CERSEI


O rei estava amuado.

— Quero sentar no Trono de Ferro — disse ele. — Você sempre deixava Joff sentar lá.

— Joffrey tinha doze anos.

— Mas eu sou rei. O trono pertence a mim.

— Quem lhe disse isso? — Cersei respirou profundamente para que Dorcas pudesse amarrar mais firmemente. Ela era uma garota grande, muito mais forte que Senelle, apesar de mais atrapalhada também.

O rosto de Tommen ficou vermelho.

— Ninguém.

— Ninguém? É assim que chama a Senhora sua esposa? — A rainha podia sentir o cheiro de Margaery Tyrell naquela rebelião. — Se mentir para mim não terei escolha a não ser chamar Pate e espancá-lo até que sangre. —

Pate era o bode expiatório de Tommen, assim como havia sido o de Joffrey.

— É o que quer?

— Não — o rei murmurou emburrado.

— Quem lhe disse isso?

Ele embaralhou os próprios pés.

— A Senhora Margaery. — Ele não era bobo de chamá-la de rainha na frente da mãe.

— Assim esta melhor. Tommen, eu tenho assuntos sérios para decidir, assuntos que você é jovem demais para entender. Eu não preciso de um garotinho bobo se remexendo no trono atrás de mim e me distraindo com questões infantis. Eu suponho que Margaery ache que você deveria estar nas minhas reuniões do conselho também?

— Sim— ele admitiu. — Ela sempre diz que tenho que aprender a ser um rei.

— Quando for mais velho, poderá ir a quantos Conselhos quiser — Cersei disse a ele. — Eu lhe garanto logo você ficará enjoado deles. Robert costumava cochilar durante as sessões. — Quando ele ao menos se incomodava de comparecer. — Ele preferia caçadas e águias e deixava o tédio para o velho Lorde Arryn, lembra se dele?


— Ele morreu de dores de barriga.

— Sim morreu o pobre homem. Como está tão ávido, talvez devesse aprender os nomes de todos os reis de Westeros e das Mãos que os serviram.

Pode recitá-los para mim no dia seguinte.

— Sim, mãe. — Ele disse docilmente.

— Este é o meu bom garoto. — O poder era dela, ela não pretendia desistir dele até Tommen atingir a idade certa. Eu esperei então ele também pode esperar. Eu esperei metade de minha vida. Ela havia sido a filha obediente, a noiva ruborizada, a esposa flexível. Ela havia sofrido com as apalpadelas de bêbado de Robert, o ciúme de Jaime, a zombaria de Renly, Varys e suas risadinhas, Stannis rangendo seus dentes interminavelmente.

Ela havia disputado com Jon Arryn, Ned Stark, e o odioso, traiçoeiro e homicida irmão anão dela, todo esse tempo se prometendo que um dia seria a vez dela. Se Margaery Tyrell pensa em roubar minha hora ao sol, é melhor ela pensar muito bem antes.

De qualquer modo, este era um jeito ruim de quebrar o seu jejum, e o dia de Cersei não melhorou tão cedo. Ficou o resto de sua manhã com Lorde Gyles e seus livros de contabilidade, ouvindo-o tossir sobre estrelas, cervos e dragões. Posteriormente, chegou Lorde Waters, para contar que os três primeiros dromons estavam quase sendo finalizados e implorou por mais ouro para terminá-los com o esplendor que mereciam. A rainha estava satisfeita em lhe conceder seu pedido. Rapaz Lua pulava quando ela teve sua refeição do meio dia com os mercadores das guildas e ouviu suas reclamações sobre pássaros vagando pelas ruas e dormindo nas praças.

Talvez eu precise usar as capas de ouro para tirar esses pássaros da cidade, ela estava pensando, quando Pycelle intrometeu-se.

O Grande Meistre estava especialmente impertinente ultimamente nos conselhos. Na ultima sessão ele havia se queixado amargamente do homem que Aurane Waters tinha escolhido para comandar os seus novos dromons. Waters planejava dar os navios para homens jovens, enquanto Pycelle argumentou pela experiência, insistindo que o comando deveria ir para aqueles capitães que haviam sobrevivido ao incêndio de Água Negra.

— Homens experientes, comprovadamente leais — ele os havia chamado. Cersei os chamou de velhos e ficou ao lado de Lorde Waters.

— A única coisa que provaram é que sabem nadar — disse. — Nenhuma mãe deve durar mais que seus filhos e nenhum capitão deve durar mais que seu navio. — Pycelle recebeu a repreensão com alguma má vontade.


Ele parecia menos colérico hoje, e até exibia um tipo de sorriso tremulo.

— Vossa Graça, boas noticias — anunciou. — Wyman Manderly cumpriu suas ordens e decapitou o cavaleiro das cebolas de Lorde Stannis.

— Podemos ter certeza disso?

— A cabeça e as mãos do homem foram espetadas em cima das muralhas de Porto Branco. Lorde Wyman declarou isso e os Frey confirmam. Eles viram a cabeça lá, com uma cebola na boca. E uma das mãos tinha seus dedos encurtados.

— Muito bem — disse Cersei. — Mande um pássaro para Manderly e lhe informe que seu filho vai ser devolvido imediatamente, agora que provou sua lealdade.

Porto Branco logo retornaria para a paz do rei, e Roose Bolton e seu filho bastardo estavam se aproximando de Fosso Cailin pelo sul e norte.

Uma vez que o Fosso fosse deles, eles deveriam juntar forças e tirar os homens de ferro da Praça de Torrhen e de Bosque Profundo também. Assim deveriam ganhar a lealdade dos homens que restavam sob o estandarte de Ned Stark quando chegasse à hora de marchar contra Stannis.

Para o sul, entretanto, Mace Tyrell tinha levantado acampamento fora de Ponta Tempestade e tinha duas catapultas arremessando pedras contra as paredes maciças do castelo, até agora sem grandes efeitos. Lorde Tyrell, o guerreiro, a rainha meditou. Seu selo deveria ser um homem gordo sentando sua bunda.

Naquela tarde, o sisudo enviado bravosiano apareceu para sua audiência. Cersei havia o colocado para fora durante duas semanas e teria prazer em colocá-lo mais um ano, mas Lorde Gyles alegou que não poderia mais lidar com o homem... e a rainha começava a pensar se Lorde Gyles conseguia fazer algo além de tossir.

