7

12h01m

Na sala da diretoria, as coisas continuavam difíceis para Casey. Eles não pegavam nenhuma das iscas que lhes jogava. Sua ansiedade aumentara, e agora, enquanto esperava, sentiu uma onda de medo rebelde percorrê-la.

Phillip Chen rabiscava, Linbar mexia nos seus papéis, Jacques de Ville observava-a, pensativo. Então, Andrew Gavallan parou de anotar as últimas porcentagens que ela havia citado. Deu um suspiro e olhou para ela.

— Está claro que esta deve ser uma operação co-financiada — falou, vivamente. A eletricidade no aposento subiu assustadoramente, e Casey teve dificuldade em abafar um "viva", quando ele acrescentou: — Quanto a Par-Con estaria preparada para investir, em regime de financiamento conjunto, no negócio todo?

— Dezoito milhões de dólares americanos este ano dariam para cobrir tudo — respondeu imediatamente, notando satisfeita que todos abafaram uma exclamação.

O patrimônio líquido da Struan publicado no ano anterior fora de quase vinte e oito milhões, e ela e Bartlett haviam calculado sua oferta com base nessa cifra.

— Faça a primeira oferta de vinte milhões — Linc lhe dissera. — Deverá fisgá-los com vinte e cinco, o que seria formidável. É essencial que façamos o co-financiamento, mas a proposta terá que partir deles.

— Mas olhe para o balanço geral deles, Linc. Não dá para se saber ao certo qual é o verdadeiro patrimônio líquido. Pode ser dez milhões a mais ou a menos, talvez mais. Não sabemos realmente o quanto são fortes... ou fracos. Olhe só para este item: "Catorze milhões e setecentos mil retidos em subsidiárias". Que subsidiárias, onde e para quê? Eis aqui outro: "Sete milhões e quatrocentos mil transferidos para..."

— E daí, Casey? Então são trinta milhões, ao invés de vinte e cinco. Nossa projeção ainda é válida.

— É... mas a contabilidade deles... Meu Deus, Linc, se fizéssemos um por cento disso nos Estados Unidos, a SEC¹ nos arrancaria o couro, e acabaríamos passando cinqüenta anos na cadeia.

¹ Comissão de Títulos e Câmbio. (N. da T.)

— É. Mas não é contra a lei deles, e esse é um dos principais motivos para vir para Hong Kong.

— Vinte milhões é demais para começo de conversa.

— Deixo a seu critério, Casey. Basta lembrar que em Hong Kong jogamos pelas regras de Hong Kong... as que forem legais. Quero entrar no jogo deles.

— Por quê? E não me responda "Porra, para o meu prazer".

Linc achara graça.

— Está certo... então, para o seu prazer. Só não deixe de fechar o negócio com a Struan!

A umidade na sala de reuniões aumentara. Gostaria de pegar um lenço de papel, mas ficou quieta, fingindo calma, torcendo para que eles continuassem.

Gavallan rompeu o silêncio.

— Quando o Sr. Bartlett confirmaria a oferta de dezoito milhões... se aceitássemos?

— Está confirmada — disse docemente, ignorando o insulto. — Tenho carta branca para investir até vinte milhões nesta transação sem consultar Linc ou sua junta diretora — falou, dando-lhes deliberadamente espaço para manobrar. A seguir, acrescentou, inocentemente: — Então, tudo acertado? Ótimo. — Começou a mexer na sua papelada. — Próximo assunto: eu...

— Só um momento — disse Gavallan, desconcertado. — Eu... bem... dezoito é... De qualquer modo, temos que apresentar o pacote ao tai-pan.

— Oh — falou ela, fingindo surpresa. — Pensei que estávamos negociando como iguais, que os quatro cavalheiros tinham poderes equivalentes aos meus. Talvez seja melhor eu falar diretamente com o Sr. Dunross, no futuro.

Andrew Gavallan enrubesceu.

— O tai-pan tem a palavra final. Em tudo.

— Folgo muito em sabê-lo, Sr. Gavallan. Eu só tenho a palavra final até vinte milhões. — Abriu-lhes um sorriso. — Bem, apresentem a proposta ao seu tai-pan. E que tal marcarmos um prazo para o período de reflexão?

Novo silêncio.

— O que sugere? — perguntou Gavallan, sentindo-se cair numa armadilha.

— O tempo mínimo de vocês. Não conheço a rapidez com que gostam de trabalhar — replicou Casey.

Phillip Chen disse:

— Por que não deixar para marcar a hora para a resposta depois do almoço, Andrew?

— É... boa idéia.

— Para mim, tudo bem — disse Casey. "Fiz o meu trabalho", pensou. "Vou aceitar vinte milhões, quando podiam ser trinta, e eles são homens e fraquejados e maiores de idade, e pensam que sou uma otária. Mas agora, vou ganhar o meu dinheiro do não enche. Deus do céu, permita que este negócio se realize, para que eu fique livre para sempre.

"Livre para fazer o quê?

"Não importa", falou consigo mesma. "Penso nisso depois."

Ouviu a própria voz continuando no padrão estabelecido:

— Que tal repassarmos os detalhes de como vão querer os dezoito milhões e...

— Dezoito não é suficiente — interrompeu Phillip Chen, mentindo com toda a tranqüilidade. — Há toda a espécie de custos adicionais...

No perfeito estilo de negociações, Casey argumentou e deixou que eles a levassem até vinte milhões, e depois, com relutância aparente, falou:

— Os senhores são homens de negócios excepcionais. Pois bem, vinte milhões.

Notou os sorrisos disfarçados deles, e riu consigo mesma.

— Ótimo — falou Gavallan, muito satisfeito.

— E agora — disse ela, querendo continuar mantendo a pressão —, como querem que seja a estrutura da nossa joint venture? Claro, sujeita à aprovação do seu tai-pan... desculpem, sujeita à aprovação d'o tai-pan — falou, corrigindo-se com a dose certa de humildade.

Gavallan fitava-a, desejando irritado que fosse um homem. "Então, poderia dizer-lhe vá tomar no cu, ou vá à merda, e riríamos juntos, porque você sabe e eu sei que a gente sempre tem que consultar o tai-pan, de uma maneira ou outra... seja ele Dunross, Bartlett, uma junta diretora, ou uma mulher. É, e se você fosse homem, não teríamos esta maldita sexualidade enchendo a sala de reuniões, uma sexualidade que, para começo de conversa, não tem nada que ver com este lugar. Meu Deus, se ainda fosse uma bruxa velha, talvez fizesse diferença, mas, porra, uma uva como você?

"Mas que diabo está dando nas mulheres americanas? Por que, em nome de Deus, não ficam no seu lugar e se satisfazem com aquilo em que são excelentes? Cretinas!

"E é uma cretinice conceder financiamento tão depressa, e cretinice ainda maior dar-nos mais dois milhões, quando dez provavelmente teria sido uma quantia aceitável, para começo de conversa. Pelo amor de Deus, devia ter sido mais paciente, e teria feito um negócio bem melhor. Esse é o problema com vocês, americanos, não têm fines se, nem paciência, nem estilo, e não compreendem a arte da negociação, e você, minha cara moça, está impaciente demais para provar o seu valor. Portanto, agora sei como lidar com você."

Lançou um olhar para Linbar Struan, que observava Casey disfarçadamente, esperando que ele, Phillip ou Jacques continuassem. "Quando eu for tai-pan", pensou Gavallan, sombriamente, "vou destruí-lo, jovem Linbar, destruí-lo ou dar um jeito em você. Precisa ser lançado no mundo por conta própria, para pensar por si próprio, para confiar em si próprio, não no seu nome ou na sua linhagem. É, e com muito trabalho duro, para tirar um pouco do calor do seu yang — quanto mais cedo se casar de novo, melhor."

Voltou os olhos para Jacques de Ville, que sorriu para ele. "Ah, Jacques", pensou, sem rancor, "você é o meu principal adversário. Está fazendo o que costuma fazer: falando pouco, observando tudo, pensando muito... durão e cruel, se for necessário. Mas, o que está achando desta transação? Deixei passar alguma coisa? O que sua astuta mente legal parisiense está prevendo? Ah, mas ela cortou o seu barato com a piada sobre a sua piada sobre a cabeça dela, não foi?

"Também gostaria de ir para a cama com ela", pensou, distraidamente, sabendo que Linbar e Jacques já tinham decidido a mesma coisa. "Claro... quem não o faria?

"E quanto a você, Phillip Chen?

"Ah, não. Você, não. Gosta delas bem mais jovens, e gosta que façam a coisa com você estranhamente, se é que os boatos são verdadeiros, heya?"

Voltou a olhar para Casey. Podia sentir sua impaciência. "Você não parece lésbica", pensou, e gemeu intimamente. "Será esta a sua outra fraqueza? Puxa, mas que terrível desperdício seria!"

— A joint venture deve ser organizada segundo as leis de Hong Kong — disse ele.

— Naturalmente. Há...

— Sims, Dawson e Dick podem aconselhar-nos como agir. Marcarei hora para amanhã ou depois.

— Não será necessário, Sr. Gavallan. Já tenho as possíveis propostas deles, hipotéticas e confidenciais, claro, para o caso de decidirmos concluir o negócio.

— Como?

Eles a fitaram, boquiabertos, enquanto ela apanhava cinco cópias de um contrato legal resumido e entregava uma a cada um deles.

— Soube que eram seus advogados — falou, animada. — Mandei nosso pessoal se informar, e me disseram que eram os melhores, portanto, para nós está tudo bem. Pedi-lhes que considerassem as nossas necessidades hipotéticas conjuntas... tanto as suas quanto as nossas. Algum problema?

— Não — respondeu Gavallan, subitamente furioso porque sua própria firma nada lhes contara sobre as indagações da Par-Con. Começou a passar os olhos pela carta.

"Dew neh loh moh para esta Casey desgraçada, sejam lá quais forem os seus nomes", pensava Phillip Chen, furioso com a desmoralização. "Que a sua ravina dourada murche e seja para sempre seca e cheia de pó, pelos seus modos vulgares e seus hábitos abusados, nojentos, não-femininos!

"Deus nos livre das mulheres americanas!

"Ayeeyah, vai custar bem caro a Lincoln Bartlett ter ousado nos impingir... esta criatura", prometeu a si mesmo. "Que ousadia!"

Apesar disso, sua mente calculava o valor espantoso do negócio que lhes estavam oferecendo. "Significa pelo menos cem milhões de dólares americanos, potencialmente, ao longo dos próximos anos", disse a si mesmo, com a cabeça girando. "Isso dará à Casa Nobre a estabilidade de que precisa.

"Ah, que dia feliz!", rejubilava-se. "E um co-financiamento de dólar por dólar! Incrível! Que burrice dar-nos isso tão depressa sem exigir nem uma concessãozinha em troca! Burrice, mas o que se pode esperar de uma mulher burra? Ayeeyah, a costa do Pacífico se entupirá de todos os produtos de espuma de poliuretano que faremos... para embalagem, construção, pertences de cama e material isolante. Uma fábrica aqui, uma em Formosa, outra em Cingapura, uma em Kuala Lumpur, e uma última, inicialmente, em Jacarta. Ganharemos milhões, dezenas de milhões. E quanto à agência de arrendamento de computadores, ora, com o aluguel que esses idiotas estão nos oferecendo, dez por cento menos do que a lista de preços da IBM, menos a nossa comissão de sete e meio por cento... bastava pechinchar um pouco que teríamos concordado de bom grado com cinco por cento... já no próximo fim de semana posso vender três em Cingapura, uma aqui, outra em Kuala Lumpur, e uma para aquele armador pirata na Indonésia, com um lucro limpo de sessenta e sete mil e quinhentos dólares cada, ou quatrocentos e cinco mil dólares com seis telefonemas. E quanto à China...

