Capítulo 11


Quando recebeu a mensagem de Heskow, codificada e urgente, a pedir um encontro, Astorre tomou assuas precauções. Havia sempre a possibilidade de uma armadilha, de uma traição. Por isso, em vez de responder ao recado, apareceu inesperadamente em casa de Heskow, em Brightwaters, à meia-noite. Levou Aldo Monza consigo e um segundo carro com mais quatro homens. Além disso, usava um colete à prova de bala. Chamou-o cá de fora, para obrigá-lo a abrir a porta.


Heskow não pareceu surpreendido. Serviu café para os dois e então, sorrindo, disse: ― Tenho boas notícias e más notícias. Quais quer primeiro?


― Despeje ― disse Astorre.


― Primeiro as más, então. Tenho de abandonar definitivamente o país, e a causa são as boas notícias. Espero que cumpra a sua promessa. De que nada acontecerá ao meu filho, mesmo que eu deixe de trabalhar para si.


― Tem essa promessa ― aquiesceu Astorre. ― Agora diga-me, por que é que tem de abandonar o país?


Heskow abanou a cabeça, num cômico gesto de comiseração.


― Porque o cretino do Portella passou-se de todo. Vai liquidar o Cilke, o tipo do FBI. E quer que eu chefie a equipe operacional.


― Por que não recusa? ― perguntou Astorre.


― Porque não posso. A ordem partiu de todo o grupo que está com ele, e se eu recusar vou pelo cano, e provavelmente o meu filho também. Portanto, vou organizar o golpe, mas não acompanharei a equipe. Nessa altura já estarei bem longe. Quando despacharem o Cilke, o FBI manda uma centena de homens para aqui e não deixa uma pedra por virar até resolver o caso. Disse-lhes isto mesmo, mas eles estão-se cagando. O Cilke traiu-os, ou lá o que foi. Estão convencidos de que podem sujá-lo o suficiente para que a coisa não vá muito longe.


Astorre esforçou-se por não mostrar a sua satisfação. Tinha resultado. Cilke morreria sem qualquer perigo para ele. E com um pouco de sorte, o FBI desembaraçar-se-ia de Portella.


― Quer deixar-me um endereço? ― perguntou.


Heskow sorriu com uma desconfiança quase desdenhosa.


― Não me parece bom ― disse. ― Não que não confie em si; mas posso sempre entrar em contato consigo.


― Bom, obrigado por ter-me dito. Só mais uma coisa. Quem tomou verdadeiramente essa decisão?


― O Timmona Portella. Mas o Inzïo Tulippa e o cônsul assinaram por baixo. O Corleonesi, o tal Grazziella, lavou as mãos do assunto. Distanciou-se de toda a operação. Acho que se vai embora para a Sicília. O que é curioso, uma vez que, segundo parece, matou quase toda a gente que lá havia.


― A verdade é que não conseguem compreender como é que a América funciona, e o Portella é pura e simplesmente estúpido. Diz que pensava que ele e o Cilke eram amigos a sério.


― Vai então chefiar a equipe operacional ― comentou Astorre. ― Também não é lá muito inteligente.


― Não, já lhe disse que quando eles atacarem a casa já eu estarei muito longe.


― A casa? ― perguntou Astorre. E nesse instante teve medo daquilo que sabia que ia ouvir.


― Exato ― respondeu Heskow. ― Uma grande equipe de ataque, que depois do golpe se mete num avião para a América do Sul e desaparece.


― Muito profissional ― disse Astorre. ― E quando vai ser isso?


― Depois de amanhã à noite. ― Tudo o que tem de fazer é manter-se afastado e eles resolvem-lhe todos os problemas. São essas as boas notícias.


― Pois são. ― Astorre manteve uma expressão impassível, mas no seu espírito estava a imagem de Georgerte Cilke, da sua beleza e bondade.


― Achei que era boa idéia avisá-lo, de modo a poder preparar um bom álibi ― continuou Heskow. ― É uma que me fica a dever, portanto tome conta do meu filho.


― Pode apostar que sim ― respondeu Astorre. ― Não se preocupe com isso.


Apertou a mão a Heskow antes de sair.


― Penso que faz bem em sair do país ― disse. ― Vai ser o diabo à solta.


― Pois vai ― concordou Heskow.


