Capítulo 8


Durante os anos que passou na Sicília, Astorre foi treinado para se tornar um Homem Qualificado. Chefiou inclusivamente um grupo de seis homens da cosca de Bianco numa incursão a Corleone para executar o seu primeiro “bombardeiro”, um homem que fizera ir pelos ares um general do Exército italiano e dois dos mais capazes juízes anti-Máfia da Sicília Uma ação audaciosa, que firmou a sua reputação entre os escalões superiores da cosca de Palermo liderada por Bianco.


Além disso, fazia uma vida social ativa, freqüentando os cafés e os clubes noturnos da cidade ― sobretudo para conhecer mulheres bonitas. Palermo estava cheia de jovens picciotti ― os soldados da Máfia, todos muito ciosos da sua virilidade, todos muito decididos a fazer boa figura com os seus ternos cortados por medida, as suas unhas arranjadas e os cabelos penteados para trás e colados ao crânio como uma pele, à custa de brilhantina. Todos desejosos de deixarem a sua marca ― de serem temidos ou amados. Os mais jovens não passavam de adolescentes, ostentando finos bigodes meticulosamente cuidados e lábios vermelhos como coral. Nunca cediam um milímetro a qualquer outro homem, e Astorre evitava-os. Totalmente imprevisíveis, matavam até os de mais alta condição no seu mundo, garantindo deste modo a sua própria eliminação quase imediata. Porque matar um companheiro da Máfia era, como seduzir-lhe a mulher, um crime punível com a morte. Para lhes satisfazer o orgulho, Astorre mostrava sempre a estes picciotti uma amável deferência. E gozava de uma certa popularidade entre eles. O fato de se ter semi-apaixonado por uma dançarina de clube noturno chamada Buji ajudou bastante, evitando-lhe más vontades em questões de coração.


Astorre foi durante vários anos o braço direito de Bianco contra a cosca Corleonesi. Periodicamente, recebia instruções de Don Aprile, que deixara de fazer as suas visitas anuais à Sicília.


O grande ponto de discórdia entre a cosca Corleonesi e a de Bianco era uma questão de estratégia a longo prazo. Os Corleonesi tinham optado por um reinado de terror contra as autoridades. Assassinavam magistrados e mandavam pelos ares os generais enviados para eliminar a Máfia na Sicília. Bianco estava convencido de que esta atitude acabaria por vir a revelar-se prejudicial a longo prazo, embora pudesse trazer algumas vantagens no imediato. Estas objeções levaram, porém, a que algum dos seus próprios amigos fossem assassinados. Bianco retaliou, e a carnificina foi tal que ambos os lados voltaram a procurar uma trégua.


Durante os seus anos na Sicília, Astorre fez um único amigo íntimo. Nello Sparra era cinco anos mais velho do que ele e tocava com um conjunto num clube de Palermo onde as “hospedeiras” eram muito bonitas e algumas trabalhavam como prostitutas de alto nível.


Nello nunca tinha falta de dinheiro ― aparentemente, dispunha de várias fontes de rendimento. Vestia elegantemente, ao estilo mafioso de Palermo. Estava sempre bem-disposto e pronto para uma aventura, e as raparigas do clube adoravam-no porque ele lhes dava pequenos presentes quando faziam anos e nas Festas. E também por suspeitarem que era um dos proprietários secretos do clube, um excelente lugar para se trabalhar graças à rigorosa proteção da cosca de Palermo, que controlava todos os locais de diversão da província. Por isso era com grande prazer que acompanhavam Nello e Astorre a festas particulares ou nas suas excursões ao campo.


Buji era uma morena alta, invulgarmente bonita e voluptuosa, que trabalhava no clube de Nello Sparra. Era famosa pelo seu temperamento explosivo e pela independência com que aceitava ou rejeitava amantes. Nunca encorajava um picciotti. Os homens que a cortejavam tinham de ter dinheiro e poder. Tinha fama de ser mercenária de uma forma franca e aberta que era considerada Mafiosa. Exigia presentes caros, mas a sua beleza e ardor tornavam os homens mais ricos de Palermo desejosos de lhe satisfazerem as necessidades.


Ao longo dos anos, Astorre e Buji criaram uma relação perigosamente próxima do verdadeiro amor. Buji preferia-o a todos os outros, embora não hesitasse em deixá-lo para ir passar um fim-de-semana particularmente lucrativo com um qualquer rico comerciante de Palermo. Da primeira vez que o fez, ele tentou recriminá-la, mas ela esmagou-o com uma dose maciça de senso comum.


― Tenho vinte e um anos ― disse. ― A minha beleza é o meu capital. Quando tiver trinta, posso ser uma dona de casa financeiramente independente com um monte de filhos e uma pequena loja. Claro que passamos uns bons momentos, mas tu hás-de regressar à América, para onde eu não tenho a mínima intenção de ir... e para onde tu não tens a menor intenção de me levar. Limitemo-nos a divertir-nos como dois seres humanos livres. Seja como for, hás de ter o melhor de mim antes que eu me farte de ti. Portanto, deixa-te de disparates. Tenho de cuidar da minha própria vida. ― E acrescentou, ironicamente. ― Além disso, dedicas-te a um ramo de atividade demasiado perigoso para que eu possa contar contigo.


