CAPÍTULO CINCO

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- Greta, com quem o Sr. Grey está conversando? — Meu couro cabeludo parece estar adquirindo vida própria. Pinica de apreensão, e meu inconsciente grita comigo para segui-lo. Mas consigo soar indiferente o bastante.

— Ah, é a Sra. Lincoln. É a sócia do Sr. Grey. — Greta parece mais do que feliz em me informar.

— Sra. Lincoln? — Eu pensava que Mrs. Robinson fosse divorciada. Talvez ela tenha se casado com algum pobre coitado.

— Sim. Ela normalmente não vem aqui, mas um dos nossos funcionários está doente hoje e ela veio cobri-lo.

— Você sabe o primeiro nome da Sra. Lincoln?

Greta franze a testa para mim e pressiona os lábios cor-de-rosa, perguntando-se o porquê de minha curiosidade. Merda, talvez eu tenha ido longe demais.

— Elena — responde ela, quase relutante.

Sou inundada por uma estranha sensação de alívio de que meu radar não me decepcionou.

Radar? Meu inconsciente bufa para mim. Só se for radar de pedófilas.

Eles ainda estão imersos em uma discussão. Christian fala com Elena depressa, e ela parece preocupada, assentindo, franzindo o cenho e balançando a cabeça. Ela estica a mão e acaricia gentilmente o braço dele, mordendo o lábio. Outro aceno de cabeça, e ela olha para mim e me lança um pequeno sorriso tranquilizador.

Tudo o que posso fazer é olhar para ela com o rosto impassível. Acho que estou em choque. Como ele tem coragem de me trazer aqui?

Ela murmura algo para Christian, e ele me olha de relance; em seguida, volta-se para ela e responde. Ela balança a cabeça, acho que desejando-lhe sorte, mas as minhas habilidades de leitura labial não são muito boas.

Christian caminha de volta para mim, a ansiedade aparente em suas feições. É, isso mesmo. Mrs. Robinson retorna para a sala nos fundos do salão, fechando a porta atrás de si.

— Você está bem? — pergunta Christian, franzindo a testa. Seu tom é tenso e cauteloso.

— Na verdade, não. Você não quis me apresentar? — Minha voz soa fria e rígida.

Ele fica boquiaberto, como se eu tivesse lhe tirado o chão.

— Mas eu pensei...

— Para um homem inteligente, você às vezes... — Faltam-me as palavras. — Eu quero ir embora, por favor.

— Por quê?

— Você sabe por quê. — Reviro os olhos.

Ele me encara, os olhos em chamas.

— Sinto muito, Ana. Eu não sabia que ela estaria aqui. Ela nunca está aqui. Abriu uma filial nova no Bravern Center, e normalmente fica lá. Parece que tinha alguém doente hoje.

Eu me viro e caminho em direção à saída.

— Não vamos precisar de Franco, Greta — avisa Christian ao sairmos do salão.

Tenho que me controlar para não correr. Quero fugir rápido e para bem longe. Estou com uma vontade imensa de chorar. Só preciso me afastar de toda essa merda.

Christian caminha silenciosamente ao meu lado enquanto tento digerir tudo isso. Cruzando os braços protetoramente ao meu redor, mantenho a cabeça baixa, evitando as árvores da Segunda Avenida. Sabiamente, ele não tenta encostar em mim. Minha mente está fervilhando de perguntas sem respostas. Será que o Sr. Evasivo vai admitir?

— Você costumava levar suas submissas lá? — disparo.

— Algumas, sim — responde ele calmamente, a voz curta.

— Leila?

— Sim.

— O lugar parece bem novo.

— Foi reformado recentemente.

— Entendi. Então Mrs. Robinson conhece todas as suas submissas.

— Conhece.

— E elas sabiam a respeito dela?

— Não. Nenhuma delas. Só você.

— Mas eu não sou sua submissa.

— Não, você definitivamente não é.

Eu paro e o examino. Seus olhos estão arregalados, amedrontados. Os lábios estão contraídos numa linha rígida e intransigente.

— Você não percebe a maluquice que é tudo isso? — Olho para ele, a voz baixa.

— Sim. Desculpe. — Ele tem a elegância de manter um olhar contrito.

— Quero cortar o cabelo, de preferência num lugar em que você não tenha comido nem as funcionárias nem a clientela.

Ele recua.

— Agora, com licença.

— Você não vai embora, vai? — pergunta.

— Não, eu só quero um maldito corte de cabelo. Em algum lugar em que eu possa fechar os olhos, com alguém para lavar o meu cabelo, e eu possa me esquecer de toda essa bagagem que vem junto com você.

Ele corre a mão pelo cabelo.

— Posso pedir ao Franco para ir até o meu apartamento, ou o seu — diz, em voz baixa.

— Ela é muito atraente.

— Sim, ela é. — Ele pisca.

— Ainda é casada?

— Não. Ela se separou há uns cinco anos.

— Por que você não está com ela?

— Porque nós terminamos. Eu já lhe contei isso. — Ele franze a testa de repente. Erguendo um dedo como quem pede silêncio, puxa o BlackBerry do bolso do paletó. Deve estar vibrando, porque não ouço tocar.

— Oi, Welch — atende, e passa a escutar.

Estamos de pé na Segunda Avenida, e eu olho na direção de uma muda de pinheiro à minha frente, as folhas num tom do mais novo verde.

As pessoas passam agitadas por nós, perdidas em suas tarefas de manhã de sábado, sem dúvida contemplando seus próprios dramas pessoais. Eu me pergunto se isso inclui ex-submissas perseguidoras, ex-Dominatrixes deslumbrantes e um homem que simplesmente não entende o conceito de privacidade tal qual previsto pela lei dos Estados Unidos.

— Morreu num acidente de carro? Quando? — Ele interrompe meu devaneio.

Ah, não. Quem? Ouço com mais atenção.

— É a segunda vez que aquele filho da mãe joga sujo com a gente. Ele deve saber. Será que ele não tem um pingo de sentimento por ela? — Christian balança a cabeça em desgosto. — Agora está começando a fazer sentido... Não... Explica por que, mas não onde...

Christian olha ao redor, como se estivesse procurando por alguma coisa, e eu me vejo imitando suas ações. Nada me chama a atenção. Só há as pessoas fazendo compras, o trânsito e as árvores.

