8

14h35m

Dunross saltou do carro e entrou apressado pela porta aberta da imensa mansão em estilo chinês que ficava encravada na crista da montanha chamada Mirante de Struan. Passou por um criado aparvalhado, que fechou a porta às suas costas, e entrou na sala de estar, em estilo vitoriano, espalhafatosa, entulhada de quinquilharias e móveis que não combinavam.

— Alô, Phillip — falou. — Lamento tanto. Pobre John! Onde está a carta?

— Aqui. — Phillip pegou-a de cima do sofá, enquanto se levantava. — Mas primeiro olhe para aquilo.

Apontou para uma caixa de sapatos de papelão amassada numa mesa de mármore ao lado da lareira.

Enquanto atravessava a sala, Dunross notou Dianne, a mulher de Phillip Chen, sentada numa cadeira de espaldar alto, na outra extremidade do aposento.

— Oh, alô, Dianne, lamento o que aconteceu — repetiu. Ela deu de ombros, impassível.

— Joss, tai-pan. — Tinha cinqüenta e dois anos, era eurasiana, a segunda mulher de Phillip Chen, uma matrona atraente e cheia de jóias, que usava um cheong-sam marrom-escuro, um colar de jade de valor inestimável e um anel de brilhantes de quatro quilates... entre muitos outros anéis. — Joss — repetiu.

Dunross assentiu, antipatizando com ela ainda mais do que habitualmente. Espiou o conteúdo da caixa, sem tocá-lo. No meio de folhas de jornal soltas e amassadas, viu uma caneta que reconheceu como sendo de John Chen, uma carteira de motorista, algumas chaves num chaveiro, uma carta endereçada a John Chen, Sinclair Towers, 14A, e um saquinho de plástico com um pedaço de pano meio enfiado dentro. Com uma caneta que tirou do bolso Dunross abriu a carteira de motorista. John Chen.

— Abra o saquinho de plástico — disse Phillip.

— Não. Poderia danificar as impressões digitais que nele houver — disse Dunross, sentindo-se cretino, mas mesmo assim dizendo as palavras.

— Ah... tinha me esquecido disso. Merda. Claro, impressões digitais! As minhas estão... claro que abri o saco. As minhas devem estar nele... em toda parte.

— O que há nele?

— É... — Phillip Chen se aproximou, e antes que Dunross pudesse detê-lo, tirou o pano de dentro do saco, sem tocar novamente no plástico. — Não pode haver digitais no pano, não é? Olhe!

O pano continha a maior parte de uma orelha humana, o corte limpo e bem-feito, e não irregular. Dunross praguejou baixinho.

— Como foi que a caixa chegou? — indagou.

— Chegou por mensageiro. — Phillip Chen voltou a embrulhar a orelha com mãos trêmulas, recolocando-a na caixa. — Abri... abri a caixa, como qualquer pessoa o faria. Foi entregue há cerca de meia hora.

— Por quem?

— Não sabemos. Era apenas um rapaz, disse a criada. Um rapaz de moto. Ela não o reconheceu nem tomou nota da placa. Recebemos muitas encomendas por mensageiro. Não havia nada fora do comum... exceto o "Sr. Phillip Chen, assunto de grande importância, para ser aberto pessoalmente", escrito do lado de fora do embrulho, e que ela não notou imediatamente. Quando abri o embrulho e li a carta... bem, foi só um rapaz que disse "Encomenda para o Sr. Phillip Chen" e foi embora.

— Já chamaram a polícia?

— Não, tai-pan, você disse para não fazer nada. Dunross foi até o telefone.

— Já falou com a mulher do John?

— Por que o Phillip deve dar-lhe as más notícias? — disse Dianne imediatamente. — Ela vai ter um ataque de destelhar a casa, pode apostar. Ligar para Barbara? Ah, não, caro tai-pan, não... só depois que tivermos informado a polícia. Eles que contem a ela. Sabem como fazer essas coisas.

A repulsa de Dunross aumentou.

— É melhor mandá-la vir para cá rapidamente.

Ligou para a chefatura de polícia e perguntou por Armstrong. Não estava. Dunross deixou o nome, e depois pediu para falar com Brian Kwok.

— Sim, tai-pan?