Por um instante, Astorre perguntou a si mesmo o que fazer com ele. Ao fim e ao cabo, o homem conduzira o carro dos assassinos do Dom. Tinha de pagar por isso, por muito que o tivesse ajudado. Mas Astorre sofrera uma certa perda de energia ao saber que a mulher e a filha de Cilke seriam mortas juntamente com ele. Deixa-o ir, pensou. Ainda pode vir a ser-te útil mais tarde. Teria então muito tempo para matá-lo. Olhou para o rosto sorridente de Heskow, e devolveu-lhe o sorriso.


― É um homem muito esperto ― disse-lhe.


Heskow corou de prazer.


― Eu sei ― respondeu. ― É assim que me mantenho vivo.

No dia seguinte, às onze da manhã, Astorre chegou à delegação do FBI acompanhado por Nicole Aprile, que arranjara o encontro.


Passara a noite inteira a ponderar o que devia fazer. Planeara tudo aquilo para conseguir que Portella matasse Cilke. Mas sabia que não podia deixar que Georgette e a filha fossem igualmente mortas. Também sabia que Don Aprile nunca teria interferido com o destino numa situação daquelas. Mas então recordara uma história a respeito do Don que o fizera pensar.


Certa noite; quando tinha doze anos e estava na Sicília com o Don durante a sua visita anual, Caterina servira-lhes o jantar no pavilhão do jardim. Astorre, com a inocência que o caracterizava, perguntara subitamente:


― Como foi que vocês os dois se conheceram? Cresceram juntos quando eram crianças?


O Don e Caterina trocaram um olhar e riram-se daquela curiosidade. Então o Don levara um dedo aos lábios e murmurara, com um ar muito sério:


― Omertà. É segredo.


Caterina, pelo seu lado, batera-lhe ligeiramente na mão com a colher de madeira com que mexia a salada.


― Não tem nada com isso, seu diabrete ― dissera. ― E, além disso, não é coisa de que me orgulhe.

Don Aprile olhara para ele com ternura.


― Por que é que não há de saber? É siciliano até à medula. Conta-lhe.


― Não ― dissera Caterina. ― Mas podes contar-lhe tu , se quiseres.


Depois do jantar, Don Aprile acendera o seu charuto, enchera o seu copo de anisette e contara-lhe a história.


― Há dez anos, o homem mais importante da cidade era um tal Padre Sigusmundo, um indivíduo muito perigoso, mas apesar disso bem-humorado. Quando eu vinha à Sicília, ia muitas vezes a minha casa, jogar cartas com os meus amigos. Nessa altura, eu tinha uma outra governanta.


― O Padre Sigusmundo não era, porém, um homem sem religião. Pelo contrário, era um sacerdote devoto e trabalhador. Certa vez, envolvera-se inclusivamente numa cena de pugilato com um exasperante ateu. Era famoso sobretudo por ministrar os últimos sacramentos às vítimas da Máfia no próprio momento em que entregavam a alma ao Criador, absolvendo-as e preparando-as para a viagem até ao Paraíso. Embora todos o reverenciassem por isto, a verdade é que a circunstância se repetiu com tanta freqüência que as pessoas começaram a murmurar que a razão por que se encontrava tantas vezes presente era ser ele próprio um dos executores. Além disso, acusavam-no de trair o segredo do confessionário para servir os seus interesses.


― O marido de Caterina na altura era um polícia que combatia a Máfia por todos os meios ao seu alcance. Chegara inclusivamente a insistir na investigação de um caso de assassínio depois de ter sido avisado pelo chefe provincial da Máfia, um ato de desafio inaudito naqueles tempos. Uma semana mais tarde, caíra numa emboscada e tombara crivado de balas numa ruela de Palermo. Por uma feliz coincidência, o Padre Sigusmundo estava presente para lhe ministrar os últimos sacramentos. O crime nunca fôra solucionado.


― Caterina, a inconsolável viúva, passara uma ano de luto e de devoção à igreja. Então, num sábado, fôra confessar-se ao Padre Sigusmundo. E quando ele saíra do confessionário, ela, à frente de toda a gente, trespassara-lhe o coração com a adaga do marido.


A polícia atirara-a para a prisão, mas isso era o menos. O chefe da Máfia pronunciara uma sentença de morte contra ela.


Astorre ficara a olhar para Caterina de olhos muito abertos. ― Fizeste mesmo isso, tia Caterina? ― perguntara.


Caterina olhara para ele, divertida. O garoto estava cheio de curiosidade, mas nem uma ponta de medo.


