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9h25m

Dunross fez a curva rapidamente no seu Jaguar, subindo a estrada sinuosa com facilidade, depois dobrou numa entrada para carros e parou a dois centímetros dos altos portões. Os portões incrustavam-se em muros altos. Dali a um momento, o porteiro chinês espiou pela porta lateral. Quando reconheceu o tai-pan, abriu inteiramente os portões e fez sinal para que ele entrasse.

O caminho subia em curva e terminava diante de uma mansão chinesa. Dunross saltou. Outro criado cumprimentou-o silenciosamente. Os jardins eram bem-cuidados, e, descendo-se uma encosta, havia uma quadra de tênis onde quatro chineses, dois homens e duas mulheres, jogavam uma partida de duplas mistas. Não deram atenção a ele, e Dunross não reconheceu nenhum dos quatro.

— Por favor, siga-me, tai-pan — disse o criado.

Dunross disfarçou sua curiosidade ao entrar numa ante-sala. Era a primeira vez que ele, ou qualquer um que conhecesse, era convidado a entrar na casa de Tiptop. O interior era limpo, mas estava atulhado da mistura chinesa, descuidada mas habitual, de belas antigüidades laqueadas e bric-à-brac feio e moderno. As paredes eram de lambris, onde algumas gravuras ordinárias estavam penduradas. Ele se sentou. Um outro criado trouxe o chá e serviu-o.

Dunross podia sentir que estava sendo observado, mas isso também era comum. A maioria dessas casas antigas tinha visores nas paredes e portas... mesmo na Casa Grande havia muitos.

Quando voltara à Casa Grande de madrugada, Iá pelas quatro horas, fora direto ao seu escritório e abrira o cofre. Não havia dúvida, apenas a um olhar superficial, de que uma das moedas restantes se encaixava nas impressões da matriz de cera de Wu Quatro Dedos. Nenhuma dúvida. Os dedos dele tremiam ao tirar a meia moeda do lacre que a prendia à bíblia de Dirk Struan, e ao limpá-la. Ela se encaixava perfeitamente nos recortes.

— Deus meu! — murmurou. — E agora?

Depois, recolocara a matriz e a moeda no cofre. Seus olhos depararam com a automática carregada e o espaço vazio onde ficavam as pastas de Alan M. Grant. Inquieto, trancara de novo o cofre e fora para a cama. Havia um recado no seu travesseiro:

"Querido papai: Quer me acordar quando sair? Queremos ir assistir aos treinos. Beijos, Adryon. P. S. — Posso convidar o Martin para as corridas no sábado, por favor, por favor, por favor? P. P. S. — Acho que ele é legal. P. P. P. S. — Você também é legal. P. P. P. P. S. — Está chegando tarde, não é? São três horas e dezesseis minutos!!!"

Ele fora na ponta dos pés ao quarto dela e abrira a porta, mas ela dormia a sono solto. Quando saiu de casa, teve de bater na porta duas vezes para acordá-la.

— Adryon! São seis e meia.

— Ah! Está chovendo? — perguntou, sonolenta.

— Não, mas não demora. Quer que abra as persianas?

— Não, papai querido, obrigada... não faz mal, Martin não vai... se importar.

Abafara um bocejo. Fechara os olhos e, quase instantaneamente, ferrara no sono de novo.

Divertido, ele a sacudira de leve, mas ela não acordara. "Não faz mal, papai, Martin não vai... " E agora, lembrando-se das suas palavras, de como era linda, e do que sua mulher dissera a respeito da pílula, resolveu fazer uma verificação muito séria sobre Martin Haply. Por via das dúvidas.

— Ah, tai-pan, desculpe tê-lo feito esperar. Dunross levantou-se e apertou a mão estendida.

— É muita gentileza sua receber-me, sr. Tip. Lamento saber que está resfriado.

Tip Tok-toh estava na casa dos sessenta anos, era grisalho, tinha um rosto redondo e simpático. Usava um roupão, tinha os olhos vermelhos e o nariz entupido, a voz um pouco rouca.

— Temos um clima horrível. No fim de semana passado fui velejar com Shitee T'Chung, e devo ter pegado um golpe de ar.

Seu sotaque era ligeiramente americano, talvez canadense. Nem Dunross nem Alastair Struan jamais haviam conseguido que falasse sobre o seu passado, nem Johnjohn ou os outros banqueiros tinham ouvido falar dele nos círculos bancários na época da China nacionalista, antes de 1949. Até mesmo Shitee T'Chung e Phillip Chen, que o recebiam com festas suntuosas, nada conseguiam arrancar dele. Os chineses deram-lhe o apelido de "A Ostra".

— O tempo tem andado ruim — concordou Dunross, amavelmente. — Graças a Deus pela chuva.

Tiptop fez sinal para o homem ao seu lado.

— Este é um associado, sr. L'eung.

O sujeito era um tipo comum. Usava uma jaqueta parda maoísta e calças pardas. Sua fisionomia era fechada, fria e reservada. Fez um gesto de cabeça, que Dunross retribuiu. "Associado" podia cobrir uma infinidade de funções, desde patrão a intérprete, de comissário a guarda.

— Aceita um pouco de café?

— Obrigado. Já experimentou vitamina C para curar o seu resfriado?

Pacientemente, Dunross começou o bate-papo formal que antecederia o motivo real da visita. Na noite anterior, enquanto esperava por Brian Kwok no Quance Bar, resolvera que valia fazer uma tentativa quanto à proposta de Johnjohn. Por isso, ligara para Phillip Chen e pedira-lhe que solicitasse um encontro na manhã seguinte. Teria sido igualmente fácil ligar diretamente para Tiptop, mas não seria o protocolo chinês correto. O costume chinês exigia um intermediário mutuamente amistoso. Assim, se o pedido fosse recusado, ninguém perdia prestígio, nem quem pedia, nem aquele a quem o pedido era feito, e nem o intermediário.

Dunross prestava atenção apenas parcial a Tiptop, conversando polidamente, surpreso de ainda estarem falando em inglês, por causa de L'eung. Isso só podia significar que o inglês do homem também era perfeito e, possivelmente, que ele não entendia nem cantonense nem xangaiense, que Tiptop falava, e Dunross falava fluentemente. Esgrimiu com Tiptop, esperando a abertura que o banqueiro lhe daria. Finalmente, ela chegou.

— Este colapso de suas ações na Bolsa deve estar lhe causando preocupações, tai-pan.

— Está, sim, mas não é um colapso, sr. Tip, apenas uma readaptação. O mercado vai e vem.

— E o sr. Gornt?

— Quillan Gornt é Quillan Gornt, e está sempre tentando morder os nossos calcanhares. Todos os corvos sob os céus são negros — replicou Dunross, mantendo a voz natural, imaginando quanto o homem saberia.

— E a confusão do Ho-Pak? Também é uma readaptação?

— Não, não, esse é mesmo um problema. Infelizmente, parece que o Ho-Pak está sem sorte.

— É, sr. Dunross, mas a sorte não tem muito a ver com isso. É o sistema capitalista, além da incapacidade do Banqueiro Kwang.

Dunross ficou calado. Desviou os olhos momentaneamente para L'eung, que se sentava rigidamente imóvel, e muito atento. Seus ouvidos estavam concentrados, e sua mente também, buscando perceber as correntes ocultas do que era dito.

— Não tenho nada a ver com os negócios do sr. Kwang, sr. Tip. Infelizmente, a corrida ao Ho-Pak está se espalhando para os outros bancos, e isso é muito ruim para Hong Kong e também, acho eu, para a República Popular da China.

— Não para a República Popular da China. Como pode ser ruim para nós?

— A China é a China, o Reino Médio. Nós, da Casa Nobre, sempre consideramos a China como mãe e pai da nossa casa. Agora, nossa base em Hong Kong está sitiada, o que na verdade nada significa... apenas uma falta temporária de confiança, e de cerca de uma semana de dinheiro vivo. Nossos bancos têm todas as reservas, toda a fortuna e toda a força de que necessitam para atuar... para ajudar velhos amigos, velhos clientes, e a nós mesmos.

— Então por que não imprimem mais dinheiro, se a moeda é forte?

— É uma questão de tempo, sr. Tip. Não é possível para a Casa da Moeda imprimir suficiente dinheiro de Hong Kong.

— Mais pacientemente ainda, Dunross respondeu às perguntas, sabendo agora que a maioria delas eram feitas por causa de L'eung, o que indicava que L'eung era mais antigo que Tiptop, um membro mais graduado do partido, e não era banqueiro.

— Nossa solução provisória seria trazer para cá, imediatamente, alguns carregamentos por via aérea de libras esterlinas, para cobrir as retiradas.

Notou que os olhos de ambos os homens se estreitaram ligeiramente.

— Isso não iria apoiar o dólar de Hong Kong.

— É, nossos banqueiros sabem disso. Mas o Blacs, o Victoria e o Banco da Inglaterra decidiram que isso seria o melhor, provisoriamente. Simplesmente não temos dinheiro suficiente de Hong Kong para satisfazer todos os depositantes.

O silêncio tornou-se mais denso. Dunross esperava. Johnjohn lhe dissera que acreditava que o Banco da China não devia possuir reservas substanciais de libras por causa das restrições monetárias aos seus movimentos para e da Inglaterra, mas possuía quantias bem substanciais em dólares de Hong Kong, para os quais não havia restrições de exportação.

— Não seria nada bom que o dólar de Hong Kong ficasse enfraquecido — disse Tip Tok-toh. Assoou o nariz, ruidosamente. — Nada bom para Hong Kong.

— É.

Os olhos de Tip Tok-toh endureceram, e ele se debruçou para a frente.

— É verdade, tai-pan, que o Orlin Merchant Bank não vai renovar o seu crédito?

O coração de Dunross bateu mais depressa.

— É.

— E é verdade que o seu belo banco não quer cobrir esse empréstimo, nem adiantar-lhe o bastante para evitar o ataque da Rothwell-Gornt às suas ações?

— É — respondeu Dunross, muito satisfeito ao perceber que sua voz estava calma.

— E é verdade que muitos dos seus velhos amigos lhe recusaram crédito? — É.

— E é verdade que... Hiro Toda chega esta tarde e exige para breve o pagamento dos navios encomendados ao seu estaleiro japonês?

— É.

— E é verdade que Mata e Tung, e a sua Great Good Luck Company de Macau triplicaram a sua encomenda normal de ouro em barras, mas não querem ajudá-lo diretamente?

— É — replicou Dunross, sua já aguçada concentração aumentando.

— E é verdade que os cães soviéticos hegemonistas solicitaram, mais uma vez, atrevidamente, muito, muito atrevidamente, licença para operar bancos em Hong Kong?

— Creio que sim. Johnjohn me contou que sim. Não tenho certeza, mas imagino que ele não me contaria uma inverdade.

— O que foi que ele lhe disse?

Dunross repetiu o comentário palavra por palavra, encerrando com:

— Sem dúvida a solicitação seria recusada por mim, as diretorias de todos os bancos britânicos, todos os tai-pans e o governador. Johnjohn também disse que os hegemonistas tiveram a desfaçatez de oferecer quantias substanciais e imediatas em dólares de Hong Kong para auxiliá-los na dificuldade atual.

Tip Tok-toh acabou seu café.

— Aceita mais um pouco?

— Obrigado — aceitou Dunross. Notou que L'eung serviu o café, e sentiu que tinha dado um grande passo à frente. Na noite anterior, mencionara delicadamente o banco de Moscou a Phillip Chen, sabendo que Phillip saberia como passar adiante a informação, o que naturalmente indicaria a um homem astuto como Tiptop o motivo real da urgência do encontro, e assim dar-lhe-ia tempo necessário para entrar em contato com a pessoa que tomava as decisões, que avaliaria a sua importância e os meios de concordar, ou não. Dunross podia sentir um brilho de suor na testa, e rezou para que nenhum dos homens à sua frente o notasse. Sua ansiedade faria subir o preço... caso fosse feito algum negócio.

— Terrível, terrível — disse Tiptop, pensativo. — Tempos terríveis! Velhos Amigos abandonando Velhos Amigos, inimigos sendo bem-vindos ao lar... terrível. Ah, a propósito, tai-pan, um dos nossos Velhos Amigos pediu-me que lhe perguntasse se poderia providenciar para ele um carregamento de mercadorias. Óxido de tório, acho que era.

Com grande esforço Dunross manteve a fisionomia serena. O óxido de tório era um óxido raro, o ingrediente essencial para camisas de lampião a gás à moda antiga: fazia com que a camisa emitisse sua brilhante luz branca. No ano anterior, soubera por acaso que Hong Kong se havia tornado recentemente o seu maior usuário, depois dos Estados Unidos. Sua curiosidade aumentara, pois a Struan não estava envolvida no que obviamente era um comércio lucrativo. Logo descobriu que o acesso ao material era relativamente fácil, e que o comércio era prodigioso, muito secreto, realizado por vários pequenos importadores, todos muito imprecisos quanto aos seus negócios. Na natureza, o tório ocorria em vários isótopos radioativos. Alguns deles eram facilmente convertidos em urânio fissionável 235, e o tório 232 por si só era um material criador imensamente valioso para um reator nuclear. Naturalmente, esse e muitos outros derivados do tório eram materiais estratégicos restritos, mas ele ficara espantadíssimo ao saber que o óxido e o nitrato, facilmente conversíveis quimicamente, não o eram.

