Tyrion

–T yrion – disse Sor Kevan Lannister num tom fatigado –, se é realmente inocente da morte de Joffrey, não devia ter nenhuma dificuldade em prová-lo em tribunal.

Tyrion deu as costas à janela.

– A quem cabe me julgar?

– A justiça pertence ao trono. O rei está morto, mas o seu pai continua a ser a Mão. Uma vez que o acusado é seu próprio filho e que a vítima foi o neto, ele pediu que Lorde Tyrell e o Príncipe Oberyn o acompanhassem no julgamento.

Tyrion se sentiu pouco encorajado. Mace Tyrell tinha sido sogro de Joff, embora brevemente, e o Víbora Vermelha era... bem, uma cobra.

– Serei autorizado a exigir julgamento por batalha?

– Não o aconselharia.

– Por que não? – o julgamento por batalha salvara-o no Vale, por que não o salvaria ali? – responda-me, tio. Será permitido que eu tenha um julgamento por batalha, e um campeão para provar a minha inocência?

– Certamente, se for esse o seu desejo. No entanto, é melhor que saiba que a sua irmã pretende nomear Sor Gregor Clegane como o campeão dela, no caso de um julgamento desses.

A vadia corta minhas jogadas antes de eu fazê-las. Pena que não tenha escolhido um Kettleblack. Bronn trataria facilmente de qualquer um dos três irmãos, mas a Montanha que Cavalga era outra história.

– Vou ter de dormir sobre o assunto. – Tenho de falar com Bronn, e depressa. Não queria pensar no que era provável que aquilo lhe custasse. Bronn dava valor em excesso à própria pele. – Cersei tem testemunhas contra mim?

– Mais a cada dia que passa.

– Então tenho de ter testemunhas minhas.

– Diga-me quem quer, e Sor Addam enviará a Patrulha para trazê-las ao julgamento.

– Preferia ser eu próprio a procurá-las.

– É acusado de regicídio e assassinato de um familiar. Será que realmente imagina que lhe será permitido ir e vir a seu bel-prazer? – Sor Kevan fez um gesto na direção da mesa. – Tem pena, tinta e pergaminho. Escreva o nome das testemunhas de que necessita, e eu farei tudo o que estiver ao meu alcance para apresentá-las, dou-lhe a minha palavra de Lannister. Mas não sairá desta torre, exceto para ser julgado.

Tyrion não se rebaixaria a suplicar.

– Vai autorizar o meu escudeiro a ir e vir? O garoto, Podrick Payne?

– Decerto, se for esse o seu desejo. Vou mandá-lo para cá.

– Faça isso. Mais cedo será melhor do que mais tarde, e agora será melhor do que mais cedo. – Bamboleou-se até a mesa. Mas quando ouviu a porta se abrindo, virou-se e disse: – Tio?

Sor Kevan fez uma pausa.

– Sim?

– Eu não fiz isso.

– Gostaria de poder acreditar, Tyrion.

Quando a porta se fechou, Tyrion Lannister içou-se para a cadeira, afiou uma pena e pegou um pergaminho em branco. Quem falará por mim? Molhou a pena no tinteiro.

A folha continuava virgem quando Podrick Payne apareceu, algum tempo mais tarde.

– Senhor – disse o rapaz.

Tyrion pousou a pena.

– Vá atrás de Bronn e traga-o aqui de imediato. Diga-lhe que vai haver ouro, mais ouro do que alguma vez sonhou, e trate de não voltar sem ele.

– Sim, senhor. Quero dizer, não. Não vou. Voltar. – E foi.

Não tinha ainda voltado ao pôr do sol, nem ao nascer da lua. Tyrion adormeceu no banco de janela e acordou tenso e dolorido à alvorada. Um criado trouxe mingau de aveia e maçãs para o desjejum, com um corno de cerveja. Comeu à mesa, com o pergaminho em branco na sua frente. Uma hora mais tarde, o criado voltou para levar a tigela.

– Viu o meu escudeiro? – perguntou-lhe Tyrion. O homem balançou a cabeça.

Suspirando, virou-se para a mesa e pôs de novo tinta na pena. Sansa, escreveu no pergaminho. Ficou fitando o nome, com os dentes cerrados com tanta força que doíam.

Assumindo que Joff não tivesse simplesmente morrido sufocado com uma colherada de comida, coisa que até Tyrion achava difícil de engolir, Sansa devia tê-lo envenenado. Joff praticamente pôs a taça no colo dela, e deu-lhe amplos motivos. Quaisquer dúvidas que Tyrion pudesse ter nutrido desapareceram quando a esposa também desapareceu. Uma carne, um coração, uma alma. Sua boca torceu-se. Sansa não perdeu tempo para mostrar o que esses votos significavam para ela, não? Bem, o que você esperava, anão?

E no entanto... onde teria a garota arranjado veneno? Não podia acreditar que tivesse agido sozinha. Será que quero mesmo encontrá-la? Iriam os juízes acreditar que a esposa-criança de Tyrion tinha envenenado um rei sem o conhecimento do marido? Eu não acreditaria. Cersei insistiria que eles tinham cometido o ato em conjunto.

Mesmo assim, deu o pergaminho ao tio no dia seguinte. Sor Kevan franziu a testa ao vê-lo.

– A Senhora Sansa é sua única testemunha?

– Pensarei em outras a seu tempo.

– É melhor que pense nelas já. Os juízes pretendem dar início ao julgamento dentro de três dias.

