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Corria o dia 25 de Janeiro de 1918 e a folha assinalava a data de 30 de Dezembro.
Era antiga, mas trazia novidades. O primeiro título anunciava sensacionalmente que havia uma “demobilização das tropas em Portugal” e que a excepção era apenas das “tropas portuguezas que se acham nos diversos theatros de guerra”. O capitão estudou o estilo de escrita, o que fazia sempre que punha os olhos num exemplar daqueles, e reforçou a sua convicção de que o texto tinha sido redigido por alguém que vivera em Portugal. Ou era um português ou então tratava-se de um alemão que conhecia profundamente a língua portuguesa. O assunto era muito discutido entre os oficiais, divididos entre as duas hipóteses. Afonso achava que se tratava de um compatriota, provavelmente um prisioneiro de guerra, mas também podia ser um monárquico, era conhecida a simpatia que muitos monárquicos nutriam pela Alemanha. Sem chegar a grandes conclusões naquele instante, mas sempre atento aos detalhes que lhe pudessem dar indicações, o capitão passou à segunda notícia, a qual, sob o título de “Portugal e os Alliados”, dava nota da existência de más relações entre o novo governo de Sidónio Paes e os executivos de Londres e Paris, indicando que “a Inglaterra se oppõe com todos os meios á tudo quanto o novo governo resolver”. A suspeita de que o autor do texto era um monárquico português saiu enfraquecida da leitura de outro trecho desta mesma notícia, designadamente a referência à restauração da monarquia, projecto que, segundo a folha alemã, “nem os próprios monarchistas portugue-zes apoiarião, sabendo, como consta, que o jovem rei Dom Manuel se acha completamente nas mãos dos Inglezes e avassallado por elles”. Este ambíguo trecho indiciava que o autor do texto poderia não ser um monárquico. É certo que muitos monárquicos simpatizavam com os alemães e mostravam-se críticos para com o rei no exílio, mas acusá-lo de ser um vassalo dos ingleses parecia ser forte de mais. Ora, se o autor do panfleto não era um monárquico, reflectiu Afonso, então só poderia tratar-se de um prisioneiro, certamente um oficial. Meditou um breve instante sobre o que levaria um militar a trair daquela forma o país e, percebendo que não tinha resposta porque não conhecia as circunstâncias em que o traidor se encontrava, voltou à folha. A terceira notícia, “um successo allemão na África”, referia um combate em Moçambique entre forças alemãs e portuguesas, e a última informação do Folhetim de Guerra era a de que tinham 317
sido presos em Lisboa dois antigos ministros portugueses da Guerra, o general Barreto e o coronel Pereira.
“E esta? “, admirou-se Afonso, depois de soltar um longo assobio logo que leu os nomes. “O Pereira foi de cana. Sim senhor, isto está bonito. “ O capitão deu meia-volta e seguiu em direcção ao posto com o impresso na mão, havia ali suficiente informação para alimentar uma manhã de conversa com o Cenoura ou mesmo com Tim. Ninguém ignorava que aquele era material de propaganda, mas o que é certo é que tais “notícias” tinham geralmente algum fundamento, o problema era analisar os textos e saber interpretá-los, procurar a verdade por detrás da retórica. Todos sabiam que existiam notícias que o CEP jamais deixava transpirar e que a melhor maneira de a elas ter acesso era através daqueles boletins de propaganda inimiga. Entre os militares prevalecia a convicção de que a verdade se situava algures entre as duas versões, a dificuldade era localizá-la com exactidão na imensa distância que separava ambas as propagandas.
Absorto nos seus pensamentos, o oficial nem deu pela chegada do capitão Resende, o lisboeta-que-era-gordo-e-emagreceu, a quem Afonso e Mascarenhas tinham oferecido dois meses antes uma memorável recepção ao caloiro nas trincheiras.
“Ora viva, capitão Brandão”, saudou Resende, muito sorridente, proveniente da direcção de Laventie.
Ah, olá, capitão Resende, devolveu Afonso, como se estivesse a despertar.
“Olá e adeus, digo eu. “
“Ah sim? Então adeus, adeus. “
“Ó homem, quando digo adeus é mesmo adeus. Vou-me embora. “
“Ah é? Para onde? Vai a Paris?”
“Qual Paris, qual carapuça! “, riu-se Resende, realmente bem- disposto. “Vou para Lisboa, caraças, vou para casa. “ Afonso abrandou, admirado com tal revelação.
“ Para casa? Como?”
“De comboio, como é que havia de ser? De comboio, porra. “ “Mas o senhor acabou de chegar! A que propósito é que vai para casa? Que eu saiba, a guerra ainda não acabou. “
“Eu quero lá saber da guerra! Pode não ter acabado para si, capitão Brandão, mas olhe que acabou para mim. Vou-me embora e cago nesta merda toda! “ Afonso estacou, ainda indeciso quanto ao significado daquelas palavras.
