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o elefante morreu quase dois anos depois, outra vez inverno, no último mês de mil quinhentos e cinquenta e três. a causa da morte não chegou a ser conhecida, ainda não era tempo de análises de sangue, radiografias do tórax, endoscopias, ressonâncias magnéticas e outras observações que hoje são o pão de cada dia para os humanos, não tanto para os animais, que simplesmente morrem sem uma enfermeira que lhes ponha a mão na testa. além de o terem esfolado, a salomão cortaram-lhe as patas dianteiras para que, após as necessárias operações de limpeza e curtimen-to, servissem de recipientes, à entrada do palácio, para depositar as bengalas, os bastões, os guarda-chuvas e as sombrinhas de verão. Como se vê, a salomão não lhe serviu de nada ter-se ajoelhado. o cornaca subhro recebeu das mãos do intendente a parte de soldada que estava em dívida, acrescida, por ordem do arquiduque, de uma propina bastante generosa, e, com esse dinheiro, comprou uma mula para servir-lhe de montada e um burro para levar-lhe a caixa com os seus poucos haveres. anunciou que ia regressar a lisboa, mas não há notícia de ter entrado no país. ou mudou de ideias, ou morreu no caminho.

Semanas depois chegou à corte portuguesa uma carta do arquiduque. nela se informava que o elefante solimão tinha morrido, mas que os habitantes de 237


viena nunca o esqueceriam, pois havia salvo a vida de uma criança no mesmo dia em que chegou à cidade. o primeiro leitor da carta foi o secretário de estado pêro de alcáçova carneiro que a entregou ao rei, ao mesmo tempo que dizia, morreu o salomão, meu senhor. dom joão terceiro fez um gesto de surpresa e uma sombra de mágoa cobriu-lhe o rosto. mande chamar a rainha, disse. dona catarina não tardou, como se adivinhasse que a carta trazia notícias que lhe interessavam, talvez um nascimento, talvez uma boda. nascimento e boda não deveriam ser, a cara do marido contava outra história. dom joão terceiro murmurou, diz aqui o primo maximiliano que o salomão. a rainha não o deixou acabar, não quero saber, gritou, não quero saber.

e correu a encerrar-se na sua câmara, onde chorou todo o resto do dia.

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