BRIENNE


Os portões de Valdocaso foram fechados e barrados. Através da escuridão da madrugada, as muralhas da cidade brilhavam O palidamente. Em suas muralhas, tufos de nevoeiro se moviam como sentinelas fantasmagóricas. Uma dúzia de carros de bois haviam parado em frente aos portões, esperando o sol nascer.

Brienne tomou seu lugar por trás de alguns nabos. Suas panturrilhas doíam, e foi bom ela ter desmontado e esticado as pernas. Em pouco tempo, veio outra carruagem ribombando dos bosques. No momento em que o céu começou a clarear, a fila se estendia para trás de um quarto de milha.

O povo da fazenda lhe lançava olhares curiosos, mas ninguém falou com ela. É para mim falar com eles, Brienne disse a si mesma, mas ela sempre achara difícil falar com estranhos. Mesmo quando garota ela tinha sido tímida. Longos anos de desprezo só a tinham feito ainda mais tímida.

Eu devo perguntar por Sansa. De que outra forma poderei encontrá-la? Ela limpou a garganta.

— Boa senhora — ela disse a mulher no carro de nabos — talvez você viu minha irmã na estrada? Uma jovem empregada, treze anos, rosto cheio, olhos azuis e cabelos ruivos. Ela pode estar andando com um cavaleiro bêbado.

A mulher balançou a cabeça, mas o marido disse:

— Então ela não é empregada doméstica, eu aposto. Será que a pobre menina tem um nome?

A cabeça de Brienne estava vazia. Eu deveria inventar um nome para ela. Qualquer nome serviria, mas nenhum vinha a ela.

— Sem nome? Bem, as estradas estão cheias de garotas sem nome.

— O cemitério é ainda mais cheio — disse sua esposa.

Quando amanheceu, os guardas apareceram nos parapeitos. Os agricultores subiram em suas carroças e sacudiram as rédeas. Brienne montou também e deu uma olhada para trás. A maioria da fila de espera para entrar em Valdocaso eram os povos das fazendas carregados com frutas e verduras para vender. Um par de burgueses ricos sentaram-se polidamente há uma dúzia de lugares atrás dela, e mais para trás, ela viu um garoto magro em um cavalo malhado. Não havia sinal dos dois cavaleiros, nem Sor Shadrich, o Rato Louco.


Os guardas estavam acenando através das carruagens com um olhar perdido, mas quando Brienne chegou ao portão eles lhe deram uma pausa.

— Pare, você! — bradou o capitão. Um par de homens em armaduras e cotas de malha cruzaram suas lanças e barraram seu caminho — Declare o seu propósito aqui!

— Eu procuro o Senhor de Valdocaso, ou seu Meistre.

Os olhos do capitão permaneceram em seu escudo.

— O bastão preto de Lothston. Este é um brasão de má reputação.

Eles não são meus. Eu pretendo ter o escudo repintado.

— Oh sim? — o capitão coçou o queixo mal barbeado. – Minha irmã faz esse trabalho, quando isso acontece. Você vai encontrá-la em uma casa com as portas pintadas, em frente da Sete Espadas. — Ele fez um gesto para os guardas. — Deixem-na passar, rapazes, é uma meretriz.

O portão se abriu em uma praça de mercado, onde aqueles que estavam entrando antes dela estavam descarregando para vender pelas ruas seus nabos, cebolas amarelas e sacos de grãos de cevada. Outros vendiam armas e armaduras, e muito mais baratos ao julgar pelos preços que eles gritavam quando ela passou. Os saqueadores vem com os corvos de carniça depois de cada batalha. Brienne passou com seu cavalo por expedições de camisas ainda manchadas de sangue marrom, elmos golpeados, e longas espadas denteadas. Lá havia roupas para serem adquiridas também: botas de couro, casacos de pele e casacos corados com rendas suspeitas. Ela conhecia muito dos emblemas. O Punho do Guadeleite, O Alce, O Sol Branco, O Machado de Duas Laminas, todos esses eram do norte. Os homens de Tarly pereceram aqui também, ela pensou, e muitos das terras das tempestades. Ela viu as maças vermelhas e verdes, um escudo que levava os três raios de Leygood, arreios de cavalos modelados com as formigas de Ambrose. O próprio Lorde Tarly apareceu em um crachá, broches e gibão. Amigo ou inimigo, os corvos não se importam.

Havia escudos de pinheiro e tília, a ser obtidos por alguns centavos, mas Brienne passava por eles. Ela pretendia manter o pesado escudo de carvalho que Jaime havia dado a ela, aquele que havia suportado a si mesmo de Harrenhal à Estrada do Rei. Um escudo de pinheiros tinha sua vantagem.

Era mais leve e portanto mais fácil de suportar, e a madeira macia era melhor para prender um machado inimigo ou uma espada. Mas carvalho dava mais proteção, se você fosse forte suficiente para suportar o seu peso.

Valdocaso foi construída em torno de seu porto. Ao norte da cidade os penhascos eram como giz rosa; ao sul uma península rochosa blindava os navios fundeados de tempestade chegando do mar estreito. O castelo tinha vista para o porto, mantinha suas grandes torres visíveis para todo o porto.

Nas ruas apinhadas de paralelepípedos, era mais fácil andar de passeio, então Brienne deixou sua égua estável e continuou a pé, com seu escudo pendurado nas costas e seu saco de dormir colocado debaixo de seus braços.