– Isso é cedo demais. Vocês me têm aqui fechado e guardado, como vou encontrar testemunhas da minha inocência?

– Sua irmã não teve nenhuma dificuldade em encontrar testemunhas da sua culpa. – Sor Kevan enrolou o pergaminho. – Sor Addam tem homens à procura da sua esposa. Varys ofereceu cem veados por notícias sobre o paradeiro dela, e cem dragões pela própria garota. Se ela puder ser encontrada, será, eu vou trazê-la até você. Não vejo mal algum em marido e mulher partilharem a mesma cela e confortarem-se um ao outro.

– É muita bondade sua. Viu o meu escudeiro?

– Enviei-o aqui ontem. Ele não veio?

– Veio – admitiu Tyrion – e depois foi-se.

– Mandarei que venha até você novamente.

Mas demorou até a manhã seguinte para que Podrick Payne voltasse. Entrou hesitantemente no quarto, com o medo escrito no rosto. Bronn vinha atrás. O cavaleiro mercenário vestia um gibão tachonado de prata e um pesado manto de montar, com um par de luvas de couro bem trabalhadas enfiadas no cinto da espada.

Uma olhada no rosto de Bronn deu a Tyrion uma sensação de náusea no fundo do estômago.

– Levou bastante tempo.

– O rapaz suplicou, senão nem tinha vindo. Esperam-me no Castelo Stokeworth para o jantar.

– Stokeworth? – Tyrion saltou da cama. – E, diga-me, o que há para você em Stokeworth?

– Uma noiva. – Bronn sorriu como um lobo contemplando um cordeiro desgarrado. – Deverei casar com Lollys depois de amanhã.

– Lollys. – Perfeito, perfeito como um raio. A filha idiota da Senhora Tanda arranja um cavaleiro como marido, e uma espécie de pai para o bastardo que traz na barriga, e Sor Bronn da Água Negra sobe mais um degrau. Aquilo tinha os dedos fedorentos de Cersei por todo lado. – A cadela da minha irmã vendeu-lhe um cavalo estropiado. A garota é obtusa.

– Se eu quisesse esperteza, tinha-me casado com você.

– Lollys está esperando o filho de outro homem.

– E quando o botar pra fora, deixo-a esperando um meu.

– Ela nem sequer é herdeira de Stokeworth – ressaltou Tyrion. – Tem uma irmã mais velha. Falyse. Uma irmã casada.

– Casada há dez anos, e ainda estéril – disse Bronn. – O senhor seu esposo evita a sua cama. Dizem que prefere virgens.

– Podia preferir cabras, que não faria diferença. As terras passarão para a esposa do mesmo jeito quando a Senhora Tanda morrer.

– A menos que Falyse morra antes da mãe.

Tyrion perguntou a si mesmo se Cersei faria alguma ideia do tipo de serpente que tinha dado à Senhora Tanda para amamentar. E se soubesse, será que se importaria?

– Então por que está aqui?

Bronn encolheu os ombros.

– Uma vez disse-me que se alguém me pedisse para vendê-lo, duplicaria o preço.

Sim.

– O que quer é duas esposas, ou dois castelos?

– Um de cada deve servir. Mas se quiser que mate Sandor Clegane por você, é melhor que seja um castelo absurdamente grande.

Os Sete Reinos estavam cheios de donzelas bem-nascidas, mas até a mais velha, mais pobre e mais feia solteirona do reino recusaria casar-se com escória malnascida como Bronn. A menos que seja fraca de corpo e fraca de espírito, com um filho sem pai na barriga, gerado por ter sido violada meia centena de vezes. A Senhora Tanda andara tão desesperada por achar um marido para Lollys que até perseguira Tyrion durante algum tempo, e isso tinha sido antes de metade de Porto Real desfrutar dela. Sem dúvida Cersei havia adoçado um pouco a oferta, e Bronn agora era um cavaleiro, o que fazia dele um partido adequado para uma filha mais nova de uma casa menor.

– Encontro-me com uma calamitosa escassez tanto de castelos como de donzelas de nascimento elevado, no momento – admitiu Tyrion. – Mas posso oferecer ouro e gratidão, tal como antes.

– Ouro, já tenho. O que é que posso comprar com gratidão?

– Talvez se surpreenda. Um Lannister paga as suas dívidas.

– A sua irmã também é uma Lannister.

– A senhora minha esposa é herdeira de Winterfell. Se eu sair disso com a cabeça ainda sobre os ombros, posso vir um dia a governar o Norte em nome dela. Arranjaria um grande pedaço para você.

– Se e quando e pode ser – disse Bronn. – E lá em cima faz um frio dos Outros. A Lollys é suave, quente e está perto. Posso estar metendo nela daqui a duas noites.

– Não é uma perspectiva que me deliciasse.

– Ah não? – Bronn deu um sorriso. – Admita, Duende. Se o fizessem escolher entre foder a Lollys e lutar com a Montanha, você abaixaria os calções e poria o pau pra fora antes de eu conseguir piscar.

Ele conhece-me bem demais. Tyrion tentou outra estratégia.

– Ouvi dizer que Sor Gregor foi ferido no Ramo Vermelho, e de novo em Valdocaso. Os ferimentos certamente irão torná-lo mais lento.

Bronn pareceu aborrecido.

– Ele nunca foi rápido. Só brutalmente grande e brutalmente forte. Admito que é mais rápido do que seria de esperar para um homem daquele tamanho. Tem um alcance monstruosamente longo e parece que não sente os golpes como um homem normal sentiria.