Nunca pôde descobrir para onde realmente iam os óxidos de tório. Claro que para a China. Há bastante tempo que ele e outros vinham suspeitando que a RPC tinha um programa atômico intensivo, embora todos acreditassem que estivesse ainda em fase de projeto, e a pelo menos dez anos de sua consecução. Pensar na China possuidora de armas nucleares enchia-o de sentimentos contraditórios. Por um lado, qualquer proliferação nuclear era perigosa; por outro, como potência nuclear, a China instantaneamente se tornaria uma rival formidável da Rússia soviética, até mesmo uma ameaça, certamente invencível, especialmente se também tivesse os meios de desfechar um ataque de retaliação.

Dunross notou que os dois homens olhavam para ele. A veiazinha da testa de L'eung pulsava, embora seu rosto estivesse impassível.

— Isso seria possível, sr. Tip. De quanto precisariam, e para quando?

— Acredito que imediatamente, o máximo que puder ser obtido. Como sabe, a RPC está tentando se modernizar, mas grande parte da nossa iluminação ainda é a gás.

— Naturalmente.

— Onde obteria os óxidos e os nitratos?

— A Austrália seria provavelmente o meio mais rápido, embora não tenha idéia, no momento, da qualidade. Fora dos Estados Unidos — acrescentou delicadamente —, só são encontrados na Tasmânia, no Brasil, na Índia, na África do Sul, na Rodésia e nos montes Urais... onde se encontram em abundância. — Nenhum dos dois homens sorriu. — Imagino que a Tasmânia e a Rodésia seriam os melhores locais. Há alguém com quem Phillip e eu devamos tratar?

— Com o sr. Vee Cee Ng, no Edifício Princes. Dunross engoliu um assobio, enquanto encaixava outro pedaço do quebra-cabeça. O sr. Vee Cee Ng, Ng Fotógrafo, era grande amigo de Tsu-yan, o Tsu-yan desaparecido, seu velho amigo e associado que fugira misteriosamente para a China, cruzando a fronteira em Macau. Tsu-yan fora um dos importadores de tório. Até agora, a ligação não lhe parecera importante.

— Conheço o sr. Ng. A propósito, como vai meu velho amigo Tsu-yan?

L'eung ficou obviamente sobressaltado. "Bem na mosca", pensou Dunross, sombriamente, chocado por nunca ter suspeitado de que Tsu-yan fosse comunista, ou tivesse tendências comunistas.

— Tsu-yan? — Tiptop franziu o cenho. — Há mais de uma semana não o vejo. Por quê?

— Ouvi dizer que estava visitando Pequim, via Macau.

— Curioso! Muito curioso. Por que iria querer fazer isso... um arquicapitalista? Bem, as surpresas nunca cessam. Se tiver a gentileza de entrar em contato diretamente com o sr. Ng, estou certo de que ele lhe dará os detalhes.

— Farei isso hoje mesmo, logo que chegar ao escritório. Dunross esperou. Haveria outras concessões antes que eles fornecessem o que ele buscava, se é que seria fornecido. Sua cabeça fervilhava com as implicações do primeiro pedido: como obter os óxidos de tório, se deveria obtê-los. Queria saber a quantas ia a RPC com o seu programa atômico, sabendo que jamais lhe contariam. L'eung pegou um maço de cigarros e lhe ofereceu um.

— Não, obrigado.

Os dois outros homens acenderam seus cigarros. Tiptop tossiu e assoou o nariz.

— É curioso, tai-pan — disse —, muito curioso que o senhor se esforce tanto para ajudar o Victoria e o Blacs, e todos os seus bancos capitalistas, enquanto corre o forte boato de que eles não o ajudarão nas suas dificuldades.

— Talvez enxerguem o quanto estão errados — disse Dunross. — Às vezes é necessário esquecer interesses atuais para o bem comum. Seria ruim para o Reino Médio se Hong Kong fraquejasse. — Notou o escárnio no rosto de L'eung, mas nem se incomodou. — Um antigo preceito chinês diz que não se devem esquecer os Velhos Amigos, os amigos de confiança, e enquanto eu for tai-pan da Casa Nobre e tiver poder, sr. Tip, eu e os que são como eu... o sr. Johnjohn, por exemplo, e o governador... dedicaremos amizade eterna ao Reino Médio e jamais permitiremos que os hegemonistas floresçam na nossa rocha árida.

Tiptop disse, vivamente:

— É a nossa rocha árida, Sr. Dunross, que está sendo atualmente administrada pelos britânicos, não é?

— Hong Kong é e sempre foi solo do Reino Médio.

— Aceitarei sua definição, por enquanto, mas tudo em Kowloon e nos Novos Territórios ao norte da Boundary Road reverterá para nós daqui a uns trinta e cinco anos, não é? Mesmo que vocês aceitem os Tratados Desiguais impostos aos nossos antepassados, que nós não aceitamos.

— Meus antepassados sempre acharam seus Velhos Amigos sensatos, muito sensatos, incapazes de cortar fora os seus Talos para irritar um Portão de Jade.

Tiptop achou graça. L'eung continuou de cara fechada e hostil.

— O que prevê que acontecerá em 1997, sr. Dunross?

— Não sou o Velho Cego Tung, nem um vidente, sr. Tip. — Dunross deu de ombros. — Que 1997 cuide de 1997. Velhos Amigos ainda precisarão de Velhos Amigos, heya?

Depois de uma pausa, Tiptop disse:

— Se o seu banco não ajudar a Casa Nobre, nem os Velhos Amigos, nem o Orlin, como continuará sendo a Casa Nobre?

— Meu antepassado, o Demônio de Olhos Verdes, teve que responder à mesma pergunta feita pelo Grande e Honorável Jin-qua, quando estava sendo acossado pelos inimigos, Tyler Brock e sua escória. Apenas riu e disse: "Neng che to lao, um homem capaz tem muitos fardos". Como sou mais capaz do que a maioria, tenho que suar mais do que a maioria. Tip Tok-toh sorriu com ele.

— E está suando, sr. Dunross?

— Bem, coloquemos a coisa nestes termos — disse Dunross, alegremente: — estou tentando evitar o octagésimo quarto. Como sabe, Buda disse que todos os homens têm oitenta e três fardos. Se conseguimos eliminar um deles, automaticamente adquirimos outro. O segredo da vida é adaptar-se aos oitenta e três e evitar a todo custo adquirir o octagésimo quarto.

O homem mais velho sorriu.

— Já considerou a venda de parte de sua companhia, talvez até cinqüenta e um por cento?

— Não, sr. Tip. O velho Demônio de Olhos Verdes nos proibiu isso. — As ruguinhas ao redor dos olhos de Dunross apareceram, quando sorriu. — Ele queria que suássemos.

— Torçamos para que o senhor não sue demais. É. — Tiptop apagou o cigarro. — Em épocas difíceis, seria bom para o Banco da China ter uma ligação mais estreita com o seu sistema bancário. Assim, essas crises não seriam tão contínuas.

Prontamente, os pensamentos de Dunross deram um salto à frente.

— Será que o Banco da China consideraria a possibilidade de um contato permanente postado dentro do Vic, e um equivalente no seu banco? — Notou o sorriso fugaz e soube que adivinhara corretamente. — Isso asseguraria um controle íntimo de qualquer crise, e lhes daria assistência, caso viessem a precisar de assistência internacional.

— O presidente Mao aconselha a auto-ajuda, e é o que estamos fazendo. Mas a sua sugestão pode ser válida. Terei prazer em passá-la adiante.

— Estou certo de que o banco ficaria grato se o senhor recomendasse alguém para ser o seu contato no grande Banco da China.

— Também terei prazer em passar isso adiante. Acha que o Blacs ou o Victoria adiantariam o câmbio externo necessário para as importações do sr. Ng?

— Estou certo de que ficariam encantados em ser úteis, o Victoria sem dúvida. Afinal de contas, o Victoria tem mais de um século de associação com a China. Não foi instrumento importante na realização da maioria dos seus empréstimos externos, para ferrovias, aviões?

— Com grande lucro — disse Tiptop, secamente. Seus olhos dardejaram para L'eung, que fitava Dunross intensamente. — Lucro capitalista — acrescentou, fracamente.

— Exatamente — disse Dunross. — Precisa desculpar-nos, a nós, capitalistas, sr. Tip. Talvez nossa única defesa seja que muitos de nós somos Velhos Amigos do Reino Médio.

L'eung falou rapidamente com Tiptop num dialeto que Dunross não compreendeu. Tiptop respondeu afirmativamente. Os dois homens olharam para Dunross.

— Desculpe-me, sr. Dunross, mas precisa me dar licença agora. Tenho que tomar uns remédios. Talvez possa me telefonar depois do almoço. Digamos Iá pelas duas e meia, aqui para casa mesmo.

Dunross levantou-se e estendeu a mão, sem ter certeza de ter tido êxito, mas certo de que precisava agir depressa quanto ao tório, sem dúvida antes das duas e meia.

— Obrigado por receber-me.

— E quanto ao nosso quinto páreo? — perguntou o homem mais velho, erguendo os olhos para ele, enquanto o acompanhava até a porta.

— Noble Star vale uma aposta. De qualquer tipo.

— Ah! Butterscotch Lass?

— Também.

— E Pilot Fish? Dunross riu.

— O garanhão é bom, mas não pertence à mesma classe, a não ser que ocorra um ato de Deus, ou do Diabo.

Estavam agora à porta da frente, e um criado a escancarou. Novamente L'eung falou no dialeto que Dunross não reconheceu. Novamente Tiptop respondeu afirmativamente, e foi na frente, mostrando o caminho. Logo que saíram da casa, L'eung afastou-se em direção à quadra de tênis.

— Gostaria que conhecesse um amigo, um novo amigo, sr. Dunross — falou Tiptop. — Ele poderá, quem sabe, fazer muitos negócios com o senhor, no futuro. Se o senhor quiser.

Dunross notou os olhos empedernidos, e seu bom humor desapareceu.

O chinês que vinha vindo com L'eung era bem-feito de corpo, elegante, na casa dos quarenta anos. Tinha os cabelos negro-azulados despenteados por causa do jogo, o uniforme de tênis moderno, vistoso e americano. Na quadra às suas costas os outros três esperavam e observavam. Todos estavam bem-vestidos, e em boa forma física.

— Posso lhe apresentar o dr. Joseph Yu, da Califórnia? Sr. Ian Dunross.

— Oi, sr. Dunross — cumprimentou-o o dr. Joseph Yu com tranqüila familiaridade americana. — O sr. Tip já me falou a seu respeito, e da Struan... prazer em conhecê-lo. O sr. Tip achou que devíamos conhecer-nos antes que eu me vá... vamos embora para a China amanhã, Betty e eu... minha mulher e eu. — Fez um gesto impreciso de mão na direção de uma das mulheres na quadra de tênis. — Não esperamos voltar tão cedo, portanto gostaria de marcar um encontro com o senhor em Cantão, daqui a um mês, mais ou menos. — Lançou um olhar para Tiptop. — Não haverá problemas com o visto do sr. Dunross?

— Não, dr. Yu. Ah, não, de modo algum.

— Ótimo. Se eu ligar para o senhor, sr. Dunross, ou o sr. Tip ligar, podemos combinar alguma coisa com uns dois dias de antecedência?

— Claro que sim, se toda a parte burocrática estiver pronta — disse Dunross, mantendo o sorriso no rosto, notando a dureza confiante de Yu. — O que está pretendendo?

— Se nos dão licença — falou Tiptop —, vamos deixá-los sozinhos.

Fez um gesto cortês de cabeça e voltou com L'eung para dentro da casa.

— Sou dos Estados Unidos — continuou Yu, animado —, americano de nascimento, de Sacramento. Sou californiano de terceira geração, embora tenha sido educado, em parte, em Cantão. Tirei o meu Ph. D. em Stanford, engenharia aeroespacial, minha especialidade. Foguetes e combustíveis para foguetes. Passei na nasa os meus melhores anos, os melhores desde a faculdade. — Yu não sorria mais. — O que vou encomendar é todo tipo de equipamento metalúrgico e ferramentas aeroespaciais sofisticadas. O sr. Tip me disse que o senhor seria a nossa melhor opção como importador. Os britânicos, depois os franceses e os alemães, talvez os japoneses, serão os fabricantes. Está interessado?

Dunross ouvia com uma preocupação crescente, que não se incomodou em disfarçar.

— Desde que não seja material estratégico e restrito — disse.

— Será principalmente estratégico e principalmente restrito. Está interessado?

— Por que está me contando tudo isso, dr. Yu? Yu sorriu apenas formalmente.

— Vou reorganizar o programa espacial da China. — Os olhos dele estreitaram-se ainda mais, enquanto observava Dunross atentamente. — Acha isso surpreendente?

— Acho.

