Jaime

O rei estava sentado à cabeceira da mesa, com uma pilha de almofadas debaixo do traseiro, assinando cada documento que lhe era apresentado.

– Só mais alguns, Vossa Graça – garantiu-lhe Sor Kevan Lannister. – Este é um decreto de confisco contra Lorde Edmure Tully, despojando-o de Correrrio e de todas as suas terras e rendimentos, por rebelião contra o seu legítimo rei. Este é um decreto semelhante, contra o tio, Sor Brynden Tully, o Peixe Negro. – Tommen assinou-os um após o outro, mergulhando cuidadosamente a pena na tinta e escrevendo o seu nome numa letra grande e infantil.

Jaime observava do fundo da mesa, pensando em todos aqueles senhores que aspiravam a um lugar no pequeno conselho do rei. Podem ficar com a porcaria do meu. Se aquilo era o poder, por que teria sabor de tédio? Não se sentia particularmente poderoso vendo Tommen mergulhar de novo a pena no tinteiro. Sentia-se entediado.

E dolorido. Cada músculo de seu corpo doía, e as costelas e os ombros estavam cheios de hematomas, das pancadas que tinham levado, cortesia de Sor Addam Marbrand. Estremecia só de pensar nisso. Só podia ter esperança de que o homem mantivesse a boca fechada. Jaime conhecia Marbrand desde que este era rapaz, quando serviu como pajem em Rochedo Casterly; confiava mais nele do que em qualquer outro. O suficiente para lhe pedir para pegar em escudos e espadas de torneio. Queria saber se seria capaz de lutar com a mão esquerda.

E agora sei. O conhecimento era mais doloroso do que a surra que Sor Addam lhe dera, e a surra fora tão bem dada que quase não tinha conseguido se vestir naquela manhã. Se tivessem lutado a sério, Jaime teria morrido duas dúzias de mortes. Trocar de mão parecia tão simples. Não era. Todos os seus instintos estavam errados. Tinha de pensar sobre tudo, quando antes bastava se mover. E enquanto estava pensando, Marbrand batia nele. A mão esquerda nem sequer parecia capaz de segurar uma espada longa da maneira certa; Sor Addam desarmara-o três vezes, fazendo sua arma rodopiar pelo ar.

– Este concede as ditas terras, rendimentos e castelo a Sor Emmon Frey e à senhora sua esposa, a Senhora Genna. – Sor Kevan apresentou ao rei outro maço de pergaminhos. Tommen mergulhou a pena no tinteiro e assinou. – Isto é um decreto de legitimação para um filho ilegítimo de Lorde Roose Bolton, do Forte do Pavor. E este nomeia Lorde Bolton como o seu Protetor do Norte. – Tommen punha tinta na pena e assinava, punha tinta na pena e assinava. – Este atribui a Sor Rolph Spicer direitos sobre o castelo de Castamere e eleva-o à categoria de lorde. – Tommen rabiscou seu nome.

Devia ter procurado Sor Ilyn Payne, refletiu Jaime. O Magistrado do Rei não era um amigo como Marbrand, e teria sido bem capaz de espancá-lo até tirar sangue... mas sem língua, não era provável que se vangloriasse disso depois. Não seria preciso mais do que um comentário casual de Sor Addam enquanto bebia, e o mundo inteiro logo saberia como ele se tornara inútil. Senhor Comandante da Guarda Real. Isso era uma piada cruel... embora não tanto quanto o presente que o pai tinha lhe enviado.

– Este é o seu real perdão para Lorde Gawen Westerling, a senhora sua esposa e a filha Jeyne, aceitando-os de volta à paz do rei – disse Sor Kevan. – Isto é um perdão para Lorde Jonos Bracken de Barreira de Pedra. Este é para Lorde Vance. Este é para Lorde Goodbrook. Este para Lorde Mooton, de Lagoa da Donzela.

Jaime pôs-se em pé.

– Parece ter esses assuntos bem controlados, tio. Deixarei Sua Graça com o senhor.

– Como quiser. – Sor Kevan também se levantou. – Jaime, devia ir encontrar o seu pai. Essa discórdia entre vocês...

– ... é obra dele. E não irá remediá-la enviando-me presentes debochados. Diga-lhe isso, se conseguir descolá-lo dos Tyrell durante tempo suficiente.

O tio fez uma expressão angustiada.

– O presente foi sincero. Achamos que poderia encorajá-lo...

