Estávamos tensos, retesados, vendo a água crescer em nossa direção.
— Prepare-se, Leslie.
— Quando tocarmos na água, é subir e saltar, certo? — disse Leslie, ensaiando o ato mentalmente.
— Isso mesmo!
— Não se esqueça! — falou Leslie, segurando com força o puxador da capota.
— Nem você, independente do que acontecer.
As ondas roçaram a quilha do hidravião. Fechei os olhos, para não ser enganado pelas aparências.
CAPOTA.
Senti Leslie empurrá-la para cima ao mesmo tempo que eu, com o vento rugindo.
SALTAR!
Atirei-me para fora, e nesse instante abri os olhos. Tínhamos pulado não para dentro da água, e sim para o ar vazio, estávamos despencando juntos, sem pára-quedas, em cima de Los Angeles.
— LESLIE!
Ela estava de olhos fechados, não me ouvia por causa do vento.
— Ilusões, falei para mim mesmo, estou vendo ilusões.
Houve nesse instante um baque, como se tivéssemos batido contra uma parede de almofadas. Abri os olhos e dei com nós dois na cabine do Growly. A distância, um silencioso casulo de luz dourada explodiu e desapareceu.
No momento em que Leslie abriu os olhos, estávamos singrando os ares, seguros como gatos num tapete.
— Richie, conseguimos! — gritou ela, atirando os braços ao redor de meu pescoço, jubilante. — Conseguimos! Você é um gênio!
— Qualquer coisa em que acreditássemos serviria — respondi, com modéstia, embora não tivesse certeza disso. Se ela insiste em que foi uma solução genial, pensei, não há por que objetar.
— Não importa — disse ela, exultante. — Estamos de volta!
Seguíamos no rumo de 142 graus. A bússola magnética apontava firme para sudeste, os instrumentos de navegação zumbiam, os números alaranjados brilhavam no loran. O banco traseiro estava vazio. Sob nós só víamos agora ruas e telhados de edifícios; a única água era a das reluzentes piscinas azuis.
Leslie apontou para dois aviões a distância.
— Há tráfego ali. E ali também.
— Estou vendo.
Olhamos para os rádios ao mesmo tempo.
— Devemos tentar…?
Leslie balançou a cabeça, afirmativamente, com os dedos cruzados.
— Alô, torre de Los Angeles, aqui é Martin Tríplice Quatro Alfa. Estamos em seu radar?
— Positivo. Contato de radar de Tríplice Quatro Alfa.
Comunique mudanças de altitude.
O controlador de vôo não perguntou onde tínhamos estado, nada disse a respeito de termos desaparecido de sua tela durante quatro meses. Não ouvi o coro de vivas e hurras na carlinga do Growly.
Leslie tocou-me o joelho.
— Diga-me o que você viu quando nós…
— Um céu azul como se fosse feito de flores, água semelhante ao ar, águas rasas sobre uma estranha areia riscada, Pye, Jean-Paul, Ivan e Tatiana, Linda e Krys…
Leslie levantou a mão, rindo.
— Tudo bem. Não foi um sonho. Então, aconteceu mesmo Seguimos para Santa Mônica como crianças que vão para uma colônia de férias.
— E se for verdade, Richie? E se soubéssemos, neste exato momento, que todo mundo, em toda parte, é algum aspecto de quem somos, e que somos um aspecto deles? Como alteraremos o caminho de nossas vidas?
— Boa pergunta — respondi A marca de 40 milhas acendeu no loran. Baixei um pouco o nariz do avião, preparei-o para a descida. — Boa pergunta…
Aterrissamos na ampla pista única do aeroporto de Santa Mônica, taxiamos o anfíbio para o estacionamento e desligamos o motor. Eu quase esperava que a cena desse um salto de mil anos assim que o avião parou, mas nada disso aconteceu. Estava tudo normal: dezenas de outros aviões estacionados ao redor, o barulho do trânsito em Centinela Boulevard, a velha fábrica de aviões Douglas, gigantesca, num dos lados do aeroporto.
Ajudei minha mulher a descer do avião. Ficamos alguns momentos imóveis, sentindo a superfície de nosso planeta, em nosso próprio tempo, abraçados um ao outro.
— Está assustada? — murmurei no ouvido de Leslie. Ela recuou um pouco, para me ver melhor, e balançou a cabeça, afirmativamente.
Tirei nossa bagagem do avião, puxamos a coberta da capota sobre o pára-brisa, esticando-a.
Do outro lado da interseção do estacionamento, um servente afastou-se de um Luscombe Silvaire que estivera polindo, e subiu num caminhão de gasolina cor de cereja, que veio parar com um rangido de freios na frente do Martin.
O rapaz não era mais velho do que eu fora quando fazia aquele mesmo trabalho. Usava o mesmo tipo de blusão de couro que eu apreciava na época, embora esse tivesse o nome DAVE sobre o bolso esquerdo. Como é fácil ver a mim mesmo nele, pensei, o quanto lhe poderíamos falar de seus futuros já concretos, das aventuras que neste instante esperam sua escolha!
— Boa tarde, pessoal — cumprimentou ele. — Bem-vindos a Santa Mônica! Querem um pouco de gasolina hoje?
Rimos. Como era esquisito precisar de gasolina outra vez!
— Claro que sim — respondi. — Fizemos um vôo bastante longo.
— Por onde estiveram?
— Olhei para minha esposa à procura de ajuda, mas ela não se apresentou voluntariamente, escutou casualmente minha resposta.
— Ah, por toda parte — respondi, pouco convincente. O rapaz ligou a bomba do caminhão.
— Ainda não pilotei um Martin — falou —, mas ouvi dizer que um avião desses pode pousar praticamente em qualquer lugar. É verdade?
— Isso mesmo — respondi. — Este avião é capaz de levá-lo a qualquer lugar que você imaginar.