“Desculpe, capitão, mas não estou a entender. Quem é que está a autorizar a sua partida? “
“O Sidónio, caraças, quem é que havia de ser? “
“ O Sidónio Paes?”
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Sim, claro. Vou eu, vai o Almeida, o Cabral, o Carriço e mais uma data de malta que se dava com o Sidónio. Vamos fazer umas comissões em Lisboa, coisas importantes, embora não sejam de natureza militar. De qualquer modo, já estava na hora de o país reconhecer o nosso valor. “
Tudo se tornou agora claro para Afonso. Um rubor de irritação encheu-lhe o rosto, sobretudo ao ouvir o nome do capitão Cabral, aquele que em Tancos o tentou aliciar a juntar- se ao general Machado Santos para se revoltar contra os embarques para França.
Juntamente com os outros oficiais sediciosos, Cabral foi detido e enviado à força para a Flandres e era agora premiado com um regresso antecipado a casa. Baixando a voz e cerrando as sobrancelhas, Afonso formulou a pergunta seguinte num tom acusatório.
“O senhor meteu uma cunha para sair daqui? “
“Ó capitão!“, devolveu o outro com ar escandalizado, ofendido até. “Eu não fujo das minhas responsabilidades. Vossemecê não me conhece, mas eu sou um homem de bem, cumpridor dos meus deveres, fiel à pátria e à República. É com relutância, digo-lhe sinceramente, é com muita relutância que eu regresso a Portugal. Sabe, a verdade é que eu nunca quis ir, mas o Sidónio...“ Fez um gesto vago, como se procurasse a palavra adequada. “Olhe, o Sidónio é um tipo formidável, um gajo às direitas, amigo do seu amigo.
Ele mandou dizer que precisava de mim. Que ele precisava, não. Que a pátria precisava de mim. Ainda resisti, garanto-lhe, meu caro capitão Brandão, ainda resisti. Mas aquele manganão é tramado, tem um poder de persuasão que só visto, aquilo é uma força, um arrebatamento. De modo que, ai de mim! deixei-me convencer. Parto de coração destroçado, vossemecê pode crer, pode crer, mas parto com o sentimento de dever cumprido. E, se a pátria precisa de mim em Lisboa, o que quer? Quem sou eu para dizer o contrário? De modo que, meu caro capitão Brandão, eu e mais alguns amigos lá recebemos guia de marcha e vamos agora regressar. “
“E todos os oficiais que se vão embora consigo, como o capitão Cabral e os outros, estão também a responder a um apelo da pátria?”
“Sabe, eu quero crer que sim”, disse o capitão Resende, assumindo uma postura de confidência. “Mas suspeito de que haja alguns casos, esses sim, de cunha. “ Cerrou os olhos e fez um olhar entendido. “Cunha, digo-lhe eu. “
Afonso ficou a analisá-lo, agastado. Estaria o homem a fazer pouco de si? Era evidente que sim, aquela conversa não era normal, a postura um tudo-nada teatral de mais, mas decidiu não dar parte de fraco.
“Pois sim, capitão Resende, então vá lá prestar o seu serviço à pátria”, disse, em tom cordial, antes de despejar a farpa. “Sempre é mais útil estar lá corajosamente sentado num 319
gabinete do que aqui a esconder-se nas trinchas. Ao menos em Lisboa não tem que andar sempre a fugir do inimigo. “
O capitão Resende fulminou-o com o olhar, despeitado e ofendido, virou-lhe as costas e seguiu estrada fora em passo rápido e modos bruscos. Afonso ficou ali parado, no meio da lama, em silêncio, a vê-lo partir, um peso na alma por assistir àquele abandono, sempre era mais um oficial que se ia embora, em boa verdade aquilo só tinha um nome, era uma deserção, aqueles oficiais serviam-se das suas relações com o novo regime e fugiam, deixavam para trás os seus homens, entregues a si mesmos, nas mãos do destino.
Baltazar Velho fixou os olhos no documento e leu-o com esforço, letra a letra, sílaba a sílaba, palavra a palavra. O serrano era o único do grupo que sabia ler, e mesmo assim mal, mas ninguém se podia queixar, o pároco de Pitões das Júnias dera o seu melhor quando o Velho era novo, mais não se podia exigir das poucas aulas que o jovem padre Augusto, com a melhor das boas vontades, ministrara muitos anos antes ao pequeno Baltazar, durante as breves lições de catequese nas frias manhãs de domingo. Baltazar era então um miserável pastorinho que vinha de um lugar ermo perdido lá na serra do Gerês, algures entre Tourém e Outeiro, mais habituado ao balir das ovelhas e ao pipiar das perdizes do que ao estranho latim das missas ou aos sons inteligíveis que as folhas escritas libertavam. Foi difícil, mas a catequese entreabriu-lhe as portas da literacia.