– ... a fazer crescer uma mão nova? – Jaime virou-se para Tommen. Embora tivesse os caracóis dourados e os olhos verdes de Joffrey, o novo rei pouco mais tinha em comum com o seu falecido irmão. Tinha tendência a engordar, seu rosto era rosado e redondo, e até gostava de ler. Ainda não tem nove anos, este meu filho. O garoto não é o homem. Passariam sete anos até que Tommen governasse de seu pleno direito. Até lá, o reino permaneceria firmemente nas mãos do senhor seu avô. – Senhor – perguntou –, tenho a sua autorização para sair?

– Como quiser, sor tio. – Tommen voltou a olhar para Sor Kevan. – Posso selá-los agora, tio-avô? – pressionar o selo real contra a cera quente era a parte de ser rei que preferia até agora.

Jaime saiu a passos largos da sala do conselho. Do lado de fora, à porta, foi encontrar Sor Meryn Trant, rígido e de guarda, em sua armadura de escamas brancas e manto alvo como a neve. Se este aí ficar sabendo como eu sou fraco, ou o Kettleblack ou o Blount ouvirem alguma coisa sobre isso...

– Fique aqui até Sua Graça acabar – disse – e depois escolte-o de volta a Maegor.

Trant inclinou a cabeça.

– Às ordens, senhor.

Naquela manhã, o pátio exterior estava cheio de gente e ruídos. Jaime dirigiu-se aos estábulos, onde um grande grupo de homens selava os cavalos.

– Pernas-de-Aço! – chamou. – Vai embora?

– Assim que a senhora estiver montada – disse o Pernas-de-Aço Walton. – O senhor de Bolton espera-nos. Aí está ela.

Um palafreneiro conduzia uma bela égua cinza através da porta do estábulo. No dorso do animal vinha montada uma garota magricela de olhos encovados, envolta num manto pesado. Era cinza, tal como o vestido que usava por baixo, e debruado de cetim branco. O broche que o prendia ao peito era trabalhado na forma de uma cabeça de lobo com olhos fendidos de opala. Os longos cabelos castanhos da garota eram violentamente soprados pelo vento. Achou que ela tinha um rosto bonito, mas os olhos eram tristes e cautelosos.

Quando o viu, inclinou a cabeça.

– Sor Jaime – disse, numa voz fina e ansiosa. – Foi gentil em vir se despedir de mim.

Jaime estudou-a de perto.

– Ah, então me conhece?

Ela mordeu o lábio.

– Talvez não se recorde, senhor, pois eu era pequena naquela altura... mas tive a honra de conhecê-lo em Winterfell quando o Rei Robert veio visitar meu pai, Lorde Eddard. – Baixou seus grandes olhos castanhos e murmurou: – Sou Arya Stark.

Jaime nunca tinha prestado muita atenção em Arya Stark, mas parecia-lhe que aquela garota era mais velha.

– Segundo ouvi dizer, você irá se casar.

– Deverei me casar com o filho de Lorde Bolton, Ramsay. Ele era um Snow, mas Sua Graça fez dele um Bolton. Dizem que é muito corajoso. Estou muito feliz.

Então por que é que parece tão assustada?

– Desejo-lhe felicidades, senhora. – Jaime virou-se de volta para Pernas-de-Aço. – Tem o dinheiro que lhe foi prometido?

– Sim, e distribuímo-lo. Tem os meus agradecimentos. – O nortenho sorriu. – Um Lannister sempre paga as suas dívidas.

– Sempre – disse Jaime, lançando um último relance à menina. Perguntou a si mesmo se haveria muitas semelhanças. Não que isso importasse. A verdadeira Arya Stark estava, com toda a probabilidade, enterrada em alguma sepultura anônima na Baixada das Pulgas. Com os irmãos mortos, bem como ambos os pais, quem se atreveria a chamar aquela garota de fraude? – Boa viagem – disse a Pernas-de-Aço. Nage ergueu a sua bandeira de paz, e os nortenhos formaram uma coluna tão cheia de buracos quanto seus mantos de peles e trotaram através do portão do castelo. A menina magra montada na égua cinza parecia pequena e desamparada no meio deles.