A irmã do capitão não era difícil de encontrar. A Sete Espadas era a maior estalagem da cidade, uma estrutura de quatro andares que se erguia sobre seus vizinhos, e as duplas portas através do caminho eram pintadas de forma deslumbrante. Elas mostravam um castelo em uma madeira de outono, as arvores feitas em tons de dourado e castanho-avermelhado. A hera rastejando até os troncos de carvalho antigo, e até mesmo as bolotas haviam sido feitas com carinho. Quando Brienne olhou mais de perto, ela viu as criaturas na folhagem: uma manhosa raposa vermelha, dois passarinhos em um galho, e por trás destes havia uma sombra de um javali.

— Sua porta é muito bonita — ela disse a mulher de cabelos negros que respondeu quando ela bateu. — Que castelo seria este?


— Todos os castelos — disse a irmã do capitão — O único que eu conheço é Forte Pardo pelo porto. Eu fiz outro em minha cabeça, de como um castelo deveria parecer. Eu nunca vi um dragão também, nem um grifo, nem um unicórnio.

Ela tinha um jeito alegre, mas quando Brienne lhe mostrou seu escudo, seu rosto ficou escuro.

— Minha velha mãe costumava dizer que os morcegos gigantes voam para fora de Harrenhal nas noites sem lua, para transportar crianças más a Danelle, a Louca, para seus cozidos. Às vezes, eu os ouvia riscando as janelas. — ela tocou os dentes com a língua pensativa — O que vai em seu lugar?

O brasão dos Tarth era um esquartejado de rosas com azul, e davam a luz um sol amarelo e a uma lua crescente. Mas, enquanto os homens acreditassem que ela era uma assassina, Brienne não se atreveria a carregá-lo.

— Sua porta me lembrou de um velho escudo que eu uma vez vi no arsenal do meu pai. — ela descreveu os brasões da melhor maneira que pode se lembrar. A mulher assentiu com a cabeça.


— Eu posso pintá-lo de imediato, mas a tinta terá que secar. Pegue um quarto na Sete Espadas, se lhe agradar. Vou lhe trazer o escudo pela manhã.

Brienne não tinha intenções de passar a noite em Valdocaso, mas talvez fosse o melhor. Ela não sabia se o senhor do castelo estava na residência, ou se ele consentiria em vê-la. Ela agradeceu a pintora e atravessou a calçada para a estalagem. Acima de sua porta, sete espadas de madeira balançavam sob um pico de ferro. A cal que a cobria estava rachada e descascada, mas Brienne sabia o seu significado. Elas ficaram para os sete filhos de Darklyn, que havia usado os mantos brancos da Guarda Real.

Nenhuma outra casa em todo o reino poderia reivindicar tanto assim. Eles foram a glória de suas casas. E agora eles são um sinal acima de uma estalagem. Ela entrou para dentro da sala e pediu ao estalajadeiro por um quarto e um banho.

Ele a colocou no segundo andar, e uma mulher com uma marca de nascença no rosto da cor de fígado lhe trouxe uma banheira de madeira, e então a água, balde por balde.

— Por acaso algum Darklyn permanece em Valdocaso? — Brienne perguntou enquanto entrava na banheira.

— Bem, há Darkes, e há eu mesma. Meu marido diz que eu era uma Darke antes de casar. — ela riu. — Não é possível jogar uma pedra em Valdocaso sem acertar alguns Darke, Darkwood ou Dargood, mas os nobres Darklyns se foram. Lorde Denys foi o último deles, o tolo e doce jovem.

Sabia que os Darklyn foram reis em Valdocaso antes dos ândalos chegarem?

Você nunca saberia ao olhar para mim, mas eu tenho sangue real em mim.

Você pode ver? ‘Vossa Graça, outro copo de cerveja’, eu deveria fazê-los dizer, ‘Vosa Graça, o penico precisa ser esvaziado, e busque alguns peixes frescos, Vossa Graça sangrenta, o fogo está se acabando’ — Ela riu novamente e esvaziou as ultimas gotas do balde. — Bem, aqui está, a água está quente o suficiente para você?

— Vai servir. — a água estava morna.

— Eu traria mais, mas acabou. E uma garota do seu tamanho, você própria enche uma banheira.

Apenas uma banheira pequena e apertada como esta. Em Harrenhal as banheiras eram enormes e feitas de pedras. A casa de banho era espessa com todo o vapor subindo da água, e Jaime tinha vindo caminhando através dessa névoa nu como no dia de seu nome, parecendo meio homem e meio deus. Ele entrou na banheira comigo, ela se lembrou, corando. Ela agarrou um pedaço duro de sabão detergente e esfregou por baixo de seus braços, tentando chamar a face de Renly novamente.

Quando a água ficou fria, Brienne estava tão limpa quanto gostava de estar. Ela vestiu as mesmas roupas que havia tirado e cingiu-as com um cinturão apertado ao redor dos quadris, mas sua cota e elmo ela deixou para trás, de modo a não parecer muito ameaçadora em Forte Pardo. Era bom esticar as pernas. Os guardas nos portões do castelo usavam gibões de couro com um emblema que mostrava martelos de batalhas cruzados em cima de uma cruz branca.

— Eu gostaria de falar com seu senhor — Brienne disse a eles.

Um deles riu.

— Melhor gritar alto então.

— Lord Rykker cavalgou para Lagoa da Donzela com Randyll Tarly – o outro disse – Ele deixou Sor Leek Rufus como castelão, para cuidar da Senhora Rykker e os jovens. — Foi para Leek que eles a escoltaram. Sor Rufus era um curto e robusto com uma barba grisalha, cuja perna esquerda terminara em um toco.

— Você vai me perdoar se eu não me levantar — ele disse. Brienne ofereceu-lhe sua carta, mas ele não sabia ler, então ele mandou-a para o Meistre, um homem careca com o couro cabeludo sardento e um duro bigode vermelho.

