Capítulo Seis
O delegado Sam Blake havia conseguido seu posto na chefatura de polícia de Cupertino da maneira mais difícil: casara-se com a irmã do comissário, Serena Dowling, uma matrona com a língua afiada o suficiente para derrubar todas as árvores do estado de Oregon. Sam Blake foi o único homem que Serena conheceu capaz de lidar bem com ela. Era um sujeito baixinho, dócil, de bons modos, com a paciência de um santo. Por mais afrontoso que fosse o comportamento de Serena, ele sempre aguardava até que ela se acalmasse para só então conversar tranqüilamente. Sam Blake viera para a chefatura porque o comissário Matt Dowling era o seu melhor amigo. Eles haviam crescido juntos e freqüentaram a mesma escola. Blake apreciava o trabalho policial e era extremamente bom nisso. Era arguto, de uma inteligência apurada e uma tenacidade irredutível. Tal combinação fazia dele o melhor detetive do departamento.
Bem cedo naquela manhã, Sam Blake e o comissário Dowling estavam tomando café juntos.
O comissário Dowling disse:
- Eu soube que a minha irmã lhe propiciou maus momentos ontem à noite. Nós recebemos meia dúzia de telefonemas dos vizinhos reclamando do barulho. Serena é a campeã do grito, não é mesmo?
Sam encolheu os ombros.
- Eu acabei conseguindo fazer com que ela se acalmasse, Matt.
- Graças a Deus ela não está mais morando comigo, Sam! Eu não sei o que dá nela. Esses ataques de nervos...
A conversa foi interrompida.
- Comissário... Acabamos de receber uma ligação para a Central de Emergências. Houve um assassinato na Sunnyvale Avenue.
O comissário Dowling olhou para Sam Blake.
Blake assentiu.
- Deixa comigo.
Quinze minutos depois, o delegado Blake estava entrando no apartamento de Dennis Tibble. Uma polícia da ronda conversava com o sindico do prédio na sala de estar.
- Onde está o corpo? - perguntou Blake.
O polícia fez um gesto com a cabeça na direção do quarto.
- Lá dentro, senhor - Ele estava pálido.
Blake entrou no quarto e parou, chocado. O corpo nu de um homem estava estendido em cima da cama, e a primeira impressão de Blake foi a de que o quarto estava encharcado de sangue. Ao dar alguns passos mais para perto da cama, percebeu de onde vinha o sangue. Os cacos pontiagudos de uma garrafa quebrada haviam perfurado as costas da vítima repetidas vezes, e alguns permaneciam no corpo. Os testículos da vitima haviam sido tirados.
Olhando para a cena, Blake sentiu uma pontada na virilha.
- Como pode um ser humano fazer uma coisa dessas? - disse ele em voz alta. Não havia sinal de arma, mas seria feita uma busca completa.
O delegado Blake voltou à sala para conversar com o sindico.
- Você conhecia o falecido?
- Conhecia, sim. Ele morava aqui neste apartamento.
- Qual era o nome dele?
- Tibble. Dennis Tibble.
O delegado Blake tomou nota.
- Há quanto tempo ele morava aqui?
- Quase três anos.
- O que você pode me contar sobre ele?
- Nada de mais. Tibble era bastante recatado, sempre pagava o aluguel em dia. De vez em quando trazia alguma mulher aqui. Acho que eram, em geral, profissionais.
- Você sabe onde ele trabalhava?
- Ah, sim. Na Corporação Global de Computação Gráfica.
Ele era um desses gênios da informática.
O delegado Blake fez mais um apontamento.
- Quem encontrou o corpo?
- Uma das empregadas. Maria. Ontem foi feriado, de forma que ela só veio hoje de manhã.
- Eu quero falar com ela.
- Pois não. Vou chamar a moça.
Era uma brasileira negra de aproximadamente quarenta anos, estava nervosa e assustada.
- Você encontrou o corpo, Maria?
- Não fui eu que fiz isso. Eu lhe juro. - Ela estava à beira de um ataque histérico. - Vou precisar de um advogado?
- Não. Não vai precisar de um advogado. Basta me dizer o que aconteceu.
- Não aconteceu nada. Quero dizer... Eu entrei no apartamento hoje de manhã pra fazer a faxina, como sempre faço. Eu... Eu achei que ele já tinha saído. Ele sempre sai as sete da manhã. Aí eu arrumei a sala e... Porra!
- Maria, você se lembra de como estava a sala antes da sua arrumação?
- Como assim?
- Você tirou alguma coisa do lugar? Tirou alguma coisa daqui?
- Ué, tirei! Tinha uma garrafa de vinho quebrada no chão. Estava tudo grudento. Eu...
- O que você fez com a garrafa? - perguntou ele, agitado.
- Coloquei no compactador de lixo, pra triturar.
- E fez mais o quê?
- Ora, eu limpei o cinzeiro e...
- Havia alguma binga de cigarro dentro?
Ela parou, tentando se lembrar.
- Uma. Eu joguei na lata de lixo da cozinha.
- Vamos dar uma olhada. - Ele a seguiu até a cozinha, e ela apontou para uma lata de lixo. Dentro, havia uma binga de cigarro com batom na ponta. O delegado Blake recolheu-a, cuidadosamente, com um envelope de provas.
