ARYA
Cada noite antes de dormir, ela murmurava sua oração dentro de seu travesseiro.
— Sor Gregor — e ia — Dunsen, Raff, o Querido, Sor Ilyn, Sor Meryn, Rainha Cersei. — Ela teria sussurrado o nome dos Freys da encruzilhada também, se ela os soubesse. Um dia eu vou saber, ela disse a si mesma. E então eu matarei todos eles. Nenhum sussurro era muito fraco para ser ouvido na Casa do Preto e Branco.
— Criança — disse o homem bondoso um dia. — Que nomes são aqueles que você sussurra a noite?
— Eu não sussurro nome algum — ela disse.
— Você mente — ele disse. — Todos os homens mentem quando estão com medo. Alguns contam muitas mentiras, outros contam algumas.
Alguns têm apenas uma mentira, mas a contam tão frequentemente que quase chegam a acreditar... Embora uma pequena parte dele sempre irá saber que aquilo ainda é uma mentira e que ira mostrar sobre seus rostos. Fale-me sobre esses nomes.
Ela mordeu o lábio.
— Os nomes não tem importância.
— Eles têm — o homem bondoso insistiu. — Conte-me criança.
Conte-me ou irei mandá-la embora, foi o que ela ouviu.
— Eles são pessoas que eu odeio. Eu quero que eles morram.
— Nós ouvimos muito dessas orações nessa Casa.
— Eu sei — disse Arya. Jaqen H’ghar tinha garantido três dessas orações uma vez, tudo o que eu tive que fazer foi sussurrar...
— É por isso que você teve que vir até nós? — O homem bondoso continuou. — Pra aprender nossas artes, e então matar esses homens que você odeia?
Arya não sabia como responder a isso.
— Talvez.
— Então você veio ao lugar errado. Não cabe a você dizer quem deve viver e quem deve morrer. Este dom pertence ao deus de Muitas Faces.
Somos nada além de seus servos, jurados a sua vontade.
— Oh — Arya olhou para as estatuas ao longo das paredes, velas redondas brilhavam em seus pés — Qual deus é ele?
— Todos eles — disse o sacerdote em preto e branco.
Ele nunca disse a ela seu nome. Nem a esposa, a pequena garota com grandes olhos e um rosto oco que a lembrava de outra pequena garota, chamada Weasel. Como Arya, a esposa vivia debaixo do templo, juntamente com três acólitos, dois servos e um cozinheiro chamado Umma. Umma gostava de conversar enquanto trabalhava, mas Arya não conseguia entender uma palavra do que ela dizia. Os outros não tinham nome, ou escolheram não compartilhá-los. Um dos serventes era muito velho, suas costas eram dobradas como um arco. O segundo tinha um rosto vermelho, e cabelos cresciam de suas orelhas. Ela pensava que os dois eram mudos até que os ouviu orando. Os acólitos eram mais jovens. O mais velho era da idade do seu pai; Os outros dois não podiam ser muito mais velhos que Sansa, que tinha sido sua irmã. Os acólitos usavam preto e branco também, mas suas vestes não tinham capuz e eram negras do lado esquerdo e brancas do lado direito. Com o homem bondoso e a esposa, era o oposto. A Arya foi dada trajes de servo: uma túnica de lã não tingida, calças largas, pequenas roupas e chinelos de pano para seus pés.
Apenas o homem bondoso conhecia a Língua Comum.
— Quem é você? — ele a perguntava todo dia.
— Ninguém — ela respondia. Ela que tinha sido Arya da Casa Stark. Arya pés-leves, Arya cara de cavalo. Ela tinha sido Arry e Weasel também, e Gorducho e Salgada, Nan, o copeiro, um rato cinza, a ovelha, o fantasma de Harrenhal... Mas não de verdade. Não no fundo do seu coração.
Lá ela era Arya de Winterfell, a filha de Lorde Eddard Stark e a Senhora Catelyn, que uma vez teve irmãos chamados Robb, Bran e Rickon, e uma irmã chamada Sansa, um lobo gigante chamado Nymeria, um meio irmão chamado Jon Snow. Lá ela era alguém... Mas essa não era a resposta que ele queria.
Sem a língua comum, Arya não tinha como falar com os outros. Ela os ouvia, porém, e repetia as palavras para si mesma como se fosse seu trabalho. Embora o acólito mais jovem fosse cego, ele tinha o encargo das velas. Ele caminhava pelo templo de chinelos macios, rodeado pelas murmurações das velhas que vinham todos os dias para orar. Mesmo sem olhos, ele sempre sabia quais velas tinham se apagado.
— Ele tem o cheiro para guiá-lo — explicou o homem bondoso — e o ar é mais quente onde uma vela queima.
— Ele disse a Arya para fechar os olhos e experimentar por si mesma. Eles oraram até o amanhecer antes de quebrar o jejum, de joelhos ao redor da piscina ainda preta. Alguns dias o homem bondoso conduzia a oração, outros dias era a esposa. Arya conhecia apenas algumas palavras dos Braavosi. Aquelas que eram as mesmas no Alto Valiriano. Então ela orou sua própria oração para o deus de Muitas Faces, aquela que ia, Sor Gregor, Dunsen, Raff, o Querido, Sor Ilyn, Sor Meryn, Rainha Cersei. Ela orava em silencio. Se o deus de Muitas Faces fosse mesmo um deus, ele a ouviria.