— Eu também. — Yu lançou um olhar para a mulher, depois voltou a fitar Dunross. — O sr. Tip me disse que se pode confiar no senhor. Acha que o senhor é justo, e que como lhe deve um ou dois favores, passará adiante um recado meu. — A voz de Yu tornou-se mais dura. — Estou lhe contando isso para que, quando ler sobre o meu falecimento, ou seqüestro, ou alguma merda de "enquanto estava mentalmente perturbado", saiba que é tudo mentira, e me faça o favor de dar esse recado à CIA, que o passará adiante. A verdade! — Inspirou fundo. — Estou indo por livre e espontânea vontade. Nós dois estamos. Há três gerações meu povo, que é o melhor contingente de imigrantes que existe, vive espezinhado nos Estados Unidos pelos americanos. Meu velho serviu na Primeira Guerra Mundial, e eu, na Segunda. Mas a última gota foi há dois meses, no dia 16 de junho. Betty e eu queríamos uma casa em Beverly Hills. Conhece Beverly Hills, em Los Angeles?

— Conheço.

— Fomos recusados por sermos chineses. O filho da puta falou claramente: "Não vou vender minha casa para nenhum maldito chinês". Essa não foi a primeira vez, porra, não, mas o filho da puta disse isso na frente da Betty, e foi aí que o caldo entornou! — Os lábios de Yu retorceram-se de raiva. — Pode imaginar a estupidez do filho da mãe? Sou o melhor no meu ramo, e aquele caipira cretino e preconceituoso disse: "Não vou vender minha casa para nenhum maldito chinês". — Girou a raquete nas mãos. — Você lhes contará?

— Quer que eu passe adiante essa informação particular ou publicamente? Posso citá-lo palavra por palavra, se quiser.

— Particularmente, para a CIA, mas não antes da segunda-feira às dezoito horas. Certo? Depois, no mês que vem, depois do nosso encontro em Cantão, será pública. Certo, sr. Dunross?

— Muito bem. Pode dar-me o nome do vendedor da casa, a data, outros detalhes?

Yu apanhou um pedaço de papel datilografado. Dunross lançou-lhe um olhar.

— Obrigado. — Havia dois nomes, endereços e números de telefone em Beverly Hills. — Ambos a mesma recusa?

— É.

— Cuidarei disso para o senhor, dr. Yu. — Acha que é mesquinharia, não é?

— Não, não acho isso, absolutamente. Só lamento que tenha acontecido e aconteça em toda parte... com todo tipo de gente. É uma grande tristeza. — Dunross hesitou. — Acontece na China, no Japão, aqui, no mundo inteiro. Chineses e japoneses, vietnamitas, todo tipo de pessoas, dr. Yu, são às vezes igualmente intolerantes e preconceituosos. Na maioria das vezes, até mais. Nós não somos chamados de quai loh?

— Não devia acontecer nos Estados Unidos... não de americana para americano. Isso é o que me deixou puto.

— Acha que, uma vez na China, terá liberdade para entrar e sair livremente?

— Não, e estou pouco me lixando. Vou de livre vontade. Não estou sendo tentado por dinheiro, ou chantageado para ir. Simplesmente vou.

— E quanto à nasa? Estou surpreso que tenham permitido que uma bobagem dessas acontecesse.

— Ah, tínhamos uma bela casa à nossa disposição, mas não era onde queríamos morar. Betty queria aquela maldita casa, e nós tínhamos posição e dinheiro para comprá-la, mas não pudemos entrar nela. Não foi apenas aquele filho da puta, foi toda a vizinhança. — Yu afastou um fio de cabelo dos olhos. — Não nos querem. Portanto, vou para onde me querem. O que acha de a China ter sua própria força de ataque nuclear retaliatório? Como os franceses, hem? O que acha disso?

— A idéia de qualquer um possuir foguetes com bombas A ou H me enche de horror.

— São apenas as armas de hoje, sr. Dunross, apenas as armas de hoje.

— Santo Deus! — exclamou Johnjohn, estupefato. Havergill estava igualmente chocado.

— O sr. Joseph Yu é mesmo dos bons, Ian?

— Com certeza. Liguei para um amigo em Washington. Yu é um dos dois ou três melhores do mundo... foguetes e combustível para foguetes. — Tinham acabado de almoçar. Dunross acabara de contar-lhes o que transpirara pela manhã. — Também é verdade que ninguém sabe que vai cruzar a fronteira, ou até mesmo que saiu do Havaí, onde pensam que está de férias... disse-me que viajou para cá abertamente.

— Pombas! — manifestou-se Johnjohn de novo. — Se a China conseguir peritos como ele... — Ficou girando o cortador de papel que estava na mesa de Havergill. — Ian, já pensou em avisar Roger Crosse, ou Rosemont, para impedir isso?

— Claro, mas não posso fazê-lo. Simplesmente não posso.

— Claro que Ian não pode! Já pensou no que está em jogo? — Havergill indicou a janela com um movimento brusco do polegar. Catorze andares abaixo, podia-se ver uma turba impaciente e zangada tentando entrar no banco, a polícia agora mal conseguindo contê-la. — Não vamos nos iludir. A corrida começou, estamos chegando ao fundo do saco. Mal temos dinheiro para passar o dia, mal temos dinheiro para pagar os funcionários públicos. Graças a Deus amanhã é sábado! Se o Ian diz que existe uma chance de conseguirmos o dinheiro da China, claro que ele não pode se arriscar a revelar uma confidencia dessas! Ian, soube que o Ho-Pak fechou as portas?

— Não. Tenho voado daqui para Iá como uma mosca-varejeira desde que deixei o Tiptop.

— O Ching Prosperity também fechou. O Far East and índia está balançando. O Blacs está distribuindo suas reservas e, como nós, rezando para que elas durem a meia hora que falta para o fim do expediente. — Empurrou o telefone pela escrivaninha prístina. — Ian, por favor, ligue agora para o Tiptop. São duas e meia.

Dunross manteve a fisionomia séria e a voz serena.

— Há algumas coisas a acertar primeiro, Paul. E quanto às importações de tório? — Contara-lhe que entrara em contato com Ng Fotógrafo, que alegremente lhe dera uma encomenda imediata para o máximo de óxido raro que pudessem obter. — Você arranjará as operações cambiais no exterior?

— Sim, desde que o comércio não seja proibido.

— Vou precisar disso por escrito.

— Você o receberá antes da hora do encerramento do expediente. Por favor, ligue agora para ele.

— Daqui a dez minutos. É uma questão de prestígio. Concorda em ter um contato permanente do Banco da China no prédio?

— Sim. Estou certo de que eles jamais permitirão que um dos nossos entre no prédio deles, mas tudo bem. — Havergill olhou de novo para o relógio, depois para Johnjohn. — O sujeito teria que ser controlado, e talvez tivéssemos que mudar algumas normas de segurança, certo?

Johnjohn concordou.

— É, mas isso não deverá causar problemas, Paul. Se fosse o Tiptop em pessoa, seria perfeito. Acha que há chance disso, Ian?

— Não sei. Bem, e quanto às encomendas do Yu?

— Não podemos financiar contrabando — disse Havergill. — Isso fica por sua conta.

— E quem falou em contrabando?

— É. Bem, digamos que será preciso examinar atentamente as encomendas do Yu, quando e se a sua assistência for solicitada, Ian.

— Qual é, Paul! Você sabe muito bem que isso faz parte do acordo... se houver um acordo. Por que outro motivo iriam querer que eu o conhecesse? Johnjohn se intrometeu.

— Por que não adiar esse problema, Ian? Faremos o impossível para dar-lhe assistência, quando chegar a hora. Você disse ao Yu a mesma coisa, que ia esperar para ver, mas não assumiu nenhum compromisso, não foi?

— Mas vocês concordam em ajudar a me dar assistência de todas as maneiras?

— Concordamos, quanto a isso e quanto ao tório.

— E quanto ao meu empréstimo?

— Não tenho permissão para concedê-lo, Ian — disse Paul Havergill. — Já discutimos esse assunto.

— Então convoque uma reunião de diretoria imediatamente.

— Vou pensar. Vamos ver como estão indo as coisas, está bem? — Paul Havergill apertou um botão e falou no pequeno microfone: — Bolsa de Valores, por favor.

Dali a um momento ouviu-se uma voz pelo alto-falante. Ao fundo, ouvia-se o pandemônio.

— Pronto, sr. Havergill.

— Charles, quais são as últimas?

— O mercado inteiro baixou vinte e oito pontos... — Os dois banqueiros empalideceram. A pequena veia na testa de Dunross pulsava — e parece que está havendo um começo de pânico. O banco baixou sete pontos, a Struan baixou para 11, 50...

— Santo Deus! — murmurou Johnjohn.

— ... a Rothwell-Gornt baixou sete, a Companhia de Força de Hong Kong baixou cinco, a Asian Land, onze... está tudo em perigo. Todas as ações de bancos estão caindo vertiginosamente. O Ho-Pak congelou a 12, e quando descongelar, baixará para 1 dólar. O Far East and índia está pagando apenas um máximo de mil por cliente.

O nervosismo de Havergill aumentou. O Far East era um dos maiores bancos da colônia.

— Detesto ser pessimista, mas está parecendo Nova York em 1929! Acho... — A voz foi abafada por uma explosão de gritos. — Desculpe, há uma outra grande oferta de venda das ações da Struan: duzentas mil ações...

— Pombas, de onde está vindo essa quantidade toda de ações? — perguntou Johnjohn.

— De todos os Fulanos, Beltranos e Sicranos de Hong Kong — disse Dunross friamente. — Inclusive o Victoria.

— Tivemos que proteger nossos investidores — disse Havergill, acrescentando ao microfone: — Obrigado, Charles. Ligue para mim de novo às quinze para as três. — Desligou o alto-falante. — Eis a sua resposta, Ian. Não posso, em sã consciência, recomendar à diretoria que salvemos sua pele com outro empréstimo de dez milhões sem garantia.

— Vai convocar uma reunião de diretoria imediatamente ou não?

— Suas ações estão caindo vertiginosamente. Não tem bens que sirvam de garantia para "bancar" a corrida às suas ações, seus títulos bancários já estão penhorados, as ações readquiridas pela sua companhia valem menos a cada minuto. Na segunda ou na terça Gornt vai comprar o que vendeu, e então controlará a Struan.

Dunross fitava-o.

— Vai deixar o Gornt assumir o controle da companhia? Não acredito. Vocês vão recomprar antes dele. Ou já fizeram um acordo para dividir a Struan entre os dois?

— Nenhum acordo. Ainda não. Mas se você pedir demissão da Struan neste momento, concordar por escrito em nos vender quantas ações readquiridas pela sua companhia quisermos, ao preço de mercado no encerramento do pregão de segunda, se concordar em indicar um novo tai-pan, escolhido pela nossa diretoria, comunicaremos que daremos apoio integral à Struan.

— Quando fariam essa comunicação?

— Na segunda, às quinze horas e dez minutos.

— Em outras palavras: não me estarão dando nada.

— Você sempre disse que a melhor coisa de Hong Kong era ser uma praça de mercado livre, onde os fortes sobrevivem e os fracos perecem. Por que não persuadiu Sir Luís a retirar suas ações do pregão?

— Ele fez essa sugestão. Eu a recusei.

— Por quê?

— A Struan continua forte como sempre.

— O motivo real não foi o prestígio... e o seu orgulho idiota? Desculpe, não há nada que eu possa fazer para impedir o inevitável.

— Porra! — exclamou Dunross, e Havergill enrubesceu. — Pode convocar uma reunião. Pode...

— Nada de reunião!

— Ian! — Johnjohn tentou suavizar a hostilidade declarada entre os dois homens. — Escute, Paul, que tal um acordo? Se, através do Ian, conseguirmos o dinheiro vivo da China, você convocará uma reunião de diretoria imediatamente, uma reunião extraordinária, ainda hoje. Você pode fazer isso... há um número suficiente de diretores na cidade, e seria justo, não é?

— Vou pensar no assunto — disse Havergill, após ligeira hesitação.

— Para mim não basta — disse Dunross, com veemência.

— Vou pensar no assunto. Queira ter a bondade de ligar para o Tip...

— Quando vai ser a reunião? Se houver?

— Na semana que vem.

— Não. Hoje, como o Johnjohn está sugerindo.

— Disse que vou pensar no assunto — explodiu Havergill. — Agora, por favor, ligue para o Tiptop.

— Se você garantir que convocará a diretoria no mais tardar amanhã às dez!

A voz de Havergill tornou-se áspera.

— Não cederei à chantagem, como cedi da última vez. Se não quiser ligar para o Tiptop, ligo eu. Agora já posso. Se eles quiserem nos emprestar o dinheiro, emprestarão, seja Iá quem for que ligue para eles. Você já concordou com o negócio do tório, já concordou em se encontrar com Yu no mês que vem, nós concordamos em apoiar o negócio, seja Iá quem esteja à testa da Casa Nobre. Não tenho poder para conceder-lhe mais nenhum empréstimo. Portanto, é pegar ou largar. Estou pensando em convocar uma reunião de diretoria antes de a Bolsa abrir, na segunda-feira. É só o que lhe prometo.

O silêncio era pesado e elétrico.

Dunross deu de ombros. Pegou o telefone e discou.