Nello tinha uma enorme Villa fora de Palermo, junto à costa. Com dez quartos, acomodava facilmente as festas dos dois amigos. No exterior, havia uma piscina com a forma da Sicília e dois courts de ténis de terra que raramente eram usados.


Aos fins-de-semana, a casa era invadida pelos inúmeros familiares de Nello, que vinham da província visitá-lo. As crianças menores que não sabiam nadar eram “fechadas” nos courts com os seus brinquedos, velhas raquetas e montes de bolas de tênis, que jogavam ao pontapé como se fossem de futebol, até ficarem tão sujas de terra que pareciam pequenas avezinhas amarelas.


Astorre foi incluído nesta vida familiar e aceito como um sobrinho muito querido. Nello tornou-se como um irmão para ele. À noite, chegava a convidá-lo para o pequeno estrado onde a banda tocava e cantavam os dois baladas de amor sicilianas que enterneciam as empregadas e que o público aplaudia entusiasticamente.


O Leão de Palermo, esse juiz tão eminentemente corruptível, voltou a oferecer a sua casa e os seus préstimos para novo encontro entre Bianco e Limona. Mais uma vez, foram ambos autorizados a levar quatro guarda-costas. Bianco estava inclusivamente disposto a abrir mão de uma pequena parte do seu império de construção civil em Palermo para assegurar a paz.


Astorre não quis correr riscos. Ele e os três guardas compareceram à reunião fortemente armados.


Limona e o seu séquito esperavam em casa do magistrado quando Bianco, Astorre e os guardas chegaram. Fôra preparado um luxuoso jantar. Nenhum dos guardas se sentou à mesa da refeição. Só o juiz ― com a sua “juba” branca presa por uma fita cor-de-rosa ―, Bianco e Limona.


Este comeu muito pouco, mas mostrou-se extremamente amável e receptivo às expressões de afeto de Bianco. Prometeu que não haveria mais assassínios de funcionários do governo, especialmente dos que estavam a soldo de Bianco.


Terminado o jantar, quando se preparavam para passar à sala de fumo Para acertar os últimos pormenores, o Leão pediu que o desculpassem por alguns instantes. Estaria de volta dentro de cinco minutos, disse, com o sorriso embaraçado de quem dava a entender que tinha de responder a um apelo da natureza.


Limona abriu uma nova garrafa de vinho e encheu o copo de Bianco. Astorre aproximou-se da janela e olhou para o espaçoso pátio fronteiro à casa. Só ali estava estacionado um carro e, nesse instante, a alva cabeça do Leão de Palermo surgiu à vista. O magistrado entrou no carro, que se afastou velozmente.


Astorre não teve a mais pequena hesitação. O seu cérebro reuniu instantaneamente as peças daquele quebra-cabeças. Já empunhara a arma ainda antes de acabar de pensar. Limona e Bianco tinham os braços entrelaçados, bebendo cada um pelo seu copo. Astorre deu dois passos em frente, levantou a arma e disparou. A bala atravessou o copo antes de entrar na boca de Limona, e lascas de vidro espalharam-se como diamantes sobre o tampo da mesa. No mesmo instante, Astorre voltou a arma para os guarda-costas de Limona e continuou a disparar. Os seus próprios homens imitaram-no uma fração de segundo mais tarde. Os corpos tombaram no chão.


Bianco olhou para ele, estupefato.


― O Leão foi-se embora ― disse Astorre, e Bianco compreendeu imediatamente que se tratara de uma armadilha.


― Tem muito cuidado ― aconselhou, apontando para o corpo ensangüentado de Limona. ― Os amigos dele vão andar atrás de ti.


É possível a um homem teimoso ser leal, mas já não lhe é tão fácil manter-se afastado de sarilhos. Foi o que aconteceu a Pietro Fissolini. Depois do excepcional gesto de misericórdia de Don Raymonde Aprile para com ele, Fissolini nunca traiu o Dom mas traiu a própria família. Seduziu a mulher do seu sobrinho Aldo Monza. Isto muito tempo depois da sua promessa ao Dom quando tinha já sessenta anos.


Foi um gesto de perfeita loucura. Ao seduzir a mulher do sobrinho, Fissolini destruiu a sua liderança da cosca. Porque na estrutura compartimentada da Máfia, para manter o poder, um homem tem de pôr a família acima de tudo. E depois, havia um pormenor que tornava a situação dez vezes mais explosiva: a esposa seduzida era sobrinha de Bianco, e Bianco nunca toleraria que o marido exercesse sobre ela o seu direito de vingança. Aldo tinha inevitavelmente de matar Fissolini, o seu tio preferido e chefe da cosca. Duas províncias iam envolver-se numa guerra sangrenta, haveria centenas de mortos. Astorre mandou recado ao Dom pedindo instruções.


A resposta que recebeu foi: “Salvaste-o uma vez; vais ter de decidir novamente.”