– Ele assusta-o tanto assim? – perguntou Tyrion, esperando provocá-lo.

– Se não me assustasse, eu seria um perfeito idiota. – Bronn encolheu os ombros. – Pode ser que conseguisse derrotá-lo. Dançar em volta dele até ele ficar tão cansado de tentar me atingir que já não conseguisse erguer a espada. Arranjar alguma maneira de desequilibrá-lo. Quando estão caídos de costas, não importa a altura que têm. Mesmo assim, é um risco. Um tropeção, e estou morto. Por que haveria de arriscar? Gosto bastante de você, por mais feio e pequeno filho da puta que seja... mas se travar a sua batalha, perco seja qual for o resultado. Ou a Montanha arranca minhas tripas, ou o mato e perco Stokeworth. Eu vendo a minha espada, não a dou. Não sou seu irmão.

– Não – disse tristemente Tyrion. – Não é. – Fez um gesto com uma mão. – Então vá embora. Corra para Stokeworth e para a Senhora Lollys. Que encontre mais alegrias na sua cama de homem casado do que eu encontrei na minha.

Bronn hesitou à porta.

– O que vai fazer, Duende?

– Matar Gregor pessoalmente. Não se faria uma alegre canção com isso?

– Espero ouvir cantá-la. – Bronn sorriu uma última vez e saiu do castelo e da sua vida.

Pod arrastou os pés.

– Lamento.

– Por quê? É culpa sua que Bronn seja um patife insolente de coração negro? Ele sempre foi um patife insolente de coração negro. Era isso que me agradava nele. – Tyrion serviu-se de uma taça de vinho e levou-a para o banco de janela. Lá fora o dia estava cinzento e chuvoso, mesmo assim ainda oferecia melhores perspectivas do que as suas. Supunha que podia enviar Podrick Payne em busca de Shagga, mas havia tantos esconderijos nas profundezas da mata do rei que era frequente os fora da lei levarem décadas até serem capturados. E às vezes Pod tinha dificuldade em encontrar as cozinhas quando o mandava lá embaixo buscar queijo. Timett, filho de Timett estava provavelmente de volta às Montanhas da Lua a essa altura. E apesar do que tinha dito a Bronn, enfrentar Sor Gregor Clegane em pessoa seria uma farsa ainda maior do que os anões lutadores de Joffrey. Não pretendia morrer com rajadas de gargalhadas ressoando aos seus ouvidos. E lá se foi o julgamento por combate.

Sor Kevan fez-lhe outra visita mais tarde nesse dia, e mais uma no dia seguinte. O tio informou-o polidamente de que Sansa não havia sido encontrada. E nem o bobo Sor Dontos, que tinha desaparecido na mesma noite. Desejaria Tyrion convocar mais testemunhas? Não desejava. Como vou provar que não envenenei o vinho, quando mil pessoas me viram encher a taça de Joff?

Não pregou o olho naquela noite.

Em vez de dormir ficou deitado no escuro, fitando o dossel e contando os seus fantasmas. Viu Tysha sorrindo enquanto o beijava, viu Sansa nua e tremendo de medo. Viu Joffrey arranhando a garganta, com o sangue escorrendo pelo pescoço enquanto o rosto enegrecia. Viu os olhos de Cersei, o sorriso lupino de Bronn, o sorriso malvado de Shae. Nem mesmo pensar em Shae conseguiu animá-lo. Acariciou-se, pensando que se acordasse o pau e o satisfizesse, talvez depois conseguisse descansar mais facilmente, mas de nada serviu.

E então chegou a alvorada, e a hora de seu julgamento começar.

Não foi Sor Kevan que veio buscá-lo naquela manhã, mas Sor Addam Marbrand com uma dúzia de homens de manto dourado. Tyrion tinha quebrado o jejum com ovos cozidos, bacon queimado e pão frito, e vestiu a sua melhor roupa.

– Sor Addam – disse. – Achei que meu pai enviaria a Guarda Real para me escoltar até o julgamento. Ainda sou um membro da família real, não sou?

– É, senhor, mas temo que a maior parte da Guarda Real seja testemunha contra o senhor. Lorde Tywin considerou que não seria próprio servirem como seus guardas.

– Os deuses não permitam que façamos algo de impróprio. Por favor, vá à frente.

O julgamento teria lugar na sala do trono, onde Joffrey tinha morrido. Quando Sor Addam o escoltou através das altas portas de bronze e pelo longo tapete, sentiu os olhos postos nele. Centenas de pessoas tinham se aglomerado dentro da sala para vê-lo julgado. Pelo menos esperava que tivesse sido por isso que tinham vindo. Pelo que sei, são todos testemunhas contra mim. Viu a Rainha Margaery na galeria, pálida e bela no seu luto. Duas vezes casada, duas vezes viúva, e só dezesseis anos. A mãe estava em pé, alta, de um dos lados, e a avó, baixa, do outro, com as damas de companhia e os cavaleiros do pai amontoados no resto da galeria.

O estrado ainda se encontrava por baixo do Trono de Ferro vazio, embora todas as mesas menos uma tivessem sido removidas. Atrás dela sentava-se o robusto Lorde Mace Tyrell com uma capa dourada sobre trajes verdes e o esguio Príncipe Oberyn Martell, trazendo leves vestes com riscas laranja, amarelas e escarlate. Lorde Tywin Lannister sentava-se entre os dois. Talvez ainda haja esperança para mim. O dornês e o jardineiro desprezavam-se mutuamente. Se conseguir arranjar maneira de usar isso...