— Ela está aqui — continua Christian. — Está nos observando... Sim... Não. Dois ou quatro, vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana... — E Christian me olha diretamente: — Ainda não abordei a questão.

Que questão? Fecho a cara para ele e ele me observa com cautela.

— O quê... — sussurra ele e empalidece, arregalando os olhos. — Certo. Quando?... Tão recente assim? Mas como?... E ninguém checou o histórico?... Entendi. Passe para mim por e-mail o nome, o endereço e as fotos, se tiver os arquivos... Vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, a partir de agora. Entre em contato com Taylor. — Christian desliga.

— E aí? — pergunto, exasperada. Será que ele vai me dizer o que houve?

— Era Welch.

— Quem é Welch?

— Meu assessor de segurança.

— Certo. O que aconteceu?

— Leila deixou o marido há cerca de três meses e fugiu com um rapaz que foi morto em um acidente de carro há quatro semanas.

— Ah.

— O idiota do psiquiatra devia ter descoberto isso — diz ele, irritado. — Luto. É esse o problema. Venha. — Ele me estende a mão, e automaticamente coloco a minha sobre a dele, antes de puxá-la de volta.

— Espere aí. A gente estava no meio de uma discussão sobre “nós”. Sobre ela, sua Mrs. Robinson.

As feições de Christian se fecham.

— Ela não é minha Mrs. Robinson. E a gente pode conversar sobre isso na minha casa.

— Eu não quero ir para a sua casa. Eu quero cortar o cabelo! — grito. Se eu conseguir me concentrar apenas em uma coisa...

Ele tira o BlackBerry de novo do bolso e disca um número.

— Greta, aqui é Christian Grey. Quero o Franco na minha casa em uma hora. Fale com a Sra. Lincoln... Ótimo. — E ele afasta o telefone. — Ele vai estar lá à uma da tarde.

— Christian...! — Explodo, exasperada.

— Anastasia, Leila obviamente está sofrendo um surto psicótico. Eu não sei se ela está atrás de você ou de mim, nem o que ela está disposta a fazer. Nós vamos até o seu apartamento pegar as suas coisas, e você pode ficar na minha casa até que ela tenha sido rastreada.

— E por que eu iria querer fazer isso?

— Para que eu possa manter você em segurança.

— Mas...

Ele me encara.

— Você vai comigo para o meu apartamento nem que eu tenha que arrastar você pelo cabelo.

Olho para ele, boquiaberta... isso é inacreditável. Cinquenta Tons ao vivo e a cores.

— Acho que você está exagerando.

— Não estou. A gente pode continuar essa discussão na minha casa. Ande.

Cruzo os braços e o encaro. Isso já foi longe demais.

— Não — respondo, teimosa. Preciso manter minha posição.

— Você pode ir andando ou eu posso carregar você. Para mim, não faz diferença, Anastasia.

— Você não se atreveria. — Faço uma cara feia para ele. Ele não teria coragem de fazer uma cena no meio da Segunda Avenida, teria?

Ele me lança um meio sorriso, mas seus olhos não o acompanham.

— Ah, baby, nós dois sabemos que se você me chamar para a briga eu vou correndo.

Nós nos encaramos e, de repente, ele se abaixa, agarra-me pelas coxas e me levanta. Antes que eu me dê conta, estou em seu ombro.

— Ponha-me no chão! — grito. Ah, é bom gritar.

Ele começa a caminhar pela Segunda Avenida, ignorando-me. Com uma das mãos me segurando firme pelas coxas, ele usa a mão livre para me dar um tapa na bunda.

— Christian — grito. As pessoas estão olhando para a gente. Existe coisa mais humilhante? — Eu vou sozinha! Eu vou sozinha!

Ele me coloca no chão, e antes que possa se ajeitar, saio, pisando firme, na direção do meu apartamento, morrendo de raiva e ignorando-o. Claro que ele me alcança em segundos, mas continuo a ignorá-lo. O que eu posso fazer? Estou com tanta raiva, mas nem sei mais de quê — é tanta coisa.

Enquanto me apresso na direção de casa, faço uma lista mental:


1.

Ser carregada no colo: inaceitável para qualquer um com mais de seis anos.


2.

Ser levada ao salão de beleza do qual ele é sócio com a ex-amante: quão estúpido ele é?


3.

E é o mesmo lugar onde ele levava suas submissas: a mesma estupidez operando aqui.


4.

Nem se deu conta de que é uma péssima ideia: e isso porque supostamente é um sujeito inteligente.


5.

Ter ex-namoradas malucas. Posso culpá-lo por isso? Estou com tanta raiva; posso, sim.


6.

Saber o número da minha conta corrente: isso já é perseguição demais para o meu gosto.


7.

Comprar a SIP: tem mais dinheiro do que noção.


8.

Insistir que eu fique na casa dele: Leila oferece um risco maior do que ele imaginava... e ele não me falou isso ontem.


E então eu me dou conta. Alguma coisa mudou. O que poderia ser? Eu paro, e Christian para ao meu lado.

— O que aconteceu? — exijo saber.

Ele franze a testa.

— Como assim?

— Com a Leila.

— Eu já disse.

— Não, você não disse. Tem mais alguma coisa nessa história. Ontem você não insistiu que eu fosse para sua casa. E então, o que aconteceu?

Ele se mexe desconfortavelmente.

— Christian! Fale! — exclamo.

— Ela tirou uma licença para porte de arma ontem.

Ai, merda. Olho para ele, piscando e sentindo o sangue fugir da minha cabeça enquanto absorvo a notícia. Sinto como se fosse desmaiar. E se ela quiser matá-lo? Não!

— Isso significa que ela pode simplesmente comprar uma arma — sussurro.

— Ana — diz ele, a voz preocupada, e coloca as mãos sobre os meus ombros, puxando-me para perto —, eu acho que ela não vai fazer nada de estúpido, mas... simplesmente não quero que você corra esse risco.

— Eu, não... e você? — sussurro.

Ele franze a testa, e eu o envolvo em meus braços, abraçando-o com força, o rosto contra o seu peito. Ele não parece se importar.

— Vamos voltar — murmura ele e beija o meu cabelo, e isso é tudo.

Toda a minha fúria desaparece, mas eu não esqueci. A raiva apenas se dissipou sob a ameaça de que algum mal pudesse acontecer a Christian. O pensamento é insuportável.