Aldo Monza era um dos membros mais apreciados da Cosca e da família. Era também um dos homens a quem o Don poupara a vida, tantos anos antes. Por isso, quando Astorre o chamou à casa do Dom compareceu prontamente. Astorre excluiu Bianco da reunião, dando-lhe a garantia de que protegeria a sobrinha.


Monza era alto para um siciliano, quase um metro e oitenta. Tinha uma constituição magnífica, um corpo moldado pelo duro trabalho dos campos desde a infância. Mas tinha uns olhos cavernosos e a cara tão descarnada, com uma pele tão esticada, que a sua cabeça parecia uma caveira. Esta característica fazia-o parecer particularmente feio e perigoso. E, de certa maneira, trágico. Monza era o mais inteligente e o mais instruído dos membros da cosca de Fissolini. Estudara Veterinária em Palermo, e para onde quer que fosse levava a sua maleta de instrumentos. Tinha uma simpatia natural pelos animais, e os seus préstimos eram constantemente solicitados. O que o não impedia de ser tão intransigentemente fiel ao código de honra siciliano como qualquer camponês. A seguir a Fissolini, era o homem mais poderoso da cosca.


Astorre tomara a sua decisão.


― Não estou aqui para pedir pela vida do Fissolini. Sei que a cosca aprovou a tua vingança. Compreendo o teu desgosto. Mas estou aqui para pedir pela vida da mãe dos teus filhos.


Monza olhou para ele. ― Traiu-me a mim e aos meus filhos. Não posso deixá-la viver.


Escuta-me ― pediu Astorre. ― Ninguém tentará vingar o Fissolini. Mas a mulher é sobrinha do Bianco. E ele há de querer vingá-la. A cosca dele é mais forte do que a tua. Vai ser uma guerra sangrenta. Pensa nos teus filhos.


Monza fez um gesto de desdém com a mão.


― Quem sabe até se são meus? Ela é uma puta. ― Fez uma pausa. ― E terá uma morte de puta.


O fulgor da morte iluminou-lhe o rosto. Estava para lá da raiva. Estava disposto a destruir o mundo.


Astorre tentou imaginar a vida daquele homem na sua aldeia natal, a honra perdida, a sua dignidade destruída pelo próprio tio e pela mulher.


― Ouve-me com muita atenção ― disse. ― Há muitos anos, Don Aprile poupou-te a vida. Agora pede-te este favor. Vinga-te do Fissolini, como todos sabemos que deves. Mas poupa a tua mulher, e o Bianco mandá-la-á e aos filhos para junto de uns parentes que tem no Brasil. Quanto a ti, pessoalmente, faço-te esta oferta com a aprovação do Dom: ― Vem comigo como meu ajudante pessoal, como meu amigo. Viverás uma vida rica e interessante. E serás poupado à vergonha de viver na tua aldeia. Além disso, estarás a salvo da vingança dos amigos do Fissolini.


Astorre ficou satisfeito ao ver que Monza não fazia qualquer gesto de surpresa ou ira. Durante cinco minutos ficou imóvel, pensando intensamente. Então perguntou:


― Continuará a pagar à cosca da minha família? O meu irmão será o chefe.


― Certamente ― respondeu Astorre. ― São valiosos para nós.


― Então, depois de matar o Fissolini, irei consigo. Nem o senhor nem o Bianco interferirão eja de que maneira for. A minha mulher não vai para o Brasil antes de ver o cadáver do meu tio.


― De acordo ― disse Astorre. E, ao recordar o rosto rude e jovial de Fissolini, sentiu uma ponta de pena. ― Quando será?


― Domingo ― respondeu Monza. ― Na segunda-feira estarei consigo. E que Deus faça arder a Sicília e a minha mulher em mil infernos, para todo o sempre.


― Regressarei contigo à tua aldeia ― anunciou Astorre. ― A tua mulher ficará sob a minha proteção. Receio que te deixes arrastar.


Monza encolheu os ombros. ― Não posso consentir que a minha sorte seja decidida por aquilo que uma mulher mete dentro da vagina.


A cosca Fissolini reuniu muito cedo na manhã de domingo. Os sobrinhos e cunhados tinham de decidir se deviam ou não matar o irmão mais novo de Fissolini, para evitar a sua vingança. Com toda a certeza o irmão soubera da sedução e, não a denunciando, pactuara com ela. Astorre não participou na discussão. Limitou-se a deixar claro que a mulher e os filhos não seriam tocados. Mas a ferocidade daqueles homens por causa de um crime que não lhe parecia assim tão grave gelou-lhe o sangue. Apercebeu-se então de até que ponto o Don fora misericordioso para com ele.


Compreendeu que não se tratava apenas de uma questão sexual. Quando uma mulher trai o marido com um amante, deixa entrar um possível inimigo na estrutura política da cosca. Pode revelar segredos que minam as defesas; confere ao amante poder sobre a Família do marido. É uma espia numa guerra. O amor não é desculpa para tão grande traição.


A cosca reuniu-se, pois, no domingo de manhã, ao pequeno-almoço em casa de Aldo Monza, e depois as mulheres saíram para ir à missa com as crianças. Três homens da cosca levaram o irmão de Fissolini para os campos... e para a morte. Os outros ficaram a ouvir Fissolini discursar. Só Aldo Monza não riu das suas piadas. Astorre, como convidado de honra, estava sentado ao lado do chefe.


