ALAYNYE
Quando a luz do sol nascente começou a entrar pelas janelas, Alayne saiu da cama e se espreguiçou. Gretchel a ouviu se mover, e imediatamente levantou-se para lhe levar o robe. O ambiente havia esfriado muito durante a noite.
E será muito pior quando o inverno chegar, pensou. Este lugar ficará frio como uma tumba. Alayne vestiu o robe e o atou contra a sua cintura.
— O fogo se apagou quase todo. — Observou. — Ponha mais lenha, por favor.
— Como queira, minha senhora. — Respondeu a anciã.
Os aposentos de Alayne na Torre da Donzela eram maiores e mais luxuosas que o pequeno dormitório que lhe haviam designado quando ainda vivia com a Senhora Lysa. Tinha um armário e um banheiro somente para ela, e um balcão forjado em pedra branca, de onde podia se divisar toda a extensão do Vale. Enquanto Gretchel atiçava o fogo, Alayne percorreu o ambiente descalça e saiu ao exterior. Sentiu a pedra fria debaixo dos seus pés, e o vento soprava feroz, como sempre ali em cima, mas a vista fez com que tudo fosse esquecido por um instante. A Donzela era a torre mais oriental de todas as sete do Ninho da Águia, de modo que o Vale se estendia à sua frente, com os bosques, os rios e seus braços envoltos na névoa da luz da manhã. Ao iluminar as montanhas, o sol fazia com que parecessem de ouro maciço.
É tão bonito... O cume nevado da Lança do Gigante se alçava ante ela, uma imensidão de pedra e gelo que diminuía o castelo pousado em seu ombro. Estalactites de seis metros de altura pendiam coladas da borda do precipício de onde, no verão, caíam as Lágrimas de Alyssa. Um falcão sobrevoou a cascata gelada, com as asas azuis estendidas contra o céu da manhã. Quem dera se eu tivesse asas também.
Apoiou as mãos na balaustrada de pedra e se obrigou a olhar para baixo. Cerca de duzentos metros abaixo se alçava o Céu, com as bases de pedra escavadas na montanha, a trilha serpenteante que passava por Neve e Pedra até chegar ao fundo do Vale. Divisou as torres e edifícios da Porta da Lua, pequenos como brinquedos de crianças. Ao redor das muralhas, os exércitos dos Senhores Rebeldes começavam a ganhar vida, e os homens saiam de suas tendas como formigas de um formigueiro.
Quem dera fossem formigas de verdade, pensou. Poderia pisá-las e esmagá-las.
Lord Hunter, o Jovem, e seus homens haviam se unido aos demais fazia dois dias. Nestor Royce havia cerrado os portões para detê-los, mas sua guarnição contava com menos de trezentos homens. Cada um dos Senhores Rebeldes havia chegado com pelo menos mil, e eram seis. Alayne conhecia seus nomes tão bem como o seu próprio. Benedar Belmore, senhor de Forte Canção. Symond Templeton, o Cavaleiro das Nove Estrelas. Horton Redfort, senhor de Forte Vermelho. Anya Waynwood, senhora de Carvalho de Ferro.
Gilwood Hunter, ao que muitos chamavam Lorde Hunter, o Jovem, senhor de Arco Longo. E Yohn Royce, o mais poderoso de todos, o temível Yohn Bronze, senhor de Pedra das Runas, primo de Nestor e cabeça do ramo mais importante da Casa Royce. Os seis haviam se reunido em Pedra das Runas após a queda de Lysa Arryn, e haviam feito o juramento de defender Lorde Robert, o Vale e uns aos outros. Em sua declaração não se mencionava o Lorde Protetor, mas falava-se de um mal governo ao qual se havia de pôr fim, assim como de falsos amigos e conselheiros astutos.
Uma lufada de vento frio lhe percorreu as pernas. Entrou no dormitório para escolher um vestido para o desjejum. Petyr lhe havia dado o guarda-roupa de sua esposa defunta, um tesouro de sedas, cetins, peles e veludos mais ricos do que jamais havia sonhado, ainda que quase todas as roupas acabassem ficando muito grandes para ela. A Senhora Lysa havia engordado muito em sua longa sucessão de gestações, abortos e partos de bebês mortos. Por sorte, alguns dos vestidos mais antigos haviam sido confeccionados para a jovem Lysa Tully de Correrrio, e Gretchel havia conseguido ajustar outros para que servissem a Alayne, que aos seus treze anos tinhas as pernas quase tão largas quanto às teve sua tia aos vinte.
Naquela manhã, o que captou sua atenção foi um vestido costurado em vermelho e azul dos Tully, com acabamento de arminho. Gretchel a ajudou a meter os braços nas mangas em forma de sino e atou os cordões das costas, e logo penteou o cabelo e o amarrou. Alayne havia voltado a escurecê-lo na noite anterior, antes de dormir. O banho de cor que sua tia havia lhe dado trocara o cabelo ruivo de Alayne pelo castanho claro, mas em pouco tempo, o vermelho voltava a aparecer nas suas raízes.
O que vou fazer quando a tinta acabar? A tinta que usava vinha de Tyrosh, do outro lado do mar Estreito.
Quando desceu para o desjejum, Alayne voltou a surpreender-se com a calmaria do Ninho da Águia. Não havia castelo mais silencioso nos Sete Reinos. Os criados eram poucos e velhos, e falavam em voz baixa, para não perturbar o seu pequeno senhor. Na montanha não havia cavalos, nem cachorros que latiam e grunhiam, nem cavaleiros treinando no pátio. Até as pisadas dos guardas soavam estranhas, amortecidas, quando percorriam os salões de pedra branca. Ouvia-se o som do vento que gemia em torno das torres, mas nada mais. Quando chegou ao Ninho da Águia se ouvia também o barulho das Lágrimas de Alyssa, mas a cascata se havia congelado.
