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17h39m

Dunross estava de pé junto à janela panorâmica da sua cobertura no Edifício Struan, olhando para o portão. O pôr-do-sol era maravilhoso, a visibilidade sem limites, o céu limpo, exceto por alguns cúmulos matizados a oeste, na direção da China continental, avermelhado ali, a escuridão tocando o horizonte oriental. Mais abaixo, o porto estava movimentado como sempre, comum como sempre, Kowloon resplandecendo ao crepúsculo.

Claudia bateu à porta e abriu-a. Casey entrou. Seu rosto era a imagem da desolação, o cabelo fulvo como o pôr-do-sol. A dor tornava-a etérea.

— Alô, Casey.

— Alô, Ian.

Não havia necessidade de dizer mais nada. Tudo sobre Bartlett já tinha sido dito. Só no fim da noite anterior é que tinham conseguido resgatar seu corpo. Casey esperara na encosta por ele. Depois, voltara para o hotel. Pela manhã telefonara, e agora estava ali.

— Uma bebida? Chá? Café? Tenho vinho. Fiz martínis.

— Um martíni. Obrigada, Ian — disse ela, a voz monótona, a dor que havia nela machucando-o. — É, gostaria muito.

Ela se sentou no sofá. Ele serviu a bebida e pôs nela uma azeitona.

— Tudo pode esperar, Casey — disse, compassivamente. — Não há pressa.

— É, eu sei. Mas nós combinamos. Obrigada. — Aceitou o copo gelado e ergueu-o. — Joss.

— Joss.

Sorveu a bebida supergelada, todos os seus movimentos estudados, quase como que independentes dela, depois abriu a pasta e colocou um envelope de papel pardo na mesa dele.

— Aqui estão todos os papéis de John Chen sobre a Struan, e tudo o que ele nos ofereceu ou nos contou. Estas são todas as cópias que tenho aqui. As que estão nos Estados Unidos passarei pela máquina de retalhar. — Casey hesitou. — Estou certa de que já fez algumas modificações, a essa altura, mas, bem, está tudo aí.

— Obrigado. O Linc deu alguma coisa para o Gornt?

— Não, não creio. — Novamente a hesitação. — Por medida de segurança, eu consideraria parte da informação como tendo "vazado".

— É.

— A seguir, nosso acordo da Par-Con-Struan. — A pilha de documentos que ela lhe entregou era bem grossa. — Todas as seis cópias estão assinadas e carimbadas com o selo da companhia. Tenho o poder executivo para assinar. — Ela hesitou. — Tínhamos um acordo, Linc e eu. Eu lhe deixei em testamento o poder de voto de todas as minhas ações durante dez anos, ele fez o mesmo para mim. Assim, sou a chefe da Par-Con.

— Durante dez anos? — perguntou Dunross, arregalando ligeiramente os olhos.

— É — disse ela sem emoção, sem sentir nada, sem querer nada exceto chorar e morrer.

"Mais tarde posso ser fraca", pensou. "Agora tenho que ser forte e sábia."

— Durante dez anos. Linc... Linc tinha o controle da votação. Eu lhe enviarei uma confirmação formal quando for oficial.

Dunross concordou com um aceno de cabeça. Da mesa laqueada, tirou um maço equivalente de papéis.

— São os mesmos. Já os carimbei formalmente. Este — colocou um envelope sobre a pilha —, este é o nosso acordo particular, dando à Par-Con os títulos de propriedade dos meus navios como garantia.

— Obrigada. Mas, com o seu fundo, não será necessário.

— Mesmo assim, foi parte do nosso acordo. — Dunross a observava, admirando-lhe a coragem. Não houvera lágrimas no novo começo na encosta, apenas um aceno atordoado de cabeça e: "Eu espero. Espero até... eu espero". Orlanda se prostrara na hora. Ele a mandara para um hotel, e depois enviara um médico para cuidar dela. — Foi parte do nosso acordo.

— Está certo. Obrigada. Mas não é necessário.

— A seguir: eis aqui a nossa carta de concordância referente ao negócio com a General Stores. Eu lhe darei os documentos formais dentro de dez dias. Vou precisar...

— Mas o Linc não adiantou os dois milhões.