Ele a levou de volta para a sala de estar.
- Maria, você sabe se sumiu alguma coisa do apartamento? Por acaso, tem a impressão de que qualquer coisa de valor possa ter desaparecido?
Ela olhou ao redor.
- Acho que aquelas pequenas... O senhor Tibble gostava de colecionar estatuetas. Gastava um dinheirão com isso! Parece que estão todas aqui.
- Então o motivo não foi roubo. Drogas? Vingança? Um caso amoroso que deu errado?
- O que você fez depois de arrumar a sala, Maria?
- Aspirei o pó daqui, como sempre faço. E depois... - Sua voz falhou. - Eu entrei no quarto... E o vi. - Ela olhou para o delegado Blake. - Juro que não fui eu que fiz isso.
O legista e seus assistentes chegaram numa viatura do instituto, trazendo o material para ensacar o corpo.
Três horas depois, o delegado Sam Blake estava de volta à delegacia de polícia.
- O que você achou, Sam?
- Pouca coisa! - O delegado sentou-se em frente ao comissário Dowling. - Dennis Tibble trabalhava na Global. Pelo que parece, era um desses gênios da informática.
- Mas não foi gênio o suficiente para evitar o próprio assassinato.
- Ele não foi só assassinado, Matt. Foi trucidado. Você deveria ter visto o que fizeram ao corpo dele! Só pode ter sido algum maníaco!
- Nenhuma pista?
- Não temos certeza do tipo de arma que foi usada para o crime, estamos aguardando os resultados do laboratório, mas talvez tenha sido uma garrafa de vinho quebrada. A empregada a jogou no compactador de lixo. Parece que há uma impressão digital em um dos cacos de vidro que estão nas costas dele. Falei com os vizinhos. Nada que me ajudasse. Nenhum deles viu ninguém entrando ou saindo do apartamento da vítima. Nenhum barulho incomum. Aparentemente, Tibble era um cara que ficava muito na dele. Não era do tipo de fazer amizade com vizinhos. Uma coisa: Tibble fez sexo antes de morrer. Temos resquícios de secreção vaginal, pêlos pubianos, alguns outros vestígios e uma ponta de cigarro com batom. Vamos fazer o teste de DNA.
- Os jornais vão se fazer, Sam. Já estou vendo as manchetes; MANÍACO ATACA NO VALE DO SILICIO. - O comissário Dowling soltou um suspiro. - Vamos resolver este caso o mais rápido que pudermos.
- Já estou a caminho da Global.
Ashley levara uma hora inteira para se decidir se deveria ir para o escritório. Sua aparência estava horrível. Basta olhar para mim e todos vão saber que há algo errado. Mas se eu não for, vão querer saber por quê. A polícia provavelmente estará lá, fazendo perguntas. Se me perguntarem, terei de dizer a verdade. Vão me culpar pela morte de Dennis Tibble. Mas se acreditarem em mim, e eu contar que o meu pai sabia o que ele tinha feito comigo, vão botar a culpa nele.
Ela pensou no assassinato de Jim Cleary. Chegou a ouvir a voz de Florence: os pais de Jim chegaram em casa e encontraram o corpo. Ele foi morto a facadas... E castrado. Ashley fechou os olhos, bem apertados. Meu Deus, o que está acontecendo? O que está acontecendo?
O delegado Sam Blake entrou no andar, onde grupos de funcionários com ar taciturno conversavam baixinho. Blake podia imaginar qual era o assunto das conversas. Ashley o observava apreensivamente, enquanto ele se encaminhava para o escritório de Shane Miller.
Shane se levantou para cumprimentá-lo.
- Delegado Blake? Certo. - Os dois trocaram um aperto de mãos.
- Queira sentar-se, delegado.
Sam Blake sentou-se.
- Fui informado de que Dennis Tibble era um dos funcionários da casa.
- Correto. Um dos melhores. Que tragédia horrível!
- Ele trabalhava aqui fazia uns três anos?
- Isso. Era o nosso gênio. Não havia o que ele não fizesse com um computador.
- O que você sabe sobre a vida social dele?
Shane Miller balançou a cabeça.
- Não há muito que contar acho eu. Tibble era um tipo solitário.
- Você faz idéia se ele estava metido com drogas?
- Dennis? Não, de jeito algum. Ele era um maluco saudável.
- Jogava? Poderia estar devendo muito dinheiro para alguém?
- Não. Ele ganhava um salário muito bom, mas eu acho que era bastante controlado com dinheiro.
- E com mulheres? Tinha alguma namorada?
- As mulheres não sentiam muita atração por Tibble. - Ele pensou um instante. - Mas, ultimamente, ele andava por aí dizendo que tinha alguém com quem estava pensando em se casar.
- Por acaso ele mencionou o nome?
Miller balançou a cabeça.
- Não. Pelo menos, não para mim.
- Você se importaria se eu conversasse com alguns dos seus funcionários?
- De forma alguma. Fique à vontade. Eu não posso deixar de dizer que estão todos muito abalados.