* * *

CIRCUNSPECTA, FAÇO UMA mala pequena e enfio numa mochila o Mac, o BlackBerry, o iPad e o balão Charlie Tango.

Charlie Tango vai também? — pergunta ele.

Faço que sim com a cabeça e Christian me lança um sorriso breve e indulgente.

— Ethan vai chegar na terça-feira — murmuro.

— Ethan?

— O irmão de Kate. Ele vai ficar aqui até encontrar um lugar para morar em Seattle.

Christian me olha imperturbável, mas noto a frieza apoderando-se de seu olhar.

— Bem, que bom que você vai estar comigo. Ele vai ter mais espaço — diz, calmamente.

— Não sei se ele tem as chaves. Vou precisar voltar na terça.

Christian não diz nada.

— Isso é tudo.

Ele pega a mala, e nós saímos. Enquanto caminhamos até os fundos do prédio para o estacionamento, percebo que estou o tempo todo olhando para trás. Não sei se a paranoia tomou conta de mim ou se realmente tem alguém me observando. Christian abre a porta do carona do Audi e me olha em expectativa.

— Não vai entrar? — pergunta.

— Achei que eu fosse dirigir.

— Não. Eu dirijo.

— Algum problema com o jeito como eu dirijo? Não me diga que você sabe qual foi minha nota na prova de direção... Eu não ficaria surpresa, dadas as suas tendências para perseguição.

Talvez ele saiba que eu passei raspando no exame escrito.

— Entre no carro, Anastasia — diz ele irritado.

— Ok.

Entro às pressas. Francamente, você não vai se acalmar?

Talvez ele esteja sentindo o mesmo desconforto que eu. Esse espião sombrio que nos observa... Quer dizer, uma morena pálida e de olhos castanhos que se parece inacreditavelmente comigo mesma e que, possivelmente, carrega uma arma de fogo.

Christian dá partida no carro.

— As suas submissas eram todas morenas?

Ele franze a testa.

— Eram — murmura. Soa inseguro, e o imagino ponderando: aonde ela quer chegar com isso?

— Só curiosidade.

— Eu já falei. Prefiro morenas.

— Mrs. Robinson não é morena.

— Talvez seja por isso — diz ele baixinho. — Ela fez com que eu criasse uma aversão a louras.

— Você está brincando! — exclamo.

— Sim. Estou brincando — responde ele, exasperado.

Olho, impassível, pela janela: espiãs morenas por todos os lados, mas nenhuma delas é Leila.

Então, ele só gosta de morenas. Eu me pergunto por quê. Será que Mrs. Maravilhosamente Glamorosa Apesar de Velha Robinson realmente fez com que ele criasse uma aversão a louras? Balanço a cabeça. Sr. Christian Perturbado Grey.

— Conte-me sobre ela.

— O que você quer saber? — Christian fecha a cara, e seu tom de voz é uma espécie de alerta.

— Como é o acordo de negócios de vocês?

Ele relaxa visivelmente, feliz em falar de trabalho.

— Sou um sócio passivo. Não tenho nenhum interesse especial no ramo da beleza, mas ela construiu um negócio de sucesso. Eu só investi e a ajudei a começar.

— Por quê?

— Devia isso a ela.

— Ah, é?

— Quando larguei Harvard, ela me emprestou cem mil dólares para eu abrir meu próprio negócio.

Puta merda... ela também é rica.

— Você largou a faculdade?

— Não era a minha praia. Cursei dois anos. Infelizmente, meus pais não foram tão compreensivos.

Franzo a testa. O Sr. Grey e a Dra. Grace Trevelyan não sendo compreensivos, não consigo imaginar.

— Não parece ter sido um mal negócio para você abandonar a faculdade. Que curso você fazia?

— Política e economia.

Hum... explicado.

— Então ela é rica? — pergunto.

— Ela era uma esposa-troféu entediada, Anastasia. O marido era rico, um cara importante no ramo madeireiro. — Ele me lança um sorrisinho. — Ele não a deixava trabalhar. Sabe como é, um sujeito controlador. Tem alguns homens que são assim. — E abre um rápido sorriso torto.

— Não me diga? Um sujeito controlador? Sem dúvida é uma criatura mítica... — Não acho que eu seja capaz de enfatizar mais o sarcasmo de minha resposta.

O sorriso de Christian aumenta.

— Ela lhe emprestou dinheiro do marido?

Ele assente com a cabeça e um pequeno sorriso malicioso surge em seus lábios.

— Que coisa horrível.

— Ele se vingou à altura — responde Christian com um ar sombrio ao entrar na garagem subterrânea do Escala.

Ah?

— Como?

Christian balança a cabeça como se isso o lembrasse de um episódio particularmente amargo, e estaciona ao lado do Audi Quattro SUV.

— Vamos, Franco vai chegar daqui a pouco.

* * *

NO ELEVADOR, CHRISTIAN me olha.

— Ainda está com raiva de mim? — pergunta, trivialmente.

— Muita.

Ele faz que sim com a cabeça.

— Certo — diz, e olha para a frente.

Taylor está no saguão, esperando por nós. Como é que ele sempre sabe a hora que Christian vai chegar? Ele pega a minha mala.

— Welch entrou em contato? — pergunta Christian.

— Sim, senhor.

— E?

— Tudo combinado.

— Excelente. Como está a sua filha?

— Bem, senhor, obrigado.

— Ótimo. Vai chegar um cabeleireiro daqui a pouco, Franco De Luca.

— Srta. Steele. — Taylor acena para mim.

— Oi, Taylor. Você tem uma filha?

— Sim, senhora.

— Quantos anos ela tem?

— Sete.

Christian me olha, impaciente.

— Ela mora com a mãe — esclarece Taylor.

— Ah, entendi.

Taylor sorri para mim. Isso é inesperado. Taylor é pai? Sigo Christian até a sala de estar, intrigada com a novidade.

Olho ao redor. Não voltava aqui desde que o deixei.

— Está com fome?

Nego com a cabeça. Christian olha para mim por um instante e decide não discutir.

— Tenho que dar alguns telefonemas. Sinta-se em casa.

— Ok.

Ele desaparece em seu escritório, deixando–me em pé no meio da enorme galeria de arte que ele chama de casa, e fico me perguntando o que fazer.

