Capítulo Dezessete
- Jesse...?
- David, sei que não posso interferir, mas acho que você deveria pedir a anulação do julgamento.
- O que aconteceu?
- Você esteve na Internet nestes últimos dias?
- Não. Eu tenho andado ocupado.
- Pois saiba que o julgamento está todo na Internet. É só do que se fala nas salas de chat.
- Era de se supor - falou David. - Mas o que é...?
- As pessoas só falam coisas negativas, David. Andam dizendo que Ashley é culpada e que deveria ser executada. E estão dizendo isso claramente. Não dá para acreditar na maldade dessa gente!
David, dando-se conta de repente, falou:
- Meu Deus! Se algum dos jurados estiver na Internet...
- As probabilidades são muito grandes de que algum deles esteja, e isso vai exercer uma grande influência sobre ele. Eu pediria uma anulação do julgamento ou, pelo menos, que os jurados fossem mantidos em reclusão.
- Obrigado, Jesse! É o que vou fazer - David desligou.
Quando ele voltou para o restaurante, onde Sandra o esperava, ela perguntou:
- Má notícia?
- Péssima.
Antes da abertura da sessão do tribunal na manhã seguinte, David pediu para ver a juíza Williams. Foi conduzido ao gabinete dela, juntamente com Mickey Brennan.
- O senhor pediu para falar comigo?
- Pedi, sim, meritíssima. Eu fiquei sabendo ontem à noite que este julgamento é o assunto preferido na Internet. É só o que se discute nas salas de chat, e todo mundo já condenou a ré. Isso é bastante prejudicial. E como estou certo de que alguns dos jurados têm computadores com acesso à rede, ou conversam com amigos internautas, a defesa pode ficar seriamente comprometida. Portanto, vou entrar com uma moção de anulação do julgamento.
Ela ficou pensativa por um momento.
- Moção indeferida.
David ficou imóvel, tentando se controlar.
- Então, entro agora com uma moção para manter o júri em reclusão a partir deste momento, de forma que...
- Sr. Singer, todos os dias a imprensa está presente com todo seu aparato neste tribunal. Este julgamento é o assunto preferido na televisão, no rádio e nos jornais do mundo inteiro. Eu avisei que isto viraria um circo, mas o senhor não quis me escutar - Ela se inclinou para a frente. - Pois bem, o circo é seu. Se quisesse o júri em reclusão, o senhor deveria ter entrado com a moção antes do início do julgamento. E eu provavelmente não teria concedido. Há mais algum assunto a tratar?
David ficou sentado, com o estômago revirando.
- Não, meritíssima.
- Então, vamos entrar na sala de audiências.
Mickey Brennan estava interrogando o comissário Dowling.
- O delegado Sam Blake telefonou para dizer ao senhor que ia passar a noite no apartamento da ré, a fim de protegê-la? Ela tinha dito a ele que alguém a estava ameaçando?
- Correcto.
- Quando foi que o senhor tornou a falar com o delegado Blake?
- Eu... eu não tornei a falar com ele. Recebi um telefonema na manhã seguinte dizendo que... que o corpo dele fora encontrado no beco atrás do prédio onde reside a Senhorita Paterson.
- E o senhor foi para lá imediatamente?
- Claro.
- E o que encontrou?
Ele engoliu em seco.
- O corpo de Sam estava enrolado num lençol todo ensanguentado. Ele fora esfaqueado e castrado, assim como as outras duas vitimas.
- Assim como as outras duas vitimas. Então, todos esses assassinatos foram executados de maneira semelhante?
- Foram, sim.
- Como se as vítimas tivessem sido assassinadas pela mesma pessoa?
David se levantou de imediato.
- Objeção.
- Mantida.
- Eu retiro o que disse. O que fez em seguida, comissário?
- Bem, até aquele instante, Ashley Paterson não era suspeita. Mas depois que isso aconteceu, nós a prendemos e tiramos suas impressões digitais.
- E então?
- Nós as enviamos para o FBI e obtivemos um quadro positivo para ela.
- O senhor poderia explicar para o júri o que quer dizer com um quadro positivo?
O comissário Dowling se virou para o júri.
- As impressões digitais dela eram iguais às outras do arquivo que eles estavam tentando identificar desde os assassinatos anteriores.
- Obrigado, comissário! - Brennan se virou para David.
- A testemunha é sua.
David se levantou e se aproximou do banco das testemunhas.
- Comissário, ouvimos depoimentos dentro deste tribunal afirmando que uma faca ensanguentada foi encontrada na cozinha da Senhorita Paterson.
- Correcto.
- Como essa faca estava escondida? Embrulhada em alguma coisa? Enfiada num canto onde ninguém a pudesse encontrar?
- Não. Estava bem à vista.
- Bem à vista. Deixada lá por alguém que não tinha nada a esconder. Alguém que era inocente porque...
- Objeção.
- Mantida.
- Não tenho mais perguntas a fazer.
- A testemunha está dispensada.
Brennan falou:
- Se o tribunal não se opuser... - Ele fez um sinal para alguém no fundo do salão, e um homem vestido de macacão entrou, carregando o espelho do banheiro da Senhorita Paterson. Nele, escrito com batom vermelho, estavam os dizeres VOCÊ VAI MORRER.
David se levantou.
- O que é isso?
A juíza Williams se virou para Mickey Brennan.
- Sr. Brennan?
- É a isca que a ré usou para atrair o delegado Blake até o seu apartamento, a fim de que pudesse assassiná-lo. Eu gostaria que isto ficasse marcado como prova circunstancial D. Foi tirado do armário do banheiro da ré.
- Objeção, meritíssima. Não tem relevância.
