― Daqui a pouco - disse. ― E tu, Stace?
― Estive com a minha namorada em Tahoe. Como diabo quer que me lembre?
― Talvez tenha mais sorte falando separadamente com cada um de vocês ― disse Astorre.
Deixou-os e desceu à cozinha, onde Monza fizera café. Disse-lhe que pusesse os dois irmãos em quartos separados e mantivesse constantemente dois guardas com cada um deles. Monza dispunha de uma equipe de seis homens.
― Tem a certeza de ter apanhado os tipos certos? ― perguntou Monza.
― Penso que sim. Senão, pouca sorte a deles. Detesto pedir-te isto, Aldo, mas talvez tenhas de ajudá-los a falar.
― Bem, nem todos falam ― disse Monza. ― Custa a crer, mas há pessoas muito teimosas. E esses dois parecem-me bastante duros.
― Odeio ter de descer tão baixo ― murmurou Astorre.
Esperou uma hora antes de subir até ao quarto para onde Franky fora levado. Apesar da escuridão lá fora viu, à luz refletida do candeeiro, os flocos de neve a caírem num lento rodopio. Franky estava no chão, tão manietado como antes.
― É tão simples como isso ― disse-lhe Astorre. ― Dá-me o nome do intermediário, e talvez saias daqui com vida.
Franky olhou para ele com ódio.
― Nunca te direi porra de coisa nenhuma, seu pedaço de merda. Apanhaste os tipos errados. E eu hei de lembrar-me da tua cara, e hei de lembrar-me da Rosie.
― Essa foi a pior resposta que podias dar ― observou Astorre, calmamente.
― Também andavas a comê-la? ― perguntou Franky. ― És o chulo dela?
Astorre compreendeu. Franky nunca perdoaria a traição de Rosie. Que frívola resposta a uma situação tão séria.
― Acho que estás a ser estúpido ― disse. ― E vocês os dois têm fama de ser espertos.
― Estou cagando para o que tu achas. Não podes fazer nada se não tiveres provas!
― Palavra? Nesse caso estou a perder tempo contigo ― respondeu Astorre. ― Vou falar com o Stace.
Voltou à cozinha para beber mais café antes de interrogar Stace. Ponderou o fato de Franky ser capaz de mostrar-se tão confiante e falar tão audaciosamente na situação em que estava. Bom, teria de sair-se melhor com Stace. Encontrou-o desconfortavelmente atirado para cima da cama.
― Tirem-lhe o colete ― ordenou aos guardas. ― Mas verifiquem as algemas e as grilhetas.
― Já percebi ― disse-lhe Stace, calmamente. ― Sabes que temos dinheiro. Posso arranjar as coisas de maneira que fiques com ele e pôr fim a este disparate.
― Acabo de ter uma conversa com o Franky ― respondeu Astorre. ― Estou muito desapontado com ele. Tu e o teu irmão são supostos ser dois tipos muito espertos. Agora vens falar-me de dinheiro, quando sabes perfeitamente que isto tem a ver com o assassínio do Don.
― Não fomos nós ― afirmou Stace.
― Sei que não estavas em São Francisco ― disse Astorre, calmamente ―, e sei que o Franky não estava em Vegas. Vocês são os dois únicos free-lancers com tomates suficientes para aceitar aquele serviço. E os atiradores eram canhotos, como tu e o Franky. Portanto, tudo o que agora quero saber é quem foi o vosso intermediário.
― Por que é que havia de dizer-te? ― atirou-lhe Stace. ― Vocês não usam máscaras, expuseram a Rosie, o que quer dizer que não vão deixar-nos sair daqui com vida. Prometas tu o que prometeres.
Astorre suspirou.
― Não vou enganar-te. É mais ou menos isso. Mas há uma coisa que podem negociar. Sem dor ou à bruta. Tenho comigo um Homem Qualificado. Vou pô-lo a trabalhar no Franky.
Ao dizer isto, Astorre sentiu um mal-estar no estômago. Lembrou-se de como Aldo Monza trabalhara Fissolini.
― Perdes o teu tempo ― afirmou Stace. ― O Franky não fala.
― Talvez não ― admitiu Astorre. ― Mas vão cortá-lo pedacinho a pedacinho, e cada pedacinho vai ser-te trazido para que o vejas. Imagino que nessa altura falas tu. Mas por que é que havemos de ir por esse caminho? E, Stace, por que é que queres proteger esse teu intermediário? Ele tinha a obrigação de cobrir-te, e não te cobriu.
Stace não respondeu. Então perguntou: ― Poupas o Franky?
― Sabes bem que não posso.
― Como é que podes ter a certeza de que não te minto?
― Por que diabo havias de mentir? O que é que ganhavas com isso? Stace, podes evitar que o Franky passe por uma coisa verdadeiramente horrível. Tenta ver as coisas claramente.
― Nós fomos apenas os atiradores, a fazer um serviço ― disse Stace. É o tipo acima que tu queres. Por que é que não podes deixar-nos ir?
Astorre encheu-se de paciência.