Gretchel lhe disse que permaneceria em silencio até a primavera.
Lorde Robert estava sozinho no Salão Matinal, por cima das cozinhas, passando com indiferença uma colher de madeira por uma tigela de sopa de aveia com mel.
— Queria ovos. — Se queixou quando a viu. — Queria três ovos fritos e um pedaço de bacon.
Não tinham ovos, assim como não tinham bacon. Os celeiros do Ninho da Águia continham aveia, milho e cevada suficientes para alimentá-
los durante um ano, mas era uma garota bastarda, uma tal Mya Stone, quem subia os alimentos frescos do Vale. Depois que os Senhores Rebeldes acamparam ao pé da montanha, Mya já não podia passar. Lord Belmore, que havia sido o primeiro dos seis a se apresentar nas Portas, enviou um corvo a Mindinho para lhe comunicar que o Ninho da Águia não receberia mais comida até que lhes enviassem Lorde Robert. Não era uma chantagem, mas se parecia muito com isso.
— Quando Mya vier, poderá comer tantos ovos quanto quiser. — Prometeu Alayne ao pequeno senhor. — Trará ovos, manteiga, melões e outras coisas muito gostosas.
Não conseguiu acalma-lo.
— Eu queria ovos hoje.
— Não há ovos, pequeno Robert, você já sabe disso. Por favor, coma a aveia, está muito gostosa. — Tomou uma colherada de sua tigela para dar exemplo.
Robert voltou a passear a colher pela tigela, mas não a levou aos lábios.
— Não tenho fome — disse finalmente. — Quero voltar para a cama. Não dormi nada esta noite. Dava para ouvir as músicas. O Meistre Colemon me deu vinho do sono, mas continuei ouvindo.
Alayne deixou a colher.
— Se houvesse alguém cantando, eu também haveria ouvido. Foi um pesadelo, nada mais.
— Não, não foi um pesadelo. — Seus olhos se encheram de lágrimas. — Marillion estava cantando outra vez. Seu pai disse que está morto, mas é mentira.
— É verdade. — Lhe dava medo ouvi-lo falar assim. Já tem problemas o bastante por ser pequeno e doente, e se estiver ficando louco?
— É verdade, pequeno Robert. Marillion amava demais a sua mãe e não podia viver com o que lhe havia feito, assim caminhou até o céu. — Alayne não havia visto o cadáver, como tampouco o havia visto Robert, mas não duvidava que o cantor estivesse morto. — Ele se foi, com certeza.
— Mas se eu o ouço todas as noites... Ainda que eu feche os olhos e enfie a cabeça embaixo da almofada. Seu pai deveria lhe ter cortado a língua.
Eu lhe disse, mas ele não quis.
Ele precisava da língua de Marillion para que ele pudesse confessar.
— Seja bom e coma a aveia. — Lhe suplicou Alayne. — Anda, por favor. Faça por mim.
— Não quero aveia. — Robert atirou a colher ao outro lado do aposento. Foi parar em uma cortina de uma parede, e deixou uma mancha em uma renda de seda branca. — O senhor quer ovos!
— O senhor comerá a aveia e agradecerá. — A voz de Petyr soou atrás deles.
Alayne se virou e o viu na porta de entrada, ao lado de meistre Colemon.
— Deveria obedecer ao Lord Protetor, meu senhor — disse o meistre. — Os senhores seus vassalos estão subindo para prestar-lhe homenagem, e tem que estar forte.
Robert esfregou o olho esquerdo com a mão.
— Expulse-os. Não quero vê-los. Se vierem, os farei voar.
— É tentador para mim também, meu senhor, mas temo que lhes prometi um salvo-conduto — disse Petyr. — Em todo caso, é muito tarde para que deem a volta. Já devem estar na altura da Pedra.
— Por que não nos deixam em paz? — Soluçou Alayne. — Não fizemos nada a eles. Que eles querem de nós?
— Lorde Robert, nada mais. E com ele, o Vale, claro. — Petyr sorriu. — Serão oito. Lorde Nestor os guia, e Lyn Corbray os acompanha.
Sor Lyn não é dos que ficam para trás quando há a perspectiva de sangue.
Não eram precisamente as palavras que podiam acalmar os seus temores. Lyn Corbray havia matado quase tantos homens em duelos como em batalha. Sabia que havia ganhado as esporas durante a Rebelião de Robert, lutando contra Lorde Jon Arryn nas portas de Vila Gaivota, e mais tarde, sob o seu estandarte no Tridente, onde matou o príncipe Lewyn de Dorne, um cavaleiro branco da Guarda Real. Petyr dizia que o príncipe Lewyn já estava gravemente ferido quando o desfecho da batalha o levou à dança final com a Dama Desesperada.
— Mas não é um tema que interesse discutir na frente de Corbray — izia. — Aqueles que se atrevem, logo têm a chance perguntar ao próprio Martell nas salas do inferno.
Se devia acreditar na metade do que tinha ouvido comentarem os guardas de Lorde Robert, Lyn Corbray era mais perigoso que os outros seis Senhores Rebeldes juntos.
— Porque vem? — Perguntou. — Pensei que os Corbray estavam do seu lado.
— Lorde Lyonel Corbray tem boa disposição comigo — disse Petyr.
— Mas o seu irmão segue outro caminho. No Tridente, quando seu pai caiu ferido, foi Lyn quem pegou a Dama Desesperada e matou o homem que o havia derrubado. Enquanto Lyonel levava o velho à retaguarda, com os meistres, Lyn encabeçou o ataque contra os dorneses que ameaçavam o flanco esquerdo de Robert, fez em pedaços suas linhas de defesa e matou Lewyn Martell. Assim que Lorde Corbray morreu, entregou a Dama ao seu filho menor. Lyonel ficou com as terras, o título, o castelo e todo o seu dinheiro, mas ainda assim tem a impressão de que lhe roubaram o que lhe corresponde por direito, enquanto que Sor Lyn... Bom, digamos que dedica a Lyonel tanto carinho como a mim. Ele também aspirava à mão de Lysa.