― Aldo ― disse Fissolini ao sobrinho, com um sorriso trocista ― estás a ficar tão azedo como a tua cara.


Monza olhou-o diretamente nos olhos.


― Não posso estar tão contente como tu, tio ― respondeu. ― Ao fim e ao cabo, não partilho a tua mulher, pois não?


Nesse instante, três homens da cosca agarraram Fissolini e amarraram-no à cadeira. Monza foi à cozinha e voltou com a sua maleta de instrumentos. ―Tio ― disse.. ― Vou ensinar aquilo que esqueceste.


Astorre desviou a cabeça.


Sob a luz ofuscante do Sol daquela manhã de domingo, pela estrada de terra que levava à famosa igreja da Sagrada Virgem Maria, um grande cavalo branco avançava lentamente a passo. Montado nesse cavalo ia Fissolini. Estava amarrado à sela com arames, e tinha as costas apoiadas num tosco crucifixo de madeira. Parecia quase vivo. Mas sobre a sua cabeça, como uma coroa de espinhos, havia um ninho de gravetos cheio de erva verde, e dentro desse ninho, em cima da erva, estavam o seu pênis e os seus testículos, dos quais escorriam finos fios de sangue que lhe deslizavam pela testa e pela cara.


Aldo Monza e a sua bela esposa esperavam de pé nos degraus da igreja. Ela começou a benzer-se, mas ele agarrou-lhe o braço e manteve-lhe a cabeça levantada, obrigando-a a ver. Depois empurrou-a para a estrada, para que seguisse o cadáver.


Astorre aproximou-se e enfiou-a no carro, para levá-la para Palermo. Monza deu um passo na direção dele e da mulher, com uma máscara de ódio na face. Astorre olhou-o calmamente nos olhos e levantou um dedo, num gesto de aviso. Monza deixou-os ir.


Seis meses depois da morte de Limona, Nello convidou Astorre para um fim-de-semana na sua vilã Jogariam tênis e nadariam no mar. Deliciar-se-iam com os magníficos peixes que ali se pescavam e teriam a companhia de duas das raparigas mais bonitas do clube, Buji e Stella. E dessa vez teriam a casa só para eles. A família inteira ia a um casamento, algures no campo. Estava um belo tempo siciliano, com esse sol velado tão especial que impede que o calor se torne insuportável e transforma o céu numa espécie de dossel refulgente suspenso sobre a ilha. Astorre e Nello jogaram tênis com as raparigas, que nunca tinham visto uma raqueta em toda a sua vida mas batiam as bolas com excitado entusiasmo e as faziam voar por cima da vedação. Finalmente, Nello sugeriu um passeio pela praia e um mergulho no mar. Os quatro guarda-costas divertiam-se à sombra do alpendre, onde os criados da casa lhes serviam comida e bebida. O que os não fazia descurar a vigilância, até porque gostavam de ver os corpos esbeltos das duas mulheres nos seus maiôs, especulando a respeito de qual das duas seria melhor na cama, e concordando todos que devia ser Buji, cuja vivacidade e alegria pareciam dar testemunho de um elevado potencial de excitação. Por isso se prepararam para o passeio na praia de bom humor, chegando inclusivamente a arregaçar as pernas das calças.


Astorre, porém, fez-lhes sinal para que ficassem.


― Manter-nos-emos à vista ― disse-lhes. ― Saboreiem as vossas bebidas.


Desceram os quatro até à praia e começaram a caminhar à beira d'água, Nello e Astorre à frente, as duas raparigas atrás. Quando se afastaram cinqüenta metros, Stella e Buji começaram a despir os maiôs. Buji baixou as alças para expor os seios, segurando-os com as mãos em concha e voltando-os para o Sol.


Saltaram todos para a água, que estava agradavelmente fresca. Nello, que era um excelente nadador, mergulhou e voltou à superfície entre as pernas de Stella, de modo que quando se pôs de pé, ficou com ela encavalitada nos ombros.


― Anda lá! ― gritou a Astorre.


E Astorre avançou até onde a profundidade era suficiente para poder nadar, com Buji a agarrá-lo pelas costas. Empurrou-a para baixo, mergulhando com ela, mas, em vez de assustar-se, Buji puxou-lhes os calções, quase o despindo.


Submerso, Astorre sentiu uma vibração nos ouvidos. Simultaneamente, viu os seios brancos de Buji suspensos na água verde por cima dele e a cara risonha dela muito perto da sua. Então, quando a vibração se tornou um rugido, subiu à superfície, com Buji ainda agarrada às suas ancas nuas.


A primeira coisa que viu foi a lancha rápida a voar na sua direção, o rugido do motor a rasgar o ar e a água. Nello e Stella estavam na praia. Como teriam lá chegado tão depressa? Muito ao longe, viu os quatro guarda-costas, com as pernas das calças arregaçadas, a correrem em direção à praia. Empurrou Buji para debaixo de água, afastando-a de si, e tentou avançar a pé para terra. Mas era demasiado tarde. A lancha estava muito perto, e viu o homem com a espingarda, a apontar cuidadosamente. O barulho dos tiros foi abafado pelo rugido do motor.