As roupas! Pego minha mochila e subo até o meu quarto para dar uma conferida no closet. Ainda está cheio de roupas: todas novas e ainda com as etiquetas. Três vestidos longos de festa, três vestidos de noite e mais três para o dia a dia. Devem ter custado uma fortuna.

Confiro a etiqueta de um dos vestidos de festa: dois mil novecentos e noventa e oito dólares. Puta merda. Desabo no chão.

Isso não sou eu. Levo as mãos à cabeça, tentando digerir as últimas horas. É tão cansativo. Por quê, meu Deus, por que eu fui me apaixonar por alguém tão completamente maluco... lindo, sexy para cacete, mais rico que Creso e louco com L maiúsculo?

Tiro o BlackBerry da mochila e ligo para minha mãe.

— Ana, querida! Há quanto tempo. Como você está, meu bem?

— Ah, você sabe...

— O que houve? Ainda não acertou as coisas com Christian?

— É complicado, mãe. Acho que ele é louco. Esse é o problema.

— Nem me conte. Tem horas em que simplesmente não dá para entender os homens. Bob está na dúvida se a mudança para a Geórgia foi uma boa.

— O quê?

— Pois é, ele está falando em voltar para Las Vegas.

Ah, então eu não sou a única que tem problemas.

Christian aparece na porta:

— Aí está você. Achei que tinha fugido. — Seu alívio é claro.

Levanto a mão para indicar que estou no telefone.

— Desculpe, mãe, tenho que ir. Eu ligo para você depois.

— Ok, meu bem, se cuide. Amo você!

— Também amo você, mãe.

Desligo e olho para o meu Cinquenta Tons. Ele franze a testa, e parece pouco à vontade.

— Por que você está se escondendo aí? — pergunta.

— Não estou me escondendo. Estou me desesperando.

— Desesperando?

— Com tudo isso, Christian. — Aponto para as roupas.

— Posso entrar?

— O closet é seu.

Ele franze a testa de novo e se senta no chão à minha frente, de pernas cruzadas.

— São só roupas. Se você não gostar eu mando devolver.

— Você é muito complicado, sabia?

Ele alisa o queixo... a barba por fazer. Meus dedos coçam de vontade de tocá-lo.

— Eu sei. Mas estou tentando — murmura.

— Está tentando mesmo.

— Você também, Srta. Steele.

— Por que está fazendo isso?

Ele arregala os olhos e a expressão cautelosa retorna.

— Você sabe por quê.

— Não, eu não sei.

Ele passa a mão pelo cabelo.

— Você é uma mulher frustrante.

— Você poderia ter uma bela submissa morena. Uma mulher que perguntaria “a que altura?” todas as vezes em que você dissesse “pule”, isso se ela tivesse permissão para falar, é claro. Então, por que eu, Christian? Simplesmente não entendo.

Ele me olha por um instante, e não tenho ideia do que está pensando.

— Você me faz olhar para o mundo de forma diferente, Anastasia. Você não me quer pelo dinheiro. Você me dá... esperança — diz ele baixinho.

O quê? O Sr. Enigmático está de volta.

— Esperança de quê?

Ele encolhe os ombros.

— De mais. — Sua voz é baixa e calma. — E você está certa. Estou acostumado a mulheres que fazem exatamente o que eu mando, quando eu mando, tudo o que eu quiser. Isso enjoa rápido. Existe algo em você, Anastasia, que me toca em algum nível profundo que eu não sou capaz de compreender. É como um canto de sereia. Eu não consigo resistir a você, e não quero perdê-la. — Ele se aproxima e pega minha mão. — Não vá embora, por favor. Tenha um pouco de fé em mim e um pouco de paciência. Por favor.

Ele parece tão vulnerável... É perturbador. Apoio-me em meus joelhos e me curvo para a frente, dando-lhe um beijo suave nos lábios.

— Tudo bem. Fé e paciência, posso fazer isso.

— Ótimo. Porque Franco chegou.

* * *

FRANCO É BAIXINHO, moreno e gay. E eu o adoro.

— Seu cabelo é tão lindo! — exclama ele com um sotaque italiano escandaloso e provavelmente falso. Aposto que é de Baltimore ou qualquer outro lugar, mas seu entusiasmo é contagiante. Christian nos leva até o banheiro e sai às pressas, voltando com uma cadeira do quarto.

— Vou deixar vocês à vontade — resmunga.

Grazie, Sr. Grey. — Franco se vira para mim: — Bene, Anastasia, o que vamos fazer hoje?

* * *

CHRISTIAN ESTÁ SENTADO no sofá, analisando o que parecem ser planilhas. Uma música clássica suave preenche o ambiente, vinda da sala de estar. Uma mulher canta apaixonadamente, despejando sua alma na canção. É de tirar o fôlego. Christian ergue o olhar e sorri, distraindo-me da música.

— Está vendo! Eu disse que ele ia gostar — anima-se Franco.

— Você está linda, Ana — diz Christian, admirando-me.

— Meu trabalho aqui está feito — exclama Franco.

Christian se levanta e caminha em nossa direção.

— Obrigado, Franco.

Franco se vira, aperta-me em um abraço forte e me dá dois beijinhos.

— Nunca deixe outra pessoa cortar seu cabelo, bellissima Ana!

Eu rio, um tanto envergonhada com toda essa intimidade. Christian o conduz ao saguão e retorna um instante depois.

— Que bom que você manteve o cabelo comprido — diz ele, caminhando na minha direção, os olhos reluzentes. Ele pega uma mecha entre os dedos. — Tão macio — murmura, olhando para mim. — Ainda está brava comigo?

Faço que sim com a cabeça, e ele sorri.

— Por que motivo, exatamente?

Reviro os olhos.

— Você quer a lista completa?

— Tem uma lista?

— Uma bem comprida.

— A gente pode falar disso na cama?

— Não. — Faço beicinho, feito uma criança.

— Na mesa do almoço, então. Estou com fome, e não é só de comida. — Ele me lança um sorriso lascivo.

— Não vou deixar você me seduzir com sua expertise sexual.

Ele reprime um sorriso.

— O que está incomodando você, especificamente, Srta. Steele? Bote para fora.

Ok.