O Alto Septão começou com uma prece, pedindo ao Pai no Céu que os guiasse à justiça. Quando terminou, o pai na terra inclinou-se para a frente para dizer:

– Tyrion, matou o Rei Joffrey?

Não quer perder um segundo.

– Não.

– Bem, isso é um alívio – disse secamente Oberyn Martell.

– Então foi Sansa Stark que fez isso? – quis saber Lorde Tyrell.

Eu teria feito, se fosse ela. Mas estivesse Sansa onde estivesse e fosse qual fosse o papel que tinha desempenhado naquilo, continuava a ser sua esposa. Envolvera seus ombros no manto de sua proteção, muito embora tivesse sido obrigado a empoleirar-se nas costas de um bobo para fazer isso.

– Os deuses mataram Joffrey. Ele sufocou com a sua torta de pombo.

Lorde Tyrell enrubesceu.

– Quer culpar os padeiros?

– A eles ou aos pombos. Só quero que me deixe fora disso. – Tyrion ouviu risos nervosos e compreendeu que tinha cometido um erro. Tento na língua, meu tolinho, antes que cave sua sepultura.

– Há testemunhas contra você – disse Lorde Tywin. – Vamos ouvi-las primeiro. Então, poderá apresentar as suas testemunhas. Só pode falar com a nossa licença.

Nada havia que Tyrion pudesse fazer além de assentir com a cabeça.

Sor Addam tinha falado a verdade; o primeiro homem a ser introduzido na sala foi Sor Balon Swann, da Guarda Real.

– Senhor Mão – começou, depois do Alto Septão ter aceitado o seu juramento de dizer apenas a verdade –, tive a honra de lutar ao lado de seu filho na ponte de navios. Ele é um homem corajoso, apesar do tamanho, e não quero acreditar que tenha cometido este ato.

Um murmúrio percorreu a sala, e Tyrion perguntou a si mesmo que jogo louco estaria Cersei jogando. Por que convocar uma testemunha que me julga inocente? Em breve ficou sabendo. Sor Balon falou relutantemente de como tinha separado Tyrion de Joffrey no dia do tumulto.

– Ele bateu em Sua Graça, é verdade. Foi um ataque de fúria, nada mais. Uma tempestade de verão. A multidão quase nos matou a todos.

– Nos dias dos Targaryen, um homem que batesse em alguém de sangue real perderia a mão que usasse no ato – observou a Víbora Vermelha de Dorne. – Cresceu uma mãozinha nova ao anão, ou vocês, Espadas Brancas, esqueceram o seu dever?

– Ele mesmo é de sangue real – respondeu Sor Balon. – E além disso, era Mão do Rei.

– Não – disse Lorde Twyn. – Ele era Mão do Rei interino, no meu lugar.

Sor Meryn Trant expandiu alegremente o relato de Sor Balon, quando ocupou o seu lugar como testemunha.

– Ele atirou o rei no chão e começou a chutá-lo. Gritou que era injusto que Sua Graça tivesse escapado incólume à multidão.

Tyrion começou a compreender o plano da irmã. Ela começou com um homem sabidamente honesto, e ordenhou dele tudo o que podia dar. Cada testemunha que seguir contará uma história pior, até que eu pareça tão mau quanto Maegor, o Cruel, e Aerys, o Louco, combinados, com uma pitada de Aegon, o Indigno, para dar sabor.

Sor Meryn prosseguiu, relatando o modo como Tyrion tinha interrompido o castigo de Joffrey a Sansa Stark.

– O anão perguntou a Sua Graça se ele sabia o que acontecera a Aerys Targaryen. Quando Sor Boros interveio em defesa do rei, o Duende ameaçou mandar matá-lo.

O próprio Blount veio em seguida, para fazer eco a essa lamentável história. Apesar de qualquer antipatia que Sor Boros pudesse nutrir por Cersei por tê-lo demitido da Guarda Real, mesmo assim disse as palavras que ela desejava.

Tyrion não conseguiu dominar mais a língua.

– Por que não diz aos juízes o que Joffrey estava fazendo?

O grande homem queixudo atravessou-o com os olhos.

– Você disse aos seus selvagens para me matar se eu abrisse a boca, é isso o que vou lhes dizer.

– Tyrion – disse Lorde Tywin. – Pode falar apenas quando solicitarmos. Que isso sirva de aviso.

Tyrion calou-se, fervendo.

Os Kettleblack vieram a seguir, todos os três, um de cada vez. Osney e Osfryd contaram a história de seu jantar com Cersei antes da Batalha da Água Negra e relataram as ameaças que tinha feito.

– Ele disse a Sua Graça que lhe queria fazer mal – disse Sor Osfryd. – Machucá-la.

O irmão Osney detalhou.

– Ele disse que esperaria por um dia em que ela estivesse feliz, e faria com que a alegria se transformasse em cinzas em sua boca. – Nenhum dos dois mencionou Alayaya.

Sor Osmund Kettleblack, um retrato da cavalaria com uma imaculada armadura de escamas e manto branco de lã, jurou que o Rei Joffrey havia muito sabia que o tio Tyrion pretendia assassiná-lo.

– Foi no dia em que me deram o manto branco, senhores – disse aos juízes. – O bravo rapaz disse-me: “Meu bom Sor Osmund, proteja-me bem, pois o meu tio não gosta de mim. Ele quer ser rei no meu lugar”.

Aquilo era mais do que Tyrion conseguia aguentar.