Nesse princípio de tarde, num buraco triste e lamacento da Flandres, Baltazar recompensava o pároco de Pitões com uma leitura gaguejante. Mas mesmo hesitante, cheio de falhas e de dúvidas, somando as letras com dificul-dade para reproduzir sons e formar sentidos, o Velho lia o suficiente para ser capaz de extrair daquele texto rebuscado a informação que todos ansiosamente aguardavam.
“Então, Baltazar?“, impacientou-se Vicente Manápulas. “Iss'é p'ra hoje ou p'rá'manhã? “
“Calma, Manápulas, calma lá”, disse o Velho, levantando a mão. Arrastou-se mais uns instantes até perceber o significado do que tinha em frente, um telegrama do documento assinado por Sidónio Paes apenas quatro dias antes. “Então é assim. Aqui diz que a malta tem direito à primeira licença cento e vinte dias depois de chegar. “
“Depois de chegar às trinchas? “
Baltazar releu o texto, titubeante. Parou ali. Hesitou, voltou a arrancar e descobriu.
“Não. Depois de chegar a França. “
“Quatro meses? “, exclamou Matias Grande, após fazer as contas. “Já passou, já passou. “
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“Pois, os quatro meses já lá vão”, reforçou Vicente, coçando o couro cabeludo irritado pelos piolhos. “E que mais? “
“Calma”, pediu Baltazar, sempre concentrado no documento. Passou os olhos pelas letras, fungou, murmurou sons imperceptíveis e, após mais uma eternidade a decifrar o texto, captou finalmente o sentido. “Diz aqui que temos direito a trinta dias de licença. “ Um murmúrio de satisfação encheu o abrigo, todos se entreolharam e sorriram, já se imaginavam no Minho, com a família, a ajudar na lavoura, a banharem-se no Cávado, no Este, no Lima, a dançar o vira, a cavar a terra, a apanhar a uva, a encher os espigueiros, a comer um cozido regado com um verde de Melgaço, mas que grande naça iriam apanhar na primeira noite entre os seus.
“Um mês”, repetiu Vicente, sonhador.
“Ah se eu me apanho nu Minho, a cheirar os carvalhos e os teixos do Gerês, ou a respirar aquele ar das brandas, lá no alto da serra, nunca mais me põem os olhos em cima”, sentenciou Baltazar, cerrando as pálpebras com sentida nostalgia. “Que categoria.
Escondo-me lá no mosteiro de Pitões e a tropa que se pine. “
“És tu e eu”, disse Vicente, imaginando-se na sua carpintaria de Barcelos e nos passeios por entre os seixos do Cávado. “Vou e não volto, vocês vão ver. “
“Eu cá só quero é a sopa seca que a minha mãe faz lá em casa”, desabafou Matias, sentindo-se salivar. “Hum, só de pensar que vou emalar o salpicão, o presunto, a vitela, a galinha e a couve lombarda que ela mistura na sopa! “ Suspiro. “Só vos digo, um pitéu.
Depois molho um bolacho na sopa. “ Passou a mão pelo estômago vazio. “Ah! Vou manducar até ficar inçado que nem um marrano. “
“A minha patroa também faz uma sopa seca levada da breca”, comentou Baltazar, que não perdia uma oportunidade para falar de comida. “Mas o melhor é o coração de porco com vinho tinto, cortado em cubos e servido com batatas e vagens cozidas. Ah, rapazes, vocês haviam de ver! Aquilo é que é um prato de se lhe tirar o chapéu! Uma categoria, só vos digo. Uma categoria! “E eu já me estou a imaginar a dar uma pinadela na primeira sansardoninha que me aparecer pela frente”, exclamou Abel Lingrinhas, que até aí se mantivera timidamente calado, como era seu feitio. “Começo assim como quem não quer a coisa, com uma bocaringa aqui e outra ali, e depois pino-a toda, os dois agafanhados num espigueiro. No estado em que me encontro, até um almazem marchava. “ Todos fizeram sinal de aprovação. Sentiam o mesmo, sabiam bem o que cada um queria dizer, o ar da terra, a comida de casa e uma boa minhota era tudo o que desejavam da vida, eram afinal homens simples à procura de coisas simples.
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“Agora o que é que temos de fazer? “, perguntou Matias, ainda inebriado com os apetites a satisfazer quando regressasse a Palmeira.