— Adiantou, sim, por telegrama, no sábado à noite. Meu banco suíço confirmou a transação ontem, e o dinheiro foi devidamente entregue à diretoria da General Stores. Eles aceitaram, portanto o negócio está fechado.

— Mesmo com a morte de Pug?

— É. A viúva dele concordou com a recomendação da diretoria. É um negócio muito bom, a propósito. Muito melhor do que a proposta da Superfoods.

— Não quero esse dinheiro, nada dele.

— Quando eu estava Iá na cova, batendo papo com o Linc, ele me falou de como estava feliz de que o negócio da General Stores fosse se concretizar. As palavras exatas dele foram: "Ótimo! Cinco milhões? Sempre quis que ela tivesse o seu dinheiro do dane-se. Ela sempre quis ser independente, e agora é. Formidável!"

— Mas a que preço! — ela falou, o sofrimento aflorando. — O Linc sempre me advertiu de que o dinheiro do dane-se custa mais do que a gente está preparado para pagar. Custou. Não o quero.

— Dinheiro é dinheiro. Você não está raciocinando direito. O dinheiro era dele para dispor como bem quisesse, e deu-o a você. Livremente.

— Você o deu para mim.

— Está enganada, foi ele. Eu apenas a ajudei, como você me ajudou. — Sorveu a sua bebida. — Vou precisar saber para onde mandar os lucros dele. Você deve se lembrar de que não havia direitos de votação incluídos. Quem é o administrador dele?

— É um banco, o First Central. Sou a testamenteira dele, juntamente com um homem do banco. — Ela hesitou. — Acho que a mãe dele é a sua herdeira. Ela é a única citada no testamento dele... Linc, o Linc foi franco comigo a esse respeito. A ex-mulher dele e os três filhos estão bem amparados, e foram especificamente excluídos do testamento. O controle de votação ficou comigo, e o resto vai... o resto vai para a mãe dele.

— Então será muito rica.

— Isso não a ajudará. — Casey estava tentando ao máximo manter a voz normal e não chorar. — Conversei com ela ontem à noite, e ela ficou chocada, a pobre senhora. Está... na casa dos sessenta anos, uma mulher simpática. Linc é seu único filho. — Uma lágrima escorreu, a despeito da sua força de vontade. — Ela, ela me pediu para levá-lo de volta. No seu testamento ele diz que quer ser cremado.

— Escute, Casey — falou Dunross, rapidamente —, talvez eu pudesse tomar as providências...

— Não. Ah, não, obrigada, Ian. Tudo já está providenciado. Já cuidei de tudo. Queria cuidar. O avião está liberado e a papelada, pronta.

— Quando você parte?

— Às dez, hoje à noite.

— Ah! — Dunross ficou surpreso. — Vou Iá me despedir de você.

— Não, não, obrigada. O carro eu agradeço, mas não há necessidade...

— Insisto.

— Não. Por favor — pediu ela, com ar súplice. Depois de um momento, ele perguntou:

— Quais os seus planos?

— Nada de especial, Vou... vou me certificar de que todas as suas vontades sejam cumpridas, documentos, testamento, acertar os seus negócios. Depois vou reorganizar a Par-Con... tentarei reorganizá-la como ele gostaria. Depois... depois não sei. Tudo isso levará uns trinta dias. Talvez eu volte dentro de trinta dias para começar, talvez mande o Forrester ou outra pessoa qualquer. Não sei. Eu o avisarei em trinta dias. Até Iá, tudo está coberto. Tem os números dos meus telefones. Ligue para mim a qualquer hora, se houver problema.

Ela começou a se levantar, mas ele a deteve.

— Antes de você ir, há uma coisa que preciso lhe dizer. Não o fiz ontem à noite porque a hora não era apropriada. Talvez agora seja, não estou certo, mas pouco antes de eu sair o Linc me perguntou se eu aceitaria ser padrinho de casamento.

— Viu Casey ficar branca e continuou rapidamente: — Disse a ele que seria uma honra.

— Ele falou em mim? Disse que queria casar-se comigo? — perguntou, incrédula.

— Estávamos conversando sobre você. Não tem sentido?

— Ele não mencionou a Orlanda?