Quando ele ouviu o nome Hollard, o meistre franziu a testa com irritação.

— Quantas vezes devo cantar esta canção? — seu rosto devia tê-la feito se distanciar — Vocês acham que foram os primeiros a virem procurar depois de Dontos? Vocês estão mais para o vigésimo primeiro. Os Mantos Dourados estiveram aqui durante alguns dias depois do assassinato do rei, por ordem do Lorde Tywin. E o que vocês tem feito, orado?

Brienne lhe mostrou a carta, com o selo Tommen e a assinatura infantil. O meistre fez hmmmmmmm, cortou a cera, e finalmente devolveu-lhe a carta.

— Parece estar em ordem. — Ele subiu em seu banquinho e fez um gesto à Brienne para outro. — Eu nunca conheci Sor Dontos. Ele era um menino quando deixou Valdocaso. Os Hollard foram uma casa nobre uma vez, é verdade. Você conhece seus estandartes? Buréis vermelhos e rosas, com três coroas douradas sobre um chefe azul. Os Darklyn eram reis insignificantes durante a Idade dos Heróis, e três tomaram esposas Hollard.


Mais tarde seu pequeno reino foi engolido por reinos maiores, mesmo assim os Darklyn endureceram e suportaram, e os Hollard os serviram... Sim, mesmo em lutas. Você sabia disso?

— Um pouco — seu próprio meistre costumava dizer que era o desafio de Valdocaso que havia deixado o rei Aerys louco.

— Em Valdocaso eles amam Lorde Denys ainda, apesar da desgraça que ele trouxe. É a Senhora Serala que eles culpam, sua esposa Myrish. A Serpente de Renda, como ela é chamada. Se Lorde Darklyn tivesse ao menos desposado uma Stauton ou uma Stokeworth... Bem, você sabe como pequenos povos continuariam. A Serpente de Renda encheu o ouvido de seu marido com veneno Myrish, eles dizem, até que Lorde Denys levantou-se contra seu rei e o levou cativo. Durante a tomada, seu mestre de armas Sor Symon Hollard retirou Sor Gwayne Gaunt da Guarda Real. Por meio ano, Aerys foi mantido dentro destes muros, enquanto a Mão do Rei permaneceu fora de Valdocaso com um poderoso exército. Lorde Tywin tinha força suficiente para invadir a cidade a qualquer momento que desejasse, mas Lorde Denys mandou dizer a ele que ao primeiro sinal de agressão ele mataria o rei.

Brienne se lembrava do que vinha a seguir.


— O Rei foi resgatado — ela disse — Barristan, o Ousado, o trouxe para fora.


— Ele trouxe — o meistre disse — E uma vez que Lorde Denys perdeu seu refém, ele abriu os seus portões e terminou com seu maior desafio para não deixar que Lord Tywin tomasse a cidade. Ele dobrou o joelho e implorou misericórdia, mas o rei não era uma mente de perdão.

Lorde Denys perdeu sua cabeça, assim como seus irmãos, irmãs, tios, primos, todos os nobres Darklyn. A Serpente de Renda foi queimada viva, pobre mulher, acho que sua língua foi arrancada primeiro, junto com as suas partes femininas, com as quais se dizia que ela havia escravizado o seu senhor. Metade de Valdocaso ainda dirá a você que Aerys foi muito gentil com ela.

— E os Hollard?

— Desonrados e destruídos — disse o meistre. — Eu estava forjando meus grilhões na Cidadela quando aconteceu, mas eu li os contos de seus julgamentos e punições. Sor Jon Hollard, o Camareiro, havia se casado com a irmã de Lorde Denys e morreu com sua esposa, assim como seu filho pequeno, que era meio Darklyn. Robin Hollard foi um escudeiro, e quando o rei foi capturado ele dançou em volta dele e puxou sua barba. Ele morreu em cima de uma prateleira. Sor Symon Hollard foi morto por Sor Barristan durante a fuga do rei. As terras Hollard foram tomadas, seus castelos demolidos e suas aldeias queimadas. Assim como os Darklyn, a casa Hollard foi extinta.

— Salvo por Dontos.

— Isto é verdade. O jovem Dontos era filho de Sor Steffon Hollard, o irmão gêmeo de Sor Symon, que tinha morrido de febre alguns anos antes e não teve parte no Desafio. Aerys ainda teria arrancado fora a cabeça do menino, mas Sor Barristan pediu que sua vida fosse poupada. O rei não podia ignorar o homem que o havia salvado. Assim, Dontos foi levado para Porto Real como escudeiro. Que eu saiba ele nunca retornou para Valdocaso, e porque ele deveria? Ele não tem terras aqui, não tem parentes e nem castelos aqui. Se Dontos e essa menina do norte ajudaram a assassinar o nosso doce rei, parece que eles iriam querer colocar muitas léguas entre eles e a justiça. Procure por eles em Vilavelha, se você quiser, ou do outro lado do mar estreito. Procure por eles em Dorne, ou na Muralha. Procure em outro lugar. — levantou-se — Eu ouço meus corvos me chamando, me perdoe se vos desejo uma boa manhã.

A caminhada de volta para a estalagem parecia mais longa do que para Forte Dun, embora talvez fosse só seu humor. Ela não encontraria Sansa Stark em Valdocaso, o que parecia claro. Se Sor Dontos a tivesse levado para Vilavelha ou para o outro lado do mar estreito, como o meistre parecia pensar, a busca de Brienne seria desesperadora. O que havia para ela em Vilavelha? Ela perguntava a si mesmo. O meistre nunca a conheceu, não mais que conhecera Hollard. Ela não iria para estranhos.

Em Porto Real, Brienne havia encontrado uma antiga empregada de Sansa fazendo lavagem em um bordel.

