FEDOR

Ouviu primeiro as mulheres, ladrando enquanto corriam para casa. O tamborilar dos cascos dos cavalos ecoando em lajes o colocou em pé com um salto, com as correntes retinindo. Aquela que tinha entre os tornozelos não tinha mais de trinta centímetros de comprimento, encurtando-lhe o passo até o transformar num arrastar de pés. Assim era difícil mexer-se depressa, mas tentou o melhor possível, saltitando da enxerga num estridor de metal. Ramsay Bolton regressara e quereria o seu Fedor à mão para servi-lo.



Lá fora, sob um frio céu outonal, os caçadores estavam jorrando pelos portões. Ben Ossos seguia à frente, com as mulheres ladrando e latindo a toda a sua volta. Atrás vinha Esfolador, Alyn Azedo e Damon Dança-Para-Mim com o seu longo chicote oleado, e depois os Walders montando os potros cinzentos que a Senhora Dustin lhes dera. Sua senhoria montava Sangue, um garanhão vermelho com uma personalidade que se adequava à do cavaleiro. Estava rindo. Fedor sabia que isso podia ser muito bom ou muito mau.


Os cães caíram-lhe em cima antes de conseguir perceber qual das duas opções era a certa, atraídos pelo seu odor. Os cães gostavam do Fedor; era mais frequente dormir com eles do que não, e por vezes Ben Ossos deixava-o partilhar do jantar deles. A matilha correu pelas lajes ladrando, rodeando-o, saltando para lhe lamber a cara imunda, mordiscando-lhe as pernas. Helicent tomou-lhe a mão esquerda entre os dentes e sacudiu-a com tal violência que Fedor temeu perder mais dois dedos. A Jeyne Vermelha atirou-se-lhe contra o peito e derrubou-o. Era músculo duro e esguio, enquanto Fedor era pele cinzenta e solta e ossos quebradiços, um esfomeado de cabelo branco.


Os cavaleiros estavam desmontando quando ele empurrou a Jeyne Vermelha de cima de si e se pôs de joelhos com dificuldade. Duas dúzias de cavaleiros tinham saído e duas dúzias haviam regressado, o que queria dizer que a busca fora um fracasso. Isso era ruim. Ramsay não gostava do sabor do fracasso. Ele vai querer magoar alguém.


Nos últimos tempos o seu senhor forçara-se a se conter, pois Vila Acidentada estava cheia de homens de que a Casa Bolton precisava e Ramsay sabia ter cuidado junto dos Dustin, dos Ryswell e dos outros fidalgos. Com eles era sempre cortês e sorridente. O que era por trás de portas fechadas era outra coisa.


Ramsay Bolton estava trajado como era próprio do senhor de Boscorno e do herdeiro do Forte do Pavor. O seu manto era feito de peles de lobo cosidas umas às outras, e aquilo que o fechava contra o frio de outono eram os dentes amarelecidos da cabeça de lobo que usava ao ombro direito. A uma anca usava uma cimitarra, cuja lâmina era tão grossa e pesada como um cutelo; à outra anca trazia um longo punhal e uma pequena e curva faca de esfolar de ponta em gancho e um fio aguçado como uma navalha. Todas as três lâminas tinham cabos de osso amarelo a condizer.


— Fedor — chamou sua senhoria de cima da grande sela de Sangue — você fede. Consigo cheirar-lhe do outro lado do pátio.


— Eu sei senhor — teve Fedor de dizer. — Peço-lhe perdão.


— Trouxe-lhe um presente. — Ramsay torceu-se, estendeu a mão para trás de si, puxou qualquer coisa da sela e arremessou-a. — Agarra!


Entre a corrente, as grilhetas e os seus dedos em falta, Fedor era mais desastrado do que fora antes de aprender o seu nome. A cabeça atin-giu-lhe as mãos mutiladas, ressaltou nos tocos dos seus dedos e aterrou a seus pés, numa chuva de larvas. Estava tão coberta de sangue seco que se tornava irreconhecível.


— Eu disse-lhe para a agarrares — disse Ramsay. — Apanha-a.


Fedor tentou erguer a cabeça pela orelha. Não resultou. A carne estava verde e pútrida e a orelha rasgou-se-lhe entre os dedos. O Walder Pequeno riu-se, e um momento mais tarde todos os outros homens estavam também a rir.


— Oh, deixa-o em paz — disse Ramsay. — Trata só do Sangue. Cavalguei duramente o sacana.


— Sim, senhor. Eu trato. — Fedor dirigiu-se apressadamente para o cavalo, deixando a cabeça cortada para os cães.


— Hoje cheira a merda de porco, Fedor — disse Ramsay.


— Nele, isso é uma melhoria — disse Damon Dança-Para-Mim, sorrindo enquanto enrolava o chicote.


Walder Pequeno saltou da sela.


— Também pode tratar do meu cavalo, Fedor. E do cavalo do meu primo.


— Eu cuido do meu próprio cavalo — disse o Walder Grande. O Walder Pequeno transformara-se num assistente do Lorde Ramsay, e tornava-se mais parecido com ele todos os dias, mas o Frey menor era feito de outro material e raramente participava dos jogos e crueldades do primo.