― Tens de compreender porquê ― dissera. ― Não foi por ele ter morto o meu marido. Os homens passam o tempo a matar-se uns aos outros, aqui na Sicília. Mas o Padre Sigusmundo era um falso padre, um assassino impenitente. Não tinha legitimidade para ministrar os últimos sacramentos. Por que haveria Deus de dar-lhe ouvidos? Por isso o meu marido não só tinha sido assassinado, como vira ser-lhe recusada a entrada no Céu, e tivera de descer ao inferno. Os homens não sabem quando devem parar. Há coisas que não se fazem. Foi por isso que matei o padre.


― Então como é que está aqui? ― inquirira Astorre.


― Porque Don Aprile se interessou pelo caso ― respondera Caterina. ― Por isso, naturalmente, tudo se resolveu.


O Don olhara gravemente para ele.


― Tinha uma certa posição na cidade, um respeito. As autoridades eram fáceis de contentar, e a Igreja não queria chamar a atenção pública para um padre corrupto. O chefe da Máfia não foi tão compreensivo e recusou-se a levantar a sentença de morte. Encontraram-no no cemitério onde estava enterrado o marido da Caterina, com a garganta cortada, e a sua cosca foi aniquilada. Entretanto, eu tinha-me tornado amigo de Caterina, e fi-la governanta desta casa. E desde há nove anos, os meus verões na Sicília têm sido os mais doces da minha vida.


Para Astorre, tudo aquilo era magia. Comera um punhado de azeitonas e cuspira os caroços.


― A Caterina é a sua namorada? ― perguntara.


― Claro que sou ― respondera ela. ― És um rapaz com doze anos, já compreendes estas coisas. Vivo sobre a proteção do teu tio como se fosse sua mulher, e cumpro todos os meus deveres de esposa.


Don Aprile parecera ligeiramente embaraçado, a única vez que Astorre o vira assim.


― Então por que é que não casam? ― perguntara.


― Nunca poderia deixar a Sicília ― explicara Caterina. ― Aqui vivo como uma rainha, e o teu tio é generoso. Tenho aqui os meus amigos, as minhas irmãs e irmãos e primos. E o teu tio não pode viver na Sicília, Por isso fazemos o melhor que podemos.


― Tio, pode casar com a Caterina e viver aqui ― dissera então Astorre ao Don. ― Eu fico com vocês. Não quero deixar a Sicília, nunca. Tinham ambos rido ao ouvir isto.


― Escuta-me ― dissera o Dom ― Foi muito difícil travar a vendetta contra ela. Se casássemos, haviam de nascer por todo o lado conjuras e más vontades. Esta gente aceita o fato de ela ser minha amante, mas não minha mulher. Portanto, desta maneira, estamos ambos contentes e felizes. Além disso, não quero uma mulher que não aceite as minhas decisões, e por isso, quando ela se recusar deixar a Sicília, eu não serei um marido.


― E seria uma infâmia ― murmurara Caterina. Inclinara ligeiramente a cabeça, e então voltara os olhos para o negro céu siciliano e começara a chorar.


Astorre ficara perturbado. Nada daquilo fazia sentido para ele. ― Mas porquê? ― insistira.


Don Aprile suspirara. Puxara uma baforada do charuto e bebera um gole de anisette.


― Tens de compreender ― dissera. ― O Padre Sigusmundo era meu irmão.


Astorre recordou agora que a explicação deles não o convencera. Com a voluntariedade de um romântico rapazinho de doze anos, acreditava que a duas pessoas que se amavam uma à outra tudo era permitido. Só agora compreendia a terrível decisão que o tio e a tia tinham tomado. Se o Don casasse com Caterina, todos os seus próprios familiares de sangue se teriam tornado seus inimigos. Não que não soubessem que o Padre Sigusmundo era um patife. Mas era um irmão, e isso desculpava todos os pecados. E um homem como o Don não podia casar com a assassina do irmão. Caterina não podia pedir-lhe um tal sacrifício. E se Caterina acreditasse que o Don estivera de algum modo implicado na morte do marido? Que coragem a dos dois e, talvez, que traição de tudo aquilo em que acreditavam.


Ali, no entanto, era a América, não a Sicília. Durante a longa noite, Astorre tomara a sua decisão. De manhã, telefonara a Nicole.


― Vou buscar-te para tomarmos café ― disse. ― Depois vamos os dois visitar o Cilke na sede do FBI.


― Tem de ser uma coisa séria, certo? ― disse Nicole.