— Não naquele momento. Não. Anteriormente, estivera muito preocupado com ela porque estava no apartamento dela e não sabia o que lhe acontecera. — Dunross observava-a. — Quando lhe disse que ela estava a salvo, ficou muito aliviado, naturalmente. Quando lhe contei que você por pouco não fora apanhada pela avalancha, quase teve um enfarte. Então, quando eu ia me retirando, ouvi-o dizer baixinho: "Acho que seria demais esperar que as duas fossem amigas". Não tive certeza se aquelas palavras eram para meus ouvidos... enquanto cavávamos ele falou muito sozinho. — Terminou a sua bebida. — Estou certo de que se referia a você, Casey.

Ela sacudiu a cabeça.

— Valeu a tentativa, Ian. Aposto que se referia a Orlanda.

— Acho que está errada. Novo silêncio.

— Pode ser. Amigas? — Olhou para ele. — Você vai ser amigo do Quillan?

— Não. Jamais. Mas isso não é a mesma coisa. Orlanda é uma boa pessoa. De verdade.

— Acredito. — Casey fitou a sua bebida, sorveu-a, mas não lhe sentiu o gosto. — E quanto ao Quillan? O que aconteceu hoje? Infelizmente não soube de nada. O que fez com relação ao Quillan? Vi que fecharam a 30,01, mas... na verdade não notei muita coisa mais.

Dunross sentiu uma alegria íntima e repentina. Por causa da catástrofe da Kotewall, o governador ordenara que a Bolsa de Valores ficasse fechada na segunda-feira. E os bancos, em sinal de luto. Às dez daquela manhã, o dinheiro do Banco da China estava à disposição em todas as agências de todos os bancos, por toda a colônia. A corrida aos bancos terminara. Lá pelas três horas, muitos clientes estavam fazendo fila, voltando para depositar de novo o seu dinheiro.

Pouco antes da abertura da Bolsa às dez da manhã, Gornt lhe telefonara.

— Aceito — dissera.

— Não quer barganhar?

— Não quero clemência da sua parte, assim como você não pode esperá-la da minha parte. Os papéis estão a caminho.

O telefone emudeceu.

— E quanto ao Quillan? — perguntou ela novamente.

— Fizemos um acordo. Abrimos a 28, mas deixei que ele recomprasse a 18.

Ela o fitou, boquiaberta. Sem pensar, fez o cálculo rápido.

— Isso lhe custou cerca de dois milhões! Mas são os dois milhões do Linc. Então, o Quillan está salvo!

— Contei ao Linc a transação, e que isso lhe custaria os seus dois milhões, e ele achou graça. Ressaltei que, com os negócios da General Stores e da Par-Con, sua perda de capital de dois milhões ia ser superada por um ganho de capital de vinte ou mais. — Dunross fitou-a, avaliando-a. — Achei justo que os dois milhões fossem confiscados, digamos assim.

— Não está me dizendo que deixou o Gornt livrar a cara a troco de nada?

— Não. Recuperei a minha linha aérea. O controle da AH Ásia Airways.

— Ah! — Casey sentiu um arrepio, lembrando-se da história daquela noite de Natal em que Gornt e o pai foram inesperadamente até a Casa Grande. A tristeza dela estava quase extravasando. — Quer me fazer um favor?

— Claro. Desde que não seja para o Quillan.

Ia pedir a Dunross para deixar que o Gornt pudesse ser administrador, para que tivesse a sua tribuna. Mas não pediu. Sabia que teria sido uma perda de tempo.

— Que favor?

— Nada. Agora, nada. Já vou indo, Ian.

Exausta, muito exausta, pôs-se de pé. Seus joelhos tremiam. Ela inteira doía monstruosamente. Estendeu a mão. Ele a tomou e a beijou com o mesmo gesto gracioso de que ela se lembrava da noite da festa, da primeira noite na Galeria Longa, quando, assustada, vira a faca enterrada no coração do retrato. Subitamente, a sua agonia chegou ao auge e ela teve ganas de gritar o seu ódio por Hong Kong e pelo povo de Hong Kong, que, de alguma forma, haviam causado a morte do seu Linc. Mas não o fez.

Depois, ordenou a si mesma, apegando-se ao limite das suas forças: "Não se descontrole. Não ceda. Seja auto-suficiente. Precisa ser, agora. O Linc se foi para sempre".

— Até breve, Casey.

— Adeus, Ian — disse ela, e se retirou.