Fedor não ligou aos escudeiros. Levou Sangue para os estábulos, saltando para o lado quando o garanhão tentou escoiceá-lo. Os caçadores entraram no palácio a passos largos, todos menos Ben Ossos, que praguejava com os cães para tentar fazer com que parassem de lutar pela cabeça cortada.


Walder Grande seguiu-o para os estábulos, levando a montaria pela arreata. Fedor deitou-lhe uma olhadela enquanto tirava o freio a Sangue.


— Quem era? — disse em voz baixa para que os outros moços de estrebaria não ouvissem.


— Ninguém. — Walder Grande tirou a sela ao seu cavalo cinzento. — Um velho que encontramos na estrada, nada mais. Conduzia uma velha cabra de criação e quatro cabritos.


— Sua senhoria matou-o pelas cabras?


— Sua senhoria matou-o por ter lhe chamado Lorde Snow. Mas as cabras eram boas. Mugimos a mãe e assamos os cabritos.


Lorde Snow. Fedor anuiu, fazendo tinir as correntes enquanto lutava com as correias da sela de Sangue. Seja qual for o nome que lhe dê, Ramsay não é homem com quem se estar quando está furioso. Ou quando não está.


— Encontrou os seus primos, senhor?


— Não. Nunca achei que encontrássemos. Estão mortos. Lorde Wyman mandou matá-los. Era o que eu teria feito se fosse ele.


Fedor nada disse. Havia coisas que não era seguro dizer, nem mesmo nos estábulos com sua senhoria no salão. Uma palavra errada podia custar-lhe outro dedo do pé, até um da mão. Mas a língua não. Ele nunca me cortará a língua. Gosta de me ouvir a suplicar para me poupar à dor. Gosta de me obrigar a dizê-lo.


Os cavaleiros tinham passado dezesseis dias na caçada, apenas com pão duro e carne salgada para comer, à parte o ocasional cabrito roubado, por isso Lorde Ramsay ordenou que um banquete fosse organizado para celebrar o seu regresso a Vila Acidentada. O anfitrião, um pequeno senhor grisalho e maneta que dava pelo nome de Harwood Stout, sabia que não era boa ideia dizer-lhe que não, se bem que por aquela altura as suas despensas devessem estar praticamente vazias. Fedor ouvira os criados de Stout resmungando sobre o modo como o Bastardo e os seus homens andavam devorando as provisões de inverno.


— Dizem que ele vai dormir com a miudinha do Lorde Eddard — protestara a cozinheira de Stout sem saber que Fedor estava à escuta — mas quem vai ficar fodido quando as neves chegarem havemos de ser nós, tome nota do que eu digo.


Contudo, Lorde Ramsay decretara um banquete, portanto seria um banquete que teriam de ter. Mesas foram montadas no salão de Stout, um boi foi abatido, e nessa noite, enquanto o Sol se punha, os caçadores de mãos vazias comeram peças de lombo e costeletas, pão de cevada, um purê de cenoura e ervilha, empurrando tudo para baixo com quantidades prodigiosas de cerveja.


Recaiu sobre Walder Pequeno a tarefa de manter cheia a taça do Lorde Ramsay, enquanto Walder Grande servia os outros sentados na mesa elevada. Fedor estava acorrentado junto das portas para que o seu odor não fizesse com que os convivas perdessem o apetite. Comeria mais tarde quaisquer restos que Lorde Ramsay pensasse em enviar-lhe. Os cães, contudo, tinham o direito de percorrer o salão, e forneceram o melhor divertimento da noite quando Maude e a Jeyne Cinzenta se atiraram a um dos cães de caça do Lorde Stout por causa de um osso especialmente rico em carne que o Will Curto lhes atirara. Fedor foi o único homem no salão que não viu os três cães lutar. Manteve os olhos fixos em Ramsay Bolton.


A luta não terminou até que o cão do anfitrião estivesse morto. O velho cão de caça de Stout nunca tivera a menor hipótese. Fora um contra dois, e as cadelas de Ramsay eram jovens, fortes e selvagens. Ben Ossos, que gostava mais dos cães do que o dono, dissera a Fedor que todos tinham os nomes de camponesas que Ramsay caçara, violara e matara na época em que ainda era bastardo e andava com o primeiro Fedor.


— Aquelas que lhe dão boa luta, pelo menos. As que choram e suplicam e não fogem não conseguem voltar como cadelas. — Fedor não duvidava de que a ninhada seguinte a sair dos canis do Forte do Pavor iria incluir uma Kyra. — Ele treinou-as tamêm pra matar lobos — confidenciara o Ben Ossos. Fedor nada disse. Sabia que lobos as meninas se destinavam a matar, mas não tinha qualquer desejo de vê-las a lutar pelo seu dedo cortado.