Alguns dos cavalos ainda recuavam perante a mancha escura no chão de terra batida, no local onde a terra tinha bebido o sangue vital do cavalariço que Gregor Clegane matara tão desajeitadamente. Aquela visão deixou Jaime furioso de novo. Tinha dito à Guarda Real para manter a multidão afastada, mas aquele palerma do Sor Boros se distraiu com o duelo. O idiota do rapaz partilhava parte da culpa, com certeza; e o dornês morto também. E acima de todos Clegane. O golpe que cortou o braço do rapaz tinha sido um infortúnio, mas aquele segundo golpe...

Bem, Gregor está pagando por ele agora. O Grande Meistre Pycelle andava tratando os ferimentos do homem, mas os uivos que ressoavam nos aposentos do meistre sugeriam que a cura não estava correndo tão bem como poderia.

– A carne gangrena e as feridas soltam pus – disse Pycelle ao conselho. – Nem mesmo as larvas querem tocar naquela imundície. Suas convulsões são tão violentas que tive de amordaçá-lo para evitar que cortasse a língua com os dentes. Removi o máximo de tecido que me atrevi a cortar e tratei a putrefação com vinho fervente e bolor de pão, mas sem resultado. As veias de seu braço estão se tornando negras. Quando o sangrei, todas as sanguessugas morreram. Senhores, tenho de saber qual foi a maligna substância que o Príncipe Oberyn usou na lança. Detenhamos os outros dorneses até se tornarem mais cooperativos.

Lorde Tywin havia recusado.

– Já haverá problemas suficientes com Lançassolar por causa da morte do Príncipe Oberyn. Não pretendo tornar as coisas piores prendendo seus companheiros.

– Então temo que Sor Gregor possa morrer.

– Sem dúvida que sim. Jurei que morreria na carta que enviei ao Príncipe Doran com o corpo do irmão. Mas tem de ser visto que foi a espada do Magistrado do Rei que o matou, e não uma lança envenenada. Cure-o.

O Grande Meistre Pycelle pestanejou, desalentado.

– Senhor...

Cure-o – voltou a dizer Lorde Tywin, enfadado. – Vocês estão cientes de que Lorde Varys mandou pescadores para as águas que rodeiam Pedra do Dragão. Eles relatam que só resta uma força simbólica para defender a ilha. Os lisenos desapareceram da baía, e a maior parte das forças de Lorde Stannis desapareceu junto.

– Boas e melhores novas – anunciou Pycelle. – Que Stannis apodreça em Lys, digo eu. Estamos livres do homem e de suas ambições.

– Transformou-se num completo idiota quando Tyrion cortou sua barba? Estamos falando de Stannis Baratheon. O homem lutará até o fim, e mesmo depois. Se desapareceu, isso só pode querer dizer que pretende retomar a guerra. O mais provável é que desembarque em Ponta Tempestade e tente inflamar os senhores da tempestade. Se assim for, está acabado. Mas um homem mais ousado poderia jogar os dados com Dorne. Se ele conquistasse Lançassolar para a sua causa, poderia prolongar esta guerra durante anos. Portanto, não iremos ofender os Martell mais ainda, seja por que motivo for. Os dorneses são livres para partir, e você irá curar Sor Gregor.

E assim a Montanha gritava, noite e dia. Lorde Tywin Lannister conseguia intimidar até o Estranho, aparentemente.

Enquanto Jaime subia os degraus em espiral da Torre da Espada Branca, ouvia Sor Boros roncando em sua cela. A porta de Sor Balon também estava fechada; tinha ficado com o rei naquela noite e dormiria o dia inteiro. À parte os roncos de Blount, a torre estava muito silenciosa. Isso convinha bastante a Jaime. Eu devia descansar. Na noite anterior, depois de sua dança com Sor Addam, sentira-se dolorido demais para dormir.

Mas quando entrou no quarto, encontrou a irmã à sua espera.

Ela estava junto da janela aberta, olhando para lá das muralhas exteriores, para o mar. O vento da baía rodopiava à sua volta, encostando o vestido ao corpo dela de um modo que acelerou o pulso de Jaime. Era branco, aquele vestido, como os reposteiros que pendiam da parede e os cortinados da cama. Voltas de minúsculas esmeraldas alegravam as pontas de suas largas mangas e espiralavam pelo corpete abaixo. Esmeraldas maiores estavam embutidas na teia dourada que prendia seus cabelos dourados. O vestido tinha um corte baixo, desnudando-lhe os ombros e a parte de cima dos seios. Ela é tão bela. Nada mais desejava exceto tomá-la nos braços.

– Cersei. – Fechou a porta sem fazer barulho. – Por que está aqui?