— Eu servi Lorde Renly antes da Senhora Sansa, e ambos viraram traidores. — reclamou amargamente a mulher chamada Brella — senhor nenhum irá tocar-me agora, então eu tenho que lavar para prostitutas.

Mas quando Brienne perguntou sobre Sansa, ela disse:

— Eu direi a você o que eu disse a Lorde Tywin. Essa menina estava sempre rezando. Ela ia para o septo e acendia suas velas como uma dama, mas perto de uma noite, ela foi para o Bosque Sagrado. Voltou para norte. É ai que os deuses estão.


O norte é enorme, pensou, e Brienne não tinha noção de qual estandarte de seu pai Sansa estaria mais inclinada a confiar. Ou ela deveria procurar o próprio sangue ao invés disso? Apesar de todos os seus irmãos terem sido mortos, Sansa tinha um tio e um irmão bastardo na muralha, servindo na Patrulha da Noite. Outro tio, Edmure Tully era um cativo nas Gêmeas, mas seu tio Sor Bryden ainda tinha Correrrio. E a irmã mais nova da Senhora Catelyn, governava o Vale. Sangue chama sangue. Sansa podia muito bem ter corrido para um deles. Mas, qual deles?

A Muralha era muito longe, certamente, além disso, um lugar muito sombrio e amargo. E para chegar a Correrrio, a menina teria que passar pelas terras dos rios devastadas pela guerra e através da linha de cerco dos Lannister. O Ninhi da Águia seria mais simples, e a Senhora Lysa certamente daria boas vindas à filha de sua irmã...

À frente, o beco dobrado. De alguma forma Brienne havia tomado o curso errado. Ela se viu em um beco sem saída, um pequeno quintal enlameado onde três porcos estavam em volta de uma pedra também enlameada. Um gritou ao vê-la, e um velho homem que estava extraindo água olhou-a de cima a baixo.

— O que você quer?

— Eu estava procurando pela Sete Espadas.

— Volte por onde você veio. À esquerda no septo.

— Eu lhe agradeço — Brienne voltou-se para refazer seus passos, e bateu de cabeça em alguém que estava correndo de volta pela curva. A colisão o fez tremer sobre os pés e ele caiu no chão, de bunda na lama.

— Perdão — ela murmurou. Ele era só um garoto. Um rapaz magro, com cabelo liso e fino e lama de chiqueiro sob um olho. — Você está machucado? — ela ofereceu uma mão para ajudá-lo a se levantar, mas o rapaz se contorceu para longe dela com seus pés e cotovelos. Ele não podia ter mais que dez ou doze anos, embora usasse uma cota de malha e uma longa espada e bainha pendurado em suas costas. — Eu conheço você? —

Brienne perguntou, seu rosto parecia-lhe vagamente familiar, embora ela não conseguisse lembrar de onde.

— Não, você não conhece. Você nunca... — ele ficou de pé — P-perdoe-me minha senhora, Eu não estava olhando. Quero dizer, eu estava, mas para baixo. Eu estava olhando para baixo. Para meus pés.

O menino virou os calcanhares, mergulhando de cabeça por onde ele vinha. Algo sobre ele despertou todas as suspeitas de Brienne, mas ela não estava disposta a persegui-lo pelas ruas de Valdocaso. Fora dos portões essa manha, foi aí que eu o vi, ela se deu conta. Ele que estava montando um cavalo malhado. E parecia que ela o tinha visto em outro lugar também, mas onde?

No momento em que Brienne encontrou Sete Espadas de novo, a sala comunal estava lotada. Quatro septãos se sentavam perto do fogo, com vestes manchadas e empoeiradas da estrada. Em outros lugares, moradores enchiam os bancos, tomando tigelas com sopa de ensopado de caranguejo quente e pedaços de pão. O cheiro fez seu estomago roncar, mas ela não viu assentos vazios. Então uma voz atrás dela disse:

— Minha senhora, aqui, pegue o meu lugar. — Depois que ele pulou para fora de seu acento, Brienne percebeu que o orador era um anão. O homenzinho não era mais alto que cinco pés de altura. Seu nariz era vermelho e bulboso, seus dentes eram vermelhos de folhamarga e estava vestido com o manto marrom áspero de um santo irmão, com um martelo de ferro do Ferreiro pendurado para baixo em pescoço grosso.

— Fique com seu assento — ela disse — posso ficar em pé tão bem quanto você.

— Sim, mas minha cabeça não está tão perto de bater no teto — o discurso do anão foi grosseiro, mas cortês.

Brienne podia ver a coroa de seu couro cabeludo onde ele tinha raspado. Muitos irmãos sagrados usavam tais tonsuras. Septão Roelle uma vez lhe disse que era para mostrar que eles não tinham nada a esconder do Pai.

— O Pai não pode ver através do cabelo? — Brienne havia perguntado. Uma estúpida coisa para se dizer.

Ela tinha sido uma criança lerda; Septão Roelle muitas vezes disse isso a ela. Ela se sentiu quase estúpida agora, então pegou o lugar do homenzinho no fim do banco, sinalizou por guisado e voltou-se para agradecer ao anão.

— Você serve em alguma casa santa em Valdocaso, irmão?

— Twas, perto de Lagoa da Donzela, minha senhora, mas os lobos queimaram-nos para fora — disse o homem, roendo um pedaço de pão. — Nós reconstruímos da melhor maneira que podíamos, até que alguns vendedores de mundo apareceram. Eu não podia dizer quem eram homens, mas eles levaram nossos porcos e mataram nossos irmãos. Eu me apertei dentro de um tronco oco e me escondi, mas os outros eram grandes demais.