Adoradores vinham para a Casa do Preto e Branco todos os dias. A maioria vinha sozinha e sentava sozinha; ascendiam suas velas em um altar ou em outro, oravam ao lado da piscina, e algumas vezes choravam. Alguns bebiam do copo preto e adormeciam; a maioria não bebia. Não havia serviços, nenhum som, nem coros de louvores para agradar os deuses. O templo nunca estava cheio. De tempo em tempo, um adorador pedia para ver um sacerdote, e o homem bondoso ou a esposa o levava para baixo no sacrário, mas isso não acontecia frequentemente.
Treze diferentes deuses permaneciam ao longo das paredes, rodeados por suas pequenas luzes. A Mulher que Chora era a favorita de velhas mulheres, Arya percebeu; homens ricos preferiam o Leão da Noite, homens pobres o Viajante Encapuzado, Soldados acendiam velas para Bakkalon, a Criança Pálida, vendedores para a Donzela da Lua Pálida e o Rei Merling. O Estranho tinha seu santuário também, embora raramente alguém viesse ter com ele. . Na maioria das vezes apenas uma pequena vela permanecia flamejando em seus pés. O homem bondoso dizia que não importava.
— Ele tem muitas faces, e muitos ouvidos para ouvir.
A colina sobre qual o templo estava parecia uma colmeia, com passagens escavas nas rochas. Os sacerdotes e acólitos tinham seus quartos no primeiro nível, Arya e os servos no segundo. O nível mais baixo era proibido para todos, salvo o sacerdote. Lá era onde o santuário sagrado estava.
Quando não estava trabalhando, Arya estava livre para vagar como ela quisesse entre as abobadas e armazéns, no entanto, desde que não deixasse o templo, nem descesse ao porão do terceiro andar. Ela encontrou um quarto cheio de armas e armaduras: elmos ornamentados, e curiosas couraças velhas, espadas longas, punhais, bestas e lanças altas, com as folhas em formatos de cabeças. Outro cofre estava cheio de roupas, peles grossas e 379
sedas esplendidas em quase uma centena de cores, ao lado de pilhas de trapos de mal cheiro, e mantos ásperos e puídos. Deve haver câmaras de tesouros também, Arya pensou. Ela imaginou pilhas de placas de ouro, bolsas de moedas de pratas, safiras azuis como o mar, colares de pérolas verdes.
Um dia o homem bondoso foi até ela inesperadamente e perguntou o que ela estava fazendo. Ela disse a ele que tinha se perdido.
— Você mente. Pior, você mente miseravelmente. Quem é você?
— Ninguém.
— Outra mentira — ele suspirou.
Weese teria batido nela pra caramba se tivesse pegado ela em uma mentira, mas era diferente na Casa do Preto e do Branco. Quando ela estava ajudando na cozinha, Umma, algumas vezes batia nela com sua colher se ela ficasse no caminho, mas ninguém mais nunca ergueu uma mão para ela . Eles somente levantam suas mãos para matar, ela pensou.
Ela se dava bem o suficiente com a cozinheira. Se Umma colocava uma faca e uma cebola na mão dela, Arya iria cortá-la. Umma empurrava-a em direção a um monte de massa e Arya iria amassa-la até a cozinheira dizer pare (pare foi a primeira palavra Braavosi que ela aprendeu). Umma lhe entregava um peixe, e Arya o desossava e o foliava. As águas salobras que rodeavam Bravos fervilhavam com peixes e mariscos de toda espécie, o homem bondoso explicou. Um lento rio marrom entrava na lagoa pelo sul, vagando por uma vasta extensão de canas, piscinas de marés e poços de lama. Ameijoas e berbigões abundavam por ali; mexilhões, ranas, tartarugas, caranguejos de lama, caranguejos leopardos e caranguejos escaladores, enguias vermelhas, enguias pretas, enguias listradas, lampreias e ostras; todas tinham frequente aparições na mesa de madeira entalhada onde os servos do deus de Muitas Faces tomavam suas refeições. Algumas noites Umma temperava o peixe com sal marinho e pimenta rachada, ou cozia as enguias com alho picado. Muito de vez em quando, o cozinheiro até usava um açafrão. Torta quente cairia bem aqui, Arya pensava.
A ceia era sua hora favorita. Já tinha se passado um longo tempo desde que Arya tinha ido dormir toda noite com a barriga cheia. Algumas noites o homem bondoso permitia que ela lhe fizesse perguntas. Uma vez ela perguntou a ele porque as pessoas que vinham ao templo pareciam tão pacíficas; em sua casa, as pessoas tinham medo de morrer. Ela se lembrou de como aquele escudeiro chorou quando ela o esfaqueou na barriga, e a forma como Sor Amory Lorch tinha implorado quando Goat o tinha jogado em uma cova de urso. Lembrou-se da aldeia no Olho de Deus e a maneira como 380
os moradores gritaram e gemeram toda vez que Tickler começava a perguntar atrás do ouro.
— Morte não é a pior coisa — o homem bondoso replicou. — É o presente dele para nós, um fim para a ganância e para a dor. No dia que nós nascemos o deus de Muitas Faces envia para cada um de nós um anjo negro para caminhar através da vida do nosso lado. Quando nossos pecados e nossos sofrimentos crescem em demasia para serem suportados, o anjo nos toma pela mão para nos levar as terras da noite, onde as estrelas sempre queimam brilhantes. Aqueles que vem beber do copo negro estão procurando por seus anjos. Se eles estão com medo, as velas os acalmam. Quando você sente o cheiro das velas queimando, o que elas fazem você pensar, minha criança?