— Weyyyyy? — atendeu uma voz feminina arrogante.

— O Honorável Tip Tok-toh, por favor — disse, em cantonense. — Aqui fala o tai-pan.

— Ah, o tai-pan! Ah, por favor, espere um momento. — Dunross esperou. Uma gota de suor ficou pendurada na ponta do queixo de Johnjohn. — Weyyyy? Tai-pan, o médico está com ele, ele está muito doente. Por favor, ligue mais tarde!

O telefone foi desligado antes que Dunross pudesse dizer qualquer coisa. Ele voltou a discar.

— Aqui fala o tai-pan, quer...

— Este telefone está terrível. — A amah falou duas vezes mais alto: — Ele está doente — berrou. — Ligue mais tarde.

Dunross ligou dali a dez minutos. Agora o telefone dava sinal de ocupado. Continuou tentando, sem sucesso.

Bateram à porta, e o caixa-chefe entrou, esbaforido.

— Desculpe, senhor, mas as filas não diminuem, e ainda temos quinze minutos até o banco fechar. Sugiro que limitemos os saques agora, digamos a mil...

— Não — disse Havergill, imediatamente.

— Mas, senhor, as caixas estão quase vazias. Não acha... — Não. O Victoria tem que continuar firme. Temos que continuar. Não. Continue pagando cada tostão.

O homem hesitou, depois saiu. Havergill enxugou a testa. Johnjohn também. Dunross discou de novo. Ainda ocupado. Pouco antes das três, tentou uma última vez, depois ligou para a companhia telefônica pedindo que verificassem o número.

— Está temporariamente enguiçado, senhor — disse a telefonista.

Dunross desligou o aparelho.

— Aposto vinte contra uma moeda de cobre como está fora do gancho deliberadamente. — O relógio marcava quinze e um. — Vamos ver como anda a Bolsa.

Havergill enxugou as palmas das mãos. Antes que pudesse discar, o telefone tocou.

— O caixa-chefe, senhor. Tudo... tudo bem, agora. O último cliente já foi pago. As portas já estão fechadas. O Blacs também conseguiu se safar, senhor.

— Ótimo. Verifique quanto restou no cofre-forte, depois ligue para mim.

— Graças a Deus é sexta-feira — disse Johnjohn. Havergill discou:

— Charles? Quais as últimas?

— O mercado fechou em baixa. Trinta e sete pontos. Nossas ações baixaram oito pontos.

— Pela madrugada! — exclamou Johnjohn. O banco nunca caíra tanto, nem mesmo durante os levantes de 56.

— A Struan?

— 9, 50.

Os dois banqueiros olharam para Dunross. O rosto dele estava impassível. Voltou a ligar para Tiptop enquanto o corretor continuava a enumerar as cotações do fechamento do pregão. Novo sinal de ocupado.

— Vou ligar de novo Iá do escritório — disse. — No momento em que conseguir falar com ele, telefono para vocês. Se não tiverem o dinheiro da China, o que vão fazer?

— Há apenas duas soluções. Esperamos pelas libras, e para isso o governador terá que decretar feriado bancário na segunda-feira, ou pelo tempo de que precisarmos. Ou aceitamos a oferta do Banco Mercantil de Moscou.

— Tiptop foi bem claro. Isso seria um tiro pela culatra. Esculhambaria Hong Kong para sempre.

— São as únicas soluções. Dunross se pôs de pé.

— Só há uma. A propósito, o governador lhe telefonou?

— Sim — respondeu Havergill. — Quer que abramos as caixas-fortes para ele, você, Roger Crosse e um tal de Sinders. Que história é essa?

— Ele não lhe contou?

— Não. Disse que era algo relacionado com a Lei dos Segredos Oficiais.

— Até as seis — disse Dunross, retirando-se. Havergill enxugou mais um pouco de suor com o lenço.

— A única coisa boa de tudo isso é que esse cretino arrogante está em piores dificuldades — murmurou, com raiva. Ligou para o número de Tiptop. E de novo. O telefone interno tocou. Johnjohn atendeu para Havergill.

— Pronto?

— Aqui fala o caixa-chefe, senhor. Restam apenas setecentos e dezesseis mil e vinte e sete HK no cofre-forte. — A voz do homem tremia. — Nós... é só o que nos resta, senhor.

— Obrigado.

Johnjohn desligou e contou a Havergill. O vice-presidente da junta diretora não lhes respondeu, apenas ligou mais uma vez para a casa de Tiptop. Ainda dava ocupado.

— É melhor iniciar um diálogo com o contato soviético. Johnjohn ficou vermelho.

— Mas é impossível...

— Faça-o! Faça-o agora!

Havergill, igualmente colérico, ligou de novo para Tiptop. Ainda ocupado.

Dunross entrou em seu escritório.

— O sr. Toda está aqui com a comitiva de costume, tai-pan.

Claudia não escondia o desagrado nem o nervosismo.

— Faça-os entrar, por favor.

— O sr. Alastair ligou duas vezes... pediu que ligasse para ele tão logo chegasse. E o seu pai.

— Ligo para eles depois.

— Sim, senhor. Eis aqui o telex da Nelson Trading da Suíça, confirmando que compraram o triplo da encomenda comum de ouro para a Great Good Luck Company de Macau.

— Ótimo. Mande uma cópia para o Lando imediatamente e solicite os fundos.

— Este telex é do Orlin Merchant Bank, confirmando que lamentam não poder renovar o empréstimo, e solicitando o pagamento.

— Mande-lhes o seguinte telex: "Obrigado".

— Verifiquei com a sra. Dunross. Chegaram bem.

— Ótimo. Consiga o telefone da casa do especialista de Kathy, para que eu possa ligar para ele, durante o fim de semana.

Claudia fez outra anotação.

— O jovem Duncan ligou de Sydney para dizer que teve uma excelente noite e que vem no vôo de segunda da Qantas. Eis aqui uma lista dos seus outros telefonemas.

Deu uma olhada na longa lista, perguntando-se fugazmente se o filho já não era mais virgem, ou se já o deixara de ser antes da linda Sheila. Pensar numa linda sheila fê-lo lembrar-se de novo da exótica Jade de Neve. "Curioso que se chamasse Jade de Neve... fazia lembrar tanto a Jade Elegante, que está em algum lugar de Taipé, dirigindo uma Casa de Muitos Prazeres. Quem sabe não chegou a hora de encontrar Jade Elegante e agradecer-lhe?" Mais uma vez, recordou o conselho do velho Chen-chen, quando estava à morte:

— Escute, meu filho — sussurrara o velho Chen-chen, a voz fraquejando —, nunca tente encontrá-la. Você a desprestigiará e tirará a beleza de vocês dois. Estará velha, seu Portão de Jade murcho. Seus prazeres derivarão da boa comida e do bom conhaque. As filhas do Mundo do Prazer não envelhecem graciosamente, nem com bom gênio. Deixe-a entregue à sua sorte e às suas lembranças. Seja bondoso. Seja sempre bondoso para com aquelas que lhe derem a juventude e o yin para socorrer o seu yang. Eeee, quem me dera ser jovem como você, outra vez...

Dunross soltou um suspiro. Sua noite com Jade de Neve fora impecável. E cheia de risos.

— Não como sobremesa — replicara ele, prontamente. — Estou de dieta.

— Oh ko, você, não, tai-pan. Eu o ajudo a perder peso, pode deixar.

— Obrigado, mas nada de sobremesa, e nunca em Hong Kong.

— Ah! Quatro Dedos disse que você diria isso, tai-pan, e para eu não me sentir envergonhada. — Ela abrira um amplo sorriso e servira-lhe um uísque. — Devo dizer: "Tenho passaporte, estou disposta a viajar".

Os dois riram juntos.

— O que mais disse Quatro Dedos?

Ela tocara os lábios com a ponta da língua.

— Só que os demônios estrangeiros são muito esquisitos, em algumas coisas. Como em dizer "nada de sobremesa!" Como se isso importasse. — Ela o observara. — Nunca estive com um bárbaro antes.

— É? Alguns de nós até que são bastante civilizados. Dunross sorriu consigo mesmo, lembrando-se de como se sentira tentado, das brincadeiras deles, da esplêndida refeição, tudo alegre e satisfatório. "É. Mas isso não desculpa aquele filho da mãe do Quatro Dedos, nem a meia moeda, nem o roubo da meia moeda", pensou, sombriamente, "nem a armadilha que ele acha que preparou para mim. Mas tudo isso fica para mais tarde. As primeiras coisas em primeiro lugar. Concentre-se, há muito o que fazer, antes de dormir esta noite!"

A lista que Claudia lhe entregara era longa, a maioria dos telefonemas, urgentes, e havia duas horas de trabalho à sua frente. Tiptop não estava na lista, nem Lando Mata, Tung Pão-Duro, Quatro Dedos ou Paul Choy. Casey e Bartlett estavam. E Travkin, Robert Armstrong, Jacques de Ville, Gavallan, Phillip Chen, Dianne Chen, Alan Holdbrook — o corretor interno da Struan —, Sir Luís e dúzias de outros espalhados por todo o mundo.

— Atacaremos a lista depois de Hiro Toda, Claudia.

— Sim, senhor.

— Depois de Toda, quero ver Jacques... depois Phillip Chen. Alguma novidade sobre a sra. Riko Gresserhoff?

— O avião dela é esperado às dezenove horas. Tem reserva no Vic, alguém irá recebê-la. Já mandei pôr flores no quarto dela.

— Obrigado.

Dunross entrou na sua sala e ficou olhando pela janela. Por enquanto fizera tudo o que fora possível pela Casa Nobre e por Hong Kong. Agora, ficava por conta da sua sorte. E o próximo problema. Os navios. Sua excitação aumentou.

— Alô, tai-pan.

— Alô, Hiro — cumprimentou Dunross, apertando calorosamente a mão estendida.

Hiro Toda, gerente-administrativo das Indústrias de Navegação Toda, regulava em idade com Dunross. Era esbelto, rijo e muito mais baixo, olhos sábios e sorriso fácil, o sotaque levemente americano devido a dois anos de pós-graduação na ucla¹ no final da década de 40.

¹ Universidade da Califórnia, em Los Angeles. (N. da T. )

— Posso apresentar-lhe meus associados? Sr. Kazunari, sr. Ebe, sr. Kasigi.

Os três homens mais moços curvaram-se, e Dunross curvou-se também. Todos vestiam ternos escuros bem-talhados, camisas brancas e gravatas discretas.

— Queiram sentar-se.

Dunross fez um gesto despreocupado para as cadeiras em volta da pequena mesa de reuniões. A porta se abriu e sua assistente e intérprete japonesa, Akiko, entrou. Trazia consigo uma bandeja com chá verde. Apresentou-se, serviu o chá delicadamente, depois sentou-se perto de Dunross. Embora o japonês dele fosse bom o suficiente para uma reunião de negócios, a presença dela era necessária por uma questão de prestígio.

Parcialmente em japonês, parcialmente em inglês, ele começou a conversa cortês sobre assuntos inconseqüentes que, segundo os costumes japoneses, precediam uma conversa séria. Era também costume japonês que as reuniões de negócios fossem compartilhadas por muitos executivos. Quanto mais importante o executivo, maior o número de acompanhantes.

Dunross esperava pacientemente. Gostava de Hiro Toda, chefe titular do grande conglomerado de navegação fundado por seu bisavô, há quase cem anos. Seus antepassados eram daimios, senhores feudais, até que o feudalismo e a classe samu-rai foram abolidos em 1870, e teve início o Japão moderno. Sua autoridade na Toda era externamente todo-poderosa, mas, como acontecia com freqüência no Japão, todo o poder real estava centralizado nas mãos do pai, de setenta e três anos, que, ostensivamente, estava aposentado.

Finalmente, Toda foi ao assunto.

— Esse colapso do mercado de capitais deve estar lhe causando muita preocupação, tai-pan.

— Uma perda temporária de confiança. Tenho certeza de que tudo se arranjará durante o fim de semana.

— Ah, sim. Eu também espero.

— Quanto tempo vai demorar, Hiro?

— Até domingo. É, domingo. Depois, sigo para Cingapura e Sydney. Estarei de volta para fechar o nosso negócio com você na semana que vem. Folgo em dizer-lhe que seus navios estão adiantados. — Toda colocou um maço de papéis sobre a mesa. — Eis aqui um relatório detalhado.

— Excelente! — Dunross partiu para o ataque, abençoando os deuses e Alan M. Grant e Kirk. Enquanto voltava para casa, à noite, subitamente se dera conta da importância da chave que Alan e Kirk lhe haviam dado para um plano no qual estava trabalhando há quase um ano. — Quer que adiantemos as datas de pagamento?

— Ah! — O outro disfarçou sua surpresa. — Talvez eu possa discutir isso mais tarde com meus colegas, mas folgo em saber que tudo está sob controle, a tentativa de compra do controle acionário foi neutralizada.

— Não foi Sun Tse que disse: "Aquele que não exerce seu poder de previsão e faz pouco dos seus oponentes sem dúvida será capturado por eles"? Claro que o Gornt está mordendo os nossos calcanhares, claro que a corrida aos nossos bancos é séria, mas o pior já passou. Está tudo bem. Não acha que devíamos ampliar a quantidade de negócios que estamos fazendo juntos?