Dois criados estavam levando para fora do salão a carcaça do cão morto e uma velha foi buscar uma escova, um ancinho e um balde para lidar com a palha ensopada de sangue, quando as portas do salão se abriram num rompante de vento e uma dúzia de homens com cotas de malha cinzentas e meios-elmos de ferro a atravessou a passos largos, passando ao encontrão pelos jovens e macilentos guardas de Stout com as suas brigantinas de couro e mantos dourados e castanhos-avermelhados. Um súbito silêncio dominou os convivas... todos menos Lorde Ramsay, que deitou fora o osso que estivera roendo, limpou a boca na manga, fez um sorriso gorduroso de lábios úmidos e disse:


— Pai.


— O Senhor do Forte do Pavor deitou um relance ocioso aos restos do banquete, ao cão morto, às colgaduras nas paredes, a Fedor e às suas grilhetas.


— Fora — disse aos convidados, numa voz baixa como um murmúrio. — Já. Todos vocês.


Os homens do Lorde Ramsay afastaram-se das mesas, abandonando taças e trinchos. Ben Ossos gritou às cadelas, e estas seguiram a trote atrás dele, algumas ainda com ossos nas maxilas. Harwood Stout fez uma mesura rígida e abandonou o salão sem uma palavra.


— Libertea o Fedor e leva-o contigo — rosnou Ramsay ao Alyn Azedo, mas o pai acenou com uma mão pálida e disse:


— Não, deixe-o aqui.


Até os guardas do Lorde Roose se retiraram, fechando as portas atrás deles. Quando o eco morreu, Fedor deu por si sozinho no salão com os dois Bolton, pai e filho.


— Não encontrou os nossos Frey desaparecidos. — Da maneira que Roose Bolton o disse, era mais uma afirmação do que uma pergunta.


— Cavalgamos até ao local onde o Lorde Lampreia afirma que se separaram, mas as cadelas não conseguiram encontrar nenhum rasto.


— Perguntou por eles em aldeias e em fortes.


— Um desperdício de palavras. Pelo que se vê, os camponeses bem podiam ser cegos. — Ramsay encolheu os ombros. — Importa? O mundo não sentirá falta de uns quantos Frey. Há fartura deles lá em baixo nas Gêmeas, se alguma vez precisarmos de um.


Lorde Roose arrancou um pequeno bocado de uma côdea de pão e comeu-o.


— Hosteen e Aenys estão preocupados.


— Eles que vão à procura, se quiserem.


— Lorde Wyman culpa-se. Segundo ele diz, tinha ganho particular amizade por Rhaegar.


Lorde Ramsay estava ficando irado. Fedor via-o na sua boca, na posição daqueles lábios grossos, no modo como os tendões se lhe projetavam do pescoço.


— Os idiotas deviam ter ficado com Manderly.


Roose Bolton encolheu os ombros.


— A liteira do Lorde Wyman avança a passo de caracol... e claro que a saúde e tamanho de sua senhoria não lhe permitem viajar durante mais de algumas horas por dia, com paragens frequentes para refeições. Os Frey estavam ansiosos por chegar a Vila Acidentada e reunirem-se à família. Pode censurá-los por cavalgarem em frente?


— Se é que foi isso que fizeram. Acredita em Manderly?


Os olhos claros do pai cintilaram.


— Dei-lhe essa impressão? Seja como for. Sua senhoria está muito perturbado.


— Não tão perturbado que não consiga comer. O Lorde Porco deve ter trazido consigo metade da comida de Porto Branco.


— Quarenta carroças cheias de provisões. Barris de vinho e hipocraz, barricas de lampreias pescadas frescas, um rebanho de cabras, cem porcos, caixotes de camarões e ostras, um monstruoso bacalhau... o Lorde Wyman gosta de comer. Talvez tenha reparado.


— Eu reparei foi em não ter trazido reféns.


— Também reparei nisso.


— Que tenciona fazer a respeito?


— É uma situação difícil. — Lorde Roose descobriu uma taça vazia, limpou-a com a toalha de mesa e encheu-a a partir de um jarro. — Manderly não é o único a organizar banquetes, segundo parece.


— Devía ter sido o senhor a organizar o banquete, para saudar o meu regresso — queixou-se Ramsay — e devia ter sido no Solar Acidentado, não neste penico de castelo.


— O Solar Acidentado e as suas cozinhas não são meus para deles dispor — disse o pai com brandura, — Lá sou apenas um hóspede. O castelo e a vila pertencem à Senhora Dustin, e ela não lhe suporta.


A cara de Ramsay escureceu.


— Se eu lhe cortar-lhe as mamas e as der a comer às minhas cadelas, passará a me suportar? Me suportará se lhe arrancar a pele para fazer um par de botas para mim?


— É improvável. E essas botas sairiam caras. Nos custariam Vila Acidentada, a Casa Dustin e os Ryswell. — Roose Bolton sentou-se à mesa na frente do filho. — Barbrey Dustin é a irmã mais nova da minha segunda esposa, filha de Rodrik Ryswell, irmã de Roger, Rickard e do meu homônimo Roose, prima dos outros Ryswell. Gostava do meu falecido filho, e suspeita de que desempenhou algum papel no seu falecimento. A Senhora Barbrey é uma mulher que sabe como alimentar rancores. Fica grato por isso. Vila Acidentada é leal aos Bolton em boa parte porque ela ainda culpa Ned Stark pela morte do marido.