Winterfell, ela talvez tivesse dito. Eu sinto cheiro da neve, fumaça e pinheiros. Eu sinto o cheiro dos estábulos. Eu sinto o riso de Hodor, e Jon e Robb batalhando no quintal, e Sansa cantando sobre algum estúpido conto de senhora. Eu sinto o cheiro das criptas onde os reis de pedras estão, eu sinto o cheiro de pão assado, eu sinto o cheiro das arvores-coração. Eu sinto o cheiro de minha loba, de seu pelo, quase como se ela ainda estivesse do meu lado.
— Eu sinto o cheiro de nada — ela disse, para ver o que ele iria dizer.
— Você mente — ele disse — mas você pode manter seus segredos se você deseja, Arya da Casa Stark. — Ele apenas a chamava assim quando ela o desapontava. — Você sabe que talvez deixe esse lugar. Você não é um de nós, não ainda. Você poderá ir para casa a hora que quiser.
— Você me disse que se eu partir, eu não poderia voltar.
— Exatamente.
Aquelas palavra a entristeceram. Syrio costumava dizer isso também, Arya lembrava. Ele dizia isso todo o tempo. Syrio Forel lhe tinha ensinado esgrima e morrera por ela. — Eu não quero partir.
— Então fique… Mas lembre-se, a Casa do Preto e Branco não é um lar para órfãos. Todo homem deve servir debaixo desses telhados. Valar dohaeris é como nós dizemos aqui. Permaneça se quiser, mas saiba que nós iremos requerer sua obediência. Em todo o tempo e em todas as coisas. Se você não pode obedecer, você deve partir.
— Eu posso obedecer.
— Nós veremos.
Ela tinha outras tarefas além de ajudar Umma. Ela varria o chão do templo, servia durante as refeições, separava as pilhas de roupas dos homens mortos, esvaziava seus bolsos e contava pilhas de moedas. Todas as manhãs ela caminhava ao lado do homem bondoso enquanto ele fazia sua patrulha no templo para encontrar os homens mortos. Silenciosa como uma sombra, ela disse a si mesma, se lembrando de Syrio. Ela carregava lanternas com persianas de ferro espesso. Em cada nicho, ela abria o disparador com um crack, para procurar cadáveres. Os mortos nunca eram difíceis de encontrar.
Eles vinham para a Casa do Branco e Preto, oravam por uma hora, um dia ou um ano, bebiam da doce e negra água da piscina, e se esticavam em uma cama de pedra atrás de um deus ou outro. Eles fechavam seus olhos, e dormiam, e nunca mais acordavam.
— O presente do Deus Muitas Faces assume formas variadas — o homem bondoso disse a ela — mas aqui é sempre gentil. — Quando eles encontravam um corpo, ele fazia uma oração e checava se realmente estava morto, então Arya buscava os homens servos, cuja tarefa era levar os mortos até o cofre. Lá acólitos iriam despir e lavar os corpos. Roupas, moedas e objetos de valores dos homens mortos iam para uma caixa para a seleção.
Suas frias carnes eram levadas para o sacrário, onde apenas o sacerdote podia ir. O que acontecia ali não era permitido a Arya saber. Uma vez, enquanto ela comia sua ceia, uma terrível suspeita a tomou, então ela largou sua faca e encarou desconfiada a fatia pálida de carne branca em seu prato. O Homem bondoso viu o horror em seu rosto.
— É um porco, criança — ele disse a ela. — Somente um porco.
Sua cama era de pedra, e a fazia se lembrar de Harrenhal e a cama que ela dormia quando esfregava os degraus para Weese. O colchão era recheado com trapos ao invés de palha, o que a tornava menos volumosa do que em Harrenhal, mas menos arranhada também. A ela foi permitido tantos cobertores quando ela desejasse: Cobertores de lã grossos, verdes, vermelhos e xadrez. E sua cela era somente dela. Ela mantinha seus tesouros lá: O garfo de prata, o chapéu e luvas sem dedos dado a ela pelos marinheiros da Filha do Titã, sua adaga, botas e cintos, sua pequena economia de moedas e as roupas que vinha usando...
E Agulha.
Apesar de seus deveres deixarem pouco tempo para sua costura, ela praticava quando podia, duelando com sua sombra sob a luz de uma vela azul. Uma noite aconteceu de uma órfã passar e ver Arya em sua brincadeira com a espada. A garota não disse uma palavra, mas no outro dia, o homem bondoso acompanhou Arya de volta para sua cela.
— Você precisa de livrar de tudo isso. — Ele disse sobre os seus tesouros.
Arya sentiu como se fosse atingida.
— Eles são meus.
— Quem é você?
— Ninguém.
— Ele pegou o garfo de prata.
— Isso pertence à Arya da Casa Stark. Todas essas coisas pertencem a ela. Aqui não há lugar para isso. Aqui não há lugar para ela. O nome dela carrega muito orgulho, e aqui nós não temos lugar para o orgulho. Nós somos servos aqui.
— Eu sirvo — ela disse, ferida. Ela gostava do garfo de prata.
— Você brinca de ser uma serva, mas em seu coração você é a filha de um lorde. Você tem usado outros nomes, mas você os usa como usa um vestido. Debaixo deles você é sempre Arya.
— Eu não uso vestidos. Você não pode lutar em um estúpido vestido.
— Porque você desejaria lutar? Você é algum bravo, caminhando por becos, procurando por sangue? — Ele suspirou. — Antes de você beber do copo frio, você deve oferecer você toda para o Deus de Muitas Faces. Seu corpo. Sua alma. Você mesma. Se você não pode trazer você para fazer isso, você deve deixar este lugar.
— A moeda de ferro...