"E quanto à China...

"Ah, todos os deuses, grandes, pequenos e muito pequenos, ajudem este negócio a se concretizar, e darei dinheiro para um novo templo, uma catedral, em Tai-ping Shan", prometeu, cheio de fervor. "Se a China não ficar muito em cima, ou pelo menos facilitar um pouquinho, poderemos fertilizar os arrozais da província de Kwantung e depois de toda a China, e durante os próximos doze anos esta transação significará dezenas de centenas de milhões de dólares, dólares americanos, não dólares de Hong Kong!"

A idéia de tanto lucro diminuiu sua ira consideravelmente.

— Acho que esta proposta pode ser a base para uma discussão posterior — disse, acabando de ler. — Não acha, Andrew?

— Acho. — Gavallan largou a carta. — Ligarei para eles depois do almoço. Quando seria conveniente para o Sr. Bartlett... e para a senhorita, naturalmente... nos encontrarmos?

— Hoje à tarde... quanto mais cedo melhor... ou amanhã, a qualquer hora, mas Linc não virá. Cuido de todos os detalhes, é o meu serviço — disse Casey, vivamente. — Ele determina a política a ser seguida... e assinará formalmente os documentos finais... depois que eu os tiver aprovado. Afinal, esta é a função do comandante supremo, não é?

Abriu-lhes um sorriso de orelha a orelha.

— Marcarei uma hora e deixarei recado no seu hotel — disse Gavallan.

— Quem sabe poderíamos marcar a hora agora... e já liquidar esse assunto?

Com azedume, Gavallan olhou para o relógio. Quase hora do almoço, graças a Deus.

— Jacques... qual a melhor hora para você, amanhã?

— Na parte da manhã é melhor do que à tarde.

— E para o John também — disse Phillip Chen. Gavallan pegou o telefone e discou.

— Mary? Ligue para Dawson e marque hora para amanhã às onze, incluindo o Sr. De Ville, o Sr. John Chen e a srta. Casey na entrevista. No escritório deles. — Desligou o aparelho. — Jacques e John Chen cuidam de todos os nossos assuntos corporativos. John tem experiência com problemas americanos, e Dawson é o perito. Mandarei um carro apanhá-la às dez e meia.

— Obrigada, mas não precisa se incomodar.

— Como queira — disse ele, cortesmente. — Talvez seja hora de pararmos para almoçar.

Casey falou:

— Ainda temos um quarto de hora. Vamos começar a debater como gostariam do nosso financiamento? Ou, se preferirem, podemos mandar buscar uns sanduíches e seguir trabalhando.

Eles a fitaram, aparvalhados.

— Trabalhar durante o almoço?

— Por que não? É um velho costume americano.

— Graças a Deus não é costume aqui — disse Gavallan.

— É — exclamou Phillip Chen, com brusquidão.

Ela sentiu a desaprovação deles cair sobre si como um manto, mas nem ligou. Que fossem todos à merda, pensou, com irritação, depois forçou-se a mudar de atitude. "Escute, idiota, não deixe esses filhos da puta pegarem no seu pé!" Sorriu meigamente:

— Se quiserem parar agora para almoçar, para mim tudo bem.

— Ótimo — disse Gavallan imediatamente, e os outros deram um suspiro de alívio. — Começamos a almoçar às doze e quarenta. Talvez queira retocar a maquilagem antes.

— Quero, sim, obrigada — falou, sabendo que eles a queriam longe dali, para poderem discutir a sua pessoa... e depois a transação. "Podia ser diferente", pensou, "mas não vai ser. Não. Vai ser como sempre. Vão apostar para ver quem será o primeiro a me comer. Mas não vai ser nenhum deles, porque eu não quero nenhum deles no momento, embora sejam atraentes, cada um ao seu modo. Esses homens são iguais a todos os outros que já conheci. Não querem amor, querem apenas sexo.

"Exceto Linc.

"Não pense em Linc nem no seu amor por ele, nem em como esses anos foram terríveis. Terríveis e maravilhosos.

"Lembre-se da sua promessa.

"Não pensarei em Linc e no amor.

"Não até o dia do meu aniversário, daqui a noventa e oito dias. No nonagésimo oitavo dia termina o sétimo ano, e, graças ao meu querido, terei o meu dinheiro do não enche, seremos realmente iguais e, se Deus quiser, teremos a Casa Nobre. Será este o meu presente de casamento para ele? Ou o dele para mim?

"Ou um presente de despedida?"

— Onde fica o toalete das senhoras? — perguntou, levantando-se, e todos ficaram de pé, bem mais altos do que ela, exceto Phillip Chen, que era uns dois centímetros e meio mais baixo. Gavallan indicou-lhe o banheiro.

Linbar Struan abriu a porta para ela, e fechou-a às suas costas. Depois, abriu um sorriso.

— Aposto mil que esta você não consegue, Jacques.

— Mais mil — disse Gavallan. — E dez que você não consegue, Linbar.

— A aposta está valendo — disse Linbar —, desde que ela passe um mês aqui.

— Está ficando muito devagar, hem, meu velho? — disse Gavallan. Depois, virou-se para Jacques. — E então?

O francês sorriu.

— Aposto vinte que você, Andrew, jamais conseguirá dobrar com o seu encanto a senhorita, e levá-la para a cama... e quanto a você, pobre jovem Linbar, cinqüenta contra o seu cavalo de corrida, que terá o mesmo resultado.

— Gosto da minha égua, pelo amor de Deus. Noble Star tem grande chance de ser vencedora. É a melhor do nosso estábulo.

— Cinqüenta.

— Cem, e posso pensar no seu caso.

— Não desejo nenhum cavalo a esse preço. — Jacques sorriu para Phillip Chen. — O que acha, Phillip?

Phillip Chen se levantou.

— Acho que vou para casa, deixando vocês, garanhões, com os seus sonhos. O gozado é que estão todos apostando que os outros não conseguirão... nenhum apostou que conseguirá.

Novamente, todos riram.

— Que burrice dar-nos o extra, não? — comentou Gavallan.

— O negócio é fantástico — disse Linbar Struan. — Puxa vida, tio Phillip, é fantástico!

— Como o derrière dela — falou De Ville, como um connaisseur. — Hem, Phillip?

Simpaticamente, Phillip Chen assentiu e saiu da sala, mas, ao ver Casey entrar no toalete das senhoras, pensou: "Ayeeyah, e quem ia querer esse monte de carne?"

Dentro do banheiro, Casey olhou à sua volta, estupefata. Era limpo, mas cheirava a ralos velhos, e havia baldes empilhados uns sobre os outros, e alguns estavam cheios de água. O chão era ladrilhado, mas estava molhado e sujo. "Já tinha ouvido dizer que os ingleses não primam pela higiene", pensou, enojada, "mas aqui na Casa Nobre? Puxa! Espantoso!"

Entrou num dos cubículos, com o chão molhado e escorregadio, e depois que acabou, puxou a descarga. Nada aconteceu. Tentou de novo, e mais uma vez, e nada. Praguejou e levantou a tampa do reservatório de água. Estava seco e enferrujado. Irritada, destrancou a porta, foi até a pia, abriu a torneira, mas não saiu água.

"Mas o que há com este lugar? Aposto que aqueles filhos da mãe me mandaram para cá deliberadamente."

Havia toalhas de mão limpas, portanto jogou um balde de água na pia, desajeitadamente, derrubando um pouco, lavou as mãos, enxugou-as, furiosa porque havia molhado os sapatos. Intempestivamente, pegou outro balde e jogou a água dentro da privada, depois usou mais outro balde para lavar de novo as mãos. Quando saiu do banheiro, sentia-se muito suja.

"Imagino que o raio do cano quebrou e o encanador só virá amanhã. Malditos sejam todos os sistemas de encanamento!

"Acalme-se", disse a si mesma. "Vai começar a cometer erros."

O corredor era coberto por um fino tapete de seda chinesa, e as paredes ostentavam quadros a óleo de veleiros e paisagens chinesas. Ao se aproximar da sala de reuniões, pôde ouvir as vozes abafadas e uma risada... do tipo que se dá ao ouvir uma piada pesada ou um comentário sujo. Sabia que, no momento em que abrisse a porta, o bom humor e a camaradagem desapareceriam e o silêncio constrangedor retornaria.

Abriu a porta, e todos se levantaram.

— Estão tendo problemas com os encanamentos? — perguntou, controlando a raiva.

— Não, acho que não — respondeu Gavallan, sobres-saltado.

— Bem, não há água. Não sabiam?

— Claro que não há... Oh! — Deteve-se. — Está hospedada no Victoria, portanto... Ninguém lhe contou da falta d'água?

Começaram todos a falar a uma só voz, mas a de Gavallan sobrepujou as outras.

— O Victoria tem sua própria caixa d'água, assim como mais um ou dois hotéis. O resto da cidade tem direito apenas a quatro horas diárias de quatro em quatro dias. Portanto, é preciso usar um balde. Não me ocorreu que a senhorita não soubesse. Desculpe.

— E como se ajeitam? De quatro em quatro dias?

— É. Durante quatro horas, das seis às oito, depois das dezessete às dezenove. É uma caceteação, claro, porque temos que juntar água para quatro dias. Baldes, banheiras, o que for possível encher. Já estamos com poucos baldes... o nosso dia de água é amanhã. Ah, meu Deus, havia água bastante para a senhorita, não?

— Havia, mas... Quer dizer que o fornecimento de água é cortado? Por toda parte?

— É — explicou Gavallan, pacientemente. — Exceto durante quatro horas a cada quatro dias. Mas no Victoria não há problemas. Como estão bem à beira-mar, podem encher a sua caixa d'água diariamente das barcaças... Claro que têm que comprar a água.

— Não podem tomar banho nem se lavar? Linbar Struan riu.

— Todo mundo fica meio gosmento, depois de três dias neste calor, mas pelo menos estamos todos no mesmo esgoto. Mas faz parte do treinamento de sobrevivência certificar-se de que há um balde cheio antes de ir ao banheiro.

— Eu não tinha a menor idéia — disse ela, consternada por ter usado três baldes.

— Nossos reservatórios estão vazios — explicou Gavallan. — Este ano quase não choveu, e o ano passado também houve seca. É uma chateação, mas o que se vai fazer? Coisas da vida. Azar.

— Então, de onde vem a água de vocês? Eles a fitaram, desconcertados.

— Da China, é claro. Por meio de canos, cruzando a fronteira nos Novos Territórios, ou por navio-tanque, do rio Pearl. O governo acaba de contratar uma frota de dez navios-tanques que sobem o rio Pearl, num acordo com Pequim. Eles nos trazem cerca de dez milhões de galões por dia. O governo vai gastar mais de vinte e cinco milhões de frete este ano. O jornal de sábado disse que o nosso consumo caiu para trinta milhões de galões por dia, para a nossa população de três milhões e meio... e isso inclui as indústrias. Dizem que no seu país uma pessoa usa cento e cinqüenta galões por dia.