― Claro. Conto os detalhes no café.


― Tens reunião marcada com ele?


― Não, essa é a tua parte.


Uma hora mais tarde, os dois primos estavam a tomar café salão de um hotel de luxo, numa mesa o mais isolada possível, pois o lugar era um ponto de encontro muito usado por executivos e homens de negócios.


Nicole acreditava nas vantagens de um café da manhã generoso; sabia que precisava de combustível para agüentar os seus dias de trabalho de doze horas. Astorre pediu um suco de laranja e café, o que, juntamente com uma cesta de pãezinhos, lhe custou vinte dólares.


― Que gatunos ― disse a Nicole, com um sorriso.


O comentário irritou-a.


― Estás a pagar o ambiente ― resmungou. ― As toalhas de linho, a louça importada. Que diabo se passa agora?


― Vou cumprir o meu dever cívico ― respondeu Astorre. ― Tenho informações, de fonte absolutamente fidedigna, de que Kurt Cilke e a família serão mortos amanhã à noite. Quero avisá-lo. Quero tirar vantagens do fato de tê-lo avisado. Mas ele vai querer saber qual foi a minha fonte, e isso não vou poder dizer-lhe.


Nicole empurrou o prato e recostou-se na cadeira.


― Quem raio é assim tão estúpido? ― disse. ― Jesus, espero que não estejas envolvido.


― O que te leva a pensar isso? ― perguntou Astorre.


― Não sei. Foi uma idéia que me ocorreu. Por que não o avisas anonimamente?


― Quero os louros das minhas boas ações. Tenho a sensação de que atualmente ninguém gosta de mim ― respondeu ele, sorrindo.


― Eu gosto de ti ― disse Nicole, inclinando-se para a frente. ― OK, a nossa história é a seguinte. Quando vínhamos a entrar no hotel, um desconhecido chegou-se a nós e murmurou-te a informação ao ouvido. Vestia um terno de listras cinzentas, camisa branca e gravata preta. Era de estatura média, moreno, podia ser italiano ou hispânico. A partir daqui, podemos diferir. Eu confirmarei a tua história, e ele sabe bem que não se brinca comigo.


Astorre riu-se; o riso dele era sempre desarmante; tinha a alegria despreocupada do de uma riança.


― Tem então mais medo de ti do que de mim ― disse.


Nicole sorriu. ― Conheço o diretor do FBi. É um animal político. Tem mesmo de ser. Vou telefonar ao Cilke e dizer-lhe que espere a nossa visita. ― Tirou o telefone da bolsa e fez a chamada. ― Sr. Cilke, fala Nicole Aprile. Estou com o meu primo, Astorre Viola, e ele tem uma informação importante para lhe comunicar. ― Depois de uma pausa, continuou: Isso é demasiado tarde. Estamos aí dentro de uma hora. ― E desligou antes que Cilke pudesse dizer fosse o que fosse.


Uma hora mais tarde, Nicole e Astorre eram introduzidos no gabinete de Kurt Cilke. Um amplo gabinete de esquina, com janelas de vidro polarizado à prova de bala através dos quais nada se via, pelo que não havia vista.


Cilke, de pé atrás de uma grande secretária, esperava por eles. Diante da secretária, havia três cadeiras de couro preto. A parede por detrás de Cilke era estranhamente ocupada por um quadro negro, como os das escolas. Numa das cadeiras sentava-se Bill Boxton, que não se ofereceu para apertar-lhes a mão.


― Vai gravar isto? ― quis saber Nicole.


― Claro ― respondeu Cilke.


― Que diabo, gravamos tudo, até quando pedimos café e donuts ― disse Boxton, tranqüilizadoramente. ― Também gravamos qualquer pessoa que pensemos que vamos ter de mandar para a prisão.


― Você é um merda a armar-se em engraçadinho ― atirou-lhe Nicole, impassível. ― Nem no seu melhor dia conseguiria mandar-me para a prisão. Pense outra vez. O meu cliente, Astorre Viola, veio aqui voluntariamente, com a intenção de lhes fornecer uma informação importante. Eu estou aqui para o proteger de qualquer tipo de abuso depois de o ter feito.


Kurt Cilke não foi tão encantador como tinha sido nos seus encontros anteriores. Fez-lhes sinal para que se sentassem e ocupou a sua própria cadeira atrás da secretária.


― OK. ― disse. ― Venha lá isso.