—… tem pagado sua passagem aqui. A partir deste momento você deve pagar do seu jeito, e o custo é alto.
— Eu não tenho nenhum ouro.
— O que nós oferecemos não pode ser pago com ouro. O custo é você toda. Homens pegam muitos caminhos através deste vale de lágrimas e dor. O nosso é o mais difícil. Poucos são feitos para caminhar nele. É preciso ter força incomum de espírito, e um coração duro e forte.
Eu tenho um buraco onde meu coração deveria estar, ela pensou, e nenhum lugar mais para ir.
— Eu sou forte. Tão forte quanto você. E eu sou dura.
— Você acredita que este é o único lugar para você. — Era como se ele tivesse lido seus pensamentos — você está errada nisso. Você encontraria mais delicado serviço na casa de algum mercador. Ou você logo seria uma cortesã, e teria músicas sobre sua beleza? Diga a palavra, e nós a enviaremos para o Pérola Negra ou a Filha do Crepúsculo. Você ira dormir em pétalas de rosas e usar saias de seda que irão farfalhar enquanto você anda, e grandes lordes vão mendigar por seu sangue de donzela. Ou se é casamento e crianças que você deseja, diga-me, e então encontraremos um marido para você. Algum aprendiz honesto, um velho rico, um marinheiro, o que quer que deseje.
Ela não queria nada disso. Sem palavras, ela sacudiu sua cabeça.
— É com Westeros que você sonha, criança? A Senhora Luminosa de Luco Prestayn parte amanha, para Vila Gaivota, Valdocaso, Porto Real, e Tyrosh. Devemos encontrar uma passagem nela pra você?
— Eu acabei de chegar de Westeros. — Às vezes parecia que se tinha passado mil anos desde que ela fugira de Porto Real, e às vezes parecia como se fosse ontem, mas ela sabia que não podia voltar. — Eu irei se você não me quiser, mas eu não quero ir pra lá.
— Meus desejos não importam — disse o homem bondoso. — Pode ser que o Deus de Muitas Faces a conduziu aqui para ser seu instrumento, mas quando eu olho para você eu vejo uma criança... E pior, uma criança garota. Muitos têm servido ao Deus de Muitas Faces por séculos, mas apenas alguns de seus servos tem sido mulheres. Mulheres trazem vida para o mundo. Nós trazemos o presente da morte. Ninguém pode fazer os dois.
Ele esta tentando me assustar pra fora, Arya pensou, do mesmo modo que ele faz com algum verme.
— Eu não me importo com isso.
— Você deveria. Fique, e o Deus de Muitas Faces irá pegar suas orelhas, seu nariz, sua língua. Ele ira pegar seus tristes olhos cinzentos que já viram muito. Ele ira pegar suas mãos, seus pés, seus braços e pernas, suas partes privadas. Ele ira tomar suas esperanças e sonhos, seus amores e seus ódios. Aqueles que entram para seu serviço devem desistir de tudo que os fazem quem eles são. Você pode fazer isso?
Ele a segurou pelo queixo e olhou profundamente em seus olhos, tão profundo que a fez estremecer.
— Não — ele disse. — Eu acho que você não pode
Arya empurrou suas mãos.
— Eu poderia se eu quisesse.
— Assim diz Arya da Casa Stark, comedora de grandes vermes.
— Eu posso desistir de qualquer coisa que eu quiser.
Ele gesticulou para seus tesouros.
— Então comece com esses.
Aquela noite depois da sopa, Arya voltou para sua cela, retirou seu robe e sussurrou seus nomes, mas o sono recusou pegá-la. La se jogou no colchão recheado com trapos e mordeu seu lábio. Ela podia sentir o buraco dentro dela onde um coração havia estado.
Na escuridão da noite ela se levantou outra vez, vestiu as roupas que ela usara em Westeros, e seu cinturão. Agulha estava pendurada em um quadril, sua adaga em outro. Com seu chapéu em sua cabeça, e suas luvas sem dedos dobrado em seu cinto, e seu garfo de prata em uma mão, ela furtivamente subiu os degraus. Aqui não há lugar para Arya da Casa Stark, ela estava pensando. O lugar de Arya era Winterfel, só que Wenterfell tinha se acabado. Quando a neve cai e os ventos brancos sopram, o lobo solitário morre, mas a alcateia sobrevive. Ela não tinha alcateia, no entanto. Eles haviam matado sua matilha, Sor Ilyn, Sor Meryn e a rainha, e quando ela tentou fazer uma nova, todos eles fugiram, Torta Quente, Gendry, Yoren e Lommy Mãos-verdes, até mesmo Harwin, que tinha sido homem de seu pai.
Ela passou através das portas, para fora, dentro da noite.
Era a primeira vez que ela estava do lado de fora desde que entrara no templo. O céu estava nublado e a neblina cobria o chão como um manto cinza desgastado. A sua direita, ela ouvia o remar do canal. Bravos, a Cidade Secreta, ela pensou. O nome parecia muito apto. Ela rastejou descendo os degraus íngremes para o cais coberto, as brumas rodopiantes rodando em seus pés. Estava tão nebuloso que ela não podia nem ver a água, mas ela ouvia o gotejar suave nas estacas de pedras. Ao longe, uma luz brilhava na penumbra: O fogo noturno no templo dos sacerdotes vermelhos, ela pensou.
A beira da água, ela parou, o garfo de prata na mão. Era prata real.
Totalmente sólido em sua mão. Não é meu garfo. É das Salinas. Ela deixou que ele caísse de sua mão, ouviu o plop suave enquanto ele se afundava na água.