— O que está me incomodando? Bem, tem essa brutal invasão de privacidade, o fato de que você me levou no trabalho da sua ex-amante e de que você costumava levar todas as suas submissas para depilar as partes lá, o jeito como você me tratou na rua, como se eu tivesse seis anos, e, para fechar com chave de ouro, você deixa sua Mrs. Robinson tocar em você! — minha voz vai subindo num crescendo.

Ele ergue as sobrancelhas, e seu bom humor desaparece.

— É uma bela lista. Mas só para esclarecer mais uma vez, ela não é minha Mrs. Robinson.

— Ela pode tocar em você — repito.

— Ela sabe onde. — Ele contrai os lábios.

— O que isso quer dizer?

Ele leva as mãos até o cabelo e fecha os olhos por um instante, como se estivesse esperando alguma espécie de orientação divina. Engole em seco.

— Você e eu não temos nenhum tipo de regra. Eu nunca tive uma relação sem regras, e nunca sei onde você vai me tocar. Isso me deixa nervoso. O seu toque significa... — Ele para, procurando as palavras. — Significa... mais, muito mais.

Mais? É uma resposta completamente inesperada, que me deixa perturbada, e essa palavrinha com um significado enorme fica pairando de novo entre nós.

Meu toque significa... mais. Como eu posso ser capaz de resistir quando ele diz esse tipo de coisa? Olhos cinzentos procuram os meus, observando-me, apreensivos.

Com cuidado, estico a mão, e sua apreensão se transforma em sobressalto. Christian dá um passo para trás, e deixo o braço cair.

— Limite rígido — sussurra ele depressa, uma expressão de dor e pânico no rosto.

Não consigo evitar uma frustração esmagadora.

— Como você se sentiria se não pudesse me tocar?

— Arrasado e privado de um direito — responde ele imediatamente.

Ah, meu Cinquenta Tons. Balançando a cabeça, eu lhe ofereço um pequeno sorriso para tranquilizá-lo, e ele relaxa.

— Um dia você vai ter que me explicar direitinho por que esse é um limite rígido.

— Um dia — murmura ele e sai da sua zona de vulnerabilidade em um milésimo de segundo.

Como ele consegue mudar tão depressa? É a pessoa mais inconstante que já conheci.

— Bom, e o resto de sua lista. Invadir sua privacidade. — Ele contorce a boca ao contemplar a questão. — É porque eu sei o número da sua conta?

— Sim, isso é revoltante.

— Eu sempre verifico o histórico das minhas submissas. Posso mostrar a você. — Ele dá meia-volta e caminha em direção ao escritório.

Eu o sigo, obediente e atordoada. De um arquivo trancado a chave, ele puxa uma pasta suspensa com uma etiqueta: ANASTASIA ROSE STEELE.

Puta que pariu. Eu o encaro. Ele encolhe os ombros, como quem pede desculpas.

— Tome, pode ficar com isso — diz, baixinho.

— Puxa, muito obrigada — rebato.

Folheio o conteúdo. Há uma cópia da minha certidão de nascimento, pelo amor de Deus, a lista dos meus limites rígidos, o termo de confidencialidade, o contrato... minha nossa... o número do meu seguro social, meu currículo, meu histórico profissional.

— Então você sabia que eu trabalhava na Clayton’s?

— Sabia.

— Não foi coincidência. Você não apareceu lá por acaso?

— Não.

Não sei se fico com raiva ou lisonjeada.

— É muita maluquice. Você tem noção disso?

— Não vejo as coisas dessa forma. Para fazer o que eu faço, tenho que ser muito cuidadoso.

— Mas isso é particular.

— Eu não faço uso indevido dessas informações. Qualquer um com o mínimo de esforço pode descobrir isso, Anastasia. Para ter controle, é preciso informação. Eu sempre operei assim. — Ele me olha, uma expressão cuidadosa e inescrutável.

— Você usa essas informações indevidamente, sim. Você depositou vinte e quatro mil dólares que eu não queria na minha conta.

Ele pressiona os lábios numa linha rígida.

— Eu já falei. Foi o valor que o Taylor conseguiu pelo seu carro. É inacreditável, eu sei, mas é verdade.

— Mas o Audi...

— Anastasia, você tem alguma ideia de quanto dinheiro eu ganho?

Enrubesço.

— Por que eu teria? Não preciso saber quanto você tem em sua conta bancária, Christian.

Seu olhar se suaviza.

— Eu sei. E essa é uma das coisas que eu amo em você.

Olho para ele, chocada. Que ele ama em mim?

— Anastasia, eu ganho uns cem mil dólares por hora.

Fico boquiaberta. A quantia é obscena.

— Vinte e quatro mil dólares não são nada. O carro, os livros, as roupas, isso não é nada — sua voz é suave.

Olho para ele. Ele realmente não tem ideia. Extraordinário.

— Se você estivesse no meu lugar, como você se sentiria, com toda essa... generosidade vindo de bandeja para você? — pergunto.

Ele me olha fixamente, e lá está, a síntese do seu problema: empatia, ou a falta dela. O silêncio se estende entre nós.

Finalmente, ele dá de ombros.

— Não sei — responde, parecendo genuinamente confuso.

Meu coração amolece. É isso... sem dúvida é esse o cerne de seus Cinquenta Tons. Ele não pode se colocar no meu lugar. Bem, agora eu sei.

— Não é legal. Quer dizer, você é muito generoso, mas isso me deixa desconfortável. Já falei isso várias vezes.

Ele suspira.

— Eu quero lhe dar o mundo, Anastasia.

— Eu só quero você, Christian. Não quero os extras.

— Mas eles estão incluídos no pacote. Fazem parte do que sou.

Ah, essa discussão não vai dar em nada.

— Vamos comer? — pergunto. A tensão entre nós é exaustiva.

Ele franze a testa.

— Claro.

— Eu cozinho.

— Ótimo. Se não quiser, tem comida pronta na geladeira.

— A Sra. Jones tira folga nos fins de semana? E aí você come congelados na maior parte deles?

— Não.

— Hum?

Ele suspira.

— Minhas submissas cozinham, Anastasia.

— Ah, claro. — Fico vermelha. Como pude ser tão burra? Sorrio com ternura para ele: — O que o senhor gostaria de comer?

— Qualquer coisa que a senhorita encontre na cozinha — diz, sombriamente.