Noho Dimittis, o bravosiano intitulou-se. Um nome irritante, para um homem irritante. Sua voz era irritante também. Cersei se mexeu em seu assento quando ele entrou, imaginando quanto tempo teria que aguentar sua prepotência. Atrás dela agigantava-se o Trono de Ferro, suas farpas e laminas jogando sombras sobre o chão. Apenas o rei ou sua Mão podiam sentar-se nele. Cersei sentava em seu trono, em um assento dourado com almofadas vermelhas empilhadas. Quando o bravosiano parou para respirar ela viu sua chance.

— Isto é um assunto mais apropriado para nosso Lorde Tesoureiro.


Esta resposta não agradou ao nobre Noho, ao que pareceu.

— Eu falei com Lorde Gyles seis vezes. Ele tosse em mim e conta desculpas, Vossa Graça, mas o ouro não parece estar vindo.

— Fale com ele uma sétima vez — Cersei sugeriu agradavelmente.

O numero sete é sagrado para nossos deuses.

— Parece-me que fazer gracejos agrade Vossa Graça.

— Quando eu faço um gracejo eu sorrio. Está vendo-me sorrir? Está ouvindo gargalhadas? Eu lhe garanto, quando eu faço um gracejo, os homens riem.

— O rei Robert...

— Está morto — ela disse bruscamente. O Banco de Ferro terá seu ouro quando a rebelião for controlada.

Ele teve a insolência de interrompê-la.

— Vossa Graça...

— Esta audiência está terminada. — Cersei havia sofrido o bastante por um dia. — Sor Meryn, leve o nobre Noho Dimittis até porta. Sor Osmund, você deve me escoltar de volta aos meus aposentos. — Seus convidados logo chegariam e ela teria que tomar um banho e se trocar. O

jantar prometia ser tão tedioso como a audiência. Era um trabalho duro governar um reino, ainda mais sete reinos.

Sor Osmund Kettleblack ficou ao lado dela nas escadas, alto e magro em suas vestes brancas da Guarda Real. Quando Cersei teve certeza de que estavam sozinhos, ela passou um braço ao redor do dele.

— Como seu irmão menor esta se saindo, diga?

Sor Osmund pareceu desconfortável.

— Ah... bem o suficiente, apenas...

— Apenas? — A rainha deixou um traço de raiva subir sua voz. — Eu tenho que confessar, estou ficando sem paciência com o caro Osney. É

passado o tempo em que quebrou aquele pequeno potro. Eu o nomeei escudeiro jurado de Tommen então ele pode passar quase todos os dias na companhia de Margaery. Ele já deveria ter arrancado a rosa agora. A pequena rainha é cega aos seus encantos?

— O charme dele está bem. Ele é um Ketteblack, não? Desculpe-me.

— Sor Osmond correu seus dedos pelo cabelo oleoso. — É o dela que é o problema.


— E porque isso? — A rainha começava a levantar duvidas sobre Sor Osney. Talvez outro homem fosse mais ao agrado de Margaery. Aurane Waters, com seu cabelo prateado, ou um sujeito maior, como Sor Tallad.

A moça prefere a outro? O rosto do seu irmão a desagrada?

— Ela gosta do rosto dele. Ela tocou suas cicatrizes dois dias atrás, ele me disse. Que mulher lhe fez isso? Ela perguntou. Ele nunca lhe disse que havia sido uma mulher, mas ela sabia. Talvez alguém tenha lhe contado.

Ela está sempre o tocando quando eles conversam, ele diz. Endireitando o fecho de sua capa, passando seu cabelo para trás, coisas assim. Uma vez, no arco e flecha ela lhe pediu para mostrar como segurar um arco, então ele pôs um braço ao redor dela. Osney conta a ela gracejos picantes e ela ri e replica com alguns ainda mais picantes. Não, ela o quer, isto é certo, mas....

— Mas? — Cersei perguntou.

— Mas eles jamais estão sozinhos. O rei está com eles a maior parte do tempo, e quando não está, há outra pessoa. Duas das damas dela dormem com ela, uma em cada noite. Duas outras trazem seu desjejum e a ajudam a se vestir. Ela reza com sua septã, lê com sua prima Elinor, canta com sua prima Alla e costura com sua prima Megga. Quando não esta caçando com Janna Fossoway e Merry Crane esta brincando de venha-para-meu-castelo com aquela garotinha de Bulwer. Ela nunca vai montar, mas ela tem em seu rabo, quatro ou cinco companheiras e ao menos doze guardas. E há sempre homens ao redor dela, mesmo na Arcada das Donzelas.

— Homens. — Aquilo era algo. Havia uma possibilidade. — Que homens são estes, ora me diga?

Sor Osmond encolheu os ombros.

— Cantores. Ela tem uma queda por cantores, malabaristas e coisas assim. Cavaleiros vêm para ficar ao redor de suas primas. Sor Tallad é o pior, segundo Osney. Aquele grande idiota não parece saber se é Elinor ou Alla que ele quer, mas ele a quer terrivelmente. Os gêmeos Redwyne aparecem também. Sloober traz-lhes flores e frutas e Horror toma o alaúde.

Pelo que Osney diz, poder-se-ia fazer um som mais doce ao estrangular um gato. O homem da ilha do verão está sempre aos seus pés também.

— Jalabhar Xho? — Cersei deu um muxoxo irônico. — Implorando a ela por ouro e espadas para reconquistar sua terra natal, me parece mais. —Sob suas joias e penas, Xho não era nada mais que um mendigo bem nascido. Robert poderia ter dado um fim nas importunações dele com um firme não, mas a ideia de reconquistar as Ilhas do Verão tinha apelo o bastante com seu rústico marido bêbado. Sem duvida ele sonhava com as prostitutas de pele escura, cobertas com mantos de penas, com mamilos negros como carvão. Então ao invés de não, Robert sempre dizia a ele, no próximo ano, embora de algum modo o próximo ano nunca chegou.

— Eu não poderia dizer se ele está implorando, Vossa Graça — Sor Osmond respondeu. — Osney diz que ele esta as ensinando a língua do Verão. Não Osney, a rai... A égua e suas primas.

— Uma égua que fala a língua do Verão seria uma grande sensação

— disse a rainha secamente. — Diga a seu irmão para manter suas esporas bem afiadas. Eu acharei algum modo dele montar sua potranca muito em breve, pode ter certeza disso.

— Eu direi a ele, Vossa Graça. Ele está ansioso por esta cavalgada, não pense que ele não está. Ela é uma bela coisinha, aquela potranca.