Seu chapéu foi o próximo, e então as luvas. Eles pertenciam a Salinas também. Ela esvaziou a bolsa em sua palma. Cinco moedas de prata e nove de cobre, além de alguns cereais. Ela os espalhou através da água.
Depois suas botas. Elas fizeram o barulho mais alto. Sua adaga a seguiu, aquela que ela conseguira do arqueiro que implorara a Cão de Caça por 385
misericórdia. Seu cinturão mergulhou no canal. Seu manto, túnica, calças, roupas pequenas, tudo isso. Todos, exceto Agulha.
Ela permaneceu no final da doca, pálida e tremendo no nevoeiro. Em sua mão, Agulha parecia sussurrar para ela. Fure-os com a extremidade pontiaguda, e não conte a Sansa! A marca de Mikken estava na lamina. É somente uma espada. Se ela precisasse de uma espada havia centenas debaixo do templo. Agulha era pequena demais para ser uma espada apropriada, ela era pouco mais que um brinquedo. Ela tinha sido uma estúpida garotinha quando Jon tinha feito para ela.
— É apenas uma espada. — ela disse, em voz alta desta vez.
...mas não era.
Agulha era Robb, Bran e Rickon, sua mãe e seu pai, até mesmo Sansa. Agulha era os muros cinzentos de Winterfell, e o riso de suas pessoas.
Agulha era a neve de verão, as histórias da Velha Ama, a árvore coração com suas folhas vermelhas e rosto assustador, o cheiro quente da terra dos jardins de vidro, o som do vento do norte chacoalhando as janelas do seu quarto. Agulha era o sorriso de Jon Snow. Ele costumava bagunçar meu cabelo e me chamar de irmãzinha, ela se lembrou, e repentinamente havia lágrimas em seus olhos.
Polliver havia roubado a espada dela quando a Montanha havia a prendido, mas quando ela e o cão entraram em uma estalagem em uma encruzilhada, lá estava ela. Os deuses querem que eu a tenha. Não os sete, nem o Deus de Muitas Faces, mas os deuses de seus pais, os velhos deuses do norte. O Deus de Muitas Faces pode ter o resto, ela pensou, mas ele não pode ter isto.
Ela caminhou para os degraus tão nua quanto no dia do seu nome, segurando Agulha. No meio do caminho, uma das pedras se moveu sob seus pés. Arya ajoelhou-se e cavou ao redor de suas bordas com os dedos. Não quis se mover de inicio, mas Arya persistiu, pegando na argamassa em ruína com as unhas. Finalmente a pedra deslocou. Ela usou as duas mãos e a puxou, uma fenda se abriu a sua frente.
— Você ficara salva aqui — ela disse a Agulha. — Ninguém saberá onde você está exceto eu.
Ela empurrou espada e bainha para debaixo do degrau, então empurrou a pedra de volta ao lugar, de modo que parecesse com todas as outras pedras. Enquanto ela subia de volta para o templo, ela contou os degraus, então ela saberia onde encontrar a espada outra vez. Um dia talvez precisasse dela.
— Um dia. — Ela sussurrou para si mesma.
Ela nunca contou ao homem bondoso que ela tinha feito, mas mesmo assim ele sabia. Na próxima noite ele veio até a cela dela, depois da ceia.
— Criança — ele disse — venha e se sente comigo. Eu tenho um conto para contar a você.
— Que tipo de conto? — Ela perguntou cautelosa.
— O conto de seus princípios. Se você for um de nós, você faria bem em saber quem nós somos e como chegamos a ser. Os homens podem talvez sussurrar sobre os Homens Sem Rosto de Bravos, mas nós somos mais velhos que a Cidade Secreta. Antes que se fizesse o Titã , antes do desmascaramento de Uthero, antes da Fundação, nós já existíamos. Nós florescemos em Bravos entre essas névoas nortenhas, mas começamos a aparecer em Valiria, entre os escravos miseráveis que trabalhavam nas minas profundas sob as Quatorze Chamas que iluminava as antigas noites da Cidade Franca. A maioria das minas são locais úmidos e frios, pedaços de pedras frias e mortas, mas as Quatorze Chamas vivia nas montanhas com veias de rocha fundida e corações de fogo. Então, as minhas da velha Valiria permaneciam sempre quentes, e elas cresceram cada vez mais quentes enquanto os eixos se cavavam, mais profundos, cada vez mais. Os escravos trabalhavam em um forno. As rochas em volta deles eram muito quentes para tocar. O ar fedia a enxofre e enchia seus pulmões enquanto respiravam.
As solas de seus pés queimavam mesmo através das mais grossas sandálias.
Às vezes, quando eles quebravam uma parede a procura de ouro, eles encontravam vapor ao invés de disso, ou água em ebulição, ou rocha fundida. Certos eixos foram cortados tão baixos que os escravos não podiam ficar de pé, mas tinham que dobrar e se rastejar. E havia vermes naquela escuridão vermelha também.
— Minhocas? — ela perguntou, franzido a testa.
— Foginhocas. Alguns dizem que são semelhantes a dragões, por cuspirem fogo também. Mas ao invés de voar pelo céu, eles perfuram pedras e o solo. Se os velhos contos podem ser acreditados, elas estavam entre as Quatorze Chamas antes mesmo de os dragões chegarem. Os mais novos não eram mais largos do que estes seus magros braços, mas eles podiam crescer até monstruosos tamanhos e não tem nenhum amor por homens.
— Eles mataram os escravos?