— Brian, pode vir para cá imediatamente? Estou na casa de Phillip Chen, aqui no Mirante de Struan. John Chen foi seqüestrado.

Contou-lhe sobre o conteúdo da caixa.

Houve um silêncio chocado, depois Brian Kwok falou:

— Vou já para aí. Não toque em nada e não deixe que ele fale com ninguém.

— Está certo.

Dunross desligou o aparelho.

— Dê-me a carta agora, Phillip.

Segurou-a com cuidado, pelas pontas. Os caracteres chineses estavam escritos com nitidez, mas não por uma pessoa instruída. Leu-a devagar, conhecendo a maioria dos caracteres.

"Sr. Phillip Chen, informo-lhe que estou precisando desesperadamente de quinhentos mil em moeda de Hong Kong e venho consultá-lo a esse respeito. O senhor é tão rico que é como arrancar um fio de cabelo de nove bois. Temendo que recuse, não tenho outra alternativa senão usar seu filho como refém. Agindo assim, não temerei sua recusa. Espero que pense seriamente no caso, três vezes, e leve-o em consideração. Depende do senhor chamar a polícia ou não. Estou enviando junto alguns artigos que seu filho usa diariamente como prova da situação em que se encontra. Envio também uma parte da orelha de seu filho. Deve se dar conta da inclemência e da crueldade das minhas ações. Se pagar o dinheiro sem problemas, a segurança de seu filho estará garantida. Escrito pelo Lobisomem."

Dunross indicou a caixa.

— Desculpe, mas reconhece a... bem... aquilo? Phillip Chen deu uma risada nervosa, e sua mulher também.

— Você reconhece, Ian? Conheceu John a sua vida inteira... Como se reconhece uma coisa dessas, heya?

— Mais alguém sabe do seqüestro?

— Não, exceto os criados, é claro, Shitee T'Chung e alguns amigos que estavam almoçando aqui comigo. Eles... estavam aqui quando o embrulho chegou. É, estavam aqui. Saíram pouco antes de você chegar.

Dianne Chen mudou de posição na cadeira e disse o que Dunross estava pensando.

— Então é claro que toda Hong Kong saberá do caso até o anoitecer!

— É. E haverá manchetes escandalosas ao alvorecer. —

Dunross tentou pôr em ordem a infinidade de perguntas e respostas que inundavam a sua mente. — A imprensa vai saber da... orelha e do Lobisomem e vai deitar e rolar.

— É, se vai.

Phillip Chen lembrou-se do que Shitee T'Chung havia dito no momento em que todos liam a carta.

"Não pague o resgate pelo menos durante uma semana, Phillip, velho amigo, e será famoso no mundo inteiro! Ayeeyah, imagine, um pedaço da orelha dele e Lobisomem! Eeee, será famoso no mundo inteiro!"

— Talvez não seja a orelha dele, talvez seja só um truque — disse Phillip Chen, esperançoso.

— É. — "Se for mesmo a orelha de John", pensou Dunross, muito perturbado, "e se já a mandaram no primeiro dia, sem tentar negociar nem nada, aposto que o pobre infeliz já está morto." — Não há motivo para feri-lo desse jeito — falou. — Claro que você vai pagar.

— Mas é claro. Que sorte não estarmos em Cingapura, não é?

— É. — Àquela época, em Cingapura, por lei, no momento em que alguém era seqüestrado, as contas bancárias de toda a família eram congeladas para impedir o pagamento aos seqüestradores. Lá os raptos tinham se tornado endêmicos, quase sem prisões dos envolvidos, pois os chineses preferiam pagar rápida e discretamente, sem nada comunicar à polícia. — Mas que filho da mãe! Pobre do John!

Phillip perguntou:

— Aceita um pouco de chá... ou uma bebida? Está com fome?

— Não, obrigado. Vou esperar até Brian Kwok chegar, depois vou embora. — Dunross olhou para a caixa e para as chaves. Vira aquele chaveiro muitas vezes. — Está faltando a chave da caixa de depósito do banco — falou.

— Que chave? — perguntou Dianne Chen.

— John sempre tinha uma chave da caixa de depósito no chaveiro.

Ela não se mexeu da cadeira.

— E agora não está aí?

— Não.

— Talvez você esteja enganado. Sobre o fato de ele sempre a trazer no chaveiro.