É por mim que ele está ansioso, bobo, a rainha pensou. Tudo que ele quer de Margaery é o senhorio entre as suas pernas. Gostava quando estava com Osmond, mas às vezes ele era tão lento quanto Robert. Esperava que sua espada fosse mais rápida que sua inteligência. Chegaria o dia em que Tommen iria precisar dela.

Eles estavam cruzando a sombra da destruída Torre da Mão quando o som de vivas os atravessou. Do outro lado do pátio, algum escudeiro tinha feito um passe na Justa e jogado uma cruzeta girando.

Os vivas estavam vindo de Margaery Tirell e suas galinhas. Muito tumulto por pouco. Alguém poderia pensar que o rapaz tinha ganhado um torneio. Então ela surpreendeu-se, vendo que o rapaz era Tommen no cavalo, vestindo placas douradas.

A rainha não teve alternativa a não ser colocar um sorriso e ir ver seu filho. Ela chegou a ele quando o Cavaleiro das Flores estava o ajudando a descer de seu cavalo. O garoto estava sem fôlego de excitação.

— Vocês viram? — Ele perguntava a todos. — Eu fiz exatamente como Sor Loras disse. Você viu Sor Osney?

— Eu vi. — Disse Osney Kettleblack. — Uma bela visão.

— Você tem um assento melhor que o meu senhor — interviu Sor Dermot.

— Eu quebrei a lança também, você ouviu Sor Loras?

— Tão alto como um trovão. — Uma rosa de jaspe e ouro entrelaçados estava no ombro de Sor Loras e o vento remexia artisticamente os seus cabelos. Você montou um campo excelente, mas apenas uma vez não é suficiente. Você deve fazer novamente amanhã. Deve montar todos os dias até que a terra exploda verdadeira e diretamente, e sua lança se torne tão parte de seu corpo quanto seu braço.

— Eu quero.

— Você foi glorioso. — Margaery dobrou um joelho e deu um beijo na bochecha de Tommen e colocou seus braços ao seu redor. — Cuidado irmão — ela alertou Sor Loras. — Meu marido galante vai ultrapassa-lo em mais alguns anos, eu penso.

As três primas delas concordaram, e a desgraçada garotinha de Bulwer dava pulos, cantando.

— Tommen será o campeão, o campeão, o campeão.

— Quando for crescido. — Disse Cersei.

Os sorrisos secaram como rosas beijadas pelo gelo. E a cara de varíola da septã foi a primeira a dobrar seus joelhos. Os restantes a seguiram, exceto a pequena rainha e seu irmão.

Tommen não pareceu notar o súbito arrepio no ar.

— Mãe, você me viu? — Ele balbuciou feliz. — Eu quebrei minha lança no escudo e a bolsa não me acertou!

— Eu estava assistindo do outro lado da praça. Você foi muito bem, Tommen. Eu não esperaria nada menos de você. A Justa está em seu sangue.

Um dia você irá liderar as listas, exatamente como seu pai fazia.

— Nenhum homem se comparara a ele. Margaery Tirell lançou um sorriso tímido à rainha. Mas eu nunca soube que o Rei Robert fosse tão bom na Justa. Por favor, Vossa Graça, nos conte, quais torneios ele venceu?

Quais grandes cavaleiros ele fez cair da sela? Tenho certeza que o rei iria adorar ouvir sobre as vitórias de seu pai.

Um rubor subiu pelo pescoço de Cersei. A garota a havia pego.

Robert Baratheon havia sido inexpressivo na Justa, na verdade. Durante os torneios ele havia preferido o corpo a corpo, onde ele poderia fazer homens sangrarem com seu machado embotado ou seu martelo. Era em Jaime em quem ela pensava, quando havia falado. Não era próprio dela se esquecer assim.

— Robert venceu o torneio do Tridente. — Ela teve de dizer. — Ele derrubou o Príncipe Rhaegar e me nomeou Rainha do amor e da beleza.

Estou surpresa de você não saber a história, minha filha. — Ela não deu tempo a Margaery para moldar uma resposta. — Sor Osmond, ajude meu filho com sua armadura, por bondade. Sor Loras caminhe comigo, preciso trocar uma palavra contigo.

O Cavaleiro das Flores não teve escolha a não ser seguir nos seus calcanhares, como o cachorrinho que era. Cersei esperou até estarem nas escadas em espiral antes de falar.

— O que era aquilo, me diga?

— Minha irmã — ele admitiu. — Sor Tallad, Sor Dermot e Sor Portifer estavam montando na Justa, e a rainha sugeriu que Vossa Graça gostaria de ter um turno.

Ele a chamou assim para provocar-me.

— E você fez?

—Eu ajudei Vossa Graça a colocar sua armadura e mostrei a ele como treinar sua lança — respondeu.

— Aquele cavalo era muito grande para ele. E se ele caísse? E se o saco de areia tivesse amassado a cabeça dele?

— Contusões e lábios sangrando fazem parte de ser um cavaleiro.

— Começo a entender porque seu irmão é um aleijado. — Isto tirou o sorriso do lindo rosto dele, ela ficou feliz em ver. — Se porventura meu irmão falhou em explicar as suas obrigações, sor. Você está aqui para proteger meu filho dos inimigos. Treiná-lo para cavalaria é da competência do mestre de armas.

— A Fortaleza Vermelha não tem um mestre de armas desde que Aron Santagar foi morto — Sor Loras disse, com uma pontada de reprovação em sua voz. — Vossa Graça tem nove anos e está ansioso para aprender. Na idade dele ele deveria ser um escudeiro. Alguém tem que ensiná-lo.

Alguém irá. Mas não será você.

— Diga-me, de quem foi escudeiro, Sor? — Ela perguntou docemente. — Sor Renly, não foi?

— Tive a honra.

—Sim, imagino quanta. — Cersei havia visto quão apertado eram os laços entre escudeiros e os cavaleiros a que serviam. Ela não queria Tommen crescendo próximo a Loras Tyrell. O Cavaleiro das Flores não era o tipo de homem para nenhum garoto imitar. — Eu tenho sido descuidada. Com um reino para governar, uma guerra para lutar, e um pai para lamentar, talvez eu tenha esquecido um assunto tão crucial quanto nomear um mestre de armas.

Devo corrigir este erro quanto antes.

Sor Loras puxou de volta uma mecha que havia caído em sua testa.

— Vossa Graça, não encontrará um homem tão habilidoso com a espada e a lança quanto eu.