Mentiroso! – deu dois passos adiante antes que homens de manto dourado o arrastassem para trás.

Lorde Tywin franziu a testa.

– Terei de mandar acorrentar suas mãos e pés como faria a um salteador comum?

Tyrion rangeu os dentes. Um segundo erro, estúpido, estúpido, anão estúpido. Mantenha-se calmo, senão está perdido.

– Não. Peço-lhes perdão, senhores. As mentiras dele enfureceram-me.

– As verdades dele, você quer dizer – disse Cersei. – Pai, peço que o ponha a ferros, para a sua proteção. Você vê como ele é.

– Eu vejo que é um anão – disse o Príncipe Oberyn. – O dia em que temer a fúria de um anão será o dia em que me afogarei numa barrica de tinto.

– Não precisamos de algemas. – Lorde Tywin olhou de relance as janelas e levantou-se. – A hora já está bem adiantada. Continuaremos de manhã.

Naquela noite, sozinho em sua cela de torre com um pergaminho em branco e uma taça de vinho, Tyrion deu por si a pensar na esposa. Não em Sansa, na sua primeira esposa, Tysha. A esposa puta, não a esposa loba. O amor dela por Tyrion tinha sido fingimento, e no entanto ele acreditara e encontrara alegria nessa crença. Dê-me doces mentiras, e fique com as suas amargas verdades. Bebeu o vinho e pensou em Shae. Mais tarde, quando Sor Kevan lhe fez a visita da noite, Tyrion perguntou por Varys.

– Acredita que o eunuco irá falar em sua defesa?

– Não saberei até ter falado com ele. Mande-o aqui, tio, por gentileza.

– Como quiser.

Os meistres Ballabar e Frenken iniciaram o segundo dia do julgamento. Tinham aberto o nobre cadáver do Rei Joffrey, juraram, e não encontraram nenhum pedaço de torta de pombo nem qualquer outro alimento alojado na real garganta.

– Foi veneno o que o matou, senhores – disse Ballabar, enquanto Frenken assentia com gravidade.

Então apresentaram o Grande Meistre Pycelle, apoiando-se pesadamente numa bengala retorcida e tremendo ao caminhar, com um punhado de pelos brancos saindo de seu longo pescoço de galináceo. Estava frágil demais para permanecer em pé, e os juízes permitiram que fosse trazida uma cadeira para ele se sentar, e também uma mesa. Na mesa foram colocados alguns pequenos frascos. Pycelle etiquetou alegremente cada um deles com um nome.

– Grisalheira – disse, em voz trêmula – obtida do cogumelo. Beladona, sonodoce, dança do demo. Isto é olhocego. Esta chama-se sangue de viúva, devido à cor. Uma poção cruel. Faz com que a bexiga e os intestinos deixem de funcionar, até que a vítima se afogue em seus próprios venenos. Isto é acônito, isto, veneno de basilisco, e isto são lágrimas de Lys. Sim. Conheço-as todas. O Duende Tyrion Lannister roubou-as de meus aposentos, quando mandou me aprisionar sob falsas acusações.

Pycelle – gritou Tyrion, arriscando-se à ira do pai –, algum desses venenos pode sufocar um homem?

– Não. Para isso é preciso se virar para um veneno mais raro. Quando era rapaz, na Cidadela, meus professores chamavam-no simplesmente de o estrangulador.

– Mas esse veneno raro não foi encontrado, não?

– Não, senhor. – Pycelle piscou os olhos em sua direção. – Usou-o todo para matar a criança mais nobre que os deuses puseram nesta boa terra.

A ira de Tyrion sobrepôs-se ao seu bom-senso.

– Joffrey era cruel e estúpido, mas não o matei. Podem cortar minha cabeça se quiserem, mas não participei na morte de meu sobrinho.

Silêncio! – disse Lorde Tywin. – Já o avisei três vezes. Da próxima, será amordaçado e acorrentado.

Depois de Pycelle veio a procissão, sem fim e cansativa. Senhores, senhoras e nobres cavaleiros, tanto bem-nascidos como humildes, todos tinham estado presentes no banquete nupcial, todos tinham visto Joffrey sufocar, o seu rosto se tornando tão negro quanto uma ameixa de Dorne. Lorde Redwyne, Lorde Celtigar e Sor Flement Brax tinham ouvido Tyrion ameaçar o rei; dois criados, um malabarista, Lorde Gyles, Sor Hobber Redwyne e Sor Philip Foote tinham-no visto encher o cálice nupcial; a Senhora Merryweather jurou que tinha visto o anão deixar cair qualquer coisa no vinho do rei enquanto Joff e Margaery cortavam a torta; o velho Estermont, o jovem Peckledon, o cantor Galyeon de Cuy, e os escudeiros Morros e Jothos Slynt relataram como Tyrion tinha pegado o cálice enquanto Joff estava morrendo e despejado o resto de vinho envenenado no chão.

Quando foi que eu fiz tantos inimigos? A Senhora Merryweather era praticamente uma estranha. Tyrion perguntou a si mesmo se seria cega ou se teria sido comprada. Pelo menos Galyeon de Cuy não pôs o seu relato em música, senão talvez tivesse setenta e sete versos.

Quando o tio o visitou naquela noite após o jantar, sua atitude era fria e distante. Ele também pensa que fui eu.

– Tem testemunhas para nós? – perguntou-lhe Sor Kevan.

– Não propriamente, não. A menos que tenha encontrado a minha esposa.

O tio sacudiu a cabeça.