— Leal7. — Ramsay fervia. — Ela não faz nada além de cuspir em mim. Há de chegar o dia em que eu pego fogo à sua preciosa vila de madeira. Ela que cuspa nisso, e ver se apaga as chamas.


Roose tez uma careta, como se a cerveja que estava bebendo tivesse de súbito se tornado amarga.


— Há vezes em que faz com que eu duvide se é realmente da minha semente. Os meus antepassados foram muitas coisas, mas nunca idiotas. Não, agora cale-se, já ouvi o suficiente. De momento parecemos fortes, sim. Temos amigos poderosos nos Lannister e nos Frey, e o apoio pouco entusiástico da maior parte do Norte... mas o que imagina você que vai acontecer quando um dos filhos de Ned Stark aparecer?


Os filhos de Ned Stark estão mortos, pensou Fedor. Robb foi assassinado nas Gêmeas, e Bran e Rickon... mergulhamos as cabeças em alcatrão... Sentia a cabeça latejando. Não queria pensar em nada que tivesse acontecido antes de saber o seu nome. Havia coisas que doíam muito para recordar, pensamentos quase tão dolorosos como a faca de esfolar de Ramsay...


— Os lobinhos Stark estão mortos — disse Ramsay, despejando mais cerveja na sua taça — e vão ficar mortos. Eles que mostrem as suas feias caras, que as minhas cadelas fazem em bocados aqueles seus lobos. Quanto mais depressa aparecerem, mais depressa volto a matá-los.


O Bolton mais velho suspirou.


— Voltas a matá-los? Certamente que se enganou. Você não matou os filhos do Lorde Eddard, esses dois queridos rapazinhos de que tanto gostávamos. Isso foi obra do Theon Vira-Casaca, lembra-se? Quantos dos nossos pouco entusiásticos amigos imagina que conservaríamos se a verdade se soubesse? Só a Senhora Barbrey, a qual gostaria de transformar num par de botas... de botas de fraca qualidade. A pele humana não é tão dura como a de vaca e não duraria tanto. Por decreto do rei, é agora um Bolton. Tenta agir como tal. Contam-se histórias sobre você, Ramsay. Ouço-as por todo lado. As pessoas têm medo de você.


— Ótimo.


— Engana-se. Não é ótimo. Nunca houve histórias sobre mim. Acha que estaria aqui sentado se assim não fosse? Os seus divertimentos são seus, não lhe vou ralhar por causa deles, mas tem de ser mais discreto. Uma terra pacífica, um povo calmo. Sempre foi esse o meu governo. Transforma-o em seu.


— Foi para isso que abandonou a Senhora Dustin e a porca da sua esposa gorda? Para poder vir até aqui e aconselhar-me a ficar calmo?


— De modo algum. Há notícias que precisa ouvir. Lorde Stannis finalmente abandonou a Muralha.


Aquilo quase pôs Ramsay em pé, com um sorriso reluzindo nos lábios grossos e úmidos.


— Marcha sobre o Forte do Pavor?


— Não, infelizmente. Arnolf não compreende. Jura que fez tudo o que pôde para armar a ratoeira.


— Tenho dúvidas. Coça um Karstark, e encontrará um Stark.


— Depois da coçadinha que o Jovem Lobo deu ao Lorde Rickard, isso pode ser de certa forma menos verdadeiro do que anteriormente. Mas seja como for. Lorde Stannis tirou Bosque Profundo das mãos dos homens de ferro e devolveu o castelo à Casa Glover. Pior, os clãs da montanha juntaram-se a ele, os Wull, os Norrey, os Liddle e os outros. A força dele está crescendo.


— A nossa é maior.


— Agora é.


— Agora é o momento de esmagá-lo. Deixe-me marchar sobre Bosque Profundo.


— Depois de se casar.


Ramsay baseu com a taça na mesa e os restos da cerveja entraram em erupção para cima da toalha.


— Estou farto de esperar. Temos uma menina, temos uma árvore e temos lordes suficientes para servirem de testemunhas. Caso-me com ela amanhã, planto-lhe um filho entre as pernas, e ponho-me em marcha antes de o seu sangue de donzela ter secado.


Ela rezará para lhe por em marcha, pensou Fedor, e rezará para nunca voltar para a sua cama.


— Plantará nela um filho — disse Roose Bolton — mas não será aqui. Decidi que vai casar com a menina em Winterfell.


A ideia não pareceu agradar ao Lorde Ramsay.


— Eu devastei Winterfell, será que se esqueceu?


— Não, mas parece que você se esqueceu... foram os homens de ferro a devastar Winterfell, e a massacrar toda a sua gente. Theon Vira-Casaca.


Ramsay deu a Fedor uma olhada desconfiada.


— Pois, é verdade, mas ainda assim... um casamento naquela ruína?