Ficariam ainda mais abalados se tivessem visto o corpo dele, pensou Blake.
Os dois saíram do escritório e se dirigiram aos demais.
Shane Miller falou em voz bem alta:
- Pessoal, atenção, por favor! Este é o delegado Blake. Ele gostaria de fazer algumas perguntas.
Os funcionários haviam interrompido o que estavam fazendo para prestar atenção.
O delegado Blake falou:
- Estou certo de que todos vocês já sabem do que aconteceu com Dennis Tibble. Precisamos da ajuda de todos para descobrir quem o matou. Algum de vocês sabe de algum inimigo que ele pudesse ter? Alguém que o detestasse o suficiente para querer matá-lo? - Silêncio. Blake prosseguiu: - Havia uma mulher com quem ele estava querendo se casar. Ele discutiu isso com algum de vocês?
Ashley estava sentindo dificuldade para respirar. Era hora de falar. Era hora de contar ao delegado o que Tibble havia feito com ela. Mas Ashley se lembrou do olhar do pai quando lhe falara sobre isso. Decerto todos iriam achar que a culpa era dele.
Seu pai não seria capaz de matar ninguém.
Era um médico.
Era um cirurgião.
Dennis Tibble fora castrado.
O delegado Blake estava dizendo:
-... E nenhum de vocês o viu depois que ele saiu daqui na sexta-feira?
Toni Prescott pensou: Vamos. Conte a ele, Maria Certinha.
Conte que você foi ao apartamento dele. Por que não confessa?
O delegado Blake ficou parado um momento, tentando ocultar sua decepção.
- Bem, caso algum de vocês se lembre de qualquer coisa que possa ser útil, eu ficarei agradecido se me telefonar. O Sr. Miller está com o número do meu telefone. Obrigado!
Todos o observaram, enquanto ele se dirigia para a saída, acompanhado por Shane.
Ashley sentiu-se enfraquecer de alívio.
Blake se virou para Shane.
- Havia alguém aqui a quem ele fosse particularmente mais chegado?
- Não, eu suponho que não - falou Shane. - Acho que Dennis não tinha proximidade com ninguém. Ele sentia muita atração por uma das nossas operadoras de computador, mas nunca chegou a ter nada com ela.
O delegado Blake parou.
- Ela está aqui agora?
- Está, mas...
- Eu gostaria de falar com ela.
- Tudo bem. Podem usar o meu escritório. - Eles voltaram, e Ashley os viu chegando. Estavam se encaminhando direto para o seu cubículo. Ela sentiu o rosto ruborizar-se.
- Ashley, o delegado Blake gostaria de conversar com você.
Então ele sabia! Ele ia lhe perguntar sobre a sua ida ao apartamento de Tibble. Preciso tomar cuidado, pensou Ashley.
O delegado estava olhando para ela.
- Importa-se, Senhorita Paterson?
Ashley conseguiu dizer:
- Não, de forma alguma. - Ela o acompanhou até o escritório de Shane Miller
- Sente-se. - Os dois se sentaram. - Eu estou sabendo que Dennis Tibble tinha uma certa atração pela senhorita.
- Eu... Eu acho... -Cuidado! -... Que sim.
- A senhorita saiu com ele?
Uma ida ao apartamento dele não seria a mesma coisa que sair com ele.
- Não.
- Ele lhe falou sobre essa mulher com quem queria se casar?
Ela estava cada vez mais apreensiva. Será que esta conversa estaria sendo gravada? Talvez ele já soubesse de sua ida ao apartamento de Tibble. Poderiam ter encontrado suas impressões digitais. Agora era a hora de contar ao delegado o que Tibble tinha feito. Mas se eu contar, pensou Ashley, em desespero, a conversa vai levar ao meu pai, e eles irão conectar isso ao assassinato de Jim Cleary. Será que sabiam disso também? Mas a delegacia de polícia de Bedford não teria razão alguma para informar à delegacia de polícia de Cupertino. Ou teria?
O delegado Blake a estava observando, à espera de uma resposta.
- Senhorita Paterson?
- O quê? Ah desculpe! Eu fiquei tão perturbada com isso...
- Eu compreendo. O Sr. Tibble alguma vez mencionou essa mulher com quem queria se casar?
- Mencionou... Mas nunca me disse o nome dela. - Isso, pelo menos, era verdade.
- A senhorita já esteve no apartamento de Tibble?
Ashley respirou profundamente. Se dissesse que não, o interrogatório provavelmente terminaria ali. Mas se eles tivessem encontrado suas impressões digitais...
- Estive.
- Esteve no apartamento dele?
- Estive, sim.
Ele estava olhando mais atentamente para ela agora.
- A senhorita disse que nunca tinha saído com ele.
A mente de Ashley estava ativa agora.
- Correto. Não saí para namorar. Fui levar alguns papéis que ele tinha esquecido.
- Quando foi isso?
Ela se sentiu enrascada.
- Foi... Faz mais ou menos uma semana.
- E essa foi à única vez em que esteve no apartamento dele?
- Isso mesmo.
Assim, se eles tivessem encontrado suas impressões digitais, ela estaria a salvo.