Dunross olhou para ela e depois para Phillip Chen. Ambos devolveram o seu olhar. "Bem", pensou, "se os bandidos não a pegaram, agora está com Phillip ou Dianne, e se eu fosse eles, faria o mesmo. Sabe lá Deus o que pode haver naquela caixa."

— Talvez você esteja enganado — falou, tranqüilamente.

— Chá, tai-pan? — perguntou Dianne, e ele viu a sombra de um sorriso no fundo dos olhos dela.

— Sim, acho que aceito — falou, sabendo que eles haviam ficado com a chave.

Ela se levantou e pediu o chá em voz alta, depois voltou a sentar-se.

— Eeeee, gostaria que andassem depressa... os policiais.

Phillip olhava pela janela para o jardim estorricado.

— Gostaria que chovesse.

— Imagino quanto vai custar para termos o John de volta — resmungou ela.

Depois de uma pausa, Dunross perguntou:

— E isso importa?

— Mas claro que importa — falou Dianne, prontamente. — Francamente, tai-pan!

— Ah, sim — ecoou Phillip Chen. — Quinhentos mil! Ayeeyah, quinhentos mil, uma fortuna. Malditas tríades! Bem, se pediram quinhentos mil, posso chegar a cento e cinqüenta mil... Graças a Deus não pediram um milhão! — As sobrancelhas dele se alçaram, e o rosto ficou mais cinzento ainda. — Dew neh loh moh para todos os seqüestradores. Deviam ser mortos... todos eles.

— É — confirmou Dianne. — Tríades nojentas. A polícia devia ser mais esperta! Mais viva e mais esperta, e nos proteger melhor.

— Isso não é justo — falou Dunross, vivamente. — Há anos que não há um seqüestro de importância em Hong Kong, e acontece todos os meses em Cingapura! O índice de crimes aqui é fantasticamente baixo... nossa polícia faz um excelente trabalho... excelente.

— Hum — debochou Dianne. — São todos corruptos. Por que outro motivo ser policial, senão para enriquecer? Não confio em nenhum deles... Sabemos, ora se sabemos! Quanto a seqüestros, o último foi há seis anos. A vítima foi meu primo em terceiro grau, Fun San Sung... a família teve que pagar seiscentos mil dólares para recebê-lo de volta... Quase a levou à falência.

— Ah! — ironizou Phillip Chen. — Levar à falência o Colibri Sung? Impossível!

Colibri Sung era um armador xangaiense riquíssimo, na casa dos cinqüenta anos, com um nariz afilado, comprido para um chinês. Seu apelido era Colibri Sung porque estava sempre dardejando de cabaré em cabaré, de flor em flor, em Cingapura, Bangkok, Taipé e Hong Kong, mergulhando o membro numa infinidade de "potes de mel" femininos, embora corresse o boato de que não era o membro, pois apreciava o sexo oral mútuo.

— Se bem me lembro, a polícia recuperou a maior parte do dinheiro, e mandou os criminosos para a cadeia por vinte anos.

— Foi isso mesmo, tai-pan. Mas levaram meses e meses. E não me admiraria se um ou dois policiais soubessem mais do que admitiam.

— Mas quanta bobagem! — exclamou Dunross. — Não tem nenhum motivo para acreditar numa coisa dessas! Nenhum.

— Isso mesmo! — concordou Phillip Chen, irritado. — Eles os prenderam, Dianne. — Ela olhou para ele, que imediatamente mudou o tom de voz. — Claro, minha querida, que alguns policiais podem ser corruptos, mas temos muita sorte aqui, muita sorte. Acho que não me incomodaria tanto, sobre John... é só uma questão de resgate, e temos tido sorte como família, até agora... não me incomodaria se não fosse por... por aquilo. — Fez um sinal para a caixa, enojado. — Terrível! E totalmente incivilizado.

— É — concordou Dunross, e ficou imaginando, se não fosse a orelha de John Chen, de quem seria... onde se arranja uma orelha? Quase riu do ridículo da sua pergunta. Depois, ficou matutando se o rapto teria alguma ligação com Tsu-yan, as armas e Bartlett. Não fazia o gênero dos chineses mutilar uma vítima. Não, e certamente não tão cedo. O seqüestro era uma antiga arte chinesa, e as regras sempre foram claras: "Pague e fique calado, e não haverá problema; protele e fale e haverá muitos problemas".