* * *

APÓS UMA CONFERIDA no impressionante conteúdo da geladeira, decido por fritada espanhola. Tem até batata congelada: perfeito. É rápido e fácil. Christian ainda está no escritório, na certa invadindo a privacidade de algum pobre coitado inocente e compilando informações. O pensamento é desagradável e me deixa um gosto amargo na boca. Minha cabeça dá voltas. Ele realmente não conhece limites.

Se vou cozinhar, preciso de música, e não vou ser uma submissa na cozinha! Caminho até a caixa de som ao lado da lareira e pego o iPod de Christian. Aposto que tem outras músicas escolhidas por Leila aqui... A simples ideia me apavora.

Onde ela está?, pergunto-me. O que ela quer?

Tremo. Que passado. Minha cabeça nem é capaz de dar conta.

Dou uma olhada na extensa lista. Quero algo animado. Hum, Beyoncé... não parece muito o gosto musical de Christian. “Crazy in Love”. Ah, sim! Que adequado. Aperto o botão de repetir e ligo a música bem alto.

Volto rebolando até a cozinha, pego uma tigela, abro a geladeira e retiro os ovos. Quebro os ovos na tigela e começo a bater, dançando o tempo todo.

Abrindo a geladeira mais uma vez, tiro as batatas, presunto e — isso! — ervilhas do congelador. Isso basta. Encontro uma frigideira, ponho no fogo, coloco um pouco de azeite e volto a bater os ovos.

Falta de empatia, fico pensando. Será que isso é exclusivo do Christian? Talvez todos os homens sejam assim, incapazes de compreender as mulheres. Eu simplesmente não sei. Talvez essa nem seja uma grande descoberta.

Queria que Kate estivesse em casa, ela saberia. Está em Barbados há tempo demais. Deve voltar no final da semana, depois das férias adicionais que tirou com Elliot. Gostaria de saber se o caso deles ainda é desejo à primeira vista.

Uma das coisas que eu amo em você.

Paro de bater. Ele disse isso. Significa que existem outras coisas? Sorrio pela primeira vez desde que vi Mrs. Robinson, um sorriso genuíno, sincero, de orelha a orelha.

Christian passa os braços em volta de mim, e dou um pulo.

— Interessante escolha de música — ronrona ao me beijar abaixo da orelha. — Seu cabelo está com um cheiro bom. — Ele mergulha o rosto no meu cabelo e inspira fundo.

O desejo se espalha por minha barriga. Não. Fujo de seu abraço.

— Ainda estou brava com você.

Ele franze a testa.

— Quanto tempo você vai continuar com isso? — pergunta, passando a mão pelo cabelo.

Dou de ombros.

— Pelo menos até que eu tenha comido.

Ele contorce os lábios, achando graça. Virando-se, pega o controle remoto na bancada e desliga a música.

— Foi você que colocou essa música no seu iPod? — pergunto.

Ele nega com a cabeça, o olhar sombrio, e eu sei que foi ela... a Garota-Fantasma.

— Você não acha que ela estava tentando lhe dizer alguma coisa, na época?

— Bem, pensando agora, acho que sim, provavelmente — responde, baixinho.

Como se queria demonstrar. Zero empatia. Meu inconsciente cruza os braços e aperta os lábios, revoltado.

— Por que você não apagou?

— Gosto da música. Mas se isso ofende você, eu apago.

— Não, tudo bem. Gosto de cozinhar ouvindo música.

— O que você quer ouvir?

— Surpreenda-me.

Ele caminha até o iPod, e volto a bater os ovos. Momentos depois, a voz celestial, doce e comovente de Nina Simone preenche a sala. É uma das preferidas de Ray: “I Put a Spell on You”.

Enrubesço e me viro para Christian. O que ele está tentando me dizer? Já tem muito tempo que ele me enfeitiçou. Meu Deus... seu olhar mudou, o ar brincalhão desapareceu, e seus olhos estão escuros, intensos.

Eu o observo, encantada, enquanto lentamente, como o predador que é, ele caminha na minha direção, acompanhando o ritmo da música. Está descalço, vestindo apenas uma camisa para fora da calça jeans, e tem um olhar ardente.

Nina canta “você é meu” no exato instante em que Christian me alcança, sua intenção bastante clara.

— Christian, por favor — sussurro, o batedor sobrando em minha mão.

— Por favor, o quê?

— Não faça isso.

— Isso o quê?

— Isso.

Ele está de pé na minha frente, olhando para mim.

— Tem certeza? — Ele solta o ar e se aproxima, tirando o batedor da minha mão e colocando-o de volta na tigela. Meu coração sobe até a boca. Eu não quero... eu quero... desesperadamente.

Ele é tão frustrante. Tão sensual e tão desejável. Afasto os olhos de seu olhar hipnotizante.

— Quero você, Anastasia — murmura ele. — Eu amo e odeio, e eu amo discutir com você. É tudo muito novo. Preciso saber que estamos bem. E esse é o único jeito que conheço para descobrir.

— O que eu sinto por você não mudou — sussurro.

Sua proximidade é irresistível, excitante. A atração já tão conhecida está lá, todas as minhas sinapses incitam-me para ele, minha deusa interior no máximo da libido. Encarando os pelos na abertura de sua camisa, mordo o lábio, impotente, impulsionada pelo desejo — eu quero prová-lo.

Ele está muito perto, mas não me toca. Seu calor aquece minha pele.

— Não vou tocar você até que me diga que sim — sussurra ele. — Mas neste instante, depois desta manhã de merda, eu só quero me enterrar em você e esquecer tudo que não seja nós dois.

Ai... Nós dois. A combinação mágica, duas palavrinhas simples, mas tão poderosas, capazes de selar o acordo. Ergo a cabeça para olhar suas belas feições, ainda sérias.

— Vou tocar seu rosto. — Expiro e, por um instante, vejo a surpresa refletida em seus olhos antes de ele concordar.

Levanto a mão e acaricio sua bochecha, correndo os dedos em sua barba por fazer. Ele fecha os olhos e solta o ar, oferecendo o rosto para o meu toque. Inclina-se devagar, e meus lábios automaticamente se erguem para receber os seus. Ele paira sobre mim.

— Sim ou não, Anastasia? — sussurra.

— Sim.

Sua boca suavemente toca a minha, persuadindo, abrindo meus lábios enquanto seus braços se fecham em volta de mim, puxando-me para si. Sua mão sobe por minhas costas, os dedos se enroscam em meu cabelo por trás de minha cabeça e puxam suavemente, a outra mão alcançando o meu quadril, comprimindo-me contra ele. Solto um gemido baixinho.