O delegado Blake ficou sentado, estudando-a, e ela se sentiu culpada. Ashley quis contar-lhe a verdade. Talvez algum ladrão tivesse entrado no apartamento e o matado - o mesmo ladrão que tinha matado Jim Cleary dez anos antes e a cinco mil quilômetros dali. Se é que você acredita em coincidências! Se é que você acredita em Papai Noel! Se é que você acredita em fadas!
Maldito seja você, papai.
O delegado Blake falou:
- Foi um crime horrível. Não parece ter havido motivo algum. Mas eu lhe digo uma coisa, em todos esses anos que venho trabalhando no departamento, jamais vi um crime sem motivo.
- Não houve resposta alguma. - Você sabe se Dennis Tibble estava envolvido com drogas?
- Tenho certeza de que não.
- Então, o que nos resta? Não foram drogas. Ele não foi roubado. Não devia dinheiro a ninguém. Parece que sobra apenas o aspecto passional, não é mesmo? Alguém que estivesse com ciúmes dele. Ou um pai que quisesse proteger a filha.
- Eu estou tão intrigada quanto o senhor, delegado.
Ele a fitou com firmeza por um instante e seus olhos pareceram dizer: Não estou acreditando em você, mocinha.
O delegado Blake se levantou, pegou um cartão e o entregou a Ashley.
- Caso a senhorita consiga se lembrar de alguma coisa, eu ficarei grato se me der um telefonema.
- Eu darei, com certeza.
- Bom dia!
Ela esperou que ele saísse. Acabou. Papai está a salvo.
Quando Ashley voltou para seu apartamento naquela noite, havia um recado na secretária eletrônica.
- Você me deixou excitadíssimo ontem à noite, gatinha. Fiquei alucinado. Mas você vai me dar uma atençãozinha hoje, conforme me prometeu. Na mesma hora, no mesmo lugar.
Ashley ficou ali parada, escutando, incrédula. Eu estou ficando maluca, pensou. Isto não tem nada a ver com meu pai. Deve ter mais alguém por trás desta história toda. Mas quem? E por quê?
Cinco dias depois, Ashley recebeu um extrato do seu cartão de crédito. Três itens lhe chamaram a atenção.
Uma conta da loja Mod Dress, de 450 dólares.
Uma conta da boate Circus, de 300 dólares.
Uma conta do restaurante Louie's, de 250 dólares.
Ela jamais ouvira falar da loja, da boate nem do restaurante.
Capítulo Sete
Ashley Paterson acompanhou as investigações do assassinato de Dennis Tibble pelos jornais e pela televisão todos os dias. A Polícia parecia ter chegado a um beco sem saída. Acabou, pensou Ashley. Não há mais nada com que me preocupar.
Naquela noite, o delegado Sam Blake apareceu em seu apartamento. Ashley olhou para ele, sua boca subitamente ressecada.
- Espero não estar incomodando - disse o delegado. - Eu estava a caminho de casa e achei que seria bom passar por aqui.
Ashley engoliu em seco.
- Não é incômodo algum. Pode entrar.
O delegado Blake entrou no apartamento.
- Você tem uma bela casa.
- Obrigada!
- Aposto que Dennis Tibble não gostava deste tipo de mobília.
O coração de Ashley começou a palpitar
- Não sei. Ele nunca esteve neste apartamento.
- Ah, achei que pudesse ter estado, você sabe.
- Não, eu não sei, delegado. Eu lhe disse que nunca namorei com ele.
- Isso mesmo. Posso me sentar?
- Faça o favor
- Sabe, é que estou tendo um problemão com este caso, Senhorita Paterson. Ele não se encaixa em nenhum dos padrões. Conforme eu disse, sempre há um motivo, Eu já falei com algumas das pessoas da Global e parece que ninguém conhecia Tibble muito bem. Ele era um cara muito recatado.
Ashley ficou escutando, à espera do baque.
- A bem da verdade, pelo que me contaram, a senhorita era a única por quem ele se interessava.
Havia ele descoberto alguma coisa, ou estava tentando obter alguma informação dela.
Ashley falou com cuidado:
- Ele estava interessado em mim, delegado, mas eu não sentia nada por ele. Deixei isso bem claro para ele.
O delegado assentiu.
- Sabe, eu acho que foi gentil da sua parte ir ao apartamento dele entregar-lhe os tais papéis.
Ashley quase disse "Que papéis?", mas de repente se lembrou.
- Não foi incômodo algum. Estava no meu caminho.
- Certo. Alguém devia odiar muito Tibble para fazer o que fez.
Ashley ficou sentada, tensa, sem dizer nada.
- Sabe o que eu odeio? - falou o delegado Blake. - Assassinatos que não são solucionados. Sempre me deixam frustrado. Porque quando um assassinato fica sem solução, eu não acho que isso signifique que os criminosos foram tão espertos assim. Mas sim que a polícia não foi suficientemente esperta. Bem, até agora, dei sorte. Resolvi todos os crimes que me caíram nas mãos. - Ele levantou-se. - Não pretendo desistir deste. Caso consiga pensar em qualquer coisa que possa ser útil, a senhorita vai me ligar, não vai?
- Claro que vou.