Ficou olhando pela janela para os jardins e para o imenso panorama setentrional da cidade e do mar, lá embaixo. Navios, juncos e sampanas pontilhavam o mar azul. O céu estava limpo, sem promessas de chuva, a monção de verão firme vinda do sudoeste. Dunross ficou imaginando distraidamente como seriam os veleiros antigos ao acompanhar o vento ou enfrentar os vendavais, na época dos seus ancestrais. Dirk Struan sempre tivera um vigia secreto no topo da montanha acima. De lá, o homem podia enxergar o sul, o leste e o oeste, e o grande canal Sheung Sz Mun, que vinha do sul para Hong Kong... o único caminho interno para os navios vindos de casa, da Inglaterra. Do Mirante de Struan, o vigia podia ver secretamente o navio-correio que chegava, e dar um sinal de aviso secreto lá para baixo. Então, o tai-pan despacharia um barco a vela rápido para pegar a correspondência primeiro, para ter algumas horas de vantagem sobre os seus rivais, essas poucas horas podendo significar a diferença comercial entre a fortuna e a falência... tão vasto era o tempo que os separava de casa. Não como agora, com comunicações instantâneas, pensou Dunross. "Temos sorte... não temos que esperar quase dois anos por uma resposta, como o Dirk. Jesus, mas que homem deve ter sido!

"Não posso falhar com Bartlett. Preciso daqueles vinte milhões."

— O negócio parece muito bom, tai-pan — disse Phillip Chen, como se lesse os seus pensamentos.

— É, é, sim.

— Se eles realmente entrarem com o dinheiro, faremos fortuna, e será h'eung yau para a Casa Nobre — acrescentou, com um amplo sorriso.

O sorriso de Dunross foi sardônico, mais uma vez. "H'eung yau" queria dizer "graxa fragrante", e normalmente se referia ao dinheiro, ao suborno, à proteção, que eram pagos por todos os restaurantes chineses, a maior parte das empresas, todas as casas de jogo, todos os cabarés, todas as damas da "vida fácil", às tríades, a alguma forma de tríade, em todo o mundo.

— Ainda me desconcerta saber que se paga h'eung yau onde houver um chinês fazendo negócio.

— Francamente, tai-pan — disse Dianne, como se ele fosse uma criança. — Como qualquer negócio pode existir sem proteção? A gente espera pagar, naturalmente, e paga, e pronto. Todos pagam h'eung yau... alguma forma de h'eung yau. — As contas de jade do seu colar fizeram barulho quando ela mudou de posição na cadeira, os olhos escuríssimos na brancura do rosto... tão valorizada pelos chineses. — Mas o negócio com Bartlett, tai-pan, acha que vai se realizar?

Dunross observou-a. "Ah, Dianne", disse consigo mesmo "você sabe de cada detalhe importante sobre os negócios de Phillip e dos meus, e muito mais coisas que fariam Phillip chorar de raiva se soubesse que você sabe. Portanto, sabe que a Struan poderia ficar encrencadíssima se não houvesse nenhum negócio com Bartlett, mas que, se ele for consumado, nossas ações subirão como um foguete, e seremos ricos outra vez... e você também será, se puder entrar no jogo logo no começo, se puder comprar no começo.

"É.

"E eu conheço vocês, senhoras chinesas de Hong Kong, como o pobre Phillip não conhece, porque não sou nem um tiquinho chinês. Sei que vocês, senhoras chinesas de Hong Kong, são as mulheres mais duronas do mundo quando se trata de dinheiro... ou talvez as mais práticas. E você, Dianne, sei também o quanto está eufórica agora, embora possa fingir o oposto. Porque John Chen não é seu filho. Com ele eliminado, seus dois filhos serão os herdeiros diretos, e o mais velho, Kevin, o herdeiro evidente. Portanto, rezará, como nunca rezou antes, para que John tenha desaparecido para sempre. Está encantada. John foi seqüestrado, provavelmente assassinado, mas, e quanto à transação com Bartlett?"

— As mulheres são tão práticas — comentou.

— Como assim, tai-pan? — perguntou, estreitando os olhos.

— Mantêm as coisas em perspectiva.