— Não gosto de Sor Lyn — insistiu Robert. — Não o quero aqui.
Que permaneça embaixo. Não lhe mandei que subisse. Que não entre. Minha mãe dizia que o Ninho da Águia é inexpugnável.
— Sua mãe está morta, meu senhor. Até o décimo sexto dia do seu nome, o Ninho da Águia será governado por mim. — Petyr se voltou para a criada encurvada que aguardava perto das escadas que conduziam à cozinha.
— Mela, traga outra colher para o seu senhor. Ele quer comer a aveia.
— Não quero! Que voe a sopa de aveia!
Naquele momento, Robert lançou a tigela de aveia com mel. Petyr Baelish se virou para o lado com facilidade, mas Meistre Colemon não foi tão rápido. A tigela de madeira o acertou em cheio no peito, e o conteúdo se esparramou na sua cara e nos ombros. Gritou de maneira muito pouco apropriada para um meistre enquanto Alayne tentava acalmar o pequeno senhor, mas era tarde demais. Estava tendo um ataque. Uma jarra de leite saiu voando quando a derrubou com um espasmo. Tratou de se levantar, mas a cadeira caiu para trás, e com ela, o menino. Um de seus pés acertou Alayne no ventre com tanta força que lhe cortou a respiração.
— Oh, pelos deuses — ouviu dizer Petyr, com nojo.
Os restos de aveia salpicavam o rosto e o cabelo do Meistre Colemon quando se ajoelhou junto ao seu protegido para lhe sussurrar palavras tranquilizadoras. Um caroço deslizou pela bochecha direita, como uma lágrima marrom-acinzentada. Não é tão grave quanto o ataque anterior, pensou Alayne, tratando de recuperar a esperança. Quando deixou de tremer, dois guardas com capas azul-celeste e cotas de malha prateada acudiram à chamada de Petyr.
— Levem-no para a cama e o sangrem — disse o Lorde Protetor, e o guarda mais alto pegou o menino nos braços.
Até eu poderia levá-lo, pensou Alayne. Pesa menos que uma boneca.
Colemon se deteve um instante antes de segui-lo.
— Talvez fosse melhor deixar esta reunião para um outro dia, meu senhor. Os ataques dele tem piorado desde a morte da Senhora Lysa. São cada vez mais frequentes e violentos. O sangro tanto quanto me atrevo, e misturo vinho do sono com o leite da papoula para ajudá-lo a dormir, mas...
— Dorme doze horas por dia — replicou Petyr. — Necessito dele desperto de tempos em tempos.
O meistre passou a mão pelos cabelos, jogando no chão vários caroços de aveia.
— Quando ele se sobressaltava em excesso, a Senhora Lysa lhe dava o peito. O Arquimeistre Ebrose assegura que o leite materno tem muitas propriedades saudáveis.
— É isso o que me aconselha, meistre? Que lhe busquemos uma ama de leite para o senhor do Ninho da Águia e Defensor do Vale? Quando vamos desmamá-lo? No dia do seu casamento? Assim poderá passar diretamente do mamilo de sua ama para o de sua esposa. — A gargalhada de Lorde Petyr deixou bem clara a sua opinião. — Não, muito obrigado. Sugiro que busquemos outro sistema. O garoto gosta de doces, não?
— Doces?
— Doces. Tortas, pastéis, marmeladas, gelatina, pedaços de pão com mel... Já tentou pôr um pouquinho de sonho doce no leite? Só um pouquinho, o suficiente para acalmá-lo e acabar com esses tremores infernais.
— Um pouquinho? — O meistre tragou saliva, e o seu pomo se moveu para cima e para baixo na garganta. — Uma pequena pitada... É possível, é possível. Não muito, e nem sempre, mas eu poderia tentar...
— Uma pitada — repetiu Lorde Petyr. — Antes que o leve para receber os senhores.
— Como ordenar, meu senhor.
O meistre saiu apressadamente, com o colar tilintando a cada passo.
— Pai — disse Alayne quando ficaram a sós. — Quer uma tigela de aveia para o desjejum?
— Não gosto de aveia. — Ele a olhou com os olhos de Mindinho. — Prefiro desjejuar com um beijo.
Uma boa filha jamais negaria um beijo a seu pai, assim que Alayne se adiantou e lhe deu um beijo rápido na bochecha, e retrocedeu igualmente rápida.
— Que... obediente. — Mindinho sorriu com a boca, não com os olhos. — Enfim, há outras instruções que terá de dar aos serviçais. Diga aos cozinheiros que façam uma infusão de vinho tinto com mel e passas. Nossos hóspedes estão realizando uma longa subida, terão frio e estarão com sede.
Quando chegarem, terá que sair para recebê-los e oferecer-lhes as boas-vindas. Vinho, queijo e pão. Que queijos ainda nos restam?
— O branco forte e o azul que cheira mal.
— O branco. E será melhor que troque de roupa.
Alayne olhou seu vestido, azul-escuro e vermelho, as cores de Correrrio.
— É muito...?
— É muito Tully. Os Senhores Rebeldes não gostarão de ver a minha filha bastarda se pavoneando com a roupa de minha esposa falecida.
Escolha outra roupa. Tenho de lhe lembrar que não deve escolher azul-celeste ou creme?
— Não — o azul-celeste e o creme eram as cores da casa Arryn. — O senhor disse que são oito pessoas? Yohn Bronze é um deles?