Depois que o delegado saiu, Ashley pensou: Será que ele veio até aqui como uma advertência? Será que sabe mais do que está me contando?
Toni estava mais absorta do que nunca na Internet. Gostava mais dos bate-papos com Jean Claude, mas isso não a impedia de ter outros correspondentes nos chat rooms. A cada chance que tinha, sentava-se diante do computador, e as mensagens digitadas iam de um lado para o outro, respingando na tela do computador.
- Toni? Por onde você tem andado? Eu vivo no chat room à sua espera.
- Vale a pena esperar por mim, meu querido. Fale-me de você. O que você faz?
- Eu trabalho numa farmácia. Nós podemos nos dar bem.
Você transa drogas?
-Caia fora.
- É você, Toni?
- A resposta aos seus sonhos. Você, Mark?
- Eu, mesmo.
- Faz um bom tempo que você não aparece aqui pela Internet.
- Tenho andado ocupado. Eu gostaria de conhecer você, Toni.
- Mark, me diga uma coisa, o que você faz?
- Sou bibliotecário.
- Que legal! Um monte de livros e tudo mais...
- Quando a gente pode se encontrar?
- Por que você não pergunta a Nostradamus?
- Oi, Toni, meu nome é Wendy.
- Oi, Wendy.
- Você parece ser uma pessoa divertida.
- Gosto da vida.
- Talvez eu possa ajudá-la a gostar ainda mais.
- Qual é a sua sugestão?
- Sabe, espero que você não seja uma dessas pessoas de mentalidade estreita, que têm medo de experimentar coisas novas que possam ser interessantes. Eu gostaria de lhe propiciar uns bons momentos.
- Obrigada Wendy! Você não tem o equipamento de que preciso.
E então, Jean Claude Parent voltou.
- Bon nuit. Comment ça va? Como vai?
- Muito bem. E você?
- Senti saudades. Estou querendo muito conhecer você em pessoa.
- Eu também. Obrigada por ter me enviado a sua fotografia. Você é bonitão.
- E você é linda. Eu acho que é muito importante nós nos conhecermos. A sua empresa vem para a convenção de informática aqui em Quebeque?
- O quê? Não, que eu saiba! Quando vai ser?
- De hoje há três semanas. Muitas empresas grandes virão. Vou torcer para que você venha.
- Eu também.
- Vamos nos encontrar no chat room amanhã no mesmo horário?
- Claro. Até amanhã.
- Demain.
Na manhã seguinte, Shane Miller foi até a mesa de Ashley.
- Ashley, você está sabendo sobre essa grande convenção de informática que vai ser realizada em Quebeque?
Ela assentiu.
- Estou. Parece interessante.
- Eu estava discutindo agorinha mesmo se deveríamos enviar um pessoal nosso para lá.
- Todas as empresas vão estar representadas - disse Ashley.
- A Symantec, a Microsoft, a Apple. A prefeitura de Quebeque está preparando um grande espetáculo para todo mundo. E uma viagem dessas poderia valer como um presente de Natal.
Shane Miller sorriu pelo entusiasmo dela.
- Vou estudar o assunto.
Na manhã seguinte, Shane Miller chamou Ashley ao seu escritório.
- O que você acha de passar o Natal em Quebeque?
- Nós vamos? Que legal - falou Ashley, entusiasmada.
Antigamente, ela passava os feriados natalinos com o pai, mas este ano estava abominando a idéia.
- É melhor levar muita roupa de frio.
- Não se preocupe. Vou levar. Estou ansiosa para viajar, Shane!
Toni estava no chat room da Internet.
- Jean Claude, a empresa vai enviar um grupo nosso para Quebeque!
- Formidável! Fico muito satisfeito. Quando você vai chegar?
- De hoje há duas semanas. Seremos quinze ao todo.
- Merveilleux! Tenho a impressão de que algo muito importante vai acontecer
- Eu também.
Algo muito importante.
Ashley assistia ansiosamente aos noticiários toda noite, mas não havia progresso algum quanto ao assassinato de Dennis Tibble. Ela começou a relaxar. Se a polícia não conseguisse associá-la ao caso, não haveria como fazer qualquer ligação com seu pai. Ela chegou a se preparar meia dúzia de vezes para falar com ele sobre o assunto, mas todas às vezes acabou retrocedendo. E se ele fosse inocente? Seria capaz de perdoá-la por acusá-lo de assassino? E se ele for culpado - eu não quero saber, pensou Ashley. Eu não poderia agüentar. E se ele fez essas coisas terríveis, em sua mente, fez isso para me proteger Pelo menos, não vou precisar encará-lo neste Natal.
Ashley telefonou para o pai em São Francisco. Ela disse, sem preâmbulos:
- Não vou poder passar o Natal com você este ano, papai. Minha empresa está me enviando para uma convenção no Canadá.
Houve um prolongado silêncio.
- O momento não é muito propício, Ashley. Você e eu sempre passamos o Natal juntos.
- Não tenho como evitar...
- Você é tudo que eu tenho, sabe disso.
- Eu sei, papai, e... Você é tudo que eu tenho.
- É o que importa.