— Às vezes não o compreendo nem um pouquinho, tai-pan — replicou ela, uma ponta de irritação na voz. — O que mais podemos fazer agora por John Chen? Nada. Fizemos tudo o que foi possível. Quando o bilhete de resgate chegar, negociaremos e pagaremos, e tudo será como antes. Mas o negócio com Bartlett é importante, muito importante, importantíssimo, aconteça o que acontecer, heya? Moh ching, moh meng. Sem dinheiro, sem vida.

— Isso mesmo. É muito importante, tai-pan. — Phillip olhou para a caixa e estremeceu. — Acho que, nas atuais circunstâncias, tai-pan, se puder nos desculpar logo mais à noite... não ach...

— Não, Phillip — disse a mulher com firmeza. — Não. Precisamos ir. É uma questão de prestígio para toda a Casa. "Iremos hoje à noite, e toda a Hong Kong só falará de nós. iremos, segundo os planos.

— Bem, se você acha melhor.

— Acho. — "Ora se acho", pensava, replanejando toda a sua toalete para realçar o efeito dramático da entrada deles. "Iremos hoje à noite, e toda a Hong Kong só falará de nós. Levaremos Kevin, é claro. Talvez já seja o herdeiro, agora. Ayeeyah! Com quem deve meu filho se casar? Preciso pensar no futuro, agora. Vinte e dois é uma idade perfeita, e preciso pensar no seu futuro. É, uma mulher. Quem? É melhor eu escolher a garota certa imediatamente, depressa, se for o herdeiro, antes que alguma rapariga com fogo entre as pernas e uma mãe esperta o façam por mim. Ayeeyah", pensou, exaltando-se, "os deuses nos livrem de tal coisa!" — É — falou, tocando os olhos com o lenço, como se ali houvesse alguma lágrima —, nada mais há a ser feito pelo pobre John, senão esperar... e continuar a trabalhar, planejar e manobrar para o bem da Casa Nobre. — Ergueu para Bartlett os olhos brilhantes. — O negócio com Bartlett resolveria tudo, não é?

— É.

"E estão ambos certos", pensou Dunross. "Não há mais nada a ser feito no momento. Os chineses são muito sábios e muito práticos.

"Portanto, concentre-se nas coisas importantes", disse para si mesmo. "Coisas importantes... por exemplo, você joga? Pense. Que melhor local ou hora do que aqui e agora poderia achar para começar a pôr em prática o plano que vem delineando desde que conheceu Bartlett?

"Nenhum."

— Ouçam — falou, decidindo irrevogavelmente, depois lançou um olhar para a porta que dava para os alojamentos dos criados, certificando-se de que estavam sós. Baixou o tom de voz para um sussurro conspiratório, e Phillip e a mulher se debruçaram para a frente para ouvir melhor. — Tive uma reunião particular com Bartlett antes do almoço. Fechamos o negócio. Vai precisar de umas pequenas alterações, mas assinamos o contrato formalmente na terça-feira da semana que vem. Os vinte milhões estão garantidos, e mais vinte no ano que vem.

Phillip Chen abriu um sorriso de orelha a orelha.

— Parabéns.

— Fale baixo, Phillip — sibilou a mulher, igualmente satisfeita. — Aqueles escravos de boca de tartaruga na cozinha têm ouvidos que escutam o que se fala em Java. Ah, mas que notícia fantástica, tai-pan!

— Manteremos isso em família — falou Dunross, suavemente. — Hoje à tarde darei ordem aos nossos corretores para começarem a comprar ações da Struan em segredo... cada tostão disponível que tivermos. Façam o mesmo, em lotes pequenos, e espalhem as ordens por corretores e representantes diferentes... o de sempre.

— Sim, claro que sim.

— Eu pessoalmente comprei quarenta mil hoje de manhã.

— Quanto as ações vão subir? — quis saber Dianne Chen.

— Vão dobrar!

— Em quanto tempo?

— Trinta dias!

— Eeee — exclamou ela alegremente. — Imaginem só!