Levei muito tempo para enterrá-los todos, mas o Ferreiro me deu força.


Quando isso foi feito eu desenterrei algumas moedas que meu irmão havia escondido e parti sozinho.

- Eu conheci outros irmãos indo para Porto Real.

— Sim, há centenas nas estradas. Não só irmãos. Septões também, e povos pequenos. Todos pardais. Pode ser que eu seja um pardal também. O Ferreiro me fez pequeno o suficiente. — ele riu. — E qual é o seu conto triste, minha senhora?

— Estou procurando minha irmã. Ela é nova, apenas treze anos, uma empregada bonita com olhos azuis e cabelos ruivos. Talvez você tenha visto-a viajando com um homem. Um cavaleiro, talvez um bobo. Há ouro para o homem que me ajudar a encontrá-la.

— Ouro? — ele deu-lhe um sorriso vermelho — Uma tigela de ensopado de caranguejo seria recompensa suficiente para mim. Mas, eu temo que não possa ajudá-la. Bobos eu já conheci, e muitos, mas empregadas bonitas, nem tanto. — Ele levantou a cabeça e pensou por um momento —Houve um bobo em Lagoa da Donzela, agora que penso nisso. Ele estava vestido com trapos sujos, tão próximo quanto eu poderia dizer, mas abaixo da sujeira havia uma capa de retalhos.

Dontos Hollard usava sua manta? Ninguém havia dito a Brienne que ele usava... mas ninguém havia dito que ele não usava também. Porque o homem deveria andar em trapos, porém? Teria algum infortúnio o passado a ele e Sansa depois que partiram de Porto Real. Bem que isso podia ser, com as estradas tão perigosas. Mas, podia não ter sido ele no final das contas.

— Será que este bobo teria um nariz vermelho cheio de veias quebradas?

— Eu não poderia prometer isso. Eu confesso, dei-lhe pouca atenção. Eu tinha ido para Lagoa da Donzela depois de enterrar meus irmãos, pensando que eu talvez encontrasse um navio para me levar para Porto Real. Da primeira vez eu visualizei o bobo pelas docas. Tinha um ar furtivo e um cuidado para evitar os soldados de Lorde Tarly, mas tarde encontrei-o novamente no Ganso Fedorento.

— O Ganso Fedorento? — ela disse, incerta.

— Um lugar desagradável — admitiu o anão — Os homens de Lorde Tarly patrulham do porto até Lagoa da Donzela, mas o Ganso está sempre cheio de marinheiros, e marinheiros tem sido conhecidos por contrabandear homens a bordo de seus navios, se o preço for justo. Este bobo estava procurando passagem para três através do mar estreito. Eu o vi muitas vezes lá, conversando com remadores das galeras. Às vezes, ele cantava uma musica engraçada.

— Procurando passagens para três? Não dois?

— Três minha senhora. Isto eu juro. Pelos Sete.

Três, ela pensou, Sansa, Sor Dontos... mas quem seria o terceiro? O Duende?

— Será que o bobo encontrou seu navio?

— Isto eu não poderia dizer — o anão disse — Mas uma noite os soldados do Lorde Tarly visitou o Ganso procurando por ele, e alguns dias depois eu ouvi outro dizer que havia enganado um Bobo e tinha o ouro para provar. Ele estava pagando cerveja para todos.

— Enganando um bobo — ela disse — o que ele quis dizer com isso?

— Eu não saberia te dizer. Seu nome era Dick, o Ágil, acho, isto eu me lembro. — o anão abriu suas mãos — temo que isto seja tudo que posso lhe oferecer, além das orações de um homem pequeno.

Fiel a sua palavra, Brienne comprou-lhe uma tigela de ensopado de caranguejo quente, um pouco de pão fresco e um copo de vinho também.

Enquanto ele comia, parado ao seu lado, ela remoia o que ele havia dito a ela. Podia o Imp ter se juntado a eles? Se Tyron Lannister esta por trás do desaparecimento de Sansa, e não Dontos Hollard, eles estavam com razão em fugir para o outro lado do mar estreito.

Quando o homenzinho terminou com a sua tigela de sopa, ele terminou com o que restava da dela também.

— Você deveria comer mais — ele disse — uma mulher grande como você precisa manter sua força. Não é muito longe para Lagoa da Donzela, mas as estradas são perigosas hoje em dia.

Eu sei. Foi nessa mesma estrada em que Sor Cléo Freys havia morrido. E ela e Sor Jaime tinham sido atacados pelos Saltimbancos Sangrentos. Jaime tentou matar-me, ela lembrou, embora ele estivesse magro e fraco e seus pulsos estivessem acorrentados. Mas tinha sido por pouco, mesmo assim, mas isso foi antes de Zollo cortar sua mão fora. Zollo, Roger e Shagwell a teria estuprado uma centena de vezes se Jaime não tivesse contado a eles que ela valia seu peso em safiras.


— Minha senhora? Você parece triste, você está pensando em sua irmã? — o anão deu um tapinha em sua mão — A Velha irá iluminar seu caminho para ela, nunca tema. A Donzela irá mantê-la segura.

— Rezo para que esteja certo.

— E estou — ele fez uma mesura — mas agora eu devo pegar meu caminho. Eu ainda tenho um longo caminho a percorrer para chegar a Porto Real.

— Você tem um cavalo? Uma mula?

— Duas mulas — o homenzinho riu — Lá estão elas, na parte inferior das minhas pernas, elas me levam onde eu quero ir. — Ele se curvou e gingou para a porta, balançando a cada passo.