“Apresentar o pedido de licença, acho eu”, retorquiu Baltazar, encolhendo os ombros e dobrando o documento com as informações sobre o novo sistema de licenças acabado de aprovar pelo governo de Sidónio Paes. “Vamos ter com os cachapins da brigada e metemos os papéis. “
“Mas isso já nós fizemos um porradal de vezes”, queixou-se Vicente. “E não deu em nada. “
Um zumbido familiar encheu o ar, em crescendo, e todos se encostaram às paredes do abrigo, quase instintivamente. A minenwerfer explodiu lá fora, o chão tremelicou, as paredes abanaram e libertaram algum pó, mas aguentaram. Depois ouviram um som diferente, como o gorgolejar de um peru, seguido de explosões surdas, com um pop seco, semelhante ao barulho de uma rolha a saltar de uma garrafa de champagne. Depois, mais nada. Os soldados aguardaram um instante, certificaram-se de que não havia consequências de maior e voltaram a sua atenção ao assunto que tinham entre mãos como se não tivesse havido interrupção.
“Com'é qu'a malta sabe que não nos tão outra vez a passar a perna? “, retomou Vicente, o coração carregado de suspeitas quanto ao novo sistema de licenças agora aprovado por Sidónio Paes. “Já não é a primeira vez qu'esses cabrões nos enganam. Ou vocês não se lembram das promessas qu'eles nos fizeram nos últimos meses? E inda cá tamos... “
O grupo despertou do seu torpor e a desconfiança instalou-se, insidiosa.
“Se calhar, tens razão”, meditou Baltazar. “Quando a esmola é grande, o pobre desconfia... “
“Querem saber a minha opinião? “, perguntou Matias. O cabo raramente tecia comentários sobre este tema, mas havia já algum tempo que achava terem sido ultrapassados todos os limites. “Pois eu penso que, bem espremidas as coisas, é tudo conversa, tudo conversa.
“S'é conversa, olha qu'é só p'r'alguns”, cortou Vicente, levantando o indicador. “Aos oficiais já tão a ser dadas licenças, pois claro. Suas senhorias tão sempr'em primeiro. “
“É”, confirmou Baltazar. “Há uns quantos que foram passar férias a Portugal, já lá vai tempo, e nunca mais deram notícias. “
“Até hoje”, comentou Vicente, que nunca deixava escapar uma observação sobre o comportamento dos oficiais.
“Chama-lhes burros”, considerou Baltazar. “Se vocês fossem de licença, voltavam? “ 322
“Só s'eu fosse parvo”, admitiu Vicente, abanando a cabeça. “Mas nós já'qui tamos há mais de seis meses seguidos, já tivemos a nossa conta, n'é? Nem os bifes s'aguentam tanto tempo na frente, não viram agor'os camones da esquer-da, em Fleurbaix, que já foram retirados p'ra descansar? E nós ind'aqui. Eles que mandem outros cá p'ró açougue.”
“Além do mais”, meditou Matias, “essa merda dos trinta dias de licença nem é novidade, já antes do Sidónio nos disseram o mesmo e a verdade é que a malta não viu nada. “
O ambiente entre os homens do CEP não era dos melhores e deteriorava- se de dia para dia, o cansaço desgastava-os e o exemplo que vinha de cima não era encorajador. Os lãzudos viam os aliados a rodarem regularmente as tropas, ainda dias antes a 38.a Divisão britânica, a vizinha da esquerda do CEP, tinha sido substituída pela 12.a Divisão após ter permanecido apenas três meses na linha. Matias podia ser um homem respeitador da hierarquia, mas não era tolo e tirou as suas conclusões quando começou a ver os próprios oficiais portugue-ses a passarem à frente dos soldados. A verdade é que todos gozavam licenças que, na prática, estavam vedadas às praças. O sentimento de injustiça, que crescia havia algum tempo entre os soldados, começou a afectar profunda mente o estado de espírito nas trincheiras. Onde alguns instantes antes predominava a euforia, sucedeu-se a angústia, a incerteza, a dúvida.
“Os tipos em Portugal tão-s'a a cagar p'ra nós, não percebes?, exclamou Vicente, gesticulando com profusão, frustrado e zangado, ansiava desesperada-mente por regressar a casa. “O Sidónio fez o golp'e abandonou-nos, não mand'ós reforços, não mand'á terceira divisão prometida pelo Afonso Cost'ós camones. “Mas, afinal, com quem é que a Alemanha está em guerra, hã? “, quis saber Baltazar, erguendo a voz. “Está em guerra com Portugal ou apenas com o CEP? Hã? Está em guerra com quem? É que parece que Portugal não tem nada a ver com esta merda, porra, parece que a guerra é só connosco!
“Os boches é que têm razão”, declarou Vicente, abanando a cabeça, desanimado.
“Os políticos tramaram-nos e tão agor'a lavar as mãos. “ Vicente referia-se aos folhetos lançados pelos alemães, informando os homens do CEP sobre a nova política de guerra de Sidónio Paes. O Folhetim de Guerra distribuído pelos morteiros inimigos sublinhava nas suas sucessivas edições que Sidónio, antigo ministro plenipotenciário de Portugal em Berlim, era um germanófilo que sempre se opusera à entrada de Portugal no conflito mundial e que, após derrubar o governo de Afonso Costa, tinha travado o projecto de constituição de uma terceira divisão para o Corpo Expedicionário Português. Na versão alemã, o novo governo decidira deixar as forças na Flandres entregues a si mesmas e o melhor era mesmo os soldados renderem- se.