Humilde, não?

— Tommen é seu rei, não seu escudeiro. Você deve lutar por ele, morrer por ele se for necessário. Nada mais.

Ela o deixou na ponte levadiça, que se estendia sobre o fosso como uma cama de pregos de ferro e entrou na Fortaleza de Maegor sozinha. Onde encontrarei um mestre de armas, ela pensava enquanto subia para seus aposentos. Recusando Sor Loras, ela havia tirado a chance de todos os cavaleiros da Guarda Real. aquilo seria sal na ferida, certamente irritaria Jardim de Cima. Sor Tallad, Sor Dermot? Certamente deve haver alguém.

Tommen estava gostando de seu escudo jurado, mas Osney estava se mostrando menos capaz do que ela esperava no assunto da donzela Margaery, e ela tinha uma função diferente em mente para seu irmão Osfryd.

Tinha sido realmente uma pena que o Cão tivesse ficado raivoso. Tommen sempre tivera medo da voz áspera e da face queimada de Sandor Clegane, e o desdém de Clegane seria o antídoto perfeito para o cavalheirismo afetado de Loras Tyrell.

Aron Santagar é de Dorne, Cersei lembrou. Eu poderia enviá-lo para Dorne. Séculos de guerras sangrentas estavam entre Lançassolar e Jardim de Cima. Sim, um homem de Dorne poderia preencher minhas expectativas perfeitamente. Deve haver boas espadas em Dorne.

Quando Cersei entrou em seu solar, encontrou Lorde Qyburn lendo em um assento na janela.

— Se agradar a Sua Graça, tenho relatórios.

— Mais conspirações e traições? — Cersei perguntou. — Eu tive um dia longo e cansativo. Diga-me rapidamente.

Ele sorriu simpaticamente.

— Como quiser. Há rumores de que o Arconte de Tyrosh ofereceu um acordo a Lys, para entrar em sua atual guerra comercial. Dizem que Myr esteve a ponto de entrar na guerra, do lado de Tyrosh, mas sem a Companhia Dourada os homens de Myr não acreditaram que...


— O que os homens de Myr acreditam não me interessa. As Cidades Livres estavam sempre lutando entre si. Suas traições e alianças sem fim significavam pouco ou nada para Westeros. Tem alguma noticia de maior importância?

— A revolta de escravos em Astapor se espalhou para Meereen, ao que parece. Marinheiros de uma dúzia de navios falam de dragões...

— Harpias. Tem harpias em Meereen. — Ela lembrava-se disso de algum lugar. Meereen era no fim do mundo, mais a leste que Valiria. —Deixe os escravos se revoltarem. Não mantemos escravos em Westeros. É tudo que tem para mim?

— Há algumas notícias de Dorne que Vossa Graça pode achar interessante. Príncipe Doran prendeu Sor Daemon Sand, um bastardo que uma vez foi escudeiro da Víbora Vermelha.

— Lembro-me dele. Sor Daemon estava entre os Cavaleiros de Dorne que haviam acompanhado Príncipe Oberyn a Porto Real. O que ele fez?

— Ele exigiu que a filha de Príncipe Oberyn fosse libertada.

— Muito tolo ele.

— Também — Lorde Qyburn disse. — A filha do Cavaleiro de Bosquepinto ficou noiva inesperadamente de Lorde Estermont, nosso amigo em Dorne nos disse. Ela foi enviada a Pedra Verde tarde da noite, e dizem que ela e Estermont já se casaram.

— Um bastardo no ventre explica bem isso. — Cersei brincou com uma mecha de seu cabelo. Quantos anos tem a noiva?

—Vinte e três, Vossa Graça. Enquanto Lorde Estermont...

— Deve estar com setenta. Estou ciente disso. Os Estermont eram seus parentes através de Robert, cujo pai tomou uma delas como esposa, o que deve ter sido um ataque de loucura ou de luxuria.

Na época que Cersei casou-se com o rei, a Senhora mãe de Robert estava a muito morta, embora seus dois irmãos tenham vindo para o casamento e ficado por meio ano. Robert depois havia insistido em retornar a cortesia com uma visita a Estermont, uma ilhazinha montanhosa, fora de Cabo Cólera. A úmida e sombria quinzena que Cersei havia passado em Pedra Verde, a sede de Casa Estermont foi o mais longo de sua jovem vida.

Jaime apelidou o castelo Merda Verde à primeira vista, e logo Cersei começou a chamá-lo assim também. Sabiamente ela passara seus dias assistindo seu marido real falcoar, caçar, e beber com seus tios, e ameaçar sem razão vários primos no pátio de Merda Verde.

Havia uma prima também, uma corpulenta viuvinha, com peitos tão grandes como melões, cujo pai e marido haviam morrido em Ponta Tempestade durante o cerco.

— O pai dela foi bom para mim — Robert contou a ela. — Eu e ela brincávamos juntos quando éramos crianças. — O que não o impediu de voltar a brincar com ela. Tão logo Cersei fechava os olhos o rei se furtava para consolar a pobre criatura solitária. Uma noite ela pediu a Jaime para segui-lo, para confirmar suas suspeitas. Quando seu irmão retornou, ele perguntou a ela se ela queria Robert morto.

— Não — ela respondeu. — Quero que ele seja corno. — Ela gostava de pensar que fora naquela noite que Joffrey fora concebido.

— Eldon Estermont tomou uma esposa cinquenta anos mais jovem.

— Disse a Qyburn. — Por que isso deveria me preocupar?

Ele encolheu os ombros.

— Eu não digo que deveria... Mas Daemon Sand e esta garota Santagar são ambos próximos da filha do Príncipe Doran, Arianne, ou ao menos o homem de Dorne nos faz acreditar. Talvez isso signifique pouco ou nada, mas achei que Vossa Graça deveria saber.

— Agora sei. — Cersei estava perdendo a paciência. — Tem algo mais?

— Algo mais. Um assunto trivial. — Ele deu a ela um sorriso de desculpas e contou a ela de um show de fantoches que recentemente havia se tornado popular entre os cidadãos. Um fantoche, vestido de Rei dos Animais era dominado por orgulhosos leões altivos. — Os leões fantoches ficam mais gananciosos e arrogantes de acordo com que o conto de traição continua, até que eles começam a devorar a si mesmos. Quando o nobre cervo faz uma objeção, os leões o devoram, e rugem que este é seu direito como a mais poderosa das bestas.