Ela permaneceu na mesa depois dele ter ido embora, saboreando um copo de vinho regado. Brienne não bebia vinho frequentemente, mas uma vez ela descobriu que ajudava a silenciar sua barriga. E onde eu quero ir?

Ela perguntou a si mesma. Para Lagoa da Donzela, para procurar por um homem chamado Dick, o Ágil em um lugar chamado Ganso Fedorento?

Da ultima vez que ela tinha visto Lagoa da Donzela a cidade tinha sido uma desolação, o senhor havia se enfiado dentro de seu castelo e seu pequeno povo tinha sido morto ou fugido se escondendo. Ela se lembrava de casas queimadas e ruas vazias, portões esmagados e quebrados. Cães selvagens haviam se escondido atrás de seus cavalos, enquanto cadáveres inchados flutuavam como enormes lírios pálidos em cima da piscina de primavera que dera o nome a cidade. Jaime cantou ‘Seis Criadas em uma Piscina’ e riu quando eu o implorei para ficar quieto. E Randyll Tarly estava em Lagoa da Donzela também, outra razão para ela evitar a cidade.

Ela talvez fizesse melhor em pegar um navio para Vila Gaivota ou para Porto Branco. Eu poderia fazer as duas coisas, pensou. Pagar uma chamada para o Ganso Fedorento e falar com este Dick, o Ágil, e então encontrar um navio para Lagoa da Donzela para levar-me mais para o norte.

A sala comum tinha começado a esvaziar-se. Brienne rasgou um pedaço de pão ao meio, ouvindo as conversas das outras mesas. A maior parte dizia respeito à morte do Lorde Tywin Lannister.

— Assassinado pelo seu próprio filho, eles dizem — um homem local estava dizendo, um sapateiro pelo jeito que parecia — aquele vil pequeno anão.

— E o rei é só um garoto — disse o mais velho dos quatro septões.

— Quem vai nos governar até que ele chegue à idade?


— O Irmão de Lorde Tywin — disse um guarda — ou aquele Lorde Tyrell, talvez, ou o Regicida.

— Ele não! — declarou o estalajadeiro — Não aquele quebrador de promessas. — Ele cuspiu no fogo.

Brienne deixou o pão cair de suas mãos e limpou as migalhas de suas vestes. Ela tinha ouvido o suficiente. Naquela noite, sonhou que estava na tenda Renly novamente. Todas as velas foram jogadas fora e o frio era intenso ao seu redor. Algo estava se movendo através do verde escuridão.

Algo sujo e terrível foi jogado em direção ao seu rei. Ela queria protegê-lo, mas seus membros estavam duros e congelados, e gastou mais força do que ela tinha para levantar apenas sua mão. E quando a espada de sombra cortou o ar reluzindo aço verde e o sangue começou a fluir, ela viu que o rei que estava morrendo, não era Renly então, mas Jaime Lannister, e ela tinha fracassado com ele.

A irmã do capitão encontrou-a na sala comum bebendo um copo de leite quente com mel e três ovos crus misturados dentro.

— Você fez lindamente — ela disse quando a mulher lhe mostrou o escudo pintado com tinta fresca. Era mais um retrato do que um revestimento adequado de armas, e a visão a levou de volta através dos anos, para o escuro e fresco arsenal de seu pai. Ela se lembrou de como corria seus dedos pela descascada e enfraquecida pintura, sobre as folhas verdes da árvore e ao longo do caminho da estrela cadente. Brienne pagou a irmã do capitão mais a metade do que haviam combinado e pendurou o escudo no ombro quando deixou a estalagem, depois de comprar algum pão, queijo e farinha da cozinha. Ela deixou a cidade pelo portão norte, andando lentamente pelos campos e fazendas, onde o pior da luta tinha sido, quando os lobos desceram de Valdocaso.

Lorde Randyll Tarly havia comandado o exército de Joffrey, composta de homens do ocidente e das terras das tempestades e cavaleiros de Campina. Os homens que haviam morrido aqui tinham sido levados de volta para dentro das muralhas, para descansar em túmulos de heróis debaixo dos septos de Valdocaso. Os mortos do norte, mais numerosos, foram enterrados em uma vala comum junto ao mar. Acima dos lugares que marcaram seus lugares de descanso, os vencedores tinham levantado um marcador tosco de madeira. AQUI JAZEM OS LOBOS era tudo que dizia.

Brienne parou ao lado dele e fez uma oração silenciosa para eles, e para Catelyn Stark, seu filho Robb e todos os homens que tinham morrido com ele. Ela se lembrou da noite em que a Senhora Catelyn descobriu que seus filhos estavam mortos, os dois rapazes que ela tinha deixado em Winterfell para mantê-los seguros. Brienne sabia que tinha algo terrivelmente errado.

Ela tinha perguntado a ela se tinha tido noticias de seus filhos.

— Eu não tenho filhos além de Robb — a Senhora Catelyn havia replicado. Ela soava como se uma faca estivesse sido cravada em sua barriga. Brienne havia atravessado através da mesa para dar-lhe conforto, mas ela parou antes que seus dedos tocassem a mulher mais velha, com medo de que esta recuasse para longe. a Senhora Catelyn havia virado suas mãos para mostrar a Brienne cicatrizes em suas mãos e dedos, onde uma vez uma faca cortou fundo em sua carne. Então ela começou a falar sobre suas filhas.

— Sansa era uma mocinha — ela disse — sempre cortês e ansiosa para agradar. Ela adorava contos de valor cavalheiresco. Ela vai se transformar em uma mulher mais bonita do que eu, você pode ver isso. Eu muitas vezes iria escovar os seus cabelos. Ela tinha cabelos ruivos, grossos e macios... o vermelho que iria brilhar como cobre na luz das tochas.