— Dois navios, tai-pan? — sorriu Toda. — Gigantescos, pelos padrões atuais. Em um ano? Não é uma transação de somenos importância.

— Talvez pudessem ser vinte e dois navios — disse, exteriormente despreocupado, mas totalmente concentrado. — Tenho uma proposta para você, na verdade para todos os complexos industriais japoneses de construção naval. No momento, vocês apenas constróem navios e os vendem, ou para gaijin — estrangeiros — como nós, por exemplo, ou para armadores japoneses. Quando vendem aos japoneses, seus custos operacionais com o alto custo das tripulações japonesas, que, por lei, vocês têm que levar, já estão se tornando não-competitivos, como os navios americanos com as tripulações americanas. Em breve não poderão competir com os gregos, com outros e conosco, porque nossos custos serão muito mais baixos.

Dunross viu que todos se concentravam em Akiko, que traduzia quase simultaneamente, e pensou com alegria em outra máxima de Sun Tse: "Em todas as lutas, o método direto pode ser usado para dar início à batalha, mas o método indireto será necessário para assegurar a vitória". A seguir, continuou:

— Segundo ponto: o Japão tem que importar tudo de que precisa para sustentar sua economia e seu padrão de vida crescentes, seu complexo industrial, e com certeza noventa e cinco por cento de toda a energia necessária para mantê-los. O petróleo é a chave para o futuro. O petróleo tem que vir até vocês por mar, assim como toda a sua matéria-prima a granel... sempre levada até vocês por imensos cargueiros. Sempre por mar. Estão construindo os grandes navios com muita eficiência, mas como armadores seus custos operacionais e a sua estrutura interna de impostos vão tirá-los do mercado. Minha proposta é simples: parem de tentar ser os donos das suas frotas mercantes pouco econômicas. Vendam os navios para o exterior e arrendem-nos em seguida.

— Como?

Dunross viu que olhavam para ele, atônitos. Esperou um momento, depois continuou:

— A vida de um navio é de, digamos, quinze anos. Vocês nos vendem o cargueiro gigante, mas, como parte do negócio, arrendam-no por quinze anos. Nós fornecemos o comandante e a tripulação. Antes da entrega, vocês fretam o navio para a Mitsubishi, ou outra de suas grandes companhias, para suprimentos a granel durante quinze anos: carvão, minério de ferro, arroz, trigo, petróleo, o que quiserem. Esse sistema garantirá ao Japão um fornecimento contínuo de matéria-prima, estabelecido ao seu bel-prazer, e controlado por japoneses. A Japan Inc. pode aumentar-lhes o seu financiamento, porque vocês mesmos, de fato, são os transportadores de suas matérias-primas vitais.

"Suas indústrias poderão fazer planos antecipados. A Japan Inc. poderá se dar ao luxo de dar assistência financeira aos compradores dos seus navios, porque o preço da compra será facilmente coberto pelo contrato de fretamento de quinze anos. E como os navios estarão num sistema de fretamento a longo prazo, nossos banqueiros, como o Blacs e o Victoria, também terão prazer em financiar o restante. Todos ganharão. Vocês ganharão mais porque assegurarão uma linha de fornecimento a longo prazo sob seu controle. E ainda não mencionei as vantagens fiscais, especialmente para as Indústrias Toda!"

Dunross levantou-se em meio a um silêncio mortal, observado pelos outros, e foi até sua escrivaninha. Trouxe consigo alguns relatórios grampeados.

— Eis aqui um estudo fiscal feito pelo nosso pessoal no Japão com exemplos específicos, incluindo métodos para depreciar o custo do navio para lucro adicional. Eis um plano sugerido para os cargueiros grandes. Este aqui documenta vários modos pelos quais a Struan poderia assisti-los nos seus freta-mentos, caso fiquemos entre os embarcadores estrangeiros escolhidos. Por exemplo, as Minas Woolara, da Austrália, estão preparadas para, seguindo orientação nossa, fazer um contrato com as Indústrias Toda e fornecer noventa e cinco por cento da sua produção de carvão durante cem anos.

Toda soltou uma exclamação abafada. Os outros também, depois que Akiko traduziu. As Minas Woolara eram uma mina imensa, altamente eficiente e produtiva.

— Poderíamos dar-lhes assistência na Austrália, que é o tesouro da Ásia, fornecendo todo o cobre, trigo, alimentos, frutas, minério de ferro de que precisarem. Soube, particularmente, que existem novos e imensos depósitos de minério de ferro de alta qualidade recém-descobertos na Austrália Ocidental, não longe de Perth. Há urânio, petróleo, tório, e outros materiais preciosos de que precisam. Lã. Arroz. Com o meu plano, vocês poderiam controlar o seu próprio fluxo de materiais, os embarcadores estrangeiros obteriam navios e um fluxo de caixa constante para financiar e encomendar mais navios, para arrendá-los, para transportar mais e mais matéria-prima e mais carros, mais aparelhos de TV, mais material eletrônico, e mais mercadoria remetida para os Estados Unidos... e maquinarias da indústria pesada para o resto do mundo. Por último, voltando à mais vital das suas importações: o petróleo. Eis aqui um projeto sugerido para uma nova frota de petroleiros, cada um com capacidade de meio milhão a um milhão de toneladas.

Toda soltou uma exclamação abafada e terminou a tradução ele próprio, abruptamente. Atônitos, todos respiraram fundo quando ele mencionou a cifra de meio milhão a um milhão de toneladas.

Dunross recostou-se, curtindo a tensão. Viu que eles se entreolhavam, depois olhavam para Toda, esperando sua reação.

— Eu... acho melhor estudarmos suas propostas, tai-pan — disse Toda, tentando manter a voz normal. — É óbvio que são de amplo alcance. Podemos entrar em contato com o senhor mais tarde?

— Sim. Comparecerão às corridas amanhã? O almoço será às doze e quarenta e cinco.

— Sim, obrigado, se não for muito trabalho — disse Toda, com nervosismo repentino —, mas seria impossível termos uma resposta a essa altura.

— Naturalmente. Estão de posse de seus convites e crachás?

— Sim, obrigado. Eu... bem... espero que tudo saia bem para você. Sua proposta realmente parece ser de amplo alcance.

Retiraram-se. Por um momento, Dunross permitiu-se saborear a emoção. "Estão no papo", pensou. "Pombas, daqui a um ano poderemos ter a maior frota da Ásia, totalmente financiada, sem nenhum risco para o financiador, construtor, operador ou fornecedor, com petroleiros, enormes petroleiros como núcleo... se pudermos agüentar este tufão.

"Só é preciso um pouco de sorte. Tenho que dar um jeito de evitar o colapso até terça-feira, quando assinamos com a Par-Con. A Par-Con pagará os nossos navios. Mas e quanto ao Orlin, e quanto ao Gornt?

— O sr. Jacques já está subindo, tai-pan. O sr. Phillip está na sala dele, e subirá quando o senhor estiver pronto. Roger Crosse telefonou. Seu compromisso será às dezenove horas, e não às dezoito. Disse que o avião do sr. Sinders está atrasado. Já informou ao governador e às demais pessoas necessárias.

— Obrigado, Claudia. — Deu uma olhada na sua lista de telefonemas. Ligou para o Vic e perguntou por Bartlett. Não estava. — A srta. Tcholok, por favor.

— Alô?

— Alô! Ian Dunross, respondendo ao seu telefonema, e ao do sr, Bartlett. Como vão as coisas?

Uma ligeira pausa.

— Interessantes. Tai-pan, posso vê-lo?

— Claro. Que tal uns drinques no Mandarim às dezoito e quinze? Isso me daria cerca de meia hora antes do meu próximo compromisso. Certo?

Sentiu uma pontada de ansiedade ao pensar em Sinders, Crosse e na advertência de Alan de jamais entregar as pastas.

— Seria possível eu dar uma passadinha no seu escritório? Posso sair daqui agora e chegar aí dentro de meia hora mais ou menos. Tenho uma coisa para discutir com você. Demorarei o mínimo possível.

— Tudo bem. Talvez tenha que fazê-la esperar um minuto ou dois, mas pode vir.

Desligou o telefone, de testa franzida. "O que estará havendo por Iá?"

A porta se abriu e Jacques de Ville entrou. Parecia preocupado e esgotado.

— Queria falar comigo, tai-pan?

— Sim, Jacques, sente-se. Pensei que você ia tomar o avião de ontem à noite.

— Conversamos, Susanne e eu, e ela achou que era melhor para Avril eu esperar um ou dois dias...

Dunross escutava fascinado enquanto conversavam, ainda abismado de que Jacques pudesse ser agente comunista. Mas, agora, já havia analisado a possibilidade. Teria sido facilmente possível para Jacques, sendo jovem, idealista e um dos maquis durante a terrível e odiada ocupação nazista na França, ter tido o seu nacionalismo idealista e seus sentimentos antinazistas canalizados para o comunismo. "Ora, então a Rússia não era nossa aliada, naquela época? O comunismo não estava na moda em toda parte, até mesmo nos Estados Unidos? Marx e Lênin não pareciam ser tão sensatos, então? Então. Antes de sabermos a verdade sobre Stálin, os gulags, o KGB. Estado policial, assassinatos em massa, conquistas em massa, e jamais a liberdade. "

Mas como podia toda aquela baboseira comunista perdurar, para alguém como Jacques? Como podia alguém como Jacques ter tais convicções e mantê-las ocultas durante tanto tempo... se realmente ele era o agente da Sevrin que Alan dissera ser?

— O que acha do Grey? — perguntou Dunross.

— Um crétin completo, tai-pan. É de extrema esquerda demais para o meu gosto. Considero até o Broadhurst um pouco esquerdista demais. Já que... vou ficar agora, posso voltar a cuidar de Bartlett e Casey?

— Não, por ora eu cuido deles, mas encarregue-se você do contrato.

— Já está sendo redigido. Conversei com nossos advogados. Um ligeiro problema. Dawson encontrou-se com o advogado de Bartlett, sr. Steigler, hoje de manhã. O sr. Steigler quer renegociar a tabela de pagamento, e adiar a assinatura até o fim da semana que vem.

Uma onda de fúria invadiu Dunross. Tentou não deixá-la transparecer. "Vai ver que este é o motivo pelo qual Casey quer encontrar-se comigo", pensou.

— Cuido disso — falou, adiando o problema devido ao mais premente: Jacques de Ville, que devia ser considerado inocente até que se provasse a sua culpa.

Olhou para ele, simpatizando com o homem másculo, robusto, lembrando-se de todas as horas agradáveis que tinham passado juntos em Avisyard e na França. Ele, Penelope, Jacques, Susanne, as crianças, juntos no Natal ou nas férias de verão, boa comida e bons vinhos, boas risadas e grandes planos para o futuro. Jacques, certamente o mais sensato, o mais discreto e, até as acusações de Alan, possivelmente o próximo a sucedê-lo. "Mas não agora, não até que tenha provado a sua inocência, e eu esteja certo. Desculpe, meu amigo, mas você tem que ser testado. "

— Vou fazer algumas modificações na organização — disse. — Linbar foi para Sydney hoje, como sabe. Vou deixá-lo Iá durante um mês para tentar acertar a fusão da Woolara. Não estou esperando grande coisa. Quero que você assuma a Austrália. — Viu os olhos de Jacques se arregalarem momentaneamente, mas não percebeu se de preocupação ou felicidade. — Já apertei o botão do nosso plano Toda e...

— Como foi que ele reagiu?

— Engoliu a isca com anzol e tudo.

— Merde, mas que formidável! — Dunross viu o amplo sorriso de Jacques e não notou nele nenhuma malícia. O homem fora um dos principais articuladores do plano de navegação, destrinchando as complexidades do financiamento. — Que pena o pobre do John não estar vivo para saber! — disse Jacques.

— É. — John Chen trabalhara juntamente com Jacques de Ville. — Tem visto o Phillip?

— Jantei com ele ontem à noite. Pobre coitado, envelheceu vinte anos.

— Você também.

Um dar de ombros gaulês.

— É a vida, mon ami. Mas é verdade que estou triste por causa da pobre Avril e do pobre Borge. Por favor, desculpe-me, eu o interrompi.

— Gostaria que você assumisse a Australásia, a partir de hoje, e fosse o responsável por colocar em execução todos os nossos planos australianos e neozelandeses. Não comente com ninguém até o fim do mês. Contarei apenas para o Andrew, mas organize-se e prepare-se para partir nessa época.

— Está bem — disse Jacques, com ligeira hesitação.

— O que é? Susanne jamais gostou de Hong Kong... não terá problemas com ela, terá?

— Ah, não, tai-pan. Desde o acidente... francamente, ia pedir-lhe para me mudar daqui, por uns tempos. Susanne não se sente feliz aqui e... Mas ia pedir-lhe se podia assumir o Canadá por um ano ou dois.

Dunross ficou sobressaltado ante a nova idéia.

— É?