— É o único que importa.
— Yohn Bronze me conhece — lhe recordou. — Foi nosso convidado em Winterfell quando seu filho foi para o norte vestir o negro. —
Tinha uma vaga recordação de haver se enamorado loucamente de Sor Waymar, mas aquilo fazia muito tempo, toda uma vida, havia ocorrido quando ainda era uma garotinha estúpida. — E não foi a única vez. Lord Royce viu... Viu Sansa Stark outra vez em Porto Real, durante o torneio da Mão.
Petyr pôs um dedo por baixo da barbicha.
— Com certeza Royce viu este rosto tão bonito, mas para ele foi apenas um em um milhão. Quando alguém participa de um torneio, tem coisas mais importantes com que se preocupar do que uma garotinha na multidão. E em Winterfell, Sansa era uma garotinha de cabelo castanho-avermelhado. Minha filha é uma donzela alta e formosa, com o cabelo escuro. Os homens veem o que esperam ver, Alayne. — A beijou no nariz.
— Diga a Maddy que acenda a lareira nos meus aposentos. Receberei ali os Senhores Rebeldes.
— Não na Sala Alta?
— Não. Não queiram os deuses que me vejam perto do trono dos Arryn; poderiam crer que penso em me sentar lá. Umas nádegas de tão baixa estirpe como as minhas não poderiam aspirar a almofadas tão fofas.
— Nos seus aposentos. — Teria que se haver detido, mas as palavras lhe escaparam sem que pudesse se conter. — Se você entregar Robert a eles...
— E o Vale?
— Já têm o Vale.
— Boa parte, sim, é verdade. Mas não todo. Vila Gaivota têm apreço por mim, e também conto com a lealdade e a amizade de alguns senhores.
Grafton, Lynderly, Lyonel Corbray... Não são rivais para os Senhores Rebeldes, claro. Além disso, aonde queria que fôssemos, Alayne? À minha impressionante fortaleza nos Dedos?
Já havia pensado nisso.
— Joffrey outorgou a você Harrenhal. Ali você é o senhor em pleno direito.
— Só tenho o título. Precisava de um assentamento importante para me casar com Lysa, e os Lannister não estavam dispostos a me conceder Rochedo Casterly.
— Sim, mas o castelo é seu.
— Que castelo. Salões cavernosos, torres em ruínas, fantasmas e correntes de ar. Esquentá-lo é difícil; defendê-lo, impossível... E também está em questão o assunto da maldição.
— As maldições só existem nas canções e nos contos.
Aquilo lhe fez achar graça.
— Quem compôs a canção sobre a morte de Gregor Clegane pela ferida de uma lança envenenada? Ou do mercenário que o precedeu, aquele que Sor Gregor foi despedaçando articulação por articulação? Esse recebeu o castelo de Sor Amory Lorch, que o recebeu de Lorde Tywin. O primeiro foi morto por um urso, e o segundo pelo seu filho anão. Antes deles, a Senhora Whent também morreu. Lothston, Strong, Harroway, Strong outra vez...
Harrenhal tem decepado todas as mãos que tem lhe tocado.
— Então lhe entregue a Lorde Frey.
Petyr começou a rir.
— Não seria má ideia, ou melhor ainda, à nossa querida Cersei. Se bem que não deveria falar mal dela; enviou-me uns tapetes esplêndidos. Que amável da sua parte, não é verdade?
Ficou tensa somente por ouvir o nome da rainha.
— Não é amável. Me dá medo. Se chegar a descobrir onde eu estou...
— Me veria obrigado a tirá-la do jogo antes do previsto. Isso, se ela não sair antes por sua própria culpa. — Petyr lhe dedicou um sorriso zombeteiro. — No jogo dos tronos, até as peças mais humildes podem ter vontade própria. Às vezes se negam a executar os movimentos que se havia planejado para elas. Recorda bem, Alayne: é uma lição que Cersei Lannister não aprendeu ainda. Bom, não tem obrigações pendentes?
Tinha. Primeiro se encarregou de que preparassem o vinho, escolheu um bom pedaço de queijo e ordenou na cozinha que fabricassem pães para vinte pessoas, no caso de os Senhores Rebeldes chegarem com mais homens que o previsto.
Quando tiverem provado nosso pão e nosso sal, serão nossos hóspedes, e não poderão nos fazer mal. Os Frey haviam transgredido todas as leis da hospitalidade quando assassinaram a sua mãe o seu irmão nas Gêmeas, mas não podia acreditar que um senhor tão nobre como Yohn Royce se rebaixasse a fazer algo semelhante.
A seguir se encarregou de preparar o ambiente. O chão estava coberto com um tapete de Myr, assim não havia necessidade em se apressar.
Alayne orientou dois criados a montarem a mesa com os cavaletes e a levarem ali oito das pesadas cadeiras de carvalho e couro. Se fosse um banquete, haveria situado uma na cabeceira da mesa e outra no extremo contrário, e outras três de cada lado, mas era uma reunião, de modo que ordenou que pusessem seis cadeiras em um lado da mesa e dois no outro. Os Senhores Rebeldes já haviam chegado à Neve. Em cima de mulas, a subida demorava quase um dia inteiro. A pé, a maioria demorava várias jornadas.
Provavelmente, os senhores permaneceriam conversando até bem tarde da noite. Logo, iriam necessitar de velas novas. Quando Maddy acendeu o fogo, a enviou para buscar velas de cera aromatizada que Lorde Waxley havia presenteado a Senhora Lysa quando aspirava obter sua mão.
Então voltou às cozinhas para se assegurar de que estivessem preparando o vinho e o pão. Tudo estava andando bem, e teria tempo de sobra para se banhar, lavar o cabelo e trocar de roupa.