– Para onde mais poderia ir? – quando se virou para ele, havia lágrimas em seus olhos. – O pai deixou claro que já não sou desejada no conselho. Jaime, não pode falar com ele?

Jaime tirou o manto e pendurou-o num gancho na parede.

– Falo todos os dias com Lorde Tywin.

– Você tem de ser assim tão teimoso? Tudo que ele quer...

– ... é forçar-me a sair da Guarda Real e mandar-me de volta para Rochedo Casterly.

– Isso não pode ser assim tão terrível. Ele também vai me mandar de volta para Rochedo Casterly. Quer que eu esteja longe, para que possa ter a mão livre com Tommen. Tommen é meu filho, não dele!

– Tommen é o rei.

– Ele é um garoto! Um garotinho assustado que viu o irmão ser assassinado no próprio casamento. E agora dizem-lhe que precisa se casar. A garota tem o dobro da idade dele e é duas vezes viúva!

Jaime deixou-se cair numa cadeira, tentando ignorar a dor dos músculos machucados.

– Os Tyrell são insistentes. Não vejo mal nisso. Tommen tem se sentido sozinho desde que Myrcella foi para Dorne. Ele gosta de ter Margaery e suas senhoras por perto. Que se casem.

– Ele é seu filho...

– Ele é da minha semente. Nunca me chamou de pai. Assim como Joffrey. Você avisou-me mil vezes para nunca mostrar interesse indevido por eles.

– Para mantê-los a salvo! E você também. O que pareceria se o meu irmão se fizesse de pai com os filhos do rei? Até Robert poderia ter começado a desconfiar.

– Bem, ele agora já está para lá da desconfiança. – A morte de Robert ainda deixava um sabor amargo na boca de Jaime. Devia ter sido eu a matá-lo, e não Cersei. – Só desejaria que ele tivesse morrido pelas minhas mãos. – Quando eu ainda tinha duas. – Se tivesse deixado o regicídio tornar-se um hábito, como ele gostava de dizer, poderia tê-la tomado como esposa para o mundo inteiro ver. Não me envergonho de amá-la, apenas das coisas que fiz para esconder isso. Aquele garoto em Winterfell...

– Eu mandei você atirá-lo da janela? Se tivesse ido caçar como supliquei, nada teria acontecido. Mas não, tinha de me possuir, não podia esperar até voltarmos à cidade.

– Já tinha esperado tempo suficiente. Odiava ver Robert entrando aos tropeções em sua cama todas as noites, sempre sem saber se naquela noite decidiria reivindicar os seus direitos de marido. – Jaime lembrou-se de repente de outra coisa que o perturbava com relação a Winterfell. – Em Correrrio, Catelyn Stark parecia convencida de que eu tinha mandado um salteador qualquer cortar a garganta do filho. Que eu lhe tinha dado um punhal.

– Isso – disse ela em tom de escárnio. – Tyrion perguntou-me sobre isso.

Houve um punhal. As cicatrizes nas mãos da Senhora Catelyn eram bem reais, ela mostrou-me. Você...?

– Ah, não diga besteiras. – Cersei fechou a janela. – Sim, tive esperança de que o garoto morresse. E você também. Até Robert pensou que teria sido melhor assim. “Matamos os cavalos quando quebram uma perna, e os cães quando ficam cegos, mas somos fracos demais para mostrar a mesma misericórdia por crianças aleijadas”, disse-me ele. Ele mesmo estava cego nesse momento, da bebida.

Robert? Jaime protegera o rei durante tempo suficiente para saber que Robert Baratheon dizia coisas quando estava de porre que negaria furiosamente no dia seguinte.

– Alguém estava presente quando Robert disse isso?

– Espero que não ache que ele disse isso a Ned Stark. Claro que estávamos a sós. Nós e as crianças. – Cersei tirou a rede para cabelos e enrolou-a numa das colunas da cama, após o que sacudiu seus caracóis dourados. – Talvez tenha sido Myrcella quem enviou esse homem com o punhal, parece-lhe que é possível?

Aquilo tinha a intenção de ser uma zombaria, mas Jaime compreendeu de imediato que ela acertara em cheio no cerne da questão.

– Myrcella, não. Joffrey.

Cersei franziu a testa.

– Joffrey não simpatizava com Robb Stark, mas o rapaz mais novo não lhe dizia nada. Ele próprio não passava de uma criança.