– Aparentemente o julgamento está correndo muito mal para você.

– Ah, acha que sim? Não tinha reparado. – Tyrion passou os dedos pela cicatriz. – Varys não veio.

– Nem virá. De manhã testemunha contra você.

Encantador.

– Estou vendo. – Mexeu-se na cadeira. – Estou curioso. Sempre foi um homem justo, tio. O que o convenceu?

– Para que roubar os venenos de Pycelle, se não para usá-los? – disse Sor Kevan sem rodeios. – E a Senhora Merryweather viu...

– ... nada! Nada havia para ver. Mas como é que eu o provo? Como provo seja o que for, trancado aqui em cima?

– Talvez seja hora de confessar.

Mesmo através das espessas paredes de pedra da Fortaleza Vermelha, Tyrion ouvia o cair contínuo da chuva.

– Perdão, tio? Eu seria capaz de jurar que me instou a confessar.

– Se admitisse a sua culpa perante o trono e se arrependesse de seu crime, o seu pai deteria a espada. Seria permitido que você vestisse o negro.

Tyrion riu na cara dele.

– Esses foram os mesmos termos que Cersei ofereceu a Eddard Stark. Todos sabemos como isso acabou.

– Seu pai não participou desse assunto.

Aquilo, ao menos, era verdade.

– Castelo Negro está cheio de assassinos, ladrões e estupradores – disse Tyrion –, mas não me lembro de conhecer regicidas quando estive lá. Espera que acredite que se admitir ser um regicida e assassino de um familiar, meu pai irá simplesmente sacudir a cabeça, perdoar-me e enviar-me para a Muralha com ceroulas quentes de lã? – soltou uma rude exclamação de menosprezo.

– Nada foi dito sobre perdões – disse severamente Sor Kevan. – Uma confissão poria um fim nesse assunto. É por esse motivo que o seu pai me envia com essa proposta.

– Agradeça-lhe gentilmente por mim, tio – disse Tyrion –, mas diga-lhe que atualmente não me encontro com disposição de confessar.

– Se eu fosse você, mudaria a disposição. Sua irmã quer a sua cabeça, e pelo menos Lorde Tyrell está inclinado a dá-la a ela.

– Então um dos meus juízes já me condenou, sem ouvir uma palavra em minha defesa? – não era mais do que aquilo que esperava. – Ainda serei autorizado a falar e apresentar testemunhas?

– Você não tem testemunhas – recordou-lhe o tio. – Tyrion, se for culpado dessa enormidade, a Muralha é um destino mais benevolente do que merece. E se não tiver culpa... há luta no Norte, eu sei, mesmo assim será um lugar mais seguro para você do que Porto Real, seja qual for o resultado deste julgamento. O povo está convencido de sua culpa. Se fosse insensato ao ponto de se aventurar nas ruas, despedaçariam você membro por membro.

– Vejo o quanto essa perspectiva o perturba.

– É filho de meu irmão.

– Podia lembrá-lo disso.

– Acha que ele permitiria que você vestisse o negro se não fosse do seu sangue e de Joanna? Tywin parece-lhe um homem duro, bem sei, mas não é mais duro do que tem de ser. Nosso pai era gentil e amigável, mas tão fraco que os vassalos caçoavam dele quando estavam de porre. Alguns acharam por bem desafiá-lo abertamente. Outros senhores pediam-nos ouro emprestado e nunca se incomodavam em pagá-lo. Na corte, faziam piadas a respeito de leões sem dentes. Até a amante o roubou. Uma mulher que mal estava um passo acima de rameira, e meteu no bolso as joias de minha mãe! Coube a Tywin devolver a Casa Lannister ao lugar que lhe é próprio. Tal como coube a ele governar este reino, quando não tinha mais de vinte anos. Suportou esse pesado fardo durante vinte anos e tudo que lucrou com isso foi a inveja de um rei louco. Em vez das honrarias que merecia, foi obrigado a suportar um sem-fim de afrontas, e no entanto deu aos Sete Reinos paz, abundância e justiça. É um homem justo. Faria bem em confiar nele.

Tyrion pestanejou, espantado. Sor Kevan sempre havia sido sólido, imperturbável, pragmático; nunca antes o ouvira falar com tal fervor.

– Você o ama.

– É meu irmão.

– Eu... eu pensarei no que disse.

– Então pense cuidadosamente. E rapidamente.

Naquela noite, pensou em poucas outras coisas, mas ao chegar a manhã não estava mais perto de decidir se podia confiar no pai. Um criado trouxe-lhe mingau de aveia e mel para quebrar o jejum, mas o único sabor que sentiu foi o da bílis ao pensar na confissão. Vão me chamar de assassino de familiares até o fim dos meus dias. Durante mil anos ou mais, se eu for lembrado, será como o monstruoso anão que envenenou o jovem sobrinho em seu banquete de casamento. Aquela ideia deixou-o tão furioso que atirou a tigela e a colher na parede oposta, deixando nela uma mancha de mingau. Sor Addam Marbrand olhou-a com curiosidade quando veio escoltar Tyrion até o julgamento, mas teve a boa educação de não fazer perguntas.

– Lorde Varys – disse o arauto –, mestre dos segredos.