Sentiu-se tentada por um vestido de seda violeta e por outro de veludo azul-escuro com bordados de prata que ressaltaria a cor dos seus olhos, mas logo se recordou de que Alayne era bastarda e não devia se vestir de maneira mais ostentosa do que correspondia sua condição. Optou por uma túnica de lã cor marrom-escuro, de corte simples, com bordados de folhas e rendas de fios de ouro no busto, nas mangas e nas bainhas. Era modesto e pudico, e um pouco mais luxuoso que a vestimenta de uma criada. Petyr lhe havia dado também todas as joias da Senhora Lysa, assim experimentou vários colares, mas todos lhe pareceram aparatosos. Por fim, decidiu por uma simples fita de veludo dourado. Quando Gretchel lhe mostrou o espelho prateado de Lysa, lhe pareceu que a cor combinava maravilhosamente com o cabelo escuro de Alayne.
Lord Royce não me reconhecerá, pensou. Até eu custo a me reconhecer.
Alayne Stone se sentia quase tão ousada quanto Petyr Baelish.
Esboçou o seu melhor sorriso e desceu para receber os convidados.
O Ninho da Águia era o único castelo dos Sete Reinos que tinha a entrada principal por debaixo do nível das masmorras. Os acentuados degraus de pedra ascendiam pela ladeira e passavam junto aos castelos de Pedra e Neve, mas terminavam no Céu. Os últimos cento e oitenta metros eram de subida vertical, logo os visitantes tinham que descer das mulas e tomar uma decisão: subir na cesta de madeira oscilante que era utilizada para levar suprimentos ao castelo, ou escalar uma pequena parede, apoiando-se em buracos na rocha.
Lorde Redfort e a Senhora Waynwood, os mais idosos dos Senhores Rebeldes, optaram pela cesta, que logo teve que descer mais uma vez para recolher o obeso Lorde Belmore. Os demais preferiram escalar. Alayne os recebeu na Câmara da Lua Crescente, junto a um fogo acolhedor, de onde lhes deu as boas-vindas em nome de Lorde Robert, e lhes serviu pão, queijo e vinho apimentado em copos de prata.
Petyr lhe havia dado um pergaminho em que apareciam seus escudos para que os estudasse, assim reconheceria os brasões, ainda que não os rostos. Olhou o castelo vermelho, que seria obviamente de Redfort, um homem baixo de barba acinzentada bem aparada e com olhos amáveis. A Senhora Anya, a única mulher entre os Senhores Rebeldes, vestia um manto verde com a roda de vime dos Waynwood em contas de jade. Os seis sinos de prata sobre um campo roxo correspondiam a Belmore, de barriga proeminente e ombros redondos. Sua barba era uma aberração cor de gengibre que lhe ocultava a papada. Pelo contrário, Symond Templeton era moreno e anguloso. O nariz em forma de gancho e os gélidos olhos azuis faziam com que o Cavaleiro das Nove Estrelas parecesse uma elegante espécie de ave de rapina. Seu gibão mostrava nove estrelas negras sobre uma lâmina dourada. A capa de arminho de Lord Hunter, o Jovem, a confundiu a princípio, até que mirou o broche que a prendia: cinco flechas de prata abertas ao vento. Alayne calculou que ele estava mais perto dos cinquenta que dos quarenta anos de idade. Seu pai havia governado em Arco Longo durante quase sessenta anos, para morrer de maneira tão repentina que houve rumores que o novo senhor havia acelerado o processo. Hunter tinha as bochechas e o nariz vermelhos como maçãs, o que denunciava sua possível fixação pelas uvas. Teve cuidado em encher seu copo cada vez que ele o esvaziava.
O mais jovem do grupo levava três corvos no peito, cada um com um coração vermelho entre as garras. O cabelo castanho lhe chegava até os ombros, e uma mecha solta lhe caía pelo rosto.
Sor Lyn Corbray, pensou Alayne, observando com apreensão a boca dura e os olhos inquietos.
Os últimos a chegar foram os Royce, Lorde Nestor e Yohn Bronze.
O senhor de Pedra das Runas era tão alto como o Cão de Caça. Tinha o cabelo grisalho e o rosto cheio de rugas, mas Lorde Yohn aparentava ser capaz de quebrar, com aquelas enormes mãos nodosas, homens mais jovens como se fossem galhos secos. Seu rosto marcado e solene lhe fez recordar sua visita a Winterfell. Veio à lembrança aquele homem sentado à mesa, falando com sua mãe. Voltou a ouvir sua voz retumbante quando voltara da caça com um corvo encarrapitado na sela do cavalo. O viu no pátio com a espada de treinamento na mão, derrubando seu pai e voltando-se para derrotar também Sor Rodrik.
Ele me reconhecerá. É impossível que ele não me reconheça. Por um momento, pensou em se jogar aos seus pés e lhe suplicar proteção. Se não lutou por Robb, porque iria lutar por mim? A guerra já terminou, e Winterfell caiu.
— Lord Royce. — Lhe perguntou com timidez. — Deseja um copo de vinho para aplacar o frio?
Yohn Bronze tinha olhos cinza-ardósia meio ocultos pelas sobrancelhas mais espessas que já tinha visto. Os entrecerrou quando a analisou desde acima.
— Te conheço, menina?
Alayne sentiu como se tivesse engolido a língua, mas Lorde Nestor veio em seu auxílio.
— Alayne é filha natural do Lorde Protetor — disse a seu primo com rispidez.
— Mindinho tem estado muito ocupado — disse Lyn Corbray com um sorriso perverso.
Belmore começou a rir, e Alayne notou que estava ficando vermelha.
— Quantos anos tem, menina? — perguntou a Senhora Waynwood.
— C-Catorze, minha senhora. — Durante um momento havia esquecido a idade de Alayne. — E não sou uma menina, sou uma donzela florescida.