— É. Pensei que talvez pudesse ser útil por Iá. Meus contatos entre os franco-canadenses são bons, muito bons. Quem sabe podíamos mudar o escritório canadense da Struan de Toronto para Montreal ou Ottawa. Eu podia ajudar muito, de Iá. Se nossa operação japonesa der certo, vamos precisar de madeira, cobre, trigo, carvão e mais uma dúzia de matérias-primas canadenses. — Ele deu um débil sorriso, depois continuou, firme: — Ambos sabemos como o primo David anda doido para voltar para cá, e pensei que, se me mudasse para Iá, ele podia voltar. Na verdade, está mais bem qualificado para ficar aqui, para lidar com a Australásia, non? Fala cantonense, um pouco de japonês, lê e escreve chinês, o que eu não faço. Mas você é quem sabe, tai-pan. Assumirei a Australásia se quiser. É mesmo verdade que me agradaria uma mudança.

Dunross deixou o pensamento voar. Decidira isolar Jacques de Hong Kong enquanto descobria a verdade. Seria bem fácil contar ao Crosse ou ao Sinders secretamente, e pedir-lhes que usassem suas fontes para investigar, para observar e sondar. Mas Jacques era membro da assembléia interna. Como tal, estava por dentro de um monte de segredos e informações particulares que correriam risco. "Não", pensou Dunross, "é muito melhor eu mesmo lidar com a minha gente. Pode ser que demore mais, mas descobrirei a verdade. De um jeito ou de outro, ficarei sabendo a verdade sobre Jacques de Ville.

"Canadá?

"Logicamente, Jacques ficaria melhor ali. Seria melhor para a Struan (eu mesmo devia ter pensado nisso), nunca houve motivo para duvidar da sua lealdade comercial, ou da sua sagacidade. Há dois anos David berra pedindo para voltar. A troca seria mais fácil. Jacques tem razão. David está mais bem qualificado para a Australásia, e a Austrália e a Nova Zelândia são muito mais importantes para nós do que o Canadá, muito mais importantes... são vitais, e a tesouraria de toda a Ásia. Se Jacques for inocente, poderá ajudar-nos no Canadá. Se não for, poderá causar-nos menos danos ali.

— Vou pensar no assunto — disse, já tendo decidido fazer a alteração. — Mantenha o assunto em segredo, e vamos acertar tudo no domingo.

Jacques levantou-se e estendeu a mão.

— Obrigado, mon ami.

Dunross apertou a mão estendida. Mas, intimamente, perguntava-se se era a mão de seu amigo... ou de seu Judas.

Sozinho, mais uma vez, sentiu-se assoberbado pelo peso dos problemas. O telefone tocou, e ele lidou com aquele problema, depois outro, depois outro — o telefone de Tiptop ainda ocupado —, e pediu que Phillip subisse. O tempo todo parecia que estava caindo num buraco fundo. Então, seus olhos se encontraram com os de Dirk Struan na parede, olhando para ele do quadro a óleo, com um meio sorriso, supremamente confiante, arrogante, o mestre dos veleiros — a embarcação mais bela que o homem já construiu. Como sempre, sentiu-se confortado.

Levantou-se e ficou parado diante do tai-pan.

— Puxa, não sei o que faria sem você! — disse em voz alta, lembrando-se de que Dirk Struan fora afligido por fardos muito maiores, e os dominara. Para ser morto no auge da vida, aos quarenta e três anos, pela tempestade, a ira da natureza, como grande comandante inconteste de Hong Kong e da Ásia.

" 'Aqueles a quem os deuses amam morrem moços. ' Será sempre assim?", perguntou a si mesmo. "Dirk tinha a minha idade quando os Ventos do Demônio do Grande Tufão destroçaram a nossa casa de três andares novinha em folha no Happy Valley e ele morreu soterrado. Era velho ou moço? Não me sinto velho. Seria aquele o único modo de Dirk morrer? Violentamente? Numa tempestade? Moço? Morto pela natureza? Ou será que a expressão quer dizer 'aqueles a quem os deuses amam morrem moços de coração'?"

— Não importa — disse para seu mentor e amigo. — Quisera ter vivido pra conhecê-lo. Digo-lhe francamente, tai-pan, espero em Deus que haja uma vida após a morte, para que, em algum lugar da eternidade, eu possa lhe agradecer pessoalmente.

Novamente confiante, voltou para a mesa de trabalho. Na gaveta de cima estava a matriz de Wu Quatro Dedos. Seus dedos tocaram-na, acariciando-a. "Como vou me sair dessa?", perguntou-se, sombriamente.

Bateram à porta. Phillip Chen entrou. Envelhecera nos últimos dias.

— Santo Deus, tai-pan, o que vamos fazer? 9, 50! — falou, atropeladamente, com um guinchar nervoso na voz. — Tenho vontade de arrancar os cabelos! Dew neh loh moh! Por causa da alta, lembra-se, comprei a 28, 90. Gastei cada tostão supérfluo e muito mais, e Dianne comprou a 28, 80 e vendeu a 16, 80, e exige que eu cubra a diferença. Oh ko, o que vamos fazer?

— Rezar... e fazer o que pudermos — disse Dunross.

— Conseguiu falar com o Tiptop?

— É... não, tai-pan. Venho tentando com intervalo de minutos, mas o telefone ainda está enguiçado. A companhia telefônica disse que deixaram o fone fora do gancho. Mandei meu primo da companhia telefônica verificar pessoalmente. As duas linhas da casa dele estão fora do gancho.

— O que aconselha?

— Aconselhar? Não sei. Acho que devíamos mandar um mensageiro, mas não quis fazê-lo antes de consultá-lo... com a queda das nossas ações e a corrida aos bancos, o pobre John e os repórteres rondando... todas as minhas ações estão em baixa, todas! — O velho soltou o verbo, obscenidades cantonenses, pragas contra Gornt, seus ancestrais e as futuras gerações. — Se o Vic cair, o que vamos fazer, tai-pan?

— O Vic não vai cair. Se o Tiptop falhar, sem dúvida o governador declarará a segunda-feira feriado bancário. — Dunross já contara ao seu representante nativo a conversa com Tiptop, Yu, Johnjohn e Havergill. — Vamos, Phillip, pense!

— acrescentou, com raiva fingida, tornando a voz mais brusca deliberadamente, para ajudar o velho. — Não posso mandar um maldito mensageiro até a casa dele para dizer: "Você deixou deliberadamente a porra do seu telefone fora do gancho!"

Phillip Chen sentou-se, a raiva incomum fazendo-o controlar-se um pouco.

— Desculpe, sim, desculpe, mas é que tudo... e John, o pobre John...

— Quando vai ser o enterro?

— Amanhã, amanhã às dez, o cristão. Segunda-feira, o chinês. Será... será que você poderia dizer algumas palavras, amanhã?

— Mas claro que sim. Bem, e quanto ao Tiptop? Phillip Chen concentrou-se, com grande esforço. Finalmente, falou:

— Convide-o para as corridas. Para a sua tribuna. Ele nunca foi, e isso lhe daria grande prestígio. Essa é a maneira. Você poderia dizer... Não, desculpe, não estou pensando direito. É melhor, muito melhor, tai-pan, deixar que eu escreva. Escreverei o bilhete convidando-o por você. Direi que você quis convidá-lo pessoalmente, mas que infelizmente seu telefone está com defeito... assim, se ele quiser vir, ou for proibido pelos superiores, não perde prestígio, nem você. Eu poderia acrescentar: "A propósito, a Casa Nobre já enviou telex à firma em Sydney encomendando o tório... " — Phillip Chen ficou mais animado. — Será um negócio muito bom para nós, tai-pan, o preço dado... Já verifiquei os preços, e podemos suprir todas as necessidades deles facilmente, e obter ofertas muito competitivas da Tasmânia, África do Sul e Rodésia. Ah! Por que não mandar o jovem George Trussler de Cingapura para Johannes-burg e Salisbury numa missão exploratória dos tórios?... — Phillip Chen hesitou — e... bem... certos outros metais e materiais aeroespaciais básicos. Fiz umas verificações rápidas, tai-pan. Fiquei espantado em saber que, tirando a Rússia, quase noventa por cento de todo o suprimento do mundo livre de vanádio, cromo, platina, manganês, titânio, todos vitais e essenciais ao setor aeroespacial e de foguetes, provêm da parte meridional da Rodésia e da África do Sul. Imagine só! Noventa por cento, tirando a Rússia. Nunca me dei conta de como essa área é imensamente importante para o mundo livre, com todo o ouro, diamantes, urânio, tório, e sabe Iá Deus quantas outras matérias-primas essenciais. Talvez o Trussler também pudesse investigar a possibilidade de abrirmos ali um escritório. Ele é um rapaz vivo, à espera de uma promoção. — Agora que sua mente estava totalmente ocupada, o velho respirava com mais facilidade. — É. Esse negócio, e mais o do sr. Yu, poderiam ser muito lucrativos para nós, tai-pan. Estou certo de que isso poderá ser tratado com delicadeza. — Ergueu os olhos para Dunross. — Eu também falaria ao Tiptop sobre Trussler, que estamos mandando um executivo, alguém da família, como preparação.

— Excelente. Faça-o imediatamente. — Dunross apertou o interfone. — Claudia, ligue-me com George Trussler, por favor. — Voltou a olhar para Phillip. — Por que o Tiptop cortaria as comunicações?

— Para barganhar, para aumentar a pressão sobre nós, para obter mais concessões.

— Devemos continuar a ligar para ele?

— Não. Depois do bilhete entregue em mãos, ele ligará para nós. Sabe que não somos idiotas.

— Quando ligará?

— Quando tiver permissão, tai-pan. Não antes. Um pouco antes de segunda-feira às dez horas, quando os bancos devem abrir. Sugiro que diga àqueles montes de carne de cachorro, Havergill e Johnjohn, para não telefonarem... conseguirão enlamear águas já turvas. Não se usa um girino para pegar um tubarão.

— Ótimo. Não se preocupe, Phillip — disse, compassivo. — Vamos sair desta enrascada.

— Não sei, tai-pan, espero que sim. — Phillip Chen esfregou com ar cansado os olhos vermelhos. — Dianne... aquelas malditas ações! Não vejo jeito de sair do atoleiro. O...

Claudia interrompeu no interfone:

— O jovem Trussler na linha 2.

— Obrigado, Claudia. — Apertou a linha 2. — Alô, George, que tal Cingapura?

— Boa tarde, senhor. Muito bem, senhor, quente e chuvosa — replicou a voz alegre e entusiástica. — Que surpresa agradável! Em que posso servi-lo?

— Pode tomar o próximo avião para Johannesburg. Parta imediatamente. Mande por telex o nome do seu hotel e o número do vôo, telefone-me tão logo chegue ao hotel em Johannesburg. Entendeu?

Uma ligeira hesitação, e um pouco menos de entusiasmo.

— Johannesburg, na África do Sul, tai-pan?

— É. No próximo avião.

— Já estou indo. Mais alguma coisa?

— Não.

— Pois não, tai-pan, já estou indo. Até logo.

Dunross desligou. "O poder é um dispositivo maravilhoso", pensou com grande satisfação, "mas ser tai-pan é melhor. " Phillip se levantou.

— Vou cuidar imediatamente do bilhete.

— Um momentinho, Phillip. Tenho um outro problema para o qual preciso do seu conselho. — Abriu a gaveta e tirou de Iá a matriz. Além dele mesmo e dos tai-pans anteriores que ainda viviam, apenas Phillip Chen, no mundo inteiro, conhecia o segredo das quatro moedas. — Veja, quem me deu...

Dunross se interrompeu, paralisado, totalmente despreparado para o efeito que a matriz causara no seu representante nativo. Phillip a fitava, os olhos quase saltados das órbitas, os lábios arreganhados. Como que num sonho, em câmara lenta, Phillip Chen estendeu a mão e segurou a matriz, os dedos trêmulos, e olhou-a de perto, mexendo a boca sem emitir som.

Então o cérebro de Dunross detonou, e ele se deu conta de que a meia moeda devia ter pertencido a Phillip Chen. Devia ter sido roubada dele. "Mas claro!", Dunross teve vontade de gritar. "Jin-qua deve ter dado uma das quatro meias moedas a Sir Gordon Chen! Mas por quê? Qual a ligação entre a família Chen e um mandarim Co-hong que faria com que Jin-qua desse ao filho eurasiano de Dirk Struan um presente tão valioso?"

Ainda em câmara lenta, viu o velho erguer a cabeça e olhar para ele com os olhos apertados. A boca se moveu de novo. Nenhum som. Depois, soltou uma exclamação abafada, estrangulada:.

— Bar... Bartlett deu... já lhe deu isso?

— Bartlett? — ecoou Dunross, incrédulo. — Mas, em nome de Deus, o que tem o Bartlett a ver...

Parou quando nova explosão pareceu estilhaçar o seu cérebro, e mais pedaços do quebra-cabeça se encaixaram com violência. Os conhecimentos secretos de Bartlett! Conhecimentos que poderiam vir apenas de um entre sete homens, todos eles fora de suspeita, Phillip Chen mais do que todos!