Empoada, enfeitada e cheirando a água de rosas, a Aranha levou todo o tempo que falou esfregando as mãos uma na outra. Lavando a minha vida, pensou Tyrion, enquanto escutava o fúnebre relato do eunuco sobre como o Duende maquinara afastar Joffrey da proteção de Cão de Caça e conversara com Bronn a respeito dos benefícios de ter Tommen como rei. Meias-verdades são mais valiosas do que completas mentiras. E, ao contrário dos outros, Varys tinha documentos; pergaminhos meticulosamente cheios de notas, detalhes, datas, conversas inteiras. Tanto material que a sua récita durou o dia inteiro, e muito dele era condenatório. Varys confirmou a visita noturna aos aposentos do Grande Meistre Pycelle e o roubo de seus venenos e poções, confirmou a ameaça que tinha feito a Cersei na noite em que jantaram juntos, confirmou tudo e mais alguma coisa, menos o envenenamento propriamente dito. Quando o Príncipe Oberyn lhe perguntou como era possível que soubesse tudo aquilo sem ter estado presente em nenhum daqueles acontecimentos, o eunuco limitou-se a soltar uma risadinha e disse:

– Os meus passarinhos contaram-me. Saber é a função deles, e a minha.

Como é que eu questiono um passarinho? pensou Tyrion. Devia ter mandado cortar a cabeça do eunuco no primeiro dia que passei em Porto Real. Maldito seja. E maldito seja eu por toda a confiança que depositei nele.

– Já ouvimos tudo? – perguntou Lorde Tywin à filha enquanto Varys saía da sala.

– Quase – disse Cersei. – Peço licença para trazer até vocês uma última testemunha, amanhã.

– Como quiser – disse Lorde Tywin.

Oh, ótimo, pensou Tyrion, furioso. Depois desta farsa de julgamento, a execução será quase um alívio.

Naquela noite, enquanto bebia junto à janela, ouviu vozes do lado de fora da porta. Sor Kevan veio atrás de minha resposta, pensou de imediato, mas não foi o tio quem entrou.

Tyrion ergueu-se para fazer uma reverência trocista ao Príncipe Oberyn.

– É permitido aos juízes visitar os acusados?

– É permitido aos príncipes ir aonde bem entenderem. Ou pelo menos foi isso que eu disse aos seus guardas. – O Víbora Vermelha sentou-se.

– Meu pai ficará descontente com o senhor.

– A felicidade de Lorde Tywin nunca esteve numa posição elevada em minha lista de interesses. É vinho de Dorne que está bebendo?

– Da Árvore.

Oberyn fez uma careta.

– Água vermelha. Envenenou o garoto?

– Não. E você?

O príncipe sorriu.

– Terão todos os anões línguas como a sua? Alguém acabará por cortá-la um dias desses.

– Não é o primeiro a me dizer isso. Talvez devesse cortá-la eu, parece arranjar um sem-fim de problemas.

– Tenho reparado. Acho que posso beber um pouco do suco de uva do Lorde Redwyne afinal.

– Como quiser. – Tyrion serviu-lhe uma taça.

O homem sorveu um gole, bochechou e engoliu.

– Servirá por enquanto. Mandarei um pouco do vinho forte de Dorne para você de manhã. – Bebeu mais um trago. – Descobri aquela puta de cabelos dourados que esperava encontrar.

– Então encontrou a casa de Chataya?

– Na Chataya deitei-me com a garota de pele preta. Creio que se chama Alayaya. Requintada, apesar das riscas que tem nas costas. Mas a puta a quem me referia é a sua irmã.

– Já o seduziu? – perguntou Tyrion, sem surpresa.

Oberyn riu alto.

– Não, mas seduzirá se eu pagar o seu preço. A rainha até insinuou um casamento. Sua Graça precisa de outro marido, e quem melhor do que um príncipe de Dorne? Ellaria acha que eu devia aceitar. Basta a ideia de ter Cersei em nossa cama para deixar aquela gata lúbrica molhada. E nem vamos ter de pagar a moeda do anão. Tudo o que a sua irmã quer de mim é uma cabeça, um tanto grande demais e com um nariz a menos.

– E? – disse Tyrion, esperando.

Em jeito de resposta, o Príncipe Oberyn rodopiou o vinho, e disse:

– Quando o Jovem Dragão conquistou Dorne, há tanto tempo, deixou o Senhor de Jardim de Cima governando-nos após a Submissão de Lançassolar. Esse Tyrell foi se mudando de fortaleza em fortaleza, com a sua comitiva, perseguindo rebeldes e assegurando-se de que os nossos joelhos permaneciam dobrados. Chegava com força, tomava um castelo como seu, ficava lá uma volta de lua, e partia para o castelo seguinte. Era seu costume expulsar os senhores de seus aposentos e ficar com suas camas para si. Uma noite viu-se debaixo de um pesado dossel de veludo. Havia um cordão pendurado perto das almofadas, para o caso de desejar chamar uma moça. Tinha gosto por mulheres de Dorne, esse Lorde Tyrell, e quem pode censurá-lo? Portanto, puxou o cordão, e quando fez isso, o dossel rasgou-se e uma centena de escorpiões vermelhos caiu sobre a sua cabeça. Sua morte acendeu um incêndio que em pouco tempo varreria Dorne, anulando todas as vitórias do Jovem Dragão numa quinzena. Os homens ajoelhados puseram-se em pé, e nós voltamos a ser livres.

– Conheço essa história – disse Tyrion. – E daí?

– Só isso. Se alguma vez encontrar um cordão ao lado de minha cama e puxá-lo, prefiro que caiam escorpiões sobre a minha cabeça do que a rainha em toda a sua beleza nua.

Tyrion deu um sorriso.

– Então temos isso em comum.