Importa a ponto de chegar a matar por causa disso?
- Onde vai ser a convenção?
- Em Quebeque...
- Ah! É um lugar maravilhoso. Não vou lá há anos. Sabe o que eu vou fazer? Não tenho nada marcado no hospital nessa época. Vou pegar um avião para me encontrar com você lá, e vamos cear juntos.
Ashley falou rapidamente:
- Acho que não é um a...
- Faça uma reserva para mim no hotel em que você for se hospedar. Não é bom quebrar a tradição, certo?
Ela ficou um pouco indecisa e acabou dizendo devagar:
- Não, papai. Não é.
Como é que eu vou encará-lo?
Alette estava empolgada. Falou para Toni:
- Eu nunca fui a Quebeque. Há museus por lá?
- Claro que há - disse -lhe Toni. - Lá tem de tudo. Muitos desportos de inverno. Esqui, patinação no gelo...
Alette estremeceu.
- Eu odeio o frio. Não quero saber de esportes. Mesmo de luvas, meus dedos ficam enregelados. Prefiro visitar os museus...
No dia 21 de dezembro, o grupo da Global chegou ao Aeroporto Internacional Jean-Lesage, em Sainte-Foy, e foi levado ao famoso Chateou Frontenac, em Quebeque. Fazia um frio tremendo, abaixo de zero, e as ruas estavam cobertas de neve. Jean Claude dera a Toni o número do telefone de sua casa. Ela ligou para ele assim que se instalou no hotel.
- Espero que eu não esteja ligando muito tarde.
- Mas não! Não posso acreditar que você esteja aqui. Quando vou poder vê-la?
- Bem, nós todos vamos ao centro de convenções amanhã de manhã, mas eu poderia dar uma fugidinha para almoçar com você.
- Bon! Há um restaurante, Le Paris-Brest, na Grande Allée Est. Você pode se encontrar comigo lá a uma da tarde?
- Estarei lá.
O Centre des Congres de Quebeque, no René Lévesque Boulevard, é a última palavra em edifícios de aço e vidro, com quatro andares e capacidade para receber milhares de participantes numa só convenção. As nove da manhã, os enormes saguões estavam abarrotados de peritos em informática oriundos de todos os cantos do mundo, trocando as mais recentes informações sobre os desenvolvimentos da área. Eles ocupavam as salas de multimídia, os estandes de mostra e os centros de vídeo-conferência. Meia dúzia de seminários ocorriam simultaneamente. Toni estava enfadada.
Muita conversa, nenhuma ação, pensou. As 12 e 45, ela saiu sorrateiramente do centro de convenções e pegou um táxi para o restaurante.
Jean Claude estava à sua espera. Ele pegou-lhe na mão e disse carinhosamente:
- Toni, estou muito feliz por você ter vindo.
- Eu também.
- Vou tentar lhe propiciar uma estada bastante agradável por aqui - disse -lhe Jean Claude. - Esta é uma linda cidade para se explorar.
Toni olhou para ele e sorriu.
- Eu sei que vou gostar.
- E eu gostaria de passar o maior tempo possível com você.
- Você consegue algum tempo livre? E a joalheria?
Jean Claude sorriu.
- Ela vai ter de se arranjar sem mim.
O maitre trouxe os cardápios.
Jean Claude falou para Toni:
- Você gostaria de experimentar os nossos pratos franco canadenses?
- Boa idéia!
- Então, por favor, deixe-me escolher - Ele falou para o maitre: - Nous voudrions le Brome Lake Duckling. - E explicou a Toni: - É um prato daqui, pato cozido ao molho de calvados, com recheio de maça.
- Parece delicioso.
Realmente era.
Durante o almoço, eles contaram um ao outro o seu passado.
- Então, você nunca se casou? - perguntou Toni.
- Não. E você?
- Também não.
- Não encontrou o homem certo?
Oh, Deus, não seria maravilhoso se fosse assim tão simples?
- Não.
Eles conversaram sobre Quebeque e o que havia para se fazer na cidade.
- Você sabe esquiar?
Toni assentiu.
- Eu adoro.
- Ah, bon, moi, aussi. E têm também as motocicletas de uso exclusivo sobre a neve, os famosos snowmobiles, tem patinação no gelo, lojas para se fazer compras...
Havia algo de juvenil no entusiasmo dele. Toni jamais havia se sentido tão à vontade com alguém antes.
Shane Miller providenciou para que seu grupo freqüentasse as atividades matinais da convenção, de forma que ficassem com as tardes livres.
- Não há muitas opções para se divertir por aqui - queixou-se Alette com Toni. - Além disso, está um frio de rachar. O que você vai fazer?
- Tudo. - Toni sorriu.
- A pitardi.
Toni e Jean Claude almoçaram juntos todos os dias, e à tarde Jean Claude levava Toni para passear. Ela nunca tinha visto uma cidade igual a Quebeque. Foi como descobrir um pitoresco vilarejo francês da virada do século em plena América do Norte. As ruazinhas antigas tinham nomes simpáticos, como Escadaria do Quebra-Pescoço, Embaixo do Forte e Salto do Marinheiro. Era como uma cidade feita de cartões-postais do fim do século passado, emoldurada pela neve.