"Phillip Chen é o traidor! Phillip Chen trabalhando em conluio com Bartlett e Casey... foi Phillip Chen que nos vendeu e entregou nossos segredos e moeda. "

Ficou tomado por uma raiva cega. Teve que apelar para todo o seu treinamento para manter a fúria controlada. Viu a si mesmo levantar-se e ir até a janela e ficar olhando para fora. Não saberia dizer quanto tempo ficou ali parado. Mas, quando se virou, sua mente estava depurada, e o vasto erro na sua lógica agora estava bem claro aos seus olhos.

— E então? — falou, com voz gélida.

— Tai-pan... tai-pan.. — começou o velho, voz entre-cortada, torcendo as mãos.

— Diga a verdade, meu representante. Agora! A palavra amedrontou Phillip.

— Foi... foi o John — exclamou, ofegante, as lágrimas escorrendo. — Não fui eu, juro...

— Eu estou sabendo! Ande logo, puta que o pariu! Phillip Chen então revelou tudo. Contou que pegara a chave do filho e abrira o seu cofre individual no banco, descobrira as cartas de e para Bartlett, e a segunda chave, e que, na noite do jantar na casa do tai-pan, subitamente tivera um pressentimento sobre seu cofre secreto enterrado no jardim, e que depois de desenterrá-lo descobrira o pior. Até mesmo contou ao tai-pan sobre sua briga com Dianne, e que haviam imaginado que a moeda poderia estar no corpo de John, e que, quando o Lobisomen telefonou, ela sugeriu chamarem o primo dele, Wu Quatro Dedos, para mandar seus combatentes de rua seguirem-no, a ele, Phillip, e depois aos Lobisomens...

Dunross soltou uma exclamação abafada, mas Phillip Chen não notou, continuando a falar, em meio às lágrimas, contando como mentira para a polícia e pagara o resgate aos jovens Lobisomens que nunca mais reconheceria, e como os combatentes de rua de Quatro Dedos, que deveriam protegê-lo, não haviam interceptado os Lobisomens, recapturado John ou recuperado o seu dinheiro.

— Esta é a verdade, tai-pan, toda a verdade — choramingava ele. — Não há mais... nada. Nada até hoje de manhã, e o corpo do meu pobre filho em Sha Tin, com aquele cartaz nojento sobre o peito...

Dunross tentava pôr as idéias em ordem. Não sabia que Quatro Dedos era primo de Phillip, nem podia calcular como o velho marujo pusera as mãos na moeda... a não ser que fosse o chefe dos Lobisomens, ou estivesse de combinação com eles, ou de combinação com John Chen, que idealizara um suposto seqüestro para arrancar dinheiro do pai, que odiava. E depois Quatro Dedos e John Chen haviam brigado ou... o quê?

— Como foi que John soube dos nossos segredos? Como obteve todos aqueles segredos para entregar ao Bartlett... como a Casa é estruturada? Hem?

— Não sei — mentiu o velho.

— Você deve ter contado ao John... só você, Alastair, meu pai, Sir Ross, Gavallan, De Ville e eu sabemos, e destes, apenas os quatro primeiros conheciam a estrutura!

— Não contei a ele... juro que não!

A fúria cega de Dunross começou a crescer de novo. Porém, mais uma vez, ele a controlou.

"Seja lógico", falou com seus botões. "Phillip é mais chinês do que europeu. Lide com ele como um chinês! Onde está o elo? A parte que falta do quebra-cabeça?"

Enquanto tentava resolver o problema, olhava penetrantemente para o velho. Esperava, sabendo que o silêncio também era uma grande arma, na defesa ou no ataque. Qual a resposta? Phillip jamais contaria ao John um segredo daqueles, portanto...

— Santo Deus! — exclamou, à idéia repentina. — Você anda mantendo registros! Registros particulares! Foi assim que John descobriu! No seu cofre! Não é?

Apavorado pela fúria demoníaca do tai-pan, Phillip deixou escapar, antes que pudesse se conter:

— É... é... tive que concordar... Interrompeu-se, lutando por controlar-se.

— Teve? Por quê? Fale, porra!

— Porque... porque meu pai, antes de... passar a Casa e a moeda para mim... fez-me jurar que manteria... que registraria as transações particulares da... Casa Nobre, para proteger a Casa de Chen. Foi apenas isso, tai-pan. Jamais para usar contra a Casa Nobre ou contra você, apenas uma proteção...

Dunross olhava para ele, odiando-o, odiando John Chen por ter vendido a Struan, odiando o seu mentor Chen-chen pela primeira vez na vida, doente de raiva com tantas traições. Depois, lembrou-se de uma das advertências de Chen-chen, há anos, quando Dunross estava quase chorando de raiva por causa da maneira injusta como o pai e Alastair o estavam tratando:

— Não fique com raiva, jovem Ian, vá à forra. Disse a mesma coisa ao Culum e à Bruxa, quando eram moços... Culum nunca ligou, mas a Bruxa, sim. Esta é a maneira civilizada: não fique com raiva, vá à forra!

"Com que então Bartlett conhece a nossa estrutura, nossos balanços gerais. O que mais terá?"

Phillip Chen apenas tremia e fitava-o, assustado.

— Vamos, Phillip, puta que o pariu, pense! Todos temos os nossos segredos escusos, um bocado deles! Você também, a Bruxa, Chen-chen, Shitee T'Chung, Dianne... puta que o pariu, quanta coisa mais está documentada, e que John pode ter passado adiante? — Uma onda de náusea o envolveu ao recordar sua teoria sobre a ligação entre Banastasio, Bartlett, a Par-Con, a Máfia e as armas. "Porra, se nossos segredos caírem em mãos erradas!" — Hem?

— Não sei... não sei... O que foi, o que foi que Barttlett pediu? Em troca da moeda? — Então, Phillip exclamou: — É minha, pertence-me!

Notou o tremor incontrolável das mãos de Phillip e um súbito tom cinzento no seu rosto. Havia garrafas de cristal com uísque e conhaque sobre o aparador. Dunross serviu uma dose de conhaque e deu-a ao velho. Agradecido, ele bebeu, engasgando um pouco.

— Obri... obrigado.

— Vá para casa e traga tudo e... — Dunross interrompeu-se e apertou um botão do intercomunicador. — Andrew?

— Sim, tai-pan? — respondeu Gavallan.

— Quer vir aqui um minutinho? Quero que leve Phillip para casa. Ele não está se sentindo bem e há uns papéis que é preciso trazer para cá.

— Já estou indo.

Os olhos de Dunross não haviam se desviado dos de Phillip.

— Tai-pan, o que foi que Bartlett...

— Fique longe deles, se tem amor à vida! E entregue tudo ao Andrew... as cartas de John, as cartas de Bartlett, tudo... — disse, com voz gélida.

— Tai-pan...

— Tudo. — A cabeça lhe doía, de tanto ódio. Ia acrescentar: "Vou decidir sobre você e a Casa de Chen durante o fim de semana". Mas ficou calado. A frase "Não fique com raiva, vá à forra" ecoava em seus ouvidos.

Casey entrou. Dunross foi ao seu encontro. Ela segurava um guarda-chuva e usava de novo o vestido verde-claro que acentuava perfeitamente os seus olhos e cabelos. Dunross notou que tinha olheiras. Elas conseguiam torná-la ainda mais desejável.

— Desculpe tê-la feito esperar — falou, com um sorriso cálido, porém sem sentir o seu calor. Ainda estava abismado por causa de Phillip Chen.

A mão de Casey era fresca e agradável.

— Obrigada por me receber — disse. — Sei que está ocupado, portanto vou direto ao assunto.

— Primeiro o chá. Ou prefere uma bebida?

— Nada alcoólico, obrigada, mas não quero dar trabalho.

— Não será trabalho algum. Vou tomar o meu chá agora: quatro e quarenta é a hora do chá. — Como num passe de mágica, a porta se abriu e um criado de libre trouxe uma bandeja de prata com chá para dois — com torradinhas amantei-gadas e os bolinhos ingleses típicos, os scones mantidos quentes num abafador. O homem serviu o chá e se retirou. A bebida era castanho-escura e forte. — É Darjeeling, uma das misturas da Casa. Nós comerciamos com ela desde 1830 — falou, sor-vendo-a satisfeito, como sempre agradecendo intimamente ao gênio inglês desconhecido que inventara o chá da tarde, que, de alguma maneira, sempre parecia aliviar os problemas do dia e colocar o mundo em perspectiva. — Espero que goste.

— É fantástico, talvez um tantinho forte demais para mim. Tomei um pouco por volta das duas horas, e acordei de vez!

— Ainda descontrolada pelos fusos horários?

Ela fez que não com a cabeça, e contou-lhe sobre Peter Marlowe.

— Oh, mas que azar! — Apertou o interfone. — Claudia, ligue para a Casa de Saúde Nathan e veja como está passando a sra. Marlowe. E envie umas flores. Obrigado.

Casey franziu a testa.

— Como sabia que ela estava na Nathan?

— O dr. Tooley sempre usa essa casa em Kowloon. — Ele a observava atentamente, atônito ao vê-la tão amistosa, quando era óbvio que a Par-Con estava tentando sabotar o negócio deles. "Se passou acordada a maior parte da noite, isso explica as olheiras", pensou. "Bem, olheiras ou não, cuidado, mocinha, empenhamos a nossa palavra na transação. " — Mais uma xícara? — indagou, solícito.

— Não, obrigada, já chega.

— Recomendo os scones. Nós os comemos assim: uma boa porção de nata de Devonshire em cima, uma colher de chá de geléia de morango feita em casa no meio da nata e... magia! Tome!

Relutante, ela aceitou. O bolinho era pequeno o bastante para ser comido de uma vez só. Sumiu.

— Fantástico — exclamou, limpando um pouco da nata do canto da boca. — Mas todas essas calorias! Não, obrigada, não quero mais mesmo. Não tenho feito outra coisa senão comer, desde que cheguei aqui.

— Não está parecendo.

— Mas logo vai parecer. — Viu que ela lhe devolvia o sorriso. Estava sentada numa das fundas poltronas de couro de espaldar alto, com a mesinha de chá entre eles. Ela cruzou as pernas de novo, e Dunross pensou mais uma vez que Gavallan estava certo a seu respeito: seu calcanhar de Aquiles era a impaciência. — Posso começar agora? — perguntou.

— Tem certeza de que não quer mais chá? — perguntou, tentando deliberadamente enervá-la.

— Não, obrigada.

— Então, acabou o chá. O que é que há? Casey inspirou fundo.

— Parece que a Struan está encrencada, e prestes a afundar.

— Por favor, não se preocupe com isso. A Struan está realmente em forma.

— Você pode pensar assim, tai-pan, mas não é o que está nos parecendo. Nem ao resto do pessoal. Já verifiquei. A maioria parecer pensar que o Gornt e/ou o Victoria não vão fazer valer a incursão. A opinião quase geral é de que vocês estão acabados. Bem, o nosso negócio...

— Temos um acordo até terça-feira. Foi o que combinamos — disse, a voz mais cortante. — Devo entender que querem desdizer-se, ou modificá-lo?

— Não. Mas no estado em que vocês estão, seria uma loucura ou um mau negócio continuar. Portanto, temos duas alternativas: ou a Rothwell-Gornt, ou ajudamos a salvar a sua pele.

— É?

— É. Tenho um plano, um plano parcial que talvez possa salvá-lo e nos render a todos uma fortuna. Certo? Você é o melhor para nós... a longo prazo.

— Obrigado — disse, sem acreditar nela, todo ouvidos, bem ciente de que qualquer concessão que ela oferecesse ia ser proibitivamente cara.

— Que tal o seguinte: nossos banqueiros são o First Central New York, o banco odiado aqui. Eles querem muito voltar a Hong Kong, mas jamais obterão nova licença, certo?

O interesse de Dunross cresceu ante a nova idéia.

— E daí?

— Daí que recentemente eles compraram um pequeno banco estrangeiro com agências em Tóquio, Cingapura, Bangkok e Hong Kong: o Royal Belgium and Far East Bank. É um banquinho de nada, e eles pagaram três milhões por tudo. O First Central pediu-nos para enviar nossos fundos através do Royal Belgium, se o nosso negócio se concretizar. Ontem à noite, encontrei-me com Dave Murtagh, que é o responsável pelo Royal Belgium, e ele não parou de gemer e de se lamentar de que os negócios vão muito mal, de que o sistema daqui lhes tirou o couro, e de que, embora tenham a bancá-los os imensos recursos em dólar do First Central, quase ninguém abre contas e deposita os dólares de Hong Kong de que necessitam para fazer empréstimos. Conhece o banco?

— Sim — falou, sem entender aonde ela queria chegar —, mas não sabia que o First Central estava por trás dele. Não creio que isso seja do conhecimento geral. Quando foi comprado?

— Faz dois meses. Bem, e se o Royal Belgium lhe adiantasse na segunda-feira cento e vinte por cento do preço de compra dos dois navios da Toda?

Dunross, pego desprevenido, fitou-a, boquiaberto.

— Com que garantia?

— Os navios.

— Impossível! Banco algum faria isso.

— Os cem por cento são para a Toda, os vinte por cento para cobrir todas as despesas periódicas, seguros, e os primeiros meses de operação.

— Sem fluxo de caixa, sem fretador estabelecido? — perguntou, incrédulo.