A primeira bala fê-lo rodopiar, ficando de frente para o atirador. O seu corpo pareceu saltar fora de água e depois desapareceu abaixo da superfície. Ouviu o barco afastar-se, e então sentiu Buji a puxá-lo, a arrastá-lo, a tentar carregá-lo para a areia.


Quando os guarda-costas chegaram, encontraram Astorre estendido de cara para baixo, com uma bala na garganta. De joelhos a seu lado, Buji soluçava.


Astorre demorou quatro meses a recuperar dos ferimentos. Bianco escondera-o num pequeno hospital particular de Palermo, onde podia estar sob vigilância armada e receber o melhor tratamento. Ia visitá-lo todos os dias, e Buji aparecia sempre que tinha folga no clube.


Foi perto do fim da sua estada no hospital que Buji lhe levou uma gargantilha de ouro com cinco centímetros de largura da qual pendia uma medalha com a imagem da Virgem Maria. Pôs-lha à volta do pescoço, como um colar, e posicionou a medalha sobre a cicatriz da ferida. Fora tratada com um material adesivo que a fez colar à pele. O disco tinha o tamanho de um dólar de prata, mas cobria a ferida e parecia um enfeite, sem no entanto ter fosse o que fosse de efeminado.


― Serve ― disse Buji, carinhosamente. ― Não suportava olhar para essa cicatriz. ― E beijou-o ao de leve.


― Tens de lavar o adesivo uma vez por dia ― aconselhou Bianco.


― Ainda alguém me corta a garganta por causa do ouro ― protestou Astorre, aborrecido. ― Será tudo isto realmente necessário?


― Sim ― respondeu Bianco. ― Um homem de respeito não pode ostentar uma ferida infligida por um inimigo. Além disso, a Buji tem razão. Essa cicatriz tem um aspecto horrível.


A única coisa que Astorre registou foi que Bianco lhe chamara um homem de respeito. Octavius Bianco, o mafioso perfeito, dera-lhe essa honra. Ficou surpreendido e lisonjeado.


Depois de Buji partir ― para um fim-de-semana com o comerciante de vinhos mais rico de Palermo ―, Bianco segurou um espelho para que Astorre pudesse ver-se. A fita de ouro era magnificamente trabalhada. A Virgem, pensou Astorre; estava por todo o lado, na Sicília; em oratórios à beira das estradas, nos carros e nas casas, nos brinquedos das crianças.


― Por que é que os Sicilianos veneram a Virgem e não Jesus? ― perguntou a Bianco.


Bianco encolheu os ombros.


― Jesus, ao fim e ao cabo, era apenas um homem, de modo que não se pode confiar inteiramente nele. Seja como for, esquece tudo isso. Antes de regressares à América, vais passar um ano em Londres com o sr. Pryor, para aprenderes o negócio bancário. Ordens do teu tio. E há outra coisa. O Nello tem de morrer.


Astorre tinha pensado muito em todo aquele caso e sabia que Nello era culpado. Mas, porquê? Tinham sido amigos durante tanto tempo, e fora uma amizade genuína. Mas então houvera aquilo da morte de Limona.


Nello devia estar ligado de alguma maneira à costa Corleonesi, e fôra obrigado a fazer o que fizera. E havia o fato de Nello nunca ter ido visitá-lo ao hospital. Na realidade, desaparecera de Palermo. Deixara de tocar no clube. Mesmo assim, Astorre ainda tinha a esperança de estar enganado.


― Tem a certeza de que foi o Nello? ― perguntou. ― Era o meu melhor amigo.


― Quem querias tu que eles usassem? ― respondeu Bianco. ― O teu pior inimigo? O teu amigo, evidentemente. Seja como for, terás de ser tu a castigá-lo pessoalmente, como homem de respeito. Por isso vê lá se te pões bom.


Na próxima visita de Bianco, Astorre disse-lhe:


― Não temos provas contra o Nello. Deixa as coisas como estão e faz as pazes com os Corleonesi. Que toda a gente pense que morri.


Bianco começou por discutir acaloradamente, mas acabou por aceitar a sensatez da sugestão de Astorre e achou-o um homem muito astuto. Podia fazer as pazes com os Corleonesi, e as contas ficariam saldadas. Quanto a Nello, era apenas um peão que nem valia a pena matar.


Até outro dia.


Os preparativos demoraram uma semana. Astorre regressaria aos Estados Unidos depois de passar por Londres, onde seria instruído pelo sr. Pryor. Bianco disse-lhe que Aldo Monza seguiria diretamente para a América. Ficaria com Don Aprile e esperaria por ele em Nova Iorque.


Astorre passou um ano em Londres com o sr. Pryor. Foi uma experiência fascinante, e enriquecedora.


No seu escritório, enquanto bebiam vinho com limão, o sr. Pryor explicou-lhe que havia projetos extraordinários para ele. Que a sua estada na Sicília fizera parte de um plano do Don que visava prepará-lo para desempenhar um certo e importante papel.