— Mesmo arruinado e quebrado, Winterfell continua a ser o lar da Senhora Arya. Que melhor lugar para casar com ela, dormir com ela e afirmar a sua pretensão? Mas isso é só metade da ideia. Seríamos uns tolos se marchássemos contra Stannis. Que Stannis marche contra nós. Ele é muito cauteloso para vir a Vila Acidentada... mas tem de ir a Winterfell. Os seus homens dos clãs não abandonarão a filha do seu precioso Ned nas mãos de alguém como você. Stannis tem de marchar, caso contrário os perderá. .. e sendo o comandante cauteloso que é, convocará todos os seus amigos e aliados quando se puser em marcha. Convocará Arnolf Karstark.


Ramsay lambeu os lábios gretados.


— E nós ficaremos com ele na mão.


— Se os deuses desejarem. — Roose pôs-se em pé. — Vai se casar em Winterfell. Informarei os senhores de que nos poremos em marcha dentro de três dias e os convidarei a acompanhar-nos.


— É o Protetor do Norte. Ordene-lhes.


— Um convite terá o mesmo resultado. O poder sabe melhor quando é adoçado pela cortesia. É melhor que aprenda isso se quer ter esperança de governar. — O Senhor do Forte do Pavor deu uma olhada a Fedor. — Ah, e tira as correntes do seu animal de estimação. Vou levá-lo.


— Levá-lo? Para onde? Ele é meu. Não pode ficar com ele.


Roose pareceu divertido com aquilo.


— Tudo o que você tem fui eu que lhe dei. Faria bem em lembrar-se disso, bastardo. E quanto a este... Fedor... se não o arruinou irrecuperavel- mente, ainda pode vir a ter alguma utilidade para nós. Vai buscar as chaves e tira-lhe aquelas correntes antes de fazer com que me arrependa do dia em que violei a sua mãe.


Fedor viu o modo como a boca de Ramsay se torceu, a saliva reluzindo nos lábios. Temeu que ele pudesse pular a mesa de punhal na mão. Mas em vez disso ficou muito corado, afastou os olhos claros dos olhos ainda mais claros do pai, e foi buscar as chaves. Mas quando ajoelhou para desprender as grilhetas que rodeavam os pulsos e tornozelos do Fedor, aproximou-se e murmurou:


— Não lhe diga nada e lembra-se de cada palavra que ele disser. Vou ter-lhe de volta, independentemente do que aquela cadela da Dustin possa lhe dizer. Quem é?


— Sou Fedor, senhor. O seu homem. Sou Fedor, rima com pavor.


— Pois rima. Quando o meu pai lhe trouxer de volta, vou tirar-lhe outro dedo. Deixo-lhe escolher qual.


Sem serem chamadas, lágrimas começaram a correr-lhe pela cara abaixo.


— Porquê? — chorou, com a voz se quebrando. — Eu não pedi para ele me levar. Eu faço tudo o que quiser, sirvo, obedeço, eu... por favor, não...


Ramsay esbofeteou-o.


— Leve-o — disse ao pai. — Nem sequer é um homem. O cheiro que deixa me dá volta no estômago.


A Lua estava erguendo-se por cima das muralhas de madeira de Vila Acidentada quando saíram para o exterior. Fedor conseguia ouvir o vento varrendo as planícies onduladas para lá da vila. Era menos de uma milha a distância entre o Solar Acidentado e a modesta fortaleza de Harwood Stout ao lado dos portões orientais. Lorde Bolton ofereceu-lhe um cavalo.


— Consegue cavalgar?


— Eu... senhor, eu... acho que sim.


— Walton, ajude-o a montar.


Mesmo sem grilhetas, Fedor mexia-se.como um velho. A pele pendia solta dos seus ossos, e Alyn Azedo e Ben Ossos diziam que ele tinha tiques. E o cheiro... até a égua que tinham trazido para ele se afastou quando tentou montar.


Mas era um cavalo simpático, e sabia o caminho até ao Solar Acidentado. Lorde Bolton pôs-se a seu lado ao atravessarem o portão. Os guardas deixaram-se ficar para trás a uma distância discreta.


— Como quer que o chame? — perguntou o senhor enquanto trotavam pelas ruas largas e retas de Vila Acidentada.


Fedory eu sou o Fedor, rima com tambor.


—Fedor — disse — se agradar ao senhor.


— Senhor. — Os lábios de Roose Bolton separaram-se só o suficiente para mostrar meio centímetro de dentes. Podia ter sido um sorriso.


Fedor não compreendeu.


— Senhor? Eu disse...


— ... Senhor, quando devia ter dito senhor. A língua denuncia-lhe o nascimento a cada palavra que diz. Se quer soar como um camponês como deve ser, diga a palavra como se tivesse lama na boca ou como se fosse muito estúpido para que percebeba de que existe ali uma vogal.


— Se agradar ao... senhor.


— Melhor. O fedor que deixa é bastante horrível.


— Sim, Senhor. Peço-lhe perdão, Senhor.