— E este é o fim? — Cersei perguntou, divertida. Olhado sobre certa luz, aquilo poderia ser visto como uma lição saudável.

—Não, Vossa Graça. No fim um dragão eclode do ovo e devora todos os leões.

O fim levava o show de fantoches de uma simples insolência, para traição.


— Bobos e estúpidos. Apenas cretinos arriscariam a cabeça por um dragão de madeira. — Ela considerou durante um momento. — Mande algum de seus murmuradores para estes shows e faça nota de quem os frequenta, eu posso querer saber seus nomes.

— O que será feito deles, se posso ser atrevido?

— Qualquer homem de importância deve ser multado. Metade de sua fortuna deve ser suficiente para ensiná-los uma boa lição e preencher nossos cofres sem esvaziar os deles. Aqueles que forem pobres demais devem perder um olho, por assistir traição. Para os marionetistas, o machado.

— Eles são quatro, porventura Vossa Graça poderia deixar-me dois deles para meus próprios propósitos. Uma mulher seria especialmente...

— Eu lhe dei Senelle. A rainha disse rispidamente.

— Pobre de mim. A pobre garota está bastante... exausta.

Cersei não queria nem pensar nisso. A garota havia vindo com ela sem imaginar, achando que estava vindo para servir. Mesmo quando Qyburn colocara as correntes em torno de seus pulsos ela não pareceu entender. A lembrança ainda fazia a rainha ficar enjoada. As celas estavam geladas. As tochas estremeciam, e aquela coisa suja gritando na escuridão...

— Sim, você pode pegar uma mulher. Duas se quiser. Mas primeiro eu terei nomes.

— Como quiser — Qyburn retirou-se.

Lá fora, o sol estava se pondo. Dorcas havia preparado seu banho.

Cersei estava agradavelmente imersa na água morna e pensando no que diria aos hóspedes na ceia, quando Jaime estourou a porta e ordenou que Dorcas e Jocelyn saíssem. Seu irmão parecia um pouco menos que limpo e tinha um pouco de cheiro de cavalo sobre ele. Ele trazia Tommen com ele.

— Doce irmã — ele disse. — O rei requer uma palavra.

As tranças douradas de Cersei flutuavam na água do banho. O quarto estava cheio de vapor. Uma gota de suor escorria pelo seu rosto.

— Tommen? — Ela disse em uma voz perigosamente doce. — O ue foi agora?

O garoto conhecia aquele tom. Ele encolheu.

— O garoto quer o corcel branco amanha — disse Jaime. — Para suas lições de Justa.


Ela sentou-se na banheira.

— Não haverá Justa.

— Sim, haverá. — Tommen inflou seu lábio inferior. — Eu tenho que montar todos os dias.

— E você poderá — declarou a rainha. — Uma vez que tiver um mestre de armas adequado para supervisionar seu treinamento.

— Eu não quero um mestre de armas adequado. Quero Sor Loras.

— Você faz muito daquele garoto. Sua esposinha encheu-lhe a cabeça de noções loucas das proezas dele, eu sei, mas Osmund Kettleblack é três vezes mais cavaleiro que ele.

Jaime riu.

— Não o Osmund Kettleblack que eu conheço.

Ela poderia tê-lo estrangulado. Eu preciso ordenar a Sor Loras que permita a Sor Osmund desmontá-lo. Isso deverá tirar as estrelas dos olhos de Tommen. Sal em uma lesma e vergonha em um herói e eles encolhem.

— Estou procurando um homem de Dorne para te treinar — disse ela. — Os homens de Dorne são os melhores do reino na Justa.

— Eles não são. De qualquer modo não quero qualquer homem estúpido de Dorne, eu quero Sor Loras. Eu ordeno.

Jaime riu. Ele não ajuda em nada. Ele achava isso divertido? A rainha deu um tapa na água com raiva.

— Devo mandar buscar Pate? Você não ordena a mim. Eu sou sua mãe.

— Sim, mas eu sou o Rei. Margaery diz que todos têm que fazer o que o Rei quer. Eu quero meu corcel branco selado amanhã, então Sor Loras irá me ensinar Justa. E eu quero um gatinho e não vou comer mais beterrabas.

Ele cruzou os braços.

Jaime ainda estava rindo. Então a rainha o ignorou.

— Tommen, venha aqui.

Quando ele deu um passo atrás, ela suspirou.

— Você esta com medo? Um rei não deveria mostrar seu medo.


O garoto se aproximou da banheira, com os olhos baixos. Ela acariciou seus cachos dourados.

— Rei ou não, você é um garotinho. Até você atingir a idade, o poder será meu. Você irá aprender Justa, eu prometo. Mas não com Loras.

Os cavaleiros da guarda real têm obrigações mais importantes que brincar com crianças. Pergunte ao comandante. Não é isso, Sor?


— Obrigações muito importantes — ele sorriu francamente. — Rodear as muralhas da cidade, por exemplo.

Tommen parecia quase as lágrimas.

— Eu ainda posso ter um gatinho?

— Talvez — a rainha admitiu. — Desde que eu não ouça mais bobagens sobre Justa. Promete?

Ele arrastou os pés.

— Sim.

— Muito bem. Agora vá. Meus convidados chegarão logo.

Tommen foi embora, mas antes de sair ele virou-se para dizer:

— Quando eu for um rei de direito, eu irei proibir beterrabas.

O irmão dela fechou a porta com o pé.

— Vossa Graça — Jaime disse quando estavam a sós. — Eu estava imaginando. Está bêbada, ou é meramente estúpida?

Ela bateu na água novamente, mandando outro respingo de água para molhar os pés dele.

— Segure sua língua, ou...

— Ou o que? Vai me mandar inspecionar os muros da cidade de novo? Ele sentou-se e cruzou as pernas. A droga das suas muralhas estão bem. Eu rastejei sobre cada centímetro delas e olhei todos seus sete portões.

As dobradiças do portão de ferro estão enferrujadas, e o Portão do Rei e o Portão da Lama precisam ser substituídos após Stannis ter batido neles com seus homens. As muralhas estão tão fortes como sempre foram... Mas talvez Vossa Graça tenha esquecido que nossos amigos de Jardim de Cima estão dentro das muralhas?

— Eu não me esqueci de nada — Cersei disse a Jaime, pensando em certas moedas de ouro com uma Mão em um lado e o rosto de um rei esquecido no outro. Como um carcereiro miserável podia ter uma moeda como aquela escondida embaixo de seu penico? Como um homem como Rugen tinha ouro antigo de Jardim de Cima?