Ele ficou fitando a porta fechada por longo tempo, depois soltou um suspiro e apertou uma campainha. Dali a um momento, Claudia apareceu.

— Boa noite, tai-pan — cumprimentou, com o seu carinho imenso. — Há alguns telefonemas que precisam ser resolvidos. O mais importante é o do jovem Duncan, que quer pedir emprestados mil HK.

— Para que diabo quer o dinheiro?

— Parece que quer comprar um anel de diamantes para uma "senhora". Tentei arrancar-lhe o nome dela, mas ele não contou.

"Ah, Deus, a sheila", pensou Dunross, voltando-lhe à lembrança o que o filho dissera sobre a sua "garota", Sheila Scragger, a enfermeira da Inglaterra, de férias com Duncan no rancho australiano de Paldoon.

— Bem, ele não vai comprar grande coisa com mil. Diga-lhe que tem que me pedir. Não, espere! — Pensou um momento. — Dê-lhe mil da "caixinha"... ofereça-lhe juros de três por cento ao mês, contra a sua garantia por escrito de que você pode tirá-los da mesada dele, à proporção de cem por mês. Se ele cair nessa, aprenderá uma bela lição. Senão, eu lhe darei os mil, mas só na próxima Páscoa.

Ela concordou com um aceno de cabeça, depois acrescentou com tristeza:

— Pobre srta. Casey! Está morrendo por dentro.

— E.

— Eis os seus telefonemas, tai-pan. O jovem Linbar ligou de Sydney. Por favor, ligue para ele quando tiver um momento. Ele acha que já pôs a Woolara na linha de novo.

Dunross fitou-a.

— Puxa vida!

— O sr. Alastair ligou dando os parabéns, o seu pai, e a maioria dos membros da família. Por favor, ligue para o jovem Trussler em Johannesburg, é sobre os tórios. — Deu uma fungada. — A sra. Gresserhoff telefonou para se despedir.

— Quando vai partir? — perguntou Dunross, cautelosamente, já sabendo o vôo.

— Amanhã, no primeiro vôo da jal. Não foi horrível sobre o Travkin? Ah, como fiquei triste!

— É. — Travkin morrera durante a noite. Dunross visitara-o no Hospital Matilda várias vezes, mas o seu treinador não recobrara a consciência desde o acidente de sábado. — Já descobrimos algum parente dele?

— Não. Não tinha nenhuma namorada especial, ou... ou alguém. O jovem Jacques tomou todas as providências para o enterro.

— Ótimo. É, é o mínimo que podemos fazer por ele.

— Vai montar no sábado?

— Não sei. — Dunross hesitou. — Lembre-me de falar com os organizadores para darmos ao quinto páreo o nome de Travkin... um meio de agradecer-lhe.

— Sim, ah, seria maravilhoso! Gostava tanto dele, é, seria maravilhoso.

Dunross olhou para o relógio.

— O meu compromisso seguinte já está Iá embaixo?

— Já.

— Ótimo — disse o tai-pan, a fisionomia se fechando. Desceu para o andar inferior, para o seu escritório.

— Boa tarde, sr. Choy, em que posso servi-lo? Já lhe mandara pêsames por Wu Quatro Dedos. Quando a porta se fechou, Paul Choy enxugou as mãos sem notar.

— Vim tratar do primeiro passo, senhor. Lamento termos tido que adiar de ontem para hoje, mas... as impressões na cera... encaixaram-se numa das suas duas meias moedas restantes?

— Primeiro, quero saber quem está com a outra metade, agora que Quatro Dedos é um ancestral.

— A família Wu, senhor.

— Quem na família Wu? — perguntou Dunross com aspereza, deliberadamente grosseiro. — A moeda foi dada a um indivíduo que a passaria adiante a um indivíduo. Quem?

— Eu, senhor.

Paul Choy devolveu o olhar do tai-pan, sem medo, muito embora seu coração estivesse batendo mais depressa do que nunca... até mesmo mais do que quando ele estava no junco, havia uma eternidade... o sangue jovem do Lobisomem nas mãos, o corpo semimorto e mutilado apoiado nele, e o pai gri-tando-lhe para jogar o homem ao mar.

— Terá que provar que o Quatro Dedos deu-a a você.