— É igual para todos? Quatro horas a cada quatro dias?

— Até mesmo na Casa Grande usam-se baldes. — Gavallan deu de ombros de novo. — Mas o tai-pan tem uma casa em Shek-0 que tem poço próprio. Todos nós nos mandamos para lá quando somos convidados, para tirar o limo do corpo.

Ela pensou de novo nos três baldes que usara. "Meu Deus", pensou, "será que acabei com tudo? Não me lembro se sobrou alguma água."

— Acho que tenho muito o que aprender — falou. "É", pensaram todos. "É, porra, e como tem."

— Tai-pan?

— Sim, Claudia? — disse Dunross pelo intercomunicador.

— A reunião com Casey acaba de ser interrompida para o almoço. O Patrão Andrew está na linha 4. O Patrão Linbar está subindo.

— Adie tudo isso para depois do almoço. Teve alguma notícia de Tsu-yan?

— Não, senhor. O avião pousou na hora, às oito e quarenta. Ele não está no escritório em Taipé. Nem no apartamento. Vou continuar tentando, é claro. Mais uma coisa. Recebi um telefonema interessante, tai-pan. Parece que o Sr. Bartlett esteve na Rothwell-Gornt hoje de manhã, e teve uma entrevista particular com o Sr. Gornt.

— Tem certeza? — perguntou, uma sensação gelada no estômago.

— Ah, sim, tenho.

"Filho da mãe", pensou Dunross. "Será que Bartlett estava querendo que eu descobrisse?"

— Obrigado — disse, deixando o assunto de lado momentaneamente, mas muito contente por ter sabido. — Pode apostar mil dólares por minha conta em qualquer cavalo, no sábado.

— Ah, obrigada, tai-pan.

— Vamos voltar ao trabalho, Claudia. — Apertou o botão número 4. — Sim, Andrew? Qual a proposta?

Gavallan contou-lhe a parte importante.

— Vinte milhões em dinheiro? — perguntou, incrédulo.

— Em dinheiro americano, lindo, maravilhoso! — Dunross podia sentir a alegria do outro através do telefone. — E quando perguntei quando Bartlett confirmaria a transação, a safadinha teve o topete de dizer: "Ah, já está confirmada... tenho poderes para investir até vinte milhões nessa transação sem consultá-lo, ou a qualquer outra pessoa". Acha possível?

— Não sei. — Os joelhos de Dunross estavam um pouco bambos. — Bartlett está para chegar a qualquer momento. Perguntarei a ele.

— Ei, tai-pan, se isso se concretizar...

Mas Dunross mal escutava enquanto Gavallan continuava a falar, entusiasmadíssimo. "É uma oferta inacreditável", dizia a si mesmo.

"É boa demais. Onde está a falha?

"Onde está a falha?"

Desde que se tornara tai-pan tivera que se virar, mentir, bajular e até ameaçar — como a Havergill, do banco — muito mais do que imaginara, para superar os desastres que herdara, e os desastres naturais e políticos que pareciam assolar o mundo. Mesmo a transformação da Struan em companhia de capital aberto não lhe dera o capital e o tempo que esperara ter, porque uma baixa mundial fizera o mercado em pedaços. E em agosto do ano anterior o tufão Wanda viera com força total, deixando a desgraça no seu rastro, centenas de mortos, centenas de milhares de desabrigados, meio milhar de barcos de pesca e vinte navios afundados, um dos seus navios de três toneladas lançado à terra, o seu gigantesco e inacabado cais destroçado e todo o seu programa de construção interrompido totalmente por seis meses. No outono, a crise cubana, e outra queda do mercado. Na primavera, De Gaulle vetara a entrada da Grã-Bretanha no Mercado Comum Europeu, e nova queda. China e Rússia às turras, nova baixa do mercado...

"E agora tenho quase vinte milhões de dólares americanos, mas acho que estamos envolvidos, de alguma maneira, em contrabando de armas. Tsu-yan aparentemente pôs-se em fuga, e John Chen está sabe lá Deus onde!"

— Puta que o pariu! — resmungou, com raiva.

— O quê? — Gavallan parou de falar, aparvalhado. — O que foi?

— Nada, nada, Andrew — falou. — Nada com você. Fale-me dela. Que tal é?

— Boa de cálculo, ligeira e confiante, mas impaciente. E é a garota mais bonita que vejo há anos, aparentemente com o melhor par de mamas na cidade. — Gavallan contou-lhe das apostas. — Acho que Linbar está correndo por dentro.

— Vou despedir Foster e mandar Linbar para Sydney durante seis meses, para dar um jeito nas coisas por lá.

— Ótima idéia. — Gavallan riu. — Isso vai fazer com que pare de arrotar grandeza... embora digam que as moças da Austrália são muito "dadivosas".

— Acha que esse negócio vai ser fechado?

— Acho. Phillip estava eufórico com a proposta. Mas é uma merda negociar com uma mulher, juro. Acha que poderíamos chutá-la para escanteio e lidar diretamente com Bartlett?

— Não. Ele deixou bem claro na sua correspondência que K. C, Tcholok era quem faria as negociações.

— Ora bolas... então vamos em frente! O que não fazemos pela Casa Nobre!

— Já encontrou o ponto fraco dela?

— Impaciência. Ela quer "se enturmar"... ser um dos rapazes. Diria que o calcanhar-de-aquiles dela é que deseja desesperadamente ser aceita no mundo masculino.

— Não há mal em desejar isso... como o Santo Graal.

A reunião com Dawson foi marcada para amanhã às onze?

— Foi.

— Mande Dawson cancelá-la, mas não antes das nove de amanhã. Diga-lhe que dê uma desculpa qualquer e marque nova reunião para quarta-feira ao meio-dia.

— Boa idéia, deixá-la meio no ar, hem?

— Diga ao Jacques que eu mesmo vou à reunião.

— Sim, tai-pan. E quanto a John Chen? Vai querer que ele vá?

Depois de uma pausa, Dunross falou:

— Vou. Já o viu?

— Não. É esperado para o almoço... quer que vá caçá-lo?

— Não. Onde está Phillip?

— Foi para casa. Voltará às duas e meia.

Ótimo, pensou Dunross. Não se preocuparia mais com John Chen até aquela hora.

— Ouça... — O intercomunicador soou. — Um minutinho, Andrew. — Apertou o botão de espera. — Sim, Claudia?

— Desculpe a interrupção, tai-pan, mas sua ligação para o Sr. Jen, em Taipé, está na linha 2, e o Sr. Bartlett acaba de chegar lá embaixo.

— Faça-o entrar tão logo eu acabe de falar com Jen. — Apertou de novo a linha 4. — Andrew, talvez eu me atrase alguns minutos. Sirva drinques e banque o anfitrião por mim. Eu mesmo levarei Bartlett lá para cima.

— Certo.

Dunross apertou a linha 2.

— Tsaw an? — disse, em dialeto mandarim. — Como vai? Feliz por falar com o tio de Wei-wei, general Jen Tang-wa, subchefe da polícia secreta ilegal do Kuomintang em Hong Kong.

— Shey-shey — depois, em inglês: — O que há, tai-pan?

— Achei que devia saber... — Dunross contou-lhe rapidamente sobre as armas e Bartlett, e que a polícia estava envolvida, mas não sobre Tsu-yan ou John Chen.

— Ayeeyah! Muito curioso.

— Foi o que também achei. Muito curioso.

— Está convencido de que não é coisa do Bartlett?

— Estou. Parece não haver motivo para tal. Motivo algum. Seria uma estupidez usar o próprio avião. Bartlett não é estúpido — falou Dunross. — Quem precisaria desses armamentos aqui?

Fez-se uma pausa.

— Elementos criminosos.

— Tríades?

— Nem todas as tríades são criminosas.

— Não — disse Dunross.

— Verei o que posso descobrir. Tenho certeza de que não tem nada a ver conosco, Ian. Ainda vem para cá no domingo?

— Vou.

— Ótimo. Verei o que posso descobrir. Drinques às dezoito horas?

— Não poderia ser às vinte? Já se encontrou com Tsu-yan?

— Pensei que ele só viria no fim de semana. Não vai fazer o nosso quarteto na segunda-feira, com o americano?

— Vai. Ouvi dizer que tomou um avião hoje cedo para aí — disse Dunross, tentando falar com naturalidade.

— Com certeza vai me ligar... quer que ele telefone para você?

— Quero. A qualquer hora. Mas não é nada importante. Até domingo, às oito.

— Até, e obrigado pela informação. Se souber de alguma coisa, telefono imediatamente. Adeus.

Dunross desligou o aparelho. Estivera prestando muita atenção ao tom de voz de Jen, mas não percebeu nada de diferente. Onde diabo se metera Tsu-yan?

Uma batida à porta.

— Entre. — Levantou-se e foi receber Bartlett. — Alô.

— Sorriu e estendeu a mão. — Sou Ian Dunross.

— Linc Bartlett. — Apertaram-se as mãos com firmeza.

— Cheguei cedo demais?

— Está bem na hora. Deve saber que gosto de pontualidade. — Dunross riu. — Ouvi dizer que a reunião correu muito bem.

— Ótimo — replicou Bartlett, perguntando-se se Dunross estava se referindo à reunião com Gornt. — Casey conhece os fatos e os números.

— Meus companheiros ficaram muito impressionados. Ela disse que tinha poderes para concluir as negociações. Tem, Sr. Bartlett?

— Pode negociar e confirmar até vinte milhões. Por quê?

— Por nada. Só queria conhecer seu modo de trabalhar. Por favor, queira sentar-se. Ainda temos alguns minutos. O almoço só começa às doze e quarenta. Parece que temos um empreendimento lucrativo à nossa frente.

— Espero que sim. Tão logo eu fale com Casey. Quem sabe o senhor e eu possamos conversar?

Dunross verificou sua agenda.

— Amanhã às dez. Aqui?

— Combinado.

— Fuma?

— Não, obrigado. Parei faz alguns anos.

— Eu também... mas ainda sinto falta de um cigarro. — Dunross recostou-se na cadeira. — Antes de irmos almoçar, Sr. Bartlett, temos algumas coisinhas a conversar. Vou para Taipé no domingo à tarde, devo voltar na terça até a hora do jantar, e gostaria que o senhor fosse comigo. Gostaria que conhecesse umas pessoas, teremos um jogo de golfe de que poderá participar. Poderíamos conversar com bastante calma, e o senhor poderia ver os prováveis locais das fábricas. Poderia ser importante. Já tomei todas as providências, mas não será possível levar a srta. Tcholok.

Bartlett franziu o cenho, perguntando-se se a escolha de terça-feira seria apenas uma coincidência.

— Segundo o superintendente Armstrong, não posso sair de Hong Kong.

— Estou certo de que daremos um jeito nisso.

— Então também já sabe das armas? — perguntou Bartlett, e depois se xingou pelo deslize. Conseguiu manter o olhar firme.

— Sei, sim. Há mais alguém incomodando-o por causa delas? — perguntou Dunross, observando-o.