— Esta é a primeira vez que ouço sobre um novo mestre de armas.

Você precisará procurar muito por um homem melhor na Justa que Loras.

Sor Loras é...

— Eu sei o que ele é. Eu não o quero perto do meu filho. Você tem que lembra-lo das suas obrigações. — O banho estava ficando melhor.

— Ele sabe suas obrigações. E não há melhor lance...

— Você era melhor, antes de perder sua mão. Sor Barristan, quando era jovem. Arthur Dayne era melhor e Príncipe Rhaegar era um adversário até para ele. Não me irrite sobre quão feroz a flor é. Ele é só um garoto.

Ela estava cansada de Jaime a desafiando. Ninguém havia desafiado o senhor seu pai. Quando Tywin Lannister falava os homens obedeciam.

Quando Cersei falava os homens sentiam se livres para aconselha-la, para contradizê-la, até recusar. Isto é apenas por que sou uma mulher. Porque não posso lutar com uma espada. Eles davam mais respeito a Robert do que dão a mim, e Robert era um idiota bêbado. Ela não deveria aguentar aquilo, especialmente de Jaime. Eu preciso me livrar dele, e logo. Havia existido um tempo em que ela sonhara que eles deveriam governar os Sete Reinos lado a lado, mas Jaime havia se tornado mais um obstáculo do que uma ajuda.

Cersei saiu do banho. Água escorreu pelas suas pernas dos seus cabelos.

— Quando eu quiser um conselho, eu pedirei. Deixe-me, sor, eu preciso me vestir.

— Seus convidados do jantar, eu sei. Que conluio é agora? São tantos que perco a conta. — Sua atenção havia caído na água que havia nos cabelos dourados entre as pernas dela.

Ele ainda me quer.

— Com saudades do que perdeu irmão?

Jaime levantou os olhos.

— Eu a amo também, doce irmã. Mas você é uma tola. Uma tola linda e dourada.

As palavras a picaram. Você me disse palavras doces em Pedra Verde, na noite em que plantou Joff dentro de mim, Cersei pensou.

— Saia.


Ela virou-se de costas para ele e ouviu-o sair, atrapalhado com a porta e com seu coto. Enquanto Jocelyn estava garantindo que estava tudo pronto para a ceia, Dorcas ajudou a rainha com seu novo vestido. Tinha listras de cetim verde brilhante, alternando com listras de veludo preto de pelúcia, e renda preta de Myr intrincada acima do corpete. Renda de Myr era caro, mas era necessário a uma rainha parecer bem em todos os momentos, e suas lavadeiras miseráveis haviam encolhido vários de seus vestidos velhos, então eles não serviam mais. Ela poderia ter as chicoteado pelo descuido, mas Taena lhe pediu para ser misericordiosa.

— O povo irá amá-la mais se for gentil — havia dito. Então Cersei ordenou que deduzissem os valores dos salários das mulheres, uma solução muito mais elegante.

Dorcas colocou um espelho de prata em sua mão. Muito bom, a rainha pensou, sorrindo a seu reflexo. Era muito melhor estar fora do luto.

Preto a fazia parecer muito pálida. É uma pena que não estou jantando com a Senhora Merryweather, a rainha pensou. Havia sido um longo dia, e a sagacidade de Taena sempre a animava. Cersei não tinha uma amiga de quem gostava tanto desde Melara Hetherspoon, e Melara havia provado ser uma pequena conspiradora gananciosa, com ideias acima de seu posto. Eu não devo pensar mal dela. Ela esta morta e enterrada, e me ensinou a nunca confiar em ninguém além de Jaime.

Quando Cersei se juntou aos convidados no solar, eles já haviam feito um bom começo com o hidromel. A Senhora Falyse não apenas parece com um peixe, mas também bebe como um, pensou ao notar que esta havia esvaziado quase meio copo.

— Doce Falyse, exclamou, beijando as bochechas da mulher. E bravo Sor Balman. Eu estava distraída quando ouvi de sua querida mãe.

Como esta nossa Senhora Tanda?

A Senhora Falyse parecia como se estivesse a ponto de chorar.

— Que bom que Vossa Graça perguntou. O quadril da mamãe foi destruído pela queda, Meistre Frenken disse. Ele fez tudo que pode. Agora nós rezamos, mas...

Reze o quanto quiser, ela ainda vai estar morta quando a lua mudar.

Mulheres tão velhas como Tanda Stokeworth não sobrevivem a um quadril quebrado.

— Devo acrescentar minhas preces também — disse Cersei. — Lord Qyburn me disse que Tanda foi jogada de seu cavalo.


— A sela estourou enquanto ela estava montando — disse Sor Balman Byrch. — O cavalariço deveria ter visto a corda que foi usada. Ele foi punido.

— Severamente, espero. — Cersei sentou-se, indicando que seus convidados também deveriam sentar-se. — Vai querer outro copo de hidromel, Falyse? Você sempre foi apaixonada por ele, eu me lembro.

— Muito gentil de sua parte lembrar, Vossa Graça.

Como poderia esquecer? Jaime disse que era incrível você não urinar nas coisas.

— Como foi sua viajem?

— Desconfortável — reclamou Falyse. — Choveu na maioria dos dias. Pensamos em passar a noite em Rosby, mas o jovem protegido de Lorde Gyles recusou-nos hospitalidade — ela fungou. — Guarde minhas palavras, quando Gyles morrer aquele malnascido desgraçado vai fugir com o seu ouro. Ele pode até tentar reivindicar as terras e o senhorio, embora por direito Rosby deva vir para nós quando Gyles morrer. A senhora minha mãe era tia de segunda esposa, e prima de terceiro grau do próprio Gyles.

Seu sigilo é de uma ovelha minha senhora, ou de uma espécie de macaco? Cersei pensou

— Lorde Gyles está ameaçando morrer desde que eu o conheci, mas ele ainda está conosco, e estará por muitos anos, eu espero — ela sorriu agradavelmente. — Sem dúvidas ele vai tossir em cima de nossos túmulos.

— Provavelmente — Sor Balman concordou. O protegido de Rosby não foi o único a atormentar-nos, Vossa Graça. Encontramos rufiões na estrada também. Imundos, criaturas despenteadas com escudos de couro e seixos. Alguns tinham estrelas costuradas em suas jaquetas, as estrelas sagradas de sete pontos, mas tinham uma aparência do mal sobre todos eles.