Ela falou sobre Arya também, sua filha mais nova. Mas Arya estava morta, provavelmente morta agora. Sansa, embora... Eu vou encontrá-la, minha senhora. Brienne jurou sobre a solidão inquieta da Senhora Catelyn.

Eu nunca pararei de procurar, eu darei minha vida se preciso for, desisto de minha honra, desisto de todos meus sonhos, mas eu irei encontrá-la.

Além do campo de batalha a estrada corria junto à costa, entre o crescente mar verde-acinzentado e uma linha de baixas colinas de calcário.

Brienne não era a única viajante na estrada. Havia aldeias de pescadores ao longo da costa por muitas léguas, e os pescadores usavam este caminho para levarem seus peixes ao mercado. Ela cavalgou passando por uma peixeira e suas filhas voltando para casa com uma cesta vazia sobre os ombros. Por sua armadura, elas pensaram que ela era um cavaleiro, até que viram seu rosto.

Então as garotas sussurraram uma para outra e lançaram olhares para ela.

— Vocês viram uma empregada de treze anos ao longo da estrada?

— ela lhes perguntou. — Uma criada bem nascida com olhos azuis e cabelos vermelhos? — Sor Shadrich havia feito-a prudente, mas ela tinha que continuar tentando. — Ela pode estar viajando com um bobo. — Mas elas só balançaram a cabeça e riram dela por trás das mãos.

Na primeira vila que ela chegou, meninos descalços corriam ao lado de seu cavalo, ela tinha vestido seu elmo, chateada pelas risadinhas dos pescadores, então eles a tomaram por um homem. Um rapaz ofereceu-lhe moluscos, outro ofereceu caranguejos, e outro ofereceu sua irmã.

Brienne comprou três caranguejos do segundo garoto. Quando ela chegou a deixar a aldeia, já estava chovendo e o vento subia. Tempestade se aproxima, ela pensou, olhando para o mar. As gotas de chuva pingavam contra seu elmo em sua direção, fazendo seus ouvidos vibrarem enquanto andava, mas era melhor do que estar lá fora, em um barco. Uma hora ao norte, a estrada estava dividida em uma pilha de pedras caídas que marcavam a ruína de um pequeno castelo. A via direita serpenteava-se ao longo da costa em direção a Ponta da Garra Rachada, uma terra sombria de pântanos. A via esquerda atravessava montanhas, campos e bosques em direção a Lagoa da Donzela. A chuva estava caindo mais pesadamente até então. Brienne desmontou e tirou a égua da estrada para pegar algum abrigo entre as ruínas.

O curso das muralhas do castelo ainda podia ser discernido entre o silvo e a erva daninha e olmos selvagens, mas as pedras que havia o erguido estavam espalhadas como bloco de crianças pela estrada. Mas, no entanto, parte do principal ainda se mantinha de pé. Suas triplas torres eram de granito cinza, como as paredes quebradas, mas os seus merlões eram de arenito amarelo. Três coroas, ela percebeu, enquanto olhava para elas através da chuva. Três coroas de ouro. Este havia sido um castelo Hollard.

Sor Dontos havia nascido aqui. Ela levou sua égua entre os escombros para a entrada principal da fortaleza. Da porta, somente as dobradiças de ferro enferrujadas permaneceram, mas o teto ainda se sustentava, e estava seco lá dentro. Brienne amarrou a égua rente à parede, retirou o elmo e sacudiu os cabelos. Ela estava procurando por um pouco de madeira seca para acender o fogo, quando ouviu o som de outro cavalo se aproximando. Algum instinto a fez se afastar de volta para as sombras, onde ela não podia ser vista da entrada. Este foi o mesmo caminho onde ela e Sor Jaime haviam sido capturados. Ela não tinha a intenção de sofrer isso de novo.

O cavaleiro era um pequeno homem. O Rato Louco, pensou ela quando teve seu primeiro vislumbre dele. De alguma forma ele me seguiu.

Sua mão foi para o punho de sua espada, e ela viu perguntando-se se Sor Shadrich poderia pensar que ela era presa fácil só porque era uma mulher. O

castelão de Lorde Grandison havia cometido este erro uma vez. Humfrey Wagstaff era o seu nome, um orgulhoso homem de sessenta e cinco anos.

Com o nariz parecido com o de um falcão e uma cabeça manchada. No dia em que tinham ficado prometidos, ele advertiu Brienne que esperava que ela fosse uma mulher boa já que iriam se casar.

— Eu não ver ter minha senhora esposa pinoteando em uma cota de homem. Sobre isso você deve obedecer-me, para que eu não seja obrigado a castigá-la.

Ela tinha dezesseis anos e não era estranha a uma espada, mas ainda era tímida, apesar de sua proeza no quintal. No entanto, de alguma forma ela encontrara coragem de dizer a Sor Humfrey que só aceitaria castigo de um homem que poderia lutar com ela. O velho cavaleiro ficou púrpura, mas concordou em vestir sua própria armadura e ensiná-la o lugar de uma mulher. Eles lutaram com armas de torneio, então, a maça de Brienne não tinha espinhos. Ela quebrou a clavícula de Sor Humfrey, duas costelas e o noivado. Ele foi seu terceiro respectivo marido, e o último. Seu pai não insistiu novamente. Se Sor Shadrich fosse ladrando em seus calcanhares, ela poderia muito bem ter uma luta em suas mãos. Ela não tinha intenção de se associar com o homem ou deixá-lo segui-la até Sansa. Ele tem o tipo de arrogância que vem com as habilidades com as armas, ela pensou, mas ele é pequeno. Eu tenho o alcance dele, e devo ser mais forte também. Brienne era tão forte quando a maioria dos cavaleiros, e seu antigo mestre de armas costumava dizer que ela era mais rápida do que qualquer mulher do seu tamanho tinha o direito de ser. Os deuses haviam dado a ela perseverança também, o que Sor Goodwin considerava um nobre dom. Luta de espada e escudo era cansativo, e a vitória frequentemente ia para o homem com mais resistência. Sor Goodwin havia lhe ensinado a lutar com cautela, para conservar sua força deixando os inimigos gastarem as suas em ataques furiosos.