— Por quê? O modo como cheira é obra do meu filho, não sua. Estou bem consciente disso. — Passaram por um estábulo e por uma estalagem de portadas fechadas, com um molho de trigo pintado na tabuleta. Fedor ouviu música que vinha das janelas da estalagem. — Eu conheci o primeiro Fedor. Ele fedia, mas não era por falta de se lavar. Em boa verdade, nunca conheci criatura mais limpa. Tomava banho três vezes por dia e usava flores no cabelo como se fosse uma donzela. Uma vez, quando a minha segunda esposa ainda estava viva, foi apanhado roubando perfume do seu quarto. Mandei-o chicotear por causa disso, uma dúzia de vergastadas. Até o sangue tinha o cheiro errado. No ano seguinte, ele voltou a tentar. Desta vez bebeu o perfume e quase morreu por causa disso. De nada serviu. O cheiro era uma coisa com que tinha nascido. Unia maldição, segundo os plebeus. Os deuses tinham-no feito feder para que os homens soubessem que tinha a alma apodrecendo. O meu velho meistre insistia que era sinal de doença, mas, tirando o cheiro, o rapaz era forte como um touro jovem. Ninguém conseguia aguentar ficar ao pé dele, portanto dormia com os porcos... até ao dia em que a mãe de Ramsay apareceu aos meus portões exigindo que eu arranjasse um criado para o meu bastardo, que estava crescendo selvagem e indisciplinado. Dei-lhe o Fedor. A ideia era divertir-me, mas ele e Ramsay tornaram-se inseparáveis. Às vezes pergunto-me... terá sido Ramsay a corromper o Fedor ou o Fedor a Ramsay? — Sua senhoria deu ao novo Fedor um relance com olhos tão claros e estranhos como duas luas brancas. — O que estava ele sussurrando quando lhe desacorrentou?


— Ele... ele disse... — Disse para não lhe dizer nada. As palavras ficaram-lhe presas na garganta e começou a tossir e a sufocar.


— Respire fundo. Eu sei o que ele disse. Deve me espiar e guardar os segredos dele. — Bolton soltou um risinho. — Como se ele tivesse segredos. Alyn Azedo, Luton, Esfolador e os outros, de onde julga que eles vêm? Poderá realmente acreditar que são homens seus?


— Homens seus — ecoou Fedor. Pareceu-lhe que se esperava dele algum comentário, mas não soube o que dizer.


— O meu bastardo alguma vez vos contou como o arranjei?


— Isso ele sabia, para seu alívio.


— Sim, se... senhor. Encontrou a mãe dele enquanto passeava a cavalo e ficou encantado pela sua beleza.


— Encantado? — Bolton riu. — Ele usou essa palavra? Ora, o rapaz tem uma alma de cantor... se bem que se você acredita nessa canção pode bem ser ainda mais obtuso do que o primeiro Fedor. Até a parte do passeio está errada. Andava caçando uma raposa ao longo das Águas Chorosas quando encontrei um moinho e vi uma jovem lavando roupa no ribeiro. O velho moleiro tinha arranjado uma mulher nova, uma menina que não tinha nem metade da idade dele. Era uma criatura alta e esbelta, com um ar muito saudável. Pernas compridas e seios pequenos e firmes, como duas ameixas maduras. Bonita, de uma forma comum. No momento em que pus os olhos nela, desejei-a. Era o meu direito. Os meistres dirão que o Rei Jaehaerys aboliu o direito do senhor à primeira noite para aplacar a rabugenta da sua rainha, mas onde os deuses antigos dominam, os velhos costumes resistem. Os Umber também mantém a primeira noite, por mais que possam negar. Alguns dos clãs das montanhas também, e em Skagos... bem, só as árvores coração veem metade do que eles fazem em Skagos.


Este casamento do moleiro tinha sido levado a cabo sem a minha licença e conhecimento. O homem tinha-me aldrabado. Portanto, mandei enforcá-lo, e reclamei os meus direitos à sombra da árvore de onde ele balançava. Em boa verdade, a mulher mal valia a corda. A raposa também escapou e, no caminho de regresso ao Forte do Pavor, o meu corcel preferido ficou coxo, portanto, tudo somado, o dia foi horrível.


Um ano mais tarde, a mesma mulher teve o desplante de aparecer no Forte do Pavor com um monstro de cara vermelha que não parava de guinchar e que ela afirmava ser de minha descendência. Devia ter mandado chicotear a mãe e atirado o filho a um poço... mas o bebê tinha os meus olhos. Ela disse-me que quando o irmão do marido morto viu esses olhos baseu-lhe até fazer sangue e correu com ela do moinho. Isso me aborreceu, então dei-lhe o moinho e mandei cortar a língua do irmão, para me assegurar de que não correria para Winterfell com histórias que pudessem perturbar o Lorde Rickard. Todos os anos enviei à mulher uns leitões, umas galinhas e um saco de estrelas, com a condição de ela nunca dizer ao rapaz quem era o seu pai. Uma terra pacífica, um povo pacífico, sempre foram essas as minhas regras.


— Boas regras, Senhor.


— Mas a mulher me desobedeceu. Veja o que Ramsay é. Foi ela que o fez assim, ela e o Fedor, sempre a murmurarem-lhe aos ouvidos sobre os seus direitos. Ele devia ter-se contentado em moer cereais. Será que pensa mesmo que alguma vez poderá governar o Norte?


— Ele luta por você — disse apressadamente Fedor. — É forte.