— A polícia até interrogou Casey! Meu Deus! Meu avião está retido, somos todos suspeitos, e não sei coisíssima alguma sobre arma nenhuma.

— Bem, não há por que se preocupar, Sr. Bartlett. A nossa polícia é muito boa.

— Não estou preocupado, só chateado.

— É compreensível — falou Dunross, satisfeito porque o encontro com Armstrong fora confidencial. Muito satisfeito.

"Santo Deus", pensou, inquieto, "se John Chen e Tsu-yan estiveram envolvidos de alguma forma, Bartlett vai ficar chateado de verdade, e perderemos o negócio. Ele vai se unir ao Gornt e então..."

— Como soube das armas?

— Fomos informados pelo nosso escritório em Kai Tak, hoje de manhã.

— Uma coisa dessas já aconteceu antes?

— Já. — Dunross acrescentou, despreocupadamente: — Mas não há mal algum num contrabandozinho, mesmo de armas. Na verdade é uma profissão muito honrada, mas é claro que o fazemos em outras bandas.

— Onde?

— Onde o governo de Sua Majestade o desejar. — Dunross riu. — Somos todos piratas aqui, Sr. Bartlett, pelo menos para o pessoal de fora. — Fez uma pausa. — Caso eu possa ajeitar as coisas com a polícia, irá a Taipé?

Bartlett disse:

— Casey sabe ficar de boca fechada.

— Não estou sugerindo que não seja digna de confiança.

— Só que não está sendo convidada?

— Alguns dos nossos costumes aqui são um tanto diferentes dos seus, Sr. Bartlett. Na maioria das vezes ela será bem-vinda... mas, às vezes, bem, pouparia muito embaraço se fosse excluída.

— Casey não fica embaraçada com facilidade.

— Não estava pensando no embaraço dela. Desculpe ser franco, mas, tudo somado, talvez fosse mais sensato.

— E se eu não "me sujeitar"?

— Provavelmente significará que vai perder uma oportunidade única, o que seria uma pena... principalmente se pretende ter uma associação a longo prazo com a Ásia.

— Pensarei no assunto.

— Desculpe, mas preciso de uma resposta agora.

— Precisa?

— Preciso.

— Então vá para o diabo! Dunross abriu um sorriso.

— Não vou, não. Como é, definitivamente: sim ou não? Bartlett desatou a rir.

— Já que não tenho outra escolha, pode contar comigo para ir a Taipé.

— Ótimo. Naturalmente, minha mulher cuidará da srta. Tcholok enquanto estivermos fora. Ela não se sentirá desprestigiada.

— Obrigado. Mas não precisa se preocupar com Casey. Que jeito vai dar no Armstrong?

— Não vou dar jeito nenhum nele. Apenas solicitar ao comissário assistente que me permita ficar responsável pelo senhor, ida e volta.

— Vou ficar em liberdade condicional, sob sua custódia?

— É.

— Como sabe que não vou sair da cidade? E se eu estiver mesmo contrabandeando as armas?

Dunross fitou-o.

— Talvez esteja. Talvez tente... mas posso trazê-lo de volta vivo ou morto, como dizem no cinema. Hong Kong e Taipé ficam dentro do meu feudo.

— Vivo ou morto, hem?

— Hipoteticamente, é claro.

— Quantos homens já matou na vida?

A atmosfera na sala se modificou, e os dois homens sentiram profundamente a mudança.

"Ainda não há nada de perigoso entre nós dois", pensou Dunross. "Ainda não."

— Doze — replicou, os sentidos alerta, embora a pergunta o houvesse pegado de surpresa. — De doze tenho certeza. Fui piloto de caça durante a guerra. Spitfires. Derrubei dois caças de um só passageiro, um Stuka e dois bombardeiros... Eram Dornier 17 e deveriam ter uma tripulação de quatro homens cada. Todos os aviões incendiaram-se ao cair. De doze tenho certeza, Sr. Bartlett. Claro que atiramos em muitos trens, comboios, concentrações de tropas. Por quê?

— Ouvi dizer que foi aviador. Acho que nunca matei ninguém. Estava construindo campos, bases no Pacífico, coisas assim. Nunca disparei uma arma com raiva.

— Mas gosta de caçar?

— Gosto. Participei de um safári no Quênia, em 1959. Matei um elefante e um grande antílope africano, e muitos animais para a panela.

— Acho que prefiro matar aviões, trens e barcos. Os homens, na guerra, são incidentais. Não são? — disse Dunross depois de uma pausa.

— Uma vez que o general foi posto em campo pelo governante, é claro. É um fato da guerra.

— Leu A arte da guerra, de Sun Tse?

— O melhor livro sobre a guerra que já li — falou Bartlett entusiasticamente. — Melhor que Clausewitz ou Liddel Hart, embora tenha sido escrito em 500 a.C.

— É? — Dunross recostou-se na cadeira, satisfeito por deixarem as mortes de lado. "Há anos que não me lembrava dessas mortes", pensou. "Não é justo para com aqueles homens, é?"

— Sabia que o livro de Sun Tse foi publicado em francês em 1782? Tenho uma teoria de que Napoleão tinha um exemplar dele.

— É certo que foi publicado em russo... e Mao sempre carregava consigo um exemplar supermanuseado — falou Dunross.

— O senhor o leu?

— Meu pai me forçou, tive que lê-lo no original... em chinês. E depois ele me fazia perguntas, muito seriamente.

Uma mosca começou a bater irritantemente contra a vidraça.

— Seu pai queria que fosse soldado?

— Não. Sun Tse, como Maquiavel, escreveu mais sobre a vida do que sobre a morte... e mais sobre a sobrevivência do que a guerra...

Dunross olhou para a janela, depois se levantou e foi até lá, destruindo a mosca com uma selvageria controlada que serviu como uma advertência a Bartlett.

Dunross voltou para a mesa.

— Meu pai achava que eu devia entender de sobrevivência, e saber como lidar com grandes grupos de homens. Queria que fosse digno de ser tai-pan, algum dia, embora achasse que eu nunca ia valer grande coisa.

Deu um sorriso.

— Ele também foi tai-pan?

— Foi. E muito bom. No começo.

— O que aconteceu?

Dunross deu uma risada sardônica.

— Querendo descobrir nossos segredos de família tão cedo, Sr. Bartlett? Bem, em resumo, tivemos uma diferença de opinião muito aborrecida e prolongada. Então, ele passou o cargo para o meu antecessor, Alastair Struan.

— Ele ainda vive?

— Vive.

— Quer dizer, em sua discrição britânica, que foi à luta com ele?

— Sun Tse é muito específico sobre ir à luta, Sr. Bartlett. É muito ruim guerrear, a não ser que seja necessário. Citando-o: "A suprema excelência do generalato consiste em quebrar a resistência do inimigo sem lutar".

— O senhor o quebrou?

— Ele se retirou do campo, Sr. Bartlett, como homem sensato que era.

A fisionomia de Dunross endurecera. Bartlett o fitava. Os dois homens sabiam que, mesmo a contragosto, estavam traçando linhas de batalha.

— Estou contente por ter vindo a Hong Kong — disse o americano. — Estou contente por tê-lo conhecido.

— Obrigado. Quem sabe um dia não estará. Bartlett deu de ombros.

— Quem sabe. Entrementes, temos um negócio em estudos... bom para vocês, bom para nós. — Abriu um sorriso repentino, lembrando-se de Gornt e da faca de cozinha. — É. Estou contente por ter vindo a Hong Kong.

— O senhor e Casey aceitariam ser meus convidados hoje à noite? Vou dar uma festinha modesta, por volta das oito e meia.

— Traje a rigor?

— Dinner jacket, está bem?

— Ótimo. Casey falou que vocês gostam de black-tie e coisa e tal. — Foi então que Bartlett notou o quadro na parede: uma tela antiga de uma linda chinesinha barqueira carregando um garotinho inglês, com os cabelos louros presos numa trança. — É um Quance? Um Aristotle Quance?

— É, é sim — disse Dunross, mal disfarçando a surpresa. Bartlett aproximou-se e examinou o quadro.

— Este é o original?

— É. Entende muito de arte?

— Não, mas Casey me falou de Quance quando vínhamos para cá. Disse que é quase como um fotógrafo, um historiador dos tempos antigos.

— É mesmo.

— Se me lembro direito, este aqui é o retrato de uma moça chamada May-may, May-may T'Chung, e a criança é um dos filhos que teve com Dirk Struan?

Dunross ficou calado, fitando as costas de Bartlett. Bartlett olhou mais de perto.

— É difícil enxergar os olhos. Então o garoto é Gordon Chen, o futuro Sir Gordon Chen?

Virou-se e olhou para Dunross.

— Não sei ao certo, Sr. Bartlett. Esta é uma das histórias que correm.

Bartlett observou-o por um momento. Os dois homens combinavam bem, Dunross um pouquinho mais alto, mas Bartlett de ombros mais largos. Ambos tinham olhos azuis, os de Dunross levemente mais esverdeados, os de ambos bem espaçados em rostos vividos.

— Gosta de ser o tai-pan da Casa Nobre? — perguntou Bartlett.

— Gosto.

— Não sei ao certo quais os poderes de um tai-pan, mas na Par-Con posso contratar e despedir quem quiser, e posso fechar a companhia, se me der na telha.

— Então, é um tai-pan.

— Então, também gosto de ser tai-pan. Quero pôr um pé na Ásia, o senhor, nos Estados Unidos. Juntos podemos enfiar toda a costa do Pacífico numa sacola e carregá-la, nós dois.

"Ou preparar uma mortalha para um de nós", pensou

Dunross, gostando de Bartlett, a despeito de saber que era perigoso gostar dele.

— Tenho o que lhe falta, o senhor tem o que me falta.

— É — concordou Dunross. — E agora o que nos falta é almoçar.

Dirigiram-se para a porta. Bartlett chegou primeiro. Mas não a abriu imediatamente.

— Sei que não é o costume de vocês, mas já que vamos juntos para Taipé, não podia me chamar de Linc, e eu chamá-lo de Ian, e começarmos desde já a calcular quanto vamos apostar na partida de golfe? Estou certo de que o meu hanà-icap é 13, oficialmente, e sei que o seu é 10, oficialmente, o que provavelmente quer dizer pelo menos uma tacada extra de cada um, por medida de segurança.

— Por que não? — concordou Dunross imediatamente. — Mas aqui não costumamos apostar dinheiro, só bolas.

— Pois sim que vou apostar as do meu saco numa partida de golfe!

Dunross achou graça.

— Pode ser que aposte, algum dia. Normalmente apostamos meia dúzia de bolas de golfe aqui... mais ou menos isso.

— É um mau costume britânico apostar dinheiro, Ian?

— Não. Que tal quinhentos cada lado, e o vencedor leva tudo?

— Americanos ou de Hong Kong?

— Hong Kong. Entre amigos, devem ser os de Hong Kong. Inicialmente.

O almoço foi servido na sala de jantar particular dos diretores, no décimo nono andar. Era uma sala de canto em forma de L, com teto alto e cortinas azuis, tapetes chineses azuis mosqueados, e janelas amplas de onde se podia ver Kowloon e os aviões pousando e decolando em Kai Tak, a ilha Stonecutters e a ilha Tsing Yi a oeste, e, mais além, parte dos Novos Territórios. A mesa de carvalho antiga e grande, que comportava facilmente vinte pessoas, estava posta com um jogo americano, talheres de prata e o melhor cristal Waterford. Para os seis comensais havia quatro garçons silenciosos e bem-treinados, de calças pretas e túnicas brancas bordadas com o emblema da Struan.