— Sr. Grey. — Taylor tosse de leve, e Christian me solta imediatamente.

— Taylor — responde ele, a voz gélida.

Eu me viro e vejo um Taylor desconfortável na entrada da sala. Christian e Taylor se encaram, em algum tipo de comunicação silenciosa.

— Escritório — diz Christian, e Taylor atravessa a sala apressado. — Continuamos daqui a pouco — sussurra para mim antes de seguir Taylor para fora da cozinha.

Respiro fundo e com força. Será que não consigo resistir a ele nem por um minuto? Balanço a cabeça, com raiva de mim mesma e agradecida pela interrupção de Taylor, por mais embaraçosa que tenha sido.

O que mais Taylor deve ter interrompido no passado? O que será que ele viu? Não quero nem pensar nisso. Almoço. Vou fazer o almoço. Ocupo-me cortando as batatas. O que será que Taylor veio dizer? Minha mente dá voltas... será que é sobre Leila?

Dez minutos depois, eles voltam, bem quando a fritada fica pronta. Christian parece preocupado.

— Falo com eles daqui a dez minutos — diz a Taylor.

— Estaremos prontos — responde Taylor, deixando a enorme sala.

Pego dois pratos aquecidos e os coloco no balcão da cozinha.

— Almoço?

— Por favor — responde Christian, sentando-se em um dos bancos. Agora ele está me observando atentamente.

— Algum problema?

— Não.

Faço uma cara feia. Está escondendo alguma coisa. Sirvo os pratos e me sento a seu lado, resignada.

— Está gostoso — murmura Christian, dando mais uma garfada. — Quer uma taça de vinho?

— Não, obrigada. — Preciso manter as ideias em ordem quando estou com você, Grey.

A comida realmente está gostosa, embora eu não esteja com muita fome. Mas como mesmo assim, sabendo que Christian vai reclamar se eu não comer. Por fim, ele interrompe o nosso silêncio e coloca para tocar a música clássica que ouvi antes.

— Qual é essa? — pergunto.

— Canteloube, Canções de Auvergne. Essa se chama “Bailero”.

— É linda. Que língua é essa?

— Francês antigo... Occitano, na verdade.

— Você fala francês; consegue entender a letra? — Lembro-me do francês impecável que falou no jantar com os pais...

— Algumas palavras, sim. — Christian sorri, relaxando visivelmente. — Minha mãe tinha um mantra: um instrumento musical, uma língua estrangeira, uma arte marcial. Elliot fala espanhol; Mia e eu falamos francês. Elliot toca guitarra, eu toco piano, e Mia, violoncelo.

— Uau. E as artes marciais?

— Elliot luta judô. Mia bateu o pé e se recusou aos doze anos. — Ele sorri com a lembrança.

— Eu queria que minha mãe tivesse sido assim tão organizada.

— Dra. Grace é formidável quando se trata das realizações de seus filhos.

— Ela deve ter muito orgulho de você. Eu teria.

Uma expressão sombria passa pelo rosto de Christian, e ele parece momentaneamente desconfortável. Ele me olha com cautela, como se estivesse em território desconhecido.

— Já decidiu o que vai usar esta noite? Ou eu vou ter que escolher? — Seu tom de repente se torna brusco.

Uau! Ele parece irritado. Por quê? O que foi que eu disse?

— Hum... ainda não. Foi você quem escolheu todas aquelas roupas?

— Não, Anastasia, não fui eu. Dei uma lista e seu tamanho a uma personal shopper na Neiman Marcus. Elas devem servir em você. Só para que você saiba, eu contratei segurança adicional para a noite de hoje e para os próximos dias. Com Leila imprevisível e escondida em algum lugar pelas ruas de Seattle, acho que é uma boa precaução. Não quero que você saia sozinha, está bem?

Pisco para ele.

— Ok. — O que aconteceu com o Grey “quero você agora”?

— Ótimo. Vou avisar a eles. Não vou demorar.

— Eles estão aqui?

— Estão.

Onde?

Christian pega o prato, coloca-o na pia e desaparece da cozinha. Que diabo foi isso? É como se ele fosse um monte de pessoas diferentes num só corpo. Isso não é um sintoma de esquizofrenia? Preciso pesquisar no Google.

Termino de comer, lavo o prato depressa e volto para o meu quarto carregando a pasta que diz ANASTASIA ROSE STEELE. No closet, pego os três vestidos longos. E agora, qual deles?

* * *

DEITADA NA CAMA, encaro o Mac, o iPad e o BlackBerry. Estou sobrecarregada de tecnologia. Começo a transferir a seleção de músicas de Christian do iPad para o Mac e, em seguida, abro o Google e começo a navegar pela internet.

* * *

ESTOU ATRAVESSADA NA cama, olhando o Mac, quando Christian entra.

— O que está fazendo? — pergunta ele baixinho.

Fico em pânico por um instante, perguntando-me se eu deveria deixá-lo ver o site em que estou — Transtorno de Personalidade Múltipla: Sintomas.

Esticando-se ao meu lado, ele dá uma olhada no site, achando graça.

— Entrou nesse site por um motivo específico? — pergunta como quem não quer nada.

O Christian brusco se foi e o Christian brincalhão está de volta. De que jeito eu vou ser capaz de acompanhar isso?

— Estou pesquisando. Para entender uma personalidade difícil. — Eu lhe ofereço o meu olhar mais inexpressivo. Seus lábios se contorcem num sorriso reprimido.

— Uma personalidade difícil?

— Meu projeto nas horas vagas.

— Então eu virei um projeto para suas horas vagas? Um hobby? Uma espécie de experimento científico, talvez? E eu achando que era tudo. Srta. Steele, assim você me magoa.

— Como você sabe que é você?

— É só um palpite. — Ele sorri.

— É verdade que você é a única pessoa problemática, inconstante e maníaca por controle que eu conheço intimamente.

— Achei que eu fosse a única pessoa que você conhecia intimamente. — Ele arqueia uma sobrancelha.

Fico vermelha.

— É. Isso também.

— E aí, já chegou a alguma conclusão?

Eu me viro e olho para ele. Está deitado de lado, a cabeça apoiada no cotovelo, a expressão suave, divertida.