– Decerto que tenho muito a agradecer à sua irmã. Se não fosse a acusação dela no banquete, podia perfeitamente ser você a me julgar em vez de ser eu a julgá-lo. – Os olhos do príncipe escureceram com divertimento. – Quem sabe mais sobre veneno do que a Víbora Vermelha de Dorne, afinal? Quem tem melhores motivos para querer manter os Tyrell longe da coroa? E com Joffrey em sua tumba, pela lei de Dorne o Trono de Ferro deveria passar para a irmã Myrcella, que por sinal está prometida ao meu sobrinho, graças a você.

– A lei de Dorne não se aplica. – Tyrion estivera tão enredado em seus próprios problemas que nem tinha parado para pensar na sucessão. – Meu pai coroará Tommen, conte com isso.

– Ele realmente pode coroar Tommen aqui em Porto Real. O que não é o mesmo que dizer que o meu irmão não pode coroar Myrcella, lá embaixo em Lançassolar. Irá o seu pai fazer a guerra contra a sua sobrinha em nome de seu sobrinho? E a sua irmã, fará isso? – encolheu os ombros. – Talvez devesse me casar com a Rainha Cersei, afinal de contas, com a condição de ela apoiar a filha contra o filho. Acha que ela o faria?

Nunca, Tyrion quis dizer, mas a palavra ficou atravessada na garganta. Cersei sempre se ressentira de ser excluída do poder devido ao sexo. Se a lei de Dorne fosse aplicada no ocidente, ela seria herdeira de Rochedo Casterly. Ela e Jaime eram gêmeos, mas Cersei tinha chegado primeiro ao mundo, e isso era o suficiente. Defendendo a causa de Myrcella, estaria defendendo a sua.

– Não sei como a minha irmã escolheria entre Myrcella e Tommen – admitiu. – Não importa. Meu pai nunca lhe dará essa escolha.

– Seu pai – disse o Príncipe Oberyn – pode não viver para sempre.

Algo no modo como Oberyn disse aquilo arrepiou os pelos na nuca de Tyrion. De repente retomou consciência de Elia, e de tudo que Oberyn tinha dito enquanto atravessavam o campo de cinzas. Ele quer a cabeça que deu as ordens, não só a mão que brandiu a espada.

– Não é sensato proferir tais traições na Fortaleza Vermelha, meu príncipe. Os passarinhos estão à escuta.

– Que escutem. Será traição dizer que um homem é mortal? Valar morghulis era como se dizia na Valíria de outrora. Todos os homens têm de morrer. E a Perdição veio provar que era verdade. – O dornês dirigiu-se à janela e fitou a noite. – Dizem que não tem testemunhas para nos apresentar.

– Estava com esperança de que uma olhada nesta minha linda cara fosse suficiente para persuadir a todos de minha inocência.

– Está enganado, senhor. A Flor Gorda de Jardim de Cima está bem convencida da sua culpa, e determinada a vê-lo morrer. Sua preciosa Margaery também estava bebendo daquele cálice, como ele nos fez lembrar meia centena de vezes.

– E você?

– Os homens raramente são o que aparentam. Você parece tão culpado que estou convencido de sua inocência. Apesar disso, é provável que seja condenado. A justiça é um bem escasso deste lado das montanhas. Não houve nenhuma para Elia, Aegon ou Rhaenys. Por que haveria alguma para você? Talvez o verdadeiro assassino de Joffrey tenha sido comido por um urso. Isso parece acontecer com bastante frequência em Porto Real. Ah, espere, o urso estava em Harrenhal, agora me lembro.

– É esse o jogo que está jogando? – Tyrion esfregou o que lhe restava de nariz. Nada tinha a perder por dizer a Oberyn a verdade. – Havia um urso em Harrenhal, e matou Sor Amory Lorch.

– Que triste para ele – disse o Víbora Vermelha. – E para você. Pergunto a mim mesmo se todos os homens sem nariz mentem assim tão mal.

– Não estou mentindo. Sor Amory arrastou a Princesa Rhaenys de debaixo da cama do pai e apunhalou-a até a morte. Tinha consigo alguns homens de armas, mas não conheço seus nomes. – Inclinou-se para a frente. – Foi Sor Gregor Clegane quem esmagou a cabeça do Príncipe Aegon contra uma parede e estuprou a sua irmã Elia ainda com o sangue e os miolos dele nas mãos.

– O que é isso agora? A verdade vinda de um Lannister? – Oberyn deu um sorriso frio. – Seu pai deu as ordens, certo?

– Não. – Proferiu a mentira sem hesitação, e nem parou para perguntar a si mesmo por que deveria fazê-lo.

O dornês ergueu uma sobrancelha fina e negra.

– Um filho tão zeloso. E uma mentira tão fraca. Foi Lorde Tywin quem apresentou os filhos de minha irmã ao Rei Robert, enrolados nas capas carmesim dos Lannister.

– Talvez devesse ter esta discussão com o meu pai. Ele estava lá. Eu estava no Rochedo, e ainda era tão novo que pensava que a coisa que tenho entre as pernas só servia para mijar.

– Sim, mas agora está aqui, e em certas dificuldades, eu diria. Sua inocência pode ser tão evidente quanto a cicatriz que tem no rosto, mas não o salvará. Tal como o seu pai não o salvará. – O príncipe dornês sorriu. – Mas eu talvez o faça.

– Você? – Tyrion estudou-o. – É um juiz em três. Como poderá me salvar?

– Como seu juiz, não. Como seu campeão.

Загрузка...