— Desculpe, tai-pan, não tenho que provar nada — replicou Paul Choy, Confiantemente. — Tenho apenas que apresentar a moeda e pedir o favor. Em segredo. Tudo em segredo, é o acordo. Se é a moeda verdadeira, a sua honra e o prestígio da Casa Nobre estão em jogo, e o fa...

— Sei o que está em jogo para mim. — Dunross fez a voz o mais áspera possível. — Você sabe?

— Senhor?

— Estamos na China. Muitas coisas curiosas acontecem na China. Acha que sou um idiota para ser logrado por uma lenda antiga?

O rapaz sacudiu a cabeça, a garganta apertada.

— Não, o senhor não é absolutamente nenhum idiota, tai-pan. Mas, se eu apresentar a moeda, o senhor concederá o favor.

— Qual é o favor?

— Primeiro acho que gostaria de saber se o senhor... se o senhor está convencido de que é uma das quatro. Eu estou convencido.

— Está mesmo?

— Estou, sim, senhor.

— Sabe que esta moeda foi roubada de Phillip Chen? Paul Choy fitou-o, depois recuperou-se rapidamente.

— Esta moeda é do Wu Quatro Dedos. Não sei nada de roubo algum. Ela veio do meu pai, é só o que sei. Era do meu pai.

— Devia devolvê-la a Phillip Chen.

— O senhor alguma vez a viu, esta moeda determinada, nas mãos dele?

Dunross já conversara com Phillip Chen sobre a moeda.

— Não há maneira de provar que ela é sua, Phillip? — perguntara-lhe.

— Nenhuma, tai-pan. Nenhuma — dissera o velho, torcendo as mãos.

Dunross mantinha os olhos fitos penetrantemente no jovem.

— Ela é de Phillip Chen. Paul Choy mexeu-se, irrequieto.

— Havia quatro moedas, tai-pan. A do sr. Chen deve ser uma das outras. Esta pertence... pertencia ao meu pai. Lembra-se do que ele disse em Aberdeen?

Dunross fitou-o, calado, tentando abalá-lo, lidando com ele à moda ocidental. Paul Choy vacilou, mas manteve o olhar firme. "Interessante", pensou Dunross. "Você é um Sacaninha durão, e bom. Será que é um emissário de "Wu Dente de Ouro, ou um ladrão, e está aqui por sua conta?" Deixou o silêncio pesar, usando-o para minar o seu oponente enquanto reconsiderava sua posição. No minuto em que Paul Choy telefonara, na véspera, solicitando uma entrevista, soubera qual o motivo dela. Mas, como cuidar daquilo? "Quatro Dedos mal acabou de morrer e já tenho um novo inimigo", pensou, "forte, bem-treinado, com colhões às pampas. Mesmo assim, tem seus pontos fracos, como todo mundo. Como você. Gornt é um deles. Riko podia ser outro. Ah, Riko! O que há nela que o toca tanto?

"Esqueça isso! Como recobrar a meia moeda antes do favor?"

— Imagino que tenha a sua metade com você. Vamos agora ao avaliador — disse, levantando-se, testando Paul Choy.

— Não, senhor, desculpe, mas não. — Paul Choy sentiu que seu coração ia estourar, a tira de couro à volta do seu pescoço virando repentinamente um nó corredio, a meia moeda queimando sua carne. — Desculpe, mas não acho que seja uma boa idéia.

— Acho que é uma idéia muito boa — continuou Dunross bruscamente, pressionando-o. — Iremos buscá-la. Vamos!

— Não. Não, obrigado, tai-pan. — Paul Choy falou com uma polidez firme que impressionou Dunross. — Podemos fazê-lo na semana que vem, por favor? Digamos, na próxima sexta? Não há pressa.

— Não estarei em Hong Kong na sexta-feira.

— Sim, senhor. Estará no Japão. Poderia me dar uma hora durante a sua visita ao país? A hora que lhe for conveniente. Para ir visitar um avaliador?

Os olhos de Dunross se estreitaram.

— Parece saber muita coisa, sr. Choy.

— Aqui é fácil descobrir qualquer coisa, senhor. O Japão seria melhor para ambos. Menos chance de uma... uma mancada, e no Japão somos ambos iguais.

— Está sugerindo que aqui o senhor não será?