— Acho que você precisa muito se tratar.

Ele se aproxima e coloca meu cabelo atrás da orelha, com carinho.

— Acho que preciso muito de você. Tome. — Ele me entrega um batom.

Faço uma careta, perplexa. É vermelho-sangue, nem um pouco a minha cara.

— Você quer que eu use isto? — murmuro. Ele ri.

— Não, Anastasia, a menos que você queira. Acho que não é muito a sua cor — conclui secamente.

Ele se senta na cama, cruza as pernas e tira a camisa. Ai, meu Deus.

— Gostei da sua ideia de fazer um mapa.

Olho para ele, sem entender. Mapa?

— Um mapa das áreas proibidas — explica-se.

— Ah. Eu estava brincando.

— Eu, não.

— Você quer que eu desenhe em você com batom?

— O batom sai. Depois de um tempo.

Isso significa que eu poderia tocá-lo livremente. Um pequeno sorriso surge em meus lábios quando começo a imaginar.

— E se eu usasse algo mais permanente, um marcador, por exemplo?

— Posso fazer uma tatuagem. — Seus olhos se acendem com humor.

Christian Grey com uma tatuagem? Estragando seu corpo maravilhoso já marcado de tantas maneiras? De jeito nenhum!

— Não, nada de tatuagem! — Rio para esconder meu horror.

— Batom, então. — Ele sorri.

Fecho o Mac e o empurro de lado. Isso pode ser divertido.

— Venha. — Ele me estende a mão. — Sente no meu colo.

Tiro as sapatilhas, ergo o corpo até me sentar e me arrasto na direção dele. Ele se deita sobre a cama, mas mantém os joelhos flexionados.

— Recoste-se contra as minhas pernas.

Subo em cima dele e me sento, uma perna de cada lado, do jeito que ele falou. Seus olhos estão arregalados e cautelosos. Mas ele também está se divertindo.

— Você parece... empolgada com a ideia — comenta, ironicamente.

— Estou sempre aberta a novas informações, Sr. Grey, e isso significa que você vai relaxar, porque eu vou saber onde ficam os limites.

Ele concorda com a cabeça, como se não pudesse acreditar que está prestes a me deixar desenhar em todo o seu corpo.

— Abra o batom — ordena.

Hum, ele está no modo ultra-autoritário, mas não me importo.

— Deixe eu pegar sua mão.

Estico a mão livre.

— A que está segurando o batom. — Ele revira os olhos para mim.

— Está revirando os olhos para mim?

— Estou.

— Isso é uma grosseria, Sr. Grey. Conheço algumas pessoas que ficam realmente violentas diante de um revirar de olhos.

— Ah, conhece, é? — seu tom é irônico.

Ofereço-lhe a mão com o batom, e, de repente, ele se levanta, de modo que ficamos cara a cara.

— Pronta? — pergunta ele num murmúrio baixo e suave que torna tudo tenso e retesado dentro de mim. Uau.

— Pronta — sussurro.

Sua proximidade é sedutora, seu corpo musculoso tão próximo, o cheiro de Christian misturado ao meu gel de banho. Ele guia minha mão até a curva do ombro.

— Faça força para baixo — diz.

Minha boca fica seca à medida que ele conduz minha mão do alto de seu ombro para baixo, até a lateral do peito, passando ao redor da clavícula. O batom deixa uma linha vermelha larga e forte no seu rastro. Ele para na base do tórax e então me conduz ao longo de sua barriga. Fica tenso e olha no fundo dos meus olhos, aparentemente impassível, mas, sob o olhar cauteloso e imperturbável, vejo que está se controlando.

Ele contém sua aversão, a mandíbula retesada, e há sinais de tensão ao redor dos olhos. Quando chegamos à metade de sua barriga, ele solta a minha mão e murmura:

— E agora até o outro lado.

Repito a linha que desenhei no lado esquerdo. A confiança que ele está depositando em mim é inebriante, mas, temperada pelo fato de que posso, conto sua dor: sete cicatrizes pequenas, redondas e brancas marcam seu peito. Ver essa profanação terrível de seu lindo corpo é como um purgatório sombrio e profundo. Quem faria isso a uma criança?

— Pronto, terminei — sussurro, contendo a emoção.

— Não, não terminou — responde ele, e traça uma linha com o indicador ao redor da base do pescoço. Sigo a linha do seu dedo deixando uma faixa escarlate. Ao terminar, mergulho nas profundezas de seus olhos cinzentos. — Agora as costas — murmura.

Christian se mexe, de forma que tenho que sair de cima dele, e, em seguida, vira-se na cama e se senta de pernas cruzadas, de costas para mim.

— Repita nas costas a linha que você fez em meu peito — sua voz é baixa e rouca.

Obedeço, e vou atravessando suas costas com uma linha vermelha, e, à medida que o faço, conto mais cicatrizes marcando seu corpo. Nove ao todo.

Puta merda. Preciso conter a necessidade premente de beijar cada uma delas e deter as lágrimas que enchem meus olhos. Que tipo de animal faria isso? Sua cabeça está abaixada, seu corpo tenso à medida que finalizo o circuito em suas costas.

— Ao redor da nuca, também? — pergunto.

Ele faz que sim com a cabeça, e desenho mais uma linha que se junta à primeira na base de sua nuca, logo abaixo do cabelo.

— Pronto — murmuro, e ele parece estar usando um colete bizarro, cor de pele com uma bainha vermelho-sangue.

Seus ombros relaxam, e ele se vira lentamente de frente para mim uma vez mais.

— Esses são os limites — diz de mansinho, os olhos escuros e as pupilas dilatadas... de medo? Luxúria? Quero me jogar em cima dele, mas me seguro e olho-o com admiração.

— Posso lidar com isso. Agora, quero me jogar em cima de você — sussurro.

Ele me lança um sorriso malicioso e abre as mãos, num gesto silencioso de consentimento.

— Bem, Srta. Steele, sou todo seu.

Solto um gritinho de prazer infantil e me lanço em seus braços, derrubando-o na cama. Ele gira o corpo, soltando uma gargalhada de menino repleta de alívio de que o calvário tenha terminado. E, de alguma forma, acabo debaixo dele na cama.

— Agora, aquela conversa que a gente estava tendo antes do almoço... — sussurra e, mais uma vez, sua boca exige a minha.

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