— Os homens sempre vão subestimar você — ele disse. — E seu orgulho vai fazê-los querer aniquilá-la rapidamente, para não dizer que uma mulher lutou duramente.

Ela tinha aprendido a verdade quando foi para o mundo. Mesmo Jaime Lannister tinha visto ela deste jeito, nas florestas de Lagoa da Donzela. Se os deuses são bons, o Rato Louco iria cometer este mesmo erro.

Ele pode ser um cavaleiro experiente, ela pensou, mas ele não é Jaime Lannister. Ela deslizou sua espada da bainha. Mas não foi o cavalo castanho de Sor Shadrich que caminhou pela estrada bifurcada, mas um velho cavalo malhado com um rapaz magro em suas costas. Quando Brienne viu o cavalo ela recuou, confusa. Apenas algum menino, ela pensou, até que vislumbrou o rosto debaixo da capa. O garoto em Valdocaso, aquele que trombou comigo.

É ele.

O meninão não deu ao castelo em ruínas nem um relance, mas olhou para baixo em uma estrada, e depois na outra. Após um momento de hesitação ele virou o cavalo para as colinas e continuou se arrastando.

Brienne o viu se afastar através da chuva que caia, e de repente lhe veio que ela havia visto este mesmo menino em Rosby. Ele está me perseguindo, ela se deu conta, mas esse é um jogo que dois podem jogar. Ela desamarrou a égua, subiu de volta para a sela e foi atrás dele.


O garoto estava olhando para o chão enquanto cavalgava, observando os sulcos na estrada enchidos com água. A chuva abafava o som de sua abordagem, e com certeza seu capuz desempenhou esse papel também. Ele não olhou para trás uma só vez, até que Brienne trotou por trás dele e deu ao seu cavalo uma pancada na garupa com a folha de sua espada longa. O cavalo empinou, e o garoto magro saiu voando, sua capa batendo como asas. Ele pousou na lama e se ergueu com grama morta e suja entre os dentes, encontrando Brienne de pé sobre ele. Era o mesmo rapaz, sem duvida. Ela o reconheceu do chiqueiro.

— Quem é você? — Ela exigiu.

A boca do menino trabalhou silenciosamente. Seus olhos eram grandes como ovos.

— Puh — foi tudo o que ele conseguiu falar — Puh — sua cota de malha fez um som de chocalho quando ele estremeceu. — Puh. Puh.

— Por favor? — disse Brienne — Você esta dizendo por favor? —ela deslizou a ponta da espada para o seu pomo de adão. — Por favor, me diga quem você é, e porque está me seguindo.

— Não puh-puh-por favor. — Ele enfiou um dedo em sua boca e cuspiu fora um amontoado de lama, tossindo. — Puh-puh-Pod. Meu nome.

Puh.puh.Podrick. Puh-Payne.

Brienne abaixou a espada. Sentiu uma onda de simpatia pelo garoto.

Ela se lembrou um dia do Entardecer, um jovem cavaleiro com uma rosa na mão. Ele trouxe a rosa para dar a mim. Ou assim sua septã lhe contou. Tudo o que ele teve que fazer era recebê-lo no castelo de seu pai. Ele tinha dezoito anos, com longos cabelos ruivos que caiam até seus ombros. Ela tinha doze anos, firmemente atada em um novo e duro vestido, seu corpete brilhando com granadas. Os dois eram da mesma altura, mas ela não conseguia olhar nos olhos dele, nem dizer as palavras simples que os septões haviam lhe ensinado. Sor Ronnet, eu lhe desejo boas vindas aos salões de meu pai. É

bom olhar em seu rosto finalmente.

— Porque você esta me seguindo? — Ela perguntou ao garoto — Você foi ordenado a me espionar? Você pertence à Varys? Ou a rainha?

— Não e não. Nenhum deles.

Brienne chutou sua idade em dez, mas ela era terrível em dizer a idade de uma criança. Ele sempre pensava que eram mais jovens do que realmente eram. Talvez porque foi uma criança muito grande para sua idade.

Grande Extravagância, Septã Roelle costumava dizer, e masculinizada.


— Esta estrada é muito perigosa para um menino sozinho.

— Não para um escudeiro. Eu sou um escudeiro. O Escudeiro da Mão.

— Lord Tywin? — Brienne embainhou sua espada.

— Não. Não essa Mão. A Mão antes dele. Seu filho. Eu lutei com ele na batalha. Eu gritei “Meio homem! Meio homem!” O escudeiro do Duende. Brienne nunca soube que ele tinha um.

Tyron Lannister não era cavaleiro. Talvez ele tivesse um menino ou dois para servi-lo, ela supunha, um pajé e um copeiro, alguém para ajudá-lo a se vestir. Mas um escudeiro?

— Porque você esta me perseguindo? — disse — o que você quer?

— Encontra-la — ele ficou de pé. – Minha senhora. Você está procurando por ela. Brella me contou. Ela é sua esposa. Não Brella, a Senhora Sansa. Então eu pensei, se você encontrá-la... — seu rosto contorceu-se em uma agonia repentina. — Eu sou seu escudeiro — ele repediu, com a chuva caindo em seu rosto — Mas ele me deixou.




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