— Eles estavam cheios de piolhos, estou certa. — Falyse acrescentou.

— Eles chamam a si mesmos pardais. — Cersei disse. — Uma praga sobre a terra. Nosso novo Alto Septão terá de lidar com eles, uma vez que for coroado. Se não, vou lidar com eles eu mesma.

— Sua alta santidade já foi escolhida? — Perguntou Falyse.

—Não — a rainha teve que confessar. — O Septão Ollidor estava a ponto de ser escolhido, até que alguns desses pardais seguiram-no até um bordel e o arrastaram nu na rua. Luceon parece à opção mais provável agora, embora os nossos amigos sobre a colina digam que ele ainda tem alguns votos aquém do número necessário.

— Que a Velha guie as deliberações com sua lâmpada de ouro da sabedoria — disse Falyse piedosamente. — Sor Baldan remexeu-se em sua cadeira. — Vossa Graça, um assunto estranho, mas para evitar mal estar entre nós, você deveria saber que nem minha boa esposa, nem sua boa mãe tiveram uma boa mão para nomear essa criança bastarda. Lollys é uma criatura simples, e seu marido é dado ao humor negro. Eu lhe disse para escolher um nome mais apropriado, porem ele riu.

A rainha tomou um gole de vinho e estudou-o. Sor Balman tinha sido bom na Justa, observou uma vez, e um dos cavaleiros mais belos nos Sete Reinos. Ele poderia ainda ostentar um bigode bonito; entretanto, ele não tinha envelhecido bem. Seu cabelo ondulado loiro tinha recuado, enquanto sua barriga avançado inexoravelmente contra o seu gibão. Como um fantoche ele deixa muito a desejar, ela refletiu. Ainda assim, ele deve servir.

— Tyrion era o nome de um rei, antes dos dragões chegarem. O anão despojou-o, mas talvez esta criança possa trazer honra de novo a este nome. Se este bastardo viver o suficiente. Eu sei que não devo culpá-los. A Senhora Tanda é a irmã que nunca tive, e você... Sua voz se quebrou.

Perdoe-me, eu vivo com medo.

Falyse abriu e fechou sua boca, o que a fez parecer algum tipo especialmente estúpido de peixe.

— Com... com medo, Vossa Graça?

— Não tenho dormido uma noite inteira desde que Joffrey morreu.

Cersei encheu o cálice com hidromel. Meus amigos... são meus amigos, espero? E do Rei Tommen?

— Aquele doce rapaz — Sor Balman declarou. — As próprias palavras da Casa Stokeworth são orgulhosas de serem leais.

— Eu gostaria que houvesse mais como você, sor. Eu digo a verdade, eu tenho grande duvidas a respeito de Sor Bronn da Água Negra.

Marido e mulher trocaram um olhar.

— O homem é insolente, Vossa Graça. — Falyse disse. — Rude e desbocado.

— Ele não é um verdadeiro cavaleiro — disse Sor Balman.


—Não — Cersei sorriu toda para ele. — E você é um homem que conhece o verdadeiro cavalheirismo, sor. Eu me lembro de assisti-lo na justa e... que torneio era onde você lutou com tanto brilhantismo, sor?

Ele sorriu modestamente.

— Aquele em Valdocaso há seis anos? Não, você não estava lá, senão você certamente teria sido coroada a rainha do amor e da beleza. Foi o torneio em Lannisporto após a Rebelião Greyjoy, não? Eu desmontei um bom número de cavaleiros naquela vez.

— Foi este. — Seu rosto ficou sombrio. — O anão desapareceu na noite que meu pai morreu, deixando dois bons carcereiros para trás em poças de sangue. Alguns afirmam que ele fugiu através do mar estreito, mas eu me pergunto. O anão é astuto. Talvez ele ainda se esconda por perto, planejando mais assassinatos. Talvez algum amigo está escondendo-o.

— Bronn? — Sor Balman acariciou seu bigode.

— Ele sempre foi uma criatura do anão. Só os Outros sabem quantos homens ele mandou para o inferno sob as ordens de Tyrion.

— Vossa Graça, eu acho que já teria notado um anão se escondendo em nossas terras — disse Sor Balman.

— Meu irmão é pequeno. Ele foi feito para esconder-se. — Cersei deixou sua mão balançar. O nome de uma criança é uma coisa pequena...

Mas insolência não punida instiga rebelião. E este homem Bronn estava encontrando mercenários para ele, Qyborn me disse.

— Ele tomou quatro cavaleiros para sua casa — disse Falyse.

Sor Balman bufou.

— Minha boa esposa os lisonjeia ao chamá-los de cavaleiros. Eles são mercenários indignos, sem um pingo de cavalheirismo, todos os quatro.

— Como eu temia. Bronn está juntando espadas para o anão. Talvez os Sete salvem o meu filhinho. O anão irá matá-lo, como matou seu irmão

— ela soluçou. — Meus amigos, eu ponho minha honra em suas mãos... mas o que é a honra de uma rainha contra os medos de uma mãe?

— Diga, Vossa Graça. — Sor Balman lhe garantiu. — Suas palavras nunca deixarão este quarto.

Cersei alcançou o outro lado da mesa e sacudiu a mão dele.

— Eu... eu dormiria mais facilmente a noite se eu fosse ouvir que Sor Bronn tivesse sofrido um acidente... enquanto caça, talvez.


Sor Balman considerou por um instante.

— Um acidente mortal?

Não, eu desejo que você quebre o dedão do pé dele. Meus inimigos estão em todos os lugares e meus amigos são idiotas.

— Eu imploro, Sor — suspirou. Não me faça dizer isso.

— Eu entendo. — Sor Balman levantou um dedo.

Um nabo teria entendido mais rápido.

— Você é um verdadeiro cavaleiro de fato, Sor. A resposta às orações de uma mãe amedrontada. — Cersei o beijou. — Faça isso rápido, se puder. Bronn tem apenas alguns homens com ele agora, mas se não agirmos, ele certamente encontrará mais. — Ela beijou Falyse. — Eu nunca esquecerei isto meus amigos. Meus amigos verdadeiros de Stokeworth.

Orgulhosos de serem leais. Eu prometo-lhes que acharemos um marido melhor para Lollys quando isso terminar. Um Kettleblack, talvez. Nós Lannister pagamos nossas dividas.