— Mas não desflorada, espero. — O espesso bigode de Lord Hunter, lhe escondia a boca quase por completo.
— Por enquanto — disse Lyn Corbray como se ela não estivesse ali.
— Em pouco tempo já será uma fruta madura.
— Isso é o que vocês entendem de cortesia em Hogar? — Anya Waynwood tinha o cabelo branco, pés de galinha em torno dos olhos e a pele solta debaixo do queixo, mas o seu ar de nobreza era inconfundível. — A menina é jovem, tem recebido uma boa educação e já padeceu horrores suficientes. Cuidado com o que diz, sor.
— O que eu digo é assunto meu — replicou Corbray. — Sua senhora deveria ocupar-se dos seus. Nunca gostei de reprimendas, como lhe poderia dizer um bom número de homens mortos.
A Senhora Waynwood lhe deu as costas.
— Será melhor que nos leve até o seu pai, Alayne. Quanto antes acabarmos com isto, melhor.
— O Lorde Protetor os espera nos seus aposentos. Se meus senhores tiverem a amabilidade de me seguir...
Saíram da Câmara da Lua Crescente, subiram por um corredor de degraus de mármore que ficava ao redor de criptas e masmorras e passaram por baixo de três balestreiros que os Senhores Rebeldes fingiram não ver.
Belmore não demorou para suspirar como uma gaita de foles, e Redfort estava com o rosto tão branco como o cabelo. Os guardas postados nas portas acompanhavam seus passos.
— Por aqui, meus senhores.
Alayne os guiou quando passaram por baixo da galeria, junto a uma dúzia de esplêndidos tapetes. Sor Lothor Brune estava em frente à porta.
Abriu-a para que eles passassem e entrou em seguida.
Petyr estava sentado junto à mesa de cavaletes, com um copo de vinho em uma mão, examinando um pergaminho branco. Ergueu os olhos quando os Senhores Rebeldes entraram.
— Sejam bem-vindos, meus senhores. E a vós também, minha senhora. Já sei que a subida é muito cansativa. Por favor, sentem-se. Alayne, minha querida, traga mais vinho para os nossos nobres convidados.
— Agora mesmo, meu pai.
Ficou satisfeita ao ver que haviam acendido as velas, o aposento despendia um aroma de noz-moscada e outras especiarias caras. Foi buscar a garrafa enquanto os convidados se sentavam lado a lado... Todos, exceto Nestor Royce, que titubeou um instante antes de rodear a mesa e ocupar a cadeira vazia, junto a Lorde Petyr, e Lyn Corbray, que preferiu ficar em pé junto à lareira. O rubi em forma de coração do punho de sua espada despendia um brilho vermelho enquanto esquentava as mãos. Alayne o viu sorrir a Sor Lothor Brune.
Sor Lyn é muito atraente para a sua idade, pensou. Mas não gosto do seu sorriso.
— Eu estava lendo esta declaração notável — começou Petyr. — Esplêndida. Não sei qual meistre a redigiu, mas esse homem tem um verdadeiro dom para as palavras. Eu teria gostado que me convidassem a assiná-la também.
Aquilo os pegou desprevenidos.
— Você? — Disse Belmore. — Assinaria?
— Sei manejar a pluma igual a qualquer um, e ninguém gosta de Lorde Robert mais do que eu. E quanto a esses falsos amigos e conselheiros astutos, deve-se acabar com eles imediatamente. Estou com vocês de corpo e alma, meus senhores. Por favor, me diga onde devo assinar.
Alayne, que estava servindo o vinho, ouviu o risinho de Lord Corbray. Os outros pareciam inseguros, até que Yohn Bronze fechou as mãos.
— Não viemos pela sua assinatura. Tampouco pensamos em estabelecer um concurso de retórica com você, Mindinho.
— Que pena. Adoro esses concursos. — Petyr deixou o pergaminho de lado. — Como quiserem. Sejamos diretos. Meus senhores, minha senhora, que querem de mim?
— De você não queremos nada. — Symond Templeton fixou seu olhar azul gélido no Lord Protetor. — Somente que vá embora.
— Que eu vá embora? — Petyr pareceu surpreso. — Para onde?
— A Coroa o nomeou Senhor de Harrenhal — lembrou Lord Hunter, o Jovem. — Qualquer um se conformaria com isso.
— Faz falta um senhor na terra dos rios — interviu o ancião Horton Redfort. — Correrrio resiste ao cerco, Bracken e Blackwood estão em guerra, os bandidos estão acampados nas margens do Tridente, roubando e matando à vontade. Por todas as partes há cadáveres sem enterrar.
— Tal como você o descreve, parece ser um lugar muito atrativo, Lord Redfort — respondeu Petyr. — Mas acontece que eu tenho obrigações importantes aqui. Também há que pensar em Lorde Robert. Quer que eu arraste um menino doente ao centro de semelhante carnificina?
— Sua senhoria ficará no Vale — declarou Yohn Royce. — Vou levá-lo à Pedra das Runas, onde crescerá para se converter em um cavaleiro do qual Jon Arryn se sentiria muito orgulhoso.
— Por que para a Pedra das Runas? — Ponderou Petyr. — Porque não a Carvalho de Ferro, ou a Redfort? Porque não a Arco Longo?
— Qualquer um desses lugares seria adequado — declarou Lord Belmore. — E sua senhoria os visitará por turnos quando chegue o momento.
— De verdade? — O tom de Petyr deixava transparecer suas dúvidas.
A Senhora Waynwood suspirou.