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“Vocês não viram o que se passou com o major Gomes?“ atalhou Baltazar. “Pediu licença para ir para Portugal, passou à frente do pessoal e partiu. Depois, alegou doença e por lá ficou.“
“E o coronel Antunes?“, acrescentou Vicente. “Disseram-me qu'o tipo meteu os papéis em Aveiro a jurar que tava com problemas de saúde.“
“Problemas de saúde? “, questionou Matias com um sorriso irónico, vol-tando a quebrar o seu silêncio. “Deve ser diarreia. Então não se lembram de que o homem se borrou todo naquela noite em que as marmitas quase atingiram o abrigo onde ele estava escondido, lá em Marmousse? “
Riram-se todos, deliciados, a relembrarem a cena então relatada pela ordenança do coronel, o Alfredo, que assistira a tudo.
“Categoria”, exclamou Baltazar, dando uma palmada na coxa. “S'o gaj'é d'Aveiro é porqu'é cagaréu”, atalhou Vicente, sempre ácido nos seus comen-tários em relação aos oficiais. “Com'é cagaréu, n'hora do regresso também se deve ter cagado, coitado. “ Vários entre eles já tinham passado pelo mesmo, defecaram nas calças uma ou duas vezes durante um bombardeamento, sobretudo depois das primeiras mortes, no início, quando o som da tempestade de fogo a desabar em torno de si lhes gelava o sangue e libertava os intestinos, problema que, com o tempo e a experiência, aprenderam a controlar. Defecar nas calças não era, consequentemente, algo vergonhoso entre as praças, mas apenas um sinal de inexperiência. No grupo, aquele passou a ser considerado um fenómeno natural, afinal de contas eles eram lãzudos, viviam na lama como toupeiras, partilhavam o rancho com ratazanas e o sono com piolhos e passavam os dias a fintarem a morte, a fugirem aos snipers, a esconderem-se das minenwerfers. Acima de tudo, eram a carne que os canhões esquartejavam. Mas o coronel Antunes era diferente, ele era um cachapim, como quase todos os altos oficiais estava habituado a dar ordens para outros morrerem e a pregar sobre o sacrifício que terceiros deveriam fazer pela pátria, mas desconhecia o que era sofrer de medo, aquele medo da morte que subia pelas pernas fracas e secava a garganta, aquele horror paralisante que se espalhava pelo corpo e penetrava no coração, a tempestade de granadas a explodirem na alma e a despedaçarem a vontade. Era por isso que, quando um cachapim se borrava, todo o lãzudo gozava.
Matias recostou-se no seu canto.
“É tudo verdade”, assentiu o cabo, mirando as unhas sujas. “Mas a maior verdade é que o coronel Antunes passeia-se agora em Portugal no bem-bom e nós ainda aqui estamos. “
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Os sorrisos desfizeram-se e todos se calaram, pensativos e resignados. Foi nessa altura que Baltazar começou a farejar o ar com inspirações curtas e fortes, como um perdigueiro.
“Vocês não sentem este cheiro a alho? “
“Já tás com larica, Velho? “, perguntou Vicente.
“Por acaso estou. “
“Mas comemos há uma hora... “
“O que é que queres? Tenho fome e este cheirinho não ajuda. “ “Tens aqui uma lata de corned-beef. “
“Qual corno-bife qual quê. Um bifinho frito em vinha d'alhos é que vinha mesmo a calhar. “
E espirrou.
O capitão Afonso Brandão abriu a cigarreira prateada que Agnès lhe tinha oferecido depois do seu primeiro encontro amoroso, tirou um Kiamil, acendeu-o e ficou de olhar perdido no horizonte.
“Já viste isto, Cenoura? “, desabafou, sem se voltar para o amigo. “Já metem cunhas para saírem daqui. Cunhas. “
O tenente Pinto passou a mão pelo bigode ruivo e sorriu.
“És mesmo ingénuo, Afonso. Do que é que estavas tu à espera?”
“Até o capitão Cabral! “
“Quem me dera ir com ele... “
Afonso largou uma baforada do seu Kiamil e baixou a cabeça. “Sabes o que é que eu não percebo? “
“ O quê?”
“É que não haja uma decisão. “
“ Que decisão?”
“Uma decisão qualquer, caraças, mas uma decisão”. Olhou para o amigo. “Se o Sidónio acha que é de sair da guerra, então que assuma e vamo-nos todos embora, não estamos cá a fazer nada. Se o Sidónio acha que é de ficar, então que nus envie reforços, que crie as condições para podermos combater com eficácia. Agora, isto? Isto não, isto não é nada, isto é não querer decidir, isto é fugir às responsabilidades. “ Pinto suspirou.