– Uma criança ansiosa por uma palmadinha na cabeça dada por esse bêbado que permitiu que ele acreditasse ser seu pai. – Teve uma ideia desconfortável. – Tyrion quase morreu por causa daquele maldito punhal. Se soubesse que tudo havia sido obra de Joffrey, podia ser esse o motivo...

– Não me interessa o motivo – disse Cersei. – Ele pode levar seus motivos consigo para o inferno. Se tivesse visto como Joff morreu... ele lutou, Jaime, ele lutou por cada golfada de ar, mas era como se algum espírito maligno tivesse as mãos em volta de sua garganta. Tinha um terror tão grande nos olhos... Quando era pequeno, corria para mim quando estava assustado ou magoado, e eu protegia-o. Mas naquela noite não houve nada que eu pudesse fazer. Tyrion assassinou-o na minha frente, e não houve nada que eu pudesse fazer. – Cersei ajoelhou-se diante da cadeira de Jaime e tomou a sua mão boa entre as dela. – Joff está morto e Myrcella em Dorne. Tommen é tudo que me resta. Não pode deixar que o pai o afaste de mim. Jaime, por favor.

– Lorde Tywin não pediu a minha aprovação. Posso falar com ele, mas não me escutará...

– Escutará, se concordar em abandonar a Guarda Real.

– Não vou abandonar a Guarda Real.

A irmã tentou reprimir as lágrimas.

– Jaime, você é o meu reluzente cavaleiro. Não pode me abandonar quando mais preciso de você! Ele está roubando meu filho, mandando-me embora... e a menos que o impeça, o pai vai me forçar a casar de novo!

Jaime não devia ter ficado surpreso, mas ficou. As palavras foram um golpe no estômago mais forte do que qualquer um dos que Sor Addam Marbrand lhe dera.

– Com quem?

– E isso importa? Um lorde ou outro qualquer. Alguém de que o pai pense que precisa. Não me interessa. Não aceitarei outro marido. É o único homem que eu quero na minha cama, para sempre.

– Então diga-lhe isso!

Ela afastou as mãos.

– Está outra vez dizendo loucuras. Quer nos ver afastados, como a mãe fez daquela vez que nos pegou brincando? Tommen perderia o trono e Myrcella, o seu casamento... eu quero ser sua esposa, pertencemos um ao outro, mas isso nunca poderá acontecer, Jaime. Somos irmão e irmã.

– Os Targaryen...

Nós não somos os Targaryen!

– Calminha – disse ele em tom zombeteiro. – Assim tão alto vai acordar os meus Irmãos Juramentados. Não pode ser, certo? As pessoas poderiam ficar sabendo que veio me visitar.

– Jaime – soluçou ela –, acha que eu não desejo isso tanto quanto você? Não importa o homem com quem me casarem, quero você ao meu lado, quero você em minha cama, quero você dentro de mim. Nada mudou entre nós. Deixe-me provar. – Ela puxou a túnica dele para cima e começou a remexer nos cordões de seus calções.

Jaime deu por si a responder.

– Não – disse –, aqui, não. – Nunca tinham feito aquilo na Torre da Espada Branca, e muito menos nos aposentos do Senhor Comandante. – Cersei, este não é o local adequado.

– Tomou-me no septo. Aqui não é diferente. – Tirou seu pau para fora e inclinou a cabeça por cima dele.

Jaime empurrou-a com o coto da mão direita.

Não. Aqui não, já disse. – Forçou-se a levantar-se.

Por um instante viu confusão nos brilhantes olhos verdes de Cersei, e também medo. Então a raiva substituiu-os. Ela recompôs-se, pôs-se em pé, alisou as saias.

– Foi a mão que lhe cortaram em Harrenhal, ou a virilidade? – quando sacudiu a cabeça, seus cabelos caíram em volta dos alvos ombros nus. – Fui uma tola por vir. Você não teve coragem para vingar Joffrey, por que devia pensar que protegeria Tommen? Diga-me, se o Duende tivesse matado todos os seus três filhos, teria isso o irritado?

– Tyrion não vai fazer mal a Tommen ou Myrcella. Ainda não tenho certeza de que matou Joffrey.

A boca dela torceu-se de fúria.

– Como pode dizer isso? Depois de todas as ameaças dele...

– Ameaças não querem dizer nada. Ele jura que não o fez.

– Oh, ele jura, então é isso? E os anões não mentem, é isso o que pensa?

– A mim, não. Assim como você.