— Se você tem a intenção de que nos desentendemos entre nós, poupe-se deste esforço, Lorde Petyr. Falamos com uma só voz. Pedra das Runas parece muito bom para todos nós. Lorde Yohn criou três filhos, não há homem mais capacitado para educar o jovem senhor. O meistre Helliweg é muito mais antigo e tem mais experiência que o seu Meistre Colemon, poderá tratar melhor as doenças de Lorde Robert. Em Pedra das Runas, Sam Stone, o Forte, lhe ensinará as artes da guerra. Não há melhor mestre de armas. Septão Lucos o instruirá nos assuntos do espírito. Além disso, em Pedra das Runas estará com outros meninos da sua idade, uma companhia muito mais adequada do que as das velhas e dos mercenários que o rodeiam agora.
Petyr Baelish acariciou a sua barba.
— Estou de acordo: sua senhoria necessita de companhia. Mas não se pode dizer que Alayne seja uma velha. Lord Robert gosta muito da minha filha, como ele mesmo os poderá dizer. Além disso, por coincidência pedi a Lord Grafton e a Lord Linderly que nos enviem um filho cada um para servir como pupilos. Os dois têm meninos da idade de Robert.
Lyn Corbray começou a rir.
— Dois cachorrinhos de dois cães de colo.
— Também seria conveniente a Robert ter por perto um garoto maior. Um escudeiro jovem e promissor, por exemplo. Alguém a quem possa admirar e a com quem possa treinar combate. — Petyr se voltou para a Senhora Waynwood. — Em Carvalho de Ferro tem um garoto assim, minha senhora. Aceitaria me enviar Harrold Hardyng?
Anya Waynwood parecia se divertir.
— Jamais havia conhecido um ladrão tão ousado como você, Lorde Petyr.
— Não quero roubar o garoto — disse Petyr. — Mas Lorde Robert e ele deveriam se tornar amigos.
Yohn Bronze tomou a dianteira da situação.
— Me parece apropriado que Lorde Robert inicie uma amizade com o jovem Harry, e assim será... Em Pedra das Runas, sob a minha tutela, quando for meu pupilo e escudeiro.
— Nos entregue o garoto e poderá partir para Harrenhal, seu legítimo lugar, sem que ninguém o faça mal — disse Lord Belmore.
Petyr lhe dirigiu um olhar carregado de deboche.
— Me está dando a entender que, do contrário, poderia me acontecer algo, meu senhor? Não consigo pensar por que. Minha finada esposa pensava que este era o meu legítimo lugar.
— Lord Baelish — interviu a Senhora Waynwood. — Lysa Tully era a viúva de Jon Arryn e a mãe de seu filho, e governava como regente.
Mas... sejamos francos, você não é um Arryn, e Lorde Robert não é do seu sangue. Com que direito você se atreve a nos governar?
— Creio recordar que Lysa me nomeou Lord Protetor.
— Lysa Tully nunca foi parte do Vale verdadeiramente — replicou Lorde Hunter, o Jovem. — Não tinha o direito de dispor de nós.
— E Lorde Robert? — Perguntou Petyr. — Sua senhoria insinua que a Senhora Lysa não tinha o direito de dispor de seu próprio filho?
— Eu abrigava a esperança de me casar com a Senhora Lysa —
disse Nestor Royce, que havia guardado silencio até então. — Assim como o pai de Lorde Hunter e o filho da Senhora Anya. Corbray não saiu do seu lado durante meio ano. Se houvesse escolhido qualquer um de nós, ninguém disputaria o direito de ser Lorde Protetor. Mas escolheu o Lorde Mindinho, e lhe confiou o seu filho.
— Também é filho de Jon Arryn, primo — replicou Yohn Bronze mirando o Guardião com cenho franzido. — Seu lugar é no Vale.
Petyr fez uma cara de assombro.
— O Ninho da Águia faz parte do Vale tanto como Pedra das Runas.
Ou alguém o moveu sem que eu soubesse?
— Faça quantas piadas quiser, Mindinho — falou Lord Belmore. — O menino virá conosco.
— Lamento decepcioná-los, Lorde Belmore, mas meu enteado ficará comigo. Como bem sabem vocês todos, não é um menino robusto. A viagem se tornaria muito cansativa. Como seu padrasto e Lorde Protetor, não posso permitir isso.
Symond Templeton limpou a garganta.
— Cada um de nós tem mais de mil homens ao pé desta montanha, Mindinho.
— É um lugar muito bonito.
— Se for necessário, podemos convocar mais.
— Está me ameaçando com uma guerra, sor? — Petyr não parecia assustado em absoluto.
— Nós vamos levar Lord Robert — replicou Yohn Bronze.
Durante um momento, pareceu que haviam chegado a um beco sem saída, até que Lyn Corbray se afastou da lareira.
— Já estou farto. Se continuarem a escutar o Mindinho, ele vai convencê-los a baixar os calções. Só há uma maneira de resolver isso, e é com aço. — Desembainhou a espada larga.
Petyr estendeu as mãos.
— Vou desarmado, sor.
— Isso tem remédio. — A luz da vela ondulava ao longo do aço acinzentado da espada de Corbray, era tão escura que Sansa se recordou de Gelo, a espada de seu pai. — O Devora-maçãs está armado. Que dê a ele a espada, ou saque esse punhal.
Viu como Lothor Brune punha a mão na espada, mas antes que ele a desembainhasse, Yohn Bronze se levantou, irado.
— Guarda esse aço, sor! Quem é você? Um Corbray ou um Frey?
Estamos aqui como convidados.
— Isso é improcedente — disse a Senhora Waynwood franzindo o cenho.
— Embainhe esse aço, Corbray — mandou Lord Hunter, o Jovem.
— Está nos envergonhando a todos.
— Venha, Lyn — repreendeu Redfort em tom mais suave. — Isto não serve de nada. Meta a Dama Desesperada na cama.