“Ai, Afonso, Afonso, parece que nasceste ontem, homem. Há quanto tempo te ando eu a dizer que nos metemos numa embrulhada, que não estamos aqui a fazer nada?
Andamos nós aos tiros e aqueles gajos a gozarem com a malta...“ 325
“A questão não é essa, Cenoura”, disse Afonso, dando meia-volta para entrar no posto, fazia demasiado frio cá fora. “A questão é que andamos aos ziguezagues, ora estamos empenhados, ora não estamos, ora estamos outra vez... “, desabafou, gesticulando imenso, irritado, o tenente Pinto a segui-lo para dentro do abrigo. “Assim ninguém se entende. Por exemplo, olha para a palhaçada do sistema de licenças. “
“O que é que tem? “
O capitão sentou-se pesadamente no caixote de munições que servia de banco e o tenente acomodou-se no catre de arame.
“O que é que tem? O que tem é que é uma vergonha pegada. Primeiro, eram quinze dias. Depois, passou para vinte. A seguir, para trinta. Feitas as contas, estamos em zero porque só os oficiais é que as gozam. “
“Ainda te queixas? Que eu saiba, ainda noutro dia foste gozar uma licença a Paris... “
“Mas o problema, Cenoura, não é os oficiais gozarem licenças, isso é normal e merecido. O problema é que as praças não gozam a porra de licenças nenhumas, e isso é que é desmoralizante para os homens. “
“Estás preocupado com eles? “
“Claro que estou, caraças, e tu também devias estar. Como é que nós, os oficiais, vamos comandar soldados que se sentem gozados, esquecidos e humilhados? Que moral temos nós para os mandarmos para o combate quando, na hora das licenças, lhes passamos todos à frente? O que acharão eles destes oficiais que fazem uns arranjinhos para se porem na alheta e que, uma vez em Portugal, vão a uma junta médica efectuada por uns amigalhaços quaisquer e arranjam mil e uma desculpas para não voltarem para cá? É
evidente que os magalas podem ser analfabetos, mas não são totalmente estúpidos e percebem muito bem que são os únicos que não arranjam maneira de saírem daqui. “
“Problema deles. “
Afonso atirou o Kiamil esgotado para o chão lamacento do posto e esmagou a beata com a bota, certificando-se de que o lume se extinguia.
“Não é problema deles, não senhor. É um problema nosso, já te disse. Como é que eu vou comandar em combate soldados que se sentem deste modo esquecidos? Qual o moral das tropas quando a coisa der para o torto? Achas que consegues lutar sozi nho contra os boches? Quando a coisa aquecer, tu precisas dos homens, Cenoura. Se eles não estiverem lá ou não quiserem combater, chapéu, estás tramado, quilhado. Não te esqueças disso. “
“Afonso, cada um faz pela vida... “
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“Porra, Cenoura, mete na cabeça que, com essa mentalidade, ninguém vai longe.
Temos um quadro de oficiais que é uma vergonha, sempre a conspi-rarem, a falarem mal de tudo, no bota -abaixo, a verem quandu é que se põem ao fresco. “ “Não são os oficiais que são uma vergonha”, cortou o tenente
Pinto, erguendo a voz. “São os políticos que nos venderam, esses Afonsos Costas...“
“Quem é pior? O Afonso Costa, que colocou Portugal nu mapa...” “... esses Bernardinos Machados.“
“... ou o Sidónio Paes, que abandonou a malta?“
“Essa canalha toda dos republicanos e do Partido Democrático. “ Já não se ouviam, um e outro aos berros, cada vez mais alto, ambos nervosos, até que a voz de Afonso acabou por se impor,
afinal de contas, embora amigos, era ele o capitão. “Deixa a política de parte”, disse finalmente, fazendo um gesto para acalmarem a conversa e evitarem aquela parte controversa sobre a qual nunca chegariam a acordo. “Se calhar, os políticos são todos culpados, não sei e não interessa para o caso. O qyue interessa é que pa ra aqui fomos mandados e aqui estamos. E, se aqui estamos, só temos agora duas opções: ou cumprimos bem a nossa missão ou ficamos de braços cruzados a falar mal de tudo e de todos. Não sei o que é que tencionas fazer, mas eu sei qual o meu dever.
“Vais cumprir bem a tua missão”, adiantou o tenente com desdém.