— Não, não, tai-pan. Mas, como disse, estamos na China, coisas estranhas acontecem na China. Quatro Dedos e seu grupo também são bem relacionados. A moeda é jogada de pessoa para pessoa, tem que ser tratada dessa maneira. É o que eu acho.

Paul Choy agora estava suando, agradecendo a Deus pelo fato de que parte do favor era manter tudo em segredo. Desde que trouxera de volta o corpo de Quatro Dedos, estivera manobrando para obter poder na família. Finalmente, conseguira exatamente o que desejara, a posição especialíssima (em termos da Máfia) de consigliere, assessor-chefe de Wu Dente de Ouro, o filho mais velho, agora o chefe titular dos Wu Marítimos. "É o que somos", pensou, o medo subindo à tona de novo. "Mafiosos chineses. Não há sangue em mim, também? Estava a bordo com o ópio. O que o Dente de Ouro sabe que eu não sei?"

— Pode confiar em mim, Dente de Ouro — dissera ao irmão, lutando pelo seu futuro.

— Infelizmente, tenho pouca escolha. Estou navegando em águas desconhecidas. Preciso de toda a ajuda que puder obter. Sua perícia será muito valiosa — dissera Dente de Ouro no seu inglês muito britânico, quando estavam nos estágios finais da negociação.

— Calculo que possamos trabalhar juntos.

— Sejamos francos, Irmão. Ambos estudamos em universidades, os outros não. Precisamos um do outro, e os Wu Marítimos precisam se modernizar. Não posso fazê-lo. Preciso de ajuda séria... meus anos dirigindo os Barcos do Prazer não me qualificam para o comando. Eu vivia pedindo, mas, bem, conhece o nosso pai. Santo Deus, não podia sequer mudar a taxa por hora de uma garota sem pedir a aprovação dele. Os quatro dedos dele estavam em todos os navios, em cada transação da frota.

— Claro, mas agora, se os capitães dele toparem as mudanças, daqui a um ano você terá a operação chinesa mais bem dirigida da Ásia.

— É exatamente o que desejo. Exatamente.

— E quanto ao ópio?

— Os Wu Marítimos sempre transportaram essa carga.

— E quanto às armas?

— Que armas?

— Ouvi boatos de que Quatro Dedos ia se meter em contrabando de armas.

— Não estou sabendo nada de armas.

— Vamos nos livrar do tráfico de ópio e heroína. Vamos ficar bem longe dos narcóticos. Não é verdade que ele ia se unir àqueles dois palhaços, Yuen Contrabandista e Lee Pó Branco?

— Boatos. Vou pensar no que sugeriu. Mas que fique claro que agora sou o comandante da frota e o chefe dos Wu Marítimos. Minha decisão é definitiva. Vamos trocar idéias. Você será consigliere, com tudo o que isso implica, mas, se eu tomar uma decisão, será definitiva. Por exemplo, soube do golpe, o golpe da Bolsa, que você deu sem a permissão dele. Foi brilhante, sem dúvida, mas isso não pode mais acontecer... devo ser consultado, e saber com antecedência.

— De acordo. Mas, de agora em diante, também estou trabalhando por conta própria. Pedi demissão da Gornt. Poderei continuar quaisquer negócios particulares que tenha começado com Quatro Dedos.

— E quais são?

— Na sexta-feira ele me adiantou dois milhões para jogar na Bolsa. Meu trato com ele era 17,5 por cento dos lucros. Quero todos os lucros.

— Cinqüenta por cento.

— Noventa por cento. A partir de agora, não há nada que me prenda a Hong Kong. Mesmo a cinqüenta por cento, se vender as ações atuais, e, a propósito, só eu sei quais são, já estarei valendo uns três milhões de dólares americanos.

Haviam barganhado e concordado em setenta por cento, sendo que os trinta por cento de Dente de Ouro seriam depositados numa conta numerada num banco da Suíça.

— Calculo que o mercado ainda vá subir por mais dois dias, depois vendo tudo. Minha decisão, certo?

— Certo. Lucrativo cai bem em você, Irmão Mais Moço, melhor do que Paul. Gostaria de ficar com Lucrativo. O que mais estava fazendo com o Quatro Dedos?

— Havia uma última jogada. Ele me fez jurar segredo, para sempre. Para sempre, com juramentos de sangue. Tenho que cumprir a vontade dele.