Eles visitaram La Citadelle, com suas muralhas de proteção em torno da Quebeque Velha, e assistiram à tradicional troca da guarda dentro do forte. Exploraram as ruas de lojas comerciais, Saint Jean, Cartier, C te de la Fabrique, e passearam pelo Quartier Petit Champlain.
- Este aqui é o bairro comercial mais antigo da América do Norte - disse-lhe Jean Claude.
- Magnífico!
Aonde quer que fossem, havia reluzentes árvores de Natal, presépios e música para satisfação daqueles que passeavam.
Jean Claude levou Toni ao campo para andar de snowmobile.
Quando estavam descendo por uma ladeira estreita, ele gritou:
- Você está gostando?
Toni percebeu que não foi uma pergunta sem propósito. Ela assentiu e disse baixinho:
- Estou achando maravilhoso.
Alette passou todo o seu tempo livre nos museus. Visitou a basílica de Notre-Dame, a capela do Bom Pastor e o museu de Santo Agostinho, mas não sentiu interesse por nada mais que Quebeque tivesse a oferecer. Havia dúzias de restaurantes com cozinhas especializadas, mas quando não fazia suas refeições no hotel, ela preferia almoçar ou jantar na Le Comensal, uma lanchonete de comida vegetariana.
De tempos em tempos, Alette pensava no seu amigo artista, Richard Melton, em São Francisco, e imaginava o que ele estaria fazendo e se estaria pensando nela.
Ashley temia a chegada do Natal. Estava tentada a telefonar para o pai e lhe dizer que não viesse. Mas que desculpa eu posso dar? Você é um assassino; eu não quero vê-lo?
E a cada dia o Natal estava mais próximo.
- Eu gostaria de lhe mostrar minha joalheria - falou Jean Claude para Toni. - Você gostaria de conhecê-la?
Toni assentiu.
- Adoraria.
A joalheria Parents ficava no coração de Quebeque, na rue Notre-Dame. Quando eles passaram pela porta, Toni ficou atônita. Pela Internet, Jean Claude tinha dito: "Sou dono de uma lojinha de jóias". Era uma loja enorme, de muito bom gosto. Havia meia dúzia de funcionários, todos atendendo clientes.
Toni olhou ao redor e falou:
- Nossa!... Isto aqui é magnífico!
Ele sorriu.
- Merci! Eu gostaria de lhe dar um cadeau... Um presente, de Natal.
- Não. Não precisa. Eu...
- Por favor, não me prive do prazer - Jean Claude levou Toni até uma vitrine cheia de anéis. - Mostre-me de qual você gostou.
Toni balançou a cabeça.
- Eles são caros demais. Eu não poderia...
- Por favor.
Toni o analisou durante um momento e, em seguida, assentiu.
- Tudo bem. - Ela examinou a vitrine outra vez. Bem no centro havia um enorme anel de esmeralda, incrustado de diamantes.
Jean Claude percebeu que ela o estava admirando.
- Você gostou do anel de esmeralda?
- É lindo. Mas é muito...
- É seu. - Jean Claude tirou uma pequena chave, destrancou a vitrine e pegou o anel.
- Não, Jean Claude...
- Pour moi. - Ele colocou o anel no dedo de Toni. Coube perfeitamente.
- Voilà! Um sinal.
Toni apertou a mão dele entre as suas.
- Eu... Eu nem sei o que dizer
- E eu não tenho como lhe dizer o prazer que isto me dá. Existe um restaurante maravilhoso aqui chamado Pavillon. Você gostaria de jantar lá hoje à noite?
- Onde você quiser.
- Eu vou pegá-la às oito.
As seis daquela mesma tarde, o pai de Ashley telefonou.
- Sinto muito, mas vou decepcioná-la, Ashley. Não poderei estar aí no Natal. Um paciente meu, um homem muito importante, que vive na América do Sul, teve um derrame. Vou pegar o próximo vôo para a Argentina esta noite.
- Mas... Mas que pena, papai! - disse Ashley. Ela tentou ser convincente.
- Mas nós haveremos de arranjar um jeito para compensar isso; você não concorda, minha querida?
- Claro papai. Espero que você faça uma boa viagem.
Toni estava ansiosa para jantar com Jean Claude. A noite prometia ser maravilhosa. Enquanto estava se vestindo, ela cantou baixinho para si mesma.
"Subindo e descendo a rua da cidade.
Entra tostão, sai tostão. Ora, ora!
Assim que o dinheiro se vai.
Mas a lontra - pluft! - foi embora".
Acho que Jean Claude está apaixonado por mim, mamãe.
O Pavillon fica na cavernosa Gare du Palais, a antiga estação ferroviária de Quebeque. Um restaurante grande, com um bar comprido na entrada e fileiras de mesas que se estendem até o fundo.
Toda noite, às onze horas, eles afastam uma dúzia de mesas para perto das paredes laterais, criando uma pista de dança, e um disc jockey assume o comando com fitas das mais variadas, passando do reggae, ao jazz e aos blues.
Toni e Jean Claude chegaram as nove e foram calorosamente cumprimentados à porta pelo dono.