— Os touros são fortes. Os ursos. Eu vi o meu bastardo lutar. Não é inteiramente culpa dele. O seu tutor foi Fedor, o primeiro Fedor, e o Fedor nunca tinha sido treinado com as armas. O Ramsay é feroz, isso admito, mas brande aquela espada como um carniceiro cortando carne.


— Ele não tem medo de ninguém, Senhor.


— Devia ter. O medo é o que mantém um homem vivo neste mundo de traições e enganos. Até aqui em Vila Acidentada, os corvos voam em círculos, à espera de se banquetearem com a nossa carne. Os Cerwyn e os Tallhart não são dignos de confiança, o meu amigo gordo, o Lorde Wyman, planeja traições, e o Terror das Rameiras... os Umber podem parecer simplórios, mas não lhes falta uma certa baixa astúcia. Ramsay devia temers a todos, como eu temo. Da próxima vez que o vir, diga-lhe isso.


— Dizer-lhe... dizer-lhe para ter medo? — Fedor sentiu-se doente só de pensar em tal coisa. — Senhor, eu... se eu fizesse isso, ele...


— Eu sei. — Lorde Bolton suspirou. — O sangue dele é mau. Precisa de ser sangrado. As sanguessugas sugam o sangue mau, toda a raiva e a dor. Nenhum homem consegue pensar assim tão cheio de raiva. Mas Ramsay... temo que o seu sangue maculado até sanguessugas envenenaria.


— Ele é o seu único filho.


— Agora é. Tive outro em tempos. Domeric. Um rapaz calmo, mas muito talentoso. Serviu durante quatro anos como pajem da Senhora Dustin, e três no Vale como escudeiro do Lorde Redfort. Tocava harpa vertical, lia histórias e cavalgava como o vento. Cavalos... o rapaz era louco por cavalos, a Senhora Dustin há de dizer-lhe. Nem mesmo a filha do Lorde Rickard conseguia ganhar-lhe em cavalgada, e essa era ela própria meio equina. Redfort dizia que ele se mostrava muito promissor nas liças. Um grande justador tem de começar por ser um grande cavaleiro.


— Sim, Senhor. Domeric. Eu... eu ouvi o nome dele...


— Ramsay matou-o. Uma doença das tripas, segundo diz o Meistre Uthor, mas eu digo que foi veneno. No Vale, Domeric desfrutava da companhia dos filhos de Redfort. Queria um irmão a seu lado, portanto cavalgou até Águas Chorosas para procurar o meu bastardo. Eu o proibi, mas Domeric era um homem feito e achava-se mais sabedor do que o pai. Agora, os seus ossos jazem debaixo do Forte do Pavor com os ossos dos irmãos que morreram ainda no berço, e eu tenho de me contentar com Ramsay. Diga-me, senhor... se o assassino de parentes é maldito, que deve fazer um pai quando um filho mata outro?


A pergunta assustou-o. Em tempos, ouvira Esfolador dizer que o Bastardo tinha matado o irmão legítimo, mas nunca se atrevera a acreditar nisso. Ele pode estar enganado. Os irmãos às vezes morrem, isso não quer dizer que tenham sido mortos. Os meus irmãos morreram, e eu não os matei.


— O senhor tem uma nova esposa para lhe dar filhos.


— E o meu bastardo não vai adorar isso? A Senhora Walda é uma Frey, e tem um ar fértil. Ganhei uma estranha amizade pela minha mulherzinha gorda. As duas antes dela nunca faziam um som na cama, mas esta guincha e estremece. Acho isso muito encantador. Se puser filhos aqui fora como enfia tartes lá dentro, o Forte do Pavor depressa ficará enxameado de Boltons. Ramsay matará a todos, claro. Ainda bem. Não viverei o suficiente para acompanhar mais filhos até serem homens, e senhores rapazes são a perdição de qualquer Casa. Mas Walda sofrerá por vê-los morrer.


Fedor tinha a garganta seca. Conseguia ouvir o vento sacudir os ramos nus dos ulmeiros que bordejavam a rua.


— Senhor, eu...


— Senhor, lembra-se?


— Senhor. Se puder perguntar... porque foi que me quis? Não presto para ninguém, nem sequer sou um homem, estou quebrado, e... o cheiro...


— Um banho e uma troca de roupa irão melhorar-lhe o cheiro.


— Um banho? — Fedor sentiu as tripas apertadas. — Eu... eu preferia que não, Senhor. Por favor. Tenho... ferimentos, eu... e esta roupa, o Lorde Ramsay me deu, ele... ele disse que eu não podia nunca tirá-la exceto por suas ordens...


— Está usando farrapos — disse Lorde Bolton, com grande paciência. — Coisas imundas, rasgadas, manchadas e fedendo a sangue e urina. E pouco espessas. Deve ter frio. Vamos pôr-lhe dentro de lã de ovelha, suave e quente. Talvez um manto forrado de peles. Gostaria disso?


— Não. — Não podia deixar que lhe tirassem a roupa que Lorde Ramsay lhe dera. Não podia deixar que o vissem.


— Prefere vestir-se de seda e veludo? Lembro-me de que houve um tempo em que gostava dessas coisas.