Astorre perguntou-lhe por Rosie. Nunca a esquecera ― a sua graça, a sua alegria de viver, a sua generosidade em tudo o que fazia, incluindo o amor. Tinha saudades dela.


O sr. Pryor arqueou as sobrancelhas.


― A jovem mafiosa ― disse. ― Sabia que não te esquecerias dela.


― Sabe onde está?


― Claro. Em Nova Iorque.


― Tenho pensado nela ― disse Astorre, hesitantemente. ― Ao fim e ao cabo, eu estive ausente muito tempo, e ela era tão nova. O que aconteceu foi muito natural. Gostava de voltar a vê-la.


― Com certeza ― respondeu o sr. Pryor. ― Por que não? Depois do jantar, dou-te toda a informação de que necessitas.


Foi assim que, mais tarde nessa noite, no gabinete do sr. Pryor, Astorre ficou a saber toda a história de Rosie. O sr. Pryor passou gravações de telefonemas que revelavam os encontros dela com homens no seu apartamento. Aquelas gravações deixavam bem claro que tinha relações sexuais com eles, e que eles lhe ofereciam prendas caras e dinheiro. Foi um choque para Astorre ouvir a voz dela a usar tonalidades que julgava reservadas só para si ― o riso cristalino, as respostas prontas e espirituosas, as fiares de afeto. Era extremamente encantadora, nunca ordinária ou vulgar. Conseguia parecer uma liceal a combinar a ida ao baile de fim de curso. A sua inocência era uma obra de gênio.


O sr. Pryor tinha a pala do boné puxada para os olhos, mas estava a vigiá-lo.


― É muito boa, não é? ― perguntou Astorre. ― Uma artista nata.


― Estas gravações foram feitas quando eu ainda andava com ela?


O sr. Pryor fez um gesto vago com a mão.


― Era meu dever proteger-te. Sim.


― E nunca me dissesse nada?


― Estavas loucamente apaixonado. Para quê estragar-te o prazer? Ela não era gananciosa, tratava-te bem. Também eu já fui jovem e, acredita no que te digo, no amor a verdade não tem a mais pequena importância. Além disso, e apesar de tudo, é uma rapariga maravilhosa.


― Uma pega de luxo ― disse Astorre, quase com amargura.


― Não exatamente ― respondeu o sr. Pryor. ― Tinha de fazer pela vida. Fugiu de casa com catorze anos, mas era altamente inteligente e queria estudar. Também queria ter uma boa vida. Tudo perfeitamente natural. Sabia fazer os homens felizes, o que é um talento raro. É no mínimo justo que eles pagassem por isso.


Astorre riu-se.


― Vejo que é um siciliano muito progressista. Mas, e aquilo de ter passado vinte e quatro horas em casa com um cadáver?


O sr. Pryor lançou uma gargalhada de puro gozo.


― Essa é a melhor parte dela. Puro mafioso. Tem um coração quente, mas uma cabeça fria. Que combinação. Magnífica. Em todo o caso, tem muito cuidado com ela. As pessoas assim são sempre perigosas.


― E o nitrato de amilo? ― perguntou Astorre.


― Nesse ponto, está inocente. O caso com o professor já vinha de antes de vocês se conhecerem, e foi ele que insistiu em usar a droga. Não, o que aqui temos é uma rapariga que pensa apenas na sua própria felicidade, com exclusão de tudo o mais. Não tem quaisquer inibições sociais. O meu conselho é que te mantenhas em contato. Pode ser que venha a ter uso para os seus talentos.


― Concordo ― disse Astorre. Surpreendia-o o fato de não estar zangado com Rosie, e de o encanto dela ser quanto bastava para que tudo lhe fosse perdoado. Deixaria as coisas como estavam, prometeu ao sr. Pryor.


― Ótimo. Mais um ano aqui, e voltarás para junto de Don Aprile.


― E o que vai acontecer ao Bianco?


O sr. Pryor abanou a cabeça e suspirou.


― O Bianco terá de ceder. A cosca Corleonesi é demasiado forte. Não te perseguirão. O Don tratou de estabelecer a paz. A verdade é que o êxito tornou o Bianco demasiado civilizado.


Astorre manteve-se a par da vida de Rosie. Em parte por uma questão de prudência, em parte em nome da recordação do grande amor da sua vida. Soube que ela tinha voltado aos estudos e estava a fazer uma licenciatura em Filosofia na Universidade de Nova Iorque, que vivia num apartamento próximo da faculdade e que finalmente se tornara mais profissional com homens mais velhos e mais ricos.


Era muito esperta. Mantinha três ligações ao mesmo tempo e distribuía as suas recompensas entre prendas caras, dinheiro, jóias e férias nas estâncias freqüentadas pelos ricos ― onde fazia novos contatos. Ninguém poderia chamar-lhe uma prostituta profissional, uma vez que nunca pedia fosse o que fosse, mas nunca recusava uma prenda.