- Monsieur Parent. É sempre um prazer revê-lo.
- Obrigado André! Esta é a Senhorita Toni Prescott, Sr. Nicholas.
- Muito prazer, Senhorita Prescott. Sua mesa está reservada.
- A comida é excelente aqui - assegurou Jean Claude a Toni quando eles já estavam sentados. -Vamos começar tomando um champanhe.
Eles pediram paillard de vitela, torpille, salada e uma garrafa de Valpolicella.
Toni continuava admirando o anel de esmeralda que Jean Claude lhe dera.
- É tão lindo! - exclamou.
Jean Claude se inclinou por cima da mesa.
- Tu aussi. Não há como lhe dizer da alegria que estou sentindo por termos finalmente nos encontrado.
- Eu também não tenho palavras - disse Toni baixinho.
A música começou. Jean Claude olhou para Toni.
- Você gostaria de dançar?
- Adoraria!
Dançar era uma das paixões de Toni, e quando chegava à pista de dança, ela se esquecia de tudo mais. Era uma menininha dançando com o pai, e a mãe dizendo: "Que menina desajeitada!" Jean Claude estava dançando bem próximo a ela.
- Você dança muito bem.
- Obrigada! - Ouviu só, mamãe?
Toni pensou: Eu gostaria que isto não tivesse fim, que continuasse assim para sempre.
No caminho de volta para o hotel, Jean Claude falou:
- Chérie... Você gostaria de passar na minha casa para coroarmos a noite?
Toni se mostrou um pouco indecisa e disse:
- Hoje não, Jean Claude.
- Amanhã, pode ser?
Ela apertou-lhe a mão.
- Amanhã.
As três da madrugada, o polícia René Picard fazia a ronda pela Grande Allée, no Quartier Montcalm, quando percebeu que a porta da frente de uma casa de dois andares com fachada em tijolos aparentes estava escancarada. Ele estacionou a viatura junto ao meio-fio e saiu para investigar. Caminhou até à porta e chamou: - Bon soir Y a-t-il, quelqu'un? Não houve resposta alguma. A casa estava tranqüila, de uma forma que não parecia natural. Desabotoando a cartucheira, o policial Picard entrou e começou a vasculhar o primeiro andar, perguntando se havia alguém à medida que passava de um cômodo para outro. A única resposta que obteve foi um estranho silêncio. Ele voltou ao saguão de entrada. Havia uma bela escadaria que levava ao andar de cima.
- Alô! - Nada.
O policial Picard começou a subir a escada. Quando chegou ao último degrau, sua arma já estava na mão. Ele tornou a chamar e pôs-se a andar pelo corredor comprido. Logo adiante, encontrou a porta de um quarto entreaberta. Aproximou-se dela, escancarou-a e empalideceu.
- Mon Dieu!
Às cinco horas da mesma madrugada, no edifício de pedras cinzas e tijolos amarelos do Story Boulevard, onde ficava a Central de Polícia, o inspetor Paul Cayer estava perguntando:
- O que temos aí?
O polícia Guy Fontaine respondeu:
- O nome da vítima é Jean Claude Parent. Ele foi esfaqueado pelo menos uma dúzia de vezes e castrado. O legista diz que o assassinato ocorreu há três ou quatro horas. Encontramos um recibo do restaurante Pavillon no bolso do paletó de Parent. Ele tinha jantado lá ontem à noite. Nós tiramos o dono do restaurante da cama.
- E então?
- Monsieur Parent esteve no Pavillon com uma mulher chamada Toni Prescott, uma morena, muito atraente, com sotaque inglês. O gerente da joalheria de monsieur Parent disse que, durante o dia, monsieur Parent havia levado à loja uma mulher, que correspondia à mesma descrição, que apresentou como Toni Prescott. Ele lhe deu um anel de esmeralda muito caro. Nós também acreditamos que monsieur Parent tenha praticado sexo com alguém antes de morrer e que a arma do crime tenha sido a lâmina de aço de uma espátula de abrir envelopes de papel. Havia impressões digitais nela. Nós as enviamos para o nosso laboratório e para o FBI. Estamos aguardando os laudos.
- Vocês já pegaram essa Toni Prescott?
- Non.
- E por que não?
- Não conseguimos encontrá-la. Verificamos em todos os hotéis. Procuramos em nossos arquivos e nos do FBI. Ela não tem certidão de nascimento, não está cadastrada na previdência social, nem carteira de habilitação.
- Impossível. Será que ela saiu da cidade?
O polícia Fontaine balançou a cabeça.
- Acho que não, inspetor. O aeroporto fechou à meia-noite. O último comboio saiu de Quebeque ontem às cinco e trinta e cinco da tarde. O primeiro comboio partirá hoje às seis e trinta e nove. Enviamos uma descrição dela para a estação rodoviária, para as duas empresas de táxi e para a companhia de limusines.
- Pelo amor de Deus! Temos o nome, a descrição e as impressões digitais dela. Essa mulher não pode desaparecer assim.
Uma hora depois, chegou o laudo do FBI. Eles não haviam conseguido identificar as impressões digitais. Não havia registro algum de Toni Prescott.