— Cadáveres queimados e enegrecidos eram encontrados frequentemente em poços onde as rochas foram rachadas ou cheias de buraco. Ainda assim as minas foram mais para o fundo. Escravos pereceram pelas rochas, mas seus mestres não se importavam. Ouro vermelho, ouro amarelo e prata eram reconhecidos por serem mais preciosos do que as vidas dos escravos, pois os escravos eram baratos na velha Cidade Franca. Durante a guerra, os valirianos os pegaram aos milhares. Em tempos de paz eles os criavam, acho que só os piores eram enviados para morrer na escuridão vermelha.
— Os escravos não se levantaram e lutaram?
— Alguns fizeram — ele disse. — Revoltas eram comuns nas minas, mas poucos conseguiram muito. Os senhores dragões da velha Cidade Franca eram fortes em feitiçaria, e os homens menores os desafiavam correndo enorme risco. O primeiro Homem sem Rosto foi um dos que o fez.
— Quem era ele? — Arya desabafou, antes de parar para pensar.
— Ninguém — ele respondeu — Alguns dizem que ele era um escravo. Outros insistem que ele era filho de um homem da Cidade Franca, nascido de ações nobres. Alguns vão mesmo dizer que ele era um bispo que teve pena de suas acusações. A verdade é: ninguém sabe. Quem quer que ele fosse moveu-se entre os escravos e deu ouvido a suas orações. Homens de centenas de diferentes nações trabalhavam na mina, e cada oração era para seus próprios deuses em suas próprias línguas, porém todos eles oravam pela mesma coisa. Era liberdade que eles pediam, e para que a dor acabasse.
Uma pequena coisa, e simples. Mesmo assim seus deuses não responderam, e seus sofrimentos continuaram. Seus deuses estariam todos mortos? Ele se perguntou… Até que algo aconteceu com ele, uma noite, na escuridão vermelha. Todos os deuses têm seus instrumentos, homens e mulheres que os servem e os ajudam para trabalhar em sua vontade na terra. Os escravos não estavam chorando para milhares de deuses diferentes, parecia, mas para um Deus com milhares de diferentes faces... E ele era o instrumento do deus. Naquela mesma noite ele escolheu o mais miserável dos escravos, aquele que havia orado fervorosamente para a liberação, e libertou-o de seu cativeiro. O primeiro presente havia sido dado.
Arya recuou.
— Ele matou o escravo? — Aquilo não soava certo — Ele devia ter matado os mestres!
— Ele trouxe o presente para eles da mesma forma… mas este é um conto para outro dia, um que é melhor não compartilhar com ninguém. —
Ele abaixou a cabeça. — E quem é você, criança?
— Ninguém.
— Mentira.
— Como você sabe? É uma mágica?
— Um homem não precisa ser mago pra reconhecer a verdade da falsidade, não se ele tem olhos. Você só precisa aprender a ler um rosto.
Olhos nos olhos. A boca. Os músculos aqui, no canto da mandíbula, e aqui, onde o pescoço se junta aos ombros. — Ele a tocou levemente com os dois dedos. — Alguns mentirosos piscam. Alguns encaram, outros desviam o olhar, outros lambem os lábios. Muitos cobrem suas bocas assim que contam uma mentira, como se quisesse esconder suas decepções. Outros sinais podem ser mais sutis, mas eles estão sempre lá. Um sorriso falso e um verdadeiro podem parecer iguais, mas eles são tão diferentes quando o crepúsculo e o amanhecer. Você pode diferenciar o crepúsculo e o amanhecer?
Arya assentiu, embora não estivesse certa se poderia.
— Então você pode aprender a ver uma mentira… E uma vez que você aprender, nenhum segredo será salvo de você.
— Me ensine. — Ela seria ninguém se fosse isso o que precisasse.
Ninguém não tinha buracos dentro dela.
— Ela vai ensinar você. — Disse o homem bondoso quando a órfã apareceu do lado de fora de sua porta. — Começando com a língua de Bravos. Que uso você tem se não pode falar ou entender? E você deve ensiná-la sua própria língua. Vocês duas devem aprender juntas, uma com a outra. Você fará isso?
— Sim. — Disse, e a partir daquele momento ela era uma noviça na Casa do Preto e Branco. Seus trapos de servos foram levados embora, e a ela foi dado roupas para usar, um robe preto e branco, tão suave quanto o velho cobertor vermelho que ela uma vez teve em Winterfell. Por baixo ela usava roupas de linho branco fino, além de uma pequena túnica preta que batia pouco abaixo de seus joelhos.
Posteriormente, ela e a órfã passavam o tempo todo tocando e apontando coisas, enquanto uma tentava ensinar à outra algumas palavras em sua própria língua. Simples palavras a princípio, copo, velas e sapatos; então palavras difíceis, e então frases. Tempos atrás Syrio Forel costumava fazer Arya permanecer em uma perna. Outra vez a enviava para perseguir gatos.
Ela teve que dançar a dança da água entre as árvores, com uma espada de pau na mão. Todas essas coisas tinham sido difíceis, mas isto era ainda mais difícil.
Até mesmo costura é mais divertido do que aprender línguas, ela pensou, depois de uma noite em que tinha esquecido metade das palavras que ela pensou que sabia, e pronunciou a outra metade tão mal que a órfã tinha rido dela. Minhas frases são tão tortas como meus pontos costumavam ser. Se a menina não fosse tão pequena e carente, Arya teria estapeado seu rosto estúpido. Ao invés disso ela mordia o lábio. Muito estúpida para aprender e muito estúpida para desistir.
A órfã aprendeu a língua comum mais rápido. Um dia ela se virou para Arya durante a ceia e perguntou:
— Quem é você?