– Seu grande idiota dourado. Ele mentiu para você mil vezes, e eu também. – Voltou a prender os cabelos e tirou a rede para cabelos da coluna da cama onde a pendurara. – Pense o que quiser. O monstrinho está numa cela negra, e em breve Sor Ilyn cortará sua cabeça. Talvez queira ficar com ela como recordação. – Lançou um relance à almofada. – Ele pode vigiá-lo enquanto você dorme sozinho naquela cama branca e fria. Até que os olhos apodreçam, pelo menos.

– É melhor ir embora, Cersei. Está me deixando bravo.

– Oh, um aleijado bravo. Que coisa assustadora. – Soltou uma gargalhada. – Pena que Lorde Tywin Lannister nunca tenha tido um filho. Eu poderia ter sido o herdeiro que ele queria, mas faltava-me o pau. E, a propósito, é melhor enfiar o seu para dentro, irmão. Tem um ar bastante tristonho e pequenino, assim pendurado nos calções.

Depois de ela ir embora, Jaime aceitou o seu conselho, lutando contra os cordões com uma só mão. Sentia uma dor fantasma nos dedos que lhe chegava aos ossos. Perdi uma mão, um pai, um filho, uma irmã e uma amante, e em breve perderei um irmão. E no entanto não param de me dizer que a Casa Lannister ganhou esta guerra.

Jaime envergou o manto e desceu, indo encontrar Sor Boros Blount bebendo uma taça de vinho na sala comum.

– Quando terminar a bebida, diga a Sor Loras que estou pronto para recebê-la.

Sor Boros era covarde demais para fazer muito mais do que uma carranca.

– Está pronto para receber quem?

– Limite-se a dizer isso a Loras.

– Sim. – Sor Boros esvaziou a taça. – Sim, Senhor Comandante.

Levou o seu tempo cuidando do assunto, porém, ou então foi o Cavaleiro das Flores que se mostrou difícil de achar. Tinham-se passado várias horas quando chegaram, o magro e belo jovem e a grande donzela feia. Jaime estava sentado sozinho na sala redonda, folheando ociosamente o Livro Branco.

– Senhor Comandante – disse Sor Loras –, desejava receber a Donzela de Tarth?

– Sim. – Jaime fez-lhes um gesto com a mão esquerda para que se aproximassem. – Falou com ela, suponho?

– Conforme ordenou, senhor.

– E?

O rapaz ficou tenso.

– Eu... as coisas podem ter acontecido como ela diz, sor. Talvez tenha sido Stannis. Não posso ter certeza.

– Varys diz que o castelão de Ponta Tempestade também faleceu de forma estranha – disse Jaime.

– Sor Cortnay Penrose – disse Brienne num tom triste. – Um bom homem.

– Um homem teimoso. Um dia pôs-se firmemente no caminho do Rei de Pedra do Dragão. No seguinte, saltou de uma torre. – Jaime levantou-se. – Sor Loras, conversaremos mais sobre isso mais tarde. Pode deixar Brienne comigo.

A garota parecia tão feia e desajeitada como sempre, Jaime concluiu quando o Tyrell os deixou. Alguém tinha voltado a vesti-la com roupa de mulher, mas esse vestido servia-lhe muito melhor do que aquele hediondo trapo cor-de-rosa que o bode a obrigara a usar.

– Azul é uma cor que lhe cai bem, senhora – observou Jaime. – Combina bem com os seus olhos. – Ela realmente tem uns olhos espantosos.

Brienne olhou-se de relance e perturbou-se.

– A Septã Donyse almofadou o corpete, para deixá-lo com esta forma. Disse que o mandou para mim. – A garota permanecia junto à porta, como se pretendesse fugir a qualquer segundo. – Está...

– Diferente? – conseguiu fazer um meio sorriso. – Mais carne sobre as costelas e menos piolhos no cabelo, é tudo. O coto é o mesmo. Feche a porta e venha cá.

Ela fez o que ele pediu.

– O manto branco...

– ... é novo, mas tenho certeza de que o sujarei bem depressa.

– Não era isso... eu ia dizer que lhe caía bem. – Brienne aproximou-se, hesitante. – Jaime, falava a sério quando disse aquilo a Sor Loras? Sobre... sobre o Rei Renly e a sombra?

Jaime encolheu os ombros.

– Eu teria matado Renly pessoalmente se tivéssemos nos encontrado em batalha, que me importa quem lhe cortou a garganta?