Os coquetéis já haviam começado a ser servidos quando Bartlett e Dunross chegaram. Casey tomava um martíni seco junto com os outros... excetuando Gavallan, que tomava um gim cor-de-rosa duplo. Sem precisar fazer o pedido, Bartlett recebeu uma lata supergelada de cerveja Anweiser numa salva de prata georgiana.

— Quem lhe contou? — perguntou Bartlett, encantado.

— Com os cumprimentos de Struan e Companhia — disse Dunross. — Soubemos que é assim que gosta. — Apresentou-o a Gavallan, De Ville e Linbar Struan, e aceitou uma taça de chablis gelado, depois sorriu para Casey: — Como vai?

— Bem, obrigada.

— Com licença — disse Bartlett aos outros —, mas tenho que dar um recado a Casey, antes que me esqueça. Casey, quer ligar para o Johnston em Washington, amanhã?... descubra quem seria o nosso melhor contato no consulado aqui.

— Claro. Se não conseguir falar com ele, perguntarei a Tim Diller.

Qualquer referência a Johnston queria dizer, em código: que tal vai indo o negócio? Na resposta: Diller queria dizer bem; Tim Diller, muito bem; Jones, mal; George Jones, muito mal.

— Boa idéia — respondeu Bartlett, sorrindo, depois voltou-se para Dunross. — Que belo aposento!

— É adequado — replicou Dunross.

Casey riu, percebendo a desvalorização propositada do ambiente.

— A reunião correu muito bem, Sr. Dunross — disse. — Chegamos a uma proposta para ser submetida à sua apreciação.

"Bem típico de um americano. Que falta de finesse! Será que ela não sabe que os negócios devem ser discutidos depois do almoço, não antes?"

— É, Andrew me falou por alto — retrucou Dunross. — Quer mais uma bebida?

— Não, obrigada. Acho que a proposta cobre todos os tópicos, senhor. Há algum ponto que deseja que eu esclareça?

— Tenho certeza de que haverá, futuramente — disse Dunross, intimamente divertido, como sempre, pelo senhor que muitas mulheres americanas usavam em conversa, e com freqüência, incongruentemente, ao se dirigirem aos garçons. — Tão logo eu a estude, conversarei com a senhorita. Uma cerveja para o Sr. Bartlett — acrescentou, tentando mais uma vez transferir os negócios para depois. Em seguida, dirigiu-se a Jacques: — Ça va?

— Oui, merci. À rien. Nada ainda.

— Não se preocupe — disse Dunross. Na véspera, a filha adorada de Jacques e o marido, que estavam de férias na França, haviam sofrido um feio acidente de carro. Ele ainda não conhecia direito as proporções do acidente. — Não se preocupe.

— Não.

Novamente o dar de ombros gaulês, ocultando a enormidade da sua preocupação.

Jacques era primo-irmão de Dunross, e entrara para a Struan em 45. A guerra dele fora tétrica. Em 1940, mandara a mulher e os dois filhos pequenos para a Inglaterra e permanecera na França. Até o fim da guerra. Maquis, prisão, condenação, fuga e maquis de novo. Estava com cinqüenta e quatro anos, era um homem forte e quieto, mas perigoso quando provocado, com um peito largo, olhos castanhos, mãos rudes e muitas cicatrizes.

— Em princípio o negócio lhe parece bom? — perguntou Casey.

Dunross soltou um suspiro, intimamente, e concentrou-se integralmente nela.

— Posso apresentar uma contraproposta em um ou dois pontos de menor importância. Entrementes — acrescentou, com decisão —, pode estar certa de que, em termos gerais, a proposta parece aceitável.

— Ah, que bom! — exclamou Casey, feliz.

— Ótimo — disse Bartlett, igualmente satisfeito, e ergueu sua lata de cerveja. — Bebamos a uma conclusão bem-sucedida, e a grandes lucros... para vocês e para nós.

Brindaram, os outros percebendo os sinais de perigo em Dunross, imaginando qual seria a contraproposta do tai-pan.

— Vai levar muito tempo para concluir, Ian? — perguntou Bartlett, e todos eles ouviram o Ian. Linbar Struan não ocultou uma careta.

Para espanto geral, Dunross apenas respondeu:

— Não. — Era como se o tratamento familiar fosse muito comum. Acrescentou: — Duvido que os advogados levantem algum obstáculo intransponível.

— Vamos nos encontrar com eles amanhã às onze — disse Casey. — O Sr. De Ville, John Chen e eu. Já tivemos a aprovação prévia deles... sem problemas, por esse lado.

— Dawson é muito bom, especialmente em leis de taxação americanas.

— Casey, quem sabe devemos trazer nosso especialista em impostos de Nova York — falou Bartlett.

— Claro, Linc, logo que estivermos de acordo. E o Forrester. — Para Dunross, explicou: — É o chefe da nossa divisão de espumas.

— Ótimo. E, agora, chega de falar de negócios antes do almoço — disse Dunross. — Regras da casa, srta. Casey: nada de papo comercial durante as refeições, faz mal para a digestão.

— Fez sinal para Lim. — Não vamos esperar pelo Patrão John.

Instantaneamente os garçons se materializaram e as cadeiras foram puxadas; havia nomes datilografados nos marcadores de lugar de prata, e a sopa foi servida.

O menu previa xerez com a sopa, chablis com o peixe — ou clarete com a carne assada e o pudim Yorkshire, se preferissem —, vagens, batatas e cenouras cozidas. Trifle de xerez, doce típico inglês, como sobremesa. Vinho do Porto com os queijos.

— Quanto tempo vai ficar por aqui, Sr. Bartlett? — perguntou Gavallan.

— O tempo que for necessário. Mas, Sr. Gavallan, já que parece que vamos nos dar comercialmente por muito tempo, que tal deixar de lado o Sr. Bartlett e a srta. Casey e nos chamar de Linc e Casey?

Gavallan manteve os olhos fitos em Bartlett. Gostaria de ter dito: "Bem, Sr. Bartlett, gostamos de ir com calma nessas coisas, por aqui... é um dos poucos modos de se diferenciar os amigos dos conhecidos. Para nós, os nomes de batismo são uma coisa particular. Mas, como o tai-pan não fez objeções ao espantoso Ian, não há nada que eu possa fazer".

— Por que não, Sr. Bartlett? — falou, serenamente. — Não é necessário fazer cerimônia. É?

Jacques de Ville, Struan e Dunross riram-se intimamente do Sr. Bartlett e do modo hábil com que Gavallan transformara a aceitação indesejável num fora e num desprestígio que nenhum dos americanos jamais compreenderia.

— Obrigado, Andrew — disse Bartlett. A seguir, acrescentou: — Ian, posso alterar as regras e fazer mais uma pergunta antes do almoço? Seria possível você concluir o acordo até a terça que vem, de uma maneira ou de outra?

Instantaneamente, a atmosfera da sala se modificou. Lim e os outros criados hesitaram, chocados. Todos os olhares se dirigiram para Dunross. Bartlett achou que tinha ido longe demais, e Casey teve certeza disso. Estivera observando Dunross. A expressão dele não se modificara, mas os olhos, sim. Todos na sala sabiam que o tai-pan fora pressionado como por um adversário num jogo de pôquer. Jogue ou passe. Até a próxima terça-feira.

Ficaram esperando. O silêncio parecia pesar. E pesar.

Então, Dunross o rompeu.

— Dou-lhe a resposta amanhã — falou, com voz calma, e o momento passou. Todos suspiraram intimamente, os garçons continuaram seu trabalho e todos se descontraíram. Exceto Linbar. Ainda podia sentir as palmas das mãos molhadas de suor, porque somente ele, entre todos, conhecia o fio que corria por dentro de todos os descendentes de Dirk Struan — um ímpeto de violência repentino, estranho, quase primitivo —, e quase o vira vir à tona então, quase, mas não viera. Desta feita, fora embora. Mas o fato de saber que existia, e a sua proximidade, o aterrorizavam.

Ele próprio descendia do ramo de Robb Struan, meio irmão e sócio de Dirk Struan. Portanto não tinha o sangue de Dirk Struan nas veias. Ressentia-se disso amargamente, e detestava Dunross ainda mais por deixá-lo doente de inveja.

"A maldição da Bruxa Struan caia sobre você, maldito Ian Dunross, e sobre todos os seus descendentes", pensou, e estremeceu involuntariamente, ao pensar nela.

— O que foi, Linbar? — perguntou Dunross.

— Oh, nada, tai-pan — respondeu, quase morrendo de susto. — Nada... só um pensamento repentino. Desculpe.

— Que pensamento?

— Estava só pensando na Bruxa Struan.

A colher de Dunross ficou parada no ar, e os outros olharam para ele.

— Não é um pensamento que faça bem à digestão.

— Não, senhor.

Bartlett olhou para Linbar, depois para Dunross.

— Quem é a Bruxa Struan?

— Um esqueleto — replicou Dunross, com uma risada seca. — Temos muitos esqueletos escondidos nos armários da família.

— E quem não tem? — falou Casey.

— A Bruxa Struan foi o nosso eterno bicho-papão... ainda é.

— Não agora, tai-pan, sem dúvida — falou Gavallan. — Já morreu faz quase cinqüenta anos.

— Pode ser que morra conosco, com Linbar, Kathy e eu, com a nossa geração, mas duvido. — Dunross lançou um olhar estranho para Linbar. — Será que a Bruxa Struan vai sair do seu caixão hoje à noite para nos engolir?

— Juro por Deus que nem gosto de brincar assim com ela, tai-pan.

— Maldita seja a Bruxa Struan — disse Dunross. — Se estivesse viva, eu lhe rogaria uma praga cara a cara.

— Acho que sim. É — riu-se Gavallan. — Gostaria de ter visto a cena.

— Eu também. — Dunross riu com ele, até que viu a expressão de Casey. — Ah, é só bravata, Casey. A Bruxa Struan era um demônio dos infernos, se formos acreditar em metade das lendas sobre ela. Era a mulher de Culum Struan, filho de Dirk Struan, o nosso fundador. O nome dela era Tess, Tess Brock, e era a filha do inimigo ferrenho de Dirk, Tyler Brock. Culum e Tess fugiram para se casar em 1841, segundo a história. Ela estava com dezesseis anos e era uma beleza, e ele era o herdeiro da Casa Nobre. É uma história à la Romeu e Julieta... só que eles viveram, e o casamento deles não diminuiu em nada o ódio mortal entre Dirk e Tyler, ou entre os Struans e os Brocks. Ao contrário, aumentou e complicou tudo. Ela nasceu Tess Brock em 1825, e morreu Bruxa Struan em 1917, aos noventa e dois anos de idade, desdentada, careca, embriagada, malvada e mesquinha até o último dia de sua vida. Como é estranha a vida, heya?

— É. Incrível, às vezes — disse Casey, pensativa. — Por que será que as pessoas mudam tanto ao envelhecer?... Ficam azedas e amargas. Especialmente as mulheres.