Astorre sentiu a hostilidade do homem, como se o fato de estar a jogar em casa o dispensasse de mostrar a habitual afabilidade de circunstância. Como iria reagir? Olhou-o diretamente nos olhos e disse:


― Recebi a informação de que vai haver um forte ataque armado à sua casa, amanhã à noite. Tarde. O objetivo é matá-lo, por qualquer razão que desconheço.


Cilke não respondeu. Ficou petrificado na cadeira, mas Boxton saltou do seu lugar e ficou de pé junto de Astorre.


― Kurt, tem calma ― disse, dirigindo-se a Cilke.


Cilke pôs-se de pé. Todo o seu corpo pareceu explodir de raiva.


― É um velho truque da Máfia ― declarou. ― Ele é que prepara a operação, e depois sabota-a. E pensa que eu vou ficar-lhe agradecido. Ora diga-me, onde diabo obteve essa informação?


Astorre contou-lhe a história que ele e Nicole tinham preparado.


Cilke voltou-se para Nicole e perguntou: ― Assistiu a este incidente?


― Sim, mas não ouvi o que o homem disse.


― Considere-se detido ― disse Cilke a Astorre.


― Por que motivo? ― inquiriu Nicole.


― Por ameaçar um agente federal.


― Acho que é melhor telefonar ao seu diretor ― disse Nicole.


― A decisão compete-me.


Nicole consultou o relógio.


― Nos termos de uma ordem executiva do presidente ― declarou Cilke, suavemente ― estou autorizado a detê-la a si e ao seu cliente, sem apoio legal, durante quarenta e oito horas, como ameaça à segurança nacional.


Astorre teve um sobressalto. Voltou-se para Nicole, com uma expressão de espanto quase infantil, e perguntou: ― É verdade? Ele pode mesmo fazê-lo? ― Estava verdadeiramente impressionado por tamanho poder. ― Eh, isto está a parecer-se cada vez mais com a Sicília ― acrescentou, jovialmente.


― Se tomar essa medida, o FBI vai passar os próximos dez anos no tribunal, e você passa à história ― ameaçou Nicole, com toda a calma. ― Tem tempo para afastar a sua família e emboscar os atacantes. Não saberão que foram denunciados. Se capturar algum, poderá interrogá-lo. Nós não falaremos. Não os avisaremos.


Cilke pareceu ponderar isto. Dirigiu-se a Astorre, com desprezo: ― Pelo menos, respeitava o seu tio. Ele nunca teria falado.


Astorre lançou-lhe um sorriso embaraçado.


― Outros tempos, outras terras. E além disso, você não é assim tão diferente, com as suas ordens executivas secretas.


Perguntou a si mesmo o que diria Cilke se lhe explicasse que estava a salvá-lo apenas porque passara algumas horas a conversar com a mulher dele e se apaixonara romântica e tolamente pela idéia que fazia dela.


― Não acredito na sua história, mas trataremos disso se houver realmente um ataque amanhã à noite. Se acontecer alguma coisa, prendo-o, e talvez também a si, senhora doutora advogada. ― Mas por que me avisou?


Astorre sorriu. ― Porque gosto de si ― respondeu.


― Desapareçam daqui ― disse-lhes Cilke. E, voltando-se para Boxton, acrescentou: ― Chama o comandante da força operacional e diz à minha secretária que peça uma chamada para o diretor.


Retiveram-nos mais duas horas, para serem interrogados pelo pessoal de Cilke. Entretanto, no seu gabinete, este falava com o diretor, em Washington, pelo telefone codificado.


― Não os prenda seja em que circunstâncias for ― disse-lhe o diretor. ― Vinha tudo para os meios de comunicação e nós ficaríamos cobertos de ridículo. E não se meta com a Nicole Aprile a menos que tenha qualquer coisa que possa fazer valer em tribunal. Mantenha tudo sob o mais estrito segredo, e veremos o que acontece amanhã à noite. Os homens que guardam a sua casa foram avisados, e a sua família está neste preciso momento a ser transferida. Agora passe-me o Bill. Será ele a chefiar a emboscada.


― Mas, senhor, essa função compete-me a mim ― protestou Cilke.


― Ajudará no planeamento, mas não participará, sob pretexto algum, na operação tática. O Bureau funciona sob regras estritas para evitar violência desnecessária. Você seria suspeito se as coisas corressem mal. Está a compreender-me?


― Sim, senhor. Compreendia-o perfeitamente.

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