— Minha senhora tem sede — insistiu Sor Lyn. — Sempre que sai para dançar toma um copo de vinho, bem vermelho.
Yohn Bronze se interpôs no caminho de Corbray.
— Pois desta vez ela continuará com sede.
— Senhores Rebeldes — bufou Lyn Corbray. — Teríamos que chamá-los de as Sete Velhas.
Voltou a embainhar a espada escura, empurrou Brune para o lado e saiu do aposento. Alayne ouviu como se distanciavam os sons dos seus passos.
Anya Waynwood e Horton Redfort trocaram um olhar. Hunter bebeu o copo de vinho e o estendeu para o enchessem novamente.
— Terá que nos perdoar esta ridícula exibição, Lorde Baelish — disse Sor Symond.
— Verdade? — A voz de Mindinho havia tornado-se gélida. — Foram vocês quem o trouxeram, meus senhores.
— Não era nossa intenção... — começou Yohn Bronze.
— Foram vocês quem o trouxeram. Eu tenho todo o direito de chamar os meus guardas e manda-los deter todos.
Hunter se pôs em pé tão bruscamente que quase bateu na garrafa que Alayne tinha nas mãos.
— Nos prometeu salvo-conduto!
— Sim. Então dê graças aos deuses por eu ter mais honra que outros.
— Nunca havia ouvido Petyr tão furioso. — Já li sua declaração e já ouvi suas exigências. Ouçam agora as minhas: retirem seus exércitos dessa montanha, marchem para as suas terras e deixem em paz o meu filho. Aqui tem havido um mau governo, não duvido, mas foi obra de Lysa, não minha.
Deem-me um ano, e com a ajuda de Lorde Nestor, os prometo que nenhum de vocês terá motivo de queixa.
— Isto é você quem diz — replicou Belmore. — Porque teremos que confiar?
— Como ousa desconfiar de mim? Não fui eu quem desembainhou aço no meio de uma trégua. Falam de defender Lorde Robert e ao mesmo tempo lhe negam comida. Isto tem que acabar. Não sou guerreiro, mas se não levantarem o sítio, lutarei com vocês. Não são os únicos senhores do Vale, e Porto Real também me enviará homens. Se é guerra o que vocês querem, digam, e o Vale sangrará.
Alayne viu que a dúvida começava a florescer nos olhos dos Senhores Rebeldes.
— Um ano não é tanto tempo — comentou Lorde Redfort, inseguro.
— Talvez... se nos assegurar...
— Nenhum de nós quer a guerra — disse a Senhora Waynwood. — O outono chega ao seu fim; teremos que nos preparar para o inverno.
Belmore interrompeu.
— Ao final deste ano...
— Se não puser ordem no Vale, me demitirei voluntariamente do cargo de Lorde Protetor – lhes prometeu Petyr.
— Me parece mais que justo — disse Lorde Nestor Royce.
—Não deve haver represálias — insistiu Templeton. — Não se falará de traição nem de rebelião. Isso também deve jurar.
— Encantado — respondeu Petyr. — O que quero são amigos, não inimigos. Outorgo perdão a todos, por escrito se quiserem. Inclusive a Lyn Corbray. Seu irmão é um bom homem, não há necessidade de que uma Casa tão nobre caia na vergonha.
A Senhora Waynwood se voltou para os Senhores Rebeldes.
— Podemos negociar, meus senhores?
— Não é necessário. É evidente que ele já ganhou. — Yohn Bronze cravou os olhos cinzentos em Petyr Baelish. — Não gosto disso, mas parece que vai ter o ano que quis. Use-o bem, meu senhor. Que não tenha nos enganado.
Abriu a porta com tanta força que esteve a ponto de arrancá-la das dobradiças.
Mais tarde, houve uma espécie de banquete, ainda que Petyr tivesse que pedir desculpas pela humildade da comida. Levaram-lhes a Robert vestido com um gibão azul e creme, que representou com bastante elegância o seu papel de senhor. Yohn Bronze não o presenciou: já havia partido do Ninho da Águia para começar a longa descida, com o fez Sor Lyn Corbray antes dele. Os outros senhores ficaram até a manhã seguinte.
Ele os seduziu, pensou Alayne aquela noite, na cama, enquanto ouvia o rugido do vento pela janela. Não havia sabido dizer como surgiu a suspeita, mas quando passou pela sua cabeça, não houve maneira de conciliar o sono. Mexeu-se e rolou na cama durante um longo tempo. Por último, se levantou e se vestiu, deixando Gretchel dormindo.
Petyr seguia acordado, escrevendo uma carta.
— Alayne? Olá querida, que faz aqui tão tarde?
— Preciso saber? O que acontecerá dentro de um ano?
— Redfort e Waynwood são velhos. — Petyr deixou a pluma sobre a mesa. — Pode ser que morra um deles, ou os dois. Os irmãos de Gilwood Hunter o assassinarão. Provavelmente se encarregará o jovem Harlan, o mesmo que tratou da morte de Lorde Eon. E já que comecei, vamos até o final. Belmore é corrupto, posso comprá-lo. Templeton e eu nos tornaremos amigos. Temo que Yohn Bronze continue sendo hostil, mas enquanto seja somente ele não representará nenhuma ameaça.
— E Sor Lyn Corbray?
A luz da vela dançava nos olhos de Petyr.
— Sor Lyn continuará sendo meu inimigo implacável. Falará de mim com desprezo e ódio a todo aquele que queira escutá-lo prestará sua espada a cada plano secreto para acabar comigo.
Foi então quando as suspeitas se converteram em certezas.
— E como lhe pagará os seus serviços?
Mindinho começou a rir.
— Com ouro, meninos e promessas, claro. Sor Lyn é um homem de gostos simples, querida. As únicas coisas que quer são ouro, meninos e alguém a quem matar.