— É — disse Dunross, amavelmente. — Imaginem só! E vocês dois só contarão aos parentes muito íntimos, que são muitos, e eles só contarão aos parentes muito íntimos deles, que são uma infinidade, e todos vocês comprarão e comprarão, porque esta é uma "dica" folheada a ouro, mais certa é impossível, o que acrescentará mais combustível ao aumento das ações. O fato de que é só uma transa de família com certeza vai escapar da boca de alguém, e mais gente entrará na dança, depois mais, e depois a declaração formal do negócio com a Par-Con aumentará o fogo, e então, na semana que vem, anunciarei a proposta para a compra do controle das Propriedades Asiáticas, e então Hong Kong inteira comprará. Nossas ações atingirão a estratosfera. E então, no momento certo, deixo de lado as Propriedades Asiáticas e parto para o alvo real.

— Quantas ações, tai-pan? — perguntou Phillip Chen, a cabeça cheia dos próprios cálculos dos possíveis lucros.

— O máximo. Mas tem que se limitar à família. Nossas ações vão liderar a alta da Bolsa.

Dianne soltou uma exclamação abafada.

— Vai haver uma alta?

— Vai. Vamos liderá-la. A hora é essa, todos em Hong Kong estão prontos. Vamos fornecer os meios, vamos ser os líderes, e com um bom empurrão aqui e ali, vai haver uma disparada.

Fez-se um grande silêncio. Dunross ficou observando a avareza no rosto dela.

Seus dedos brincavam com as contas de jade. Viu Phillip fitando a distância, sabia que parte da sua mente de homem de negócios estava nas várias notas promissórias que ele, Phillip, subscrevera pela Struan, e que venciam num período de treze a trinta dias: doze milhões de dólares americanos para as Indústrias de Navegação Toda de Yokohama, pelos dois cargueiros gigantes, seis milhões e oitocentos mil para o Orlin International Merchant Bank, e setecentos e cinqüenta mil para Tsu-yan, que cobrira um outro problema para ele. Mas a maior parte da mente de Phillip estaria concentrada nos vinte milhões de Bartlett e na alta das ações... na duplicação que ele previra arbitrariamente.

Duplicação?

De jeito nenhum... não, não havia a menor chance disso.

A não ser que houvesse uma alta desenfreada. A não ser que houvesse uma alta!

Dunross sentiu o coração bater mais rápido.

— Se houver uma alta... Santo Deus, Phillip, podemos ter sucesso!

— É, é, concordo. Hong Kong está no ponto. Ah, sim. —

Os olhos de Phillip Chen brilharam, seus dedos tamborilaram na mesa. — Quantas ações, tai-pan?

— Todo tos...

Excitada, Dianne interrompeu Dunross.

— Phillip, na semana passada meu astrólogo disse que este ia ser um mês importante para nós! Uma alta da Bolsa! Era a isso que devia estar se referindo.

— É verdade, lembro que você me contou, Dianne. Oh, oh, oh! Quantas ações, tai-pan? — perguntou de novo.

— Todo tostão disponível! Esta vai ser a grande oportunidade. Mas só a família até sexta-feira. Exclusivamente, até sexta-feira. Depois que a Bolsa fechar, deixarei transpirar a conclusão do negócio com Bartlett...

— Eeee — sibilou Dianne.

— É. Durante o fim de semana direi "nada a comentar"; certifique-se de que não possam localizá-lo, Phillip, e na segunda de manhã todo mundo estará indócil na pista. Ainda direi "nada a comentar", mas na segunda compraremos abertamente. Então, logo depois que se encerrar o expediente comercial de segunda, anunciarei a confirmação da transação. E aí, na terça...

— Vai começar a alta!

— É.

— Oh, dia feliz — coaxava Dianne, radiante. — E cada amah, camareiro, cule ou comerciante perceberá que a sorte está do seu lado, e tirará suas economias, e comprará, e todas as ações dispararão. Que pena que não vai haver um editorial amanhã... melhor ainda, um astrólogo num dos jornais... que tal o Fong Cem Anos... ou... — Estava quase vesga, de tão excitada. — E quanto a o astrólogo, Phillip?

Ele a fitou, chocado.

— O Velho Cego Tung?

— Por que não? Um pouco de h'eung yau na palma da sua mão... ou a promessa de algumas ações escolhidas. Heya?

— Bem, eu...

— Deixe comigo. O Velho Cego Tung me deve um ou dois favores, mandei-lhe um bocado de clientes! É. E ele não vai estar longe da verdade anunciando que os desígnios do céu prevêem a maior alta na história de Hong Kong, vai?


Загрузка...