– Disse que eu tinha honra...

– Eu sou o maldito Regicida, esqueceu-se? Quando digo que tem honra, isso é como ter uma prostituta assegurando a sua virgindade. – Encostou-se para trás e ergueu os olhos para ela. – Pernas-de-Aço vai a caminho do Norte, para entregar Arya Stark a Roose Bolton.

– Entregou-a a ele? – gritou ela, consternada. – Prestou um juramento à Senhora Catelyn...

– Com uma espada encostada na garganta, mas deixemos isso de lado. A Senhora Catelyn está morta. Não poderia devolver as filhas a ela mesmo se as tivesse em meu poder. E a garota que o meu pai mandou com Pernas-de-Aço não é Arya Stark.

Não é Arya Stark?

– Você ouviu. O senhor meu pai encontrou uma nortenha magricela mais ou menos da mesma idade com mais ou menos as mesmas cores. Vestiu-a de branco e cinza, deu-lhe um lobo de prata para prender o manto e botou-a a caminho para se casar com o bastardo de Bolton. – Ergueu o coto para apontar para ela. – Quis dizer-lhe isso antes que partisse a galope para salvá-la e se fizesse matar inutilmente. Não é nada má com uma espada, mas não é suficientemente boa para derrotar sozinha duzentos homens.

Brienne sacudiu a cabeça.

– Quando Lorde Bolton souber que o seu pai lhe pagou com moeda falsa...

– Oh, ele sabe. Os Lannister mentem, lembra? Não importa, a garota serve ao seu propósito igualmente bem. Quem irá dizer que ela não é Arya Stark? Todo mundo de que a garota era próxima está morto, exceto a irmã, que desapareceu.

– Por que me contaria tudo isso se fosse verdade? Está traindo os segredos de seu pai.

Os segredos da Mão, pensou ele. Já não tenho pai.

– Eu pago as minhas dívidas, como todos os outros leõezinhos bons. Prometi as filhas à Senhora Stark... e uma delas continua viva. Meu irmão pode saber onde se encontra, mas se sabe, não o diz. Cersei está convencida de que Sansa o ajudou a assassinar Joffrey.

A boca da moça fez uma expressão obstinada.

– Não acreditarei que aquela garota gentil é uma envenenadora. A Senhora Catelyn disse que ela tinha um coração afetuoso. Foi o seu irmão. Houve um julgamento, disse Sor Loras.

– Na verdade, houve dois. Tanto as palavras como as espadas lhe falharam. Uma bagunça sangrenta. Assistiu da janela?

– Minha cela dá para o mar. Mas ouvi os gritos.

– O Príncipe Oberyn de Dorne está morto, Sor Gregor Clegane, moribundo, e Tyrion condenado perante os olhos dos deuses e dos homens. Ele será mantido numa cela negra até o matarem.

Brienne olhou-o.

– Não acredita que tenha sido ele.

Jaime concedeu-lhe um sorriso duro.

– Vê, garota? Conhecemo-nos bem demais. Tyrion deseja ser eu desde que deu o primeiro passo, mas nunca me seguiria no regicídio. Foi Sansa Stark quem matou Joffrey. Meu irmão manteve silêncio para protegê-la. Ele tem esses ataques de galanteria de vez em quando. O último custou-lhe um nariz. Dessa vez custará a cabeça.

– Não – disse Brienne. – Não foi a filha da minha senhora. Não pode ter sido ela.

– Aí está a garota teimosa e burra de que me lembro.

Ela enrubesceu.

– Meu nome é...

– Brienne de Tarth. – Jaime suspirou. – Tenho um presente para você. – Estendeu a mão por baixo da cadeira do Senhor Comandante e tirou-a para fora, envolta em dobras de veludo carmesim.

Brienne aproximou-se como se a trouxa pudesse mordê-la, estendeu uma enorme mão sardenta e afastou uma dobra de tecido. Rubis cintilaram à luz. Pegou cuidadosamente no tesouro, enrolou os dedos em volta do cabo de couro e libertou lentamente a espada de sua bainha. As ondulações brilharam de sangue e negrume. Um dedo de luz refletida correu, vermelho, ao longo do gume.

– Isto é aço valiriano? Nunca vi cores assim.