"É costume", Dunross podia ter respondido de pronto, "e porque os homens e as mulheres envelhecem de modo diferente. É injusto... mas é um fato imutável. Uma mulher vê as rugas e a flacidez começando, e a pele não mais fresca e firme, mas seu homem ainda tem boa aparência e é solicitado, e depois ela vê os brotinhos e fica aterrorizada de perdê-lo, e acaba perdendo-o porque ele fica cheio das lamúrias dela e da agonia auto-infligida da automutilação... e também por causa do seu instinto incontrolável e inato em direção à juventude..."

"Ayeeyah, não há afrodisíaco no mundo como a juventude", o velho Chen-Chen (pai de Phillip Chen) e mentor de Ian sempre dizia. "Nenhum, jovem Ian, nenhum. Nenhum, nenhum, nenhum. Ouça. O yang necessita dos sumos do yin, mas sumos jovens, ah, sim, têm que ser jovens, os sumos, para aumentar a sua vida e nutrir o yang... oh, oh, oh! Lembre-se, quanto mais velho se tornar o seu Talo Masculino, mais precisará de juventude, mudança e entusiasmo juvenil para atuar exuberantemente, e, quanto mais, melhor! Mas lembre-se também de que a Caixa Formosa que se aninha entre as coxas dela, embora incomparável, adorável, deliciosa, fantástica, oh, tão doce, e oh, tão satisfatória, que é... cuidado! Ah!, também é uma armadilha, uma emboscada, uma câmara de torturas, e o seu caixão!" Depois, o velho, bem velhinho, dava risada e sua barriga subia e descia, e as lágrimas lhe escorriam pelo rosto. "Ah, os deuses são maravilhosos, não são? Dão-nos o céu na terra, mas é um verdadeiro inferno quando não conseguimos fazer o nosso monge de um olho só erguer a cabeça para entrar no paraíso! Joss, meu filho! Esta é a nossa sorte... ansiar pela Ravina Gulosa até que ela nos devore, mas oh, oh, oh..."

"Deve ser muito difícil para as mulheres, especialmente as americanas", pensou Dunross, "esse trauma de envelhecer, a inevitabilidade de acontecer tão cedo, cedo demais... pior na América do que em qualquer outra parte do mundo.

"Por que lhe dizer uma verdade, que já deve saber no seu âmago?", perguntou-se Dunross. "Ou ainda dizer mais, que a moda americana exige um esforço para se agarrar a uma juventude eterna que nem Deus, o Diabo ou o cirurgião podem lhe dar. Não se pode ter vinte e cinco anos aos trinta e cinco, nem ter a juventude dos trinta e cinco aos quarenta e cinco, nem ter quarenta e cinco aos cinqüenta e cinco anos. Desculpe, sei que é injusto, mas é a verdade.

"Ayeeyah, agradeço fervorosamente a Deus — se houver um Deus —, agradeço a todos os deuses grandes e pequenos por ser homem, e não mulher. Tenho pena de você, moça americana dos nomes bonitos."

Mas Dunross respondeu, simplesmente:

— Suponho que seja porque a vida não é nenhum mar de rosas, e somos alimentados de baboseiras e valores errados ao crescer... não como os chineses, que são sensatos... Meu Deus, como são incrivelmente sensatos! No caso da Bruxa Struan, talvez fosse o sangue ruim dos Brocks. Acho que era o joss dela: seu destino, sua sorte ou seu azar. Ela e Culum tiveram sete filhos, quatro homens e três mulheres. Todos os homens tiveram morte violenta, dois de "fluxo", provavelmente de peste, aqui em Hong Kong, um foi assassinado a facadas em Xangai, e o último morreu afogado perto de Ayr, na Escócia, onde ficam as terras da nossa família. Isso bastaria para deixar qualquer mãe meio louca, isso e o ódio e a inveja que a cercaram, e a Culum, a vida toda. Mas quando se acrescenta a isso tudo os problemas de morar na Ásia, a passagem da Casa Nobre para os filhos de outras pessoas... bem, dá para entender. — Dunross pensou um momento, depois acrescentou: — Conta a lenda que ela dominou Culum Struan a vida inteira, e tiranizou a Casa Nobre até o dia de sua morte, e todos os tai-pans, todas as noras, todos os genros, e até todas as crianças. Até mesmo depois da morte. Lembro-me de uma babá inglesa que tive, possa a sua alma arder no inferno para sempre, que me dizia: "É melhor se comportar, Patrãozinho Ian, ou vou invocar o espírito da Bruxa Struan, e ela vai devorá-lo..." Eu não teria mais do que cinco ou seis anos.

— Que coisa terrível! — exclamou Casey. Dunross deu de ombros.

— As babás fazem isso com as crianças.

— Nem todas, graças a Deus — disse Gavallan.

— Eu nunca tive uma que prestasse. Ou uma gan sun que fosse má.

— O que é uma gan sun? — quis saber Casey.

— Quer dizer "corpo próximo", é o nome correto para uma amah. Na China de antes de 49, as crianças das famílias abastadas, da maioria das antigas famílias européias ou eurasianas daqui, sempre tinham a sua "corpo próximo" para cuidar delas... na maioria das vezes, ficavam com elas a vida toda. A maioria das gan sun faz voto de celibato. Pode-se sempre reconhecê-las pela trança comprida que usam costas abaixo. A minha gan sun chama-se Ah Tat. É uma velhota fabulosa. Ainda está conosco — falou Dunross.

Gavallan disse:

— A minha foi mais mãe para mim do que minha mãe de verdade.

— Com que então a Bruxa Struan era sua bisavó? — perguntou Casey a Linbar.

— Santo Deus, não! Não... eu não descendo de Dirk Struan — replicou, e ela notou suor na testa dele, e não entendeu. — Descendo do meio irmão dele, Robb Struan. Ele era sócio de Dirk. O tai-pan descende diretamente de Dirk, mas... mesmo assim... nenhum de nós descende da Bruxa.

— São todos parentes? — perguntou Casey, sentindo uma tensão curiosa na sala. Viu Linbar hesitar e olhar para Dunross, enquanto ela o fitava.

— Sim — disse ele. — Andrew é casado com minha irmã, Kathy. Jacques é primo, e Linbar... Linbar tem o nosso nome. — Dunross riu. — Muita gente em Hong Kong ainda se lembra da Bruxa, Casey. Sempre usava um vestido preto comprido com anquinhas e um chapéu gozado com uma pena comida de traças, tudo totalmente fora de moda, e carregava uma bengala preta de cabo de prata o tempo todo. Costumava ser levada pelas ruas numa espécie de palanquim com quatro carregadores. Não media muito mais de metro e meio, mas era redonda e durona como o pé de um cule. Os chineses morriam de medo dela, também. O apelido dela era "Honorável Velha Demônia Mãe Estrangeira com Mau-Olhado e Dentes de Dragão".

— É verdade — disse Gavallan, com uma risada curta. — Meu pai e minha avó a conheceram. Tinham a sua própria companhia mercantil aqui e em Xangai, Casey, mas foram mais ou menos liquidados na Grande Guerra, e se uniram à Struan em 1919. Meu velho me contava que, quando era menino, ele e os amigos costumavam seguir a Bruxa pelas ruas, e quando ela ficava especialmente zangada, tirava os dentes postiços e os abria e fechava para as crianças, como se fosse mordê-las. — Todos riram junto com ele, quando a imitou. — Meu velho jurava que os dentes tinham sessenta centímetros de altura e uma espécie de mola, e ficavam mordendo e mordendo.

— Ei, Andrew, eu tinha me esquecido disso — interrompeu Linbar, com um amplo sorriso. — Minha gan sun, a velha Ah Fu, conhecia bem a Bruxa Struan, e cada vez que se falava nela Ah Fu revirava os olhos e implorava aos deuses que a protegessem do mau-olhado e dos dentes mágicos. Meu irmão Kyle e eu... — parou, depois recomeçou, num tom de voz diferente — costumávamos implicar com Ah Fu sobre ela.

Dunross disse para Casey:

— Há um retrato dela lá na Casa Grande... dois, na verdade. Se estiver interessada, eu os mostrarei a você, qualquer dia.

— Ah, obrigada... gostaria, sim. Há algum de Dirk Struan?

— Vários. E um de Robb, seu meio irmão.

— Adoraria vê-los.

— Eu também — falou Bartlett. — Que diabo, nunca sequer vi um retrato dos meus avós, que dirá do meu tataravô. Sempre quis saber dos meus antepassados, como eram, de onde vieram. Não sei nada a seu respeito, exceto que meu avô parece que dirigiu uma companhia de fretagem no velho oeste, num lugar chamado Jerrico. Deve ser formidável a gente saber de onde vem. Vocês têm sorte. — Ele estivera sentado, prestando atenção nas correntes ocultas, fascinado por elas, buscando pistas para quando chegasse a hora de ter que decidir: Dunross ou Gornt. "Se for Dunross, Andrew Gavallan é um inimigo, e terá que pular fora", disse para si mesmo. "O jovem Struan odeia Dunross, o francês é um enigma, e o próprio Dunross é nitroglicerina, e tão perigoso quanto ela." — A sua Bruxa Struan me parece fantástica — disse. — E Dirk Struan também deve ter sido uma figura e tanto!

— Isso é que é uma obra-prima de eufemismo! — disse Jacques de Ville, os olhos escuros brilhando. — Ele foi o maior pirata da Ásia! Espere só... vai olhar para o retrato de Dirk e notar os traços de família! Nosso tai-pan e ele são a cara um do outro, e, ma foi, ele herdou todas as partes piores.

— Não amole, Jacques — respondeu Dunross, bem-humorado. Depois, para Casey: — Não é verdade. Jacques está sempre me gozando. Não sou nada parecido com ele.

— Mas descende dele.

— É. Minha bisavó era Winifred, a única filha legítima de Dirk. Casou-se com Lechie Struan Dunross, um membro do clã. Tiveram apenas um filho, que era meu avô, foi o tai-pan depois de Culum. Minha família, os Dunrosses, são os únicos descendentes diretos de Dirk Struan, ao que se saiba.

— Quer dizer a legítima? Dunross sorriu.

— Dirk teve outros filhos e filhas. Um deles, Gordon Chen, era de uma moça chamada Shen, na verdade. É a linhagem da família Chen de hoje. Há também a linhagem da família T'Chung, de Duncan T'Chung e Kate T'Chung, o filho e a filha que Dirk teve com a famosa May-may T'Chung. Bem, a lenda é esta, são lendas aceitas por aqui, embora ninguém possa prová-las ou deixar de prová-las. — Dunross hesitou, e as rugas à volta de seus olhos aumentaram com a profundidade de seu sorriso. — Em Hong Kong e Xangai, nossos antecessores eram, digamos, amistosos, e as moças chinesas eram tão bonitas quanto hoje. Mas eles raramente se casavam com as amantes, e a pílula é uma invenção muito recente... portanto, a gente nem sempre sabe com quem pode ser aparentado. Nós, bem, não discutimos esta espécie de coisa em público... bem à moda britânica, fingimos que não existe, embora todos saibamos que existe, e assim ninguém fica desmoralizado. As famílias eurasianas de Hong Kong em geral tomaram os nomes das mães, as de Xangai, os dos pais. Todos parecemos ter-nos adaptado ao problema.