— Não — insistiu, esganiçado. — Não, só quero esta roupa. A roupa do Fedor. Eu sou o Fedor, rima com bolor. — Tinha o coração batendo como um tambor, e a voz ergueu-se num guincho assustado. — Não quero banho nenhum. Por favor, Senhor, não me tire a roupa.


— Deixa lavá-las, pelo menos?


— Não. Não, Senhor. Por favor. — Apertou a túnica ao peito, com ambas as mãos, e corcovou-se sobre a sela, com medo de que Roose Bolton ordenasse aos guardas para lhe arrancarem a roupa de cima ali mesmo na rua.


— Como quiser. — Os olhos claros de Bolton pareciam vazios ao luar, como se não existisse absolutamente ninguém por trás deles. — Não lhe desejo mal, sabe? Devo-lhe mais do que muito


— Me deve? — uma parte dele gritava: isto é uma armadilha, ele está brincando contigo, o filho é só a sombra do pai. Lorde Ramsay andava sempre brincando com as suas esperanças. — O que... o que me deve, Senhor?


— O Norte. Os Stark ficaram feitos e acabados na noite em que tomou Winterfell. — Acenou com uma mão pálida, depreciativo. — Tudo isto não passa de questiúnculas por despojos.


A curta viagem chegou ao fim junto às muralhas de madeira do Solar Acidentado. Esvoaçavam estandartes nas suas torres quadradas, agitados pelo vento; o homem esfolado do Forte do Pavor, o machado de batalha de Cerwyn, os pinheiros de Tallhart, o tritão de Manderly, as chaves cruzadas do velho Lorde Locke, o gigante de Umber e a mão de pedra de Flint, o alce de Hornwood. Pelos Stout, asnado de castanho-avermelhado e dourado, pelos Slate um campo cinzento no interior de uma dupla bordadura de branco. Quatro cabeças de cavalo proclamavam os quatro Ryswell dos Regatos; uma cinzenta, uma preta, uma dourada, uma castanha. O gracejo dizia que os Ryswell nem sequer conseguiam concordar sobre a cor das suas armas. Por cima deles esvoaçava o veado e leão do rapaz que se sentava no Trono de Ferro a mil léguas de distância.


Fedor ouviu as velas girando no velho moinho ao passarem sob o portão e penetrarem num pátio coberto de erva onde moços de estrebaria saíram correndo para lhes segurar nos cavalos.


— Por aqui, por favor. — Lorde Bolton levou-o para a torre, onde os estandartes eram os do falecido Lorde Dustin e da sua viúva. Os dele mostravam uma coroa cheia de pontas sobre machados cruzados; os dela esquartelavam essas mesmas armas com a cabeça de cavalo dourada de Rodrik Ryswell.


Enquanto subia um amplo lance de escadas de madeira que levava ao palácio, as pernas de Fedor começaram a tremer. Teve de parar para firmá-las, fitando as encostas relvadas do Grande Outeiro. Havia quem afirmasse que se tratava da sepultura do Primeiro Rei, que liderara os Primeiros Homens até Westeros. Outros argumentavam que devia ser algum rei dos Gigantes a estar alí enterrado, para justificar o tamanho. Sabia-se até de alguns que tinham dito que não era sepultura alguma, só uma colina, mas se assim era tratava-se de uma colina solitária, pois a maior parte das terras acidentadas era plana e varrida pelo vento.


Dentro do salão, uma mulher estava em pé junto à lareira, aquecendo as mãos por cima das brasas de um fogo quase apagado. Estava toda vestida de preto, dos pés à cabeça, e não usava nem ouro nem pedras preciosas, mas era bem nascida, isso via-se claramente. Embora houvesse rugas nos cantos da sua boca e mais em torno dos olhos, ainda se mantinha alta, direita e bem aparentada. O cabelo era castanho e cinzento em partes iguais, embora o usasse preso atrás da cabeça num carrapito de viúva.


— Quem é esse? — disse. — Onde está o rapaz? O seu bastardo recusou-se a entregá-lo? Este velho é o... oh, pela bondade dos deuses, que cheiro é este? Esta criatura borrou-se?


— Esteve com Ramsay. Senhora Barbrey, permita-me que lhe apresente o legítimo Senhor das Ilhas de Ferro, Theon da Casa Greyjoy.


Não, pensou Fedor, não, não digas esse nome, Ramsay vai ouvi-lo, ele saberá, ele saberá, ele me magoará.


A boca dela projetou-se.


— Não é o que eu esperava.


— É aquilo que temos.


— O que foi que o seu bastardo lhe fez?


— Tirou-lhe um pouco de pele, imagino. Alguns bocados pequenos. Nada muito essencial.


— Está louco?


— Talvez esteja. Isso importa?


Fedor não conseguiu ouvir mais.


— Por favor, Senhor, Senhora, houve algum engano. — Caiu de joelhos, tremendo como uma folha numa tempestade de inverno, com lágrimas escorrendo-lhe pela cara devastada. — Eu não sou ele, não sou o vira-casaca, ele morreu em Winterfell. O meu nome é Fedor. — Tinha de se lembrar do seu nome. — Rima com ardor.



Загрузка...