde antes da Destruição que levou Valíria.


Os marinheiros desenrolaram a tapeçaria no chão. Era velha, poeirenta, desbotada... e enorme. Dany teve de ir ao lado de Xaro para que o padrão se tornasse claro.


— Um mapa? É belo. — Cobria metade do chão. Os mares eram azuis, as terras verdes, as montanhas negras e castanhas. Cidades eram indicadas como estrelas em fio de ouro ou de prata. Não existe Mar Fumegante, compreendeu. Valíria ainda não é uma ilha. –


— Ali vê Astapor, Yunkai e Meereen. — Xaro apontou para três estrelas de prata junto ao azul da Baía dos Escravos. — Westeros fica... em algum lugar lá ao fundo. — A sua mão acenou vagamente na direção da parte mais distante do salão. — Virou para norte quando devia ter continuado para sul e para oeste, atravessando o Mar do Verão, mas com o meu presente depressa estará de volta ao lugar que é próprio. Aceite as minhas galés de coração alegre, e dobre os remos para oeste.


Faria se pudesse.


— Senhor, aceitarei alegremente esses navios, mas não posso te dar a promessa que pede. — Pegou em na mão. — Me dê as galés, e juro que Qarth terá a amizade de Meereen até que as estrelas se apaguem. Deixe-me fazer comércio com elas, e ficará com uma boa parte dos lucros.


O sorriso satisfeito de Xaro morreu em seus lábios.


— O que está dizendo? Está me dizendo que não quer ir embora?


— Não posso ir.


Lágrimas jorraram-lhe dos olhos, escorregando pelo nariz abaixo, passando por esmeraldas, ametistas e diamantes negros.


— Eu disse aos Treze que daria ouvidos à minha sensatez. Dói-me perceber que me enganei. Aceite estes navios e zarpe daqui, caso contrário irá certamente morrer aos gritos. Não pode saber quantos inimigos fez.


Sei que um está agora na minha frente, chorando lágrimas de saltimbanco. Perceber isso a entristeceu.


— Quando entrei no Salão dos Mil Tronos para suplicar junto dos Puronatos pela sua vida, disse que não passava de uma criança — prosseguiu Xaro — mas Egon Emeros, o Requintado, levantou-se e disse: "Ela é uma criança tola, louca e inconsciente e muito perigosa para ficar viva." Quando os seus dragões eram pequenos, eram uma maravilha. Crescidos, são morte e devastação, uma espada em chamas sobre o mundo. — Limpou as lágrimas. — Devia ter te matado em Qarth.


— Eu fui uma hóspede sob o seu teto, e comi do seu pão e bebi do seu vinho — disse ela. — Em memória de tudo o que fez por mim, perdoarei essas palavras... uma vez... mas nunca ouse voltar a me ameaçar.


— Xaro Xhoan Daxos não ameaça. Promete.


A tristeza dela transformou-se em fúria.


— E eu prometo que se não tiver ido embora antes de o Sol nascer, ficará sabendo quão boas são as lágrimas de um mentiroso apagando fogo de dragão. Saí da minha frente, Xaro. Depressa.


Ele foi, mas deixou o mundo atrás de si. Dany voltou a sentar-se no seu banco e fitou o mar azul de seda, na direção da distante Westeros. Um dia, promeseu a si própria.


Na manhã seguinte, os galeões de Xaro tinham desaparecido, mas o "presente" que lhe trouxe ficou para trás na Baía dos Piratas. Longas flâmulas vermelhas esvoaçavam dos mastros das treze galés qartenas, contorcendo-se ao vento. E quando Daenerys desceu para dar audiência, um mensageiro vindo dos navios a aguardava. Não proferiu palavra, mas depositou a seus pés uma almofada de cetim negro, sobre a qual repousava uma única luva manchada de sangue.


— O que é isto? — perguntou Skahaz. — Uma luva ensanguentada..


— ... significa guerra — disse a rainha.



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