Relutante, Wu Dente de Ouro concordara, e agora, esperando que o tai-pan lhe respondesse sobre o Japão, a confiança do jovem estava transbordando. "Sou rico. Tenho todo o poder de Dente de Ouro, se precisar dele, tenho um passaporte americano e vou para o Havaí. No Japão há uma chance de eu passar a perna em Dunross... não, passar-lhe a perna, não, ele é bom demais para isso, mas quem sabe ali poderei ter uma avaliação justa para provar, definitivamente, que a minha moeda é verdadeira."

— O Japão seria conveniente para o senhor, tai-pan?

— Ouvi dizer que ganhou uma nota preta na Bolsa.

O jovem abriu um amplo sorriso, sem esperar a mudança de assunto.

— Sim, senhor. Estou com uns cinco milhões e meio de dólares americanos de lucro.

Dunross soltou um assobio.

— Nada mal para duas semanas de trabalho, Choy Lucrativo. Com quinze por cento de impostos — acrescentou, inocentemente.

O jovem fez uma careta e caiu na armadilha.

— Que diabo, sou cidadão americano e estou sujeito aos impostos americanos, esteja onde estiver. — Hesitou. — Tenho umas boas idéias que... escute, tai-pan, podíamos fazer um negócio que seria bom para o senhor e bom para mim.

Dunross viu os olhos de Paul Choy se apertarem, e sua cautela aumentou.

— O meu Velho confiava no senhor — disse o jovem. — O senhor e ele eram Velhos Amigos. Talvez eu pudesse herdar isso... ser digno disso, algum dia.

— Devolva a moeda livremente, e eu lhe concederei todo tipo de favores.

— As primeiras coisas em primeiro lugar, tai-pan. Primeiro, vamos descobrir se a minha moeda é verdadeira. No Japão, certo?

— Não. Ou aqui, ou nada feito! — exclamou Dunross bruscamente, resolvendo arriscar.

Os olhos de Paul Choy se estreitaram ainda mais. Abruptamente, também tomou a sua decisão. Enfiou a mão sob a camisa, pegou a moeda e colocou-a sobre a mesa.

— Em nome de Jin-qua, peço um favor do tai-pan da Casa Nobre.

No silêncio, Dunross fitou a moeda.

— E então?

— Primeiro: quero status de Velho Amigo, igual ao do Quatro Dedos, com tudo o que isso implica. Segundo: quero ser nomeado diretor da Struan por um período de quatro anos, com um salário igual ao dos outros diretores... para manter as aparências comprarei um bloco de ações na Bolsa, fazendo as minhas ações chegarem a cem mil. — Sentiu uma gota de suor escorrer-lhe do queixo, no silêncio. — A seguir: quero uma joint venture, sociedade meio a meio, uma usina farmacêutica com a Struan, com um capital de seis milhões de dólares americanos... eu darei a metade dentro de trinta dias. Dunross fitou-o, perplexo.

— Para fazer o quê?

— O mercado para a farmacopéia em toda a Ásia é vasto. Poderíamos ganhar uma nota, com a sua experiência em fabricação, a minha em marketing. De acordo?

— Isso é tudo? Todo o favor?

— Três coisas mais. A...

— Só três? — perguntou Dunross, com sarcasmo evidente.

— Três. Primeiro, no ano que vem vou fundar outra Bolsa de Valores. Vou...

— Vai o quê? — perguntou Dunross, boquiaberto, realmente desconcertado.

Choy Lucrativo sorriu largamente e enxugou o suor do rosto.

— Claro. Uma Bolsa de Valores para os chineses, dirigida por chineses.

Subitamente, Dunross riu.

— Você tem colhões, Choy Lucrativo. Ora, se tem! A propósito, não é uma idéia nada má. O que tem a nova Bolsa a ver comigo?

— Só quero a sua benevolente assistência de Velho Amigo para começar, para impedir os graudões de me bloquearem.

— Por cinqüenta por cento.

— Por condições internas muito favoráveis. Muito favoráveis, garantidas. Depois — o jovem apegou-se à sua esperança —, quero que me apresente ao Lando Mata e diga-lhe que me está apoiando como parte do grupo do meu pai, para fazer um lance para o monopólio do sindicato de jogatina e ouro. Está certo?