- Vou provar que tem relevância.
- Vamos ver. Entretanto, pode prosseguir.
Brennan colocou o espelho bem à vista do júri.
- Este espelho foi tirado do banheiro da ré. - Ele olhou para os jurados. - Conforme todos podem ver, está escrito em sua face "VOCÊ VAI MORRER". Este foi o pretexto da ré para pedir que o delegado Blake fosse ao seu apartamento naquela noite para protegê-la. - Ele se virou para a juíza Williams. - Eu gostaria de chamar a minha próxima testemunha, a Senhorita Laura Niven.
Uma mulher de meia-idade, caminhando com uma bengala, se aproximou do banco das testemunhas e prestou juramento.
- Em que trabalha, Senhorita Niven?
- Sou consultora para o município de San José.
- E presta consultoria em que área?
- Sou perita em caligrafia.
- Há quanto tempo trabalha para o município, Senhorita Niven?
- Vinte e dois anos.
Brennan apontou para o espelho com um gesto de cabeça.
- Já viu esse espelho antes?
- Já.
- E o examinou?
- Examinei.
- E a senhorita já viu uma amostra da caligrafia da ré?
- Vi, sim.
- E teve a oportunidade de examiná-la?
- Tive.
- E comparou as duas?
- Comparei.
- E a que conclusão chegou?
- Foram escritas pela mesma pessoa.
Todos na sala ficaram perplexos.
- Então, a senhorita está dizendo que Ashley Paterson escreveu esta ameaça para si mesma?
- Correcto.
Mickey Brennan olhou para David.
- A testemunha é sua.
David hesitou. Olhou de relance para Ashley. Ela estava de olhos pregados na mesa, balançando a cabeça.
- Não tenho perguntas a fazer.
A juíza Williams estava estudando David.
- Não tem perguntas a fazer, Sr. Singer?
David se levantou.
- Não. Todos esses depoimentos não têm importância. - Ele se virou para o júri. - A promotoria terá de provar que Ashley Paterson conhecia as vítimas e tinha um motivo para...
- Eu já o adverti antes - falou a juíza Williams, irritada. - Não lhe cabe instruir o júri sobre a lei. Se...
- Alguém tem de fazer isso - explodiu David. - Sua Excelência o está deixando...
- Já chega, Sr. Singer. Aproxime-se.
David caminhou até a mesa.
- Vou citá-lo por desacato ao juízo e sentenciá-lo a uma noite aqui em nossa agradável cadeia no dia em que este julgamento terminar.
- Espere, meritíssima. Sua Excelência não pode...
Ela falou, taciturna:
- Já o sentenciei a uma noite. O senhor gostaria de tentar conseguir duas?
David ficou parado, fitando-a com firmeza, respirando fundo.
- Pelo bem de minha cliente, eu... eu vou guardar os meus sentimentos para mim.
- Sábia decisão - falou a juíza Williams, sucintamente.
- A sessão está suspensa. - Ela se dirigiu a um oficial de justiça. - Quando este julgamento terminar, quero que o Sr. Singer seja detido sob custódia.
- Pois não, meritíssima.
- Meu Deus! O que está acontecendo? - perguntou Ashler a Sandra.
Sandra apertou-lhe o braço.
- Não se preocupe. Você precisa confiar em David.
Sandra telefonou para Jesse Quiller.
- Já soube - disse ele. - Está em todos os noticiários. Não culpo David por ter perdido o controle. Ela o está cutucando desde o início. O que ele fez para deixá-la tão possessa?
- Não sei, Jesse. Foi uma coisa horrível! Você deveria ver os rostos dos jurados. Eles odeiam Ashley. Mal podem esperar para condená-la. Bem, é a vez da defesa agora. David vai ter de mudar o pensamento deles.
Vamos esperar para ver
- A juíza Williams me odeia, Sandra, e isto está sendo prejudicial para Ashley. Se eu não fizer alguma coisa para reverter este quadro, Ashley vai ser condenada à morte. Eu não posso deixar que isso aconteça.
- O que você pode fazer? - perguntou Sandra.
David respirou fundo.
- Abdicar do caso.
Os dois sabiam o que isso significava. A mídia iria se deleitar com o fracasso dele.
- Eu nunca deveria ter concordado em enfrentar o julgamento - disse David, amargurado. - O Dr. Paterson confiou a salvação da filha dele às minhas mãos, e eu... - Ele não conseguiu terminar.
Sandra o abraçou e o apertou com ternura.
- Não se preocupe, querido. Tudo vai terminar bem.
Eu. decepcionei a todos, pensou David. Ashley, Sandra... Vou ser mandado embora da firma, ficar sem emprego, e o bebé está perto de chegar! "Tudo vai terminar bem."
Certo.
Pela manhã, David pediu para falar com a juíza Williams em seu gabinete. Mickey Brennan estava presente.
- Pediu para falar comigo, Sr. Singer? - disse a juíza Williams.
- Pedi, sim, meritíssima. Quero abdicar do caso.
- Baseado em quê? - perguntou a juíza Williams.
David falou com cuidado:
- Não creio que eu seja o advogado ideal para este caso. Acho que estou prejudicando a minha cliente. Eu gostaria de ser substituído.
A juíza Williams falou tranquilamente:
- Sr. Singer, se acha que vou deixá-lo se afastar deste julgamento e depois ter de começar tudo de novo e desperdiçar ainda mais tempo e dinheiro, está muito enganado. A resposta é não. O senhor me entendeu direito?
David fechou os olhos por um instante, forçando-se a ficar calmo. Ele ergueu a cabeça e falou:
- Sim, meritíssima. Eu entendi.
Ele não tinha saída.