— É tudo muito amigável — disse Gavallan.

— Às vezes — comentou Dunross.

— Quer dizer que John Chen é seu parente? — perguntou Casey.

— Se nos reportarmos ao Jardim do Éden, todos são aparentados entre si, suponho.

Dunross fitava o lugar vazio. "Não é típico de John sumir", pensou, inquieto, "e ele não é do tipo de se envolver em contrabando de armas, seja por que motivo for. Ou de ser tão burro a ponto de ser preso. Tsu-yan? Bem, ele é xangaiense, e pode ter entrado em pânico facilmente, se estiver metido nisso. John é conhecido demais para conseguir tomar um avião hoje de manhã sem ser notado. Portanto, não fugiu de avião. Teria que ser de barco... se é que realmente fugiu. Um barco para onde... Macau? Não, é um beco sem saída. Navio? Fácil demais", pensou, "se a fuga foi planejada, ou mesmo se não foi planejada e arranjada com uma hora de antecedência. Em qualquer dia do ano há trinta ou quarenta partidas marcadas para todas as partes do mundo, navios grandes e pequenos, sem falar nos mil juncos não programados, e, mesmo em fuga, alguns dólares aqui e ali, e seria uma facilidade sair às escondidas... sair ou entrar. Homens, mulheres, crianças. Drogas. Qualquer coisa. Mas não há motivo para se contrabandear para Hong Kong, exceto seres humanos, drogas, armas, bebidas alcoólicas, cigarros e gasolina... tudo o mais é livre de impostos e restrições.

"Exceto o ouro."

Dunross sorriu consigo mesmo. "Importa-se ouro legalmente, com licença, a trinta e cinco dólares a onça pelo trânsito para Macau, e o que acontece depois não é da conta de ninguém, mas é imensamente lucrativo." É, pensou, "e a reunião da junta da nossa Nelson Trading é hoje à tarde. Ótimo. Esse é um empreendimento comercial que nunca falha."

Enquanto se servia de um pouco de peixe da travessa que lhe era oferecida, notou que Casey o fitava.

— Sim, Casey.

— Oh, estava só imaginando como soube meus nomes.

— Virou-se para Bartlett. — O tai-pan me surpreendeu, Linc. Mesmo antes de sermos apresentados, chamou-me de Kamalian Ciranoush, como se fosse Mary Jane.

— O nome é persa? — indagou Gavallan prontamente.

— Armênio, originariamente.

— Kamahlyarn Cirrannouussssh — disse Jacques, gostando da sibilação dos nomes. — Très joli, mademoiselle. Ils ne sont pas difficiles, sauf pour les crétins.

— Ou les ingleses — falou Dunross, e todos acharam graça.

— Como soube, tai-pan? — perguntou Casey, sentindo-se mais à vontade com tai-pan do que com Ian. "Ainda não é hora de Ian", pensou, fascinada pelo passado dele, pela Bruxa Struan e pelas sombras que pareciam cercá-lo.

— Perguntei ao seu advogado.

— Como assim?

— John Chen me ligou ontem à noite, por volta da meia-noite. Você não lhe dissera o que as letras K e C representavam, e eu queria saber. Era cedo demais para falar com o seu escritório em Los Angeles, oito da manhã, hora de Los Angeles. Portanto liguei para o seu advogado, em Nova York. Meu pai costumava dizer: "Quando tiver dúvidas, pergunte".

— Conseguiu falar com Seymour Steigler III num sábado? — perguntou Bartlett, assombrado.

— Consegui, na casa dele em White Plains.

— Mas o número do telefone da casa dele não está no catálogo.

— Eu sei. Liguei para um chinês amigo meu, da ONU. Ele descobriu o número para mim. Disse ao Sr. Steigler que queria saber por causa dos convites... o que, naturalmente, é a verdade. Deve-se ser preciso, não é?

— É — replicou Casey, admirando-o enormemente. — Deve-se, sim.

— Sabia que Casey... que Casey era mulher, ontem à noite? — indagou Gavallan.

— Sabia. Na verdade, já sabia há vários meses, embora não soubesse o que representavam as letras K e C. Por quê?

— Por nada, tai-pan. Casey, você estava falando da Armênia. Sua família imigrou para os Estados Unidos depois da guerra?

— Depois da Primeira Grande Guerra, em 1918 — falou Casey, começando a contar mais uma vez a história tantas vezes repetida. — Originalmente, nosso sobrenome era Tcholokian. Quando meus avós chegaram a Nova York, tiraram o ian, para simplificar as coisas e ajudar os americanos. Ainda assim, me sobrou Kamalian Ciranoush. Como sabem, a Armênia é a parte sul do Cáucaso... fica ao norte do Irã e da Turquia, e ao sul da Geórgia russa. Era uma nação livre e soberana, mas agora tudo foi absorvido pela União Soviética ou pela Turquia. Minha avó era georgiana... havia muitos casamentos mistos, naqueles tempos. Meu povo estava todo espalhado pelo Império Otomano, cerca de dois milhões, mas os massacres, especialmente em 1915 e 1916... — Casey estremeceu. — Foi genocídio, na verdade. Sobraram cerca de quinhentos mil de nós, e agora estamos espalhados pelo mundo todo. Os armênios eram comerciantes, artistas, pintores e ourives, escritores, guerreiros também. Havia cerca de cinqüenta mil armênios no exército turco antes de serem desarmados, proscritos e fuzilados pelos turcos durante a Primeira Guerra Mundial... generais, oficiais e soldados. Eram uma minoria de elite, há séculos que o eram.

— Esse é o motivo pelo qual os turcos os odiavam? — quis saber De Ville.

— Eram muito trabalhadores e unidos, muito bons mercadores e comerciantes, sem dúvida... controlavam grande parte do comércio e dos negócios. Meu avô dizia que o comércio está no nosso sangue. Mas talvez o motivo principal seja que os armênios são cristãos... foram o primeiro Estado cristão na história, sob o jugo romano... e é claro que os turcos são maometanos. Os turcos conquistaram a Armênia no século XVI e sempre houve uma guerra de fronteira entre a Rússia cristã czarista e os turcos "infiéis". Até 1917, a Rússia czarista era a nossa real protetora... Os turcos otomanos sempre foram um povo estranho, muito cruel, muito estranho.

— Sua família escapou antes da confusão?

— Não. Meus avós eram muito ricos, e, como muita gente, achavam que nada lhes podia acontecer. Escaparam por pouco dos soldados, agarraram dois filhos e uma filha e saíram pela porta dos fundos com o que puderam pegar na sua fuga para a liberdade. O resto da família não conseguiu fugir. Meu avô escapou de Istambul subornando o capitão de um barco de pesca que levou minha avó e ele escondidos até Chipre, onde deram um jeito de obter vistos para os Estados Unidos. Tinham um pouco de dinheiro e jóias... e muito talento. Vovó ainda é viva... ainda barganha como ninguém.

— Seu avô era mercador? — perguntou Dunross. — Foi assim que começou a se interessar pelo mundo dos negócios?

— Pelo menos, desde que nos entendíamos por gente, era o que tentavam nos enfiar na cabeça — disse Casey. — Meu avô começou com uma companhia óptica em Providence, fazendo lentes e microscópios, e uma companhia de exportação e importação que lidava na sua maior parte com tapetes e perfumes, e com um comerciozinho de ouro e pedras preciosas para complementar. Meu pai desenhava e fazia jóias. Agora já morreu, mas tinha a sua lojinha própria em Providence, e o irmão dele, meu tio Bghos, trabalhava com vovô. Agora, depois que vovô morreu, meu tio dirige a companhia de exportação e importação. É pequena, mas estável. Crescemos, minha irmã e eu, cercadas de barganhas, negociações e conversas de lucro. Era um grande jogo, e éramos todos iguais.

— Onde... quer mais sobremesa, Casey?

— Não, obrigada, estou satisfeita.

— Onde se formou em administração?

— Acho que em toda parte — explicou ela. — Depois que terminei a escola secundária, fiz um curso comercial de dois anos na Katharine Gibbs, em Providence: taquigrafia, datilografia, noções de contabilidade, arquivo, e mais uns fundamentos comerciais. Mas, desde que aprendi a contar, trabalhava à noite e nos feriados e fins de semana com vovô, no negócio dele. Aprendi a pensar, a planejar e pôr o plano em funcionamento, portanto a maior parte do meu treinamento foi nesse campo. Claro que desde que saí da escola não deixei de fazer cursos especializados... principalmente à noite. — Casey riu. — No ano passado, cheguei a fazer um curso na Escola de Administração de Harvard, fato que escandalizou loucamente alguns membros do corpo docente, embora agora as coisas estejam ficando mais fáceis para a mulher.

— Como conseguiu chegar à sua atual posição nas Indústrias Par-Con? — perguntou Dunross.

— Perspicácia — falou, e todos riram com ela. Bartlett explicou:

— Casey é uma danada para trabalhar, Ian. A velocidade de leitura dela é fantástica. Pode cobrir mais terreno do que dois executivos normais. Tem um faro para o perigo, não tem medo de tomar uma decisão, gosta mais de realizar do que de destruir uma transação, e não fica vermelha com facilidade.

— Este é o meu aspecto mais vantajoso — disse Casey. — Obrigada, Linc.

— Mas isso não é muito duro para você, Casey? — perguntou Gavallan. — Não tem que abrir mão de um bocado de coisas como mulher, para continuar? Não deve ser fácil para você fazer um trabalho de homem.

— Não considero que meu trabalho seja trabalho de homem, Andrew — replicou ela, prontamente. — As mulheres têm a mesma inteligência e a mesma capacidade de trabalho que os homens.

Houve imediatamente uma vaia amigável por parte de Linbar e Gavallan, mas Dunross abafou-a e disse:

— Acho melhor adiarmos essa manifestação. Mas repito a pergunta, Casey: como chegou a tal posição na Par-Con?

"Devo contar-lhe a história verdadeira, Ian-parecido-com-Dirk-Struan, o maior pirata da Ásia, ou devo contar-lhe a que virou lenda?", perguntou a si mesma.

Então, ouviu Bartlett começar, e soube que poderia deixar o pensamento vagar com segurança, pois já ouvira a versão dele uma centena de vezes antes. Era em parte verdadeira, em parte falsa, e em parte o que ele queria acreditar que acontecera. "Quantas das lendas de vocês são verdadeiras... a Bruxa Struan e Dirk Struan... e qual a sua história real, e como se tornou tai-pan?" Bebericou o seu vinho do Porto, saboreando a suave doçura, deixando o pensamento vagar.

"Há alguma coisa errada", pensou. "Posso senti-lo, fortemente. Há alguma coisa errada com Dunross.

"O quê?"

— Conheci Casey há uns sete anos, em Los Angeles, Califórnia — começara Bartlett. — Recebera uma carta de um tal Casey Tcholok, presidente da Hed-Opticals de Providence, que queria discutir uma fusão. Naquela época, eu estava metido em construções por toda a Los Angeles, áreas residenciais, supermercados, dois grandes prédios de escritórios, zona industrial, centros comerciais. Era só falar comigo, que eu construía. Tínhamos um capital de giro de três milhões e duzentos mil, e eu acabara de virar empresa de capital aberto... mas ainda estava a milhões de quilômetros do Big Board. Eu...