“Exacto”, assentiu Afonso, optando por ignorar a ironia colocada pelo amigo no tom de voz. “Não posso aceitar o comportamento que vejo em muitos oficiais que se estão pura e simplesmente a cagar para os homens, não querem saber se eles estão bem, não mostram qualquer interesse em partilharem as suas privações e sacrifícios, nem sequer em correrem os mesmos riscos. Apenas se mostram preocupados no bota-abaixo, em comerem as demoiselles, em andarem nas passeatas, em emborcarem cerveja nos estaminets... “
“Tem graça tu dizeres isso, Afonso”, atalhou Pinto com frieza. “Ainda há uma semana estavas tu com uma demoiselle numa passeata... “
“Não é a mesma coisa”, corrigiu Afonso, embaraçado. “Em Paris. Agora, o que é mais curioso, meu caro, é que tu falas em partilhar privações, o que é muito bonito, mas a verdade é que já andas a dormir em palacetes. E, quanto a correr riscos ao lado dos homens, eu gostava de saber para que missões já te candidataste tu? “
“Estive a chefiar a operação para expulsar os boches que nos atacaram as trincheiras em Novembro. “
“Isso foi quando eles atacaram, que remédio tiveste tu senão combater. Mas o que eu quero saber é para quantas missões de patrulha e para quantos raides já te candidataste? “ 327
“Sabes muito bem que não têm ocorrido raides nossos. “ “Mas tem havido patrulhas todas as noites. Quantas integraste tu?”
“Não calhou. “
“Não integraste nenhuma. Nenhuma, Afonso. As patrulhas são quase exclusivamente constituídas por praças, fazem-se dezenas de patrulhas por noite e raramente há um oficial que as comande. Portanto, não me venhas com tretas e a falar nos nossos oficiais que são uma merda, porque tu também és um deles. Também tu passeias demoiselles pela retaguarda enquanto as praças têm de pagar pelas putas do Le Drapeau Blanc, também tu dormes em palacetes enquanto as praças se ficam pelos palheiros, também tu te abrigas no posto de betão enquanto as praças se aguentam à bronca com as marmitas dos boches a caírem-lhes nos buracos de lama, também tu ficas a ver da primeira linha enquanto as praças tropeçam em boches nas crateras traiçoeiras da Avenida Afonso Costa. No fundo, meu caro, és como eu e o resto do pessoal. Só falas é de maneira diferente.” Afonso fitou o amigo nos olhos e permaneceu um instante em silêncio. Quando falou, falou com intensidade, com convicção, a voz tranquila e segura, o olhar sereno e determinado.
“Estás enganado, Cenoura”, disse. “Não sou como vocês e hei-de prová-lo.” Levantou-se e abandonou o posto, seguindo em passo firme para a ronda da tarde.
Mas a certeza de que iria provar a diferença foi-se esbatendo à medida que caminhava e reflectia sobre o pouco que sabia de si. Bem lá no íntimo não fazia ideia de como quebrar o medo que lhe tolhia os movimentos nos instantes de puro terror. Tinha consciência de que uma coisa era falar e outra executar, sabia que, nos momentos de aflição, as suas reacções eram imprevisíveis e incontroláveis, a emoção toma conta da mente e a animalidade sobrepõe-se à humanidade. Quantos homens que passavam a vida a falar de heroísmo e a preparar-se para o grande teste não fraquejavam quando o momento chegava, enquanto outros, tímidos e calados, na hora das dificuldades tudo pareciam superar. O que era afinal a temeridade senão fingimento, que era a coragem senão o medo de se ser considerado cobarde? O que era o heroísmo senão um acto resultante do medo social que se sobrepõe ao medo animal? E o que era a bravura senão um momento de pura loucura, um gesto insano feito para benefício alheio e prejuízo nosso?
O major Botelho aproximou a vela para observar melhor os olhos do soldado.
Passava das três da manhã quando o grupo de praças lhe apareceu no posto de socorros avançados a queixar-se de mal- estar, e o major era o médico militar de serviço. Analisou superficialmente os soldados, eram quatro homens e alguns gemiam. Começou com o caso que lhe pareceu mais agudo.
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“Como é que você se chama? “, perguntou, estudando os olhos inflamados do homem.
“Baltazar, meu major.“
“Como é que você apanhou isto, Baltazar?“
“Não sei, meu major. Estava no abrigo com os meus maradas e comecei a espilrar, a espilrar... “
“A espirrar”, corrigiu o médico.
“Isso. E aqui os meus maradas no mesmo. Depois sentimos o nariz e a garganta assim a arder, uma sensação cada vez mais forte, percebemos que estávamos com gripe. Há pouco, começaram-nos a doer muito os olhos e a sair ranho do nariz. Vieram-me também umas dores na barriga e vomitei antes de chegar aqui ao posto. “
“Quando é que começaram a espirrar? “
“Foi aí há umas doze horas, ao início da tarde, meu major. “ “E vocês? “, perguntou aos outros, sem tirar os olhos da inflamação de Baltazar.
“Nós o mesmo, meu major”, disse Matias. “Foi na mesma altura. A diferença é que não vomitámos. “
“A mim, para além da barriga, dói-me também a cabeça”, adiantou Vicente.
Abel Lingrinhas apontou para uns pontos na cara e no pescoço.
