Nota final
Tratando-se, é certo, de uma obra de ficção, este romance procura reproduzir factos históricos ocorridos na Flandres em 1917 e 1918. As personagens centrais são criações do autor, embora as situações por elas vividas sejam inspiradas em acontecimentos e episódios que efectivamente se reprodu-ziram. Em alguns casos, e para benefício da narrativa, esses acontecimentos foram comprimidos no tempo ou adaptados ficcionalmente. A reunião de Mons, a 11 de Novembro de 1917, ocorreu realmente, embora o palco não tenha sido a Mairie. Foi aí que começou a ser delineada a Operação Georgette, o plano de ataque às forças portuguesas, e os diálogos reproduzem os raciocínios efectivamente desenvolvidos pelo Alto Comando alemão nessa e em reuniões subsequentes. Os raides descritos no livro foram de facto executados, designadamente os de 22 de Novembro de 1917 e 9 de Março de 1918, para já não falar nos acontecimentos do Natal de 1917 e, evidentemente, na grande batalha de 9 de Abril de 1918, quando quatro divisões alemãs atacaram a única divisão portuguesa que defendia a linha naquele sector.
Para benefício da narrativa, contudo, foram alterados alguns pormenores. Os nomes das ruas e trincheiras de Fauquissart, Neuve Chapelle e Ferme du Bois estão correctamente reproduzidos. Várias personagens são reais, desde os altos comandos portugueses, britânicos e alemães até figuras como o então tenente-coronel Eugénio Mardel, o major Montalvão e a maior parte das perso-nagens que resistiram em Lacouture e ainda o farmacêutico Francisco Barbosa, o professor Manoel Ferreira ou o empregado da farmácia Franco que jogava na equipa do Grupo Sport Lisboa. O texto da tabuleta de St. Venant com o “Avisa” sobre o uso de latrinas é verdadeiro, tal como o da carta em francês de um soldado ao irmão e todas as citações de jornais e relatórios, mais o jargão e o calão das trincheiras.
Para que este romance fosse possível tornou-se necessário efectuar um profundo trabalho de pesquisa histórica. Consultei milhares de documentos do Arquivo Histórico-Militar e da Biblioteca Nacional e centenas de livros sobre os mais variados temas, desde a guerra até matérias de mera referência da época, como obras sobre moda, fardas militares, mobiliário, electricidade, utensílios de uso corrente, produtos de consumo, comboios, automóveis, artes, filosofia, medicina, e ainda postais ilustrados e anuários comerciais com as mais variadas informações úteis, incluindo horários de diligências e comboios, preços de 477
bilhetes de caleches, percursos ferroviários, estradas existentes na altura, feiras, restaurantes, hotéis, pastelarias, padarias, jornais, ruas, etc.
Na verdade, deitei a mão a tudo o que pudesse ajudar-me a situar a época e a reproduzir o espírito do tempo, ao mesmo tempo que procurava evitar os sempre enervantes anacronismos. Seria demasiado fastidioso enumerar todas as obras consultadas, pelo que me limitarei ao estritamente essencial. Entre as fontes bibliográficas mais importantes sobre o conflito de 1914-1918, destaque para os relatos feitos por militares que participaram na guerra e publicados nos livros A Batalha do Lys, do general Gomes da Costa; Livro da Guerra de Portu-gal na Flandres, do capitão David Magno; O Soldado-Saudade e Ao Parapeito, do tenente Pina de Morais; A Malta das Trincheiras, do capitão, dramaturgo, jornalista e humorista André Brun; Os Portugueses na Flandres, do tenente-coronel Fernando Freiria; A Brigada do Minho na Flandres, do coronel Eugénio Mardel; João Ninguém, Soldado da Grande Guerra, do capitão Menezes Ferreira; O Bom Humor no C. E. P. do major Mário Affonso de Carvalho; Good-bye to All That, do capitão e poeta Robert Graves; e War Letters of Fallen Englishmen, de Laurence Housman.
Também foram consul-tados estudos sobre os acontecimentos na Flandres envolvendo o CEP, designadamente La Lys, de Castro Henriques e Rosas Leitão; Guerra e Marginalidade, de Alves de Fraga; Portugal e a Guerra, de Nuno Severiano Teixeira; e Portugal na Grande Guerra, de Aniceto Afonso e Matos Gomes. Finalmente, as fontes de informação sobre o conflito e as circunstâncias em que ele foi combatido incluem obras como The Trench, de Richard van Emden; To the Last Man, de Lyn McDonald; Over the Top e 918, de Martin Marix Evans; A Foreign Field, de Ben Maclntyre; The Swordbearers, de Correlli Barnett; Christmas Truce, de Malcolm Brown e Shirley Seaton; History of the First World War, de Sir Liddell Hart; The First World War, de Stephen Pope e Elizabeth-Anne Wheal; The World War Source Book, de Philip Haythornthwaite; True World War Stories, de Jon Lewis; The Western Front, de Malcolm Brown; The Battle of Neuve Chapelle, de Geoff Bridger; Les soldats de a Grande Guerre, de Jacques Meyer; La Grande Guerre, de Marc Ferro; e Première Guerre Mondiale, de Pierre Chavot e Jean-Denis Morenne.
Todos os erros históricos que o romance eventualmente contenha são da minha inteira e exclusiva responsabilidade. Mas devo sublinhar que, no que ele porventura tem de bom, fico-o a dever à inestimável ajuda prestada por um conjunto de pessoas que me deu preciosas indicações para o trabalho de investi-gação. Agradeço penhoradamente o auxílio de Luís Cunha, do ACP Clássicos; de Augusto Lopes, da Câmara Municipal de Rio Maior; do Valdemar Abreu, da CP; do tenente-coronel Vieira Borges, da Academia Militar; de José 478
Paulo, director do Seminário Conciliar de São Pedro e São Paulo; do José Manuel Mendes e do Luís Costa, entusiásticos guias pelo passado de Braga; da Ziza e da Nicole, pela ajuda no alemão; e do Guilherme Valente, o editor que lutou pelo livro. Alguns destes amigos ajudaram-me igualmente nas revisões do manuscrito, pelo que esta obra também lhes pertence.
O agradecimento final vai para a Florbela, a primeira leitora e a grande musa, a origem e o destino deste romance.
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