O restante foi Hidromel e beterraba com manteiga, pão quente cozido, erva-crostosas, e as costelas de javali. Cersei havia descoberto que gostava muito de javali desde a morte de Robert. Ela não se incomodava nem com a companhia, mesmo que os sorrisos de Falyse e Sor Balman estivessem sujos de sopa doce. Já havia passado da meia noite quando ela conseguiu desvencilhar-se deles. Sor Balman provou um grande frasco para sugerir ainda outro, e a rainha não achou prudente recusar. Eu poderia ter contratado um Homem Sem Rosto para matar Bronn pela metade do que gastei em hidromel, ela refletiu quando eles finalmente foram.

Naquela hora seu filho já estava adormecido, mas Cersei deu uma olhada nele antes de procurar sua própria cama. Ela ficou surpresa ao encontrar três gatinhos aninhados a ele

— De onde eles vieram? Perguntou a Sor Meryn, do lado de fora da câmara real.

— A pequena rainha os deu a ele. Ela só queria lhe dar um, mas ele não conseguia decidir de qual deles gostava mais.

Melhor que cortá-los fora de sua mãe com uma adaga, eu suponho.

As tentativas grotescas de sedução de Margaery eram tão obvias que era para se rir. Tommen é jovem demais para beijos, então ela lhe dá gatinhos. Cersei desejava que eles não fossem pretos, entretanto. Gatos pretos davam má sorte, como a garotinha de Rhaegar tinha descoberto naquele mesmo castelo.

Ela poderia ser minha filha, se o Rei Louco não tivesse feito sua brincadeira cruel com meu pai. Tinha que ter sido loucura o que levara Aerys a recusar a filha de Lorde Tywin e pegar seu filho em vez disso, enquanto casava seu próprio filho com uma fraca princesa de Dorne, com olhos negros e peito liso.

A memória da rejeição ainda estava inflamada, mesmo depois de todos esses anos. Mais de uma noite ela havia assistido o príncipe Rhaegar no salão, tocando sua harpa de cordas de prata com seus longos e elegantes dedos. Algum homem já havia sido tão bonito? Ele era mais que um homem, todavia. Seu sangue era o sangue da antiga Valiria, o sangue dos dragões e dos deuses. Quando ela era apenas uma garotinha seu pai havia lhe prometido que ela poderia se casar com Rhaegar. Ela não poderia ter mais que seis ou sete anos.

— Não fale disso, criança — ele havia dito a ela, com seu sorriso secreto que apenas Cersei já havia visto. — Não até que Vossa Graça concorde com o noivado. Isto deve permanecer nosso segredo por agora. —E havia sido, entretanto uma vez ela havia desenhado um retrato de si mesma voando atrás de Rhaegar em um dragão, seus braços apertados ao redor do peito dele. Quando Jaime a descobriu, disse que era a Rainha Alysanne e o Rei Jaehaerys.

Ela estava com dez anos quando viu seu príncipe em carne e osso, no torneio que seu pai havia feito para recepcionar o Rei Aerys ao oeste.

Estandes haviam sido levantados junto às muralhas de Lannisporto, e a torcida do povo tinha ecoado por Rochedo Casterly como um trovão. Eles torceram por seu pai duas vezes mais alto que pelo Rei, mas isso foi apenas a metade de tão alto quanto torceram por Rhaegar.

Com dezessete anos e novo na cavalaria, Rhaegar Targaryen usava uma placa preta em cima de sua armadura dourada quando galopou para a Justa. Longas correntes de vermelho, dourado e de seda laranja haviam flutuado por trás de seu elmo, como chamas. Dois de seus tios caíram diante de sua lança, juntamente com dúzias dos melhores na Justa de seu pai, a flor do oeste. À noite o príncipe tocou sua harpa de prata e a fez chorar. Quando ela foi apresentada a ele, Cersei quase se afogou nas profundezas de seus tristes olhos roxos. Ele foi ferido, ela se lembrou de ter pensado, mas vou curar suas feridas quando nos casarmos. Perto de Rhaegar até seu lindo Jaime não parecia nada mais que um rapazote. O príncipe será meu marido, ela pensara, com vertiginosa excitação, e então quando o velho rei morrer, eu serei a rainha. A rainha havia lhe confidenciado aquela verdade antes do torneio.


— Você deve estar especialmente linda — a SenhoraGenna lhe disse, agitando seu vestido. — No final da festa deve ser anunciado que você e o Príncipe Rhaegar estão noivos.

Cersei havia sido tão feliz naquele dia. De outro modo ela jamais teria ousado visitar a tenda de Maggy, a Sapa. Ela somente havia feito isso para mostrar a Jeyne e Melara que leoas não temiam nada. Eu serei rainha.

Por que uma rainha deveria ter medo de uma velha hedionda. A lembrança daquela profecia ainda a fazia tremer uma vida depois. Jeyne saira correndo da tenda, mas Melara havia ficado, e ela também. Nós a deixamos experimentar nosso sangue, e rimos de suas estúpidas profecias. Nenhuma delas fazia nenhum sentido. Ela seria a esposa de Rhaegar, não importava o que a mulher havia dito. Seu pai havia prometido e a palavra de Tywin Lannister era ouro.

Sua risada morreu no fim do torneio. Não havia tido festa final, sem brindes para comemorar seu noivado com príncipe Rhaegar. Apenas o silencio gelado e olhares frios entre o rei e seu pai. Mais tarde, quando Aerys e seu filho e todos seus galantes cavaleiros se foram para Porto Real ela havia ido até sua tia em prantos, sem entender.

— Seu pai propôs o compromisso — Senhora Genna lhe disse, — mas Aerys recusou-se a ouvir sobre isso. ‘Você é meu mais fiel servo, Tywin’ — o rei disse — ‘mas um homem não casa seu herdeiro com a filha de seu servo.’ Seque suas lágrimas pequena. Já viu um leão chorar? Seu pai achará um homem para você, um melhor que Rhaegar.

Sua tia tinha mentido, entretanto, e seu pai havia falhado com ela, assim como Jaime estava falhando agora. Papai não me encontrou um homem melhor, ao invés disso ele me deu Robert, e a maldição de Maggy floresceu como uma flor envenenada. Se ela tivesse se casado com Rhaegar, como os deuses pretendiam, ele nunca teria olhado duas vezes para a garota lobo. Rhaegar poderia ser nosso rei hoje e eu seria sua rainha, a mãe de seus filhos.

Ela nunca havia perdoado Robert por matá-lo.

Mas claro, leões nunca haviam sido bons em perdoar. Como Sor Bronn de Água Negra logo aprenderia.




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