– Nem eu. Houve um tempo em que teria dado a mão direita para brandir uma espada como essa. Agora parece que o fiz, portanto a lâmina é desperdiçada em mim. Aceite-a. – Antes que ela pudesse pensar em recusar, prosseguiu. – Uma espada tão boa precisa de um nome. Ficaria feliz se chamasse esta de Cumpridora de Promessas. Mais uma coisa. A lâmina tem um preço.

O rosto dela tornou-se sombrio.

– Eu disse-lhe, nunca servirei...

– ... criaturas tão malvadas. Sim, eu me lembro. Ouça-me até o fim, Brienne. Ambos prestamos juramentos a propósito de Sansa Stark. Cersei pretende assegurar-se de que a garota seja encontrada e morta, não importa onde ela tenha se enfiado...

O rosto simples de Brienne torceu-se de fúria.

– Se acredita que eu faria mal à filha de minha senhora em troca de uma espada, você...

Cale-se e ouça – exclamou ele, irritado pelas suposições dela. – Quero que encontre Sansa primeiro e que a leve para qualquer lugar seguro. De outro modo, como nós iremos cumprir os estúpidos juramentos que prestamos à sua preciosa e falecida Senhora Catelyn?

A moça pestanejou.

– Eu... eu pensei...

– Eu sei o que pensou. – De repente, Jaime ficou farto de olhar para ela. Bale como uma porcaria de uma ovelha. – Quando Ned Stark morreu, a espada dele foi oferecida ao Magistrado do Rei – disse-lhe. – Mas meu pai achou que uma lâmina tão boa era desperdiçada num mero carrasco. Deu uma nova espada a Sor Ilyn, e mandou fundir a Gelo e forjá-la novamente. Havia metal suficiente para duas lâminas novas. Tem uma delas na mão. Portanto, irá proteger a filha de Ned Stark com o aço do próprio Ned Stark, se é que isso faz alguma diferença para você.

– Sor, eu... eu devo-lhe um pedido de desc...

Jaime interrompeu-a.

– Pegue a porcaria da espada e vá embora, antes que eu mude de ideia. Há uma égua baia nos estábulos, tão feia quanto você, mas um pouco mais bem treinada. Vá em perseguição do Pernas-de-Aço, vá em busca de Sansa, ou vá para casa, para a sua ilha de safiras, não me interessa. Não quero olhar mais para você.

– Jaime...

Regicida – relembrou-lhe. – É melhor que use essa espada para limpar a cera dos ouvidos, garota. Nossa conversa acabou.

Teimosamente, ela insistiu.

– Joffrey era seu...

– Meu rei. Deixe as coisas assim.

– Diz que Sansa o matou. Por que protegê-la?

Porque Joff não me era mais do que um esguicho de sêmen na boceta de Cersei. E porque merecia morrer.

– Fiz reis e desfi-los. Sansa Stark é minha última oportunidade de honra. – Jaime deu um ligeiro sorriso. – Além disso, os regicidas deviam se juntar. Nunca mais vai embora?

A grande mão de Brienne fechou-se com força em volta da Cumpridora de Promessas.

– Vou. E encontrarei a garota e a manterei a salvo. Pela senhora mãe dela. E por você. – Fez uma reverência rígida, virou-se e saiu.

Jaime ficou sentado à mesa, sozinho, enquanto as sombras iam enchendo a sala. Quando o ocaso começou a se instalar, acendeu uma vela e abriu o Livro Branco em sua página. Encontrou pena e tinta numa gaveta. Por baixo da última linha escrita por Sor Barristan, escreveu numa letra desajeitada que poderia ter sido elogiada numa criança de seis anos que estivesse aprendendo as primeiras letras com o meistre:

Derrotado no Bosque dos Murmúrios pelo Jovem Lobo Robb Stark durante a Guerra dos Cinco Reis. Mantido cativo em Correrrio e resgatado em troca de uma promessa não cumprida. Capturado de novo pelos Bravos Companheiros e mutilado por ordem de Vargo Hoat, o capitão deles, perdendo a mão da espada pela lâmina de Zollo, o Gordo. Devolvido em segurança a Porto Real por Brienne, a Donzela de Tarth.

Quando terminou, ainda restava encher mais de três quartos de sua página, entre o leão de ouro no escudo carmesim ao topo e o escudo branco e vazio no fundo. Sor Gerold Hightower tinha começado a sua história e Sor Barristan Selmy continuara-a, mas o resto teria de ser escrito pelo próprio Jaime Lannister. Dali em diante, poderia escrever o que quer que decidisse escrever.

O que quer que decidisse...

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