― Stace, tu e o teu irmão aceitaram o trabalho de matar um grande homem. Muito dinheiro. Grande empurrão para o ego. Ora vamos, vocês gostaram. Fizeram a vossa jogada e perderam, e agora têm de pagar, ou o mundo inteiro deixa de fazer sentido. Tem de ser. A única coisa que lhes resta escolher é a maneira. Sem dor, ou à bruta. Dentro de uma hora podes estar a olhar para uma parte muito importante do Frankie em cima daquela mesa. Acredita que não quero fazê-lo, palavra que não.
― Como é que sei que isso não é só conversa?
― Pensa, Stace. Pensa como vos enganei com a Rosie. Muito tempo e muita paciência. Pensa. Trouxe-vos para esta casa e tenho oito homens armados. Muita despesa e muito trabalho. E ainda por cima na antevéspera de Natal. Sou um tipo muito sério, Stace, acho que consegues ver isso. Prometo-te que, se falares, o Franky nem dará por nada.
Astorre desceu uma vez mais à cozinha. Monza estava à espera. ― Então? ― perguntou.
― Não sei ― respondeu Astorre. ― Mas amanhã tenho de estar na festa de Natal da Nicole, portanto temos de resolver isto esta noite.
― Não demora mais de uma hora ― disse Monza. ― Nessa altura, ou falou ou está morto.
Astorre descansou um pouco junto à lareira antes de voltar a subir para falar com Stace. O homem parecia exausto e resignado. Tinha pensado muito. Sabia que Franky nunca falaria ― Franky pensava que ainda havia esperança. Stace acreditava que Astorre tinha posto todas as cartas na mesa. E agora compreendia os medos de todos os homens que matara, as suas últimas, desesperadas e inúteis esperanças de qualquer coisa que os salvasse. Contra todas as probabilidades. E não queria que Franky morresse daquela maneira, pedaço a pedaço. Estudou o rosto de Astorre. Era duro, implacável, apesar da sua juventude. Tinha a gravidade de um juiz.
A neve que continuava a cair cobria os vidros da janela como uma pele branca. No outro quarto, Franky divagava a respeito de estar com Rosie na Europa, com a neve a cobrir os boulevards de Paris, a cair nos canais de Veneza. A neve era mágica. Roma era mágica.
Estendido na cama, Stace pensava em Franky. Tinham feito a sua jogada e perdido. E era o fim da história. Mas ainda podia ajudar Franky a pensar que estavam a perder só por vinte pontos.
― Tudo bem ― disse. ― Mas que o Franky não saiba o que se está a passar. OK?
― Prometo ― disse Astorre. ― Mas saberei se me mentires.
― Mentir para quê? O intermediário é um tipo chamado Heskow. Vive numa terra chamada Brightwaters, logo a seguir a Babylon. É divorciado, vive sozinho e tem um filho de dezesseis que é um excelente jogador de basquete. O Heskow contratou-nos para alguns serviços ao longo dos anos. Conhecemo-nos desde miúdos. O preço foi um milhão de dólares, mas mesmo assim eu e o Franky hesitamos. Era uma coisa demasiado grande. Aceitamos porque ele nos disse que não tínhamos de preocupar-nos com o FBI e não tínhamos de preocupar-nos com a polícia. Que estava tudo combinado. Também nos disse que o Don já não tinha poder nem contatos. Mas nisso estava obviamente enganado. Tu estás aqui. Era demasiada massa para recusar.
― Isso é muita informação para dar a um tipo que tu achas que é só conversa ― observou Astorre.
― Quero convencer-te de que estou a dizer a verdade. Já entendi. Acabou-se a história. Só não quero que o Franky saiba.
― Não te preocupes ― respondeu Astorre. ― Acredito em ti.
Saiu do quarto e foi à cozinha dar a Monza as suas instruções. Queria as cartas de condução, os cartões de crédito e tudo o mais que pudesse identificar os dois homens. Manteve a palavra que dera a Stace: Franky seria morto com um tiro na nuca, sem aviso. Também Stace seria executado de forma indolor.
Feito isto, preparou-se para regressar a Nova Iorque. A neve transformara-se em chuva, e a chuva estava a lavar os campos.
Era muito raro Monza desobedecer a uma ordem, mas como executor sentia que tinha o direito de proteger-se a si mesmo e aos seus homens. Não haveria tiros. Usaria a corda.
Primeiro, levou quatro guardas para o ajudarem a estrangular Stace. O homem nem sequer tentou resistir. Mas com Franky foi diferente. Durante vinte minutos, tentou fugir à corda. Durante vinte terríveis minutos, Franky Sturzo soube que estava a ser assassinado.
Depois, os dois corpos foram embrulhados em mantas e levados para a floresta por detrás da casa. Uma abertura numa moita extremamente densa serviu de esconderijo. Só seriam encontrados na primavera, se fossem. Por essa altura já teriam sido destruídos pela natureza e, esperava Monza, a causa da morte seria impossível de determinar.
Não fôra, porém, só por esta razão prática que Monza desobedecera ao chefe. Porque, como Don Aprile, estava profundamente convencido de que a misericórdia só podia vir de Deus. Desprezava a idéia de qualquer espécie de compaixão para com homens que se alugavam como assassinos de outros homens. Era presunção um homem perdoar a outro homem. Isso competia a Deus. Ter a pretensão de perdoar era, da parte dos homens, um orgulho ridículo e uma falta de respeito. Nunca desejaria para si mesmo tal misericórdia.