Claro que muitos daqueles homens se apaixonavam por ela. Mas Rosie recusava todas as propostas de casamento. Insistia em que eram amigos que se amavam, que o casamento não lhes quadrava a eles, ou a ela. A maior parte dos homens aceitava esta decisão com um alívio agradecido. Não era uma caça-fortunas, nunca pedia dinheiro e nunca mostrava o menor indício de ganância. Tudo o que queria era viver uma vida de luxo, livre de problemas. Mas o instinto dizia-lhe que pusesse alguma coisa de lado, para o futuro. Por isso tinha cinco contas bancárias diferentes e dois cofres de depósito.


Foi poucos meses depois da morte do Don que Astorre decidiu tornar a procurar Rosie. Tinha a certeza de que era exclusivamente para que ela o ajudasse nos seus planos. Disse a si mesmo que lhe conhecia os truques e que não voltaria a deixar-se deslumbrar. Ela devia-lhe um favor, e ele conhecia o seu segredo fatal.


Sabia também que, num certo sentido, ela era amoral. Que se punha a si mesma e ao seu prazer num domínio exaltado, quase uma crença religiosa. Acreditava com todo o coração que tinha o direito de ser feliz, e que isto tinha precedência sobre tudo o mais.


Mais do que qualquer outra coisa, porém, queria vê-la outra vez. Como acontecia com tantos homens, a passagem do tempo minorara a traição e engrandecera os encantos. Os pecados dela pareciam-lhe cada vez mais o resultado de uma inconsciência juvenil, e não uma prova de que não o amava. Lembrou-se dos seios dela, de como se cobriam de manchas rosadas quando faziam amor; do modo como baixava timidamente a cabeça; da sua alegria contagiosa; do seu delicado bom humor. Do modo como caminhava tão sem esforço, das suas pernas finas e elegantes, do calor incrível da sua boca e dos seus lábios. A despeito de tudo isto, Astorre convenceu-se a si mesmo de que aquela visita tinha estritamente a ver com negócios.


Rosie preparava-se para entrar no prédio onde morava quando ele parou à sua frente, sorriu e disse olá. Deixou cair os livros que levava debaixo do braço direito, corou intensamente de prazer, os olhos brilharam-lhe. Deitou-lhe os braços ao pescoço e beijou-o nos lábios.


― Eu sabia que havia de voltar a ver-te ― disse. ― Sabia que havias de perdoar-me.


Então, puxou-o para dentro do edifício e quase o arrastou por um lanço de escadas até ao apartamento.


Serviu bebidas, vinho para ela, brande para ele. Sentaram-se os dois no sofá. A sala estava luxuosamente mobilada, e Astorre sabia de onde tinha vindo o dinheiro.


― Por que demoraste tanto tempo? ― perguntou Rosie, e enquanto falava tirava os anéis dos dedos, os brincos das orelhas, puxando pelos lobos. Fez deslizar pela mão as três pulseiras de ouro e diamantes que usava no braço esquerdo.


― Estive ocupado ― respondeu Astorre. ― E levei muito tempo a encontrar-te.


Rosie dirigiu-lhe um olhar cheio de ternura.


― Continuas a cantar? Continuas a montar com aquela ridícula fatiota vermelha? ― Voltou a beijá-lo, e Astorre sentiu um calor no cérebro, uma resposta incontrolável.


― Não ― disse. ― Rosie, não podemos voltar atrás.


Ela fê-lo levantar-se. ― Foi a época mais feliz da minha vida ― murmurou.


E então estavam no quarto, e segundos depois estavam ambos nus. Rosie tirou num frasco de perfume da mesa de cabeceira e aspergiu-se primeiro a si mesma, depois a ele.


― Não há tempo para um banho ― disse, rindo.


No instante seguinte estavam os dois na cama, e ele viu as manchas rosadas espalharem-se-lhe lentamente pelos seios.


Para Astorre, foi uma experiência extra-corporal. Apreciou o sexo, mas não conseguiu apreciar Rosie. No seu espírito, via-a a vigiar o cadáver do professor de História durante uma noite e um dia. Se estivesse vivo, poderia ter sido ajudado a viver? Que fizera Rosie sozinha com a morte e o professor?


Estendida de costas, Rosie estendeu as mãos para lhe tocar no peito. Baixou a cabeça e murmurou suavemente: ― A velha magia negra já não resulta.


Estava a brincar com o medalhão de ouro que ele usava ao pescoço, viu a feia cicatriz cor de púrpura e beijou-a.


― Foi muito bom - afirmou Astorre.


Rosie sentou-se na cama, inclinando o tronco nu para cima dele.


― Não consegues perdoar-me pelo professor, por tê-lo deixado morrer e ficado junto dele, não é isso?


Astorre não respondeu. Nunca lhe diria o que agora sabia a respeito dela. Que ela nunca mudara.


Rosie levantou-se e começou a vestir-se. Ele fez o mesmo.


― És uma pessoa muito terrível ― disse ela. ― O sobrinho adotado de Don Aprile. E o teu amigo de Londres que ajudou a resolver o meu problema. Fez um trabalho muito profissional para um banqueiro inglês, mas não quando se sabe que tinha imigrado de Itália. Não foi muito difícil somar dois e dois.