— Ninguém — Arya respondeu em bravosiano.
— Você mente — disse a órfã. — Você deve mentir mais bom.
Arya riu.
— Mais bom? Você quer dizer melhor, estúpida.
— Melhor estúpida. Eu vou mostrar a você.
No próximo dia eles começaram o jogo de mentiras, fazendo perguntas uma para a outra, usando turnos. Algumas vezes elas responderiam a verdade, às vezes deveriam mentir. O questionador deveria tentar dizer o que era real e o que era falso. A órfã parecia saber sempre.
Arya tinha que adivinhar. Na maioria das vezes ela adivinhava errado.
— Quantos anos você tem? — A órfã a perguntou uma vez, na língua comum.
— Dez — disse Arya, e cruzou os dedos. Ela pensava que ainda tinha dez, embora fosse difícil saber com certeza. Os bravosiano contavam os dias diferente de como eles faziam em Westeros. Tudo o que ela sabia era que o dia de seu nome havia chegado e passado.
A órfã assentiu. Arya assentiu de volta, e em seu melhor bravosiano disse:
— Quantos anos você tem?
A órfã lhe mostrou dez dedos. Então dez outra vez, e ainda outra vez. Então seis. Sua expressão permaneceu como água parada. Ela não pode ter trinta e seis anos, Arya pensou. Ela é uma garotinha.
— Você está mentindo. — Ela disse. A órfã balançou a cabeça e mostrou mais uma vez: dez, dez, dez e seis. Ela disse as palavras para trinta e seis, e fez Arya dizer também.
No próximo dia, ela disse ao Homem Bondoso o que a órfã tinha dito.
— Ela não mentiu — o sacerdote disse, rindo. — Aquela que você chama de órfã é uma mulher crescida que passou sua vida servindo ao Deus de Muitas Faces. Ela deu a ele tudo o que ela era, tudo o que ela talvez viesse a ser, toda a vida que continha nela.
Arya mordeu o lábio.
— Eu serei como ela?
— Não — ela disse. — Não, a menos que você deseje. São os venenos que fizeram ela do jeito que você a vê.
Venenos. Ela entendia então. Toda noite depois da oração à órfã esvaziava um frasco de pedra dentro das águas da piscina negra.
A órfã e o homem bondoso não eram os únicos servos do Deus de Muitas Faces. De tempo em tempo, outros visitavam a casa do Branco e Preto. O sujeito gordo tinha vorazes olhos negros, um nariz adunco, e uma boca cheia de dentes amarelos. O rosto severo nunca sorria, seus olhos eram pálidos e seus lábios nunca sorriam. O homem charmoso tinha a barba diferente em cada vez que ela o via, e um nariz diferente, mas ele nunca era nada menos que gracioso. Estes três vinham frequentemente, mas ainda tinham outros: O vesgo, o fidalgo, e o homem esfomeado. Uma vez o homem gordo e o vesgo vieram juntos. Umma enviou Arya para servi-los.
— Quando você não está servindo, você deve ficar imóvel como se tivesse sido esculpida em pedra — o Homem Bondoso lhe disse. — Você pode fazer isso?
— Sim! — Antes que você possa aprender a se mover você deve aprender a ficar parada, Syrio Forel tinha dito a ela muito tempo atrás em Porto Real, e ela aprendeu. Ela tinha servido como copeira de Roose Bolton em Harrenhal, e ele a esfolaria se ela derramasse o seu vinho.
— Bom — o homem Bondoso disse. — Seria melhor se você fosse cega e surda também. Você talvez escute coisas, mas você deve deixá-las passar de um ouvido para o outro. Não as ouça.
Arya ouviu muito e mais naquela noite, mas quase tudo foi na língua dos homens de Bravos, e ela dificilmente entendia uma palavra em dez.
Parada como uma pedra, ela disse a si mesmo. A parte mais difícil era ela lutando para não bocejar. Antes de a noite acabar, seus pensamentos estavam vagando. Permanecendo de pé lá com a bandeja em suas mãos, ela sonhou 391
que era um lobo, correndo livre em uma floresta a meia noite com uma grande alcateia uivando em seus calcanhares.
— Os outros homens são todos sacerdotes? — Ela perguntou ao homem bondoso na manha seguinte. — Aquelas são seus verdadeiros rostos?
— O que você acha criança?
Ela achava que não.
— Jaqen H’ghar é um sacerdote também? Você sabe se Jaqen vai voltar para Bravos?
— Quem? — Ele disse todo inocente.
— Jaqen H’ghar. Ele me deu a moeda de ferro.
— Não conheço ninguém com este nome, criança.
— Eu o perguntei como ele muda sua face, e ele disse que não é mais difícil do que pegar um novo nome, se você sabe o jeito.
— Ele disse?
— Você vai me mostrar como mudar meu rosto?
— Se você deseja — ele pegou o queixo dela com a mão e virou sua cabeça — estufe suas bochechas e estique sua língua.
Arya estufou sua bochecha e colocou sua língua pra fora.
— Ai está. Seu rosto esta mudado.
— Não foi isso que eu quis dizer. Jaqen usava magia.
— Toda feitiçaria tem custo, criança. Anos de oração, sacrifício e estudo são requeridos para ter um glamour apropriado.
— Anos? — Ela disse, desanimada.
— Se isso fosse fácil, todos os homens fariam. Você deve caminhar antes de correr. Porque usar um feitiço, onde truques de atores vão servir?
— Eu não sei nenhum truque de ator também.