— Você poderia fretá-los em sessenta dias, para obter um fluxo de caixa para sustentar um plano de pagamento razoável?

— Facilmente. — "Santo Deus, se eu puder pagar à Toda imediatamente, poderei pôr para funcionar imediatamente meu plano de venda e arrendamento com os dois primeiros navios. " Apegou-se a essa esperança, imaginando qual seria o preço, o preço real. — Isto é teoria, ou eles realmente o farão?

— Podem fazê-lo.

— Em troca do quê?

— Em troca dos depósitos de cinqüenta por cento de todas as operações cambiais da Struan no exterior, por um período de cinco anos; de uma promessa de que manterão uma média de depósitos em dinheiro com eles, entre cinco a sete milhões de dólares de Hong Kong, cerca de um milhão e meio de dólares americanos; de que usarão o banco como seu segundo banco em Hong Kong, e o First Central como sua principal fonte de empréstimos americana fora de Hong Kong, durante um período de cinco anos. O que me diz?

Ele teve que usar todo o seu autocontrole para não gritar de alegria.

— É uma oferta firme?

— Creio que sim, tai-pan. Estou um pouco por fora... nunca lidei com navios, mas cento e vinte por cento me pareceu fantástico. E os outros termos também me pareceram bons. Não sabia até onde devia ir na negociação, mas disse a ele que era melhor que fizessem jogo limpo, caso contrário você nem se interessaria.

Ele sentiu uma pontada gelada nas entranhas.

— O representante local nunca teria autoridade para fazer uma oferta dessas.

— Foi isso o que Murtagh alegou a seguir, mas ele disse que teríamos o fim de semana para discutir, e que, se você topasse o esquema, ele se penduraria nas comunicações.

Dunross recostou-se na cadeira, perplexo. Deixou de lado três perguntas vitais, e disse:

— Vamos ficar por aqui, por enquanto. Qual a sua parte nisso tudo?

— Daqui a um minuto. Há mais um detalhe na oferta dele. Acho que ele está louco, mas disse que ia tentar persuadir os chefões a criarem um fundo de cinqüenta milhões de dólares americanos, contra o valor das ações não emitidas que você tem no seu tesouro. Portanto, você estará numa ótima. Se fizer o negócio.

Dunross sentiu o suor irromper nas costas e na testa, consciente do risco tremendo que correria, independentemente do tamanho do banco. Com esforço, pôs a cabeça para funcionar. Com os navios já pagos e o fundo, ele poderia rechaçar Gornt e anular o seu ataque. E com Gornt fora de ação, o Orlin voltaria humildemente para ele, que sempre fora um ótimo cliente... e o First Central não fazia parte do consórcio do Orlin Merchant Bank?

— E quanto ao nosso negócio?

— Fica como está. Você faz o comunicado na hora melhor para nós dois, para você e para a Par-Con, conforme o combinado. Se, e é um se grande, o First Central topar a jogada, todos nós podíamos ganhar uma nota, uma nota preta, comprando ações da Struan às nove e cinqüenta da manhã de segunda-feira... Vão ter que subir para 28, talvez 30, não é? A única coisa que não consigo ajeitar é como lidar com as corridas aos bancos.

Dunross pegou o lenço e enxugou a testa, abertamente. Depois, levantou-se e preparou dois conhaques com soda. Entregou-lhe um e voltou a sentar-se na cadeira, a mente alucinada, apática num minuto, no seguinte tonta de felicidade, logo depois agitada, doendo de esperança e medo, perguntas, respostas, planos e contraplanos.

"Puta que o pariu!", pensou, tentando acalmar-se.

O conhaque caiu bem. O travo e o calor eram muito bons. Notou que ela apenas bebericou o dela, depois largou o cálice e ficou olhando para ele. Quando a cabeça dele ficou desanuviada, e ele se sentiu pronto, olhou para ela.

— Tudo isso em troca do quê?

— Você terá que estabelecer os parâmetros com o Royal Belgium, isso cabe a você. Não conheço com toda a precisão o seu fluxo de caixa. Os juros vão ser bem altos, mas valerão a pena, para salvar-lhe a pele. Você vai ter que dar a sua garantia pessoal por cada centavo.

— Pombas!

— É. E mais o prestígio. — Ouviu a voz dela endurecer. — Vai lhe custar prestígio lidar com os "filhos da mãe pol-trões". Não foi assim que Lady Joanna se referiu ao pessoal do First Central, com um imenso ar de desdém e "Mas o que se pode esperar, são... " Imagino que quisesse dizer "americanos". — Viu os olhos de Casey se apertarem e ficou alerta. — É uma vaca velha, aquela mulher.

— Não é não, na verdade — retrucou. — É um pouco cáustica, e rude, mas, de um modo geral, não é má. É antiame-ricana, lamento dizer, paranóica, suponho. Sabe, é que o marido dela, Sir Richard, foi morto em Monte Cassino, na Itália, por bombas americanas. Os aviões pensaram que as tropas britânicas fossem nazistas.

— Ah — exclamou Casey. — Ah, entendo.

— O que é que a Par-Con quer? E o que é que você e Linc Bartlett querem?

Ela hesitou, depois deixou Lady Joanna de lado por um momento, concentrando-se de novo.

— A Par-Con quer um negócio a longo prazo com a Struan... como "Velhos Amigos". — Ele viu o estranho sorriso. — Descobri o que significa "Velho Amigo" para os chineses, e é isso o que quero para a Par-Con. Status de Velho Amigo a partir do negócio fechado com o Royal Belgium.

— O que mais?

— Isso eqüivale a um sim?

— Gostaria de conhecer todos os termos antes de concordar com um deles.

Ela sorveu o conhaque.

— Linc não quer nada. Nem está sabendo disso tudo.

— Como disse? — perguntou Dunross, novamente desconcertado.

— Linc ainda não está sabendo do Royal Belgium — disse, numa voz normal. — Eu e Dave Murtagh bolamos isso tudo hoje. Não sei se estou lhe fazendo realmente um favor, porque... você estará correndo riscos, você, pessoalmente. Mas podia tirar a Struan da enrascada. Aí, nossa transação daria certo.

— Não acha que devia consultar seu intrépido líder? — falou Dunross, tentando decifrar as implicações desse rumo inesperado.

— Sou diretora-executiva, e a Struan é transação minha. Não nos custa nada, a não ser nossa influência para livrá-lo da sua armadilha, e é para isso que serve a influência. Quero que nosso negócio se concretize, e não quero que o Gornt seja o vencedor.

— Por quê?

— Já lhe disse. Você é o melhor para nós, a longo prazo.

— E você, Ciranoush? O que deseja? Em troca do uso da sua influência.

Os olhos dela pareceram apertar-se ainda mais e tornar-se mais avermelhados, como os de uma leoa.

— Igualdade. Quero ser tratada como igual, não com condescendência ou deboche, como uma mulher que está na empresa agarrada às fraldas da camisa de um homem. Quero igualdade com o tai-pan da Casa Nobre. E quero que me ajude a obter o meu dinheiro do dane-se... sem ter nada a ver com a transação da Par-Con.

— A segunda coisa é fácil, se estiver disposta a arriscar. E quanto à primeira, nunca a tratei com condescendência ou desprezo...

— Gavallan tratou, e os outros.

— ... e nunca o farei. Quanto aos outros, se não a tratarem como você deseja, saia da mesa de reuniões e do campo de batalha. Não force sua presença aos outros. Não posso torná-la igual. Você não é, e nunca será. É uma mulher e, queira ou não, o mundo é dos homens. Especialmente em Hong Kong. E enquanto eu for vivo, vou tratar o mundo como é, e uma mulher como uma mulher, seja Iá quem diabo ela for.

— Ora, vá se foder!

— Quando?

Ele abriu um amplo sorriso.

A risada repentina dela juntou-se à dele, e a tensão sumiu.

— Mereci isso — disse ela. Outra risada. — Mereci mesmo. Desculpe, acho que perdi o "traseiro".

— Como disse?

Ela explicou sua versão para "prestígio", "fachada". Ele riu de novo.

— Não. Ganhou o "traseiro". Após uma pausa, ela disse:

— Com que então, faça eu o que fizer, nunca poderei ter igualdade?

— Não no mundo empresarial, não em termos masculinos, não se quiser pertencer a esse mundo. Como já disse, queira ou não, é isso aí. E acho que você está errada ao tentar mudá-lo. A Bruxa foi incontestavelmente mais poderosa do que qualquer um na Ásia. E chegou Iá como mulher, não como neutra.

Ela estendeu a mão e ergueu o cálice de conhaque, e ele notou o volume do seu seio de encontro à blusa de seda leve.

— Que diabo, como é possível tratar alguém tão atraente e inteligente como você como um ser neutro? Tenha dó!

— A única coisa que estou pedindo, tai-pan, é igualdade.

— Sinta-se satisfeita de ser mulher.

— Ah, mas eu estou satisfeita, estou mesmo. — A voz dela tornou-se amarga. — Só não quero é ser classificada como alguém que só tem valor de verdade quando está deitada de costas. — Tomou um derradeiro gole e se levantou. — Bem, de agora em diante a bola é sua? Com o Royal Belgium? David Murtagh está esperando um telefonema. É uma jogada a esmo, mas vale a pena tentar, não acha? Quem sabe você não poderia ir se encontrar com ele, ao invés de mandar chamá-lo? Prestígio, hem? Ele vai precisar de todo o apoio que você puder dar. Dunross não se havia levantado.

— Por favor, sente-se um minutinho, se tiver tempo. Ainda há umas duas coisinhas.

— Mas claro. Não queria tomar mais o seu tempo.

— Primeiro, qual é o problema com o seu sr. Steigler?

— O que quer dizer?

Ele lhe contou o que Dawson relatara.

— Filho da puta! — exclamou, obviamente irritada. — Disse a ele que preparasse os papéis, só isso. Pode deixar que eu cuido dele. Os advogados sempre acham que têm o direito de negociar, de "melhorar o negócio", nas palavras deles, como se a gente fosse incompetente. Já perdi mais negócios por causa deles do que você pode imaginar. E o Seymour não é dos piores. Os advogados são a praga dos Estados Unidos. Linc também acha.

— E quanto ao Linc? — perguntou ele, lembrando-se dos dois milhões que ele adiantara ao Gornt para o ataque às ações da Struan. — Vai apoiar cem por cento esta nova jogada?

— Vai — disse, depois de uma pausa. — Vai.

A mente de Dunross buscava o pedaço que faltava.

— Quer dizer que você vai cuidar do Steigler, e continua tudo como antes?

— Você vai ter que resolver o problema dos títulos de propriedade dos navios, como combinamos, mas acho que não será difícil.

— Não. Posso cuidar disso.

— Você garantirá tudo pessoalmente?

— Sem dúvida — disse Dunross, descuidadamente. — Dirk vivia fazendo isso. É o privilégio do tai-pan. Ouça, Ciranoush, eu...

— Quer me chamar de Casey, tai-pan? Ciranoush é para uma era diferente.

— Está bem. Casey, quer isso dê certo ou não, você é uma Velha Amiga, e devo-lhe um agradecimento pela sua bravura, bravura pessoal, no dia do incêndio.

— Não sou valente. Devem ter sido as glândulas. — Deu uma risada. — Não se esqueça de que o fantasma da hepatite ainda nos ronda.

— Ah, também se lembrou disso.

— Foi.

Ela o fitava, e ele não conseguia avaliá-la exatamente.

— Eu a ajudarei com o dinheiro do dane-se — falou.

— De quanto precisa?

— Dois milhões, livres de impostos.

— Suas leis fiscais são rígidas e duras. Está preparada para burlá-las?

Ela hesitou.

— É direito de todo americano evitar os impostos, mas não sonegá-los.

— Já entendi. Portanto, na sua classe de renda, vai precisar de quatro.

— Minha classe é baixa, embora o capital seja alto.

— Quarenta e seis mil no San Fernando Savings and Loan não é muito — disse, sombriamente divertido ao vê-la empalidecer. — Oito mil e setecentos na sua conta corrente no Los Angeles and California também não é muito.

— Você é um filho da mãe.

— Simplesmente tenho amigos nas altas esferas — sorriu ele. — Como você. — Com naturalidade, abriu a armadilha.

— Você e Linc Bartlett querem jantar comigo, hoje à noite?

— Linc está ocupado — disse ela.

— E você? Às oito? Podemos nos encontrar no saguão do Mandarim.

Ele percebera a nuance e a traição involuntária na voz da moça, e quase podia ver as ondas revoltas da mente dela. "Com que então o Linc está ocupado!", pensou. "E com o que estaria ocupado, pelo tom de voz dela? Orlanda Ramos? Tem que ser", disse com seus botões, radiante por ter trazido à luz o motivo verdadeiro... o verdadeiro porquê da sua ajuda. Orlanda! Orlanda conduzindo a Linc Bartlett, conduzindo ao Gornt. "Casey morre de medo de Orlanda. Está morta de medo de que Gornt esteja por trás do ataque de Orlanda a Bartlett... ou está simplesmente louca de ciúmes, e pronta para puxar o tapete de sob os pés de Bartlett?"


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