“Eu tenho aqui umas borbulhinhas. “
O médico ponderou o caso enquanto limpava os olhos de Baltazar com um algodão molhado.
“Hum”, murmurou pensativamente. “Vocês por acaso não apanharam um ataque de gás? “
“Não, meu major”, negou Matias, enfatizando com um abano da cabeça. “É gripe. “
“Hum”, voltou o médico a murmurar. “Abra a boca. “ Baltazar abriu e o major Botelho analisou a garganta irritada. “Não sentiram um cheiro a mostarda? “
“Não, meu major”
“Nem a alho? “
Os soldados entreolharam-se.
“ Bem. “
“ Sentiram um cheiro a alho?”
“Sim, meu major. “
O médico parou de inspeccionar Baltazar e mirou o grupo. “E não puse-ram as máscaras?
Os soldados baixaram a cabeça.
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“Não, meu major. “ O médico suspirou.
“Burros. Vocês são uns burros. Então não sabem que têm de pôr as máscaras logo que sentem um cheiro a químicos? Não sabem? “
“Meu major”, disse Baltazar, a voz submissa. “Nós não cheirámos químicos.
Cheirámos comida”
“Qual comida, qual quê! Vocês apanharam foi com gás em cima. Onde é que estavam quando vos cheirou a alho? “
“No abrigo, meu major. “
O major Botelho largou os olhos de Baltazar e sentou-se num caixote, junto a uma mesa. Tirou uns formulários de uma gaveta, colocou-os sobre a mesa e começou a tomar notas. “Quando saíram do abrigo, repararam em algumas granadas intactas?”
“Sim, meu major. “
“Como é que elas eram? “
Os homens entreolharam-se, não percebendo a pergunta.
“Bem, eram granadas de ferro, meu...
“Não é isso”, impacientou-se o médico. “Estavam pintadas com alguma cor?“
“Sim, meu major”, adiantou Matias, o mais observador do grupo. “Eram granadas de 7, 7 centímetros, de modelo
comprido, pintadas a azul e com a cabeça amarela. Lembro-me de que tinham duas cruzes, acho que uma era verde e a outra amarela. “
“Mau, não percebo nada. Verde e amarela ou azul e amarela? “ “As cruzes eram verde e amarela, mas as granadas estavam pintadas a azul e amarelo. “
“Azul e amarelo”, repetiu o médico, pegando num grosso dossier que se encontrava numa estante, a capa a indicar tratar-se dos relatórios dos Chemical Advisers do XI Corpo britânico. Abriu a pasta e folheou as páginas. “Azul e amarelo. “ Virou uma folha. “Azul e amarelo. “ Outra folha. Passou os olhos de relance por cada relatório, apenas atento ao segundo ponto de cada documento, intitulado nature of the shells. “Azul e amarelo. “ Mais uma. “Azul e amarelo. “ Mais outra. “Azul e amarelo... cá está. “ Pousou o dedo na linha que procurava e leu. “Painted blue with yellow on top.“ Tirou a folha e estudou-a com atenção.
Levou um minuto a analisar o relatório e a tirar as suas conclusões, mais para si do que para os homens. “Pois, estou a ver, isto é um derivado do enxofre com uma elevada percentagem de clorina”, murmurou, coçando o queixo. Consul-tou demoradamente o último ponto do documento, referenciado como symptoms of personnel. Mais um longo minuto de leitura e voltou enfim a quebrar o silêncio. “Pois, pois, está aqui tudo. Vómitos, olhos inflamados, irritações na garganta.“ Sem levantar a cabeça, arrancou uma folha do 330
formu-lário e começou a preenchê-la. “Vou mandar-vos para um hospital de sangue. “ Agora, sim, ergueu a cabeça e fitou os homens. “Nomes e números? “
“É grave, meu major? “
“É grave, é”, confirmou o médico, o olhar carregado. “É grave que vocês sejam casmurros que nem umas portas e não ponham as máscaras conforme diz o regulamento. “
“Mas é muito grave?“, insistiu Baltazar, ansioso e com os olhos a lacrimejarem profusamente por causa da inflamação.
“A única coisa que é grave é que o CEP vai ter de sobreviver sem vocês durante dois dias”, retorquiu o médico, prolongando o suspense. “Quanto às vossas miseráveis pessoas, vão ficar toda a noite aflitos, mas amanhã, pelo meio-dia, deverão estar melhores. Este é um gás tramado porque quase não se sente o cheiro, mas a vantagem é que não faz demasiado mal. Vou dar-vos uma baixa de quarenta e oito horas e depois regressam às trinchas. “
“Obrigado, meu major”, disseram todos quase em coro, aliviados e momentaneamente sorridentes. Não havia melhor coisa do que ter uma baixa devido a um mal que não era permanente.
“Vamos lá, vamos lá”, impacientou-se o major Botelho. “Nomes e números?
“Matias Silva, meu major. Número 216 “
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