— Então pratique fazer expressões. Debaixo de sua pele estão músculos. Aprenda a usá-los. É o seu rosto. Suas bochechas, seus lábios, suas orelhas. Sorrisos e carrancas não devem vir a você como rajadas repentinas. Um sorriso deve ser seu servo, e vir apenas quando você o chamar. Aprenda a controlar o seu rosto.
— Mostre-me como.
— Estufe suas bochechas — ela estufou — levante suas sobrancelhas. Não, mais alto. — Ela fez isso também — Bom. Veja quanto tempo você consegue segurar assim. Não será muito. Tente novamente amanha. Você encontrara um espelho de Myr nos cofres. Treine diante dele uma hora todos os dias. Olhos, bochechas, orelhas, lábios, narinas, aprenda a controlar todos eles. — Ele pegou o queixo dela. — Quem é você?
— Ninguém.
— Mentira. Uma triste pequena mentira, criança.
Ela encontrou o espelho de Myr no dia seguinte. E toda manhã e toda noite ela sentava diante dele com uma vela em cada lado, fazendo expressões. Controle seu rosto, ela disse a si mesmo, e assim você pode mentir.
Logo depois o homem bondoso a mandou ir ajudar os outros acólitos a ir preparar os cadáveres. O trabalho não estava nem perto de ser tão duro como lavar os degraus de Weese. Às vezes se o cadáver era grande ou gordo, ela lutava com o peso, mas a maioria dos mortos eram velhos com ossos secos e pele enrugada. Arya os observava enquanto os lavava, se perguntando o que os trouxe para a piscina negra. Ela se lembrou do conto que ela tinha ouvido da Velha Ama, sobre como às vezes durante um longo inverno, homens que viveram além de seus anos anunciavam que iam caçar .
E suas filhas choravam e seus filhos viravam seus rostos para o fogo, ela podia ouvir a Velha Ama dizendo, mas ninguém podia para-los, ou perguntar o que eles pretendiam caçar, com a neve tão profunda e o vendo cortante. Ela se perguntou o que o velho homem de Bravos disse a seus filhos e suas filhas, antes deles virem para a casa do Branco e Preto.
A lua foi e voltou, e Arya nunca a viu. Ela serviu, lavou os mortos, fez expressões em frente os espelhos, aprendeu a língua de Bravos, e tentava se lembrar de que ela era ninguém.
Um dia o homem bondoso foi até a ela.
— Seu sotaque é terrível. — Ele disse. — Mas você tem palavras suficiente para fazer seus desejos entendidos. É tempo de você nos deixar por um tempo. O único jeito de você ser mestre em nossa língua é se você a falar todos os dias do amanhecer ao entardecer. Você deve ir.
— Quando? — Ela perguntou a ele. — Pra onde?
— Agora — ele respondeu. — Por trás desses muros você encontrará uma centena de ilhas de Bravos no mar. A você foi ensinado palavras como mexilhões, berbigões, e ameijoas, certo?
— Sim. — Ela os repetiu, em seu melhor bravosiano.
Seu melhor bravosiano o fez rir.
— Isso vai servir. Ao longo do cais abaixo da cidade Afogada você vai encontrar um peixeiro chamado Brusco. Um homem bom com um problema nas costas. Ele precisa de uma garota para empurrar seu carrinho de mão e vender seus berbigões, mexilhões e ameijoas, para os marinheiros no navio. Você deve ser essa garota. Você entendeu?
— Sim.
— E quando Brusco perguntar, quem é você?
— Ninguém.
— Não, isto não vai servir do lado de fora desta Casa.
Ela hesitou.
— Eu poderia ser Salty, das Salinas.
— Salty é conhecida para Ternesio, Terys e os homens do Filha do Titã. Você esta marcada pelo jeito que você fala então você deve ser alguma garota de Westeros... Mas uma garota diferente, eu acho.
Ela mordeu seu lábio.
— Eu poderia ser Cat?
— Cat — ele considerou. — Sim. Bravos está cheio de gatos. Um a mais não será notado. Você é Cat, uma órfã de...
— Porto Real. — Ela tinha visitado Porto Branco com seu pai duas vezes, mas ela conhecia Porto Real melhor.
— Exatamente. Seu pai era remador em uma galera. Quando sua mãe morreu, ele levou você para o mar com ele. Então ele morreu também, e o seu capitão não tinha uso para você, então ele colocou você para fora do navio em Bravos. E qual é o nome do navio?
— Nymeria — ela disse de uma vez.
Aquela noite ela deixou a Casa do Preto e do Branco. Uma longa faca de ferro estava em seu quadril direito, escondido por sua capa, uma coisa remendada e desbotada que um órfão poderia vestir. Seus sapatos apertavam os seus dedos dos pés, e sua túnica estava tão surrada que o vento podia entrar através dela. Mas Bravos estava adiante dela. O ar da noite cheirava a fumo, sal e peixe. Os canais eram tortos, e as vielas ainda mais tortas. Homens lhe lançavam curiosos olhares quando ela passava, e crianças mendigas falavam palavras que ela não conseguia entender. Por muito tempo ela esteve completamente perdida.
— Sor Gregor — ela cantou, enquanto cruzava a ponte de pedra suportada por quarto colunas. Do seu centro ela podia ver as velas dos navios no Porto de Ragman — Dunsen, Raff, o Querido, Sor Ilyn, Sor Meryn, Rainha Cersei. — A Chuva começou a cair. Arya ergueu seu rosto para cima para deixar as gotas de chuva lavar suas bochechas, tão feliz que poderia dançar.
— Valar morghulis — ela disse. — Valar morghulis, valar morghulis.