Estavam na sala, e ela serviu-lhe outra bebida. Olhou-o intensamente nos olhos.


― Sei o que tu és. E não me importo, palavra que não. Na realidade, somos almas gêmeas. Não é perfeito?


Astorre riu-se.


― A última coisa que quero encontrar é uma alma gémea ― disse. ― Mas vim ver-te para te falar de negócios.


Rosie adotou imediatamente uma expressão impassível. Todo o encanto tinha desaparecido do seu rosto. Começou a enfiar os anéis nos dedos.


― O meu preço para uma rapidinha são quinhentos dólares ― declarou. ― Aceito cheques.


Sorriu-lhe maliciosamente. Estava a brincar. Astorre sabia que ela só aceitava presentes nas Festas e nos aniversários, e que esses presentes eram sempre muito mais substanciais. O apartamento onde se encontravam, por exemplo, fora uma prenda de anos de um admirador.


― Não, a sério ― disse. ― E então falou-lhe dos irmãos Sturzo e do que queria que ela fizesse. E rematou : ― Dou-te já vinte mil dólares para as despesas, e mais cem mil quando estiver feito.


Rosie olhou para ele, pensativamente.


― O que é que acontece depois? ― perguntou.


― Não tens de preocupar-te com isso.


― Estou a ver. E se eu disser que não?


Astorre encolheu os ombros. Não queria pensar nisso. ― Nada ― disse.


― Não me denuncias às autoridades inglesas.


― Nunca faria uma coisa dessas ― protestou Astorre, e Rosie não podia duvidar da sinceridade na voz dele.


― OK. ― disse ela, com um suspiro. E então os olhos brilharam-lhe. Sorriu-lhe. ― Outra aventura! ― exclamou.


Agora, atravessando de noite os campos de Westchester, Astorre foi acordado pela pressão da mão de Aldo Monza na sua perna.


― Mais meia hora. Tem de preparar-se para os irmãos Sturzo. Olhou pela janela do carro. A neve continuava a cair. A toda a volta, os campos estavam totalmente desertos, com exceção de algumas árvores nuas cujos ramos se estendiam como varinhas de condão. O manto de neve luminescente fazia as pedras parecerem estrelas refulgentes. Nesse momento, sentiu uma fria desolação invadir-lhe o peito. Depois daquela noite, o seu mundo ia mudar, ele ia mudar, e, de certa maneira, a sua verdadeira vida ia começar.


Chegaram à casa às três da madrugada, no meio de uma paisagem fantasmagoricamente branca, povoada por grandes montes de neve.


Lá dentro, os irmãos Sturzo estavam algemados, com grilhetas nos pés e os troncos cingidos por coletes especiais que lhes tolhiam os braços. Jaziam no chão de um dos quartos, vigiados por dois homens armados.


Astorre olhou-os com simpatia.


― É um elogio ― disse-lhes. ― Sabemos como são perigosos.


Os dois irmãos eram completamente diferentes nas suas atitudes. Stace parecia calmo, resignado, mas Franky olhava-os com uma expressão de ódio que transformava o seu rosto habitualmente amável no de uma górgona.


Astorre sentou-se na cama.


― Suponho que já perceberam ― disse.


― Rosie foi a isca ― respondeu Stace, tranqüilamente. ― Foi muito boa, certo, Franky?


― Excepcional ― respondeu Franky. Estava a fazer um esforço enorme para que a voz não lhe saísse histericamente alta,


― Foi porque gostou verdadeiramente de vocês ― afirmou Astorre. ― Era louca especialmente por ti, Franky. Foi duro para ela. Muito duro.


― Então por que o fez? ― cuspiu desdenhosamente Franky.


― Porque eu lhe dei muito dinheiro. Mesmo muito dinheiro. ― Tu sabes como é, Franky.


― Não, não sei.


― Calculo que há de ter custado uma grande porção de massa convencer um par de tipos como vocês a aceitarem um contrato sobre Don Aprile ― disse Astorre, coloquialmente. ― Um milhão? Dois milhões?


― Está enganado ― afirmou Stace. ― Não tivemos nada a ver com isso. Não somos assim tão estúpidos.


― Sei que foram vocês os atiradores ― retorquiu Astorre. ― Têm reputação de ser homens de tomates. Fiz uma investigaçãozinha a vosso respeito. Ora bem, o que quero de vocês é o nome do intermediário.


― Está enganado ― repetiu Stace. ― Não pode atirar-nos com isso para cima. E, ao fim e ao cabo, quem raio e você?


― Sou o sobrinho do Don. O super-varredor dele. Passei quase seis meses a investigá-los aos dois. No dia do assassínio, não estavam em L. A. Estiveram ausentes mais de uma semana. Tu, Franky, faltaste a dois treinos dos miúdos. E tu, Stace, não apareceste na loja uma única vez. Nem sequer telefonaram. Digam-me então onde estiveram.


― Eu estive em Vegas, a jogar ― respondeu Franky. ― E podíamos conversar melhor se mandasse tirar algumas destas merdas. Não somos a porra do Houdini.


Astorre dirigiu-lhe um sorriso de compreensão.

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