— Você falou em três coisas. Qual a última?

— Daqui a três anos, um lugar de administrador no Turf Club. Durante esse período, garanto doar um milhão de dólares americanos para qualquer instituição ou instituições de caridade que o senhor indicar, apoiarei todas as causas dignas, e juro por Deus que tornarei a coisa o mais fácil possível para o senhor. — O rapaz enxugou o suor. — Acabei.

Dunross hesitou.

— Se a moeda for verdadeira, concordarei com tudo, exceto com a parte sobre Lando Mata.

— Não. Isso faz parte do acordo.

— Não concordo.

— Não pedi nada ilegal, nada que não possa conce...

— Menos o Lando Mata!

O rapaz soltou um suspiro. Tirou a moeda da mesa, olhou para ela.

— Se ele está fora, todo o acordo está cancelado, e vou fazer o pedido de Wu Quatro Dedos em seu lugar. Ainda é a mesma moeda — disse, preparando-se para a última cartada.

— É?

— E isso o tornará ligado a narcóticos, armas, e tudo o que o senhor detesta, mas que terá que respeitar. Desculpe, tai-pan, mas estou jogando para ser um ancestral. — Largou a moeda de volta sobre a mesa. — O senhor decide.

Dunross ficou subitamente perturbado. O favor fora expresso inteligentemente. Nada ilegal, nada extravagante. Paul Choy se saíra muito bem contra ele. Bem demais. Quatro Dedos ele conhecia direitinho. "Mas esse aí, esse rebento do demônio? Não posso me arriscar com narcóticos... ele sabe disso."

Para dar-se tempo, Dunross tirou do bolso a sacolinha de seda e pôs a sua moeda sobre a mesa. Juntou a sua metade à outra. Encaixaram-se perfeitamente.

Sem sentir, os dois homens soltaram a respiração, fitando a moeda agora unificada que os prenderia um ao outro para sempre. Dunross sabia que era perda de tempo, mas iria ao avaliador assim mesmo. Por um momento, segurou as duas metades na mão. "O que vou fazer com esse sacana atrevido?", perguntou-se. "Ah, uma boa idéia! Entregar o problema a Phillip Chen."

— Muito bem, Choy Lucrativo — disse, colocando-o no topo de sua lista particular de pessoas suspeitas. — Concordo em conceder-lhe o favor... se a sua metade for verdadeira... exceto que pedirei ao Lando, não posso ordenar-lhe nada. Está bem?

— Obrigado, tai-pan, não vai se arrepender. — Molhado de alívio, Choy Lucrativo apresentou uma lista de nomes. — Eis aqui todos os peritos avaliadores de Hong Kong. Quer escolher um? Eu... bem... verifiquei, e todos ficam abertos até as sete horas.

Dunross deu um leve sorriso.

— Tem muita confiança em si mesmo, Choy Lucrativo.

— Só tento me manter à frente do jogo, senhor.

Casey saiu do Edifício Struan e foi até o Rolls que a esperava. Prontamente, Lim abriu a porta para ela. Recostou-se nas almofadas, sem sentir nada, sem saber de nada, exceto que sua angústia a estava consumindo, e que a qualquer momento ia desmoronar, nem mesmo notando que o Lim metera o carro no tráfego denso para se dirigir para a balsa.

As lágrimas estavam muito perto. "Tanto tempo ainda antes de partirmos!", pensou. "Todas as malas já feitas e enviadas para o avião. Já saí do hotel, paguei todas as contas, mas ainda resta tanto tempo!"

Por um momento, chegou a pensar em mandar parar o carro e sair andando a esmo, mas aquilo seria pior, nenhuma privacidade, nenhuma proteção, e ela se sentia tão arrasada! "No entanto, preciso sair, ficar sozinha. Preciso. Oh, Deus, Linc, pobre Linc!"

— Lim — disse, obedecendo a um impulso —, vá até o Pico.

— Senhorita?

— Siga até o topo do Pico, até o mirante. Por favor — pediu, tentando desesperadamente manter o tom de voz normal. — Eu, eu ainda não estive Iá. Quero ir antes de partir. Por favor.

— Sim, senhorita.

Casey recostou-se e fechou os olhos contra as lágrimas que jorravam, silenciosas.


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