— Está se referindo à Bolsa de Valores de Nova York?

— Estou. Bem, chega Casey, toda animada, e diz que quer que eu me una à Hed-Opticals, que, segundo ela, teve uma renda bruta de duzentos e setenta e sete mil e seiscentos dólares no ano anterior, e depois, juntos, iríamos em busca da Randolf Opticals, uma empresa das grandes, cinqüenta e três milhões em vendas, citada no Big Board, uma fatia imensa do mercado de lentes e muito dinheiro no banco. E eu disse: "Você é maluca, por que a Randolf?" Ela respondeu que, primeiro, porque era acionista da Bartlett Construction, comprara dez ações de um dólar. Eu capitalizara com um milhão de ações e vendera quinhentas mil ao valor nominal, e ela achava que seria ótimo para a Bartlett Construction ser dona da Randolf, e segundo, "porque aquele filho da puta do George Toffer, que dirige a Randolf Opticals, é um mentiroso, um vigarista, um ladrão, e está tentando liquidar o meu negócio".

Bartlett abriu um sorriso e parou para respirar, e Dunross o interrompeu com uma risada.

— Isso é verdade, Casey?

Casey voltou ao presente rapidamente.

— Ah, é, eu disse que George Toffer era um mentiroso, um vigarista, um ladrão e um filho da puta. Ainda é. — Casey sorriu, sem achar graça. — E sem dúvida estava tentando liquidar o meu negócio.

— Por quê?

— Porque eu dissera para ele ir... para ele não encher.

— E por que agiu assim?

— Eu acabara de assumir a direção da Hed-Opticals. Meu avô falecera no ano anterior, e meu tio Bghos e eu tiráramos cara ou coroa para ver quem ficava com qual negócio... eu ganhei a Hed-Opticals. Tivéramos uma oferta da Randolf para nos comprar, há cerca de um ano, mas recusáramos... tínhamos um negócio pequeno, gostoso, bons operários, bons técnicos, vários armênios, uma pequena fatia do mercado. Não tínhamos capital nem espaço para expandir, mas nos virávamos direitinho, e a qualidade da Hed-Opticals era excelente. Logo depois que assumi a direção, George Toffer "deu uma passadinha por lá". Ele se achava o máximo, meu Deus, como se achava. Alegava ser herói de guerra do exército americano, mas descobri que não era... era o tipo do sujeito... Bem, ele me fez outra oferta ridícula para tirar a Hed-Opticals das minhas mãos... o papo da pobre garotinha que devia estar numa cozinha, junto com "Vamos jantar juntos na minha suíte, e por que não nos divertimos um pouco, já que estou aqui sozinho por uns dias..." Eu disse "Não, obrigada", e ele ficou muito chateado. Muito. Mas disse "Tudo bem", voltou a falar de negócios e sugeriu que, ao invés de comprar minha firma, ele me passaria alguns dos contratos dele. Fez-me uma boa oferta, e depois de barganhar um pouco, concordamos com os termos. Se eu me saísse bem, ele dobraria o negócio. Durante o mês seguinte, fizemos um trabalho melhor e mais barato do que ele seria capaz de fazer, entreguei as encomendas segundo o contrato, e ele teve um lucro fabuloso. E então ele "roeu a corda" numa cláusula verbal e deduziu, roubou, vinte mil trezentos e setenta e oito dólares, e no dia seguinte cinco dos meus melhores clientes nos trocaram pela Randolf, e na semana seguinte outros sete... ele oferecera a todos negócios abaixo do custo. Ele me deixou "em banho-maria" por uma ou duas semanas, depois me ligou. "Oi, neguinha", falou, feliz como um sapo num balde de lama, "estou passando o fim de semana sozinho em Martha's Vineyard." É uma ilhazinha no litoral leste. Depois, acrescentou: "Por que não vem para cá para nos divertirmos um bocado e discutirmos o futuro e a duplicação dos pedidos?" Eu pedi o meu dinheiro, e ele riu de mim e disse para eu crescer, e sugeriu que era melhor eu reconsiderar a oferta dele, porque do jeito que as coisas iam, logo não haveria mais nenhuma Hed-Opticals.

"Xinguei-o. Sei xingar bem à beça quando fico com raiva, e disse a ele o que podia fazer em três línguas. Dentro de mais quatro semanas, não me sobrava nenhum cliente. Mais outro mês, os funcionários tiveram que procurar outro emprego. Mais ou menos àquela época, resolvi ir para a Califórnia. Não queria ficar no leste." Casey deu um sorriso amargo. "Era uma questão de prestígio... como se eu entendesse àquela altura o que isso quer dizer. Resolvi tirar duas semanas de folga para decidir o que fazer. Então, certo dia, andava sem destino por uma feira estadual em Sacramento, e lá estava Linc. Vendia ações da Bartlett Construction num balcão, e eu comprei..."

— Ele o quê? — perguntou Dunross.

— Claro — disse Bartlett. — Vendi mais de vinte mil ações desse jeito. Vendi em feiras estaduais, por via postal, em supermercados, centros comerciais, através de corretores... e também em bancos de investimentos. Claro. Continue, Casey!

— Então li os prospectos dele e fiquei a observá-lo por algum tempo, e achei que tinha muita garra e ambição. Os números, o balanço geral e a taxa de expansão dele eram excepcionais, e achei que uma pessoa que vendia pessoalmente as suas ações tinha que ter futuro. Assim, comprei dez ações, escrevi para ele e fui procurá-lo. Fim da história.

— Fim uma ova, Casey — disse Gavallan.

— Conte você, Linc — disse ela.

— Está bem. Então...

— Um pouco de porto, Sr.... desculpe, Linc?

— Obrigado, Andrew, mas será que posso tomar outra cerveja? — Ela chegou instantaneamente. — E assim Casey veio me ver. Depois que me contou a história, praticamente como a contou agora, eu disse:

"— Uma coisa, Casey. A Hed-Opticals rendeu menos de trezentos mil no ano passado. Quanto vai render este ano?

"— Zero — falou ela, com aquele seu sorriso. — Sou o único bem da Hed-Opticals, eu e nada mais.

"— Então, qual a vantagem de uma fusão minha com zero? Já tenho problemas bastantes.

"— Sei como aniquilar a Randolf Opticals.

"— Como?

"— Vinte e dois por cento da Randolf estão nas mãos de três homens, e todos abominam Toffer. Com vinte e dois por cento, você obteria o controle. Sei como pode conseguir as procurações deles. E mais ainda: conheço os pontos fracos de Toffer.

"— E quais são?

"— Vaidade, e é um megalomaníaco; e mais ainda, é burro.

"— Não pode ser burro e dirigir aquela companhia.

"— Talvez não fosse burro no passado, mas agora é. Está no ponto para ser derrubado.

"— E o que vai querer ganhar com isso, Casey?

"— A cabeça de Toffer... quero ser eu a despedi-lo.

"— O que mais?

"— Se eu tiver êxito no que me proponho... se conseguirmos o controle da Randolf Opticals em, digamos, seis meses, quero... quero um contrato de um ano com você, podendo ser aumentado para sete, com um salário que você ache compatível com a minha capacidade, como sua vice-presidenta-executiva encarregada de aquisições. Mas quero-o como pessoa, não como mulher, como uma pessoa em grau de igualdade com você. Claro que o patrão é você, mas serei igual ao que um homem seria, como um indivíduo... se fizer bem o meu trabalho."

Bartlett abriu um sorriso e tomou um gole de cerveja.

— Concordei, negócio fechado. Pensei: "O que tenho a perder? Eu com os meus míseros três quartos de milhão e ela com o seu saldo zero tomarmos a Randolf Opticals em seis meses, ora, é um negócio e tanto". E assim apertamos as mãos, de homem para mulher. — Bartlett riu. — Era a primeira vez que fazia um negócio daqueles com uma mulher, sem mais nem menos... e nunca me arrependi.

— Obrigado, Linc — disse Casey, meigamente, e todos sentiam inveja de Bartlett.

"E o que aconteceu depois que você despediu Toffer?", pensava Dunross, juntamente com os outros. "Foi então que começou o seu caso?"

— E a compra do controle? — perguntou a Bartlett. — Foi tranqüila?

— Foi nojenta, mas as lições que aprendi, que aprendemos, renderam mil por cento. Em cinco meses já tínhamos o controle. Casey e eu havíamos conquistado uma companhia cinqüenta e três vezes e meia maior que a nossa. Um minuto antes da hora H eu estava com quatro milhões de dólares no vermelho no banco, e praticamente na cadeia, e na hora seguinte assumira o controle. Puxa, mas foi uma batalha e tanto! Em um mês e meio tínhamos reorganizado a companhia, e agora a Divisão Randolf da Par-Con rende cento e cinqüenta milhões por ano, e suas ações estão lá em cima. Foi uma Blitzkrieg clássica, e estabeleceu o padrão para as Indústrias Par-Con.

— E esse George Toffer, Casey? Como o despediu?

Casey desviou os olhos castanho-amarelados de Linc e fixou-os em Dunross, e ele pensou: "Santo Deus, gostaria de possuir você".

— No momento em que assumimos o controle, eu... — Interrompeu-se quando o único telefone na sala tocou, e houve uma tensão repentina no ambiente. Todos, até mesmo os garçons, imediatamente desviaram sua atenção integral para o telefone... exceto Bartlett. Os rostos de Gavallan e de De Ville estavam completamente sem cor. — O que foi? — perguntou Casey.

Dunross quebrou o silêncio.

— É uma das normas da casa. Não se completa nenhuma ligação durante o almoço, a não ser que seja uma emergência... uma emergência pessoal... para um de nós.

Todos fitaram Lim enquanto largava a bandeja do café. Parecia que ele levava uma eternidade para cruzar o aposento e pegar o telefone. Todos tinham mulheres, filhos, famílias, e todos imaginavam que morte ou que tragédia seria, e "Por favor, Deus, que o telefonema seja para algum outro", lembran-do-se da última vez que o telefone tocara, há dois dias. Para Jacques. E no mês passado, para Gavallan. A mãe dele estava morrendo. Todos haviam recebido telefonemas, ao longo dos anos. Todos ruins.

Andrew Gavallan estava certo de que o telefonema era para ele. Sua mulher, Kathren, irmã de Dunross, estava no hospital, esperando o resultado de testes exaustivos. Há semanas que estava doente, sem motivo aparente. "Meu Deus", pensou, "controle-se", cônscio dos olhares dos outros sobre a sua pessoa.

— Weyyyy? — Lim escutou por um momento, depois virou-se e estendeu o aparelho. — É para o senhor, tai-pan.

Os outros voltaram a respirar, e observaram Dunross, que caminhava ereto para o telefone.

— Alô?... Oh... O quê?... Não... não, vou já para aí... Não, não façam nada, vou já para aí. — Notaram o ar de choque dele ao repor o fone no gancho, em meio ao silêncio mortal. Depois de uma pausa, falou: — Andrew, diga a Claudia para adiar minhas reuniões de diretoria de hoje à tarde. Você e Jacques, continuem com Casey. Era Phillip. Infelizmente, o pobre John Chen foi seqüestrado.

E saiu da sala.


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